2023.1
Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA
O Jornal da Facom está de volta junto com a implantação do novo curso de Jornalismo
Páginas 4 e 5
Do impresso ao digital: as transformações do jornalismo
Página 8 e 9
Conheça os bastidores dos principais jornais impressos da Bahia
Página 14 e 15
O fotojornalismo sob o olhar de profissionais
1
Ilustraçaõ: Carla A. Risso
Maio 2023
Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia
Rua Barão de Geremoabo s/n, Campus de Ondina CEP 40.170-115 Salvador – Bahia - Brasil
Asegunda década do século XXI já começou. Neste período, a humanidade se viu face a face com o seu maior medo: a solidão. Sentimos falta da presença, sentimos falta do toque, falta do que é físico e, depois de três anos, estamos aprendendo a conciliar a memória do mundo em que vivíamos com a realidade que encontramos no fim. A edição 2023.1 do Jornal da FACOM é a forma que encontramos para nos conectar fisicamente com nossos leitores, por meio do resgate do nosso legado e da projeção de um novo futuro. A memória é a preservação do passado que baseia o que está por vir. O futuro do jornalismo é a tecnologia, mas a história do jornal impresso representa o caminho percorrido. Resgatar o passado nos permite compreender o presente e pavimentar o futuro, nas palavras do Sr. Miyagi, em Karatê Kid: “Primeiro aprender a ficar em pé, depois aprender a voar.” O olhar do jornal impresso sobre o mundo é a nossa maneira de criar conexões profundas com a realidade. É uma forma de valorizar as bases que nos sustentam. Uma carta aberta para superar a solidão. Esta edição especial propõe realizar uma imersão metalinguística no jornalismo impresso e sua contribuição na preservação histórica da nossa faculdade e na construção do imaginário do jornalismo baiano. Somos os precursores de uma nova fase. Uma nova geração conduzindo um recomeço.
Produção da disciplina Jornalismo Integrado III
Primeira edição, semestre 2023-1
Reitor: Paulo Cezar Miguez
Diretor da Facom: Leonardo Costa
Coordenação Editorial:
Ivanise Andrade - DRT/MS 097, Carla A. Risso, - MTb 19.260
Diagramação: Catherine Matos, Kauane Brito, Liz Fontes, Lizy Teixeira, Luiza Raposo, Yasmim Oliveira
Editores: Alan Pinheiro, Arthur Soares, Camila Xavier, Giovanna Araújo, Maria Eduarda Pinto, Rafael Carmo
Repórteres (turma 2023.1): Alan Pinheiro, Caio Pamponet,
Caio Galvão, Carlos Eduardo Santos, Catherine Matos, Iasmin Santos, Jamile Santos, Kauane Brito, Lais Rocha, Laura Matos, Liz Fontes, Lizy Teixeira, Mariana Gomes, Paula Eduarda Araújo, Pedro Carreiro, Victor Hugo, Yasmim Oliveira
Repórteres Fotográficos: Alan Pinheiro, Laura Matos, Raquel Franco
Divulgação: Elis Dourado, Karen Caldas e Luiza Raposo
Agradecimentos:
Mara Mércia (foto da turma) - LABFOTO
Projeto Gráfico: Amanda Lauton Carilho/EDUFBA
Distribuição gratuita
Contato: jf.ufba@gmail.com
Foto: Mara Mércia/Labfoto
Entre linhas e histórias
Indo do Nariz de Cera ao JF, percorra a trajetoria de quase 30 anos do jornal laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA
Na bagagem, quatro nomes, matérias marcantes, inúmeras memórias, quase três décadas de existência e uma missão: formar jornalistas e aprimorar habilidades para pautar, apurar, escrever, editar e diagramar um produto jornalístico.
Em dezembro de 1996, foi criado o “Nariz de Cera”, o primeiro veículo laboratorial com periodicidade e constância da Faculdade de Comunicação da UFBA. O projeto foi idealizado pelos professores Fernando Conceição, na época professor substituto e editor do jornal, e Renato Silveira, responsável pelo design. O jornal era produzido por alunos de diversas disciplinas e tinha uma tiragem de 2000 exemplares, chegando ao fim em 1998, quando Fernando deixou a FACOM.
“Era um teste para todo mundo. Você não forma ninguém com uma ou duas edições de jornal laboratório, mas você já começa a pegar dicas e orientações dos professores. É sempre interessante, uma forma de começar no jornalismo”, afirmou Marcos Casé, aluno da FACOM entre 1996 e 2001, sobre a experiência de participar da produção do Nariz de Cera.
Em 2001, o jornal já havia mudado seu nome para JL (Jornal Laboratório) e passou a ser coordenado pelo professor Elias Machado, que exerceu a função até 2006, e hoje é docente no Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Nessa fase, o JL era produzido mensalmente, tendo quatro edições por semestre. A atividade era realizada na disciplina de Redação para Impresso e tinha uma dinâmica de circulação que envolvia todos os alunos, possibilitando a distribuição do jornal em cerca de 24 horas após sua publicação.
“Havia um estímulo à produção de reportagens com profundidade. Tivemos o mérito de publicar uma série de reportagens assinadas por Lília de Souza e Cláudio Leal sobre o uso dos espaços públicos do HU (Hospital Universitário) pela Fundação Bahiana de Cardiologia para fins privados”, revelou Elias. A fundação estava cobrando por seus serviços, dessa forma descumprindo as normas do SUS, o que acarretou em sua retirada das instalações.
Após o retorno de Fernando Conceição à FACOM, agora como professor efetivado e novo editor responsável, o JL ganhou um novo projeto edi-
torial e teve sua edição número zero publicada em maio de 2006. Com a renovação, o jornal laboratorial tornou-se um tabloide com 32 páginas e uma tiragem inicial entre 5.000 e 10.000 exemplares. O projeto também recebeu uma versão digital, tendo uma edição mensal produzida por alunos da disciplina de O ficina de Jornalismo Impresso.
Inicialmente, o jornal se chamaria “Merda”, nome sugerido pelo próprio Fernando Conceição. “É um nome que remete a boa sorte no teatro. No mundo cultural é muito comum você dizer ‘merda’ desejando boa sorte”, explica o docente. No entanto, o nome não foi aprovado pela faculdade, e, após circular por quatro edições sem nome, passou a se chamar Jornal da Facom, em 2007.
A professora Malu Fontes foi a responsável pela publicação entre 2007 e 2010, sendo substituída pela docente Graciela Natansohn. “Por ser feito por alunos ainda iniciantes do curso de Jornalismo, havia muitos problemas durante o processo de produção, mas isso aprimorava as habilidades individuais de escrita, apuração, pesquisa, dentre outras”, comentou Graciela. A partir de 2013, apesar de manter o formato de impresso, o Jornal da Fa-
com passou a ser publicado também no site Issuu e distribuído nas redes sociais.
Com a chegada da pandemia de Covid-19, o Jornal da Facom interrompeu a produção periódica por conta das dificuldades para apuração, impactando na formação dos alunos que ingressaram nesta época. “Levando em consideração que na FACOM falta muita coisa de prática, de apuração de fatos e diagramação, a ausência do Jornal fez muita falta”, afirmou Leonardo Almeida, aluno da instituição desde 2019 e estagiário do Bahia Notícias.
A partir dessa edição, o Jornal da FACOM passa a ser produzido pelos estudantes da disciplina Jornalismo Integrado III, ministrado pelas docentes Ivanise Andrade e Carla Risso, com a proposta de duas edições por semestre disponibilizadas de forma impressa e digital. “O jornal impresso é uma parte muito importante do jornalismo e infelizmente não tem mais o reconhecimento que já teve. O Jornal da Facom é importante para preservar essa memória, e todo o conhecimento por trás desse formato”, afirma Maria Eduarda Pinto, aluna que está produzindo esta edição do jornal.
JORNAL LABORATÓRIO FACOM/UFBA EDUCAÇÃO | PÁGINA 3
Carlos Eduardo e Caio Lucas
Foto: Raquel Franco / Labfoto
Há quase três décadas, o jornal laboratorial da FACOM auxilia na formação dos jornalistas da Bahia
Do impresso ao digital
As transformações do jornalismo e os seus desafios.
Ojornalismo impresso tem um papel histórico fundamental na agenda e na formação da opinião pública. Entretanto, com os avanços tecnológicos e a crise pandêmica dos últimos anos, os hábitos de leitura vêm sendo impactados diretamente, e esse modelo comunicativo tem perdido espaço para as novas tecnologias da informação.
Segundo dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação), em 2022, os jornais impressos brasileiros tiveram uma queda de 16,1% na circulação. Além disso, as assinaturas em 2023 representam apenas 46,7% do número de leito-
res fiéis ao jornal em 2019, ano anterior ao início da pandemia. Em contrapartida, as assinaturas digitais cresceram 27% nos últimos 4 anos, ressaltando o fortalecimento do jornalismo digital na atualidade.
Os números mostram que a pandemia acelerou ainda mais os processos de plataformização e a busca por informação em veículos digitais..
Tânia Azevedo, advogada, 67 anos, conta que cancelou as assinaturas dos impressos durante a pandemia por medo de contaminação, mas assinou as versões digitais de dois jornais locais para continuar se mantendo informada. “Mesmo com o fim da pandemia, não pretendo voltar aos jornais físicos. A versão online acaba sendo mais objetiva e prática”, assumiu a advogada.
Para o presidente da ABI (Associação Baiana de Imprensa), Ernesto Dantas, o jornal impresso precisa repensar suas rotinas e mesclar práticas do jornalismo digital para se sustentar no mercado. “Esses jornais não têm mais o poder de in fl uência e relevância de antes. A marca sobrevive, porque ela é conhecida, mas precisa se transformar para sobreviver. O veículo que tem um bom número de tiragens atualmente é porque o seu projeto em web se complementa e funcionam em conjunto”, ressaltou Dantas.
Busca por inovação
Apesar de o panorama refletir a preferência do leitor por notícias online e o enfraquecimento dos moldes de produção e circulação do mode-
PÁGINA 4 | CULTURA &COMPORTAMENTO JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Iasmin Santos, Lizy Teixeira e Mariana Gomes
Foto: Raquel Franco/Labfoto
lo impresso, Meire Oliveira, editora do jornal A Tarde, o mais antigo jornal impresso baiano em circulação, defende que os jornais impressos não serão extintos. “Quando surge um novo veículo de comunicação, há a crença do fim do jornalismo impresso. Porém, até hoje não ocorreu, porque o público do jornal não é o jovem da geração Z. O conforto que ele proporciona ao leitor, de sentir a informação e a materialidade dela, não pode ser transmitido pela internet” afirma a jornalista. Para Meire, a sobrevivência do modelo impresso depende da reinvenção do veículo e de sua capacidade de adequação às tendências
atuais, tarefas que devem ser realizadas pela nova geração de profissionais do jornalismo. “Os temas da atualidade precisam estar nas pautas escritas da forma mais didática possível, assim como estão na internet. É papel da nossa nova geração de jornalistas, sejam da FACOM ou de outras universidades, não deixar que o impresso se acomode com o modus operandi de produção tradicional”, defendeu Meire.
Acerca da compreensão da universidade como principal agente formador da profissão na busca pela sobrevivência da prática jornalística alinhada às inovações, a jornalista Clara Albu-
Entre a modernização da linha editorial e da redação
Presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da UFBA, Ernesto Dantas Araújo Marques fala sobre sua trajetória e apresenta perspectivas acerca do jornalismo.
Quando você escolheu seguir carreira no jornalismo, você imaginava assumir cargos em entidades representativas?
Na verdade, eu comecei a brincar de jornalismo ainda criança. Fiz um jornal em casa, nos fins de semana, era costume ter um entra e sai muito grande de familiares e amigos. Então eu fiquei muito impregnado com essa coisa mais romântica do jornalismo, como sempre gostei de ler e escrever. Como secundarista, participei do jornal da escola e na hora de prestar o vestibular, não tive muita dúvida. Eu não tinha muita expectativa nesse sentido, até porque quando eu comecei a trabalhar, acabei enveredando mais para o lado da televisão. Era uma função que eu nunca imaginei fazer, já que eu sempre me considerei um cara mais dos bastidores e da escrita.
Como presidente da ABI, uma instituição que, dentre outras atri buições, tem a missão de manter a memória do jornalismo baiano, como o sr. observa o processo de rejuvenescimento das redações?
A gente chama isso de juniorização das redações. Puxando um pouco a brasa para a sardinha da minha geração, é absurdo você considerar velho um jornalista de 50 anos. É uma fase que você guarda ainda muito vigor no sentido mental e físico mesmo. Mas ao mesmo tempo, você já tem uma experiência de vida considerável, já fez grandes entrevistas. Eu acho que isso é uma coisa que soma muito, principalmente quando você está em cargo de editoria, quando se está secretariando uma redação ou quando está dirigindo um veículo de comunicação. Abrir mão de experiência é uma coisa que me choca, além disso você deixar de ter contato intergeracional. Eu aprendi muito com os jornalistas mais experientes que eu conheci e que me deram atenção, me deram tempo, se preocuparam em conversar e contar vivências profissionais. Histórias em redação ou em mesa de bar, essa
querque, ex-aluna da FACOM (Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia) e, atualmente, correspondente da TNT Sports Brasil na Itália, afirma que a faculdade foi um laboratório de aprendizagem e preparação para o mercado. “Todas as transformações que o jornalismo baiano passou foram debatidas no instituto para encontrarmos modos de produção mais qualitativos, encontrarmos avanços e não estagnarmos. A produção científica e acadêmica da FACOM soube cumprir o seu objetivo de nos ensinar como é o jornalismo na prática, para além da sala de aula”, reflete Clara.
convivência sua geração não vai ter mais porque um Jornalista como eu é plenamente descartado, você não vai conviver com o cara da minha idade. Apesar de não ser velho.
Como você avalia a transformação das linhas editoriais de jornais com o objetivo de se popularIzar e chamar a atenção do leitor?
Eu acho que vale tudo para chamar atenção do leitor menos depreciar a qualidade da informação. Tudo menos fazer qualquer tipo de confusão entre informação qualificada, jornalismo e conteúdo para se difundir com certa rapidez em redes sociais. Isso essencialmente não é jornalismo. Isso não é produção de informação que tem utilidade pública. Estando em uma realidade que nos empurra nessa direção, eu acho que resistimos muito pouco, a gente absorve.
JORNAL LABORATÓRIO FACOM/UFBA CULTURA &COMPORTAMENTO | PÁGINA 5
Foto: Acervo Pessoal
Catharine Ferreira
Ernesto Dantas Araújo Marques, presidente da ABI
Se abrir, o vento leva A luta para preservar a memória do cotidiano da Bahia nos acervos de jornais em Salvador
Ao retirar um exemplar encadernado em couro vermelho de um jornal do século XIX do seu lugar na prateleira, o auxiliar de biblioteca Fernando da Costa Pinto solta um xingamento: um pedaço rasgado do jornal caiu do caderno, entre as folhas amareladas, até o chão. Ele tinha avisado anteriormente, fazendo menção à mesa da biblioteca do Instituto Histórico Geográfico da Bahia (IHGB), localizado na Praça da Piedade: “Tem muitos jornais que se eu abrir aqui em cima, o vento leva.”
A instituição, que mantém seu prédio e acervo com contribuições de seus sócios e convênios públicos como os do programa Fazcultura, guardava na última contagem, em janeiro deste ano, 2.072 exemplares de jornais extintos e correntes. O mais antigo é datado de 1858. Muitos estão envelopados esperando a digitalização que é prometida há mais de 20 anos, mas nunca encontrou recursos, enquanto outros vão lentamente se degradando ao serem manuseados por historiadores, geógrafos e juristas que pesquisam sobre o passado da Bahia. “A gente já está nessa batalha há anos, mas para cultura o governo não dá patrocínio”, reclamou o auxiliar, conhecido no prédio como “guardião da biblioteca”.
Apesar da falta de recursos para restaurar ou digitalizar os jornais, o acervo do IHGB tem a van-
tagem de ser relativamente vivo: além dos pesquisadores, leitores resistentes dos jornais impressos como Antônio Mário Guimarães, de 73 anos, comparecem rotineiramente ao Instituto para ler a edição do dia. Segundo ele, por ser o lugar “mais conveniente” para fazer a leitura. Essa mesma edição do dia, inclusive, ainda é guardada como as antigas. Há exemplares de 2022 encadernados nas mesmas capas de couro vermelho que os jornais do século XIX.
O processo de restauração depende de papéis importados e produtos químicos especiais. O custo pode chegar a R$ 2.000,00 por exemplar.
A 400 metros dali, nos Barris, a situação do acervo de jornais da Biblioteca Central do Estado também é complicada. Após informações desencontradas, a reportagem obteve dados oficiais da Fundação Pedro Calmon de que a Biblioteca guarda o maior acervo do estado, com 577.308 exemplares, incluindo duplicatas, além de 293 jornais raros. Desse número, no entanto, aproximadamente 57.000 jornais estão em algum grau de deterioração que não permite o seu uso pelo público.
Mesmo com esse número de títulos sem condições de uso, o mestrando em história da Universidade Estadual de Feira de Santana, Eric Matheus, diz que encontrou em bom estado os jornais que procurava para sua pesquisa sobre escravidão e relações de trabalho, atendendo às suas expectativas.
Já do ponto de vista dos responsáveis pelos acervos de jornais, um incômodo comum é com pessoas que chegam pesquisando sobre temas amplos, sem saber quais jornais exatamente procuram. Para o auxiliar administrativo da Biblioteca Central, Sérgio Teixeira, parte do público quer encontrar as suas pesquisas já “mastigadas“. “As pessoas chegam aqui querendo saber de candomblé, capoeira, pessoas históricas, empoderamento feminino, mas já querem a pesquisa pronta. Tem gente que pensa que aqui é o Google.”
Restauração e Microfilme
Na direção oposta do caminho desde o IHGB, chegando à Praça da Sé, o cenário encontrado na sede da Associação Baiana de Imprensa é diferente. O prédio, que serve de fonte de renda para a entidade com aluguéis para empresas e para a Prefeitura Bairro do Centro, abriga por volta de cinco mil exemplares bem conservados, 260 deles restaurados na própria ABI. Mas falta espaço. Segundo a museóloga Renata Ramos, responsável pelo acervo, a ABI ainda está decidindo como lidar com essa restrição.
“Estamos recebendo mais do que podemos guardar. A atual gestão da ABI ainda está elaborando uma política de acervo, do que fica, do que a gente
PÁGINA 6 | CULTURA JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Foto: Alan Pinheiro
Jornal antigo no Instituto Histórico Geografico da Bahia
Caio Galvão e Alan Pinheiro
recebe e o que poderia ser descartado. [...] Nem todo mundo pode doar. Dependendo da coleção pessoal nós fazemos uma análise dessa documentação, vemos o que é importante para a nossa biblioteca e museu, selecionamos e trazemos para cá.”
Apesar de também não ter a capacidade de digitalizar os jornais, a pequena sala climatizada de arquivo da ABI é o único local em Salvador onde se faz a restauração desses periódicos. O motivo para essa exclusividade fi ca aparente quando a museóloga explica que o processo de restauração depende de papéis importados e produtos químicos especiais. O custo pode chegar a R$ 2.000,00 por exemplar.
Esse processo, segundo ela, chega a ser considerado impossível ou impraticável por restauradores de documentos, por conta da fragilidade do papel e da tinta utilizada nos jornais. Vale ressaltar, a final, que essas publicações não costumam ser impressas tendo em mente séculos de manuseio como documentos históricos, mas como veículos para informações efêmeras com preocupações de preço da tiragem em foco. Apesar disso, a ABI não só consegue restaurá-los como também disponibiliza eventuais o fi cinas de restauração de jornais para o público.
Saindo da Praça da Sé e chegando no Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeb), na Baixa de Quintas, pode-se encontrar uma outra abordagem de preservação dessas relíquias do cotidiano. Lá
são guardados 5.438 jornais, dentre os quais 131 estão sem condições de manuseio. A maior diferença para os outros acervos, porém, é que lá a história contida nos jornais em piores condições não corre risco de ser perdida com o tempo, já que eles foram reproduzidos em microfilme durante a década de 2.000.
No total são 947 exemplares microfilmados, que podem ser acessados por pesquisadores nas máquinas de visualização do Arquivo, também passíveis de serem consideradas relíquias. Armazenados corretamente, esses rolos de filme com negativos dos jornais têm a estimativa de chegar a durar 500 anos. Com relação aos jornais em si, a Coordenadora de Processamento Técnico de Acervos do Apeb, Bárbara Alessandra Saldanha, explica que, mesmo com as melhores condições possíveis, a tendência com o tempo é a lenta deterioração.
“Nós mantemos os nossos jornais encadernados e mantidos em caixas de PH neutro, em salas com ventilação cruzada em que as prateleiras são alinhadas para receber a maior ventilação possível. [...] Mas além desses papéis serem frágeis e difíceis de manusear delicadamente por causa do tamanho, a nossa cidade é extremamente quente e úmida, então sempre existe o risco deles irem se degradando.”, explicou.
Além de não ter exemplares digitalizados, restaurados ou micro filmados, o imenso arquivo de jornais da Biblioteca Central não possui essa
ventilação de múltiplas direções, ou prateleiras alinhadas de maneira a otimizar a circulação de ar. A assessoria de imprensa da Fundação Pedro Calmon, da qual fazem parte tanto a Biblioteca quanto o Arquivo Público, a firma que está no processo de adquirir equipamento para digitalizar jornais nos seus acervos em Salvador.
JORNAL LABORATÓRIO FACOM/UFBA CULTURA | PÁGINA 7
Acima, estantes no IHGB Abaixo, Corredor de jornais na Biblioteca Central
Foto: Caio Valente
Do fato à folha: por onde passa a notícia
A produção dos principais jornais impressos que circulam na Bahia
Para quem substituiu o impresso pelo digital, desbloquear o telefone para acessar as principais notícias do dia já faz parte do seu ritual matutino. Mas, para que o jornal “das antigas” chegue às mãos do leitor e a capa seja publicada nas redes sociais logo cedo, a produção começa no dia anterior.
O Correio*, um dos principais jornais em circulação no estado, transita entre os mundos digital e impresso. A produção começa às 07h da manhã e fecha às 23h. A editora chefe do veículo, Linda Bezerra, 57 anos, explica que a decisão do que é relevante cabe ao chefe de reportagem, que leva todos os temas para a reunião com os demais editores. “Uma notícia modifica a vida das pessoas, mas outras também interessam. Às vezes, um aumento no salário mínimo tem menos leituras que o anúncio da gravidez de uma celebridade”, pontuou Linda, a respeito dos critérios de noticiabilidade.
Linda Bezerra conta que, nas considerações do que vai para o impresso e para o digital, ela não abre mão do conteúdo e discute a decisão com todos os núcleos da empresa. Além disso, pensam em projetos e estratégias para a audiência, o engajamento dos leitores e o conteúdo que chega ao público. “Não podemos abandonar o interesse de informar, tentamos publicar todas as notícias. O leitor sabe qual é a linha editorial, mas o jornal tem o compromisso de informar de forma plural”.
Quebra-cabeça das páginas
Há um ano, a designer Tainá Dayube Salles, 28 anos, trabalha como diagramadora da versão impressa do jornal Correio*. Um dia antes do produto entrar em circulação, a partir das 17h, ela e outras quatro pessoas da equipe de arte se dedicam para finalizar o jornal a tempo.
“Geralmente tudo que vai sair é desenvolvido ao longo do dia. Fazemos a reunião para fechar o que já está decidido, mas, às vezes, tem coisa que precisa sair e demora. Por exemplo, em uma sexta-
-feira estávamos fechando a edição do final de semana, a meta é sempre terminar às 22h, neste dia fechamos à meia-noite porque a contracapa era o jogo do Vitória, que ainda não tinha encerrado”, contou Tainá.
Assim que a produção dos textos termina, a equipe de editoração recebe o roteiro e os pedidos dos editores do jornal, ferramentas que irão guiar o serviço. Arte, texto e fotografia trabalham em conjunto para ajustar matérias principais, matérias secundárias e pequenas notas em cada página.
O processo envolve muitas mãos e mentes agindo de forma simultânea. Enquanto os editores liberam espaço nos textos quando é necessário, Tainá e sua equipe montam as páginas, e o que está pronto passa direto para a gráfica. Nesse fluxo, tudo exige muita comunicação, como explica a designer. “É tudo conectado. Quando terminamos de enviar as páginas para a gráfica, ligamos para checar se está tudo bem”.
Quem cuida da impressão também precisa estar atento a possíveis erros e pedidos de corre-
PÁGINA 8 | ESPECIAL JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Catharine Ferreira e Paula Eduarda Araújo
Processo de diagramação e intercalação das páginas .
Gravação da chapa de impressão, no processo CTP
Impressora é carregada com bobina de papel
ção. “Entre 20h e 21h, as páginas começam a ser rodadas. Quando queima a chapa não podemos trocar mais nada, é um processo caro. Então são necessárias várias revisões com toda a equipe para que as páginas cheguem à gráfica perfeitas”, pontuou Tainá.
A chapa a que ela se refere é o equipamento matriz para impressão do jornal. Com os arquivos digitais enviados para a gráfica, as chapas são geradas e a partir desse ponto a impressão acontece. Juliana Oliveira, 34 anos, é publicitária e trabalha na pré-produção do jornal
A Tarde há 15 anos. Ela é responsável por receber as páginas diagramadas e gerar as chapas para a impressão. Antes disso, precisa revisar todo o conteúdo das páginas uma última vez, pois, se houver erros na versão final, o processo precisa ser refeito.
Nessa sequência composta por várias etapas, possíveis erros, defeitos no maquinário, e também por problemas externos podem afetar as entregas. De acordo com Rogério, existem áreas classificadas como “zonas de risco”, onde o índice de violência é maior e os jornais não podem ser entregues.
Em uma das entregas, Rogério foi ameaçado por três homens armados enquanto seguia o circuito. “Apontaram uma arma para mim, me xingaram, me mandaram não voltar no dia seguinte. Não temos condições de entregar nessas áreas [de risco].”
Os jornalistas são o cérebro do jornal e a gráfica é o coração. Sem a gente não há jornal impresso.
Segundo ela, há profissionais que trabalham há mais de 30 anos no processo gráfico, estudaram e precisaram se adaptar às tecnologias e inovações. “As pessoas pensam que tudo se resume à redação, mas tem toda a indústria. Os jornalistas são o cérebro do jornal e a gráfica é o coração. Sem a gente não há jornal impresso”.
Por onde passa o impresso
Rogério dos Santos, 45 anos, inicia seu trabalho como coordenador de expedição e logística do jornal A Tarde às 02h30 da manhã, quando todo o material impresso é entregue à equipe. Às 06 horas, todos os exemplares precisam chegar aos assinantes, às bancas e às mais de 10 cidades do interior cadastradas no sistema da empresa, dentre elas Cruz das Almas, Catu, Feira de Santana e Santo Antônio de Jesus.
Dependendo da demanda, até sete entregadores podem ser designados para cada área. Um atraso na circulação causa impactos negativos em escala. O jornal deixa de vender, os assinantes reclamam, a rotina dos entregadores, que em geral trabalham em outros locais, é prejudicada e a pressa pode resultar em erros durante a distribuição. Por conta disso, uma função importante do processo é o encarregado, responsável por prestar socorro à equipe. Assim como na diagramação e na impressão, a comunicação nesse ponto é essencial para garantir a finalização do trabalho. Afinal, essa pessoa fica com a tarefa de continuar o circuito exatamente do ponto onde parou.
Sertão adentro
Em caso de atraso, podem ocorrer confusões e erros nas entregas, por isso o transporte para o interior é uma prioridade e exige ainda mais precisão. Rogério explicou o passo a passo da logística para o jornal chegar às cidades mais distantes da capital: “Quando os jornais ficam prontos, o primeiro passo é embarcar via rodoviária. Precisamos pegar os
Funcionários no processo de impressão do jornal, revisando a qualidade
primeiros ônibus. Enviar os exemplares 30 minutos ou 1 hora mais tarde pode atrasar a chegada ao interior em até 2 horas”.
No grupo voltado para o transporte dos exemplares, Valter dos Prazeres Souza, um senhor de idade que acompanha a equipe nessa tarefa há mais de uma década, posta uma foto com o número do ônibus que vai à Jequié para que o agente que vai recebê-los esteja familiarizado. Há um grupo no Whatsapp e um responsável para cada cidade cadastrada.
Setor de Encalhe
Já no fim do processo, para evitar desperdícios, a equipe do A Tarde pensou em um fim comercial para os exemplares que não são vendidos ou que sofrem erros na impressão. Eder Souza, 38 anos, é coordenador do setor de encalhe há dois anos, ele explica que, ainda na madrugada, os entregadores levam os exemplares recolhidos nos locais de entrega que são pesados e agrupados. Esse material é vendido em forma de Kit Pet para uso doméstico, diretamente nas bancas, mas também em toneladas para produtores rurais e empresas de mudanças que vão à procura na sede do jornal. “Há compradores que pegam 10 toneladas ao mês, se tiver. Na verdade, faltam jornais”.
O tamanho em que o jornal é impresso e questões externas como o período chuvoso são empecilhos para as vendas do encalhe. Na cidade de Itaberaba, por exemplo, o jornal Massa é muito usado para cobrir frutas como o abacaxi e protegê-las da luz do sol, por isso, quando chove, não há demanda para ele. “Já ocorreu de um único comprador levar seis toneladas de vez. Os usos são variados. Às vezes, vendemos jornais que são levados para São Paulo, porque o impresso está diminuindo, então eles buscam alternativas em outros estados”.
JORNAL LABORATÓRIO FACOM/UFBA ESPECIAL | PÁGINA 9
Juliana Oliveira, produtora do jornal A Tarde
A impressão, que transforma papel em jornal.
Jornais amontoados na gráfica do jornal A Tarde para serem distribuídos
Fotos: Raquel Franco / Labfoto
Ainda é possível afirmar que a internet apenas intensifica uma crise que existe por outros motivos, ou desde então o papel das mídias sociais se tornou mais importante?
A Internet é apenas mais uma ferramenta que atuou no processo, se considerarmos que o que está havendo hoje no mundo é uma segmentação no mercado. Estão surgindo vários veículos dirigidos para públicos específicos, e aqueles que eram mais generalistas perderam audiência. Mas não podemos dizer que a internet é a culpada, ela é apenas mais um elemento, que inclusive facilitou as rotinas jornalísticas, fazendo com que as coisas fossem processadas mais rapidamente.
Com relação a diversificação dos veículos com foco no ponto de vista do leitor, como você avalia esse cenário no país?
Nos últimos anos houveram mudanças com relação aos conteúdos. Quando fazemos uma revista segmentada, nós direcionamos também o conteúdo, que deve atrair e fi delizar aquele público. A partir desse momento que se criam esses segmentos, é possível fazer um jornalismo direcionado para determinado leitor. Houve também mudança em termos de linguagem, infl uenciada pela TV e pela internet, que propiciaram novas ferramentas. As pessoas passaram a buscar nos veículos aquilo que elas procuram, a audiência se torna quali fi cada.
O futuro do impresso
Sérgio Mattos é jornalista, formado pela Universidade Federal da Bahia, e professor associado do curso de Jornalismo e do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Recôncavo Baiano. Na entrevista, fo professor fala sobre a nova conjuntura do jornalismo, temática abordada por ele em artigos.
Quais exemplos de jornais impressos que o Sr consome e que passaram a se adaptar ao novo cenário?
Os grandes jornais tradicionais ainda permanecem. Houve a ideia de que com o online o impresso desapareceria. Mas hoje, mesmo com a ascensão das redes sociais, quando se tem dúvida de alguma informação, recorre-se aos jornais tradicionais, que ainda têm credibilidade.
A estratégia adotada pelos veículos da Bahia é enxugar as redações e se moldar ao contexto digital. O sr. acredita que essas mudanças estão sendo efetivas?
Alguns veículos que fizeram um bom planejamento, se deram bem. Mas outros estão querendo substituir jornalistas. Está faltando profissionalismo nas redações. Os portais publicam ‘do jeito que vem’. Às vezes você abre o site e lê uma notícia que uma hora depois foi alterada. Está se produzindo notícias online de forma errada, não há apuração das informações e comete-se o mesmo erro que ocorre nas redes sociais.
Analisando o contexto atual, você acredita no fim do jornalismo impresso baiano como conhecemos?
Seus netos ainda vão estar lendo jornal impresso. Discordo daqueles que dizem que o jornalismo impresso vai desaparecer. O mercado ainda permanece, o que houve foi uma segmentação. Ele está se multiplicando e estão surgindo diversos veículos menores, como revistas de bairro.
O Jornal Globo, por exemplo, circulava com 500.000 exemplares, e hoje não chega a 250.000. Mas o grupo Globo tem também os jornais Extra e Dia, que juntos têm uma circulação maior do que a do Globo antigamente. Se você pesquisar a quantidade de jornais e revistas, nem mesmo o IBGE fornecerá a estatística correta. Muitos veículos circulam sem registro o fi cial. Na Bahia, o jornalismo impresso está muito precarizado, e não se tem mais jornalistas de ponta trabalhando, mas ele está sobrevivendo.
Quais aspectos são necessários para garantir a sobrevivência dos meios impressos na Bahia?
O jornalismo da Bahia já esteve entre os maiores do país. A exemplo do jornal A TARDE, que já esteve entre os 10 maiores jornais brasileiros em circulação e perdeu a in fl uência. O jornal perdeu a audiência que tinha, mas continua recebendo pelos anúncios. Hoje, os grupos de mídia deixaram de trabalhar apenas com jornais, eles agregaram diversos veículos. Se o jornal quer recuperar sua imagem, é preciso de um ‘freio de arrumação’, para oferecer aquilo que o público antes gostava. Se eu fi co repetindo a mesma coisa que os outros repetem, caindo na besteira de refazer o que é publicado nas redes sociais, não há fi delização do leitor. Hoje, não há mais unidade de texto, e há a necessidade rever o planejamento grá fi co e editorial.
PÁGINA 10 | ENTREVISTA JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Foto: Divulgação /Associação Baiana de imprensa
Liz Barretto
O espaço do papel
Circulação de versões digitais obriga jornaleiros e bancas a se reinventarem
Trabalhadores autônomos ou mesmo donos de bancas, são os jornaleiros que fazem com que as edições dos mais variados jornais impressos em circulação cheguem até os leitores. Com a crise do jornal impresso, que perdeu espaço para as versões digitais, esses profissionais estão tendo que se adaptar para seguir no ramo e buscar outras fontes de renda.
Há trinta anos atuando como entregadora, Marina dos Santos, de 51 anos, assistiu não só à migração dos jornais para o meio digital, mas acompanhou a mudança geográfica de um dos impressos mais tradicionais de Salvador, o A TARDE.
Ao relembrar a rotina do seu ofício, Marina relata as dificuldades que enfrentava durante sua jornada de trabalho como jornaleira. “No trabalho a gente saía de madrugada, por volta das 3h da manhã. A Kombi pegava a gente em casa e deixava em um determinado ponto da cidade. Éramos um grupo com mais de 100 pessoas, todas mulheres”, relembrou Marina. Não faz muito tempo, esses profissionais eram fundamentais para propagação das informações que dominavam o debate público. No entanto, com as novas tecnologias e plataformas de comunicação em rede, o jornalismo digital tornou-se uma necessidade econômica e estratégica, empurrando os meios impressos para uma crise. De acordo com dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), a soma da tiragem média dos 15 principais
jornais do país em 2022 totalizou 394.130 exemplares. Isso é menos da metade da tiragem de 2018.
Afetada pela decadência dos impressos, Marina revela a mudança na sua rotina, que pouco se assemelha ao seu passado como jornaleira: “na realidade o dinheiro é pouco, por isso tenho que trabalhar em dois lugares. Atualmente, trabalho de madrugada no Correio, na parte de distribuição para assinantes, e durante o dia em um prédio, como zeladora”, completou
“Quando iniciei, a entrega era feita andando, depois mudou para bicicleta. Houve um tempo em que eu chegava no ponto de distribuição e fazia a entrega de 150 a 250 jornais por dia”, lamentou a jornaleira, citando as mudanças no per fil de consumo das informações.
Bancas de quê?
Os reflexos das dificuldades enfrentadas pelo setor se espalhou por toda a cadeia produtiva, fazendo com que as bancas de jornais tivessem que buscar alternativas para sobreviver enquanto negócio.
Para aqueles que insistem em seguir no ramo, a solução foi se adaptar, para atrair os clientes de outra forma e buscar novas fontes de renda. “Trouxe bebidas e comidas, e depois veio a tabacaria, mochila, estojo, canetas, velas, sabonete”, declarou Samuel Santths, proprietário e vendedor, há quase duas décadas, da Banca Branca de Neve na Pituba. Com o intuito de atrair clientes e
garantir a subsistência da família, ele busca no calendário de festas populares um aliado para manter as atividades do seu negócio. “Em época de São João, eu vendo muito licor, fogos de artifício também”, finalizou.
Quem enfrenta uma realidade semelhante é Carmen Urbano, 40 anos, e Manoel Urbano Júnior, 48 anos, que che fiam a rede Bancas Mouraria. Apesar da signi fi cativa venda de jornais, o cliente que se aproxima da banca também se depara com as apostilas para concursos, carro-chefe da rede, dividindo espaço com outros produtos como revistas e bebidas. “Colocamos freezers para vender bebidas, picolé, tudo para atrair o cliente. Hoje em dia a tabacaria tá muito forte na banca de revista”, a firmou Carmen.
O casal possui três bancas de revistas situadas em pontos distintos de Salvador, localizadas na Mouraria, em Nazaré e no Stiep. “A mais velha é a da Mouraria em Nazaré, já existe há 50 anos, a do Stiep há 25 anos e a do Comércio tem 16 anos”, conta Carmen.
Essas são algumas das 3.498 bancas de chapas (bancas que, além do jornal, vendem chaveiro, fl ores e alimentos) cadastradas no sistema da Semop (Secretaria Municipal de Ordem Pública) e registradas junto à prefeitura de Salvador, em 2021. Em declínio na capital baiana, os estabelecimentos que já serviram como faróis de informação con fiável estão perdendo cada vez mais espaço para outros tipos de produtos.
JORNAL LABORATÓRIO FACOM/UFBA ECONOMIA | PÁGINA 11
Fotos: Laura Matos
Variedade de produtos na banca Branca de Neve
Samuel organiza os jornais em sua banca
Laura Matos, Lais Rocha e Pedro Carreiro
Violência ameaça jornalistas baianas
Mulheres são principais vítimas no ambiente virtual; especialista reforça importância do acolhimento das denúncias
Jamile Araújo com a adesão de órgãos e instituições como polícias Civil e Militar, Ordem dos Advogados do Brasil (seção Bahia), Defensoria Pública do Estado, e de alguns veículos de comunicação, como o jornal Correio e a TV Bahia.
Xingamentos, socos e apedrejamentos estão entre as violências sofridas por jornalistas nos últimos anos na Bahia. Em 2022, pelo menos 14, entre homens e mulheres, foram vítimas de violência no exercício da profissão e, até o final de fevereiro deste ano, já foram registrados cinco casos no estado. Os dados são da recém-criada Rede de Combate à Violência Contra Profissionais de Imprensa, da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) em parceria com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba).
Segundo o relatório Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em 2022 foram registrados 376 casos, 54 a menos do que os 430 de 2021. Porém, esse ainda é considerado um patamar alto, conforme a entidade.
Casos como o de Driele Veiga – chamada pelo então presidente Jair Bolsonaro de “idiota” durante uma entrevista em 2021, quando ainda era repórter da TV Aratu –, não são isolados. “Foi a primeira vez que tinha entrevistado o ex-presidente. [Ele] estava em Feira de Santana, falando sobre a inauguração de um trecho de 22 km da rodovia”. A repórter perguntou a Bolsonaro sobre uma foto em que ele aparece segurando uma réplica aumentada de um CPF com uma tarja vermelha escrito “cancelado”, em alusão ao que acontece quando uma pessoa morre. “Ali o presidente tinha duas alternativas: responder que a foto tinha outro contexto e se desculpar com os familiares de milhares de vítimas da covid que se manifestaram, ou não responder. No entanto, optou por tentar intimidar-me no meu ofício com grosseria e xingamento”, afirmou.
Rede de apoio na Bahia
Isabel Santos, coordenadora da Comissão de Mulheres do Sinjorba, explicou que a Rede de Combate à Violência Contra Profissionais de Imprensa, lançada em 4 de abril, ainda está em processo de definição de um protocolo de ação. A Rede conta
Segundo Isabel, o Sinjorba, ao tomar conhecimento de casos de violência contra jornalistas, independentemente do gênero, entra em contato com o profissional para saber os detalhes do ocorrido e o acompanha em todas as etapas da denúncias. Além disso, a instituição divulga nota de repúdio ao ato, exigindo as providências cabíveis dos órgãos.
Intimidação e transfobia
Após nove dias do lançamento da Rede, em 13 de abril, a jornalista Alana Rocha foi surpreendida ao sair da emissora em que trabalhava e encontrar os vidros de seu carro quebrados. A apresentadora do programa Jornal da Gazeta, na Gazeta FM, em Riachão do Jacuípe, contou que ficou em choque, realizou uma live em uma rede social e depois acionou a polícia. Ela teve crises de ansiedade, além de ficar quase dez dias praticamente isolada em casa. Alana explicou que contava com as imagens da câmera de segurança da emissora para ajudar na denúncia e para a exposição da agressão na imprensa, mas a Gazeta FM não as disponibilizou sob a justificativa de questões técnicas. Dias depois, ela se afastou do trabalho por não se sentir mais segura nem psicologicamente bem. “Uma pessoa da emissora viu o ato violento acontecer e não fez nada, então não me sinto mais confortável em ter nenhum tipo de vínculo profissional com eles e com a emissora”, relatou.
A jornalista acredita que o fato de ser uma mulher trans contribuiu para o acontecido, pois já sofreu transfobia no exercício do trabalho e foi ameaçada na porta de casa em seu primeiro ano no jornal em Riachão do Jacuípe. “Eu nunca imaginava que morando na cidade onde eu nasci, passaria por tantas violências e adversidades, que não passei fora daqui”.
Isabel afirmou que a Rede está atuando no caso que envolve a jornalista Alana Rocha. “A Rede vem pressionando as autoridades locais a sensibilizar a emissora a entregar as imagens do atentado, para que o processo seja agilizado e os autores possam ser identificados e responsabilizados legalmente”, reiterou.
Ministério da Justiça em ação
Anunciado dias após os atentados golpistas às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro deste ano, o Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores Sociais, ligado ao Ministério da Justiça, foi criado para monitorar os casos de ataques a jornalistas e veículos em geral. A ideia do grupo é acionar as autoridades competentes, acompanhar as investigações e auxiliar na identificação dos autores dos crimes.
O Observatório conta com um Grupo de Trabalho (GT) de Gênero. Daniela Osvald, coordenadora do grupo, explicou que a ideia do GT é contemplar um aspecto de gênero no relatório sobre violência, mas que ainda não há dados compilados além dos presentes em pesquisas e relatórios já publicados. Ela avalia que o documento deve contemplar particularidades regionais sobre como e por que estas violências ocorrem. Daniela pontuou que é possível haver uma subnotificação nos casos de violência contra as jornalistas mulheres e defendeu a necessidade de “fazer essas denúncias chegarem, porque muitas vezes não chegam, porque [as profissionais] não falaram com ninguém, então é preciso abrir uma escuta mais ampla”.
Daniela chamou atenção para outro tipo de violência contra profissionais mulheres, o que ocorre no ambiente virtual. “A gente sabe que no Brasil as mulheres jornalistas são as mais atacadas nas plataformas digitais e que elas não estão não muito dispostas a regular o discurso de ódio, gerando um ciclo de abuso psíquico emocional. Não é mais liberdade de expressão e passa a ser uma violência. Esse é um problema bastante grave aqui no Brasil e complexo de ser resolvido”, concluiu.
PÁGINA 12 | DIREITOS HUMANOS JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Jornalismo:
majoritariamente feminino?
Yasmim Oliveira
Em 2021, o número de jornalistas mulheres em atuação caiu para 58%. Em 2012, elas eram 64%, de acordo com o “Per fil do Jornalista Brasileiro 2021”, realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nesse intervalo, a participação de homens no mercado de trabalho subiu de 36% para 42%. Mesmo que a carreira seja majoritariamente feminina, elas não são valorizadas, ganham menos, saem da profissão ou não fazem parte dos cargos de chefia nas empresas.
No mundo, o cenário é semelhante. Apenas 22% dos cargos de chefia, em 240 meios de comunicação, são ocupados por mulheres, segundo a pesquisa “Mulheres e liderança na mídia 2023”, feita pelo Reuters Institute nos cinco continentes, em fevereiro deste ano. A presença de mulheres negras, então, é ainda mais escassa. No Brasil e Alemanha, em 2022, nenhum veículo midiático analisado pela pesquisa possuía uma mulher negra como editora principal.
JORNAL LABORATÓRIO FACOM/UFBA DIREITOS HUMANOS | PÁGINA 13
Driele Veiga (dir.) quando trabalhava na TV Aratu, afiliada do SBT na Bahia.
Alana Rocha (esq.) durante cobertura para seu canal no Youtube
Fotos: Acervo pessoal
Um clique de outro olhar
Victor Lee e Liz Fontes
Denisse Salazar Raphael Muller
Fotojornalista, 43 anos, há 10 anos trabalha no jornal A TARDE. Já cobriu protestos e adora a adrenalina de fotografar na rua, apesar do desrespeito que sofre em algumas situações. Vive de fotografia e sempre sonhou em trabalhar como fotógrafa de jornais. Acredita que um fotojornalista deve ter, sobretudo, proatividade e disciplina. Além do jornal, trabalha fotografando eventos, aulas de surf e diversos outros nichos. Para Denisse, o impresso é o coração do jornalismo. Escolheu essa foto porque representa a beleza da fotografia e ao mesmo tempo os seus desafios, devido às dificuldades de acesso ao local. O fotojornalismo possibilita estar em contato com lugares fantásticos, mas para isso, é necessário esforço.
Há quatro anos na profissão de fotojornalista, Muller, 28 anos, atualmente trabalha no Grupo A TARDE. Entende que o fotojornalismo é essencial para os veículos impressos e digitais. Mesmo com as dificuldades enfrentadas pela profissão e na correria diária para finalizar as pautas sem perder o conteúdo, Raphael ama o que faz e sente que está nesse ofício por um propósito de vida. Assim, ele acredita que pode contribuir de algum jeito através das fotos. A todo momento está aprendendo técnicas, se informando e buscando referências para realizar um ótimo trabalho. Em suas fotos, sempre demonstra o olhar crítico e a realidade vivida naquele clique, como na imagem escolhida, tirada durante o período da pandemia, quando expõe o vazio da praia mais visitada de Salvador.
PÁGINA 14 | CULTURA &COMPORTAMENTO JORNAL LABORATÓRIO | FACOM/UFBA
Estudante de Jornalismo, 21 anos, é estagiária do Correio. Usa as técnicas e conhecimentos adquiridos no Labfoto/FACOM, com o intuito de realizar suas fotos para o trabalho e pesquisas. Vê o fotojornalismo como uma forma de poder falar com a imagem sem precisar das palavras. Para ela, é primordial o profissional pensar rápido e saber o que está fazendo na hora de executar as fotos. Escolheu essa imagem por ser seu primeiro projeto, Operários do Luto, onde conta a história de trabalhadores de cemitérios. Na foto, aparece João dos Gatos, que há décadas toma conta dos gatos de um cemitério de Salvador, mesmo aposentado. Gosta dessa foto em específico por conta do enquadramento que captura a interação entre ele e a escultura da lápide, além dos gatos, que são uma das peças cruciais da história de seu João.
Raquel Brito Marina Silva
Fotógrafa do Correio há 15 anos, Marina Silva, 40 anos, encontrou-se no fotojornalismo por acaso e até o fim do curso de Jornalismo na FACOM estava voltada para a área da escrita. Acredita na importância do fotojornalismo para transmitir emoções e dar visibilidade a mundos que não conhecemos. Uma das paixões na profissão é poder conhecer pessoas e contar histórias através da imagem. Para ela, na era do imediatismo, é preciso enxergar além do clique e buscar a profundidade. Escolheu essa foto pelo simbolismo que carrega e por ter sido um grande marco em sua carreira, a imagem rendeu um prêmio da OAB e hoje, anos depois, ainda é muito compartilhada. Na foto, é possível ver um retrato da Bahia, marcado pelo sincretismo, tolerância e respeito. Além disso, a foto rendeu discussões. Devido a distorções naturais causadas pela lente, foi acusada de ser realizada por meio de montagem.
JORNAL LABORATÓRIO FACOM/UFBA CULTURA &COMPORTAMENTO | PÁGINA 15
O fotojornalismo, assim como toda a área da comunicação, sofreu com transformações ao longo dos anos.
Mas as paixões que movem os fotojornalistas ainda permanecem
Braga, o leitor
O protagonismo do jornalismo impresso na vida de um professor
Paula Eduarda Araújo e Kauane Brito
Crianças não costumam se interessar por notícias da sociedade, nem são incentivadas a isso. Tyrone Braga Santiago (foto), é um caso à parte. Nascido e criado no bairro de Cidade Nova, em Salvador, para ele a relação com os jornais impressos foi estimulada a vida inteira e in seus gostos e formas de interagir com o mundo. Aos 53 anos, o professor de inglês é um leitor ávido de jornais e guarda com apego afetivo o material impresso que compõe o seu acervo pessoal.
Assinante dos jornais Correio* e A Tarde os dias, por volta das sete horas, os exemplares chegam ao apartamento em que mora sozinho. Braga dá aulas em três escolas diferentes durante o dia, quando sai da Barra, onde vive, as notícias nos exemplares o acompanham nas viagens aos destinos. A primeira parada é no bairro Caixa D’água, a segunda em Lauro de Freitas, e o último destino é o bairro do Pau Miúdo. Durante o dia, os jornais fazem escala nas salas dos professores das escolas, fi cando à disposição de todos, mas antes as matérias que chamam sua atenção são recortadas para fazerem parte de seu acervo porque, parafraseando-o, ele não é besta.
Mas essa relação de leitor e colecionador vem desde a infância. Quando criança, ler o jornal impresso em voz alta para o seu padrasto, um senhor de idade, a fl orava uma emoção que ele expressava com toda a particularidade do baianês. Braga se sentia: “todo todo” e quem conhece a expressão, entende o tamanho do sentimento. “Hoje em dia ninguém lê jornal impresso. [As pessoas dizem] ‘Ah, você está lendo jornal impresso, nunca mais vi ninguém lê’, então eu preciso explicar que tenho uma ligação afetiva”. Ser visto como “jurássico” não lhe agrada, a final, ele tem acesso a outros meios.
As memórias dos muitos anos de leitura não estão guardadas apenas em sua mente. Quando tinha 11 anos, uma matéria chamou sua atenção mais do que todas as outras e deu início ao seu hábito de recorte e arquivo. O texto falava sobre o Patrimônio do Pelourinho, mas o tema não foi a única razão que o manteve preso ao texto. O português rebuscado não se fazia entender para um pré-adolescente, então ele fez uma promessa a si: “Eu não entendo isso hoje, mas futuramen-
te irei.” E anos depois, ele en fim entendeu do que se tratava a matéria.
Outra afeição sua que começou com os jornais e mantém espaço em suas várias pastas de acervo, eram os textos sobre Irmã Dulce. A vida, a obra e a história de Santa Dulce dos Pobres se tornaram um dos seus objetos de afeto. Se tinha algo sobre Irmã Dulce nos jornais, ele sem dúvidas iria
Com a mentalidade do leitor, sempre in fl uenciado pelo jornalismo impresso, junto a do professor, que tenta enriquecer as aulas com todos os recursos disponíveis, ele questiona qual será o destino mais útil para suas décadas de coleção de jornais. “Por ser algo afetivo, fi co me perguntando para quê e para quem eu guardo isso?
PÁGINA 16 | PERFIL
Foto: Laura Matos
Foto: Laura Matos