Infância
8 de Abril de 2011 Este suplemento é parte integrante da edição nº 3864 do semanário Região de Leiria. Não pode ser vendido separadamente
O melhor para os seus filhos
Nem todos os segredos do desenvolvimento cabem em 18 páginas de jornal, mas o especial dedicado à infância que o REGIÃO DE LEIRIA lhe oferece contém pequenos grãos de sabedoria que ajudam a compor a receita da felicidade. Leia o que dizem Eduardo Sá, Mário Cordeiro e Bilhota Xavier, entre outros, sobre o maravilhoso mundo das crianças
Especial Infância
Nova creche de Parceiros apontada como modelo
High Scope A metodologia que está a dar que falar na Europa já chegou a Leiria. Numa creche de Parceiros - que esta semana foi inaugurada pelo secretário de Estado - os pais são chamados à escola para a aprendizagem Paula Sofia Luz No espaço de um mês a lotação esgotou. Afinal, a creche com que os antigos funcionários dos supermercados Ulmar sonharam há muitos anos, fazia mesmo falta. Chama-se “Superninho”, tem capacidade para 66 crianças e foi esta semana apontada como “uma das boas obras do programa PARES” pelo secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques, que veio a Leiria inaugurar a escola-modelo. Na quarta-feira, seis meses depois de ter começado a funcionar no aldeamento de Santa Clara, freguesia de Parceiros, a escolinha pôde finalmente ostentar a placa que sela anos de “teimosia”, como lhe chamou o presidente da direcção da Supercoop (Cooperativa de Solidariedade Social), José Francisco Caixinha. Os supermercados da marca acabaram, mas os antigos funcionários prosseguiram com o sonho da creche. Anos de luta e mais de um milhão de euros depois, a dupla creche tem já uma lista de espera na ordem das 100 crianças. “O que encontrei aqui foi uma instituição que fez um
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esforço muito grande, construindo algumas valências que não eram abrangidas pelo programa PARES e isso é um esforço que deve ser enaltecido”, disse ao nosso jornal Pedro Marques, depois da visita ao espaço, que considerou “de óptima qualidade e funcionalidade de apoio às crianças”. Já antes, o director da Segurança Social de Leiria, Fernando Gonçalves, antecipara o que a comitiva iria ver: “uma das melhores creches do país e talvez a melhor do distrito”. Lá dentro, só as salas do infantário continuam fechadas, embora por pouco tempo. Uma vez assinado o acordo de cooperação, no próximo ano lectivo muitas crianças transitam da creche para lá, deixando ainda algum espaço para outras ocuparem as 75 vagas daquela valência. A verdade é que o projecto de arquitectura e o edifício são apenas o palco para protagonistas de palmo e meio. Ali, a diferença fazse sobretudo pelo modelo “High Scope”, que em Portugal começa agora a dar os primeiros passos. No distrito de Leiria, a Superninho é a
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creche pioneira. O modelo - importado dos Estados Unidos da América “acredita na criança, centrase no que ela sabe e consegue, reconhece cada passo, cada esforço, cada ganho”. É assim que a página oficial da Associação High Scope descreve (em http://www. highscope-portugal.com/) esta forma diferente de educar os mais pequenos. Elsa Leitão, directora da creche de Parceiros, aponta a interacção entre a escola, a família e a comunidade como o pilar dessa metodologia. A título de exemplo conta uma experiência recente. “A prenda do dia do pai foi feita em conjunto pelas crianças, com as mães, aqui na escola”.
O sonho da Guia
“Olha, aquele senhor tem uma gravata da cor das minhas unhas!”. De chapéu a tapar-lhe a testa branca, deixando à vista os olhos azuis, a pequena Maria (vamos chamar-lhe só assim) e os amigos estão mais contentes do que é costume: não é todos os dias que recebem tantas visitas no Infantário, na Guia. O senhor da gravata é Fernando Gonçalves, que
ali acompanha o secretário de Estado da tutela, Pedro Marques na inauguração da creche, bem como uma extensa comitiva de autarcas, técnicos da segurança social e outros convidados. Na Guia, a oeste do concelho de Pombal, a obra é da Associação de Promoção Social ACUREDE, que tem história na localidade desde a década de 70, quando era apenas um clube de recreio, cultura e desporto. Os tempos mudaram e as atenções da colectividade deixaram de lado os bailes e as matinés. Nos últimos anos seguiu o caminho de muitas outras no distrito: transformou-se em IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) e dedicou-se a apoiar a infância. É ali que todos os dias os pais de 162 crianças deixam os filhos entregues aos cuidados de educadoras e auxiliares. As obras de ampliação do edifício (que contemplam também uma biblioteca) custaram cerca de 450 mil euros. Mas falta ainda pagar uma parcela importante, tal como lembrou o presidente da ACUREDE, António Conceição. “É mais um sonho cumprido”. paula.sofia@regiaodeleiria.pt
N.ºs Creches ao(s) PARES* 400 milhões é o investimento global do programa, a nível nacional 40 milhões de euros foram gastos no distrito de Leiria 20 creches foram abrangidas por este apoio do Governo no distrito de Leiria 200 mil euros é o valor da comparticipação anual à creche da Supercoop, de Parceiros 150 mil euros é o valor anual para a creche da ACUREDE, na Guia 230 euros é o valor aproximado, por criança, mensalmente atribuído pelo Estado
* Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais
Nós // Especial Infância
O mandarim no primeiro ciclo
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Os mais novos a aprender chinês Foto: Joaquim Dâmaso
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01 Na creche de Parceiros, onde o método High Scope está a ser utilizado 02 O s meninos da ACUREDE, na Guia, em clima de festa, no dia da inauguração 03 O secretário de Estado, Pedro Marques, a inaugurar a Biblioteca da ACUREDE, ao lado de Ana Cabral, responsável da rede de Bibliotecas Escolares. 04 O investimento superou um milhão de euros na Superninho, de Parceiros Fotos: Joaquim Dâmaso 04
Esta tarde, há uma alegria contagiante nesta sala de aula do Colégio Luso-Internacional do Centro (CLIC), na Marinha Grande, e a cada desafio da professora os alunos respondem com genuíno interesse. Têm sete e oito anos. O tempo voa, depressa se esgotam os 45 minutos semanais que o grupo dedica ao mandarim, num registo em que a aprendizagem se cruza com a brincadeira. O CLIC iniciou no corrente ano lectivo (2010-2011) o ensino do mandarim. Motivo? “A China é o futuro”, responde a directora pedagógica Dilaila Miguel, acrescentando que o mandarim “faz parte do currículo de outras escolas internacionais no estrangeiro”, numa prática que deverá vir a generalizar-se. Para já, na Marinha Grande, do primeiro ciclo aos níveis superiores, cerca de três dezenas de estudantes aprendem a língua mais falada no planeta. Os mais novos começam por conhecer os números e as cores e já desenham alguns caracteres. A direcção do colégio
pretende incluir o mandarim no currículo oficial tão breve quanto possível. No CLIC, o inglês entra nas salas logo aos três anos de idade. Entre jogos e canções, as crianças aprendem os primeiros sons e tons do idioma. A escola está na Marinha Grande, mas tem olhos para o mundo. E usa o ensino bilingue para formar alunos com uma visão global. Aos quatro anos, as conversas com as educadoras de infância já decorrem preferencialmente em inglês. Fundada em 1996, nas instalações do antigo externato, a instituição acolhe 160 crianças e jovens dos três aos 18 anos, sendo 5% de nacionalidade estrangeira. Segue o currículo nacional inglês e os programas de exames internacionais de Cambridge. “Quanto mais novos estão expostos à língua, melhor”, afirma Dilaila Miguel, considerando que a preparação dos futuros adultos para um mundo global é algo “cada vez mais necessário” e constitui “uma ferramenta que diferencia positivamente no mundo do trabalho”. Publicidade
Tel. 244 816 070 | Fa x. 244 816 071 geral@litobras.com | www.litob ras.comAlvará | n.º6159 8 Abril, 2011 — Região de Leiria
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Nós // Família
Foto: Gonçalo Martins/DB
Psicólogo clínico, psicanalista e professor no ensino superior, Eduardo Sá destacou-se no acompanhamento de bebés, crianças, adolescentes e famílias. Com inúmeros livros e artigos publicados, mantém consultório em Coimbra e Lisboa. Na sua página na internet, eis a primeira frase oferecida à leitura: “Não é verdade que a infância seja um conto de fadas”
“Cada vez que os pais erram ficam melhores pais” Escreveu que as famílias nos tornam infelizes e que o futuro aceita pessoas imperfeitas. A fórmula de Eduardo Sá para um crescimento saudável não dispensa autoridade e autonomia
Já escreveu que as famílias nos tornam muitas vezes infelizes. Quer explicar? Ao contrário do que às vezes se dá a entender, a infância dos pais não é, regra geral, feliz, razão pela qual, muitas vezes, quando os pais são pais, e quando são pais uma primeira vez, ainda estão muito atropelados pelas suas experiências de filhos e, portanto, muitos dos seus gestos acabam por estar realmente dependentes dos sucessos e dos insucessos que aconteceram. Por outro lado, as famílias não
são sempre o espaço arejado que nós todos desejaríamos. Há muitos constrangimentos, as relações familiares são aquilo que promove mais sofrimento na vida das pessoas e em particular na vida dos pais. E tem depois a situação do casal propriamente dito: em rigor, e com verdade, chegamos facilmente à conclusão que a esmagadora maioria das relações de casal, enfim, digamos que são amizades coloridas, não são relações amorosas. Pais relativamente infelizes em relação à sua
vida pessoal, amorosa e familiar são sempre potencialmente piores pais. Muitas vezes, em vez de promoverem a desinibição, a segurança, a presença empática que desejariam ter, promovem pequenos gestos que entroncando uns nos outros tornam as pessoas mais infelizes. Os pais devem também não ser demasiado exigentes com eles próprios? A mim preocupa-me, em primeiro lugar, que queiram ser perfeitos. Tentando ser provocatório, deviam estar obrigados a fazer uma asneira de oito em oito horas. Porque tudo fica mais simples na vida deles e dos filhos. Exigência não pressupõe este rigor espartano de quem não
pode errar. Cada vez que os pais erram ficam melhores pais. Os erros valem como oportunidades. Agora, às vezes preocupa-me que caiam numa de duas atitudes extremadas: ora estão sempre em cima das crianças ou são muito demissionários. Por que é que diz que o futuro aceita crianças imperfeitas? Andamos todos a fazer publicidade enganosa em relação ao nosso desenvolvimento. Esta ideia de que temos que definir competências muito depressa para sermos capazes de muitas coisas é uma ideia absurda que faz com que os pais muitas vezes no jardim de infância já queiram que as crianças consigam ler e es-
crever, transformando-se em jovens tecnocratas de fraldas. É uma coisa assustadora. Não é por saberem ler e crescer mais depressa que se tornam mais saudáveis e com desenvolvimento mais consistente. Esta geração está a perder a coragem de educar? Serei a última pessoa do mundo a recomendar que se eduque a estalo. Agora, os pais bonzinhos, que têm uma profunda dificuldade em definir regras de forma clara e irrefutável, são maus pais, porque negligenciam uma função fundamental dos pais, que é o exercício da autoridade, que resulta da bondade, do sentido de justiça e obviamente da sabedoria.
“Procurar um técnico de saúde mental não é andar à procura de problemas” A pressão no trabalho está a transformar os infantários em depósitos? Os pais trabalham muitas horas, mas os nossos pais e os avós trabalhavam incomparavelmente mais horas. Acho que os pais às vezes se gerem mal, não definem as suas prioridades. Quando põem a relação amorosa deles em primeiro lugar, os filhos em segundo, a família em terceiro e o trabalho em quinto ou em sexto não
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é por isso que deixam de ser rigorosos em termos profissionais. Às vezes têm muito mais respeito por compromissos de trabalho do que por outros. E depois a maneira como as empresas pensam o trabalho ainda é digna de algumas coisas muito próprias da revolução industrial. Portugal nisso tem que crescer muito. As crianças que vivem hoje com horários
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sobrecarregados, na escola e fora da escola, têm liberdade para crescer? Por um lado, trabalham demais, passam horas demais na escola. Por outro, acho óptimo que possam circular por vários grupos. Ou seja, uma actividade desportiva é no meu ponto de vista absolutamente insubstituível e uma actividade artística, nomeadamente a música, devia ser incontornável. Com uma vantagem, quando elas
circulam por vários grupos abrem sempre uma avenida nova na cabeça. Duas actividades chegam muito bem e não precisa de ser todos os dias porque há uma actividade que ainda faz melhor que é poderem brincar. Qual é a fronteira entre o comportamento normal e o sinal de que é necessária intervenção profissional? Tudo o que é compulsivo é doentio. Tão doentios são os
meninos que fazem birras por tudo e por nada como aqueles que jamais partiram um prato. Procurar um técnico não é andar à procura de problemas, é muitas vezes procurar alguém que ajude a encontrar nos pais as soluções. Devia ser obrigatório, dos três aos cinco anos, um primeiro olhar para uma criança em termos de saúde mental. De rotina, simplesmente preventivo, para perceber se está bem.
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Doulas, as mulheres que servem a mãe Não são parteiras, nem médicas, mas acompanham a gestação, o parto e o pós-parto. Contribuem para humanizar o nascimento e acreditam que ajudam a fortalecer o vínculo afectivo com o bebé
Em grego, doula significa “aquela que serve”. Actualmente, nas sociedades ocidentais, doula é sinónimo de humanização do nascimento. São a mãe para a mãe. Mulheres que apoiam outras mulheres durante a gestação, parto e pós-parto, em casa e no hospital, partilhando ensinamentos e prolongando uma ideia com raízes na comunidade científica. As primeiras doulas em Portugal, que eram as únicas até 2005, receberam formação do cirurgião francês Michael Odent, que desenvolveu os conceitos de parto na água e salas de parto em ambiente familiar. Estudos de outros dois médicos, John Kennel e Marshall Klaus, apontam benefícios no acompanhamento por uma doula: redução em 25% na duração do trabalho de parto, redução de 30% nos pedidos de alívio da dor, redução de 60% nos pedidos de anestesia epidural, redução de 40% no uso da oxitocina sintética, redução de 40% no uso de fórceps e, não menos importante, redução de 50% na realização de cesarianas. Em que momento da nossa evolução enquanto espécie é que o parto se transformou num acto médico, industrializado, quase solitário? É na resposta a esta pergunta que vive o princípio da compreensão da necessidade de humanizar o nascimento. “Ao longo da história, as mulheres sempre tiveram ajuda de outras mulheres nestes rituais de passagem”, afirma Ana Raposeira, presidente da Associação Doulas de Portugal (ADP). Humanizar o nascimento, proporcionando experiências seguras, saudáveis e enrique-
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cedoras, torna-se assim uma prioridade nesta corrente de pensamento. Ainda segundo as conclusões de Klaus e Kennel, o acompanhamento de proximidade, familiar e afectivo, fortalece o vínculo com o bebé e diminui a incidência de depressões pós-parto e problemas com amamentação.
Na região
Em Portugal, os serviços de uma doula custam 400 euros para um pacote mínimo que inclui três encontros durante a gravidez, o acompanhamento do nascimento e uma visita pós-parto. Este é o valor recomendado pela ADP. “Não fazemos qualquer acto médico, essencialmente damos apoio emocional, informativo e prático”, explica Ana Raposeira, que reside em Caldas da Rainha e efectua acompanhamento nos distritos de Leiria, Lisboa e Santarém. De acordo com a co-fundadora da ADP, de 41 anos, mãe de duas adolescentes, “tem havido procura crescente de algo que seja novamente trazer o poder à mulher, ser ela a protagonista daquele momento” especial que é o momento de libertar uma vida. “O parto natural” ou “menos interventivo possível” é um objectivo “porque acreditamos na capacidade de parir” e porque “na maior parte das situações se deixarmos o parto correr ele acontece naturalmente”, afirma Ana Raposeira. No entanto, conclui, “o objectivo principal é não fazer julgamento das decisões que uma mulher informada toma”.
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Saber mais Quem é Uma figura maternal que está ao lado de outra mãe para a ouvir, proteger, apoiar e responder às suas necessidades, de acordo com a definição da Associação Doulas de Portugal. Por isso se diz que a doula é uma mãe para a mãe. Ajudaa a sentir-se segura de modo a que ela consiga mais facilmente dar à luz. O que faz É um modo de estar e não um modo de fazer, nota a associação. Geralmente, a doula conhece a futura mãe durante a gravidez, ouve os pais acerca dos seus anseios, ajuda a esclarecer dúvidas, orienta na busca de informação. Durante o trabalho de parto, a doula está com a mãe, mantendo uma presença discreta e tranquilizadora. O apoio continua no pós-parto, através de algumas visitas à mãe. O que não faz Não executa qualquer acto médico nem faz aconselhamento. Formação Estuda temas como fisiologia do nascimento, primeiros socorros em obstetrícia, o uso da água durante o parto, ecografias, partos induzidos, a presença do pai durante o nascimento, vida fetal, nutrição durante a gravidez, consequências a longo prazo de como nascemos, informação benéfica ou prejudicial na gravidez, amamentação. Onde começar No site da Associação Doulas de Portugal, em www.doulasdeportugal.org, que inclui uma lista de contactos por região. Quanto custa 400 euros pagam três encontros durante a gravidez, o acompanhamento do nascimento e uma visita pós-parto. Este é o valor recomendado pela ADP.
“Para mudar o mundo é preciso mudar a forma No dia 13 de Dezembro de 2008, numa pequena piscina insuflável montada num quarto de casal, numa casa em Leiria, à luz de velas e ao som de Kenny G, nasceu Lucas, filho de Michèle Carvalho e Gustavo Desouzart. A acompanhá-los estavam a enfermeira-parteira Ana Ramos, a doula Ana Raposeira, a mãe de Michèle e um casal amigo da família. “Conhece a citação?”, perguntou-nos Michèle: “Para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer”. A citação, que se encontra com frequência em publicações, sites e blogues dedicados à humanização do parto, pertence a Michel Odent, o cirurgião francês cujos trabalhos de investigação e reflexão sobre a
forma como se encara o parto nas sociedades desenvolvidas têm feito escola. Nestas poucas palavras se traduz o princípio norteador do movimento pela humanização do parto, que se desenvolve um pouco por todo o mundo e que, em Portugal, se encontra representado pela Humpar – Associação Portuguesa pela Humanização do Parto. Regressando a Michel Odent, encontramos uma pista: humanizar o parto é mamiferizá-lo. E recorrendo a outro autor consagrado nesta área, o obstetra brasileiro Ricardo Jones, acrescentamos que humanizar o parto é feminizá-lo. Ou seja: acreditar que a mulher é capaz de parir, respeitando os seus ritmos naturais e a sua
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Cesarianas a diminuir no hospital de Leiria
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01 S elma Martins e Ana Raposeira, a doula que a acompanhou durante a gestação e no momento do parto 02 L ucas, filho de Michèle Carvalho e Gustavo Desouzart, nasceu numa pequena piscina insuflável, na sua casa, em Leiria 03 A taxa de cesarianas tem vindo a diminuir no hospital de Leiria, depois de um máximo de 34% em 2008 Fotos: DR
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a de nascer” fisiologia de mamífera, e centrar nela a autoridade sobre o momento. “Eu não sou contra o parto hospitalar, sou contra o parto muito manipulado, muito induzido, num ambiente hostil. Demasiada intervenção física e instrumental. No parto hospitalar, só mudando a posição já mudava tudo”. Michèle Carvalho, brasileira, cresceu a ouvir a avó, portuguesa, contar as histórias da sua bisavó, índia, e dos seus 12 partos em casa, sozinha. Desde muito pequena, Michèle acreditava que iria ter os seus filhos em casa. E reforça: “É desde pequeninas que as meninas aprendem a ser mães”. Assim, optou por estudar muito, informar-se e
Exemplos da Holanda escolher a forma de ser mãe que para si fazia mais sentido. Foi acompanhada por uma médica obstetra durante a gravidez, que conhecia e respeitava a sua decisão, e escolheu uma doula e uma parteira experientes, capazes de lhe assegurar toda a tranquilidade de que necessitava. O resto ficou a cargo da sua confiança na sua condição de mulher, de mamífera. Com o apoio incondicional da família, um ingrediente essencial para que esta escolha, como tantas outras, possa ser vivida plenamente.
Recomendações
Os números anuais dos nascimentos em casa, em Portu-
gal, não são fáceis de precisar, mas sabe-se que andarão pelos 700, em sentido crescente nos últimos anos. No Reino Unido ou na Holanda, por exemplo, são muito comuns – para se ter uma ideia, na Holanda 35% dos nascimentos dão-se em casa. Vejamos agora outros números. Na mesma Holanda, a taxa de cesarianas não ultrapassa os 14%. Em Portugal, é mais do dobro. Ronda os 35%, um número que fica muito acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde, o que motivou já uma série de medidas por parte do Ministério da Saúde, no sentido de contrariar esta tendência.
35 por cento é a taxa de cesarianas em Portugal, percentagem que fica muito acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde 14 por cento é a taxa de cesarianas na Holanda 35 por cento dos nascimentos na Holanda dão-se em casa, sendo também muito comuns, por exemplo, no Reino Unido 34 por cento era taxa de cesarianas no hospital de Leiria em 2008, ano que esta percentagem atingiu o pico, tendo, a partir daí, entrado numa curva descendente
Estaremos perante uma dicotomia irreconciliável – de um lado, os nascimentos em casa e, do outro, as cesarianas? “As duas coisas são sintomas do facto de não haver obstetras que acreditem que as mulheres são capazes de ter bebés. As mulheres também deixaram de acreditar e depositam todas as decisões nas mãos dos médicos”. Ângela Coelho, psicóloga de formação e doula desde 2005, resume esta questão explicando que todas as intervenções que acontecem nas maternidades, como a indução do parto ou a administração da anestesia epidural, são consequências desta descrença generalizada – que muitos destes partos, por serem intervencionados, terminam em cesariana. Neste cenário, as mulheres que acreditam na sua capacidade e que querem ser autoras dos seus partos optam por ficar em casa, com o acompanhamento que as faz sentir confortáveis. “Em Inglaterra”, acrescenta, “há opções. Há parteiras profissionais, por exemplo”. Podemos, no entanto, assinalar alguns indicadores de que este assunto não está encerrado. No Hospital de São João, no Porto, existe, desde 2008, um bloco para partos naturais. Na altura da inauguração, o médico responsável, Diogo Ayres de Campos, declarou à agência Lusa que os enfermeiros obstetras “podem orientar os partos de baixo risco”, devendo “dispor de mais autonomia”. No bloco de partos do antigo Hospital de Santo André, a percentagem de cesarianas tem vindo a diminuir, depois de um pico de 34,04%, em 2008. “A cesariana tem uma morbilidade maior que um parto normal, podendo condicionar o futuro obstétrico da mulher”, esclarece Alícia Rita, directora do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia. “Não advogamos a sua prática a pedido da utente, embora sejamos cada vez mais solicitados nesse sentido, e há indicações maternas e fetais precisas que devem ser respeitadas. No entanto, o esforço de sensibilização que tem vindo a ser feito está a resultar”.
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Leiria tem a melhor pediatria do país Primeiro lugar no ranking anual elaborado pela Escola Nacional de Saúde Pública, que avalia a qualidade dos serviços prestados por 57 hospitais públicos em Portugal continental
O serviço de Pediatria do Hospital de Santo André (actual Centro Hospitalar de Leiria-Pombal) ficou em primeiro lugar no ranking anual da revista Sábado, realizado em colaboração com a Escola Nacional de Saúde Pública. Este ranking avalia os melhores hospitais doença a doença. Na avaliação, focada no internamento hospitalar e na efectividade e qualidade dos serviços prestados, estão incluídos os hospitais públicos em Portugal continental, que ao todo são 57. O serviço de Pediatria do hospital de Leiria já tinha obtido três segundos lugares em edições anteriores. Humanizar o serviço tem sido um projecto de todos os dias. Nesta ideia, cabem várias parcerias que ajudam os mais novos a lidar com o internamento. “Se as crianças estiverem psicologicamente confortáveis, isso também vai contribuir para a sua melhoria”, salienta Bilhota Xavier. O internamento é uma interrupção da rotina, uma quebra no bem-estar dos filhos e de toda a família. “Tão importante como o saber científico é a forma como acolhemos as crianças e os pais”, refere o director do serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Leiria-Pombal, empenhado em defender “um serviço com paredes de vidro, ligado à comunidade e à sociedade civil”. Exemplos não faltam. A música da SAMP (Sociedade Artística Musical dos Pousos) que anima o espírito, as docentes da Escola Correia Mateus que mantêm as aprendizagens em dia, as professoras da Escola Afonso Lopes Vieira que alertam
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para aspectos da segurança infantil, as leituras e contos que chegam da Biblioteca Afonso Lopes Vieira duas vezes por semana, os cinco computadores portáteis com acesso à internet em banda larga colocados pela Fundação para Divulgação das Tecnologias de Informação, entre outros. Tudo isto para quê? Criar um ambiente facilitador da recuperação da doença, reduzindo o medo e a angústia das crianças e diminuindo a fragilidade emocional dos pais.
Missão Sorriso
O serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de LeiriaPombal, ficou no top five da Missão Sorriso 2010, uma iniciativa dos hipermercados Continente, angariando cerca de 10.800 votos para o projecto “Um Serviço de Pediatria com um ambiente mais amigável para crianças, adolescentes, pais e profissionais”. Graças ao destaque na Missão Sorriso, o hospital vai poder receber 25 mil euros, que ajudarão a suportar o projecto de decoração do serviço de Pediatria com a colaboração da Anouk Foudation, uma organização sem fins lucrativos com sede na Suíça. Bilhota Xavier sublinha ainda outro objectivo: “Para além de querermos um serviço aberto à comunidade, queremos ser um serviço sem dor. Explicar sempre qualquer procedimento que seja um pouco mais agressivo para a criança e utilizar sempre analgésicos. O que não queremos é que as crianças sintam dor quando vêm ao hospital”.
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Um hospital pioneiro 1998: telemedicina Ecografia em tempo real à distância. Permite enviar um número grande de imagens em tempo real com qualidade para responsabilizar qualquer profissional em qualquer parte do mundo. Evita a transferência das crianças e dos pais (o hospital não tem cardiologista pediátrico), poupa tempo, evita faltas da criança à escola e dos pais ao trabalho, permite fazer diagnósticos muito precoces sobre situações complexas, o que optimiza a terapêutica, melhorando o prognóstico, e também contribui para a formação dos profissionais que trabalham no serviço de Pediatria. 2003: certificação Primeiro serviço do país com certificação de qualidade do serviço na urgência pediátrica. Aí acorrem 46 mil crianças por ano até aos 18 anos. 2005: alta segura Formação aos pais das crianças que nascem no Hospital sobre como devem transportar os filhos, nas cadeiras no automóvel. 2006: pulseiras electrónicas Sistema de localização de pessoas e anti-rapto. Primeiro na pediatria, depois alargado à maternidade. Abrange todos os bebés logo após o nascimento e também crianças internadas, permitindo ao hospital saber onde estão em cada momento. 2009: idade pediátrica Desde Janeiro de 2009, com ano e meio de antecipação relativamente ao resto do país, que no serviço de pediatria são internadas todas as crianças e jovens até aos 18 anos.
“Os filhos devem ser mimados, não devem ser falsamente superprotegidos” O director do serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Leiria-Pombal, Bilhota Xavier, alerta os pais para o perigo da tirania dos filhos. E diz que recorrer às urgências deve ser o último recurso Como é que um serviço de Pediatria de uma cidade média como Leiria se torna no melhor do país? Para além dos aspectos referentes à preocupação da manutenção permanente de cuidados de qualidade e de inovação, há um aspecto fundamental que é a formação permanente de todos os profissionais que trabalham em Pediatria, de todas as categorias profissionais. A ciência em Medicina muda todos os dias de uma forma vertiginosa e nós temos de estar organizados para que permanentemente seja assegurada a formação contínua. Há momentos formais de reflexão e de discussão para que com cada criança procuremos fazer aquilo que de melhor está recomendado em todo o mundo. O serviço de Pediatria foi considerado o melhor porque em termos de mortalidade, em termos de reinternamentos, em termos da complexidade dos diagnósticos e relação com o tempo médio de internamento estivemos acima dos outros. E como é que isto se consegue? Consegue-se com boas práticas em termos de saúde, em termos científicos, num processo de melhoria permanente. Em saúde, perdermos um minuto é corrermos o risco de ser ultrapassados em relação à evolução dos saberes. Quais os efeitos, nas
unidades de saúde, da subida da idade pediátrica para os 18 anos? Um dos direitos da criança hospitalizada é, independentemente da sua patologia, estar em ambiente pediátrico, com profissionais com formação própria. O grande desafio é adequarmos a formação dos profissionais, porque trabalhar com adolescentes é diferente de trabalhar com crianças pequenas. O tipo de relação que se estabelece com eles, em relação à privacidade, à confidencialidade, ao consentimento, ao envolvimento nas decisões. As patologias também levantam algum problema porque neste grupo etário algumas das grandes patologias são do foro comportamental e mental. Acidentes e intoxicações ainda são uma causa frequente de afluxo ao hospital? Têm vindo a reduzir progressivamente. Vítimas graves de acidentes de viação, que ocorriam todos os dias, tornaram-se felizmente uma raridade, agora passam-se semanas sem termos aqui uma criança. As intoxicações também diminuíram. Os pais têm hoje uma maior consciência de que a casa é também uma grande fonte de perigo. As crianças devem ter tempo para brincar, que hoje têm cada vez menos, é um dos problemas,
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Bilhota Xavier, director de Pediatria no Centro Hospitalar de Leiria-Pombal Foto: Joaquim Dâmaso devem correr os seus riscos, mas devem ser riscos medidos, não podemos voltar àquilo que era há 40 anos em que as crianças estavam condenadas à sua sorte. Houve uma grande evolução neste aspecto? A mortalidade dos um aos quatro anos, que tem como principal causa os acidentes de todo o tipo, baixou de forma significativa a nível nacional, passou de 2004 para 2009 de 30.2 para 20.8 por 100.000 crianças deste grupo etário. Esta melhoria deve-se ao esforço de muitos. A alta segura, que implementámos já há alguns anos, e as sessões feitas no serviço de Pediatria
por professores da Escola Afonso Lopes Vieira, não serão alheios a esta evolução. Também na mortalidade infantil houve uma quebra vertiginosa. Quando se questiona tanto os serviços de saúde em Portugal é bom que se saiba que em 1970 morriam por ano cerca de 12 mil bebés no primeiro ano de vida e hoje morrem cerca de 370. E nestes estão todos os bebés que nasceram com 500 ou mais gramas. Em Portugal, se houve alguma área que tenha feito progressos estrondosos foi a área da saúde. Somos o quarto ou quinto país do mundo com melhor taxa de mortalidade infantil. Para sermos o primeiro, temos que tratar
e acompanhar as franjas da população que estão fora do sistema. Se quisermos baixar estes valores temos que apostar muito no acompanhamento das famílias e das crianças de risco quando elas vão para casa, em termos de visitas e apoio domiciliário. Percorrido esse caminho, qual é a mensagem mais importante que um pediatra pode enviar aos pais na actualidade? Os filhos devem ser desejados, devem ser acarinhados, devem ser mimados, mas não devem ser falsamente superprotegidos, Hoje, com a pressão económica, do trabalho e a excessiva com-
O serviço de pediatria do hospital de Leiria presta cuidados de saúde diferenciados às cerca de 73 mil crianças e adolescentes que residem na sua área de influência. Tem capacidade para o internamento de cinco crianças na urgência pediátrica, 26 na enfermaria, 16 na unidade de cuidados especiais pediátricos e 49 no Berçário. Da equipa constam 15 pediatras, dois pedopsiquiatras, 55 enfermeiros, dois psicólogos, um neuropediatra, cinco docentes colaboradores externos do serviço, 22 assistentes operacionais e uma assistente técnica.
O distrito de Leiria já por quatro vezes teve a menor mortalidade infantil do país (primeiro ano de vida). Em 2010, e pela terceira vez, não se verificou nenhum óbito (até aos 28 dias) entre os bebés nascidos no hospital de Leiria. Bilhota Xavier salienta a importância deste registo. “Isto é fruto da qualidade dos cuidados e da complementaridade dos cuidados entre os serviços de obstetrícia e pediatria”, comenta, frisando a necessidade de “alertar os pais que vão procurar outros serviços, outras maternidades, desconhecendo a qualidade dos cuidados que são prestados no hospital em termos obstétricos”.
petitividade a que os pais estão sujeitos, levam a que depositem as suas crianças das oito da manhã às oito da noite em creches, infantários, etc., e depois tentam compensá-las com consumo excessivo em termos de brinquedos e em termos da sua relação com as crianças, não sendo capazes de lhes dizer não. Está cada vez a haver mais aquilo que chamamos crianças “tiranas”, que são crianças que mandam nos pais, nos avós e em toda a gente e que provocam um desequilíbrio grande na estrutura familiar. As crianças acabam por ter um acompanhamento muito diminuto por parte dos pais e este muitas vezes acabam por ser obrigados a demitirse da sua educação. Os pais devem tentar contrariar esta situação e resistir à pressão. Qualquer dia os filhos vão sair de casa para irem às suas vidas e não deram conta que eles cresceram.
embora nos últimos anos mostre alguma tendência para estabilizar e até para melhorar um pouco. Pensamos hoje que os pais talvez estejam mais conscientes da sua obrigação em termos de cidadania, evitando sobrecarregar tanto os serviços de urgência hospitalares, dos riscos que os seus filhos correm em termos de contágio por outras crianças gravemente doentes. Têm procurado outros cuidados a nível dos cuidados primários. As unidades de saúde familiar que estão a ser implementadas a nível nacional, e também na região, também não serão alheias a esta evolução, e podem contribuir para que haja uma relação de maior proximidade entre a família e o seu médico. No entanto ainda há crianças que têm febre há uma hora e vêm para a urgência: é um erro. A urgência deve ser o último recurso. O que devem fazer é procurar o seu médico de família. Se não for possível há a Saúde 24 [linha telefónica 808242424]. E terem bem presente que os serviços de urgência hospitalar são para salvar vidas.
O excesso de utentes na urgência pediátrica ainda é um problema? É um grande problema, na região de Leiria e também um pouco em todo o país,
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Nós // Especial Infância
Depois de recolhido o sangue do cordão umbilical na sala de parto, as células estaminais são criopreservadas até 25 anos
Células estaminais entre a dúvida e a esperança A recolha do sangue do cordão umbilical está a ser vendida aos pais como uma espécie de seguro de saúde. Verdades e mentiras de uma técnica que apaixona a própria comunidade científica
A promessa chega das empresas que cuidam da criopreservação de células estaminais: se guardar o sangue do seu filho agora, poderá ajudar a curá-lo no futuro. Uma ideia tão poderosa inquieta até o mais céptico dos espíritos – afinal, quem arrisca privar a descendência de todas as hipóteses, mesmo as mais remotas, na luta contra a doença? Apesar de toda a esperança que lhe é associada, a técnica mantém-se nos primeiros estágios de exploração pela comunidade científica. E está por demonstrar, ainda, toda a amplitude da sua aplicação curativa em seres humanos. Mas, dado que basta recolher uma porção
de sangue do cordão umbilical, cada vez mais progenitores guardam as dúvidas e apostam nas certezas: o laboratório Crioestaminal, que surgiu em 2003 e se apresenta como pioneiro em Portugal, tem tido crescimentos na ordem dos 30% ao ano. O potencial das células estaminais resulta de apresentarem a qualidade única de originar as diferentes células essenciais para o funcionamento saudável do organismo. Ou seja, especializam-se, durante o desenvolvimento embrionário, evoluindo para células nervosas, do músculo cardíaco, da pele e dos glóbulos vermelhos, entre outras. Na ida-
Há algumas possíveis aplicações para cartilagem/osso, e muitos outros ensaios para diversas patologias, mas no início. O resto - curar diabetes, Alzheimer, Parkinson, etc., e saber se aguentam 20-40 anos - é especulativo” João Ramalho-Santos Investigador na Universidade de Coimbra
de adulta, reparam tecidos danificados e substituem as células que vão morrendo. Quanto ao sangue do cordão umbilical, é uma fonte de células estaminais com maior capacidade de diferenciação e superior poder proliferativo, por pertencerem a um ser em gestação, de acordo com a explicação da Bioteca, outra das empresas a operar nesta área. O processo é muito simples: depois de recolhido o sangue do cordão umbilical na sala de parto, segue para um laboratório, onde as células são criopreservadas em tanques de azoto líquido, a uma temperatura negativa de 196ºC, por um período máximo de 25 anos. Na Crioestaminal, o preço de base ronda os 1.390 euros. Em 2007, a Crioestaminal anunciou o primeiro transplante de células estaminais do sangue do cordão umbilical criopreservadas num banco privado português.
De então para cá, o número subiu para seis, revela um dos administradores da empresa, Luís Gomes. “Têm sido publicados artigos científicos e avanços concretos na área”, afirma. “Não deixa de ser uma tecnologia recente”, mas “o futuro é muito promissor”. A empresa anuncia um potencial de tratamento de mais de 60 doenças, enquanto a concorrente Bioteca informa que as promessas mais interessantes encontram-se na área da medicina regenerativa e no combate a diversos tipos de cancro e doenças genéticas. Segundo João Ramalho-Santos, investigador do Centro de Neurociência e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, “as únicas células estaminais utilizadas clinicamente com sucesso comprovado e universal são as hematopoiéticas e (menos) do cordão umbilical, em ambos os casos para certas patologias, sobretudo de natureza sanguínea, com o restabelecimento da produção de sangue após quimioterapia, e no caso das segundas apenas em determinadas situações que têm a ver com a idade e o peso da criança”. Por outro lado, prossegue, “há algumas possíveis aplicações para cartilagem/ osso, e muitos outros ensaiuos para diversas patologias, mas no início. O resto – curar diabetes, Alzheimer, Parkinson, etc., e saber se aguentam 20-40 anos – é especulativo”. “As células do cordão umbilical não produzem necessariamente todas as células do nosso corpo”, assinala João Ramalho-Santos, referindo-se ao cordão umbilical como um material muito interessante e promissor para investigação, embora com alternativas: “Um seguro de saúde mais abrangente. Mas esta é uma posição estritamente pessoal”, conclui. Publicidade
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Região de Leiria — 8 Abril, 2011
Nós // Especial Infância
Metade das crianças não viaja em segurança Uso de cadeiras no automóvel está a aumentar, mas a sua incorrecta instalação continua a ser um problema. Quase mil mortes nas estradas entre 1998 e 2009, alerta a APSI
Em Portugal, as mortes de crianças na sequência de acidentes rodoviários diminuíram 73%, mas, mesmo assim, morreram quase mil crianças nas estradas portuguesas entre 1998 e 2009. De acordo com a Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), responsável por este estudo, os acidentes rodoviários continuam a ser a maior causa de óbito na infância e adolescência. O modo como viajam estabelece a diferença. No ano passado, 83% das famílias já utilizavam cadeirinhas no automóvel, uma subida acentuada relativamente a 1996, em que a percentagem era de 16%. No entanto, em me-
tade dos casos, a cadeira é incorrectamente instalada, o que significa que a criança não está devidamente protegida. “Considera-se negligência se os pais não transportarem a criança em segurança; os riscos são grandes e podem vir a perder um filho porque não tomaram as devidas cautelas”, afirma Bilhota Xavier, responsável pelo serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Leiria-Pombal (antigo Hospital Santo André). O médico recomenda o transporte sempre no banco de trás, nas traseiras do banco do passageiro da frente, mantendo a cadeira contra a marcha do veículo até aos três ou quatro
anos de vida. “Uma criança transportada nestas condições, em cada dez que tenham um acidente, nove não tem lesões que ponham em causa a sua vida ou a sua qualidade de vida futura”, porque “há significativa redução do número de lesões da coluna cervical”, além de serem evitadas “grandes hemorragias cerebrais” relacionadas com a desaceleração, explica. Helena Sacadura Botte, coordenadora do núcleo de Coimbra da APSI, concorda com a ideia: “Quando a criança vai virada de frente, o impacto provoca um estiramento grande e probabilidade elevada de lesão na coluna cervical. O ideal é viajar contra a marcha até o mais tarde possível”, sublinha. Lembra a técnica de segurança infantil que a primeira preocupação dos pais deve ser escolher uma cadeira adequada ao tamanho e peso da criança. Depois,
Menos vítimas
devem estar atentos a possíveis incompatibilidades com o veículo - podendo até realizar um teste - e finalmente devem verificar que instalam a cadeira correctamente, nomeadamente respeitando as instruções do fabricante. A sequência actualmente recomendada pela APSI é a seguinte: primeiro o ovo, até o mais tarde possível, com limite nos 13 kg; depois uma cadeira 0+1 (até aos 18 kg), inicialmente transportada contra a marcha e mais tarde de frente (em alternativa, existem dois modelos em Portugal que permitem já o transporte contra a marcha até mais tarde); a partir dos 15 quilos e três anos de idade, para a criança viajar virada de frente, a cadeira de apoio, “leve e fácil de utilizar, é o sistema mais adequado”, recorrendo ao cinto do automóvel para prender a criança e a cadeira como um todo, aponta Helena Botte.
No triénio 2007-2009, por causa de sinistros rodoviários, morreram em média, por ano, pelo menos 38 crianças até aos 17 anos, 359 sofreram ferimentos graves e 4.630 ferimentos ligeiros. Os dados são da APSI (Helena Botte, na foto, coordena o núcleo de Coimbra). Nos últimos 12 anos, registou-se uma redução de 42% no número de vítimas (crianças que sobreviveram a acidente)
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Nós // Especial Infância
Quantos brinquedos são de mais? Escolha o bom senso Brinquedos no quarto, na sala, na cozinha, no escritório, no corredor. Brinquedos que parecem chegar de toda a parte, dos avós, dos amigos, dos tios, dos padrinhos. Brinquedos que parecem chegar em qualquer momento: no Natal, nos aniversários, na Páscoa. Afinal, quantos, e quando, são de mais? “Hoje em dia aquilo que acontece é um bocadinho fruto da massificação, de sermos expostos desde muito cedo a um excesso de estímulos, e isso aplica-se também aos brinquedos”, começa por explicar o psicólogo Paulo José Costa. “Se quisermos fazer um paralelismo com o tempo dos nossos pais e avós, havia objectos que eram introduzidos desde cedo e que provavelmente tinham um carácter apelativo e cumpriam exactamente a mesma função que os brinquedos que nós temos hoje. Quanto mais brinquedos existem
Opinião Maternidade das artes
mais o foco de atenção fica disperso”. Acima de tudo, o técnico de saúde recomenda bom senso. “O brincar é extremamente importante para a promoção de competências. Na primeira infância, as crianças têm os chamados objectos transitivos, que têm um carácter securizante, e muitas vezes não tem que ser um brinquedo objectivamente, pode ser uma etiqueta de uma camisola”, indica Paulo José Costa. Assim, algumas decisões simples podem facilitar o processo: introduzir poucos brinquedos de cada vez, guardar o excesso dos natais para o resto do ano, deixar a criança seleccionar o que lhe interessa. “Uma das minhas sugestões é que diariamente os pais tenham um momento de brincadeira livre com a criança, sem regras, em que ela própria conduz o processo”, refere o psicólogo. Publicidade
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Região de Leiria — 8 Abril, 2011
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s bebés e as crianças até aos cinco anos devem ouvir música para ficarem mais inteligentes? Não. Mas é já abundante a investigação científica que comprova existir uma relação entre a fruição e prática musicais e o desenvolvimento cognitivo da criança, em especial quando verificado na primeira infância. As aulas de música servem para diagnosticar e estimular crianças com elevada aptidão e assim abrir portas a uma futura carreira profissional? Não. Mas é verdade que muitas vocações musicais se detectam e encaminham profissionalmente com maior sucesso quando essa descoberta se dá até aos cinco anos. Os concertos e as aulas de música para bebés servem para criar públicos futuros? Não. Os bebés são já público, e dos mais exigentes. A maior, e ao que parece, única, diferença entre os seres humanos e os restantes seres vivos é a capacidade de fazer e contemplar a arte. A civilização ocidental deixou de centrar a formação dos seus membros nas artes e substituiu-as pelas tecnologias. A Escola de Artes SAMP, participando num movimento global onde as artes devem (re)ocupar um lugar central na educação, oferece um amplo projecto de formação onde a primeira infância e a aprendizagem vivencial em família se distinguem. O Berço das Artes, com aulas regulares de música, teatro e dança para crianças dos zero aos cinco anos, é o ponto de partida para uma viagem educativa única, onde a estética e a criatividade abrem portas a um caminho muito precioso e especial. Como nós, os seres humanos. Paulo Lameiro Director pedagógico da SAMP
Opinião Opinião Porquê Actividades fora da escola o desporto?
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ual a validade e a importância das actividades ditas extracurriculares até aos cinco anos? Consideramos que as boas actividades para crianças desta faixa etária são as que têm objectivos globais de desenvolvimento (não orientadas especificamente para a realização em si mesma); são desafiantes q.b., mas divertidas e, respeitando os ritmos individuais, desenvolvem a confiança e potenciam um crescimento harmonioso. Assim: É preferível uma actividade bem estruturada que vise o desenvolvimento global e harmonioso (permitindo a exploração sensorial, psicomotora, sócio-emocional e cognitiva) do que três ou quatro actividades de carácter específico; A confiança, a autoestima e o auto-controlo desenvolvem-se sobretudo em situações de interacção com pares e com adultos significativos (sendo imprescindível um tempo, mesmo que curto, de actividade lúdica com os pais). Por isso os três pilaresmestres dos programas Gymboree são: Entre os 0-5 anos o cérebro da criança está particularmente activo atingindo 90% do seu tamanho adulto; A qualidade do tempo partilhado com os pais é mais importante que a quantidade; As actividades de estimulação do desenvolvimento global têm de respeitar a etapa de desenvolvimento da criança. Importantíssimo: os pais devem aprender a brincar com os filhos… e ter com eles um tempo de actividade privilegiada e exclusiva. António Frazão Director do Gymboree Leiria Psicólogo
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projecto pedagógico do Académico de Leiria na natação assenta em mais de 20 anos de experiência e cerca de duas dezenas de aulas por dia. No total abrange mais de 1.500 praticantes de natação por semana. O modelo tem um cariz lúdico, baseado na segurança e num ambiente afectivo salutar que promove um desenvolvimento motor, psicológico, neurológico e sócio-afectivo que permita uma preparação para o auto-salvamento e posteriormente para a aquisição das técnicas. Paralelamente, mas não menos importante, a prática desportiva em geral e a natação em particular estimulam o apetite, tranquilizam o sono, geram na criança hábitos de vida saudáveis que contribuem decisivamente para o seu desenvolvimento harmonioso e integral. Enquanto instrumento educacional, o desporto age como um facilitador de processos, estimulando o desenvolvimento integral do seu protagonista. Na adaptação ao meio aquático, normalmente entre os 18 meses e os quatro a cinco anos de idade, o processo conduz a criança pela exploração motora e sensorial dos exercícios, aumentando as ramificações dos neurónios, aumentando o seu acervo sensório motor, mais adaptativo e mais inteligente. Porquê a natação? Por ser completa, relaxante, divertida e saudável. Bruno Neto Coordenador da secção de natação e actividades aquáticas do Académico de Leiria
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75 anos de uma aprendizagem feliz O Jardim-Escola João de Deus, de Leiria, está a comemorar 75 anos. Nestas sete décadas, o mundo mudou. O Jardim-Escola também. Todos os anos recebe novos meninos e meninas que trazem saberes e experiências diferentes. O espaço do Jardim-Escola também mudou. Tem vindo a ampliar as suas instalações, na Avenida Marquês de Pombal, e em breve pode vir a construir
um novo edifício em Leiria. No entanto, o Jardim-Escola não alterou o seu ensino tão especial, o método que o transforma num caso de sucesso. A Cartilha Maternal, os Dons de Fröebel ou o material Cuisenaire e, sobretudo, os valores da partilha, da confiança e da amizade que permanecem inabaláveis em 75 anos de funcionamento da instituição. O que fica dos tempos de
escola é muito mais do que a capacidade de ler e de fazer contas. O que fica são marcas indeléveis na formação e na personalidade das pessoas. O João de Deus orgulhase de viver como uma família e de proporcionar às suas crianças um ambiente feliz de aprendizagem e crescimento. Por alguma razão, esta é uma instituição tão procurada e acarinhada pela comunidade.
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Nós // Especial Infância
“Dormir Tranquilo” é o título do livro que o pediatra Mário Cordeiro lançou no ano passado. Fê-lo porque o sono da criança é uma das maiores causas de consultas por motivos não estritamente de doença. Conselhos sobre o que fazer. E não fazer
“Deixe-o chorar”: Quase todos os pais já receberam este conselho relativamente ao sono dos seus filhos. Trata-se de um erro ou de um método válido? Não sou adepto de se deixar chorar um bebé ou uma criança, desconsolada, sem apoio dos pais, aumentando o nível de ansiedade e medo, pelo que discordo dos métodos que preconizam fechar a porta e contar minutos. Até acredito que a criança acabe por adormecer, exausta, mas descrente, carente e estou certo de que esses “fantasmas” ressurgirão mais tarde, na adolescência ou na idade adulta, só que sob formas encapotadas, difíceis de identificar. No entanto, quando os pais estão junto da criança, a fazer companhia, sentados ao lado dela, e ela chora, aí podem acalmá-la e o choro já será mais de exigência do que de desolação.
Filipe Casaca
O sono é tão importante para a saúde das crianças – e dos pais – que justifica um livro? Pessoalmente, achei que sim. É uma das maiores causas de consultas por motivos não estritamente de doença: Afecta muito a vida das pessoas, pode marcar o presente e o futuro da criança. A disrupção que o mau dormir provoca é conhecida, ou não usem as polícias políticas a privação de sono como método de tortura.
“O sono pode marcar o presente e o futuro da criança” 14
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No entanto, escasseava literatura específica sobre o tema em Portugal? Sim. Pelo menos na minha perspectiva de uma explicação do que é o sono e das determinantes biológicas, psicológicas e sociais do sono e das consequências das suas perturbações, entrando por áreas muito variadas, como o tipo de quarto da criança, o sonambulismo, os papões, o leite a meio da noite, as birras para adormecer, etc. Em que momento as noites agitadas passam a ser consideradas problemas de sono, do ponto de vista médico? E quais os problemas de sono mais
frequentes na primeira infância? Um problema (de sono ou de outra natureza) tem importância desde que cause perplexidade, ansiedade ou disrupção na vida dos pais e das crianças, mesmo que, clinicamente, não tenha significado de maior. Acho que os médicos não podem ser apenas “observadores do biológico”, mas têm – especialmente os pediatras, dado que lidam com famílias e com comportamentos e desenvolvimento humano –, que saber de Antropologia, Psicologia, Sociologia e ter uma visão integrada e alargada dos problemas. Os vários problemas do sono, por exemplo, não querer ir para a cama, ter dificuldade em adormecer e precisar dos pais, querer ir para a cama dos pais a meio da noite, acordar e querer leitinho, acordar muito cedo, ou outra gama de questões, como sonambulismo, falar durante o sono, enurese nocturna, medo de bruxas e fantasmas, terrores nocturnos e sonhos ou pesadelos, são exemplos de problemas muito frequentes. Duvido que haja muitas crianças que passam a infância sem ter alguma destas questões. Bebés que não dormem sozinhos, só adormecem ao colo ou exigem a presença de adultos são sempre sinónimo de problemas (no sentido de doença) do sono? Não. Traduzem stress, ansiedade, sensação de insegurança, medo. No livro que agora terminei, “O Livro das Birras e dos Medos”, abordo detalhadamente esta questão, indo até à nossa origem enquanto espécie, aos “fantasmas” que nos perseguem enquanto crianças e que nos acompanham enquanto pais, e tudo o que nos faz, biológica e psicologicamente, abordar a questão de querermos ousar mas sentirmos necessidade de regredir, por medo. Claro está que se os problemas afectam a família de forma a causar sintomas orgânicos ou perturbações da saúde mental, estamos em face de um grave problema de saúde.
Nós // Especial Infância
Noites mal dormidas? Nem me pergunte. Sei o que são. Muitas centenas ou mesmo milhares
“Muitos adultos são de uma arrogância que me faz pele de galinha” Quais as dicas e conselhos básicos para dormir tranquilo? Securizar, ter calma, pensar que se trata de um problema real e não de uma “birra”. É talvez dos momentos onde maior diferença faz pensarmos a criança enquanto criança, ou seja, ser frágil, carente, dependente, sem “armas” para enfrentar os medos, ou, como ainda muita gente faz, pensar que são “meninos caprichosos que merecem o que têm”. Alguns adultos são de uma arrogância que me faz pele de galinha, pelo que representam de má auto-estima, de mau carácter e também de desdém pelo sofrimento das crianças. Note-se que isto nada tem a ver com facilitismos, estragar as crianças com mimos exagerados (que não são mimos…), andar a reboque dos meninos ou ser feito de gato-sapato pela omnipotência de pessoas pequeninas mas que, se forem deixadas sem educação, limites e aprendizagem democrática, ficarão adultos narcísicos e impossíveis de aturar… infelizes a fazer os outros infelizes. O equilíbrio é a nota fulcral desta sinfonia, e também o fazer sacrifí-
cios, porque esta história de se pensar que se tem filhos e que nada se muda na vida, tem muito que se lhe diga… Securizar é ter um ambiente calmo, é a criança sentir que os pais estão do seu lado, é educar desde o primeiro dia, é dar sentido rítmico ao adormecer, com música (a melhor “chupeta” para a vida e para a criança) e, insisto, compreender o que é uma criança. Quando começam os sonhos maus e pesadelos? É possível diminuir a ocorrência dos mesmos? Pesadelos e sonhos maus são o mesmo: são sonhos geralmente persecutórios (geralmente algum animal, fera, serpente, monstro ou o que seja vem atrás de nós e não conseguimos fugir) ou outros sonhos de explosões, raiva, caos, que representam a gestão dos medos e da nossa parte má (e da parte do mundo que também é “pouco boa”). Nos pesadelos, ou sonhos maus, a criança acorda e, não raro, lembrase do sonho, pelo menos naquela altura. Terrores nocturnos é diferente: a criança não acorda, parece acordada mas está ainda numa zona
cinzenta, não reconhece os pais, empurra-os e só acalma conversando com ela (mas ela a dormir, apenas mudando o enredo do “filme”) ou acordando-a, para depois a adormecer. Os sonhos fazem parte da vida e são muito bons para a saúde, sejam bons ou maus. Muitas pessoas não se recordam de nenhum tipo de sonho, outras lembram-se todos os dias de vários, mas todas as pessoas (e as crianças) sonham porque é o nosso espaço de liberdade, de regresso (legítimo) à omnipotência narcísica dos 15-24 meses de idade,
Securizar é ter um ambiente calmo, é a criança sentir que os pais estão do seu lado, é educar desde o primeiro dia, é dar sentido rítmico ao adormecer, com música, e, insisto, compreender o que é uma criança”
só comparável à fantasia do brincar. O sonho, como escreveu Freud, é a nossa via romana para o inconsciente e é no inconsciente que estão guardadas as memórias, os traumas mas também muitas coisas boas… das quais não nos lembramos porque antes dos 4-5 anos de idade nada está (quanto a sentimentos) presente. O segundo ano de vida costuma ser acompanhado por regressão no sono? Quais as diferentes etapas até aos cinco anos? O segundo ano de vida é perturbado pelo enorme desenvolvimento cognitivo, psicológico, motor, raciocínio, sentimentos, marcha, fala… enfim, tanta coisa! E também, a partir dos 18 meses, pela angústia existencial, medos, medo da morte, solidão, medo do abandono, consciência da fragilidade humana e da dependência dos pais. Depois, mais tarde, a criança começa a dormir melhor e a partir dos quatro anos são raros os que têm mau dormir, embora possam sempre acordar com terrores ou qualquer outra coisa episódica.
Pais com vidas profissionais muito preenchidas podem ter dificuldades em manter rotinas ou evitar facilitismos – a que sinais devem estar atentos relativamente ao sono dos seus filhos, de maneira a perceberem que precisam de alterar algo? Precisamos de ter os olhos abertos e pensar os nossos filhos como crianças. Fico às vezes espantado com a ignorância de certos adultos, alguns deles profissionais, sobre o que é uma criança. Há pessoas que sabem mais de cachorros ou crias de outros mamíferos do que da cria do ser humano! Quanto ao trabalho, tenho a minha experiência – que é minha e apenas vale por isso –, mas que sempre me disse que poderia compatibilizar trabalhar muito e ter filhos e acompanhá-los, mimá-los, dar-lhes o que precisam de mimo, ternura, ensino e educação. É muito fácil dizer que o trabalho não deixa tempo para mais nada, mas ter filhos não pode ser uma decisão leviana nem um fardo que, enfim, se carrega porque não se pode fazer mais nada, ou então delegando a parentalidade nos avós ou nas educadoras e empregadas. Noites mal dormidas? Nem me pergunte. Sei o que são. Muitas centenas ou mesmo milhares. Mas ver a cara dos meus filhos, assustados, e saber que com mimo eles acabavam por readormecer e isso os ajudava a estruturar enquanto pessoas mais felizes e mais resilientes e assertivas, dava-me muito gozo e compensava. Talvez se pensarmos que aquele bebé ou aquela criança assustada podemos ser nós em bebés, com momentos de desamparo e de desolação, nos permita ter uma outra atitude que, repito, não passa por fazer tudo o que as crianças querem – por exemplo, sou terminantemente contra as crianças dormirem na cama dos pais –, mas por apoiar no crescimento.
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O precioso encontro de gerações entre avós e netos
Nunca é cedo para comer saudável Palavra de nutricionista: uma dieta equilibrada produz crianças saudáveis e pode ser o território onde fertilizam adultos inteligentes. Afinal, somos o que comemos A obesidade, a diabetes e o colesterol elevado começam a surgir cada vez mais cedo na população portuguesa. Mas as preocupações não se ficam pela saúde: segundo um estudo na revista científica “British Medical Journal”, a alimentação das crianças até aos três anos de idade pode afectar o desenvolvimento do seu quociente de inteligência. “Somos o que comemos”, alerta Cátia Pontes, nutricionista na clínica Alimentarte, na Marinha Grande. Durante os primeiros seis meses de vida, o único alimento dos bebés é o leite – preferencialmente, materno. Para os casos em que a amamentação em exclusivo não seja possível, recorre-se ao leite adaptado, sempre de acordo com as recomendações do médico assistente. Aos seis meses surge a primeira mudança: a introdução dos sólidos. Em Portugal começa-se, geralmente, pela sopa. Primeiro, só de legumes; mais tarde, com carne ou peixe adicionados. Sem sal e com um fio de azeite. Fruta a rematar e temos uma refeição perfeita. De acordo com Cátia Pontes, “é nesta fase que é importante variar em sabores, em cores, em texturas e temperaturas para que a criança ganhe um conhecimento amplo dos vários alimentos, para além de permitir um melhor desenvolvimento dos maxilares e consequentemente da fala”. Até que se aproxima o primeiro
Os familiares mais velhos ajudam as crianças nos desafios diários e são a primeira porta na socialização
aniversário, data em que, mais coisa menos coisa, as crianças começam a comer “de tudo”. “Se escolhermos dar aos nossos filhos uma alimentação variada e equilibrada, com certeza que eles terão maiores capacidades cognitivas, maior resistência a infecções e um desenvolvimento físico mais harmonioso”, explica Cátia Pontes. “O grande problema das gerações de pais actuais é a falta de tempo”, acrescenta a médica, criticando a vasta oferta de produtos alimentares pré-confeccionados destinados às crianças. Daí que a melhor estratégia seja planear. E, já agora, inclua as crianças no processo de escolha e de preparação das refeições. É a brincar que melhor se aprende. Publicidade
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Região de Leiria — 8 Abril, 2011
Maria (nome fictício) abre o jornal e sente-se reconfortada: um estudo da Universidade de Oxford demonstra que a convivência entre netos e avós é benéfica para as crianças, com os mais velhos a darem uma ajuda preciosa e experiente na superação das dificuldades e desafios do quotidiano. Como acontece com muitos outros pais divididos entre casa e trabalho, Maria confia diariamente a filha ao cuidado da família, tendo já pesado vezes sem conta os prós e contras da decisão. “É extraordinariamente importante que a criança, desde cedo, possa ter a oportunidade de interagir e conviver com outros adultos que não os pais, isso vai ajudá-la também a socializar e a lidar com a ansiedade à separação da mãe”, explica Paulo José Costa, assistente de Psicologia Clínica no serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Leiria - Pombal. Neste encontro de gerações, em que os dois lados aprendem com o outro, algo mudou nos últimos anos: os avós modernos são mais activos e disponíveis, enriquecendo de forma constante as muitas horas que passam com os netos. “O facto de na primeira infância haver essa hipótese é claramente uma vantagem, mas também é importante que se diga que os avós deverão ter uma atitude e um perfil que possa ser ajustado e que não perturbe o processo de desenvolvimento da criança”, salienta Paulo José Costa. Ou seja, eles próprios têm de ser “instrutores e reguladores do comportamento”, não boicotando as regras que os pais instituem no resto do tempo, nomeadamente em casa. Portanto, eis algumas dicas que lhe podem ser úteis: explique as rotinas e os limites que aplica ao seu filho, deixe algum dinheiro e não se esqueça de uma lista com telefones de emergência. Maria começa agora a pensar no dia em que um jardim-de-infância vai substituir a relação com os avós
Regras e rotinas
Avós, pais e crianças: “É muito importante que haja consistência e firmeza em relação à adopção de um estilo educativo, e isso é extremamente orientador e regulador”, nota Paulo José Costa, referindo-se às rotinas do dia-a-dia e à tolerância à frustração
e são tantas as dúvidas como as certezas que lhe acorrem ao espírito. “As coisas não podem ser demarcadas em termos de momento ideal, mas é evidente que a criança a partir do segundo ano de vida já está em condições de poder ir para o ensino pré-escolar”, refere Paulo José Costa. Isto acontece porque “necessita de ser incluída num universo de interacção e de socialização com outras crianças e com outros adultos que não sejam os familiares para poder apreender destrezas essenciais”, refere. Por outro lado, o treino dos educadores, num estabelecimento público ou particular, pode revelar-se uma vantagem. “Se a criança no ambiente escolar não manifesta determinadas competências, isso pode ser alvo de uma sinalização para uma avaliação, para uma consulta mais técnica, e se estiver num ambiente familiar e não se estiver atento a isso, podem surgir situações de algum atraso no desenvolvimento”, diz o psicólogo clínico.
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PARTILHAMOS O NOSSO SABER A Creche e Jardim-de-Infância da Sismaria “O Pinóquio” partilhou esta semana com professores e educadores de vários países da Europa costumes e tradições, ao abrigo do Projecto COMENIUS Esta semana, a Creche e Jardim-de-Infância da Sismaria “O Pinóquio” (CJIS) assumiu o papel de cicerone junto de educadores e professores de Espanha, Polónia, Lituânia, Itália e Turquia. Foram recebidos em Leiria, no âmbito do projecto COMENIUS. A visita incluiu museus e monumentos e permitiu o contacto com tradições e costumes portugueses, desde jogos, cantares a danças tradicionais. De resto, o nome do projecto indica isso mesmo: “to share customs and traditions together”, ou seja, “juntos partilhamos costumes e tradições”. A acção COMENIUS tem por objectivo melhorar a qualidade e reforçar a dimensão europeia no ensino escolar, contribuir para a promoção da aprendizagem de línguas e promover a consciência intercultural. Podem participar todos os actores da comunidade educativa (professores, pessoal educativo, alunos) e igualmente associações, ONG, comunidades locais, entre outros. Com um quadro de pessoal permanente de 23 pessoas distribuídas pelas valências de creche e jardim-de-infância, é
objectivo primordial a criação e manutenção de estruturas e linhas de acção que, por sua vez, sirvam à protecção e desenvolvimento integral da criança e apoio aos jovens, bem como acompanhar os pais na educação dos seus filhos. Tem sido um objectivo da CJIS O Pinóquio dotar a instituição de recursos materiais em diversas áreas. Neste momento, a prioridade reside em material tecnológico sem, no entanto, descurar os jogos tradicionais, as actividades sensoriais e todas as outras que requerem material didáctico. O futuro da CJIS O Pinóquio só tem um caminho: continuar a proporcionar soluções que contribuam para o bem-estar de todos. Esta é a razão que a leva a abrir portas para mais um serviço: o Ateliê de Verão. Fundado em 1976, o percurso da CIJS O Pinóquio até aos dias de hoje fez-se num “abrir e fechar de olhos”, mas com melhorias significativas ao nível do serviço prestado. Este trajecto de melhoria não terminou e, nos próximos anos, O Pinóquio continuará a crescer e a proporcionar às crianças um ambiente único de aprendizagem e crescimento.
8 Abril, 2011 — Região de Leiria
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