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Deputados discutem participação do negro na cultura do estado

Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do RS debate manifestação cultural contra o racismo. Audiência pública ontem também foi motivada pela resistência à PEC, que dificulta a alteração do hino, bandeira e brasão

Bibiana Faleiro bibianafaleiro@grupoahora.net.br

De um lado, a proposta de mudança do hino riograndense por parte da Bancada Negra do Legislativo gaúcho. De outro, o debate sobre a preservação dos símbolos identitários do estado. A discussão, em especial, sobre a estrofe “Povo que não tem virtude / Acaba por ser escravo”, é o início de uma manifestação cultural contra o racismo, que ganhou uma audiência pública no fim da tarde de ontem, 3.

Promovida pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, presidida pela deputada Laura Sito (PT), no Plenarinho da Assembleia Legislativa do estado, a audiência também foi motivada pela votação nesta terça-feira, 4, de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) Estadual para dificultar a alteração dos símbolos oficiais do Rio Grande do Sul: o hino, a bandeira e o brasão. Se a PEC for aprovada, as alterações dependerão de três quintos dos votos.

A proposta é do deputado Rodrigo Lorenzoni (PL). Ele destaca que, hoje, para alterar esses símbolos basta ter um coro mínimo de resultado com maioria simples. A ideia é que os temas possam ser discutidos com maior amplitude.

“Queremos garantir que se for para discutir a alteração, que seja feita de forma majoritária na sociedade gaúcha. Acredito que a gente precisa entender nosso presente para projetar um futuro melhor”, reforça.

Debate em foco

Para resistir à PEC, a audiência de ontem, proposta pela deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), contou com a presença de historiadores, representantes dos movimentos

O sociólogo e tradicionalista lajeadense Jeferson Valente acredita que a proposta de mudança do hino não significa uma perda dos símbolos do RS negros e tradicionalistas. Um dos pontos abordados foi o hino, composto em 1838 durante a Guerra dos Farrapos (1835-1845).

Apesar da movimentação recente, o tema mobiliza a sociedade gaúcha há algumas décadas. Já que, para alguns, o trecho da letra de Francisco Pinto da Fontoura é racista, fazendo entender que a falta de virtude foi o que fez os negros serem escravizados. Por outro lado, os gaúchos também defendem que, na época, o estado lutava para manter sua independência do Império do Brasil, e o “ser escravo” se referia à submissão territorial.

“Estamos tratando de símbolos que falam sobre a cultura, a história, e é inadmissível que se fale de um período tão difícil da história

ARQUIVO A HORA ro de vários movimentos para que essa tradição gaúcha seja fortalecida e atinja todos os grupos sociais”, argumenta.

Símbolos ressignificados

O sociólogo e tradicionalista lajeadense Jeferson Valente destaca que, no início, o hino era apenas instrumental e existiam três letras conhecidas. Na original, também havia a passagem “Entre nós revidava Atena / Para assombro dos tiranos / Sejamos gregos na glória / E na virtude, romanos”. Que seria complemento à estrofe discutida no Plenário.

Para entender o debate

- O hino é considerado racista, por parte da sociedade, por apresentar a estrofe “Povo que não tem virtude / Acaba por ser escravo”.

- Pessoas ligadas ao movimento negro entendem a mudança no hino como um processo de reparação histórica.

JEFERSON VALENTE SOCIÓLOGO E TRADICIONALISTA

do Brasil e do estado de maneira romantizada”, ressalta Bruna.

Ela destaca não ser contra as tradições e é pelo respeito à cultura, que a Bancada Negra do Legislativo se manifesta contra a PEC.

“Nós devemos comemorar que a história mude, a imutabilidade do símbolo impede que a gente reflita o avanço histórico e cultural do nosso povo”.

Também parte da Bancada, o deputado Matheus Gomes (PSOL) afirma que o tema já é debatido há 50 anos e que, por meio destes símbolos, se criou a ideia de que a comunidade negra não tenha participação no desenvolvimento do estado.

“É justo ter uma mudança. São elementos que, em tese, deveriam unir o povo. O hino seria o primei-

“Tendo sido Roma um dos maiores impérios da história, é a essa virtude que penso se referir o autor. Um louvor à civilização ocidental, na qual o riograndense estaria inserido. Sem o texto completo, o entendimento se torna mais difícil”, ressalta Valente.

O pedido para retirar o trecho ocorreu em 1966, durante a ditadura. “Naquele momento, falar em ‘assombrar tiranos’ poderia não ser a maneira mais adequada de cantar seu torrão”, destaca o sociólogo.

Ele ainda observa que o trecho “Mas não basta pra ser livre / Ser forte, aguerrido e bravo” pode dar a entender que sem virtude o povo se torna escravo do vício. Para ele, debater acerca da possibilidade de mudança de um símbolo é algo que mexe com o imaginário social instalado.

“É difícil. E até por isso, fantástico. Até onde determinado sím- bolo nos representa? A discussão é importantíssima, mas deve ser pautada em argumentos válidos, buscando-se evitar conjecturas”. Por isso, entende que a proposta de mudança não significa uma perda dos símbolos do estado. “O mundo muda com o tempo e símbolos são ressignificados. Isso não implica dizer que são esquecidos ou desvalorizados”, pontua.

- Por outro lado, há quem acredite que a referência é ao período de independência do estado do Império do Brasil, e o “ser escravo” se referia à submissão territorial.

- Uma audiência pública ocorreu no fim da tarde de ontem, 3, para debater o assunto.

- Nesta terça-feira, também deve ser votada uma proposta de emenda à Constituição (PEC) Estadual para dificultar a alteração dos símbolos oficiais do Rio Grande do Sul: o hino, a bandeira e o brasão.

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