AH - Agronotícias | 27 de agosto de 2016

Page 1

AGOSTO | 2016

Circulação mensal GIOVANE WEBER

Especial do jornal A Hora

O fim de um ciclo A atividade leiteira passa por uma severa crise. Nos últimos dois anos, 25 mil famílias abandonaram o setor no estado. Líderes orientam para adoção de novas tecnologias, conhecimento, melhora na sanidade, genética e qualidade da matéria-prima.

Páginas 9 a 14


02

AGOSTO/2016

Muito além do lado econômico

A

cada 11 minutos, entre 1996 e 2006, uma propriedade no país abandonou a atividade leiteira. Há 20 anos, o país tinha 1,8 milhão de produtores. Neste período, mais de 470 mil, sendo 194 mil na Região Sul, desistiram do setor. Quem opta por ficar reduz o plantel e evita novos investimentos. Restrições ao pequeno produtor – até 50 litros por dia – fraudes, falências de empresas, dívidas e redução do consumo devido ao aumento do preço no mercado e à falta de segurança na hora de provar a origem castigam o setor e o fazem mergulhar na terceira maior crise da história. Custo de produção alto e rentabilidade instável, escassez de mão de obra e falta de sucessores na família contribuem para o aumento do abandono da atividade leiteira no RS. Dados da Fetag atestam que 25 mil famílias deixaram a atividade desde 2013. Muitas tinham no leite o único ganho. Enquanto os mais jovens migram para a cidade, outros buscam a adesão ao Bolsa Família ou tentam sobreviver da aposentadoria rural. O leite é o alicerce contra o êxodo rural nas propriedades rio-grandenses. A atividade é considerada fundamental para manter o homem no campo. É um trabalho de importância social e econômica, uma vez que mais de cem mil propriedades fazem do leite o produto

Precisamos insistir na transparência, na rastreabilidade e na busca por mais qualidade. O leite é um alimento e precisa ser tratado com todo cuidado, para levar à mesa do consumidor um produto saudável, livre de qualquer fraude ou adulteração principal de sua economia. Existe muito trabalho pela frente. A redução do número de produtores será inevitável, no entanto, é preciso buscar a sucessão, despertando interesse dos jovens em assumir o trabalho dos pais. Ofertar linhas de crédito para o produtor ter acesso a novas tecnologias e suprir a falta de mão de obra, tornando a rotina menos penosa, preço mínimo, orientação técnica direto na propriedade para aumentar a produção gradativamente dentro dos parâmetros exigidos por lei, pela indústria e consumidor são ações urgentes a serem implantadas. Carecemos de campanhas de marketing com o propósito de elevar o consumo e firmar acordos comerciais. O leite é um produto natural. Contém muitas vitaminas e sais minerais necessários para manter a saúde do corpo. Em termos de nutrição, é um dos alimentos mais completos. Precisamos divulgar melhor a sua qualidade e importância. Outra mudança que precisa ser adotada é quanto ao sistema produtivo, como ocorre na criação de suínos e frangos e na produção de tabaco em que regras bem definidas são o rito dentro das propriedades. Garantem mercado e preço justo. Com a imagem manchada e a estrutura estremecida, empresas, produtores e governos precisam se unir para tentar recuperar credibilidade.

Índice

Editorial

4

Azeite de oliva conquista espaço

6

“Esta será a Expointer do desafio”

8

Meta é duplicar oferta de pescado

9 14

Especial – O leite azedou

Milho – Preço faz área crescer

Tenho dito A seguir, a opinião sintetizada sobre este caderno dos integrantes do grupo de discussão, que participam a cada mês da elaboração das principais pautas e temas abordados.

Trabal ininterrupto, falência de empresas, pouco lucro, instabilidade no preço, Trabalho tudo colabora para o abandono da atividade. Precisamos corrigir a legislação tu para terminar com a farra de alguns, sem nenhum comprometimento com quem se sacrifica. É necessário que o consumidor se conscientize da importância do produtor de alimentos. Comprar por um preço baixo é bom e todos querem, porém, não se preocupam com a ponta inicial da cadeia, se ela se sustenta ou não. Essa incoerência favorece as oscilações no volume de produção e a instabilidade dos preços, nesse caso, prejudicando a todos, enquanto que a regularidade serviria para traçar plan planos a curto e longo prazo para todos os setores envolvidos. Lauro Baum – Diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lajeado

Temos muito trabalho pela frente. Precisamos unir o setor. Hoje ele está tá desunido. Sofre com discussões e brigas desnecessárias, de questões particulares. Além de recuperar uma imagem perdida, é fundamental ter a cadeia unida em busca do desenvolvimento. Não é o produtor o culpado em tudo o que ocorreu até agora. Todos os problemas verificados ocorreram da porteira para fora, até que se prove o contrário. Carlos Joel da Silva – Presidente da Fetag g

Alcançar produtividade, genética, alimentação, clima, higiene, sanidade, instalações e equipamentos são alguns al itens que pesam na quantidade, na qualidade da produção leiteira e na renda do produtor. Atualmente quem consegue atender esses parâmetros tem bons resultados. A maior preocupação é o custo dos alimentos, como milho e soja, cujo preço está em elevação. É necessário que o governo dê uma atenção maior para oferecer esses insumos em quantidade e valores adequados. Dar condições de financiamento para que possa construir instalações melhores e aquisição de equipamentos também são itens importantes para o produtor melhorar a renda. O associativismo é um fator fundamental para que se vençam as dificuldades e, neste caso, as cooperativas são um bom exemplo. Gilberto Moacir da Silva – Médico-veterinário

Fundado em 1º de julho de 2002 Vale do Taquari - Lajeado - RS

DIREÇÃO EDITORIAL Fernando Weiss

COORDENAÇÃO Giovane Weber

Diretor-geral: Adair Weiss Diretor de Conteúdo: Fernando Weiss Diretor de Operações: Fabricio Almeida

PRODUÇÃO Giovane Weber

ARTE Gianini Oliveira e Fábio Costa

Tiragem desta edição: 10.000 exemplares. Disponível para verificação junto ao impressor (ZH Editora Jornalística)



04

Areá cultivada aumentou 20 vezes nos últimos dez anos. Produtores destacam qualidade para conquistar novos consumidores e estudam destinar a fruta para a produção de conservas. Cultura é a nova aposta de agricultores do Vale do Taquari.

AGOSTO/2016

Azeite de oliva galga espaço no mercado FERNANDO DIAS/SEAPI

O

s rótulos espanhóis, italianos, chilenos e portugueses começam a dividir a preferência com a produção nacional. Reconhecido pela excelente qualidade, o azeite de oliva extravirgem conquista espaço na mesa dos brasileiros. Embora represente apenas 2% da oferta nas prateleiras, a presença de marcas gaúchas é resultado de um crescimento de 20 vezes na área cultivada nos últimos dez anos. Em 2006, eram apenas 80 hectares de oliveiras, a maioria localizada na Região Central. De acordo com projeções da Emater, a área chegará a três mil hectares até dezembro. Com clima propício para o cultivo de oliveiras, o RS tem a maior área plantada do país. A matéria-prima disponível, no entanto, ainda é escassa em relação ao apetite dos brasileiros. O consumo per capita saltou de 150 gramas para mais de 400 gramas por ano. Mas ainda bem longe do registrado entre gregos, que consomem 22 quilos por ano, e italianos e espanhóis, com 13 quilos. Na cozinha mediterrânea, o azeite de oliva substitui o óleo de soja. Segundo dados da Secretaria Estadual de Agricultura (Seapi), o Brasil importa mais de R$ 1 bilhão ao ano em azeites e azeitonas. O assistente técnico estadual da área de fruticultura da Emater/ RS-Ascar, Antônio Conte, destaca que mais de 99% do azeite consumido no país é importado. “Nosso clima e solo são favoráveis à cultura, com destaque para a Região Noroeste e Metade Sul. O êxito do olival depende da

As variedades mais cultivadas para azeite são arbequina, arbosana, karoneike, frantoio e picual

qualidade da muda.” O RS é o maior produtor de azeitona e de azeite, em número de indústrias, em área e em potencial, analisa. As variedades mais cultivadas para azeite são arbequina, arbosana, karoneike, frantoio e picual. Em novembro do ano passado, a Emater contabilizava 139 olivicultores, em 55

municípios. A colheita de 2016, encerrada em março, deve gerar cerca de 30 mil litros. Os números tendem a aumentar, pois pelo menos 2/3 dos pomares ainda não entraram em produção. A matéria-prima abastece seis indústrias de extração e chega ao mercado em 12 marcas . Hoje, a indústria de azeite recebe 50% da matéria-prima de propriedades locais, que entregam a produção em troca do produto engarrafado ou de mudas. Conforme o Conselho Oleícola Internacional, a demanda nacional do produto passou de 13,5 mil toneladas, em 1991, para 73 mil toneladas, em 2013.

Falta conhecimento Segundo o coordenador da Câmara Setorial da Olivicultura e do Programa Estadual de Desenvolvimento da Olivicultura (Pró-Oliva), Paulo Lipp João, entre os desafios, está a oscilação entre uma e outra safra. “Nosso gargalo é a matéria-prima. A produção é sazonal e escassa.” Para resolver esse empecilho, foram criados grupos de pesquisas e extensão (Câmara Setorial e Pró-Oliva) e incentivada a formação de técnicos. Recomenda cuidados na adubação, correção do solo, poda, espaçamento, cultivo de mais


05

AGOSTO/2016

variedades em um mesmo pomar para ocorrer a polinização, regiões pouco chuvosas e pouco frio. Entre os diferenciais, além do sabor, os azeites gaúchos reivindicam ter mais polifenóis antioxidantes do que os importados. “Há uma frase que diz que o melhor azeite do mundo é sempre aquele mais próximo de você”, defende. A meta, segundo os produtores e representantes do setor, é conscientizar os consumidores de que o produto nacional vale a diferença no preço quando comparado com o estrangeiro. Enquanto o azeite gaúcho custa R$ 50 a garrafa de meio litro, o de outros países vale a metade. Criticam o fato de todos serem vendidos como “extravirgem.” Argumentam que, se houvesse um laudo fisiológico, a maioria dificilmente conseguiria esse aval. Destinar a fruta para fabricação de conservas é outra alternativa a ser explorada. Segundo Lipp, já existem alguns pomares em nível experimental. O retorno por hectare (300 pés), com o dólar no menor preço, chega a R$ 18 mil.

Cultura chega ao Vale Baseado na demanda do mercado, o empresário e prefeito de Putinga, Valdir Possebon, aposta na cultura. Há seis anos, foram implantados 12 hectares. Seis variedades estão em fase de testes, com o objetivo de ver

É uma opção, mas ainda nos falta conhecimento. João Lipp

qual se adapta melhor ao solo e às condições meteorológicas. Segundo Possebon, a ideia é incentivar o cultivo por outros produtores e criar uma cooperativa para processar a matéria-prima. “Nossa ideia é de dobrar a área cultivada.” Entre as dificuldades, cita a falta de orientação técnica quanto ao cultivo e controle de pragas. A família Zuffo, de Anta Gorda, plantou quatro hectares (1.260 mil pés). O investimento passa de R$ 11 mil. Conforme Jandir, 70, as primeiras mudas foram plantadas no município em 1944 e na época até foi instalado um viveiro. “O nosso clima não é o mais indicado, mas produz bem quando seguimos alguns cuidados quanto ao solo e adubação.” Entre os desafios a serem superados, está a alternância na oferta. “A planta é como uma bergamoteira. Um ano produz muito e outro quase nada.” A meta é produzir até 35 quilos em três anos por pé. Além das oliveiras, a família investe no cultivo de nogueiras, eucalipto, erva-mate e milho.

Produção gaúcha Área 80 hectares – 2006 1.670 hectares - 2015

Produtores 139

Municípios 55

Indústrias 6

Consumo no país (mil toneladas) 2006 – 34,5 mil 2012 – 73 mil (pico) 2015 – 66,5 mil

Produção (em mil toneladas) 2010 – 5,3 mil t 2014 – 320.581 mil t (pico) 2015 – 89.347 mil t

Quantidade extraída (em mil litros) 2010 – 800 2014 – 32.989 2015 – 11.141 2016 – 30.000 Fonte – Emater, COI, Seapi


06

A 39ª edição da maior feira agropecuária da América Latina, que inicia neste sábado e se estende até 4 de setembro, em Esteio, se realiza em meio a safras produtivas no RS e a cotações remuneradoras. Apesar da crise econômica e política, empresários e produtores projetam bons negócios.

AGOSTO/2016

“Esta será a Expointer do desafio” GIOVANE WEBER

M

esmo diante da incerteza política e crise financeira, empresários e produtores estão otimistas quanto aos negócios a serem realizados a partir deste sábado, 27, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. As boas safras aliadas a preços atrativos são elencadas como as principais razões para registrar um impacto positivo no faturamento dos expositores. De acordo com o governador José Ivo Sartori, a Expointer é a melhor expressão do campo que trabalha, produz e dá certo. Aqui, se mostra o que há de melhor na agricultura e na pecuária, resume. De acordo com o secretário estadual da Agricultura Ernani Polo, esta edição da feira será conhecida como a “Expointer do desafio”. “O melhor de nossa agropecuária estará à mostra, evidenciando a importância do papel do setor primário na economia gaúcha.” O presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no RS (Simers), Claudio Bier, afirma que as expectativas são as melhores possíveis. “Buscamos a retomada das vendas.” Destaca os lança-

Agricultura familiar terá 227 expositores. Nesta edição clientes podem pagar os produtos comprados com cartão de crédito e débito

mentos de máquinas e implementos com tecnologia de ponta como principal atrativo ao produtor. “Agrega produtividade, menor custo e eficiência na lavoura.” Como maior empecilho, ressalta a alta dos juros e a falta de linhas de crédito para financiar compras dos agricultores. Bier ressalta que a queda nas vendas provocou ajustamento das empresas e elevou o número de demissões.

Retomada dos negócios As boas safras com preços remuneradores trazem impacto positivo para a feira Ernani Polo, secretário de Agricultura do RS

Os empreendimentos que estarão na 18ª Feira da Agricultura Familiar, um dos pontos mais visitados, colocarão à venda produtos como queijos, pães, cucas, geleias, biscoitos e salames. Neste ano serão 227 expositores – 17% estreantes. A família Post, de Teutônia, espera repetir os números da

edição passada. Em 2015, vendeu 500 frascos (180g, 300g e 1,8 quilo) de ovos de codorna em conserva, a um preço médio de R$ 5. A produção começou em 2008, com um plantel de seis mil animais. Na época, por dia, eram industrializados 125 vidros de 300 gramas. No auge, há três anos, foram alojadas 12 mil codornas, cuja produção diária passava de nove mil ovos. Com a queda nas vendas em até 50% devido à crise, o plantel foi reduzido para quatro mil animais. Por dia, são envazados 70 frascos. Para a proprietária Jacinta, a feira será a oportunidade de conquistar novos mercados e retomar o crescimento. “O contato direto com o cliente permite explicar o processo de produção e a qualidade. Fideliza novos consumidores.” Para estimular a participação das agroindústrias na Expointer, o Banrisul lançou uma linha de crédito especial para a categoria.

O valor será de R$ 3 mil, com taxas de juros de 1,3% ao mês, em dez parcelas com vencimento a partir de setembro deste ano.

Saiba mais

A 39ª Expointer ocorre de 27 de agosto a 4 de setembro, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. A programação conta com mais de 500 atrações simultâneas nos 141 hectares do parque. Entre elas, estão a Feira da Agricultura Familiar e de artesanato (227 expositores), palestras técnicas, shows e eventos culturais, além dos julgamentos e leilões de animais. O volume de negócios está projetado em R$ 1,7 bilhão, valor atingido na edição anterior.



08

Estratégias visam a duplicar a oferta de pescados em quatro anos. Serão abertos mil tanques em 60 municípios. Emater quer colocar mais cinco milhões de alevinos nas propriedades em 2016. Existem 50,4 mil piscicultores no RS. A área alagada é de 15,1 mil hectares. São 49 produtores de alevinos e 65 unidades de beneficiamento.

Em quatro anos, meta é duplicar a produção GIOVANE WEBER

os benefícios à saúde e incluem o pescado no cotidiano.” Segundo pesquisa realizada pela Emater-RS, SDR e Furg, apenas 55% das 17 mil toneladas capturadas são comercializadas. O resto é para consumo próprio. Apenas 65% dos produtores utilizam o sistema extensivo. A produtividade média é de 210 quilos por propriedade ao ano.

Construção de frigorífico Maior parte do pescado é vendida durante as feiras, principalmente durante a Semana Santa

O

RS traça estratégias para atender a demanda cada vez maior por pescados. Uma parceria entre Emater, Secretaria de Desenvolvimento Rural e 60 governos municipais pretende duplicar a produtividade até 2020. O objetivo é abrir mil tanques. O governo estadual fornece as máquinas, enquanto as administrações municipais cedem o operador e o licenciamento ambiental, emitido pela Emater, responsável também pela orientação técnica. Para o assistente técnico em Piscicultura da Emater, Henrique Bartels, é possível elevar a produção de 892 quilos para duas toneladas por hectare ao ano. Para alcançar a meta, é necessário fazer ajustes na adubação do viveiro, adotar novas tecnologias, corrigir a acidez da água e melhorar a alimentação. O diretor da SDR, Ricardo Núncio, é mais otimista. “Podemos chegar a cinco toneladas por hectare/ano.” Em um segundo momento do plano, serão cria-

das cinco unidades de referência pelo estado, em parceria com universidades. Elas fornecerão subsídios técnicos específicos para que os criadores escolham, por exemplo, os métodos e espécies mais adequadas às características da região. Serão investidos R$ 5 milhões. Hoje, a carpa, por suportar uma amplitude térmica maior, representa 80% da oferta. As 84 unidades gaúchas de beneficiamento, que têm uma capacidade instalada de 60 toneladas por dia, trabalham com apenas 26% da capacidade total.

Ociosidade é de 74% Conforme o médico- veterinário, Alberto Luiz Volkmer, até 2020, a projeção é aumentar a produção em 40% em Estrela. Hoje são 45 piscicultores, cuja produção anual alcança uma média de 15 toneladas. “Queremos oferecer o produto em feiras semanais. Aos poucos, as pessoas descobrem

A Piscicultura Águas do Vale, gerida pelo empresário Vandir Luís Leonhardt, de Mato Leitão, foi uma das pioneiras do ramo no Vale do Taquari. Até 1990, Leonhardt se dedicou à criação de frangos. Na época, viajou ao Paraná em busca de solução ao capim que invadia o açude na propriedade. Retornou com alevinos (tilápias). Ao verem o resultado, vizinhos começaram a comprar os peixes do avicultor. “Substituí por ser mais rentável.” Com o tempo, novas espécies foram incluídas, como a carpa-capim, que entrou no mercado em 1998. Hoje, são 60 açudes, cuja lâmina de água chega a 20 hectares, num raio de dois quilômetros. Por ano, Leonhardt vende cerca de três milhões de alevinos, a maioria da espécie carpa-capim, cabeça-grande, prateada e tilápia. Aos poucos, o empresário ingressa no mercado da distribuição de peixes de água salgada, doce, de camarões e também de espécies importadas, como o salmão. Outro investimento será a construção de um frigorífico.

AGOSTO/2016

Raio x do setor No RS Existem 50,4 mil piscicultores A área alagada é de 15,1 mil hectares São 49 produtores de alevinos e 65 unidades de beneficiamento Em 2013 foram vendidos 9,5 milhões de peixes O faturamento chegou a R$ 44 milhões Espécies em produção Carpa-capim (30%) Carpa-comum (22%) Carpa-cabeça grande (15%) Carpa-prateada (13%) Tilápia (12%) Demais (8%) O consumo per capita no estado chega a 8,5 quilos e no país 14,3 Rentabilidade chega a R$ 3,7 mil por hectare

No país Por ano são produzidas cerca de 2 milhões de toneladas de pescado 40% são cultivados A atividade movimenta R$ 5 bilhões por ano Gera 3,5 milhões de empregos diretos e indiretos O país ocupa a 17ª posição no ranking mundial na produção de pescados em cativeiro e a 19ª na produção total de pescados

Fonte - Ministério da Pesca e Aquicultura e Emater


AGOSTO/2016

ESPECIAL

M

Desde 2013, 25 mil produtores desistirem da atividade. Entidades, indústrias e agricultores traçam estratégias para recuperar a credibilidade e retomar o equilíbrio. No Vale do Taquari, atividade abrange sete mil produtores. Setor movimenta R$ 325 milhões por ano, que se multiplicam em R$ 1,8 bilhão.

ilhares de agricultores desistiriram de trabalhar com produção de leite. Entre as principais causas, estão as fraudes, dívidas e falência de indústrias. Também o custo elevado de produção, a oscilação do preço e a redução das vendas. O setor lácteo vive a terceira e pior crise da história. Segundo estimativa da Fetag, desde 2013, 25 mil famílias abandonaram a produção de leite em todo estado. Entidades, indústria e produtores traçam estratégias para recuperar a credibilidade e retomar o equilíbrio a fim de evitar um caos social no meio rural. Carlos Joel da Silva, presidente da Fetag, enumera o custo elevado, as fraudes e as restrições impostas por empresas e cooperativas como principais motivos para as famílias diminuirem ou até migrarem para outras atividades, como gado de corte. Com menor oferta de matéria-prima, o preço pago registrou aumento. “Ajudou a segurar alguns produtores, mas é um fenômeno passageiro.” Enquanto o produtor ganha entre R$ 0,90 e R$ 1,60 por litro, o consumidor paga R$ 4 no mercado. “Esse valor retrai o consumo e quem perde é o agricultor, pois tem gente que ganha na crise e também nos momentos bons. Isso precisa mudar.” Em propriedades de alta tecnologia, a rentabilidade caiu de 7,9% no país em 2014 para 1,7% ano passado. No de baixa tecnologia, o prejuízo foi maior, de 7,6% em 2015, conforme pesquisa da Scot

O leite azedou GIOVANE WEBER

O casal Swirtes, de Estrela, após 28 anos trocará a atividade leiteira pelo gado de corte

Consultoria. A Farsul aponta um aumento nos custos de 3% e de 16% nas receitas no ano. Mesmo assim, os pecuaristas trabalham no vermelho. Na média do ano, a

perda é de R$ 0,11 por litro, levando em conta o custo operacional total, que inclui todos os desembolsos mais depreciações. Silva critica a inexistência de

09

políticas públicas, as importações e a falta de um estoque regulador por parte do governo. A entidade discorda do preço e dos padrões definidos pelo Conseleite. Usar três níveis – abaixo – dentro e acima do padrão – desqualifica o produto, passa uma imagem pejorativa, aponta. “Quem produz dez litros ou mil por dia precisa ser remunerado de acordo com a qualidade. Hoje pagam por quantidade. Esse equívoco precisa ser corrigido.” O sindicalista entende ser necessário melhorar a assistência técnica e oferecer ao produtor um planejamento em que se priorize o aumento de escala, a qualificação das etapas e melhore gradativamente a rentabilidade. “Nossa juventude só ficará se houver garantia de renda e tenha condições de diversificar.” Presidente do sistema Ocergs/ Sescoop, Vergilio Perius afirma que as cooperativas absorveram parte dos produtores ligados à empresas que decretaram falência, cumprindo com seu papel de promover a inclusão social. “O leite é a âncora do desenvolvimento da agricultura familiar do estado. Se terminar o leite, termina tudo”, observa. À frente das operações Leite Compen$ado iniciadas em maio de 2013, o promotor Mauro Rockenbach é categórico. “Quem sepulta a cadeia são os fraudadores, agindo contra um setor altamente produtivo e importante. Não inventamos fraude, apenas defendemos os consumidores.”

“Alguns vivem do Bolsa Família” Em Sério, em três anos, mais de 60 produtores desistiram ou foram excluídos da atividade por não atenderem as exigências mínimas de quantidade, qualidade e infraestrutura. De acordo com o presidente do STR do município, Clério Schuck, o principal moti-

vo foi o calote de uma empresa de Estrela. Na época, quando decretou falência, as dívidas somavam mais de R$ 400 mil com mais de 200 famílias, cuja produção diária variava entre dez e 200 litros. “Alguns vivem do Bolsa Família ou da aposentadoria.

Os jovens buscaram emprego na cidade. Todos os dias,,,, dois ônibus lotados saem daqui.” Alguns foram incorporados por duas cooperativas. No entanto, as exigências fizeram parte migrar para outras culturas como o tabaco, em que

toda safra é financiada pela indústria, o mercado é garantido e o preço atrativo, sem exigir muita mão de obra. “Nem todos estão dispostos ou têm condições de investir até R$ 20 mil em resfriador, ampliar o plantel e novas salas de ordenha.”


10

AGOSTO/2016

ESPECIAL

“Expulsamos um produtor do campo a cada 11 minutos” Para Paulo Martins, chefe-geral da Embrapa Gado de Leite, está na hora de o Brasil obter uma fotografia atual do presente para iniciar o planejamento do futuro do setor leiteiro. Cita o cooperativismo como um dos meios para viabilizar um planejamento de longo prazo. Qual a realidade do setor lácteo no país? Paulo Martins – Apenas 62 municípios no país não produzem leite. E desse universo, apenas duas capitais: Belo Horizonte e São Paulo. Isso nos mostra a magnitude do que representa o leite para o brasileiro. Quando falamos de geração de emprego, o setor se destaca, porque ainda utiliza muita mão de obra, principalmente a familiar. Dados mostram que em 2030 menos de 10% da população permanecerá no campo. Se queremos continuar crescendo, temos que ser competitivos. Para isso, nosso dever de casa é aumentar a eficiência produtiva (produtos e processos), com inovação tecnológica. O mesmo setor que fatura, anualmente, cerca de R$ 80 bilhões, expulsa um produtor do campo a cada 11 minutos. Qual a importância do censo em andamento na identificação dos gargalos de cada região, bem como de suas soluções? Martins – O conhecimento mexe com duas coisas: razão e emoção. Ninguém gosta daquilo que não conhece. Além disso, ninguém está disposto a lutar racionalmente, investindo em um setor sem conhecê-lo. O que a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a Embrapa preten-

dem é exatamente isso: conhecer o setor. Ter essa percepção é muito importante. Somos testemunhas do quanto essa cadeia passou por melhorias, depois que realizamos o primeiro censo. E, a partir desse, veremos isso novamente. São as próprias cooperativas que nos dirão o caminho que elas querem seguir. Tem um Brasil antigo que precisamos estudar e um Brasil novo que pode nos ensinar muito. Qual o papel da pesquisa agropecuária no sentido de encontrar alternativas para reduzir o custo de produção do leite? Martins – Com as condições econômicas da atualidade, mais e mais produtores desistem do setor. E isso é algo cruel, pois boa parte deles veio de outras atividades e encontrou no leite, pelo menos temporariamente, o seu lugar seguro. É o caso da Região Sul. Muitos vieram de culturas como a soja, tabaco, milho ou aves. Defendemos um planejamento estratégico. Os problemas de hoje têm de ter soluções iniciadas lá atrás. O que vivemos agora é uma questão de mercado difícil de ser resolvida. Quem poderia imaginar que o preço do milho pudesse subir tanto? Além disso, o custo da mão de obra cada vez mais cara. Os juros também impactam bastante. Para se ter uma ideia, no ano passado, a Embrapa fez um levantamento do custo de produção. Cresceu 18%. Muito acima da inflação que chegou a 10%. Por isso, é preciso pensar no futuro agora.

Aumento do consumo O brasileiro consome, em média, 178 litros de leite por ano. Mas a Organização Mundial da Saúde recomenda 220 litros por pessoa ao ano. “Se tivermos condições de aumentar a média no consumo, parte dos problemas enfrentados hoje acabaria”, pontua o presidente do Sindilat, Alexandre Guerra. Descompasso entre a oferta e o consumo no país também é apontado como fator para a crise. Entre 2010 e 2013, a produção de leite gaúcha cresceu mais do que o dobro da brasileira. O salto foi de 24%, uma média de 8% ao ano – quatro vezes mais do que o aumento anual do consumo per capita. Quanto ao aumento, diz haver uma série de custos embutidos no leite UHT – testes de laboratório, beneficiamento, impostos, embalagem e transporte até o mercado. “Em torno de 60% do leite produzi-

do aqui é levado para outros estados. O custo logístico se elevou e precisamos repassar. Os demais derivados nem foram reajustados.” Defende a união de todos os elos da cadeia, com foco na ética, transparência e rastreabilidade para recuperar a imagem e tentar abrir novos mercados. O secretário estadual de Agricultura e Pecuária, Ernani Polo, confirma a calamidade da situação da cadeia leiteira e afirma que é preciso buscar políticas para auxiliar na inclusão dos produtores que hoje não atendem as normas de sanidade e qualidade. Destaca o trabalho para conseguir habilitar novas plantas lácteas ao Sisbi, fundamental para vender os produtos a outros estados e abrir novos mercados. A falência de mais de dez empresas e o acúmulo de dívidas com produtores preocupam.

Faltou orientação técnica O produtor Jarbas Greiner, 27, da Estância Schmidt, em Boqueirão do Leão, desistiu da produção leiteira há cinco meses. Voltou a cultivar fumo, 150 mil pés neste ciclo. Com 30 vacas, a média mensal entregue à indústria chegava a nove mil litros. Desanimou pela falta de orientação técnica, alternância no preço, elevados investimentos em genética e infraestrutura. Nos próximos três anos, precisaria aplicar até R$ 100 mil para alcançar os parâmetros de qualidade exigidos pela indústria. “Se a atividade leiteira fosse tão organizada quanto à fumicultura, seria viável continuar. Infelizmente não é.” Enquanto o valor pago por litro era de R$ 0,85, o custo do quilo da ração chegava a R$ 1,05. Parte do plantel foi vendida a outros produtores e o restante, abatido. O resfriador e a ordenhadeira estão guardados no galpão à espera de compradores. Agora, com o lucro da safra de fumo, pretende quitar as dívidas acumuladas pela atividade leiteira. Lamenta a falta de políticas públi-

cas para incentivar a diversificação das lavouras, hoje dependentes quase exclusivamente do tabaco. “Sem técnicos, linhas de crédito acessíveis, preço justo, remuneração pela qualidade e pelos investimentos em infraestrutura, nunca conseguiremos investir no leite ou qualquer outra atividade.”

Exigem qualidade, quantidade e infraestrutura de ponta, mas, em contrapartida, a indústria paga o que achar justo. Jarbas Greiner, produtor



12

AGOSTO/2016

Rebanho colocado à venda Após 30 anos, a família Fell, de Teutônia, viu a atividade se tornar inviável. Darci, a mulher, o filho e a nora querem se dedicar à criação de suínos, mantida no sistema de integração. O plantel chega a 5,7 mil animais. Outros dois prédios serão construídos, cujo investimento chega a R$ 900 mil. O número de suínos alojados passará a 11 mil. “O lucro na suinocultura é de 80%. Com as vacas é de apenas 10%”, calcula Darci. Em junho, o rebanho de 58 animais, com média de diária de produção de mil litros, foi colocado à venda. Cada exemplar custa R$ 4,5 mil. Restam 20 vacas. Para manter a atividade, a família necessitaria contratar

funcionários, no entanto, o rigor das leis trabalhistas fez Fell desistir da ideia. “No leite, trabalhamos sem folgas. Com os suínos isso será possível, sem precisar contratar ninguém, com um lucro bem maior.” Embora o preço do litro de leite esteja cotado a R$ 1,60, os custos duplicaram nos últimos meses. Invés de tratar silagem aos animais (40 quilos por animal ao dia), passou a vender o insumo por R$ 250 a tonelada. “Agora pago as despesas com a cultura. Antes tinha prejuízo.” Fell lamenta a decisão, no entanto, diz que é preciso viabilizar financeiramente a permanência do filho na propriedade. “Com o leite isso era difícil.”

Após o calote, a desistência Há dois anos, Darci Weber, 52, de Alto Honorato, em Progresso, abandonou a produção leiteira após um calote da empresa para a qual vendia em média 1,6 mil litros por mês. “Até hoje me devem R$ 4 mil.” Para se manter no meio rural, a alternativa foi retomar o cultivo de tabaco com ajuda da mulher e de uma das filhas. A maioria das oito vacas foi vendida. O leite produzido hoje é para consumo da família e o excedente é transformado em queijo colonial. A 20 quilômetros do centro, em uma localidade de difícil acesso, poucos transportadores demonstram interesse em fazer a rota. O preço baixo, na época R$ 0,75 por litro, a falta de sucessores e a exigência de constantes investimentos em infraestrutura também desmotivaram Weber. “Para atender as normas da nova empresa, seria necessário aplicar R$ 20 mil. É muito dinheiro e trabalho para tão pouco lucro.” Cita a saída da maioria dos jovens para os centros urbanos em busca de melhores empregos. “Para nós resta plantar fumo. Tem mercado garantido, assistência técnica, preço está bom e exige menos trabalho.” No último ciclo, foram plantados 36 mil pés. A rentabilidade chegou a R$ 155 por arroba.

MACIEL DELFINO

ESPECIAL

A família Fell, de Teutônia, colocou à venda 58 vacas. Migra para a produção de suínos

Dá pena de abandonar toda estrutura, mas não vale a pena. Nós trabalhamos e o lucro fica para os intermediários. Darci Fell, produtor FELIPE NEITZKE


13

Gado de corte substitui as vacas O casal João, 52, e Flávia Swirtes, 50, de Estrela (foto pág. 9), está desestimulado depois de 28 anos ininterruptos na atividade. Após um calote, cuja dívida de R$ 10 mil começa a ser paga em dez anos, decidiram abandonar a lida. “Nunca tivemos férias, folga ou conseguimos viajar juntos. Chega deste trabalho sofrido, sem valorização”, comenta Flávia. Com 40 vacas em lactação, comercializam 600 litros de leite por dia. Em um curto espaço de tempo, venderão os animais e iniciarão a criação de gado de corte, da raça angus. “Já começamos a inseminar as vacas.” Outro problema é a falta de sucessores. Os filhos não pretendem ficar ou retornar à propriedade. “O mais jovem de 11 anos nem se interessa e eu incentivo ele a estudar, tentar um emprego melhor na cidade”, diz Flávia. A área onde antes era cultivado milho para silagem aos poucos se transforma em pastagem para servir de alimento ao gado.

GIOVANE WEBER

AGOSTO/2016

Casal Rohoose pretende desistir pela falta de rentabilidade e problemas de saúde. Filho se dedicará à engorda de suínos

“O preço adiou os planos de parar” Idade avançada, problemas de saúde, falta de mão de obra e as fraudes desestimulam o casal Rudi Walter, 65, e Susana Rohoose, 59, de Travesseiro. Após 45 anos dedicados à atividade leiteira, cogitam parar em breve. “O preço adiou a nossos planos, mas isso será inevitável”, comenta Rudi. Ambos se queixam da extensa jornada de trabalho, que inicia às 6h e segue até as 20h. “Estamos cansados, nunca sobra nada e cada dia tem mais exigências.

Não temos fim de semana nem feriado”, reclama Rudi, enquanto a mulher recolhe a silagem para alimentar o rebanho de 16 vacas leiteiras. Segundo ela, se não fosse a ajuda do filho Luís, 40, teriam vendido todos os animais logo depois da aposentadoria. Para melhorar o rendimento mensal, Rudi conversa com Luís para ampliar a produção de suínos, cujo plantel chega a 700 animais no sistema de terminação. “É menos trabalhoso. Todo processo é automati-

zado e uma pessoa dá conta de tudo. A cada 110 dias, a renda chega a R$ 17,5 mil.” Na comunidade onde moram, em torno de 30 famílias ainda se dedicam à atividade, com produção média de 150 litros por dia. Em dez anos, projetam uma queda de 90% no número de produtores, pelo êxodo dos jovens. “Me preocupo com quem produzirá os alimentos necessários à sobrevivência”, expõe Rudi.


14

AGOSTO/2016

ESPECIAL

Vale dos Lácteos está comprometido Embora o Vale do Taquari seja responsável por apenas 8% da oferta estadual, o leite é considerado o produto mais importante dentro da economia e do aspecto social das propriedades. Abrange em torno de sete mil produtores. Em 2014, a região era a terceira maior bacia leiteira do estado. Conquistou espaço e reconhecimento como a implantação do Projeto Vale dos Lácteos, sendo destaque em sanidade, produtividade e gestão das atividades para todo país. No entanto, as fraudes, que colocaram em xeque a qualidade do leite comercializado, a alta nos custos e o preço baixo, aliados à falta de sucessores, fazem centenas de famílias desistirem da atividade. A situação preocupa a presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Cíntia Agostini. “Favorece a migração para áreas urbanas, gera uma disputa por vagas de emprego, cada vez mais escassas. Diminui a renda e aumenta a

Nosso papel é evitar que os pequenos sejam extintos. Os modelos associativos auxiliam na manutenção da atividade e evitam a saída para as cidades Cintia Agostini, economista

desigualdade.” Conforme Cíntia, a população do Vale aumentou na última década mais do que a média do estado, fruto de uma migração interna. As pessoas saem do meio rural, dos pequenos municípios rurais e migram para cidades com características industriais. A lógica econômica tende a concentrar e centralizar, ou seja, menos produtores com maior produtividade e concentrados em alguns locais, destaca. “Nosso papel é atender esses quesitos, mas evitar que os pequenos sejam extintos. Os modelos associativos auxiliam na manutenção da atividade e evitam a saída para as cidades.” Com relação às fraudes, Cíntia defende qualificar a fiscalização e punir quem atuar de forma incompatível com a legislação. Segundo a líder, o Vale do Taquari aumentou em 200% a produção nos últimos 20 anos. Em 2014, a atividade movimentou R$ 350 milhões, sem considerar a industrialização, distribuição e consumidor final.

A terceira crise da história De acordo com a Fetag, a primeira ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, quando a Cooperativa Rio-Grandense de Laticínios e Correlatos (Corlac), que mantinha fábricas em vários pontos do estado, decretou falência e deixou milhões em dívidas. Em meados da década de 1990, a Parmalat entrou em decadência. Na época, a Fetag ingressou com uma ação na Justiça para colocar como credores preferenciais os produtores de leite. Até hoje, alguns esperam pela quitação dos atrasados. A terceira e maior de todos os tempos começou em maio de 2013, quando iniciou a Operação Leite Compen$ado. Neste período, mais de 13 indústrias decretaram falência e 25 mil famílias desistiram da atividade. As dívidas somam mais de R$ 50 milhões somente com produtores.


AGOSTO/2016

15 GIOVANE WEBER

A escassez do grão e o aumento das exportações duplicaram o valor da saca de milho e tornaram a atividade atrativa neste ciclo. Produtores devem aumentar a área em até 20%. Especialistas projetam cotações estáveis até 2017, próximas de R$ 40.

Mais rentável

Preço faz área crescer A boa valorização do milho faz produtores retomarem o cultivo. Após a cultura ocupar a menor área da história, o preço pago pela saca dobrou em menos de um ano. Saltou de R$ 20 para mais de R$ 40. O aumento das exportações e a menor oferta do grão na segunda safra em todo país tornaram a oferta escassa. Segundo Claudio de Jesus, presidente da Associação dos Produtores de Milho do Estado (Apromilho), a área destinada ao cereal crescerá nas duas safras. A estimativa é plantar 960 mil hectares. No ano passado, foram 771 mil. A boa remuneração torna a cultura atrativa. Entre os pontos negativos, está o alto custo, principalmente do preço da semente de alta tecnologia, cujo aumento chega a 30% comparado com o ciclo anterior. O valor da saca varia entre R$ 600 e 900. “Podem ser mais caras, no entanto, garantem alta produtividade.” A possibilidade de estiagem, devi-

do à atuação do fenômeno climático La Niña, deixa o produtor em alerta. Embora a cultura de milho garanta boa lucratividade, não consegue competir com a soja, cuja saca está cotada acima de R$ 70. Conforme o gerente técnico da Emater, Lino Moura, a vantagem do milho está na produtividade por hectare. Enquanto o produtor obtém até 80 sacas de soja por hectare, na mesma área, é possível colher até 170 sacas de milho. De acordo com o assistente técnico da Emater Alencar Paulo Rugeri, o grão está em um patamar de preço mais favorável. “Dá tranquilidade de retorno financeiro.”

Bom para a indústria O aumento da oferta de milho beneficia a indústria de carnes. O consumo por ano no estado é de 6,5 milhões de toneladas, enquanto a oferta alcança apenas 6,2 milhões. De acordo com o diretor-execu-

tivo do Sindicato da Indústria de Produtos Suínos (Sips), Rogério Kerber, a escassez do grão no mercado interno, aliada ao aumento das exportações, expansão de 100% em relação ao ano passado, trouxe prejuízos aos produtores de suínos e aves. “Alguns diminuíram o plantel ou até pararam. Este cenário causou desemprego e dificuldade à indústria principalmente.” Em 2015, o RS importou 1,7 milhão de toneladas para atender a demanda e neste ano a expectativa é de adquirir 1,9 milhão de toneladas, devido à redução na área plantada no último ciclo. Critica a falta de políticas públicas para estocar o grão e regular a cadeia produtiva quando existe escassez na oferta. A ausência de capital de giro e linhas de financiamento por parte da entidades financeiras para comprar e estocar o cereal, por parte dos produtores e indústrias, na época de safra, é vista como mais um desafio a ser vencido.

O produtor Junior Blume, de Teutônia, trabalha com o pai no cultivo de grãos e na prestação de serviços para terceiros. Neste ciclo, com a possibilidade de obter melhores lucros, ampliará a área em 19 hectares, totalizando 54 hectares. No ciclo anterior, a produtividade média por hectare alcançou 7,5 mil quilos. A saca foi negociada por R$ 40. “Em anos anteriores, este preço nunca passava de R$ 21. Embora o custo tenha aumentado, principalmente das sementes, o negócio será rentável.” Blume estima um custo de R$ 1,5 mil por hectare. Tanto a primeira safra como a safrinha será destinada à produção de grãos. A semeadura começou no início do mês, dentro do período do zoneamento climático, que começou em julho. Entre os cuidados para obter mais eficiência e produção estável, Blume observa umidade, temperatura e ajuste da plantadeira, com auxílio de tecnologia de precisão.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.