Documento Pensar O Agro

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EXTREMOS CLIMÁTICOS

APÓS CICLO DE SECAS, VALE ENFRENTA OITO MESES DE INUNDAÇÕES HISTÓRICAS

Seminário Pensar o Vale – Os abalos ambientais e o impacto no campo – provoca um repensar sobre o comportamento da sociedade. Especialistas, autoridades e agricultores debatem formas de garantir produção aliada a sustentabilidade.

VALE NO EPICENTRO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

SEMINÁRIO NO COLÉGIO TEUTÔNIA

DEBATE FORMAS DE MITIGAR PREJUÍZOS NA PRODUÇÃO RURAL DIANTE DA INCIDÊNCIA DE EPISÓDIOS ADVERSOS

Acomunidade científica alerta para os impactos do aquecimento global sobre o clima. Fenômenos naturais, como o La Niña e o El Niño, se tornam

mais frequentes e extremos. Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) alertam que o sul do continente americano é um corredor das mudanças climáticas. Em especial o Rio Grande do Sul.

Pelas características geológicas, o Vale do Taquari se torna o maior corredor para escoamento de água da chuva do planato e norte gaúcho.

Pelo relatório apresentado pela Organização Meteorológica Mundial (OMN – uma das agências científicas dentro da ONU), a última década bateu recordes de calor em todos os anos.

Pelo documento da OMN, episódios extremos, como tempestades, secas e inundações, se tornam mais frequentes. No Vale do Taquari, sinais

deste alerta global ficaram mais evidentes a partir de 2019. Desde lá, foram pelo menos duas safras frustradas devido a secas. No segundo semestre do ano passado e neste 2024, três grandes inundações.

A Emater/Ascar-RS avalia que serão precisos pelo menos 40 mil laudos de perdas para garantir o seguro agrícola aos agricultores familiares da região. Estimativa do Conselho de Desenvolvimento Regional (Codevat) aponta para pelo menos 45% de áreas produtivas degradadas após os episódios de setembro, novembro e maio.

De maneira a ampliar o conhecimento sobre fenômenos climáticos e como eles interferem na produção rural, o Grupo

A Hora e o Colégio Teutônia promoveram na quarta-feira o

Seminário Pensar o Vale – Os abalos ambientais e o impacto no campo.

A programação teve dois turnos de atividades. Pela manhã, a discussão foi voltada para as condições da porteira para fora. No painel principal da tarde, a temática foi o inverso, voltada às técnicas de manejo nas propriedades, para preservar nutrientes no solo, aumentar produtividade e o bemestar das criações.

O Seminário Pensar o Vale – Os abalos ambientais e o impacto no campo – foi promovido pelo Grupo

A Hora e pelo Colégio Teutônia, com o apoio de Emater/Ascar-RS e Câmara da Indústria e Comércio do Vale do Taquari (CIC-VT), com patrocínio de Reinigend Química do Brasil e da Cooperativa de Crédito Sicredi Ouro Branco.

Secas

No RS e no Vale do Taquari O fenômeno La Niña trouxe mudanças nos ciclos de chuva no sul do continente americano. De 2019 até 2022 foram duas secas históricas.

Iniciada em novembro de 2019 se consolida como uma das mais severas desde a safra 2011\2012

Conforme levantamento da Emater/Ascar-RS, dos 36 municípios dentro da área de cobertura da regional de Lajeado, 26 contabilizam perdas nas lavouras, redução no nível dos cursos de água e fontes secas. Até o abastecimento para o consumo humano ficou em risco.

Em termos gerais, a queda média tabulada em relação à soja foi de 26% e o milho está em 29%

A estiagem atingiu 70% do território gaúcho, afetando 350 municípios

Conforme a Defesa Civil, foram 172 municípios gaúchos que ingressaram com pedido de situação de emergência devido à estiagem.

FELIPE NEITZKE/ARQUIVO
FILIPE FALEIRO/ARQVO
ARQUIVO A HORA

Lavoura 2021/22

Conforme a Emater, a safra 2021/22, teve mais de 70% de perda na cultura de milho. Com o quadro de escassez hídrica, oito cidades da região decretaram emergência.

Também há registro de desabastecimento para propriedades rurais em pelo menos 16 cidades do Vale do Taquari.

No RS, 76 municípios decretaram situação de emergência devido à seca.

Além disso, 13 municípios foram incluídos no decreto de calamidade pública

A seca causou prejuízos significativos ao campo, com perdas estimadas em mais de R$ 33 bilhões

A produção de milho sofreu uma redução de 59,2%

A produção de soja caiu 24% A produção de arroz teve uma redução de 7% a 10%

No leite, redução de cerca de 18% no número de produtores de leite vinculados à indústria de 2021 (40.182 produtores) para 2023 (33.019 produtores). Comparado a 2015, houve uma redução de 60,78%

Prejuízos

A seca causou um prejuízo estimado de mais de R$ 36 bilhões para a economia do RS

As lavouras de soja foram as mais afetadas, com perdas estimadas em 7,2 milhões de toneladas

As lavouras de milho sofreram uma perda de 131,6 mil toneladas

A falta de chuvas prejudicou a qualidade das pastagens e aumentou os gastos com a ração para criações, em especial na pecuária de leite e de corte

Economia

O PIB do RS teve uma queda de 7% a 7,2% em 2020.

O valor do PIB alcançou foi de R$ 470,9 bilhões

O PIB per capita foi de R$ 41.227,61

A participação do Rio Grande do Sul no PIB do país caiu de 6,5% em 2019 para 6,2% em 2020

A agropecuária, a indústria e os serviços apresentaram variações negativas, com destaque para as retrações de 29,6% da agropecuária, 5,8% na indústria e 4,8% nos serviços

O resultado de 2020 foi uma consequência de 2019. No período de estiagem, quando das 497 cidades gaúchas, 400 ingressaram em situação de emergência pela falta de chuva.

Extremos no Vale

Setembro, novembro e maio, o Vale do Taquari viveu inundações históricas, com as maiores marcas em 150 anos

Nos rios que compõem a bacia hidrográfica do Rio Taquari, o Carreiro, Antas e o Guaporé, a chuva diária passou de 150 milímetros em dois, três ou quatro dias seguidos.

O motivo para os fenômenos seguem um mesmo padrão. Zona estacionária de baixa pressão, com o acúmulo de umidade vinda do norte, em especial da Amazônia, e uma frente fria da fronteira do Uruguai e Argentina.

As duas massas se chocaram e pararam sobre a parte alta da bacia.

Nas duas grandes inundações (setembro e maio) foram mais de 100 mortes.

Estima-se que os prejuízos foram de R$ 15 bilhões até R$ 20 bilhões, em setembro, e mais de R$ 40 bilhões em maio.

Detalhes da Bacia

Na bacia hidrográfica do Taquari/Antas, há 119 municípios. Em número de cidades, é a maior do país. Pelo limite das cidades, há diferentes regras para uso do solo e também com áreas habitadas dentro de terrenos alagáveis. Cenário que demonstra desconhecimento sobre como a expansão urbana é feita sem considerar conhecimento técnico regionalizado.

São 27 mil quilômetros de área de chuva, com interferência sobre a parte baixa do Vale

A bacia hidrográfica do Rio Taquari/Antas é uma das mais complexas do país. A maior em número de municípios no Brasil.

MÁRCIO PICCININI, AGRICULTOR DE ROCA SALES

Drama no campo

Produtor relembra terror das inundações

Márcio Piccinini abriu as apresentações no seminário. Agricultor de Roca Sales, teve prejuízos acima de R$ 5 milhões em duas inundações. Os prejuízos começaram em setembro. Quando trabalhava na reestruturação, a inundação de maio levou o que havia ficado. “Além dos animais, as lavouras também foram devastadas. Foram cerca de 300 hectares com milho e trigo”, relembrou Piccinini, referindo-se às enchentes que levaram 20 bovinos, cerca de 700 suínos, além de toda a colheita que estava pronta.

Sem conseguir apoio governamental, Piccinini contou que obteve cerca de R$ 2 milhões em indenizações dos seguros, mas precisou negociar o restante das dívidas com fornecedores. “Não consegui nenhum crédito do governo. Não houve socorro. O retorno tem sido assim, um dia depois do outro.”

O impacto emocional ficou evidente. As memórias da inundação presentes na família toda. “Tinha animal morto por tudo. Em cima de árvore, nos tratores. Parecia um filme de terror.”

Todos os seis tratores, duas colheitadeiras, três caminhões, carros e motos ficaram debaixo d’água. “Eu

tinha 140 hectares de trigo pronto para colher e 110 hectares de milho plantado. Perdi tudo. A gente não tinha mais nada, nem uma caixinha de fósforos para fazer fogo.”

Com o terreno encharcado, falta de acessos devido ao acúmulo de lama, não era possível retirar os animais mortos. Foi necessário improvisar covas na propriedade, para evitar a putrefação na superfície.

O depoimento trouxe à tona o drama vivido por milhares de produtores e o quanto a produção do Vale do Taquari foi afetada. O seminário, que debateu o futuro do Vale do Taquari, destacou a urgência de medidas para prevenir e responder a tais desastres, reforçando o papel da ciência, da agricultura e do respeito ao meio ambiente.

NÃO CONSEGUI NENHUM CRÉDITO DO GOVERNO. NÃO HOUVE SOCORRO. O RETORNO TEM SIDO ASSIM, UM DIA DEPOIS DO OUTRO.”

FELIPE NEITZKE
FILIPE FALEIRO/ARQUIVO
ARQUIVO

DA PORTEIRA PARA FORA:

EXTREMOS OBRIGAM ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA

Oprimeiro painel abordou como as questões externas interferem nas condições climáticas.

Em resumo, o diretor da Brasoja, Antônio Sartori, apresentou o cenário macro, das necessidades de alimentação nas nações mais populosas e como o Brasil se posiciona.

Também detalhou o impacto da queima de combustíveis fósseis, gás e carvão sobre as mudanças climáticas. “O modelo energético mundial é responsável pelo aquecimento global”, afirmou.

Com relação a formas de conter enchentes e secas, o geólogo e economista, Rogério Ortiz Porto, abordou quais obras e tipos de ações são mais indicadas frente às

características do relevo do Vale do Taquari.

Para ele, a complexidade da formação regional cria um canal natural de drenagem da água, com um rápido escoamento. Com áreas acidentadas, obras estruturantes, como diques e barragens, são de difícil implantação.

Na organização regional, das iniciativas voltadas à reestruturação das cidades e das propriedades rurais, o promotor de Justiça, Sérgio Diefenbach, realçou a necessidade de repensar o modelo de pensamento, com mudanças culturais e de visão econômica profundas.

Em âmbito dos modelos de previsibilidade, monitoramento e pesquisa sobre padrões climáticos,

METEOROLOGISTA E PESQUISADOR DA

UFSM,

DANIEL CAETANO

O MODELO ENERGÉTICO

MUNDIAL É RESPONSÁVEL PELO AQUECIMENTO GLOBAL.”

o meteorologista, Daniel Caetano, destacou que para mitigar mortes e prejuízos, é fundamental ampliar a presença de equipes multidisciplinares, com mais salas de situação pelo RS.

“Uma sala de situação para todo o estado é pouco”

O aquecimento global e o consequente aumento da temperatura no planeta têm provocado mudanças significativas nos padrões climáticos.

De acordo com Daniel Caetano, meteorologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), as alterações nas condições de chuva e seca, antes atribuídas a fenômenos como El Niño e La Niña, agora acontecem com maior frequência e intensidade. “Esses eventos intensos, as chuvas, que esperaríamos a cada 50 anos, vão ser em menos tempo”, alerta Caetano. Ele observa que, com o crescimento populacional, as catástrofes resultantes terão impactos sociais e econômicos ainda mais severos.

“Os picos estão cada vez mais próximos, com menos tempo de recorrência para episódios extremos”, ressalta o meteorologista. No entanto, o Rio Grande do Sul enfrenta desafios significativos para se preparar adequadamente para esses eventos.

Hoje há um órgão, ligado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), responsável por monitorar 493 municípios.

“Uma sala de situação para todo o estado é pouco”, afirmou Caetano.

De acordo com ele, o estado conta com duas universidades de excelência, que formam

profissionais nas áreas de meteorologia e hidrologia. Por falta de oportunidades, muitos desses profissionais vão para institutos fora do Rio Grande do Sul. “Ao longo das últimas décadas, o poder público não estabeleceu como prioridade o trabalho de prevenção aos episódios extremos. O resultado é esse distanciamento entre a informação certa e o alerta para a população.”

Responsabilidades

Caetano sublinhou a importância da prevenção, do monitoramento e do socorro, destacando que a Defesa Civil desempenha um papel importante na estruturação de planos de contingência. Segundo o meteorologista, esses planos precisam ser baseados em protocolos de conduta definidos, levando em conta as características topográficas, hidrológicas e geológicas das áreas mais suscetíveis a desastres.

Para que esses sistemas complexos de prevenção, monitoramento, alerta e socorro sejam eficazes, é necessário o envolvimento de conhecimentos distintos, que vão desde a meteorologia e hidrologia até as ciências sociais e a assistência técnica às famílias vulneráveis.

Relevo do Vale dificulta controle de cheias

“O profissional do clima faz o aviso. Quem toma a decisão é o poder público, por meio das suas defesas civis”. Para Caetano, a criação de centrais regionais de situação, com profissionais científicos, que ultrapasse as limitações dos mandatos governamentais, é essencial. Neste sentidoa educação e a comunicação são ferramentas fundamentais para garantir que a população não apenas receba os alertas, mas também acredite neles e saiba como agir. “As pessoas precisam não apenas receber alertas, mas acreditar neles e entender como agir.”

“Existem construções capazes de auxiliar no controle de inundações”. A afirmação do geólogo Rogério Ortiz Porto serve para instalação de diques, barragens, serviços de desassoreamento nos canais e um amplo zoneamento de risco. No entanto, quando se trata de áreas ocupadas e com tantos desníveis como o território regional, a situação torna-se mais complexa . “O zoneamento de risco é uma ideia maravilhosa para áreas novas, ainda não ocupadas. Não é simples dizer a um produtor que ele está em risco e sugerir que abandone sua terra.”

Sobre obras de infraestrutura, o tipo de relevo da região torna inviável grandes construções. “Há locais em que a água chega a 22 metros de altura. Como vai construir algo?”

Porto também apontou a topografia do Vale do Taquari, com desníveis significativos e uma calha de rio estreita, como fatores que tornam o controle das cheias desafiador. “O Vale do Taquari tem uma densidade demográfica muito alta e com uma topografia acidentada, com desníveis que tornam a correnteza da água muito rápida. Essa situação cria uma dificuldade enorme para qualquer tipo de intervenção, seja para controle de cheias ou para segurar água.”

Área de preservação

Porto enfatiza a importância de acumular água para retardar a velocidade da cheia. Outro fator também é garantir a irrigação durante os períodos de seca. O especialista defende que o conceito de Área de Preservação Permanente (APP) deve ser adaptado às realidades locais e às necessidades emergentes de cada região.

GEÓLOGO, ROGÉRIO ORTIZ PORTO

PROMOTOR DE JUSTIÇA, SÉRGIO DIEFENBACH

“A lógica federativa está sendo posta à prova”

O promotor de Justiça, integrante do grupo de estudos de mudanças climáticas do Ministério Público, Sérgio Diefenbach, avalia que os desafios enfrentados pela região precisam de soluções coletivas. Em cima disso, o modelo de soluções individualizadas se comprova como um equívoco. “Temos de repensar uma série de situações. Tenho constatado como agente do Ministério Público, que existe muita boa vontade, muito interesse de todos os gestores públicos de resolverem as coisas. Mas fazendo da mesma forma que no passado.”

De acordo com ele, a situação de catástrofe precisa de outras abordagens. “O governo federal lança um programa. Lá em baixo, os municípios têm que se cadastrar, atender seus critérios. Alguns com enormes dificuldades. A lógica federativa está sendo posta à prova aqui no Vale do Taquari.”

Consórcio intermunicipal

O promotor defende uma mudança de paradigma, onde a visão regional deve prevalecer sobre as estruturas locais e municipais. Ele sugeriu a criação de um consórcio intermunicipal para abordar de forma mais eficaz os desafios impostos pelas catástrofes climáticas. Assim, o organismo teria a missão de propor soluções coletivas, seja com planos de contingência, mapeamento de áreas de risco, preservação ambiental e compras de botes ou veículos de socorro.

Diefenbach destacou que essa abordagem não só é necessária, mas também uma missão para as futuras gerações, que precisam adotar uma mentalidade regionalizada para enfrentar os desafios climáticos e ambientais.

“Experimentamos nossas dissonâncias por muito tempo. Eu já disse várias vezes, não

Queima de combustível e o aquecimento global

O diretor da Brasoja, Antônio Sartori, avalia o mercado internacional para a agricultura e afirma: a principal preocupação hoje é ambiental. De acordo com ele, o aquecimento global é, sem dúvida, uma consequência direta da ação humana, especialmente devido à matriz energética usada em várias partes do mundo.

“O mundo queima 21 bilhões de toneladas de petróleo, carvão e gás. Tudo isso cria essa desregulação no clima”. Sartori ressaltou que, enquanto o Brasil tem uma matriz energética diferenciada, baseada em hidrelétricas, energia eólica e solar, o resto do mundo ainda depende de combustíveis fósseis.

Frente aos desafios globais, também há uma crescente demanda por alimentos. Países populosos como China e Índia, enfrentam escassez de água e têm lavouras insuficientes para alimentar suas populações.

Nesse contexto, Sartori apontou que o Brasil tem uma oportunidade única de ampliar sua produtividade agrícola e aumentar as exportações,

conseguimos chegar a um consenso sobre onde fica a praça de pedágio ou sobre a ponte. Tudo o que a região enfrenta agora deve servir como aprendizado. Temos de ter humildade e ter uma visão regional. Isso se aplica à Defesa Civil, ou para repensar os próprios municípios.”

especialmente de soja e carne, gerando desenvolvimento e renda para o país.

No entanto, Sartori também fez duras críticas à falta de industrialização no Brasil, ressaltando que o país perde oportunidades ao exportar soja em grão em vez de produtos com maior valor agregado.

“O agro carrega o país nas costas”

“O agricultor precisa fazer valer a sua voz. Cobrar dos setores públicos ações efetivas”, afirmou Sartori. Com mais de 50 anos de experiência e estudos na área de mercado internacional e produção agrícola, o empresário destaca que as medidas governamentais para recuperação econômica gaúcha são pífias.

“O agro carrega o país nas costas. E, mesmo assim, as medidas do governo, em especial o federal, são burocráticas, difíceis e com poucos recursos. O produtor precisa ser ajudado neste momento, do contrário, vamos perder pessoas,

pois muitos vão desistir da atividade.”

Para o produtor rural, Sartori destacou: “o Brasil segue importante para o comércio mundial. O que o agricultor pode fazer? Se envolver na cotação dos cereais? Não. Na Bolsa de Chicago? Chance zero. Nas confrontos geopolíticos internacionais? Também não. Ele tem que ser extremamente competente e competitivo.”

Sugestões dos painelistas

Controle de cheias e acúmulo de água

• O relevo acidentado do Vale do Taquari e a calha de rio estreita, dificulta o controle das cheias e a implementação de obras de infraestrutura.

• O zoneamento de risco é eficaz em áreas novas, mas a aplicação em locais ocupados é complexo, pois envolve a retirada de produtores das próprias terras.

• Adaptar para a realidade local o uso das Áreas de Preservação Permanente (APP). Locais podem ser usados para segurar água nos períodos de chuva e garantir umidade do solo durante a seca.

Regionalização e políticas públicas

• O modelo federativo, com soluções individuais, postas de cima para baixo, dificulta a execução de políticas públicas.

• As soluções para o Vale do Taquari dependem de uma visão coletiva e regionalizada.

• Uma das alternativas seria um consórcio intermunicipal, responsável por reunir necessidades gerais, com a missão de coordenar planos de contingência, mapeamento de áreas de risco e iniciativas de preservação ambiental de maneira integrada.

Contexto global e oportunidade

• Devido a matriz energética global, existe um consumo de 21 bilhões de toneladas de combustíveis fósseis.

A ação do homem interfere sobre o aquecimento do planeta e altera padrões climáticos.

• Países mais populosos do planeta têm cada vez menos acesso a água e terras de plantio. Neste contexto, o Brasil pode ser um dos principais exportadores de alimentos.

• Para os agricultores de todos os tamanhos, o desafio é aumentar a produção e pressionar os poderes públicos a adotar medidas mais efetivas para o apoio ao setor primário, em especial após as catástrofes.

Preparo e resiliência

• As mudanças climáticas fazem com que extremos climáticos sejam mais frequentes. Essa situação tem se acentuado na última década.

• Há duas universidades no RS com formação de meteorologistas, hidrólogos e geólogos. Porém, a maior parte dos profissionais deixa o estado devido à falta de institutos de pesquisa.

• Instalação de centrais regionais de monitoramento e previsão. O Brasil e o Rio Grande do Sul demoraram a se preparar de maneira adequada. No RS, há uma Sala de Situação para emitir alertas aos 493 municípios gaúchos.

DA PORTEIRA PARA DENTRO

ROTAÇÃO DE LAVOURAS E O TRATO DO SOLO PARA GARANTIR PRODUTIVIDADE

A ÁGUA CARREGOU SAFRAS, ANIMAIS E TAMBÉM

A TERRA E OS NUTRIENTES NECESSÁRIOS PARA O CULTIVO. SEMINÁRIO ENCERROU COM TARDE DEDICADA AO CONHECIMENTO TÉCNICO SOBRE AGRICULTURA E COMO RECUPERAR O SOLO ATINGIDO PELAS INTEMPÉRIES CLIMÁTICAS.

Tanto para propriedades rurais atingidas pela inundação, quanto para quem sofre com a falta de chuva, a receita para melhor produtividade depende do cuidado com o solo. No Seminário Pensar o Vale voltado ao agro, o encerramento contou com quatro apresentações e um painel.

A primeira atração foi com o técnico da Emater, Carlos Daniel Fries. Segundo ele, os agricultores devem observar as condições antes do plantio durante todo os períodos.

“Temos de fazer o trabalho ao longo de todo o tempo para ser eficiente na agricultura, fazer os manejos de proteção de solo, de proteção de fertilidade, para que absorva mais água nas cheias e mantenha a umidade nas secas.”

As observações de Fries se assemelham com a palestra do agricultor e consultor, Marcelino Meincke. Ele enfatizou que a análise biológica do solo é fundamental. “O solo é a maior riqueza da propriedade.”

Neste sentido, o uso de bioinsumos, como os remineralizadores, valorizam a biodiversidade, tanto na superfície

quanto abaixo dela, afirmou. Meincke também alertou para os riscos da monocultura e do uso excessivo de insumos químicos, que, segundo ele, comprometem a terra e tornam os agricultores cada vez mais dependentes de produtos externos.

Projeto para mitigar prejuízos

O biólogo e especialista em Gestão Ambiental, Adriano Ziger, apresentou o projeto de recuperação e mitigação de desastres provocados por eventos climáticos extremos na área rural de Bom Retiro do Sul.

A iniciativa prevê a identificação de áreas seguras para a criação de vilas rurais, com base na recuperação do solo e na adoção de melhores práticas de manejo. Ziger enfatizou a criação de um grupo de trabalho dedicado a gerenciar e enfrentar futuros eventos climáticos.

Os principais objetivos são de mitigar os riscos à vida humana e à vida animal, além de reduzir o impacto financeiro, tanto privado quanto público.

“Nunca fique isolado”, alerta capitão dos bombeiros

Em meio aos debates técnicos, o capitão do Corpo de Bombeiros, Thalys Rian Stobbe, detalhou o trabalho da corporação durante a catástrofe de maio. “Mesmo que tivéssemos seis mil homens no socorro, teríamos dificuldades. Não conseguiríamos atender todos os pedidos”, lamentou.

Ele lembrou o caso de Venâncio Aires, onde os bombeiros foram de casa em casa em Vila Mariante pedir para que os moradores saíssem devido ao rio. “Ninguém acreditou, pois a água nunca havia chegado.”

Poucas horas depois, ficou tarde demais. Quando a água começou a subir, cerca de 200 pessoas ligaram ao mesmo tempo para pedir salvamento. “Já não havia como resgatar todos”, admitiu.

Stobbe finalizou com um apelo: “Pensem no valor da vida. Nunca fiquem isolados. Em situações de risco, a segurança da família deve vir em primeiro lugar.”

Sustentabilidade como oportunidade

“Hoje, os produtos do campo podem carregar o selo carbono zero. Esse é um nicho de mercado em evolução”, destacou o

Alano Tonin, engenheiro agrônomo da Emater, destaca que o cultivo intercalado entre floresta e lavoura enriquece o solo

HOJE, OS PRODUTOS DO CAMPO PODEM CARREGAR O SELO CARBONO ZERO. ESSE É UM NICHO DE MERCADO EM EVOLUÇÃO.”

ALANO TONIN EXTENSIONISTA DA EMATER

engenheiro agrônomo, assistente técnico regional da Emater, Alano Tonin. No painel da Porteira para Dentro, ele esmiuçou o Plano ABC+ RS.

A série de técnicas visa usar a agricultura e a produção rural como captadores de gás carbônico, um dos vilões do aquecimento global. De acordo com ele, existe uma série de medidas, que vão desde a sensibilização dos agricultores, passando pela recuperação de pastagens degradadas, o uso de plantio direto e o tratamento de dejetos animais, até chegar ao sistema integrado de lavoura, pecuária e floresta.

Valor da informação

No segundo painel, o agrometeorologista, estatístico

O AGRICULTOR DEVE ACOMPANHAR AS PREVISÕES E, SE POSSÍVEL, ANTECIPAR OU POSTERGAR A SEMEADURA.”

MARCELINO HOPPE AGROMETEOROLOGISTA

e professor universitário aposentado, Marcelino Hoppe, frisou que o padrão climático do RS ao longo das últimas décadas tem três anos de seca, três de chuvas normais, e três com volumes acima da média.

“O problema é prever essa situação. Se a gente tivesse uma situação mais assertiva na previsão, a escolha da data de semeadura poderia ajudar muito.”

Hoppe sugeriu que os agricultores devem seguir de perto as previsões meteorológicas de médio e longo prazo para ajustar suas práticas. “O agricultor deve acompanhar as previsões e, se possível, antecipar ou postergar a semeadura para evitar que a cultura passe por condições adversas na fase de floração ou enchimento de grãos.”

Capitão dos bombeiros, Thalys Stobbe, relembrou dificuldades durante as grandes inundações de setembro até maio

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