MARCO DE FÉ E UNIÃO
Cristo Protetor de Encantado foi construído por iniciativa popular


Uma ideia cercada de desconfiança
Sem recursos públicos e com muita coragem
Região entra no mapa do turismo
Cristo Protetor de Encantado foi construído por iniciativa popular
Uma ideia cercada de desconfiança
Sem recursos públicos e com muita coragem
Região entra no mapa do turismo
Cristo Protetor, monumento de 43,5 metros no Morro das Antenas, será inaugurado em 6 de abril com missa solene. Obra financiada por doações privadas consolida a região como polo turístico
OVale do Taquari escreve um novo capítulo na história. No domingo, 6 de abril, diante do cardeal Dom Jaime Spengler, da comunidade e de autoridades, será inaugurado o Cristo Protetor de Encantado. Com 43,5 metros de altura e 1.712 toneladas de concreto e aço, a estátua supera em cinco metros o Cristo
Redentor do Rio de Janeiro.
A obra, iniciada em julho de 2019, representa muito mais que um marco religioso. Surgiu como projeto comunitário e hoje se consolida como atração de fé, esperança e resiliência para uma região que ainda se recupera dos estragos das grandes inundações.
Dados da Associação Amigos do
Cristo Protetor (AACP) mostram que o complexo já recebeu mais de 322 mil visitantes durante a fase de construção, número que surpreendeu os organizadores. "Esperávamos 5 mil pessoas no primeiro ano e chegamos a 80 mil", relembra o presidente da Associação Amigos de Cristo, Robison Gonzatti.
Nenhum centavo de verba pública foi usado na construção. O modelo de financiamento, inédito para obras desta magnitude, surgiu de cofres instalados em estabelecimentos comerciais da região e por doações pela internet. "Tinha dia que abríamos as caixinhas com R$ 3,50 em moedas, mas no mês seguinte chegava doação anônima de R$ 50 mil", recorda a tesoureira da associação, Lorena Todeschini. O financiamento veio de 28.497 doações registradas. "Instalamos 127 cofrinhos em estabelecimentos comerciais da região", revela Gonzatti. Os registros contábeis detalham que 62% dos recursos vieram de pessoas físicas, 28% de empresas locais e 10% de doadores de outros estados. O sistema de captação incluiu até a venda de placas comemorativas no valor de R$ 500 cada, que serão fixadas no pedestal do monumento.
O escultor Markus Moura fez a parte artística. Na obra, a equipe teve 14 profissionais durante os 24 meses de obras. Relatório técnico detalha que a estrutura foi projetada para resistir a ventos de 150 km/h – três vezes a intensidade registrada durante as
Conteúdo Jornalístico: Filipe Faleiro
Colaboração: Fábio Kuhn | Bibiana Faleiro Diogo Fedrizzi
Fotos: Fábio Kuhn | Aldo Lopes | AACE Acervo pessoal | Divulgação
tempestades de setembro de 2023 e de maio do ano passado.
"O maior desafio foi o manto, que pesa 600 toneladas e precisou de 42 tirantes
5 de abril, sábado: cerimônia em homenagem aos doadores
8h30min: Recepção aos convidados
10h: Missa de bênção aos doadores, com os bispos Dom Paulo De Conto, Dom Itacir Bresciani e Dom Aloísio Dilli, também com o padre Genoir Pieta. Apresentação do Coral "Vida e Canto" (Encantado)
11h: Descerramento da placa em homenagem aos doadores, com participação do artista Alexandre Brunetto, autor da música "Cristo Protetor"
11h30min: Chegada da Chama Crioula, símbolo da tradição gaúcha
11h45min: Apresentação do Coral Municipal e da Orquestra de Encantado
13h: Início da visitação pública
17h: Encerramento
6 de abril, domingo: inauguração oficial
8h30min: Recepção aos convidados
9h: Início da Transmissão ao vivo pelo canal oficial do Cristo (YouTube)
10h: Cerimônia oficial de inauguração
10h15min: Missa de Acolhimento e Gratidão, celebrada pelo Cardeal Dom Jaime Spengler, Cardeal Dom Silvano Maria Tomasi (representante do Papa Francisco). Com apresentação do Coral Santo Antônio (Bento Gonçalves)
11h15min: Pronunciamento de autoridades
11h45min: Espetáculo "Ópera Gaúcha do Cristo Protetor", com direção de Sir da Cunha e Marquinhos Kroeff, com a Orquestra Sinfônica de Gramado e artistas gaúchos
12h: Corte da fita inaugural e abertura para visitação
15h: Missa com o Bispo Dom Itacir Bresciani e Dom Aloísio Dilli
16h30min: Missa com Cardeal Dom Silvano Maria Tomasi, Dom Adilson Pedro Busin e Padre Leonir Chiarello
de aço especiais", conta Moura. A equipe desenvolveu concreto com aditivos para reduzir fissuras e calculou expansão térmica de até 7 cm nos dias mais quentes.
18h: Encerramento
Idealizador do Cristo Protetor, ex-prefeito foi o responsável por multiplicar o desejo de tornar Encantado uma referência no país
Em um comício no bairro Lambari, em 2016, durante a campanha eleitoral, Adroaldo Conzatti afirmou: “vamos olhar para cima deste morro. Ali vai ser construído o maior Cristo do mundo e sem nenhum recurso público”. Ideia surgiu após uma conversa com o padre João Granzotto, um ano antes. Durante o ato político, a frase causou polêmica. Inclusive correligionários temeram a perda de votos. “Muita gente era contra, achando que havia outras prioridades. Para mim, foi um susto também. Eu pensei ser impossível”, relembra a atual presidente da câmara de vereadores, Joanete Cardoso. Na época, ela era a coordenadora da campanha política. Para tornar o sonho em realidade, entrou em jogo a habilidade de diálogo do "seu" Adroaldo. No contato com as famílias Radaelli, Camargo e Talini, proprietários das terras do Morro das Antenas. Em 19 de março de 2019, após reunião conduzida pelo ex-prefeito, foi fundada a Associação Amigos de Cristo
de Encantado. Em seguida, o terreno foi doado para construção o monumento.
“Lembro que o prefeito conduziu a reunião. Formamos a primeira diretoria da
Vamos olhar para cima deste morro. Ali vai ser construído o maior Cristo do mundo e sem nenhum recurso público."
ADROALDO CONZATTI
DURANTE COMÍCIO EM 2016
associação. Por uma triste coincidência, o ‘seu’ Adroaldo morreu na mesma data, dois anos depois, em 19 de março de 2021.”
Durante as obras do Cristo Protetor, Adroaldo se recuperava da covid quando sofreu uma queda em casa. Teve traumatismo craniano e precisou passar por duas cirurgias. Em meio aos procedimentos, o quadro respiratório piorou. Um novo sangramento na cabeça o levou ao coma e, em seguida, ao óbito.
De fato, o ex-prefeito, Adroaldo, tinha uma visão para além do óbvio. “Ele viajava muito. Na volta da Itália, ele disse assim: ‘quero ver o nome de Encantado nos aeroportos do mundo, como vejo o de Gramado’”, conta a vereadora.
“Nem sei explicar o sentimento que a gente tem. Ver a cidade sendo conhecida já é uma felicidade.”
A imagem da construção percorreu o mundo. “Agora, Encantado e o Vale do Taquari serão um ponto turístico de contemplação, não só religiosa, mas também da natureza”, resume Joanete.
LÍDER E VISIONÁRIO
Assim a comunidade de Encantado resume a personalidade de Adroaldo Conzatti. Nascido em Roca Sales, em 5 de março de 1940, estudou no Colégio Madre Margarida em Encantado. Atravessava o Rio Taquari de caíque para chegar na escola. Trabalhou em frigorífico, e entrou nos negócios com Décio Bergamaschi. Em 1971, abriu a própria empresa, o Escritório Contábil Conzatti.
Começou a carreira política em 1968, indicado a vereador. Declinou por motivos profissionais. Em 1972, foi o mais votado pelo MDB. Em 1982, eleito prefeito. Na primeira gestão, a marca foi o desenvolvimento comunitário, com atuação destacável na área de habitação, construção de pavilhões no interior e obras de pavimentação.
O trabalho em Encantado chamou atenção do Estado. O então governador, Pedro Simon, em 1987, chamou Adroaldo para ser o diretor-presidente da Companhia de Habitação (Cohab).
Voltou a ser prefeito em 1993 até 96. Construiu o Centro Administrativo, reformulou o bairro Navegantes e manteve a política de habitação como prioridade. Criou a Secretaria Municipal de Turismo, e tornou eventos tradicionais, como a Suinofest, o Canto da Lagoa e a Settimana Dell’Imigrazione Italiana, parte do calendário de Encantado.
Ainda foi eleito prefeito por mais duas ocasiões, em 2017\20. Por fim, em 2021, com 80 anos, assumiu o quarto mandato. Jonas Calvi era o vice-prefeito na última gestão. Assumiu o Executivo após a morte de Adroaldo Conzatti. “Ele nos deixou um legado de inovação, empreendedorismo e posicionamentos firmes na gestão pública.”
Em 2024, foi criada a Associação Cultural Adroaldo Conzatti, pelo filho, Gilson.
Área de 14,3 mil metros quadrados.
Capela de vidro
Um templo de reflexão e oração, em homenagem a São João Batista Scalabrini, bispo italiano, canonizado em 2022 e conhecido como o ‘’Pai dos Migrantes’’, dedicado à causa dos imigrantes e refugiados, que esteve em Encantado em 1904.
Fonte dos Apóstolos
A evangelização que Cristo tinha para com os apóstolos. Tem 12 jatos d’água simbolizando os discípulos e um jato ‘’central’’ representando Jesus Cristo.
Caminho dos Salmos
Benção de Deus, por meio de citações bíblicas, convida para uma jornada espiritual, baseada na fé e na oração. Serão 11 salmos, escolhidos pelo idealizador.
Fonte das Oito Bem-Aventuranças
Simboliza os ensinamentos de Cristo na busca da felicidade, localizada no pedestal da estátua, com oito quedas d’água.
UMA LIGAÇÃO INESPERADA
O engenheiro Marcos Bastiani ainda se emociona ao lembrar do dia em que o prefeito Adroaldo Conzatti o chamou para o projeto que mudaria a paisagem de Encantado. "Era agosto de 2019, meiodia, quando recebi aquela ligação urgente. 'Preciso de você, tem um pessoal aqui falando de uma estátua'", recorda. No gabinete, encontrou um cenário inusitado: um escultor uruguaio, assessores municipais e imagens de monumentos religiosos abertas no computador. "Quando vi os primeiros esboços, brinquei: 'Não vamos perder para o Cristo Redentor, né? Era para fazer de 33 metros, a idade de Cristo”. O prefeito respondeu: “Boa ideia, vamos fazer de 35”. Naquele momento, Bastiani percebeu que não era uma brincadeira. Os meses seguintes foram de cálculos e pesquisa. Bastiani revela que usou o próprio corpo como referência. "Medi 1,78m de altura e 1,82m de envergadura. Cada centímetro do Cristo corresponde a 2,4cm meus. Queria que as proporções fossem humanas, mesmo em escala
Monte das Oliveiras
Espaço de reflexão onde Jesus se recolhia para meditar e orar. Fica localizado no entorno do monumento.
Oliveira Centenária
Homenagem à força e união da comunidade centenária. Homenagem aos voluntários que atuaram na construção e na campanha.
Placa dos Doadores
Homenagem a quem ajudou com recursos financeiros.
Mirante da cidade
No alto da montanha, aos pés do Cristo Protetor, um local de contemplação da cidade de Encantado e do Vale do Taquari
Velário
Um espaço de fé e oração, onde cada vela acesa simboliza a luz divina e a perseverança espiritual.
monumental", conta. O projeto sofreu uma reviravolta quando o escultor Markus Moura assumiu a obra. "Ele pediu para aumentarmos de 35 para 37,5 metros quando as fundações já estavam prontas. Tivemos que recalcular tudo, desde a resistência ao vento até a expansão térmica do concreto", detalha o engenheiro.
Bastiani guarda com carinho a memória do dia 6 de abril de 2021, quando os braços e a cabeça de Cristo foram içados. "Vi pessoas chorando no morro. Aquele ceticismo inicial, de que não seria possível, se transformou em algo palpável".
Nas últimas semanas, o engenheiro trabalhou nos ajustes para a inauguração. "Instalamos 18 amortecedores de massa sintonizada e um sistema de monitoramento que detecta movimentos", revela. A fundação, com 89 estacas de 18m de profundidade, foi projetada para durar séculos.
"Quando as pessoas visitarem o Cristo, quero que vejam mais que uma estátua. É a prova de que quando unimos técnica, arte e comunidade, não há desafio grande demais."
Robison Gonzatti, presidente da Associação Amigos de Cristo de Encantado
"Nunca faltou coragem"
A Hora – Como foi possível financiar uma obra dessa magnitude apenas com doações? Qual foi a estratégia para engajar a comunidade e até doadores de outras regiões?
Robison Gonzatti – A missão de construir o Cristo era da comunidade. Então, o Adroaldo Conzatti desafiou a todos. Ele relembrava a saga dos antepassados, que construíram igrejas em todas as comunidades do interior. Se cada eles conseguiram, com todas as dificuldades que se tinha da época, por que nós não faríamos? Então, ali começou-se o projeto de fazer o monumento sem dinheiro público. Foi tanta força das pessoas que fez a gente conseguiu chegar nesse monumento do nosso Cristo protetor.
Em seguida, veio a pandemia. Ficamos com a obra parada durante seis meses. O escultor, Genésio Moura, sofreu um infarto. Então, o filho dele, Markus, assumiu a obra. Foram mais seis meses parada. Como tínhamos pouco dinheiro, buscamos um financiamento. Muita gente assinou como responsável. Então, os desafios foram desde o início. Nunca faltou foi coragem. Com o grupo da associação, o apoio das comunidades, das empresas conseguimos fazer a ideia virar realidade.
Desde a abertura parcial, mais de 320 mil pessoas visitaram o Cristo. Como isso transformou a economia de Encantado? E qual a expectativa com a inauguração oficial?
Em seis anos de obra, qual foi o momento mais crítico que a associação enfrentou? E como superaram esse desafio? Gonzatti – No início, quando estávamos com pouco recurso. Então, a associação do Clube Recreativo de Encantado, nos aportou um bom valor.
Gonzatti – No momento em que muitas pessoas começaram a chegar, vimos que precisávamos de um lugar para almoçarem. A nossa região falava muito sobre turismo, mas se você queria almoçar no domingo, não tinha nem um restaurante aberto. Enfim, começou-se a conversar com o pessoal do comércio para que eles abrissem as portas. E aí começou esse impacto direto nos restaurantes, outros estabelecimentos começaram a abrir. A rede hoteleira também precisou se movimentar. Vemos que a expansão foi devido ao monumento. Agora temos cabanas, bons restaurantes, o Boulevard Encantado, enfim, vários empreendimentos na própria cidade e também na região, em cidades próximas.
A Associação Amigos de Cristo de Encantado (AACE) é uma entidade sem fins lucrativos, estabelecida pelo idealizador do projeto Cristo Protetor, Adroaldo Conzatti (in memoriam) em 2019.
Cabe à AACE captar e administrar recursos para viabilizar a obra, além de gerir o processo de estruturação do projeto.
A construção do monumento não teve uso de recursos públicos de qualquer ordem, seja municipal, estadual ou nacional. O monumento foi pago a partir de doações espontâneas da comunidade.
Além de atrair visitantes, o monumento também exige preparação de rede para atendimento de visitantes, com investimentos em serviços e abertura de postos de trabalho. Turismo regional tenta se restabelecer após tragédias climáticas
Aexperiência da Serra Gaúcha pode servir de referência, ainda assim, é preciso encontrar a identidade para o Vale do Taquari. O Cristo Protetor tem esse potencial, afirma o presidente da Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvales), Rafael Fontana. “Temos de ter a nossa marca”, frisa.
Pesquisa feita pelo governo do Estado aponta preferências dos turistas. Pelo Mapa do Comportamento do Turista há 12 perfis, com subdivisões divididas entre prioridades
e motivações.
Conforme a Secretaria Estadual de Turismo (Setur-RS), 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do RS provém do Turismo. Para se ter uma ideia, o estado vizinho de Santa Catarina alcança 12%. Entre 2019 e 2020, o setor representou R$ 14,3 bilhões à economia gaúcha.
Para criar um turismo forte, é necessário infraestrutura e segurança, diz a presidente da Associação Comercial e Industrial de Encantado (Aci-E), Raquel Cadore. O crescimento acelerado do fluxo de visitantes no Vale do Taquari, impulsionado pelo Cristo Protetor, revela desafios que vão além da atração turística em si.
"O aumento da demanda trouxe à tona gargalos logísticos e de mobilidade urbana que precisam ser enfrentados com planejamento", afirma Cadore. A entidade criou uma diretoria específica para tratar dessas questões, sob o comando de Luciano Moresco, que atua em conjunto com o poder público na busca por soluções.
A articulação inclui diálogo permanente com órgãos de segurança pública, como Polícia Civil e Brigada Militar, além da participação ativa no Conselho Municipal de Turismo (COMTUR). "A sinalização turística e a segurança nos acessos são prioridades", ressalta a presidente.
Parcerias público-privadas têm sido fundamentais para viabilizar melhorias. "O projeto SOS Habitar Vale do Taquari e a reconstrução de pontes mostram como essa colaboração traz resultados", exemplifica Cadore. A Aci-E também trabalha na formatação de roteiros turísticos integrados que possam distribuir os visitantes por diferentes atrativos da região.
Para garantir a sustentabilidade
Temos de fazer com que o turista fique mais tempo na região. Para isso, é necessário unir atrativos."
CHARLES ROSSNER EMPRESÁRIO
do turismo, a entidade aposta na qualificação dos empreendedores locais. "Temos um Núcleo de Turismo ativo, onde os empresários trocam experiências e se profissionalizam", explica. O objetivo é transformar o entusiasmo inicial em desenvolvimento econômico permanente, com geração de emprego e renda para a comunidade.
"O Cristo Protetor nos colocou no mapa do turismo nacional. Agora precisamos estruturar essa atividade para que seus benefícios sejam duradouros", destaca Raquel.
FAZER O TURISTA
CONHECER MAIS DO VALE
Proprietário da agência RS Turismo, ex-presidente da Associação dos Municípios de Turismo da Região dos Vales (Amturvaes), Charles Rossner, realça o marco da inauguração do Cristo. No entanto, é necessário mais. “Temos de fazer com que o turista fique mais tempo na região. Que permaneça mais do que um dia, um sábado, ou domingo. Para isso, é necessário unir atrativos.”
Para ele, o trem turístico pode cumprir essa tarefa. “O trem vai virar a chave. O Cristo é importante, sem dúvida, mas é preciso mais. E os passeios mobilizam o setor de hospedagem e alimentação, pois complementam a oferta da visitação.”
Na avaliação de Rossner, o impacto da abertura do monumento em Encantado ainda não é mensurável em termos de quantos turistas farão as visitas todos os dias. Em cima disso, o Cristo cumpre o papel de expandir a visibilidade regional para além das fronteiras do RS. “O monumento nos coloca na vitrine e, sim, pode gerar mais demanda e oportunidade de negócios.”
DAS INUNDAÇÕES
A região alta congrega a maior parte das atrações, com ofertas para diversos perfis de turistas, do aventureiro, em busca de belezas naturais, gastronômico e, agora, religioso.
Antes de setembro de 2023, havia um “boom” de empreendimentos e de projetos. Entre eles, a criação de uma rota religiosa, entre municípios como Sério, Santa Clara do Sul, Muçum, Anta Gorda e Arroio do Meio. Com as tragédias climáticas, houve uma retração.
“Tivemos pontos que ficaram por muito tempo fechados. O impacto foi muito grande, tanto nas estruturas turísticas, temos campings fechados, cascatas, pontos de hospedagens”, frisa Rossner.
Junto com isso, os prejuízos nas estradas. “Precisamos ter condições de trânsito. O visitante não vai vir para cá, para relaxar, se tiver de ficar horas em filas para atravessar a ponte do Taquari e a sobre o Rio Forqueta. Mobilidade é fundamental.”
O baque atingiu também os trabalhadores. “Regredimos depois de maio. Profissionais qualificados deixaram a região. Agora, com a retomada dos acessos, melhorias nas estradas e pontes, esperamos que o turista volte.”
“A INAUGURAÇÃO É UMA INJEÇÃO DE ÂNIMO”
Quando Fernanda Dalmoro começou a investir no Morro das Antenas, a estátua estava em construção. O ano era 2021 quando o Cristo Protetor começou a tomar forma. “Quando vimos a imponência do monumento, resolvemos tirar o nosso projeto do papel”.
Envergadura 39 metros
A ideia de negócio se sustenta em oferecer cabanas de alto padrão para aluguel em meio a mata nativa. “Estamos no terceiro ano de segunda a segunda. Recebemos pessoas de diversos estados e de outros países também.”
Isso até maio de 2024. Com a grande inundação, veio o baque. As reservas ficaram escassas. “Nosso visitante não é daqui. Então, a logística ficou muito difícil. Sem ponte, com problemas de acesso. Antes tínhamos agendas para seis meses de antecedência.”
Para o fim de semana da cerimônia de
O projeto incorpora soluções ambientais inovadoras:
• Sistema de tratamento de efluentes com capacidade para 5 mil litros/dia
• 120 painéis solares que suprirão 40% da demanda energética
• Captação e reaproveitamento de água pluvial
• Materiais que remetem à colonização local (madeira, ferro e basalto)
O Boulevard aposta em atrações tecnológicas que dialogam com a tradição:
• Escada para o Infinito: Instalação que cria efeito óptico de profundidade
• Projeções holográficas: Contam a história da região em 360 graus
• Multiverso: Espaço com realidade aumentada
O modelo de negócios prevê:
• Parcerias com 12 produtores locais para abastecimento
• Espaços para exposição e venda de artesanato regional
• Programa de capacitação para 200 profissionais do turismo
Peso 1,7 mil toneladas, feito em aço e concreto armado
Escultor: Markus Moisés Rocha Moura
Pedestal 6 metros
abertura do Cristo, as duas cabanas estão locadas. “Agora não sabemos como vai ser a outra semana. Ainda assim, com a reconstrução da ponte e o Cristo aberto todos os dias, temos esperança que os visitantes vão retornar. A inauguração é uma injeção de ânimo.”
Como se trata de um local em meio a natureza, não havia eletricidade, internet, nem água potável. Todo o investimento em infraestrutura foi feito pela família. Segundo Fernanda, cada cabana custou R$ 500 mil. “Acredito que investimos algo perto dos R$ 2 milhões neste projeto.”
Entre prestadores de serviço e funcionários, seis pessoas trabalham nas cabanas. Hoje, a Cabana Gariba tem cerca de 100 mil seguidores. “Temos um grande público, muitas pessoas nos contatam para saber o que tem para se fazer na região. Todas se mostram preocupadas em como estão as cidades após as inundações.”
BOULEVARD ENCANTADO
Enquanto o Cristo Protetor se consolida como principal atrativo religioso, um ambicioso projeto surge no entorno para transformar a experiência turística no Vale do Taquari. O Boulevard Encantado, complexo multiexperiências entre a Lagoa da Garibaldi e o monumento, representa um investimento de R$ 25 milhões e promete gerar 480 empregos diretos e indiretos quando estiver em pleno funcionamento.
O empresário Fábio Victória revela que a ideia nasceu da observação do crescente fluxo de visitantes. "Percebemos que faltava infraestrutura qualificada para receber esses turistas e oferecer experiências complementares", explica.
INVESTIMENTO TOTAL: R$ 25 MILHÕES
ÁREA CONSTRUÍDA: 7.233 M²
ATRAÇÕES CULTURAIS: 276
VISITANTES NA FASE PILOTO: 15 MIL
O projeto foi desenvolvido em paralelo à construção do Cristo Protetor, com estudos que mapearam o comportamento de 15 mil visitantes antes do início das obras.
A localização estratégica é um dos diferenciais. "Posicionamos o Boulevard como ponte natural entre o turismo religioso e outras vocações regionais: gastronomia, natureza e cultura", detalha Victória.
O complexo ocupa uma área de 7,2 mil metros quadrados, incluindo uma Área de Preservação Permanente (APP) com trilha de 600 metros que resgata a história da antiga hidrelétrica local.
"Em 131 dias de operação piloto, fizemos 276 atrações culturais gratuitas", comemora Victória. A programação noturna inclui shows e festivais temáticos que já atraíram mais de 15 mil pessoas.
Proprietário de uma das lancherias mais tradicionais de Encantado, Charles Calvi, vê no Cristo Protetor mais que um monumento religioso, enxerga uma oportunidade estratégica para fortalecer a empresa e os negócios locais. O empresário prepara a abertura de um novo ponto no complexo turístico, que se somará às cinco unidades já existentes na região.
"Identificamos no Cristo Protetor a melhor vitrine possível para nossa marca", afirma Calvi. O empreendimento funcionará como loja fixa no complexo, com previsão de abertura para o segundo semestre. O cardápio manterá o carrochefe da casa, os tradicionais cachorrosquentes, mas ganhará itens especiais como crepe suíço, churros gourmet, fondue de morango com chocolate e pizza em fatias, pensando no perfil dos visitantes.
O empresário projeta gerar cinco empregos diretos na primeira fase, com potencial para dobrar o quadro em 12 meses. Junto com isso, um aumento de 30% no faturamento da rede. "Esse fluxo turístico vai beneficiar toda a cadeia produtiva da região, não apenas nosso negócio", avalia Calvi.
Dados do governo de Encantado indicam que o complexo deve receber cerca de 580 mil visitantes por ano, número que coloca a cidade no mapa do turismo religioso nacional.
A aposta de Calvi reflete um movimento maior na região. Foram 12 novos empreendimentos gastronômicos abertos no entorno do monumento, segundo levantamento da Associação Comercial e Industrial de Encantado (Aci-E).
"Estamos diante de uma chance única de transformar Encantado em destino turístico completo, não apenas de passagem", destaca o empresário, que já
estuda a possibilidade de expandir para outros segmentos do trade turístico.
HISTÓRIA E SABOR
ENTRE A LAGOA E O CRISTO
Quando Jeanine Sangalli abriu a Casa Lê Chiavi nas proximidades da Lagoa da Garibaldi, em fevereiro de 2023, o Cristo Protetor era uma obra no horizonte. Três anos depois, a relação com o monumento tornou-se indissociável.
"Começamos apostando no potencial da lagoa, sem imaginar que o Cristo se tornaria
ENTREVISTA
nosso principal vetor de clientes", confessa a empresária. A família investiu R$ 500 mil no restaurante, com capacidade para receber 54 pessoas.
As enchentes testaram a resiliência do negócio. "Com os problemas nas pontes, nosso movimento caiu drasticamente. Ficou claro o quanto dependemos do fluxo gerado pelo Cristo", analisa Jeanine. O período difícil trouxe um aprendizado: era preciso criar uma identidade gastronômica que complementasse a experiência turística.
A solução veio em forma de cardápio
autoral, de pratos típicos da fusão entre o histórico de colonização italiana e a vivência dos imigrantes no Vale do Taquari. “Incorporamos pratos típicos de Encantado, como o Radicci com bacon no risoto de vinho tinto, a tilápia frita com farofa de erva-mate, a Taça Bandeira, uma entrada que reproduz as cores do município”, detalha Jeanini, que complementa: “nos especializamos em contar a história de Encantado por meio de fotos antigas na decoração, além do uso de ingredientes típicos da nossa cidade."
“O MONUMENTO PROVOCOU ABERTURA PARA NOVAS IDEIAS, NOVOS EMPREENDIMENTOS, NOVAS PARCERIAS E PARA A AMPLIAÇÃO DO OLHAR SOBRE O POTENCIAL DA REGIÃO”
A Hora – A Aci-E tem incorporado o Cristo Protetor como uma bandeira de desenvolvimento. Como a entidade enxerga esse monumento como um vetor de crescimento para os negócios locais?
Raquel Cadore – O Cristo Protetor antes de tudo é um símbolo de fé, devoção e gratidão. É um marco importante da nossa história e cultura, e sim, de transformação para Encantado. Mais do que um complexo turístico, o monumento é um vetor estratégico de desenvolvimento, pois tem elevado a visibilidade de Encantado e do Vale do Taquari em nível nacional e internacional, o que gera um
ambiente favorável para novos negócios. A Aci-E acredita que o Cristo Protetor inspira uma nova era baseada na inovação, fortalecendo a hospitalidade e o empreendedorismo, com impacto direto na economia e no desenvolvimento social.
Como o monumento interfere na mentalidade do setor empresarial?
Raquel – Com o Cristo Protetor observamos uma mudança significativa: há mais interesse em diversificar, investir em inovação e apostar no turismo como uma nova matriz econômica. O monumento provocou abertura para novas ideias, novos empreendimentos, novas parcerias e para a ampliação do olhar sobre o potencial da região.
Desde o anúncio da obra, os setores hoteleiro, gastronômico e o comércio têm crescido?
Raquel – Sim, percebemos um avanço expressivo na procura por oportunidades em Encantado, especialmente nos setores de hotelaria, gastronomia, comércio e empreendimentos que oferecem experiências na natureza. Empreendedores da cidade têm trabalhado inovando seus negócios e também empreendedores de fora têm visitado Encantado com o objetivo de mapear possibilidades de investimento, sinalizando um cenário promissor e em expansão, mesmo neste período póscatástrofe com tantos desafios de logística que ainda estamos enfrentando.
O crescimento do fluxo turístico exige mão de obra qualificada. A associação tem algum projeto em parceria com o poder público ou instituições de ensino para capacitar profissionais?
Raquel – Mão de Obra e qualificação sempre foram uma questão importante para a Aci-E. Buscamos parcerias para cursos de formação e qualificação contínua para as demandas que esse novo momento exige, e também demandas de setores tradicionais. A partir do Cristo Protetor, a Acie-E vem trabalhando com o Núcleo do Empreender voltado ao Turismo, Gastronomia e Bem Receber. Mas, esse assunto está em todos os núcleos e nas reuniões de diretoria e do conselho deliberativo. Acreditamos ser uma das maiores demandas dos empresários de todos os setores.
Movimentos em curso e que têm contribuído à diversificação da economia local. Os potenciais locais estão em:
Turismo rural: Paisagens, propriedades agrícolas e atividades tradicionais nas propriedades. O turismo rural tem crescido, com visitantes interessados em conhecer a vida no campo, participar de colheitas, ver o processo das agroindústrias e desfrutar de atividades ao ar livre.
Ecoturismo: Trilhas, cachoeiras e áreas de preservação ambiental são um prato cheio para o turismo de aventura. Os visitantes estão interessados em atividades ao ar livre, como caminhadas, observação de aves, passeios de bicicleta e exploração de áreas naturais. Essas atividades promovem a conservação ambiental, estimulam a economia local por meio do consumo de serviços turísticos e produtos locais.
Patrimônio histórico, cultural e religioso: Museus, igrejas, construções antigas e comunidades tradicionais. A valorização desses patrimônios atrai turistas interessados em conhecer a história e a cultura da região.
Turismo de negócios: Cidades como Lajeado, Estrela, Encantado, e Teutônia tem-se destacado como destinos para eventos corporativos e de negócios. Garantir infraestrutura adequada, como centros de convenções e hotéis com estrutura para reuniões e conferências, são fundamentais para consolidar essas programações.
Os visitantes têm diferentes motivações. Para o Vale do Taquari, há três perfis preponderantes:
Aventureiro
As experiências procuradas vão de atividades radicais (escaladas, trilhas em veículos e paraglider), passando por aqueles que buscam momentos de tranquilidade em meio à natureza, com trilhas e belas paisagens.
Gastronômico
É um público exigente que gosta de compartilhar as experiências, seja nas redes sociais ou com pessoas próximas. Neste perfil, se divide o chamado “Foodie”, que espera vivenciar o paladar típico local, e o “gourmet”, voltado à alta gastronomia.
Espiritual
Público religioso e esotérico. O primeiro quer se conectar e fortalecer a fé. O outro, busca se energizar e ter experiências voltadas à espiritualidade.
INVESTIMENTOS NO TURISMO DE ENCANTADO
R$ 11 MILHÕES R$ 50 MILHÕES
para conclusão do Cristo Protetor e entorno Boulevard e o Hotel
O SETOR NO VALE DO TAQUARI
Conforme cadastro de empresas no Sebrae, o Vale tem:
R$ 5 MILHÕES
Em serviços aos turistas
• 280 serviços de alimentação (capacidade para 14 mil pessoas)
• Mais de 200 empreendimentos de hospedagem
• Estimativa é que haja cerca de 2 mil leitos de hospedagem na região
TURISMO REGIONAL
Conjunto de serviços, hospedagem e locais de visitação
Belvedere Encantado
Um dos mirantes mais belos da região com vista de frente a curva do Rio Taquari. Está localizado no topo da Linha Chiquinha. Conta com jardim, lago e espaços para descansar. O Belvedere Encantado possui ainda um salão fechado com decoração temática do passado. Na gastronomia, o ponto turístico oferece petiscos, vinhos, espumantes e chopes artesanais. Atende aos fins de semana com cobrança de entrada.
Localizado no caminho do Cristo Protetor, a Lagoa da Garibaldi é um dos principais atrativos naturais de Encantado. O destino de acesso gratuito é um dos mais completos da região. Conta com uma pista de caminhada que circunda a lâmina d’água, além de churrasqueira, banheiros e energia elétrica. Ideal para passar o dia na sombra das árvores. O ponto turístico abre das 7h às 20h.
Cartão-postal no coração de Encantado, a Igreja Matriz São Pedro encanta com as duas torres são vistas de vários pontos da cidade. Além da beleza arquitetônica, é um destino de fé e religiosidade. Na parte interna, guarda o Memorial Santo Sudário, o pano de linho que envolveu o corpo de Jesus Cristo depois de morto. A imagem reproduz a réplica do Sudário original que está em Turim, na Itália. Acesso é gratuito das 7h às 19h.
O primeiro complexo multiexperiências do Vale do Taquari. Aproveita as paisagens e cria vivências exclusivas aos visitantes. Tem centro de compras com marcas reconhecidas da região e de âmbito nacional e ótimas opções gastronômicas. Destaque para os mirantes como o Solarium Fruki, a Escada para o Infinito e a Ponte para o Vale. A entrada é gratuita.
Em honra a Nossa Senhora de Lourdes, é um dos espaços religiosos naturais mais belos e bem estruturados do estado. Numa enorme cavidade rochosa está instalado o altar com imagem da santa e bancos para as celebrações. Uma cascata com cerca de 70 metros cobre a gruta, formando uma verdadeira cortina de prata. Destino é acessado por uma escadaria de 174 degraus. A entrada é gratuita.
A poucos quilômetros do Cristo Protetor, o Espaço Gariba possui duas opções de cabanas para locação. Um local de paz e tranquilidade. Espaço onde o visitante desfrutar dos benefícios da natureza, sem perder o conforto e o requinte. Cada cabana tem capacidade para abrigar quatro pessoas. A pousada atende todos os dias da semana.
Antiga pedreira de Arroio do Meio que atualmente encanta pela paisagem panorâmica e ambientes ecológicos. Localizado a 559 metros do nível do mar, o Morro Gaúcho tem um dos mirantes naturais mais famosos da região com vista para o rio Taquari e diversos municípios do Vale. O destino é repleto de trilhas e também recebe com frequência eventos radicais. Acesso gratuito. Não há estrutura no local.
Gruta de Capitão
Um dos principais pontos turísticos de Capitão, a gruta em honra à Nossa Senhora de Lourdes une religiosidade e natureza. Um altar foi instalado nas rochas com bancos e imagens da santa e Jesus Cristo. Ao lado está uma bela cachoeira com cerca de cinco metros. A estrutura se completa com banheiros, área coberta e bancos. A entrada é gratuita.
Antes mesmo da inauguração, o monumento inspira fiéis e aventureiros a fazerem uma jornada de espiritualidade
Seja por graças recebidas, por devoção ou pela aventura, o complexo tem atraído visitantes desde o início da obra.
Izabel Maria Boni, 59, é uma delas.
Natural de Guaporé fez o trajeto até o monumento três vezes, sempre motivada por alguma promessa. Na primeira vez, incentivou o grupo de caminhantes de e organizou a logística, com ônibus, almoço e bênçãos. Ela conta que a saída de Guaporé permite que eles façam um percurso de Cristo a Cristo, contando com o monumento religioso da própria cidade.
Na época, foram entre 70 e 72 quilômetros percorridos. Iza, como é conhecida, conta que no primeiro dia, a caminhada foi até Muçum e, no segundo dia, foi o restante do caminho até o Cristo Protetor.
“Cada um se prepara do seu jeito. Pra mim,
Guardo (o ingresso número 1) como lembrança de que as melhores coisas da vida muitas vezes chegam sem avisar."
CARLOS WALLAUER
PRIMEIRO VISITANTE
foi uma caminhada cheia de desafios, em uma estrada de chão e em um dia bastante quente”. Em um momento, caiu no caminho. A lesão lhe tirou da caminhada. Precisou seguir de carro para o momento de chegada dos peregrinos. O incidente não impediu que ela voltasse para contemplar o Cristo. “Em todas as caminhadas que eu participei a primeira sempre foi uma promessa e as demais sempre foram para agradecer e rezar para outras pessoas que precisam”, relata. Iza afirma que a ideia é continuar fazendo o caminho todos os anos. “Quando eu retorno de uma caminhada assim é uma benção, é como se eu estivesse nascendo outra vez”.
A peregrina conta também ter feito 10 vezes o caminho até o Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha, e outras 10 até a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, em Pulador.
PRIMEIRO VISITANTE
A neblina densa da manhã de sábado do dia 15 de maio de 2021, quase escondeu o destino que mudaria para sempre a vida do ciclista Carlos Wallauer. O que começou como um pedal rotineiro pelo Vale, transformou-se em um marco: Wallauer tornou-se no primeiro visitante oficial do Cristo Protetor de Encantado. Então com 37 anos, saiu de Colinas como fazia todos os sábados há 20 anos. "Era um trajeto habitual até Roca Sales, mas resolvi esticar quando vi a placa indicando o Cristo Protetor", conta. O ciclista, que morou no Rio de Janeiro e conhecia bem o Cristo Redentor, queria comparar as obras.
A subida de 8 quilômetros foi um desafio maior que o esperado. "O vento cortante e a neblina tornavam cada pedalada mais difícil. Cheguei exausto ao portão principal, onde tinha uma placa de entrada proibida", lembra. Foi quando avistou barracas
ENTREVISTA
Vanessa Goldoni, diretora de Logística do Cristo Protetor de Encantado
“O Cristo Protetor é um abraço”
A Hora – Você esteve com o Papa Francisco levando a mão direita do Cristo para ser abençoada. Como foi o momento?
Vanessa Goldoni – De profunda emoção e responsabilidade. Senti como se não fosse apenas eu e os demais ali, mas toda a comunidade que sonhou, lutou e acreditou nessa obra. O peso simbólico dessa entrega foi além do material; foi a bênção sobre um projeto de fé, união e esperança. Quando o Papa tocou aquele fragmento, ele abençoou a Associação Amigos de Cristo e todas as pessoas envolvidas, cada doador, cada trabalhador, cada peregrino, cada devoto que vê no Cristo Protetor um símbolo de acolhimento.
Como foi a adesão e doações da comunidade?
Vanessa – Cada doação carregava uma história, um significado. Mas uma que me marcou profundamente foi a de uma senhora simples, que doou uma pequena quantia e disse: “É pouco, mas é de coração, porque quero que esse Cristo proteja meus netos.” Isso mostrou que o projeto não era sobre dinheiro, mas sobre fé e pertencimento.
improvisadas vendendo souvenirs. Ao comprar um chaveiro, descobriu, por acaso, que poderia entrar no complexo.
Ao ser recebido pelas guias, descobriu ter sido o primeiro visitante oficial. O bilhete “#000001” custou R$ 20, tornouse um documento histórico.
"Confesso que fiquei emocionado, mesmo sendo ateu", revela Wallauer. "A magnitude da obra, saber que estava inaugurando esse momento. Foi algo maior que religião, era sobre a capacidade humana de criar e se superar".
Três anos depois, o ingresso está emoldurado na parede da sala de Wallauer. "Guardo como lembrança de que as melhores coisas da vida muitas vezes chegam sem avisar", reflete.
Izabel já visitou o Cristo Protetor três vezes, por promessas ou para agradecer
Como explica o significado da obra?
Vanessa – O Cristo Protetor é um abraço. Ele representa acolhimento, fé e a força de uma comunidade que não desistiu. Ele transcende o ferro e o concreto, não é apenas um monumento, mas um símbolo de superação, de retomada, um ponto de encontro entre o divino e o humano. É a materialização da crença de que juntos somos capazes de realizar o impossível.
O que essa experiência te ensinou sobre fé, comunidade e perseverança?
Vanessa – Gratidão. Essa jornada me ensinou que quando as pessoas se unem por um propósito maior, milagres acontecem. Gratidão pela fé que moveu cada um, pela força da comunidade que não desistiu, pela perseverança que transformou um sonho em realidade.
O papel do monumento em integrar atrações, fortalecer o Vale do Taquari e alcançar lugar de destaque nos roteiros nacionais
Cristo Protetor não é um ponto final, mas um começo, um portal." A afirmação do presidente da Associação de Turismo do Vale do Taquari (Amturvales), Rafael Fontana, sintetiza a visão estratégica para os próximos anos. Na avaliação dele, a região deve capitalizar o novo status de destino turístico religioso e unir roteiros gastronômicos, passeios e paisagens para oferecer uma experiência completa aos visitantes.
Pelo acompanhamento da Amturvales, o status atual do Vale está entre os cinco principais destinos do RS. “No momento temos a oportunidade para junto com outras regiões, buscarmos os turistas dos demais estados do Brasil”, diz Fontana e complementa: "temos 47 atrativos mapeados em 15 municípios. A meta é
ENTREVISTA
Rafael Fontana, presidente da Amturvales
criar pacotes que levem os visitantes do Cristo às vinícolas de Garibaldi, às cascatas da região alta e aos eventos gastronômicos de Nova Bréscia. Já estamos formatando roteiros temáticos com operadoras."
Para tanto, a infraestrutura viária precisa estar em condições. Os setores de serviços e de hotelaria sofreram com redução no número de atendimentos após as inundações. Porém, a conclusão das obras na BR-386 e na ERS-130 possibilita a retomada, acredita o presidente da Amturvales.
“Esses avanços são determinantes para que a gente amplie o fluxo de visitantes, atendendo a demanda dos nossos empreendedores. Acredito que no segundo semestre de 2025 voltaremos a ter um olhar para mais investimentos.”
A Hora – Com as inundações e os impactos na visitação, como é possível reestabelecer as atrações? Há algum tipo de apoio governamental ou linhas de crédito específicas para os empreendimentos turísticos atingidos?
Fontana – Os episódios climáticos extremos retardaram muitos avanços para o setor. Porém os empreendedores foram resilientes e persistentes. Estão prontos para a retomada. Precisamos fortalecer a promoção e divulgação do destino turístico Vale Taquari para outras regiões do RS e do país. Em termos de políticas públicas, precisamos que o
governo federal destine mais recursos do Fungetur (Fundo Geral de Turismo) para financiar empreendimentos no Vale.
O turismo exige profissionais qualificados em hospitalidade, gastronomia e receptivo. Como está a demanda por mão de obra no setor?
Fontana – O setor enfrenta as mesmas dificuldades das demais atividades econômicas, falta de mão-de-obra. Estamos buscando alternativas para auxiliar as empresas na contratação e com parcerias cursos de qualificação para as diversas áreas do setor turístico. Teremos ainda neste semestre cursos para guias, condutores locais e boas práticas de produção de alimentos.
Como a região pode capitalizar a visibilidade de Encantado para fortalecer o turismo em outros municípios?
Fontana – O Cristo Protetor é o atual indutor do turismo regional. A partir dele sabemos que estão sendo projetados outros atrativos importantes e expressivos que irão contribuir para fortalecer o interesse do turista em nos visitar. Vivemos um momento de maturidade entre o trade turístico, integrando os diversos atrativos naturais históricos e gastronômicos para oferecer uma experiência completa ao visitante. Essa conexão está acontecendo e é necessária.
Estamos fazendo levantamento junto aos municípios e empreendedores para estruturar um caderno de demandas em infraestrutura, para busca de recursos que viabilizem esses investimentos.
ENTREVISTA
“O Cristo nos projetou, mais do que isso, nos uniu e fortaleceu como comunidade.”
A Hora – Antes do Cristo, como Encantado era conhecida? E agora, como o mundo passará a enxergar a cidade? Essa obra mudou a autoestima da população?
Jonas Calvi – A cidade já era reconhecida pela força na agricultura, pelas indústrias, pela Suinofest e pelo Canto da Lagoa. Carregamos com orgulho o título de Capital do Ouro Branco. Mas, com o Cristo Protetor, ganhamos uma nova dimensão. A frase mais emblemática de Adroaldo Conzatti resume isso: “a autoestima quando compartilhada é um bem que se multiplica”. Hoje, o mundo olha para Encantado com admiração, e a nossa gente passou a se ver com mais orgulho. O Cristo nos projetou, mais do que isso, nos uniu e fortaleceu como comunidade.
– Para o futuro, no que se refere ao sentimento da população. Como a obra pode interferir no pertencimento das novas gerações?
Calvi – Quando vemos as escolas se mobilizando, as crianças estudando sobre o monumento, entendemos
que o Cristo já faz parte da identidade das novas gerações. Ele desperta esse pertencimento, de orgulho pelo lugar onde vivem. E mais do que isso: abre portas. O turismo que cresce traz novas empresas, novos empregos, novas perspectivas. Isso tudo ajuda a construir um futuro com mais oportunidades para nossos jovens.
– O fluxo de visitantes já mudou a rotina da cidade. Como equilibrar o crescimento econômico com a preservação da qualidade de vida?
Calvi – As ações de crescimento econômico equilibradas estão alinhadas com o planejamento que Encantado quer. Investimentos em infraestrutura, tais como asfalto comunitário, saúde, educação e geração de emprego e renda, refletem diretamente na qualidade de vida da comunidade.
Com o fortalecimento do turismo, diversos empreendimentos surgiram, assim proporcionando aos moradores novas opções de lazer, passeios, diversão e novas experiências. As novas opções de trabalho que estão surgindo fazem com que a renda familiar seja maior.
ENTREVISTA
“A região precisa entender como integrar outros projetos e estruturas”
A Hora – Como os prefeitos do Alto Taquari estão trabalhando para transformar o Cristo Protetor em um projeto de desenvolvimento regional?
Mateus Trojan – O Cristo Protetor é um "carro-chefe” do turismo regional. Eu diria que, junto com o Trem dos Vales, temporariamente suspenso, são os dois maiores projetos turísticos do Vale do Taquari. A região precisa entender como integrar outros projetos e estruturas, qualificar a sinalização e os espaços públicos, captar recursos para a consolidação e aprimoramento da infraestrutura regional. Destaco a recuperação das ferrovias e a Rota do Pão e do Vinho.
Como a associação dos prefeitos planeja garantir condições para receber os turistas?
Trojan – Temos cobrado os órgãos responsáveis pela evolução de obras e construções projetadas. Destaco, aqui, a dificuldade para dar velocidade à Ponte de Santa Bárbara, entre São Valentim do Sul e Santa Tereza. Também entra aí a obra de recuperação da ERS-332, no trecho que liga Encantado a Arvorezinha, bem como a pavimentação da ERS-129 no trecho de Roca Sales.
Em termos de captação, mantemos a pressão política para a recursos para a Rota do Pão e do Vinho, permitindo uma ligação mais rápida entre o Vale do Taquari e a Serra Gaúcha. Ainda, temos tratado com muita maturidade, seriedade e firmeza a necessidade de melhorar muito a proposta de concessão do Bloco 2 das rodovias estaduais. Não podemos admitir tamanha tarifação prevista, freando a recuperação da região e o fluxo turístico.
Qual o paralelo entre Cristo Protetor e a reconstrução de Muçum?
Trojan – A ligação do Cristo com outras iniciativas estava em evolução
antes dos desastres. Naturalmente, o tamanho do impacto da tragédia atrasou o processo. Já a memória das inundações e o processo de reconstrução deve se tornar, ao longo do tempo, também uma espécie de produto para recebimento de visitantes e até mesmo excursões de aprendizagem sobre os desastres naturais. Essa pauta está sendo tratada em nível microrregional por diferentes frentes, e deve ser aprofundada ao longo dos próximos meses e anos, por meio da consolidação de monumentos, memoriais, museus e registros dos impactos, mas também da recuperação das cidades.
ENTREVISTA
O governador Eduardo Leite considera que o Cristo Protetor é um símbolo de fé, resiliência e potencial turístico para o povo gaúcho. Para o chefe do Executivo, o monumento é uma peça-chave para mostrar que o RS "está de pé" após as enchentes de 2024. O projeto, financiado sem recursos públicos, já impulsiona o comércio e o empreendedorismo no Vale do Taquari e pode integrar roteiros globais de turismo religioso.
A Hora – O Cristo Protetor é a maior estátua sacra do Brasil e já está sendo chamado de ‘novo cartão-postal gaúcho’. O que esse monumento representa para a identidade e a projeção do Rio Grande do Sul?
Eduardo Leite - O Cristo Protetor de Encantado é mais do que um monumento imponente. É um símbolo poderoso da fé, da união e da resiliência do povo gaúcho. A estátua se consolida como um novo cartão-postal do Rio Grande do Sul e uma referência nacional do turismo religioso. Mais do que sua grandiosidade arquitetônica, o Cristo Protetor representa um abraço aberto para todos que visitam o nosso Estado, um sinal de acolhimento e esperança. E essa simbologia ganha ainda mais força em um momento em que estamos trabalhando intensamente para reconstruir o Rio Grande do Sul após os desafios recentes, como a enchente histórica de 2024. O monumento de Encantado reafirma a
capacidade do nosso povo de superar adversidades, se reerguer e seguir em frente com determinação e fé.
A obra foi financiada sem recursos públicos, mas o governo do Estado apoiou com infraestrutura, como a pavimentação da estrada de acesso. Há planos para ampliar esse apoio, seja em segurança, estradas e logística?
Leite – O Cristo Protetor foi construído como deve ser um monumento religioso, sem recursos públicos. No entanto, o governo do Estado reconheceu desde o início a admirável mobilização da comunidade e o impacto positivo que essa obra teria para a região e, por isso, investiu na melhoria da infraestrutura de acessos. Por meio do programa Pavimenta, destinamos R$ 4 milhões para a pavimentação da estrada que leva até o monumento, garantindo um acesso seguro e confortável para turistas
e moradores. Foram 5,6 quilômetros de asfalto, além da implementação de sinalização e drenagem para garantir a durabilidade da via. Essa obra não beneficia apenas quem visita o Cristo Protetor, mas também fortalece a mobilidade regional. A pavimentação beneficia moradores de Encantado que trafegam na Estrada Vicinal, que conecta as comunidades da Sede a Linha Garibaldi e Linha Argola, até o município de Capitão e ajuda a viabilizar novos investimentos privados na região. Além disso, seguimos avaliando novas formas de apoio, seja por meio de reforço na segurança, ampliação da infraestrutura turística ou ações de promoção do destino Encantado dentro das nossas estratégias de turismo.
Além do turismo religioso, como o senhor enxerga o potencial do Cristo Protetor para movimentar setores como comércio, hotelaria e o empreendedorismo no Vale do Taquari?
Leite – A presença do Cristo Protetor transforma Encantado e todo o Vale do Taquari em um polo turístico, com impactos diretos e indiretos na economia local. O aumento do fluxo de visitantes traz reflexos positivos para setores como comércio, hotelaria, gastronomia e serviços, além de impulsionar o empreendedorismo e gerar novas oportunidades de trabalho. Com mais turistas chegando, há uma demanda crescente por pousadas, restaurantes,
lojas de artesanato, transporte e infraestrutura de lazer. Pequenos negócios poderão se desenvolver em torno desse novo atrativo, criando um ciclo virtuoso de crescimento e fortalecimento econômico para toda a região. Além disso, o turismo religioso já é um segmento consolidado no Estado, com destaque para o sítio histórico das Ruínas de São Miguel das Missões, um patrimônio cultural reconhecido internacionalmente. O Cristo Protetor surge como mais uma peça importante nesse cenário, ajudando a diversificar e expandir a oferta turística gaúcha, com potencial de integrar roteiros que conectem diferentes regiões.
Após as enchentes , o Cristo surge como um símbolo de resiliência. De que forma o Estado pode articular essa obra para fortalecer a reconstrução e a imagem da região?
Leite – Após as enchentes que afetaram mais de 95% das cidades gaúchas, estamos reconstruindo o Rio Grande do Sul com muito trabalho e resiliência. E um dos pilares do Plano Rio Grande, que estruturamos para essa retomada, é justamente a Campanha Nacional de Turismo, que tem como objetivo mostrar ao Brasil que o nosso Estado está de pé, reerguido e pronto para receber a todos. O Cristo Protetor,
com seus braços abertos para o Vale do Taquari, é a materialização dessa mensagem de resiliência.
Ele representa a fé e a esperança do povo gaúcho. A hospitalidade e a capacidade de superação que sempre marcaram a nossa história. Estamos integrando esse monumento às nossas estratégias de divulgação turística, para que ele seja um vetor de crescimento e de retomada para a região. A ideia é estimular um fluxo contínuo de visitantes, para ajudar na economia e consolidar Encantado como referência no turismo religioso e cultural do país.
O monumento pode colocar o RS em roteiros globais de turismo religioso, assim como o Cristo Redentor faz pelo Rio de Janeiro? Há diálogos com o Ministério do Turismo ou entidades internacionais para promover essa conexão?
Leite - Acredito que há um potencial extraordinário para colocar o Rio Grande do Sul no mapa do turismo religioso mundial. Assim como o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, se tornou um ícone global, Encantado agora tem uma atração para atrair visitantes do Brasil e do exterior. Já estamos trabalhando para fortalecer essa projeção, em parceria com o Ministério do Turismo e outras entidades do setor, a fim de incluir o Cristo Protetor em roteiros turísticos nacionais e internacionais. Além disso, a promoção desse destino se conecta a uma estratégia mais ampla de valorização do turismo religioso gaúcho.