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Pedro Carreira Henriques, primeiro médico natural da Golpilheira “Vale a pena investir na educação e formação”
Pedro Carreira Henriques, conhecido pelo nosso povo como “Pedro do Joaquim do Paço”, nasceu no dia 3 de Julho de 1947, na Golpilheira, então uma pequena, mas bonita, aldeia sobranceira ao vale do Lena, no concelho da Batalha. É o nono dos dez filhos de Joaquim Henriques e Júlia Carreira Soares, família pobre e humilde, mas séria e trabalhadora, como a maioria das famílias daquela época.
Naquele tempo, era muito difícil os filhos das famílias pobres conseguirem chegar à universidade, quanto mais fazer o curso de medicina. O escritor brasileiro Augusto Cury aconselha “nunca desista dos seus sonhos”, pois, como bem canta Manuel Freire, “eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida”. Assim fez o jovem Pedro e, com muito sacrifício, esforço, dedicação, inteligência, persistência e outros nobres adjectivos, conseguiu concretizar o seu sonho de ser vir a ser médico de clínica geral. De baixa estatura, mas com uma inteligência acima da média, demonstrou, como normalmente se diz, que “os homens não se medem aos palmos”.
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É casado há 34 anos com a enfermeira Maria Henriques e têm uma filha, Júlia, também ela médica, a concluir a especialidade de Patologia Clínica, no hospital de S. Francisco Xavier, em Lisboa.
Vive em Castelo Branco há 35 anos, mas vem com frequência à sua Golpilheira”, nomeadamente, nas ocasiões festivas. Na verdade, nunca esqueceu a sua terra natal, onde construiu uma residência.
Para conhecermos um pouco melhor a história deste ilustre golpilheirense, fomos entrevistá-lo. Entrevista de Manuel Carreira Rito
DR
Foram 30 anos de exercício médico
Nasceu numa família numerosa…
Sim, naquela altura, em finais da II Guerra Mundial, as famílias eram quase todas muito numerosas. Nasceram sete rapazes todos seguidos; eu sou o 9.º, fiquei no intervalo de duas raparigas. Como recorda a sua infância?
Até ir para a escola, estive sempre em casa e apenas brincava com os vizinhos na rua. Não havia creche nem infantário como hoje. Sentia-me bem com o amor da minha mãe e o carinho dos meus irmãos. Eramos muitos lá em casa e todos unidos. Sentia-me protegido por todos. Ao atingir os 7 anos, entrei na Escola Primária e foi aí que comecei a ter mais convívio com colegas de outros lugares. Nas férias escolares, ajudava os meus pais na fazenda, porque havia trabalho para todos: ir à fruta, regar a horta, levar o jantar (almoço) na quinta do Sr. Pereira ao meu pai, ou aos meus irmãos à Cerâmica do Vale Gracioso. Havia coisas que gostava de fazer, outras não... Frequentou cá o ensino primário…
Sim. O ensino primário já era obrigatório até à 4.ª classe e era na “escola velha”: uma sala muito ampla que acolhia duas classes no mesmo turno. A escola não reunia condições de conforto e outras…. era o possível; apesar de tudo, tínhamos escola, professor e aprendíamos. Os professores eram duros e exigentes... recorda alguma história?
O senhor professor Ferreira algumas vezes colocava os alunos mais velhos a ensinar os mais novos e a corrigir os trabalhos de casa. Um dia, fui eu encarregado de ir corrigir as contas de casa (TPC) no quadro aos alunos da 2.ª Classe. O colega estava a fazer tudo certinho e os restantes à volta do quadro a corrigir. Mas na conta de multiplicar, lá me distraí e o colega acabou por errar a conta. Conclusão, tive eu de fazer a conta e, no fim, a paga foi um par de reguadas. A distracção saiu-me dolorosa. Sentiu logo na altura a vocação e o sonho de ser médico?
Não! Como estava no meio rural…. foi já no 6.º ano do Liceu, onde tinha de fazer a opção entre ciências e letras. Optei por ciência, para a qual tinha mais apetência. Mas… também fui sensibilizado pela minha mãe, que cuidou durante muitos anos de um tio que tinha um “nascido”, suponho que “cancro”. Ela dizia muitas vezes que lhe custava fazer aquele trabalho, mas que não havia mais ninguém que o fizesse. Como foi o ensino secundário?
Foi feito no Colégio dos Maristas, em Leiria, onde hoje estão as instalações da Polícia Judiciária. Mas os exames de ciclo eram realizados no Liceu de Leiria. O 6.º e 7.º anos já foram em Lisboa, em Carcavelos, também no Colégio dos Maristas-Externato com Internamento. Eu era um aluno médio. Gostava de estudar e de saber mais e foi assim que cheguei a médico. Mas não era normal um jovem ir para Lisboa, sobretudo de famílias pobres…
Poi não. Tive a sorte de o meu irmão José Casimiro se interessar por mim e pedir à tia Isabel, uma irmã do meu pai que vivia em Leiria, que me ajudasse nos estudos. A tia lá conseguiu que eu fosse para o Colégio dos Maristas e pagava a mensalidade. E foi assim que consegui sair da Golpilheira.
E depois qual foi a estratégia e preparação para entrar na universidade?
Após conclusão do 7.º ano liceal, alínea “F” da área de ciências, o passo a seguir era concorrer à Universidade; no meu caso, à Faculdade de Medicina de Lisboa, no Hospital de Santa Maria. Tinha de se fazer exame de admissão às disciplinas de Química Orgânica e Biologia. Fui admitido com dispensa de exame oral.
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Serviços mecânicos de excelência!
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Agora com lavagem automática de pesados e furgões!
E como conseguiu os fundos para custear uma licenciatura?
Depois de cumprir o serviço militar obrigatório em Leiria (Cruz da Areia), no Regimento de Infantaria N.º 7, tirei o Curso de Enfermagem Geral, à data, com apoio de uma bolsa de estudos, que incluía residência. Concluído este curso de enfermagem, comecei a trabalhar no Hospital de Santa Maria, onde também estudava Medicina ao mesmo tempo. Foi assim que cheguei ao fim do curso, com muito esforço e dedicação. Mas valeu a pena!
Ainda se recorda do sentimento na primeira aula da faculdade?
Recordo sim! Foi no anfiteatro de Anatomia Descritiva. Estava sentado no último anel, quando ouço o professor Armando Ferreira a tratar os alunos por colegas! “Oh! Já sou médico?” Depois, foi a quantidade de matéria que debitou numa hora sobre os ossos do crânio. “Eh pá, tenho de saber isto tudo?”. Aqui já me fez mais confusão. Mas com o tempo fez-se tudo.
Durante o curso, houve momentos de desânimo?
Momentos de desânimo não digo, porque em Medicina quem começa é raro desistir. Mas a sobrecarga de exames no 5.º ano foi muito grande. Foi o ano em que completei as cadeiras atrasadas mais as do próprio ano, que eram muitas.
Que situações recorda que mais o marcaram?
O que mais me marcou de início foi a primeira aula prática de Anatomia Descritiva em dissecar o músculo frontal (na cabeça/testa) numa senhora de cerca de 50 anos de idade que morreu afogada na Caparica e o corpo não foi resgatado pelos familiares. Ficou para estudo dos estudantes.
O que me deu depois mais satisfação foi ter feito a cadeira (disciplina) de Medicina II, que era bastante complicado de fazer logo à primeira. Era a cadeira que dava o curso na mão.
Também recordo com estima um grupo de colegas amigos que me cediam apontamentos das aulas teóricas. Eles sabiam que eu trabalhava e estudava. Tinham apreço e admiração por mim, porque eles só estudavam. Qual foi a sensação quando terminou a sua Licenciatura?
Foi uma sensação de esforço conseguido. Foi dar a “boa nova” à minha mãe, que tanto desejava saber. A minha alegria foi transmitida através de uma carta... não havia telefone na nossa casa.
Onde começou a exercer a profissão?
Comecei por escolher o Hospital Distrital de Castelo Branco, hoje designado por Hospital Amato Lusitano (HAL), onde iniciei a formação do Internato Geral à época. Depois, por concurso, fui colocado no concelho de Idanha-a-Nova, a exercer Clínica Geral, hoje designada Medicina Geral e Familiar, onde desempenhei as funções de médico de família. Lembra-se da sua primeira consulta?
A primeira consulta não… deve ter sido uma consulta simples, sem impacto. Do primeiro dia, sim! Quando cheguei, estava a sala repleta de pessoas idosas a aguardar a chegada do novo médico. Educadamente, dei os bons dias em voz alta e apresentei- me. Falei com a assistente administrativa e comecei as consultas. Chamei o primeiro doente, pelo nome próprio, à porta do gabinete (consultório), mas ninguém respondia. Repetia a chamada pelo mesmo nome. Nada. Ninguém se acusava. De repente, vinham quatro ou cinco pessoas a quererem entrar ao mesmo tempo. Conclusão: as pessoas eram mais conhecidas pela alcunha e nem se davam pelo nome próprio. Depois, lá diziam uns para os outros: és tu! Assim os fui conhecendo pelo nome e pela alcunha. Por fim, já todos sabiam o nome próprio. Eu acabei por ficar a saber o nome próprio e a alcunha. Quantos anos exerceu e por que locais passou na sua profissão de médico?
Exerci a profissão durante 30 anos. Como disse, depois do Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco, fiquei colocado no concelho de Idanha-a-Nova, na freguesia de Monsanto (aldeia mais portuguesa de Portugal e agora também “Aldeia Histórica”). Era o médico residente de Monsanto e das freguesias de Medelim e Idanha-a-Velha (também “Aldeia Histórica”). Na sede do Concelho estava o Centro de Saúde instalado no antigo Hospital da Misericórdia, que sofreu adaptações. Ali, um dia por semana, exercia a actividade de medicina preventiva, nas consultas de saúde materna, infantil, planeamento familiar e vacinação. Na sede, havia Serviço de Atendimento Permanente Nocturno e, aos fins-de-semana, durante 24 horas. Anos mais tarde, com a reorganização do serviço, passei a dar cobertura de serviço a outras freguesias do Concelho, como Zebreira (onde era o médico residente), Toulões, Rosmaninhal, Cegonhas e Soalheiras.
Qual foi a situação que mais o marcou como médico?
Uma das situações que talvez tenha tido mais impacto foi, logo no início, uma senhora que foi ao meu encontro pedir por favor que fosse ver o marido a casa, porque se encontrava muito mal e que não conseguia sair de casa. Já na aldeia corria boato de que o homem ia morrer. Lá fui a casa no próprio dia e deparei-me com um homem deitado na cama, emagrecido, desidratado, com atrofia muscular acentuada, perda da sua autonomia/marcha. Tinha caído de uma oliveira e fez traumatismo da coluna. Tinha recorrido ao hospital na data da queda e veio para casa. Como ficou sem orientação e apoio médico, chegou a um estado de grande debilidade. A solução foi simples: ensinei como levantar o homem da cama e sentar-se num cadeirão, beber muitos líquidos (3 litros de água por dia), fazer 4 refeições por dia e, ao fim de 3 dias, começar a andar com apoio de outra pessoa. Recuperou e ainda hoje por lá anda. Aqui, o grande problema era ir ao encontro do desconhecido.
Após a aposentação, continua a dedicar-se a esta nobre missão da medicina? Como ocupa os seus dias?
Sim! Continuo a manter-me actualizado; faço consultas esporádicas e aconselhamento. Consultório não. A maior parte do tempo é dedicado a outras leituras que não foram possíveis antes, por falta de tempo.
Alguma mensagem especial para os nossos leitores e seus conterrâneos?
Sem querer ser moralista, digo que só com trabalho, esforço e dedicação se consegue alcançar os objectivos pretendidos. Muita persistência. Hoje em dia, existem ferramentas e suporte que ajudam muito os jovens e famílias a seguirem as suas pretensões. Reconheço que a comunidade da Golpilheira está muito desenvolvida, é dinâmica e sábia. Aprecio muito o envolvimento de todos os grupos etários nas várias actividades culturais e religiosas. Aos pais, deixo uma palavra de encorajamento para com os filhos e estarem sempre presentes. Vale a pena investir na educação e formação. Um dia, todos se sentirão realizados e satisfeitos.
Adelino Bastos
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Licença de Exploração Industrial N.º 50/2010
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SEDE: TRV. DO AREEIRO, 225 • ZONA IND. JARDOEIRA • 2440-373BATALHA FILIAL: CASAL DE MIL HOMENS • 2440-231 GOLPILHEIRA TELS: 244 768 766 • 917 504 646
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