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Porto Alegre |Setembro | 2014 | ARTES | 2 POESIA
POESIA EM PROSA
A MEMÓRIA o delírio e a engrenagem
HEITOR Para o nosso neto, Heitor Mendes Vargas.
Caxias do Sul, 20 de julho de 2014. Por
Por
Elvio Vargas de Porto Alegre
Djine Klein de Porto Alegre/ Viamão/RS “A Men ra da noite é matar o cansaço dos homens.” Mia Couto, in: Vozes Anoitecidas.
Foto:
Era como um pequeno disco com hastes trêmulas, de um verde-acinzentado. Mergulhei a mão água fria e aquilo se projetou para o fundo. Um bebe cágado em fuga, e eu de joelhos assim me ofendo à sua margem! Estou com febre, em delirar que logo alcancei ter uns cinco anos. O tempo havia parado. Em um sapo ele no rente-chão, eu chapéu e flor de sombrinha catando as estrelas da minha testa. Ah! Que doce distração! Mas ele anuro ali firme seus olhos de vidro, eu dentro deles arregalada, o sapo esbugalhado um triste. Então é possível contar mais que um susto, para cada delírio um silêncio e vozes? Enquanto com quatro anos, e três séculos a figueira no quintal, eu três ela quatro e a minha boca estava cheia de beijos. Nos olhos os figos, a fruta madura no alto da árvore, eu sobre maneira meio dançando no chão. Ela sóbria eu nervosa por quanto longa à espera, seu mel. Na super cie com desejo salivando e que rubra a doçura, adivinhava e queria o fruto: água de Mari Lopes Fotografia e Arte beber pra minha sede! Tenho dois anos, e o tempo nada estanque libera tempo pra sonhar em azul. É fim de tarde, sigo por entre as folhagens, decididamente e avante. Na travessia se conheci a noite, ou se ve medo da escuridão, já amanhecia a paisagem úmida, quase ve frio. E que visão terna as aves no céu, eu na planura contente, meus passos redondos. Adiantei-me uma trilha havia uma raposa no quintal, em estado de vidro fascinada. Em ponto de mira pra conhecer o bicho humano, e espingarda. Agora já não posso mais retroceder. Depois de defrontar do outro lado da vida tão rente é a morte. Ainda me aplicam o que os ouvidos tanto ainda hoje zunem. As palavras-gritos de um ser monstruoso, vindo do fundo mais escuro do quintal. E zomba que sou uma menina, portanto não poderia estar ali. Até pensei em dar as costas, ou perguntar ao pardal no telhado, se deveria virar à esquerda ou seguir pela rota do lago? Precisava urgente, desesperante apagar-me desse desencontro. A criatura ela mesma e a outra, rezingas em amplexo, eu lia era o pavor. Antes me salvar deles, seus dois abismos, uma ação por minha infância. Feliz? Todavia, fui pega marginal me extraviando, e queria apenas ler com vagar o que encontrei no entorno. Mas da ousadia o retorno foi isso, de a vida ser cheia de sustos e haver ainda mais para além do instante - decifrei. Também sobre minha pequenez, não reparar nos arranjos dos fatos, e nem ve permissão de fuga. Com a roupa suja e exposta, desalinho cabelos, o laço de fita amarrotado entre os dedos, e que de pronto fui deportada por legí ma pessoa de explorador. Do desencontro é fato deu-se como o do Apanhador de Sonhos, extremo e tenso. Para o desfecho eu fecho os olhos, mas que imediatamente ordeno as pálpebras a ter visão. Primeiro escolho postar-me firme as duas extremidades latentes daquela tragédia. Depois aplico sobre seus ouvidos (uma mulher), e aos oponentes minha voz num grito. Longo e lâmina. Foi assim - rompi a corda que aos dois seres se atraiam, em ví ma e fera. E embora reconheça que não me salvei, postergada de fato estava minha primeira mágoa.
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ARTES Artes Plásticas | Artes Cênicas | Cinema | Musica | Literatua
Jornal de Artes é uma publicação da MURUCI Editor Editor | João Clauveci B. Muruci Editora de Literatura | Djine Klein (djineklein@gmail.com) Design Gráfico/Capa/Diagramação | Mauricio Muruci Email | jornaldeartes@yahoo.com.br Edição Virtual | www.issuu.com/jornaldeartes Facebook |www.facebook.com/jornaldeartes Tumblr |www.murucieditor.tumblr.com CNPJ | 107.715.59-0001/79 - Fone | 51 3276 - 5278 | 51 9874 - 6249
Hoje virá con go o novo trono de Troia. Crianças brincam no úl mo clarão da aurora. Revoada de pássaros cin lações de arco-íris alfabetos desenhados pelo voo hipnó co de borboletas soprarão um pergaminho com os pontos cardeais da viagem. Um pequeno barco com as provisões básicas – pão ázimo, leite, figos, lascas de vitela – será depositado na concha da quilha. O mastro será talhado em cerne de eucalipto. Uma única vela com formato, leveza e força de página singrará o Mar Egeu até o sinuoso Rio das Antas. Montanhas de vales verdejantes vinhas, artefatos maiores que os da idade do bronze iluminarão tua grande odisseia. Na cidade nova não haverá muralhas, portões só minaretes fumegantes triunfos. Plantarás tua mágica embarcação de bruma na margem do riozinho. Iça a vela com cuidado. Ela poderá ser teto na hora da tempestade livro para o registro épico. Teu palanque brilhará bem no meio dos mercados. O Bem-te-vi que te acompanhou voltou para o pago. Aqui, Aquiles, Menelau, Helena Agamenon e os outros terão seus des nos reescritos por Homero. Nem a pressa... Nem a calma. Príamo e Hécuba te esperam...
EXPEDIENTE Colaboradores desta edição
Elvio Vargas | Rejane Hirtz Trein| Paulinho Parada | Djine Klein | Gilberto Wallace Ba lana
Capa: Detalhe foto interior da Basílica de Santo André em Muntua, Itália
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Porto Alegre |Setembro| 2014 | ARTES | 4 ARTES PLÁSTICAS
PAULO AMARAL ENGENHEIRO, ARTISTA E ESCRITOR Por
Rejane Hirtz Trein
de Porto Alegre/Viamão-RS
Inaugurando a minha página mensal do jornal de ARTES escolhi como entrevistado um ar sta que, a meu sen r, é extremamente qualificado para elucidar e depurar o assunto “arte”. Paulo Amaral gen lmente me convidou à sua bela residência, cuja entrada caracteriza logo sua personalidade de ar sta. Com um imenso painel tríp co, evocando inusitado misto de realismo e fantás co pictórico urbano, uma par cular caracterís ca do Paulo, assim como uma assinatura, iden fica sua pessoa. Em tons suaves com volumes fortes e majestosos, poder-se-ia dizer que sua arte é reflexo do moderno e do homem do futuro. A luminosidade incorpora cor como base de claros e escuros, evidenciando luz e sombra em suas perspec vas, criando uma sensação de equilíbrio, tranquilidade e paz. No mesmo ambiente descontraído, medalhas, troféus e tulos de honraria compar lham o espaço com livros que convivem com uma escrivaninha neoclássica que denuncia sua paixão também, como escritor. Um belíssimo piano, que faz parte de sua habilidade como músico, faz uma bela composição com o ambiente harmônico e refinado dialogando com a simplicidade excêntrica dos ar stas, filósofos e escritores; tudo funcional e singular. Subimos ao seu ateliê onde muitos pincéis, ntas e telas estão dispostas organizadamente, em um espaço especialmente preparado para o trabalho. Com uma vista inspiradora do Morro Recaldone e abundância de luz natural, Paulo se dedica com disciplina todos os dias à tarde. Iniciei a minha entrevista perguntando sobre o início de sua vida ar s ca e ele me relatou que desde criança gostava de desenho e pintura, destacando-se sempre com boas notas nesta disciplina, principalmente. Influenciado por sua mãe que chegou a cursar a Faculdade de Belas Artes, Paulo, que sempre gostou de música e de escrever, foi refinando suas habilidades naturais. Aos 17 anos foi estudar em “high school", nos Estados Unidos, tendo a oportunidade ímpar de ser orientado, tanto em matérias obrigatórias, como em outras de maior interesse, por excelentes professores. A cada mês o estudo sobre uma Escola de Arte era realizado, com reprodução ar s ca de um mestre clássico ao es lo de pintura original, seguida de uma interpretação pessoal do aluno. Em 1978, já vivendo no Brasil, sempre desenhando e pintando, logo foi convidado para sua primeira individual, na Galeria Tina Presser. Paulo fez Faculdade de Engenharia, casou, teve filhos e os encaminhou para sua formação. Durante este período, embora tenha diminuído sua produção, nunca se afastou de suas gravuras. Em 1997 foi convidado para ser diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, cuja a vidade foi tão exitosa que resultou na sua recondução entre 2003 à 2006, novamente. Sua primeira gestão à frente do MARGS foi marcada pelas profundas e defini vas reformas que colocaram a en dade em patamares
Paulo Amaral e sua obra. Foto Rejane Hirtz Trein
dignos da internacionalidade. Com os filhos criados, maduros e já isento desta tarefa muito bem cumprida e trabalhada, pode dedicar-se às suas criações. Sua bagagem, amor e paixão pela arte possibilitou com que nela mergulhasse com dedicação, tão logo a Engenharia deixou de fazer parte do seu dia a dia. Pode dedicar-se a curadorias e acompanhamentos, assim como aprofundarse com entusiasmo à escrita, mais um de seus fascínios. Perguntei o que pensava sobre a arte da atualidade, pergunta essa francamente respondida de que existem muitas coisas boas e existe muita "bosta”! Paulo assegura que os ar stas precisam ter como base o desenho, que há muitas instalações sem sen do, que em nada acrescentam ao expectador. Disse também que há coisas muito boas, verdadeiros “gênios” contemporâneos como o Vic Muniz, que constrói imagens em diferentes e surpreendentes escalas,, Adriana Varejão, com suas distorções de formas e beleza e, citando um jovem ar sta, Theo Felizzola, com sua arte quase clássica, mas inusitada, por quem também guarda o maior apreço. Ao perguntar-lhe sobre o que é ser um ar sta, me respondeu de maneira decisiva que o ar sta deve sempre estar ligado aos valores esté cos, desenho e equilíbrio, deve transpirar arte, deve vibrar e emocionar os outros. Indaguei-o sobre curadoria e ele foi claro novamente me dizendo que, acreditando e apostando no ar sta, sua arte passa emoções aos que irão apreciar. Aos novos e jovens colecionadores aconselha comprar o que gostam, pois arte é uma loteria; ela é um bom inves mento e também pode ser trocada ou vendida em baixa ou em alta. Ponderou que muitos ar stas têm dúvidas quanto à abordagem em galerias, destacando que que basta ter confiança no que se faz e autocrí ca. Perguntei-lhe, também, sobre o panorama mundial das artes, ao que respondeu que o mercado das artes sempre vai estar valorizado como inves mento; que há a tendência da volta ao figura vo, nos modelos da arte clássica greco-romana, da busca da forma mesmo no expressionismo, enfim: que pintura boa está na perseguição busca da esté ca, mesmo nos abstratos, com suas formas e cores. Minha curiosidade me levou à pergunta sobre o Paulo de hoje. Disse-me que no balanço das coisas, teve e tem uma vida feliz. Criou os filhos, escreve, pinta e faz suas gravuras; que nunca deixou de vender, faz curadorias e acompanhamentos, e que está escrevendo um livro que irá lançar na próxima feira do livro, em outubro. Foi um privilégio entrevistá-lo e é uma sa sfação poder tê-lo como amigo; um grande homem, com uma bagagem repleta de arte, assunto que compar lhamos com respeito e amorosidade, com a leveza e seriedade merecidas. Obrigada, Paulo!
Paulo Amaral em seu Atelier. Foto Rejane Hirtz Trein
C i n e m a | Fo to g ra fi a | V í d e o
Cinema Africano Por Clauveci Muruci
O cinema africano tem relação direta e fundamentalmente na experiência pós- colonial. Na verdade vem sendo um cinema de gueto, e por ser assim, apresenta dificuldades de mercado para sua cinematografia. Aborda temas que gira em torno da migração; sobre as mulheres africanas no cinema, e o passado colonial e seu conteúdo polí co. Alguns crí cos e cineastas africanos apontam, os subsídios dos países ocidentais, como fator de castração ideológica na produção cria va, fazendo com que alguns cineastas militantes, sejam desencorajados a uma cri ca mais audaz sobre o papel dos colonizados na cultura africana. Entre outras, estas foram as questões mais diretas, que afastou o cinema africano do mercado e o jeito foi voltar-se para cinema de fes vais e projetos especiais para conseguir oportunidade de exibição. Alguns criadores, são acusados de filmarem com essa esté ca, deixando de lado, a narra va real do que se passa numa África cheia de contrariedades coloniais, mas somente inseridas no cinema a par r de 1975, com filmes que refletem a realidade africana e que se interroga ao mesmo tempo sobre as raízes culturais da sociedade em transformação. Essa presença nos fes vais, não foi devidamente aproveitada, para forçar a entrada desses filmes de linha ideológica no mercado ocidental, levando essas obras, finalmente as salas de cinema não só na África, como no ocidente, já que precisava conquistar estatuto internacional, porque esses cineasta já haviam definido seu território. A consagração de alguns cineastas ,alavancou o conceito do cinema africano, o que fez ser mais conhecido no ocidente, entre eles, o argelino Mohamed Lakhdor – Homina ( chronique des annès de braise – Palma dÒr / 1975 em Cannes. Soules Ymane Cissé(Mali) vencedor do Prix du juri com o Brigtmmess yeelen,1977.Com ausência de dois anos, Idrissa Queadroaogo, de Burkina Fasso, recebem o prêmio dejuri, com o The Law/Tilai (1989). Paulin Vieyra (1963) com Lamb,Ousomame Sembène com Black Gril/La Noirede ...1964- e por úl mo o cineasta Djibril diop Mambéty que volta a Cannes,em 1992, Hienas /Hyénnes. E, justamente, esse cineasta, rompe com o circulo do cinema de tendencia realista, ideológico do cinema africano, com seu primeiro filme, A Viagem da Hiena,(Hienas) 1973, com a proposta vanguardista, ao filmar Dakar em narra vas do caos, documental, porque é através de uma dialé ca “som-imagem” que Mambéty, renomeia o co diano barroco, ao narrar as conseqüenciais das vozes que existem visceral nas ruas de Dakar. É um cineasta moderno, ao fazer uso da dialé ca, do sonho, da palavra, da imagem e do real. Ele reinventou o cinema enquanto linguagem, e quando fez da montagem nova escrita ao desconstruir os clássicos.
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C i n e m a | Fo to g ra fi a | V í d e o
Atores| Naiume Goldoni e Rafael Mentges | Curta Metragem «Depois da Poeira» de Olávo Amaral
DEPOIS DA POEIRA Por Clauveci Muruci «Depois da Poeira», curta-metragem de Olavo Amaral, sugere primeiramente desolação. A referência do caos surge nos escombros aproveitados de um velho hospital demolido. Os personagens [trabalho bem construído por Naiume Goldoni e Rafael Mentges] dois jovens que sobrevivem a uma catástrofe qualquer [talvez a queda de um meteorito apocalíp co] conduzem suas falas inerentes a quem sobreviveu esse trágico desastre vindo do cosmo. Os sobreviventes transitam com suas angús as, entre blocos de concreto e ferro. Nesse cenário alguns animais se locomovem fur vamente informando que, depois que a poeira baixou, a natureza se recompõe vagarosamente. Os dois jovens conversam sobre situações vividas com palavras codificadas e indecifráveis. Elas surgem aos pedaços, como os destroços de cimento armado que compõe toda o cenário. Nada se sabe do evento. Toda a narra va é uma sugestão. As falas lembram fatos, memórias [ cor nas temporais] que costuram o antes e o depois da catástrofe. Nada mais resta aos personagens que perambulam, na tenta va de recons tuir através da memória, em seu pequeno universo perdido. O estreante Olavo Amaral é consistente, sua câmera mostra o necessário, sem exageros, com planos curtos e incisivos, nos traz material de análise e exercícios para quem ver coragem de compor o seu próprio cenário apocalíp co. As imagens de uma provável realidade de fim de mundo, costuma sugerir temá cas inigmá cas sobre suas origens e conseqüências cinzentas. Esse tema nem sempre é bem resolvido. Há quem deslize ao drama camente banal, ou despenque no sobre-natural incoerente. Amaral conduz sua narra va com o que pode colher, embora o expectador deixe a sala de projeção com a sensação de querer mais, e isso, é uma boa indicação, para uma obra que propõe à reflexão.
Porto Alegre |Setembro | 2014 | ARTES | 09
Carmen Medeiros
ARTIGO
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Escrevo o que não sei. Ao escrever, o que pretendo é arrancar-me da dúvida, da perplexidade, não para chegar a alguma resposta - não acredito em respostas - mas para preencher o vazio da vida com palavras. Não escrevo para os que tem certezas, antes para os perplexos, para os que, igual a mim, sabem só perguntar, assumindo suas contradições no abismo da sua indecisão entre tantos valores e verdades. Mas, sem medo. A perplexidade é a forma mais aguda do pensamento, a reflexão,a mais passiva. Todo escritor tem a vontade de escrever sobre escrever. Tratar das suas relações com as palavras. Segundo Jean Ricardou, mais que contar aventuras, há que contar a aventura de contar. Será necessário reflexionar sobre um instrumento para dele fazer uso? Sopesará um bisturí um médico, perguntando-se quantos gramas pesará, quanto mede a lâmina, ou usa-o ins n vamente, com a precisão que a sua formação e a prá ca lhe conferiram? Este escrever sobre escrever não será uma demonstração da impossibilidade de fazê-lo? Não tendo certezas, jogo com estas palavras fazendo do meu pensamento uma montanha - se preferirem, uma salada russa. O simples relatar já impede que o texto se feche à interpretação do leitor. Ao escrever um texto, este texto, estou pondo à prova, o meu conhecimento, a minha capacidade intelectual de compreensão e expressão, o meu entendimento do mundo e, afinal, de mim mesmo. Disponho o que penso saber, buscando o que pretendo descobrir, instaurando um novo conhecimento sobre o que narro, descrevo ou interpreto. Quem escreve, se não escrever a si mesmo em cada parágrafo, descobrindo-se, poderá ser um autor, não um escritor. Para ser um Autor basta publicar um livro, para ser um escritoré necessário muito mais que isso. E, acreditem-me, há mais Autores que escritores. Escrever é descobrir, descobrindo-se. Não deve ser inteiramente planejado sob pena de perder o viço. É o improviso que torna tenso e vivo um texto. Ao deparar-se, enquanto escreve, com algo que o surpreende é que o escritor surpreende o leitor. A imaginação, ao contrário da natureza, dá saltos. Quem se propõe a sofrear a sua imaginação, domando-a, conduzindo-a, em vez de se deixar levar por ela, não é um escritor, é um burocrata da palavra. Eu prefiro que a minha imaginação me assuste, corcoveie à beira de abismos, me transporte em seu lombo por caminhos desconhecidos, que nem pensava percorrer. Como escreveu Ernst Junger, em outro contexto: "Não fracassamos por causa dos nosso sonhos, mas por não sonhá-los com suficiente intensidade". Permita-me, numa rápida interpolação dar um exemplo da imaginação agindo sobre a emoção e a necessidade de escrever: Walter Sco caçava, quando a imaginação lhe sobrepõe à ação da caça uma cena do romance que escrevia. Esquece a presa que perseguia e, abatendo um corvo, arranca dele uma pena, faz uma ponta, mergulha no sangue da ave e, caçando a cena, escreve-a num pedaço da camisa que rasgou para tal fim. Eis a imaginação conduzindo a emoção e a ação. Eis o escritor. Toda a obra de um ar sta é forjada pela imaginação numa reação às suas circunstâncias. Não significa que seja confessional, mas quem escreve sem se mostrar no que escreve é um farsante, um forjador de falsas ficções. Daí o Autor, o que finge sen r a dor que deveras não sente. Escritor, nos ensinou Fernando Pessoa, é aquele que finge sen r a dor que deveras sente. E escrever é o que mais nos permite nos revelar escondendo-nos atrás de personagens. O ar sta exprime das suas emoções aquelas que são comuns aos outros, nos diz, e bem, o Pessoa. Nenhum escritor é inocente ou imparcial. Escolhe o seu tema, a forma como vai desenvolvê-lo; elege as palavras, distorce, sa riza ou idealiza a realidade, conforme o seu propósito, desdenhando a isenção, para inventar um mundo, não com fatos, com um texto. Apropria-se do mundo através da linguagem, integrando o real inventado ao seu discurso. Não há quem escreva que não se deixe contaminar pelas imagens e o ritmo contagiante em que as palavras, sedutoras sereias - com s quais pretendemos seduzir o leitor nos afogam. A linguagem, como fato sintá co, semân co, ou estrutural, é uma aliada que, quase sempre, nos trai; com a qual precisamos lutar para adequá-la às nossas necessidades ou às exigências do assunto. Devemos usar as palavras com o mesmo cuidado que tem os técnicos que lidam com nitroglicerina. Há, a cada vez, o perigo iminente de ofuscar, com o brilho delas, a clareza das ideias, ou obscurecer o que pretendemos expressar. Os textos obscuros são um seguro para quem não tem segurança em como expor a verdade de que se pensa detentor. Para que buscar num texto de ficção o emaranhamento filosófico, quando é muito pedir ao leitor comum além do que lhe é necessário para viver? Ele tem o seu emprego, a sua casa,a sua família; alguns, a amante, suas contas a pagar, o seu carro, a televisão, e sente-se feliz por ser enganado que tem uma vida, por não lhe sobrar tempo para pensar. Só a uns poucos desocupados é que se dá o luxo desse desespero. Avancemos, vamos aos que confundem extravagância e excentricidade com originalidade, me permitam dizer-lhes que o original, o novo, de hoje, é o lugar-comum de amanhã. Querem originalidade? Procurem-na nos concursos de Escolas de Samba, lá existe esse quesito nota deeeez. Falando sério, quem consegue ler os exageros dos surrealistas ou concre stas? Exceção àqueles que, mesmo sem o ismo, seriam quem são: um Louis Aragon, um Ferreira Gullar. A sede do novo quase nunca leva a uma ideia, mas a uma confusão delas. Eu vejo cada frase como uma ponte estendida pela imaginação para atravessar os abismos das ideias e imagens, numa viagem sem mapas, tendo como referência apenas a delida imagem de um des no final. O que pretendia Allan Poe ao afirmar que deveriamos ter o epílogo constantemente em vista para dar ao enredo seu aspecto indispensável de consequência ou causalidade? Ainda que, depois de Poe, alguns romances pareçam ser inconsequentes na sua intenção. Assim avanço até a ngir esse des no que me aponta um novo percurso, numa viagem em que as palavras me servem de apoio e obstáculo e que só terá fim com a minha morte. Nesse sen do, escrever é um ato inú l. Par mos do desconhecido pretendendo a ngir um ponto inalcançável. "Escrevi-lhe uma carta, de Praga e, depois outra, de Merano. Não recebi resposta". Assim escreve Ka a, numa carta seguinte. E con nua a escrever, mesmo sem receber resposta. Assim escreve todo escritor. Sem precisar de respostas, ainda que as aguarde. Escreve porque precisa, tem necessidade de escrever. Escrever pode provocar prazer, um prazer que desafia o tempo, numa tenta va de perpetuidade, como quando fazemos do sexo amor. A página escrita, o filho, são resultados com os quais desafiamos a morte. Sherazades nos contamos histórias com o propósito de enganar, de adiar a nossa morte. É, antes, mo vado pela incompletude, pela insa sfação, que alguém escreve. Em cada um que escreve há um vazio a ser preenchido com palavras. O ato de exis r se especifica por aquilo que lhe falta, nos ensina Tomás de Aquino. O homem sa sfeito, diria o homem comum - normal - não sente nenhuma necessidade de escrever, ele tem o futebol , a televisão. Escreveo insa sfeito. Para quem apenas uma vida, esta, não basta. Há que inventar uma outra, a que escreve. E uma outra, em que aposta viver, através da sua obra, mesmo depois de morto. E a cada folha escrita, sem desis r, sente a inu lidade desse tentame. Ao escrever, o escritor não estabelece nenhuma relação com o que lhe é alheio: editor, leitores. Só ao publicar é que cria este vínculo com o mundo crí co. Como afirma Gumbrecht, o verdadeiro ar sta dialoga com a sua obra, o impostor dialoga com o seu público. Se neste texto encontrou o leitor contradições que o confundiram, saiba que o que mais faço é contradizer-me e confundir-me. Essa afirmação, como desenlace do leitor com o texto, é para que se considere mais lúcido que eu, o que nos fará bem a ambos.
*Contato: gilbertobwallace@gmail.com | facebook.com/gilberto.ba lana.
Porto Alegre |Setembro| 2014 | ARTES | 4
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Porto Alegre |Setembro | 2014 | ARTES | 11
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Paulinho Parada / Paulo F. Parada de Porto Alegre/RS
É com grande prazer que inauguro o espaço falando de Plauto Cruz (15/11/1929). Em cada edição do jornal falaremos sobre música com um viés analí co, buscando dialogar com o leitor e abordar assuntos interessantes sobre personagens, gêneros e espaços musicais de Porto Alegre e, quem sabe, do mundo. Atualmente, fui agraciado pelo FUMPROARTE, onde devo pesquisar O Universo Sonoro de Plauto Cruz e desfrutarei da orientação do professor-doutor Reginaldo Gil Braga (UFRGS). Para não violar o inedi smo da pesquisa supracitada, escreverei aqui sobre vivências que par lhei com meu amigo Plauto Cruz, além de expor uma breve análise do álbum Engenho e Arte que o flau sta gravou com Mário Barros. Quando eu nha seis anos de idade, meu avô passou uma temporada na casa de meus pais e, nesse mesmo ano, presenteou-me com o disco Engenho e Arte – que foi o primeiro Cd de música instrumental que ouvi em minha vida. Já que eu era muito jovem, aquelas músicas me causaram certa estranheza e, somente com o passar dos anos, consegui dedicar a atenção necessária para ouvir esse álbum. Hoje faz pra camente duas décadas que ganhei o disco, pude tornar-me músico e escritor graduado e, evidentemente, a percepção sobre a música de Plauto Cruz é outra em relação à minha infância. Vamos para a breve análise do disco Engenho e Arte de Plauto Cruz e Mário Barros (1995). Já na contra capa encontramos recomendações de Luiz Antônio de Assis Brasil: “nossos avós já sabiam: a música de salão é a síntese da elegância e do refinamento sonoro. E quando executada por essas duas glórias da arte brasileira, passa à categoria de celebração da vida”, seguido pelo comentário de Luiz Fernando Veríssimo: “Não é sempre que se consegue fazer beleza e jus ça ao mesmo tempo. Este disco faz as duas coisas.[...] E que beleza de música!”. O disco mistura o popular, folclore e o dito “erudito”, encontramos tais caracterís cas nas versões e contrastes de Tico Tico no Fubá (Zequinha de Abreu) e de Serenata (Franz Schubert), em Engenho e Arte (Plauto Cruz) e Romance de Amor (Antonio Rovira), O Rio e eu (Mário Barros) e El Condor Pasa do folclore Andino, Roman ssimo (Plauto Cruz) e Casinha Pequenina (domínio público), Porto dos casais (Jaime Lublanca) e Carnavalito (folclore Andino), Czardas (W. Mon ) e a belíssima valsa Juliana (Plauto Cruz), Greensleeves, an ga canção europeia nunca registrada por ninguém. O disco encerra com J. S. Bach e Gounod, Ave Maria. É interessante ressaltar e perceber: as regravações são versões. Na música de concerto é tradição seguir rigorosamente as par turas – não é uma regra – mas é a tradição. Para quebrar um pouco a tradição, as escolhas foram rigorosamente selecionadas, Plauto confidenciou-me: “Mário Barros é exigente com as versões”. Por exemplo: não é comum ouvir uma flauta em Romance de Amor, peça que foi escrita originalmente para violão solo. Mas quando ouvimos Plauto Cruz tocar sua flauta onde originalmente não se escreveu flauta, compreendemos a jus fica va da escolha de repertório do disco – as versões foram trabalhadas com sabedoria e não é à toa, pois em 1995 os dois músicos estavam no auge da técnica e experiência. Não consigo observar pontos nega vos: é di cil comentar um álbum que foi feito por músicos já virtuoses quando minha mãe estava nas fraldas. Nesse tempo que passou com pressa, fiz amizade com Plauto. Gravamos juntos meu primeiro disco (Paulinho Parada, Minhas Águas de 2007) e realizamos apresentações. Esse meu amigo flau sta está com 84 anos de idade, ao lado de Altamiro Carrilho fez a história do instrumento da flauta e da música brasileira durante a segunda metade do século XX. Sempre com carinho e humildade, Plauto me dizia: “a vida é mais feliz quando fazemos amigos”. Ouvir Plauto Cruz é ouvir uma flauta tocada com técnica, sen mento e su leza: Altamiro elogiava o som delicado produzido por Plauto. Não é segredo que o personagem desse texto tocou com Lupicínio Rodrigues, Elis Regina, Vicente Celes no, Nelson Gonçalves, Túlio Piva, Yamandú Costa e muitos outros ar stas de nossa música, venceu e par cipou de inúmeros fes vais, além de ter integrado como flau sta tular os regionais de choro nas rádios Itaí (1952-1956), Farroupilha (1956-1961), Gaúcha (1961-1964) e Rádio Clube Paranaense de Curi ba (1969). Durante os shows que Plauto tocou ao meu lado sempre ouvi sua frase ao final do show: “Essa não é a úl ma. É a penúl ma. A úl ma é quando a gente capota, amanhã tem mais”. Hoje Plauto está afastado da música devido à sua saúde, vivendo em sua casa com muitos dengos e cuidados de sua família sempre amorosa. Parafraseando meu novo e velho amigo da flauta: amanhã tem mais! Para ilustrar o texto contamos com a foto de meu amigo Achu e a revisão da professora Natalina Oliveira.