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Clube de leitura “Sagarana”
TBT Passeio Presencial Mangues Pedais do Sertão
Projeto Clube de leitura "Sagarana"
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Coordenador: Pedro Henrique Prado da Silva Discentes Bolsistas: Letícia Costa e Ana Julia Teles Colaboradora: Nádia Bueno Rezende
Autor do relato de extensão:
Pedro Henrique Prado da Silva Campus: Teófilo Otoni Públicos-alvo: Adolescentes, jovens, adultos e idosos Período: 17/09/2021 à 17/01/2022
Você sabe quais os benefícios de ler as obras clássicas da literatura? Saberia dizer a diferença entre obras clássicas e os outros tipos de obras literárias? Haveria mais vantagens em ler os clássicos comparados aos outros tipos de obras? Estas e outras perguntas foram o gatilho para dar início a esse projeto cujo foco foi a valorização da cultura literária.
“Por que ler os clássicos?” A mesma pergunta feita por Ítalo Calvino (2007) nos provocou ao longo de todo o período de desenvolvimento das atividades do “Clube de Leitura ‘ww’”, projeto oriundo do Campus Teófilo Otoni, destinado a atender um público variado da comunidade externa e interna do IFNMG e cujo propósito principal foi estimular a leitura daquilo que estávamos chamando de “clássicos” da literatura nacional e estrangeira. No início, a pergunta ficou sem resposta, mas o que nos espantou foi percebermos quão desajeitada era a categoria que estávamos mobilizando para definir o objetivo do grupo, uma categoria pouco atrativa, sobretudo para um público mais jovem (não é rotineiro vermos adolescentes e jovens fãs de música clássica, por exemplo); além disso, o fato de não ser uma categoria bem definida geraria confusões sobre os nossos próprios interesses com o projeto.
Essa última advertência surgiu logo no planejamento do cronograma de leituras pelos integrantes, quando frisaram que, para eles, a ideia de “clássico” remetia a obras históricas e antigas, ou, ainda, a obras vinculadas à cultura erudita. Não havia razão, para nós do projeto, submeter a escolha das obras para a leitura a partir deste conceito sobre “clássicos”; aliás, era do nosso interesse ler obras mais atuais, de autores contemporâneos, e estimular a leitura de livros oriundos da cultura popular, com os quais poderíamos perceber traços das tradições e costumes populares. Cá pra nós, um projeto que leva em seu nome o título da obra de Guimarães Rosa, na qual predomina a vida comum do sertanejo (e, por vezes, de homens e mulheres do Norte de Minas Gerais), não haveria razão de existir com o propósito único de formar eruditos. Por isso, nossa alternativa foi entender as obras clássicas como sendo aquelas que se diferenciam das obras produzidas pela indústria cultural (estas, com o propósito de subsidiar o mercado literário, convencionalmente conhe-
cidas como best sellers – algo similar aos livros de Harry Potter, Saga Crepúsculo, as obras do autor Dan Brown, entre outras). Evidente que não condenamos quem lê esse tipo de literatura – para nós, ler é bom em qualquer circunstância! Contudo, precisávamos sublinhar um aspecto próprio do grupo para justificar sua relevância. Então, “clássico” é um rótulo que escolhemos para aprimorar nossos propósitos e, em torno deste rótulo, agrupar pessoas que compartilhem do mesmo interesse de leitura.
Dessa maneira, e superada essa parte mais complexa, o nosso grupo elaborou um cronograma de leituras e reuniões, que compreendeu o período de setembro de 2021 a janeiro de 2022. Nesse primeiro momento, a dinâmica do grupo foi escolher obras que se enquadrassem nesta categoria de clássicos, que fossem de menor extensão e acessíveis (podendo ser encontradas em páginas da rede, tal como o acervo disponível no “Domínio Público”). Almejamos, também, estimular as pessoas a ocuparem seu tempo livre com a literatura, fazendo disso um hobby. Para isso, foi necessário que os encontros fossem momentos gratificantes, agradáveis, sem a pressão sobre os participantes para que provassem o domínio sobre os gêneros literários e os autores escolhidos, mas sim, um momento ideal para promover a autoformação de todos, de maneira leve. Por certo, foi fulcral o desejo de fazer dos encontros coletivos um espaço potencial para a autoformação, tornando-o um momento de compartilhamento de saberes e conhecimentos, bem como de apropriação da cultura literária em geral. Portanto, nas reuniões, tentamos criar uma atmosfera bastante acolhedora e, uma vez não tendo nenhuma ambição acadêmica com o projeto, nosso interesse foi prosear sobre as obras, respeitando os bons costumes mineiros. Foram, ao todo, oito encontros, com frequência quinzenal, durante os quais debatemos obras de diversos gêneros textuais, que estão elencadas abaixo: - As crônicas: “O coitado do corpo...” e “O cemitério”, de Rubem Alves; - Os contos: “A terceira margem do rio” e “Duelo”, de João Guimarães Rosa; “Sonho” e “As palavras da máquina”, de João do Rio; “O fantasma de Canterville”, de Oscar Wilde; e “O Alienista”, de Machado de Assis; - Os poemas: “O Canto Geral” (cantos I, II, III e IV), de Pablo Neruda; e “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto.
Ainda que fôssemos poucos nas reuniões, em torno de seis integrantes por encontro, tivemos a grata
Arte de divulgação do 4º encontro do Clube de Leitura “Sagarana”. Arte elaborada pela bolsista Letícia Costa
surpresa de receber pessoas de outras localidades, fora de Teófilo Otoni, além de professores e estudantes de outros campi, como o caso do professor Alex Lara, do IFNMG/ Campus Pirapora e a aluna Isadora Cathalar, do IFNMG/Campus Almenara. Recebemos ainda membros externos do IFNMG, estudantes egressos do Campus Teófilo Otoni e professores que contribuíram, decisivamente, para a realização das atividades do projeto. Como comentou uma das integrantes do grupo, Nádia Bueno, em uma de nossas reuniões, “ler os clássicos é um ato de vontade”; por isso, mesmo que nos encontremos com um número reduzido de participantes neste
Logo do Clube de Leitura “Sagarana”. Arte elaborada pela bolsista Letícia Costa
primeiro ciclo de ações do projeto, acreditamos que conseguimos despertar neles essa vontade, de modo singelo e humilde, ao longo de nossos encontros.
Agora, a pergunta “Por que ler os clássicos?” persiste. Ao invés de especular a relevância do projeto somente por meio do olhar de seu coordenador, deixemos as impressões dos próprios integrantes do grupo falarem por si, visto que a experiência é subjetiva, podendo conter sensações bastante particulares. É o caso da bolsista do projeto, Ana Júlia Teles, que afirma que sua participação no Clube de Leitura foi “uma experiência muito boa. Me surpreendi com as obras propostas, a diversidade de cada uma me fez enxergar além. Estar em contato com esse tipo de obra foi surpreendente, cada autor com suas particularidades me apresentou concepções de mundo muito interessantes. E as reuniões são tão boas, é tão bom discutir e ver vários pontos de vista sobre um mesmo texto”. Ana Júlia tem razão, os clássicos sempre nos surpreendem, pois a sua leitura é sempre uma jornada de descobertas e, como afirmou Calvino, “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” (2007, p. 11). Entretanto, o mesmo autor nos lembra que ler os clássicos pode ser formativo, e, sobre isso, a Isadora Cathalar afirma que, desde sua participação no projeto, leituras que ela não faria sozinha, como livros de poesia, passaram a fazer parte da sua rotina. E acrescenta que, “além disso, as discussões (nas reuniões) nos fazem ver a obra com um olhar mais crítico e subjetivo que nos permite interpretações mais profundas. A escolha dos li-
Arte de divulgação do 4º encontro do Clube de Leitura “Sagarana”. Arte elaborada pela bolsista Letícia Costa
vros ser coletiva é algo muito bom e a proposta do clube de títulos clássicos é muito enriquecedora principalmente para mim, pois estou na fase de realizar o vestibular”. A bolsista Letícia Costa versa suas impressões nesse mesmo sentido que a Isadora e diz que “durante a execução do projeto tive a oportunidade de desenvolver novas técnicas de leitura e de apreciar a leitura de obras clássicas nacionais, principalmente as do autor Guimarães Rosa, que possui ,em seus contos, um vocabulário de fácil interpretação e que estimula nossa imaginação. Além disso, tal experiência me auxiliou a resgatar a rotina de leitura que, há muito tempo, não tinha, e teve um papel significante em meus estudos de interpretação textual, pois os debates que fazíamos nos encontros estimulavam a interpretação pessoal de cada um, fazendo com que aprendêssemos a ler contos/ poemas e a estabelecer um paralelo com a vida real, com nosso cotidiano e a expor nossas impressões de forma crítica”. Se a leitura dos clássicos gera um processo formativo, isso apenas ocorre diante do fato de que o acesso à cultura é um direito social, como bem acentua a integrante Nádia Bueno: “Obras clássicas da literatura são parte do patrimônio comum, logo, direito de todos. Participar do ‘Clube de Leitura’ é, para mim, uma forma de fazer valer o direito de acessar e me apropriar de valiosas criações humanas do universo da cultura escrita. E fazer isso coletivamente torna tudo mais prazeroso!” Nem sempre o que prospectamos para nossos projetos é estabelecido em sua execução; porém, cremos que os relatos dos participantes do grupo nos fornecem um indicativo da função do projeto para eles. Para alguns, aquilo que inicialmen-
Arte de divulgação do 6º encontro do Clube de Leitura “Sagarana”, com a presença especial do professor Alex Lara (IFNMG/Campus Pirapora), para explanar sobre o conto “O Alienista”, de Machado de Assis. Arte elaborada pela bolsista Letícia Costa
te planejamos foi alcançado; para outros, o relato aponta para novos desejos que nem havíamos pensado. É forçoso dar acento a isso, pois tais apontamentos certamente serão úteis para reflexões futuras do projeto.
De todo modo, os integrantes do projeto acreditam que conseguiram alcançar aqueles objetivos principais, a saber: ler obras clássicas e que nossos encontros fossem momentos prazerosos e divertidos, assim como outros lazeres que escolhemos nas nossas vidas. Não obstante, talvez, os relatos trazidos não sejam suficientes para revelar a importância do projeto, pois não parece convincente que um número sem fim de depoimentos irá aclarar, para o leitor desta “narrativa de experiência”, as consequências da leitura dos clássicos nas pessoas, nem mesmo nos esclarecer “Por que ler os clássicos?” A questão insiste em nos acompanhar. Porém, oxalá, tenhamos uma vida longa e, quem sabe, com mais alguns anos de projeto, cheguemos a uma resposta definitiva a essa pergunta (se isso for possível!). Enquanto isso, estamos como o personagem de Guimarães Rosa, em “A terceira margem do rio”, que apela ao pai para embarcar na canoa com ele:
“— Pai, o senhor me leva junto, nessa canoa?” (1984, p. 56).
Nós já embarcamos nessa canoa e não sabemos se vamos encontrar uma margem firme para ancorar, ou se nos acompanhará, relutante, a ilusão de uma terceira margem; no entanto, seguimos navegando sobre o rio. Veremos para onde os clássicos nos levarão.