USJT
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agosto 2018
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ano 25
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edição 5
EXPRESSÃO JORNALISMO UNIVERSITÁRIO CRÍTICO, CIDADÃO E PLURAL
ESPECIAL - Págs. 6 a 9
A dura batalha pelo direito à moradia Superpopulação, especulação imobiliária, falta de planejamento urbano: entenda os desafios e contradições da habitação no País #PROTAGONISTA
PERSONAGENS
VIDA DIGITAL
EDUCAÇÃO
Em literatura engajada, jovem discute questões de gênero Pág. 3
Na ocupação, mãe e filha ressignificam rotina de dificuldades Pág. 8
Impressão 3D melhora custo de próteses Pág. 11
Causas e consequências da defasagem no ensino público Pág. 15
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EXPRESSÃO
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CAR@ LEIT@R
#INSTANTÂNEO
Gustavo Lima de Almeida Gustavo Lima de Almeida
Gustavo Lima de Almeida
Um rápido passeio por qualquer grande cidade brasileira logo deixa às claras: ainda não entendemos o que habitar de fato significa. Em sua origem, no latim, o termo faz referência a mais do que ocupar ou fazer residência; significa, também, povoar e em alguma medida estar junto – não apenas no plano físico, mas também no da convivência social. Com um déficit de milhões de lares e um mercado frenético, que combina especulação e altas nos aluguéis e valores de compra e venda, o Brasil ainda falha ao ocupar suas cidades, subtraindo dignidade de alguns de seus cidadãos ao mesmo tempo em que depende do setor imobiliário para dar impulso à economia.
Para destrinchar esse tema complexo, no Especial, nossos repórteres conhecem a rotina de moradores de ocupações, analisam a aplicação do plano diretor da maior cidade da América do Sul, discutem densidade populacional e apresentam dados sobre o mercado de imóveis. Nesta edição, que abre o segundo semestre do ano, leia também a respeito de assuntos como a defasagem na educação pública, o respeito à diversidade no futebol e o impacto das tecnologias de impressão 3D sobre o acesso a próteses. Não deixe de contribuir com sugestões de pautas e comentários sobre o trabalho da nossa redação. Boa leitura! Os Editores
Ocupar e resistir Quase escondida logo abaixo de um viaduto na Avenida Cangaíba, na zona leste de São Paulo, a favela do Tiquatira é retrato de um dilema que a cidade enfrenta há muito tempo. Um complexo de casas alaranjadas que sobe com o morro nasceu ali há mais de 30 anos, refletindo a necessidade de abrigo e moradia. Hoje, há barracos sobrepostos que chegam até a ponte – e que, em alguns trechos, inclusive a ultrapassam.
#FICA A DICA
EXPRESSÃO Quatro histórias em meio ao caos Divulgação
Jornal laboratório do 4º ano de Jornalismo agosto 2018 • ano 25 • edição 5 Chanceler Dr. Ozires Silva Reitora Prof.ª Dr.ª Denise Campos Coordenadora dos cursos de JO, PP, RTV, RP e Cinema e Audiovisual Prof.ª Jaqueline Lemos Jornalista responsável Prof. José Augusto Lobato MTB 0070684 - SP Projeto gráfico e direção de arte Prof.ª Ana Vasconcelos MTB 25.084 - SP
Redação Alun@s do 4º ano de Jornalismo da Universidade São Judas, Campus Mooca Impressão Folha Gráfica Converse com a gente jornalexpressao@usjt.br Instagram @jorn_expressao Facebook @expressaoUSJT Foto de capa Gustavo Lima de Almeida
O som e a fúria Autor: William Faulkner Ano: 1929
Editora:
Companhia das Letras
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EXPRESSÃO
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Ivan Freitas
Relançado pela Companhia das Letras em setembro de 2017, o romance de Willian Faulkner narra, a partir de quatro pontos de vista, a trajetória da família Compson, oriunda do sul dos Estados Unidos. Cada um dos personagens retrata temporalidades da vida local. Benjamin é o filho com doença mental, um lampejo de inocência num ambiente permeado de ganância, ódio e promiscuidade. Por meio de sua experiência, o livro ganha uma narrativa mais impressionista que racional.
Quentin, o filho mais velho, consegue ir a Harvard ao custo de vários acres de terra; é a própria personificação da ruptura do clã com seu passado feudal e aristocrático. O personagem é atormentado pelos sentimentos de afetividade quase incestuosos pela irmã Caddy. Jason, por sua vez, é o estereótipo do sulista que não acompanha as mudanças e se mantém fiel à tradição sulista pré-Guerra da Secessão; racista, intolerante e autoritário, é o último chefe de uma família em decadência moral e financeira. Há, ainda, Dilsey, empregada negra. Diligente, amável e respeitável, é quase uma matrona e o
único suspiro de ordem em um ambiente entregue ao caos. A temporalidade é fundamental nesta obra do ganhador do Nobel de Literatura; a ela se mistura uma linguagem singular, alinear, por meio da técnica do fluxo de consciência, em que memória e impressões se juntam à narrativa, algumas vezes confundindo, outras suscitando um ponto de vista claramente interpretativo. No texto de Faulkner, passado e presente se fundem, assim como valores e comportamentos de diferentes épocas, tornando o livro não apenas um clássico atemporal, mas um registro necessário no panorama atual das sociedades.
#PROTAGONISTA
Escrita a serviço da diversidade Victória Cardoso, 22 anos, busca combater a violência por meio de uma literatura baseada em experiências A literatura brasileira é composta de grandes e experientes escritores, muitos dos quais há décadas no ramo. Em função disso, normalmente, a juventude acaba ficando do outro lado da capa; sua participação na história acontece nas condições de personagem ou leitor. Segundo a professora e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Regina Dalcastagné, 72,7% dos escritores do Brasil são homens e 62,1% dos personagens principais são do sexo masculino. Se ganhar um espaço e ter credibilidade sendo jovem no mundo literário já é uma tarefa difícil, o que dizer de uma jovem mulher? Contrariando o lugar que lhe seria reservado por padrão, Victória Cardoso virou escritora aos 19 anos. Vick, como gosta de ser chamada, escreveu o livro “A Protagonista”. Sua ideia é combater um cenário hostil e trazer a representatividade feminina ao contar histórias e abordar temas que são recorrentes na sociedade, embora nem sempre recebam o devido tratamento. ‘‘A Protagonista’’ conta a história de uma garota que escreve em seu diário há três anos; dentro do livro, aborda uma pessoa que sempre amou. O livro é feito de contos e crônicas que prendem a atenção e estimulam a imaginação, deixando uma grande curiosidade no ar sobre quem é o personagem misterioso que recebe esse sentimento. No meio do livro, ela confessa que é apaixonada por uma mulher e cria todo o espanto esperado no leitor – que estava torcendo por aquele encontro.
“A ideia é combater o cenário hostil e trazer a representatividade feminina”
“O maior objetivo é fazer com que todos saibam que são livres para ser o que quiserem”
Acervo particular
Ana Luisa Pinheiro
no País. O documento indica que, no período entre 2000 e 2017, foram registrados 180 homicídios de lésbicas. Sabendo desses dados, Victória quis optar pela escrita para conscientizar e estimular os seus leitores a respeitar a orientação sexual de cada um. ‘‘Até hoje não acredito que tive a coragem necessária para soltar esses meus rascunhos para as outras pessoas, mas sei o quanto é importante”, relata. “Então, o maior objetivo é fazer com que todos saibam que são livres para ser o que quiserem. É um direito e temos que respeitar, sempre.” Feminista e atraída pelas letras de Ana Carolina, Victória encontrou uma fonte para se inspirar ao produzir o seu livro. Começou a escutar as composições da cantora e, assim, aprender a falar sobre as mulheres. A maior motivação para narrar essa história, porém, foram experiências de seu cotidiano; situações em que presenciou lesbofobia em espaços públicos e testemunhou negatividade em relação às mulheres lésbicas como indivíduos, como um casal ou como um grupo social.
Victória Cardoso com seu livro “A Protagonista” Ao escrever essa história, Victória quis promover uma reflexão sobre as diferentes formas de amor. Além disso, trouxe a carga de sua experiência familiar. ‘‘Meu pai é gay, tenho muitas amigas LGBT e fui criada em uma família extremamente tolerante, que preza o caráter e o amor”, relata Victória. “Quando me vi em um cenário externo, me assustei. Foi aí que conheci o preconceito e desde então luto para combatê-lo.”
ESCRITA ENGAJADA
Por ser uma jovem escritora, Victória viu a literatura como uma saída para bater de frente com os assuntos que a incomodavam. Mesmo sendo uma questão frequentemente debatida, segundo o primeiro Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, elaborado pelo Grupo de Pesquisa Lesbocídio, houve crescimento significativo da violência contra mulheres lésbicas
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FUTURO
Os planos de Victória incluem, desde já, a incursão por outras histórias. A jovem escritora diz não pretender elaborar continuação para ”A Protagonista”, mas já está trabalhando em um novo projeto. A obra deve sair ainda em 2018 e abordará questões de equidade social e de gênero. Ela ainda não tem ideia para o nome da próxima obra, tampouco data para o término da escrita.
EXPRESSÃO
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EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS
Cortes federais Estudo aponta risco afetam orçamento de retorno de doenças para pesquisa ERRADICAÇÃO EM XEQUE
Victor Vasques
Com poucos recursos, cientistas buscam meios de manter estudos em andamento
Leonardo José
Luis Filipe Santos
Os pesquisadores brasileiros previram uma tragédia quando o orçamento do governo federal para 2018 foi anunciado: corte de 19,5% no orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC), de R$ 15,6 bilhões para R$ 12,6 bilhões. Excluindo gastos como o pagamento de funcionários, a queda no dinheiro disponível para financiamento de pesquisas foi de 25%, de R$ 5,9 bilhões para R$ 4,4 bilhões. A situação piorou quando R$ 477 milhões foram contingenciados em fevereiro de 2018. As entidades científicas tentaram lutar contra a situação, realizando marchas e promovendo encontros com membros do congresso e abaixo-assinados, entre outras ações. Em vão. Diferentemente de 2016, quando o orçamento foi revisto, o de 2018 foi aprovado com os cortes. Para 2019, a prioridade é conversar com os pré-candidatos à presidência para saber quais as propostas deles para a área, segundo a Sociedade Brasileira de Proteção à Ciência (SBPC). A entidade garante, entretanto, que nunca houve a intenção de fundar um “partido dos cientistas”, como foi dito na imprensa.
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Laboratório de microscopia da São Judas: trabalho demanda investimentos em tecnologia e pessoal Enquanto isso, os cortes afetam projetos. “Desenvolver novas ideias e projetos ou linhas de pesquisa está muito difícil. Com a redução de bolsas de estudos para pesquisadores, também está diminuindo o número de alunos interessados nas áreas de pesquisa e desenvolvimento”, diz Cristiane Furini, neurocientista da Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). “Assim, os projetos em andamento acabam levando mais tempo para serem desenvolvidos e as publicações diminuem.” Da mesma forma, Juliana Izidoro, química da Universidade de São Paulo (USP), relata que tem sido necessário procurar outras fontes. “Na minha área, às vezes temos o apoio das empresas de energia, mas
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isso ainda é raro no Brasil e não acontece sempre.” OUTRO LADO
Questionado pela reportagem, o MCTIC diz que procura garantir mais verbas junto aos outros ministérios. “Apesar das dificuldades existentes, o MCTIC tem atuado junto à equipe econômica para maior disponibilização de recursos, os quais são prontamente repassados a seus institutos e unidades de pesquisas”, afirmou a pasta, em nota. Da mesma maneira, o principal órgão da ciência brasileira afirma que a política de contenção teria funcionado. “Em anos anteriores, os esforços do MCTIC para recomposição orçamentária têm dado resultados, com a liberação de recursos contingenciados ao longo do ano.”
Leishmaniose e Doença de Chagas são comumente consideradas doenças erradicadas no Brasil. No entanto, uma pesquisa de doutorado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta a existência de riscos de novos casos dessas enfermidades em ambiente natural. O estudo, elaborado e dirigido pela médica veterinária Laiz Moraes Paiz, começou entre 2014 e 2015 e durou cerca de quatro anos. Nele, foi possível encontrar um possível foco das doenças em uma área silvestre e muito arborizada, com clima propício para sua propagação. Depois da pesquisa de campo em um parque do município paulista, concluiu-se que naquela região existem agentes de Leishmaniose, mal de Chagas e, também, de Febre Maculosa. Segundo Laiz, de um universo de 82 mamífe-
ros, incluindo saguis e gambás, 6% apresentaram a Leishmania (parasita da Leishmaniose) e 4% apresentaram a Trypanosoma cruzi (parasita do Mal de Chagas). Isso significa que, nessas áreas estudadas, há risco de contato com o ser humano e animais domésticos. Vale lembrar, porém, que os animais silvestres infectados não passam a doença para humanos. A preocupação é por causa dos insetos, que podem ser os vetores no futuro. A Prefeitura de Campinas diz que já está rastreando a área e tomando os devidos cuidados. “A investigação de agentes de doenças em animais da fauna silvestre tem sido cada vez mais discutida como uma espécie de ferramenta para ajudar na vigilância epidemiológica.Os animais silvestres atuariam como sentinelas, indicando o
risco de emergência de certas doenças.” TRANSMISSÃO
Laiz diz que o conhecimento da circulação desses parasitas entre animais silvestres permite o controle de zoonoses. “Tanto a leishmaniose como a doença de Chagas são enfermidades complexas e o ciclo de transmissão dos parasitas envolve uma variedade de espécies. A circulação do parasita entre animais silvestres, por si só, não indica o risco aos humanos, mas ressalta a importância das ações de vigilância.” De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Leishmaniose é mais comum em países como Brasil, Etiópia, Índia, Somália, Sudão e Sudão do Sul. A doença de Chagas pode ser encontrada na América Latina, mas, principalmente nas últimas duas décadas, se expandiu para outros locais.
SÃO MIGUEL PAULISTA
Região ganha novas opções de cursos Ivan Freitas O bairro de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, dá nome a uma das subprefeituras da cidade, com um total de 369,4 mil habitantes distribuídos em 24,3 quilômetros quadrados. Com mais de 40 escolas municipais, a região ainda carece de cursos técnicos e de formação profissional. Em março, o bairro ganhou uma nova unidade do Senac, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial. O prédio
pode matricular até 25 mil alunos por ano, além de oferecer gratuidade em 80% de seus cursos. O benefício inclui os cursos livres e os técnicos, além dos de Ensino a Distância (EAD). Renan Batista mora no bairro Parque Paulistano e se matriculou no curso técnico de Processos Fotográficos. “Para conseguir bolsa tem que se matricular com dois meses de antecedência”, disse. Ele conta que, para obter o benefício, precisou comprovar renda familiar de até dois
salários mínimos e não estar matriculado em outro curso da mesma instituição. Segundo a administração, um dos objetivos da nova unidade é integrar a metodologia de ensino e formação com a demanda cultural e econômica do bairro, levando em conta empresas, comércio e centros recreativos. Denise Martins, de 28 anos, moradora do bairro, fará curso técnico em Nutrição e Dietética. “O prédio fica próximo da estação de trem Jardim Helena e do ponto de ônibus”, diz.
FORA DE SINTONIA
Ensino público ainda enfrenta defasagem
Queda de qualidade se explica por diversos fatores, da superlotação de salas a problemas na avaliação Leonardo José
acompanhamento familiar”, finaliza a docente.
Diego Alves
Especialistas de diferentes áreas e boa parte da população brasileira vivem os reflexos da defasagem do ensino público. O problema atinge alunos de todas as idades, mas o efeito aparece quando os estudantes iniciam os estudos superiores e se dão conta de que o aprendizado não foi suficiente. Os fatos se traduzem em estatística em instrumentos como a Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do Ministério da Educação. Em língua portuguesa, por exemplo, dados do Saeb apontam queda no rendimento dos alunos no Ensi-
EXPERIÊNCIA PRÓPRIA
Material escolar de um dia letivo convencional no Médio e nos anos finais do Fundamental entre 1995 e 2015. Já em matemática, houve queda entre os alunos de Ensino Médio. “A má qualidade do Ensino Médio é consequência da defasagem do Fundamental. Muitos alunos dão continuidade aos estudos por meio da progressão continuada”,
conta Doralice de Oliveira Alves, professora de escolas públicas. “Outros fatores relevantes são as salas superlotadas, a falta de ambiente adequado para a aprendizagem, a ausência de professores, a remuneração baixa, a insuficiência de recursos governamentais, o desinteresse dos alunos e a falta de
Sérgio Trevisan, estudante de Administração, frequentou escola pública e sentiu dificuldades na universidade. “Os professores davam aula para nós com base no que deveríamos ter aprendido no segundo grau”, diz. A vice-diretora de uma escola de Ribeirão Pires, que não quis ser identificada, fez uma revelação surpreendente. “Poucos sabem disso, mas nos últimos meses o governo está destinando para as escolas um valor de R$ 1 por aluno em cada mês. Eu Com esse valor não dá para fazer absolutamente nada”, conta.
MÉTODOS DE ENSINO
O peso dos contrastes regionais Leonardo José
Professores da rede pública de estados diferentes têm muito a falar sobre abandono escolar e metodologias. Alagoas e Bahia, com altos índices de evasão, contrastam com São Paulo. Simonete Maria da Silva, 41 anos, professora de Geografia no povoado de Santa Cruz do Deserto, na cidade de Mata Grande, sertão sul alagoano, diz que a falta de material didático é o principal problema do ensino. “Falta de motivação e de estímulo ao estudante, estrutura física precária e, principalmente, a ausência de material didático são alguns
dos problemas que permeiam a realidade do professor e do aluno alagoano.” Enquanto isso, Norma Ferreira, professora de História que leciona na cidade paulista de Cajamar, diz que “a falta de instrumentos diferentes para dar aula dificulta tornar a rotina da escola atrativa”. Já para Willams Tiago Santos, professor de Educação Física na rede pública de Salvador, capital baiana, o maior problema é “o desinteresse dos alunos em aprender e o não acompanhamento dos pais na vida escolar de seus filhos.” De acordo com os dados divulgados em junho de 2017 pelo Instituto Nacio-
nal de Estudos e Pesquisas (Inep), que levam em consideração o Censo Escolar 2014/2015, a taxa de evasão escolar no Ensino Médio da rede estadual da Bahia é de 13%, enquanto a de Alagoas é de 14%, a segunda maior do Brasil, empatada com o Mato Grosso. A pior taxa é a do Pará, 16%. Paraná, Roraima e São Paulo têm os melhores índices: 9% cada. Prender a atenção do jovem na escola se torna um desafio para os professores nordestinos, mas Simonete tem sugestões para resolver o problema. “Presença dos pais na escola e projetos que envolvam danças e música são importantes.”
METODOLOGIAS
Em São Paulo, os professores da rede pública recebem apostilas do governo a cada bimestre. Na Bahia e em Alagoas, não há material desse tipo. O recurso é questionado por alguns professores da rede paulista. “Elas [apostilas] engessam a aula do professor”, revelou um professor de português de uma escola estadual de Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, que pediu para não ser identificado. O Expressão entrou em contato com a Secretaria de Educação de São Paulo para esclarecer o uso da apostila, mas não obteve resposta.
NAS ESCOLAS
Internet ruim é barreira para a digitalização Gustav0 Mignanelli
De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 63,6% das casas brasileiras têm acesso à internet e, em 94,8% delas, pelo menos um membro da família possuía smartphone. No início dos anos 1990, as famílias de classe média brasileiras começaram a ter acesso aos computadores. Neste período, os pais acreditavam que seria um salto educacional, mas a rede discada de internet e escolas brasileiras sem profissionais preparados para receber esta tecnologia fizeram com que as máquinas recebidas acabassem encostadas nas aulas de informática. Vinte e oito anos depois, pesquisa feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação constatou que mais de 81% das escolas brasileiras possuem laboratórios de informática, mas somente 59% delas os utilizam. Para reverter o quadro, o Governo do Estado de São Paulo criou o programa Acessa Escola, bus-
cando dar uso aos espaços. Segundo a Secretaria da Educação, são 71.299 computadores distribuídos nas 4.234 salas das escolas de ensinos Fundamental e Médio. CONECTIVIDADE
O aluno Diego Bezerra, 17 anos, é estudante da Escola Estadual Prof.ª Zélia Cleonice Araújo, da cidade de Franco da Rocha, e faz parte do grupo de alunos selecionados para ser instrutores de informática no programa. Segundo ele, o laboratório é praticamente esquecido pelos professores, pois a internet é lenta e não se mantém conectada de forma contínua. A professora de educação artística Solange Salgado, 58, que leciona na Escola Estadual Padre Luiz Sérgio, afirma que a falta de uma rede de boa qualidade é a maior barreira e impossibilita atividades. “Várias vezes eu cheguei a preparar a aula e, no final de semana, tive que mudar os planos ao saber que as máquinas estavam sem rede. Isso atrapalha todo o planejamento do professor. É muito ruim trabalhar dessa forma.” Leonardo José
Alunos em aula no laboratório de informática
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ESPECIAL
Habitação vive dilema entre função social e mercado Arquivo/Agência Brasil
Apesar do crescimento, setor falha ao combater déficit de moradias vantamento do jornal Extra realizado em 2015. Alguns bancos, como a Caixa, oferecem condições facilitadas de acordo com a faixa de renda do comprador, mas a taxa de desemprego e a redução do poder de compra são fatores complicadores. A concessão de crédito para compra e reforma de imóveis caiu 7,4% em 2017 – isso depois de uma retração de 38,3% entre os anos de 2015 e 2016. MAIS SOLUÇÕES
Crianças brincando na ocupação Prestes Maia, segunda maior da América Latina Talitha Benjamin
É um setor diretamente movido pelo mercado: se a economia vai bem, a área de habitação surfa na onda. Se vai mal, não tem jeito: é hora de apertar os cintos, aos que já têm um teto para chamar de seu, ou de postergar sonhos, para quem ainda quer moradia de melhor qualidade. Seja para quem vai adquirir ou alugar, seja para os interessados em vender ou até mesmo reformar um imóvel, a situação do brasileiro continua difícil – com preços altos e condições de acesso dificultadas. Pesquisa recente realizada pelo FipeZap indica que o preço que o brasileiro anda pagando pelo aluguel residencial aumentou, desconectado da tendência da economia; o estudo comparou os preços cobrados em
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imóveis de 15 cidades com o crescimento da inflação, considerando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Entre janeiro e maio de 2018, o preço da locação de um metro quadrado chegou a R$ 28,05. Em 2015, o gasto excessivo com o aluguel representou metade do total do déficit habitacional do País, segundo último dado da Fundação João Pinheiro. CRISE HABITACIONAL
A dramática crise habitacional brasileira se traduz em uma conjunção de indicadores: custos altos para comprar e alugar, dificuldades para vender, crédito escasso ou em condições desfavoráveis na praça e especulação imobiliária em alta. Prova disso é que o número de empreendimentos imobiliários na cidade de São Paulo
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aumentou 49% entre os meses de abril de 2017 e 2018. Enquanto isso, um em cada quatro inquilinos desocupa imóveis alegando dificuldades financeiras. “Não tem muito o que fazer a não ser aceitar.” Resignada, Vera Rocha, 35, professora de educação infantil, mora nos fundos da casa da mãe desde que se casou, em 2004. É uma situação cada vez mais frequente na vida dos brasileiros. Agora, ela procura um aluguel de preço razoável para morar com o marido e os filhos na zona leste de São Paulo. “A gente estava querendo procurar um financiamento, mas eu preciso começar a ganhar um pouco mais”, diz, referindo-se à renda mínima exigida pelos bancos para a concessão de crédito imobiliário, que fica em torno dos R$ 3 mil reais, segundo le-
A professora de Arquitetura e Urbanismo Luciana Royer acredita que o problema habitacional vai além da simples equação entre a construção de novos empreendimentos e as pessoas que precisam de moradias. A Constituição Brasileira, em vigor desde 1988, prevê a habitação como direito fundamental garantido para todos os cidadãos brasileiros. “Não adianta eu ter uma enorme oferta do mercado imobiliário. Isso não necessariamente vai reduzir o déficit habitacional se essa oferta não estiver voltada para a faixa de renda que mais necessita. Para essa faixa, temos que trabalhar com outras soluções habitacionais”, disse a professora, em entrevista ao Brasil de Fato. Enquanto isso, o mercado da habitação brasileiro tenta se recuperar de sua mais severa crise – isso em um paradoxal cenário de oportunidades, já que o País ainda tem um déficit habitacional de 7,7 milhões de moradias.
DO PAPEL À PRÁTICA
Plano diretor de SP acumula barreiras Luana Nascimento Com validade de 16 anos, o chamado Plano Diretor Estratégico (PDE) é uma rota de longo prazo para pensar o desenvolvimento das cidades – e uma maneira eficaz de planejar a habitação e o uso dos espaços. É o caso do que está em vigência em São Paulo. A prioridade seria o adensamento da cidade nas regiões próximas ao transporte público, por meio do estímulo à abertura de polos de desenvolvimento econômico próximo das moradias. Há ainda a previsão de medidas como restrição de altura dos prédios, diversificação da produção imobiliária, preservação de áreas verdes, expansão de parques, utilização de prédios ociosos para moradias populares e fomento à habitação social. Todas as cidades com mais de 20 mil habitantes podem elaborar seus planos; no caso da capital paulista, o realizado em 2014, na gestão Fernando Haddad (PT), recebeu reconhecimento do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). Apesar dos elogios, tem dificuldade para avançar: segundo especialistas, fazer alterações estruturais na cidade exige mudança de comportamento e de mentalidade. O primeiro PDE da capital paulista, nos moldes do que é feito hoje, só foi estabelecido em 2002, quando São Paulo abrigava mais de dez milhões de habitantes e já havia se estabelecido como uma das maiores cidades do mundo. Como em outras metrópoles, o foco de expansão esteve nos bairros
centrais, sob domínio de grandes companhias imobiliárias, gerando crescimento desordenado. O PDE sancionado em 2014 despertou interesse de diferentes setores da sociedade e enfrentou resistência do setor imobiliário. Com isso, houve alteração de pontos fundamentais do plano. Um deles era a questão dos imóveis ociosos, que seriam destinados à moradia social. A questão evoluiu pouco e gerou polêmica na época em que o plano estava sendo discutido na Câmara. Recentemente, o caso voltou às manchetes com a queda do edifício Wilton Paes de Almeida, no mês de maio, que resultou na morte de nove pessoas. MOBILIDADE Um dos temas já implementados pelo PDE foi a questão da mobilidade urbana. Nos últimos anos, as ruas da capital ganharam as polêmicas ciclovias, corredores de ônibus e as velocidades nas marginais foram reduzidas. Algumas dessas medidas foram revogadas pelo ex-prefeito João Doria (PSDB), por meio de alterações na lei de zoneamento da cidade. Um dos motes de sua campanha ao executivo, o aumento das velocidades nas marginais, foi questionado por especialistas, grupos de ciclistas e pedestres. Sob o argumento de reaquecer o mercado da construção civil, a gestão Doria propôs, em fevereiro deste ano, aumentar o número de vagas em garagens e o tamanho máximo permitido nos prédios com fácil acesso ao transporte público.
ADMINISTRAÇÃO
Profissionalização de condomínios é caminho sem volta Renan Dantas
Serviços complexos são gerenciados por empresas em prédios recém-entregues
Serviços de portaria são requisitados por condôminos e vivem cenário de expansão de mercado Renan Dantas
A vida de quem mora nos condomínios na cidade de São Paulo tem melhorado com o surgimento de empresas especializadas na gestão de condomínios. Na úl-
tima década, por conta da inserção de serviços nos prédios, como academias, spas, limpeza de piscinas e segurança, houve a necessidade de profissionalização desses serviços – e os síndicos têm optado pela contra-
tação de empresas para fazer essa administração. “Condomínios geridos por profissionais são ambientes seguros, valorizados e sem surpresas. Entregar a gestão de um condomínio a uma pessoa que não
tenha competência e conhecimento é um risco muito grande”, comenta Anderson Macareno, síndico profissional e especialista em gestão de condomínios. Além da exigência dos condôminos, outro fator
que tem impulsionado a necessidade de profissionalização é o aumento da comercialização de apartamentos em curto espaço de tempo. Segundo a Câmara Brasileira de Indústria da Construção (CBIC), a venda de imóveis de condomínios aumentou 9,4% em comparação ao ano de 2016, quando foi realizado o último levantamento. A empresa Total Company é uma das que oferecem aos síndicos serviços profissionais para a gestão do prédio. Entre as atividades estão a gestão de recursos humanos, a manutenção de serviços básicos, a prestação de contas, a existência de um gerente de atendimento para síndicos e o suporte jurídico em assembleias. “Temos como objetivo implantar e assegurar o funcionamento dos condomínios e associações, visando não só o
conforto e a comodidade de seus moradores, mas também a valorização patrimonial”, disse a empresa, em nota. Apesar de percalços com algumas empresas, os condôminos aprovam os serviços profissionalizados. É o caso de Ana Carolina Santos, moradora de um condomínio na zona leste de São Paulo. “Morar em um local onde as pessoas oferecem um serviço de qualidade facilita a vida”, argumenta. Em contrapartida à profissionalização, alguns síndicos não conseguem implementar os serviços especializados, e a principal justificativa é o custo. “Fica muito caro investir em uma empresa. No meu prédio, por exemplo, contrato profissionais com o regime CLT e o custo benefício é melhor”, comenta o síndico Agnaldo Queirós dos Santos.
APOIO SOCIAL
Casa Maria Rosa ajuda vítimas de violência doméstica Elaine Pereira
Os dilemas do habitar não se restringem ao acesso de famílias à moradia digna: também envolvem a insegurança decorrente de compartilhá-la com agressores. Em São Paulo, por exemplo, a cada quatro dias há um registro de feminicídio – e muitos deles ocorrem em ambiente doméstico. Pensando em apoiar
quem decide romper esse ciclo e buscar segurança fora de casa, a Casa Maria Rosa lida, com o total de apenas vinte vagas, com o desafio de funcionar vinte e quatro horas por dia oferecendo abrigo, alimentação, higiene pessoal, espaço para convívio e atendimento psicossocial. Os serviços são destinados às mulheres em situação de vulnerabilidade social; em
muitos casos, as vítimas correm risco de morte. O centro de acolhimento funciona desde 2018 e mantém convênio com a Prefeitura Municipal de São Paulo. No total, na capital existem 15 abrigos para vítimas de violência. A associação Fala Mulher, que atua na defesa dos direitos humanos e administra a casa junto com a prefeitura, cuida de apenas cinco deles.
Segundo a Fala Mulher, mais de 25 mil mulheres já foram atendidas, com um total de 800 vítimas abrigadas desde sua fundação, em 2004. No Brasil, a cada sete segundos uma mulher é vítima de violência física, de acordo com o relógio da violência do Instituto Maria da Penha. Somente em 2015, o Disque 180 registrou um atendimento a cada
quarenta e dois segundos para violência contra mulher. Na capital paulista, com relação aos casos de feminicídios, 63% das vítimas morrem em casa, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública.
Por ser um abrigo sigiloso, para manter a segurança das mulheres, a Casa Maria Rosa não divulga seu local e solicitou ao Expressão não fazê-lo, mas, para quem busca ajuda, pode-se entrar em contato com o centro por telefone.
A cada quatro dias, há um registro de feminicídio no País
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A VOZ DE QUEM HABITA
Mãe e filha extraordinárias: retrato da vida na Ocupação do Ouvidor Alexandra, 38, e Aysha, 7, reinventam a intimidade de uma rotina cercada de adversidades Hysabella Conrado
Gustavo Lima de Almeida
O endereço é Rua do Ouvidor, número 63, Sé, região central de São Paulo. Ali mesmo, na maior cidade da América Latina, no coração do centro velho, um edifício de 13 andares destoa do resto dos prédios de cores deslavadas. A Ocupação Cultural do Ouvidor transgride as convenções ao abrigar cerca de cem pessoas que, originárias dos mais variados lugares, vivem, resistem e reinventam suas existências e artes. No quarto piso deste lugar, existem Alexa e Aysha, mãe e filha, que reinventam um espaço que não havia sido pensado para abrigar crianças. Antes de conhecer as duas, fui convidada a fazer um tour pelo prédio. Arrisquei-me, então, à aventura de 13 lances de escadas, já que os elevadores estão desativados. Quem me guiou foi uma moça argentina que, no dia, cumpria seu lugar no revezamento da portaria. Antes de subirmos, fui levada ao porão; a música que tocava no ambiente era “Negro Drama”, dos Racionais MC’s. Ali ficam o teatro, a cozinha, um estúdio de tatuagem e um brechó, onde trabalha Alexa. Durante as subidas, indaguei se havia crianças - a resposta foi que sim, nove. Perguntei onde estavam, se eu podia vê-las, então fui informada que a filha da Alexa tinha sido a primeira criança da ocupação, que eu iria gostar
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DE DENTRO PARA FORA DA ESCOLA
Ocupação cultural do Ouvidor: cores contrastam com dificuldades vividas pelos habitantes de conhecê-las. Enquanto subíamos os andares, cada espaço tocava uma música diferente, mas os sons não eram apenas esses: as risadas, os sotaques, primeiras palavras de crianças, os latidos e os miados se confundiam. Um verdadeiro labirinto místico, obras de artes grafitadas e pintadas nas paredes. Lambe-lambes que o tempo inteiro lembravam que ali não era espaço para quem não sabe respeitar diferenças. Após a façanha dos 13 andares, de volta ao térreo, fui apresentada a Alexa. Esguia, negra, de cabelos cacheados presos de maneira a emoldurar o rosto fino, a mulher segurava um prato com seu almoço, enquanto falava e arriscava algumas garfadas ali mesmo na portaria, em pé. Disse que queria conhecê-
EXPRESSÃO
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-la e ela disse que sim, depois de comer. Aguardei. Chegado o momento, Alexa convidou-me de volta às escadas: queria conversar em sua casa, no quarto andar. Lá, algo parecido com Novos Baianos tocava num notebook enquanto homens e mulheres se mexiam ali, desenhavam ou consertavam a fiação elétrica para a vistoria que o prédio receberia dali a alguns dias. Sentamos próximas à janela, num espaço que era um ateliê. Cavaletes, telas finalizadas ou ainda em processo de criação - dividiam espaço com plantas e samambaias; bonecas sem cabeça ou sem corpo eram também decoração da estrutura viva. A mulher contou-me que se chama Alexandra Gomes e que tem 38 anos.
“Eu vim parar aqui em 2014, por causa da Copa do Mundo. Aysha tinha 2 anos, eu era mãe solteira e recebia um auxílio aluguel de R$ 300. A Copa estava cortando os benefícios de todo mundo, um deles foi o meu. Eu não tinha como pagar aluguel, então vim para a luta. Aysha foi a primeira criança a chegar.” SOLITÁRIA NA FLORESTA DE CONCRETO E AÇO
“Não é fácil criar uma filha num lugar coletivo, né?! Por mais que o espaço e as coisas sejam coletivos, você e sua filha é só você, não é coletivo. Não é fácil, você tem que se impor para as pessoas respeitarem o espaço da criança.” Enquanto Alexandra contava sua história e de Aysha, sentia-me na pre-
sença de uma mulher feita na forja de um deus yorubá. A voz rouca, grave e, sobretudo, firme revelava alguém capaz de domar búfalos pelos chifres se necessário for, tudo para proteger sua filha. “Falo que tem que tomar cuidado com quem a gente traz. Às vezes eles falam que é xenofobia por querer filtrar os moradores, principalmente para cima de mim, porque eu vou filtrar sim! Eu tenho uma filha de 7 anos e ela vai subir até a galeria e vai descer até a garagem e eu tô aqui para que minha filha tenha a segurança de que nada vai acontecer.” Pergunto onde está Aysha e a mãe responde com uma expressão séria: “tá na escola, mas eu tô procurando outra pra ela, lá é muito quadrado.”
“Eu fui excluída da escola por causa do meu comportamento. Eu e a Aysha, a gente tem um pouquinho de autismo. Eu descobri isso depois que tive meu primeiro filho, ele não mora aqui. Ele tem um grau severo de autismo e o médico disse que ele herdou isso de mim. Depois me disseram que a Aysha tem isso voltado para o autofuncionamento, assim como eu. Mas eu, nem a escola me quis, eu só estudei até a quinta série.” O relógio já marcava 15h27. Ao fundo, percebi a canção mudar. Quem cantava agora era a mulher do fim do mundo, Elza Soares. Se coincidências existissem, naquele momento seria colossal. O que tocava era o último álbum lançado, “Deus é Mulher”, que, curiosamente, possui em uma de suas faixas a música “Exu Nas Escolas”. “De dentro pra fora da escola é fácil aderir a uma ética e uma ótica presa em uma enciclopédia de ilusões bem selecionadas”... Do parquinho da Escola Paulo Machado de Carvalho, avista-se facilmente a fachada da Ocupação: é a casa de Aysha Gomes, aluna do segundo ano do Ensino Fundamental. Entre muros de cimento e cadeiras quadradas demais, a pequena de sete anos entende que transgredir e mudar é coisa de criança.
Nos momentos em que pensa em Aysha no colégio, Alexa, com seus punhos de aço, segura contra o peito o seu escudo. “A minha filha é uma criança com uma capacidade de percepção muito grande, criar ela numa ocupação está sendo difícil para mim e pra ela também. Quando ela chegava no parquinho todas as crianças corriam e ela ficava sozinha; isso mexeu muito comigo.” A mãe explicou que o grau de autismo – dela e da filha – é leve; aflora a sensibilidade para ruídos, luz, questionamentos sobre a existência e para as artes. “Ela me disse que não liga quando falam que ela mora num prédio abandonado, porque, ela me falou, ‘eles não sabem
“Eu tô com fome e não sei se quero falar, mãe” responde, baixo. Pequena, de pele clara e cabelos cacheados, num tom de loiro escuro, a menina se equilibra nos calcanhares e se joga para a frente: as rodinhas traseiras dos tênis se movimentam, cansadas. Ela entra na cozinha e volta trazendo uma mexerica grande e alaranjada nas mãos. “Vamos subir”, fala, pela primeira vez direcionando sua atenção a mim. Subo. Sigo a pequena e observo sua destreza ao subir as escadas mal iluminadas. Chegando ao quarto andar, sua casa, Aysha se senta numa espécie de pufe onde uma gata preta de manchas marrons está
Aysha cavalgaria em um raio ao invés de descer a rua em sua bicicleta o que tem lá dentro, o prédio é artístico, eu gosto’.” Consigo a permissão de esperar por Aysha, que volta para casa sempre às 17h30. Desço, sento-me nos degraus da porta de entrada e espero, ansiosa, como se fosse apertar a mão de quem inventou a roda, de alguém extraordinário que vive em um mundo não muito brilhante. PARA ONDE VAI, VALENTE?
Aysha cavalgaria em um raio ao invés de descer a rua em sua bicicleta. Avisto, deixada para trás, Alexa, carregando a mochila da filha. Levanto-me para fazer os cumprimentos, porém minha presença mal é percebida pela pequena, que já vai adentrando o edifício; sigo atrás. “A moça que quer conversar com você tá aqui, filha, vem cá!”.
deitada, adormecida. “Pancadinha!”, cumprimenta a bichana, agarrando-a no colo numa sucessão de beijos. Aos poucos, Aysha decidiu que falaria comigo, mas apenas sobre o que ela quisesse. Durante os primeiros diálogos, falamos sobre animais e as aventuras da gata Pancadinha e do cachorro Farofa. A menina é do tipo que faz a cobra morder o rabo e o escorpião virar pirilampo; o medo pouco a alcança, assim como na canção de Maria Bethânia. Entre gomos de mexerica e beijos na sua gata Pancadinha, Aysha desabafa sobre a escola. “Eu já caí na escola, machuquei o nariz. Eu sei quem me empurrou, foi de propósito. Deveria ter me pedido desculpas, né, mas não pediu não. A minha professora não é legal, ela gri-
ta. Carinhosa? Ãn-ãn, não é. Vou te mostrar meus desenhos. Mãe! Minha mochila não tá aqui?”. Alexa, que havia se afastado um pouco para que pudéssemos conversar, voltou para dizer que a mochila estava no porão e que a buscaria. Aysha, que gosta de histórias de zumbis e Teletubbies do mal, ainda não sabe ler, mas desenha tudo e todos. “Minha mãe já te contou que ela faz boneca e também uns desenhos?”. Alexa, além de confeccionar bonecas, também customiza peças de roupa para serem vendidas no brechó. No ateliê, alguns quadros também são de sua autoria e mostram sempre mulheres negras reluzentes, de cabelos cheios e crespos, emoldurados por acessórios que brilham. “A minha mãe ela quase não me dá muita atenção, por causa do trabalho dela. Ela trabalha lá no brechó, no porão, onde você estava.” Ao ser atingida pela presença da pequena, imaginei que, ali, perguntas-clichê pudessem me trazer respostas extraordinárias. Arrisquei-me, depois de ouvir sobre raposas e leões, e decidi indagar o que Aysha queria ser quando crescer. “Veterinária. Mas acho que eu não vou precisar de um emprego desses”. Eu quis saber o porquê. “Eu posso trabalhar para mim mesma, não quero trabalhar para patrão. Eu vou vender docinho de fada, que é um doce bem gostoso. É assim que eu vou trabalhar.” Além de falar um pouco sobre o idioma dos gatos, Aysha também me ensinou que, se a maioria das pessoas soubessem fazer docinho de fada, talvez algumas revoluções pudessem ter sido reais.
PLANEJAMENTO
De uma ponta a outra, SP retrata dilemas da moradia urbana
Gustavo de Almeida
Favela sob a avenida Cangaíba: habitação é mal distribuída na capital Gustavo de Almeida A maior cidade da América Latina, como qualquer metrópole, enfrenta graves problemas: desigualdade de renda, violência, poluição ambiental e insuficiência de serviços públicos essenciais. Algo que também é esperado pela magnitude da cidade – e acaba exercendo pressão sobre os equipamentos públicos – é a superpopulação. Apesar de cobrir uma área de 1.521 km² e ser a quinta maior população do mundo, a cidade tem um território complexo, que não é distribuído apropriadamente entre os habitantes. De bairros com muita área e poucos habitantes para outros extremamente populosos, com pouco espaço disponível, São Paulo tem de tudo um pouco: é conhecida pelos seus contrastes e esse é mais um desses. É o caso de Marsilac, o distrito mais ao sul da cidade, considerado o bairro esquecido da capital. Sua área de 200 km² corresponde a todo o território central do município, porém, abriga o menor índice de habitantes por área, com menos de 10 mil pessoas. Apesar da boa quan-
tidade de áreas verdes e do clima interiorano, não há disfarce para a ausência do Estado: é um dos distritos com maior taxa homicídios de jovens e um dos mais pobres da cidade. Em outro extremo da cidade, um problema oposto. Na conhecida Cidade Tiradentes, zona leste, cerca de 300 mil pessoas vivem nos 15 km² que compõem o bairro. O estudante de Administração Leandro Gonçalves tem 20 anos e mora por ali desde a infância. “Sempre foi muito cheio, os postos são lotados e antigamente era muito perigoso”, relata. “Agora está um pouco melhor, mas não é recomendado ficar bobeando na rua.” Ambos os bairros são extremos, mas é um retrato da densidade populacional, que pode se tornar um problema de acordo com quem são as populações sujeitas à hiperpopulação ou ao isolamento. Os dois distritos se encontram em pontas do município, tornando a viagem ao centro muito difícil para os moradores. No caso de Marsilac, é mais fácil se locomover até o litoral paulista – Santos, por exemplo – do que até o bairro
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da Sé, marco-zero da cidade. Em contraste, a região central pode não contar com tantos moradores oficiais, mas é onde mais se encontram desabrigados e pessoas sem teto. Também na zona leste, o bairro de Cangaíba, no distrito da Penha, tem grande quantidade de habitações irregulares ao longo da avenida Governador Carvalho Pinto. Dona de casa, Fátima Almeida, de 57 anos, diz que as pessoas foram construindo suas habitações aos poucos. “A maioria aqui é família que constrói em cima da casa dos pais. Não tem muito lugar para a gente ir, então vai fazendo um puxadinho aqui e ali”, relata. É outra face dos problemas de habitação: no total, quase 1,2 milhão de famílias vivem em situação precária em São Paulo. Algumas vivem dentro das internacionalmente conhecidas comunidades brasileiras: estão residências simples, sem acesso ao saneamento básico. Outras se espalham do centro aos extremos da região metropolitana, porém compartilhando edifícios abandonados, locais invadidos e áreas degradadas do espaço urbano.
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VIDA DIGITAL
Youtubers mirins ganham espaço na internet e demandam cuidados Carolina Didonet
A plataforma de vídeos mais popular do mundo enfrenta um desafio que, paradoxalmente, está ligado a uma de suas maiores fontes de cliques: os conteúdos relacionados a crianças. De olho no alcance de visualizações, canais e influenciadores do universo infantil conquistam público fiel – muitas vezes, ao custo de elevadas e questionáveis doses de exposição. Só em 2017, o YouTube retirou do ar mais de 150 mil vídeos envolvendo menores de idade submetidos a graus elevados de exposição; no entanto, ainda é possível encontrar conteúdo audiovisual com crianças chorando e pegadinhas maldosas, entre outros. Resta uma questão:
quais os limites desta exposição da imagem? Não é difícil imaginar a origem dos canais de YouTube protagonizados por crianças. Com a facilidade do acesso à internet, elas passaram a se sentir inspiradas e criaram um espaço para compartilhar brincadeiras e desafios e divulgar brinquedos e jogos. DE OLHO NO CONTEÚDO
Se, por um lado, os youtubers mirins passaram a ser celebridades da internet, por outro a atenção dos responsáveis deve ser redobrada quanto aos conteúdos produzidos pelos pequenos. “A exposição online não deve afetar o curso de seu desenvolvimento emocional ou de interesses relacionados à sua idade, como frequentar a escola, brincar, passear, conviver com crianças de
Reprodução YouTube
Conduta dos pais é meio de controlar exposição; vídeos para crianças tiveram salto de 564% nas visualizações em um ano
Eduarda Ferrão grava vídeos em seu quarto sua idade ou se relacionar com os pais e familiares próximos”, diz a psicóloga Mariana Anacleto. De acordo com ela, os pais devem acompanhar de perto as gravações dos vídeos e equilibrar o conteúdo com a faixa etária do desenvolvimento do filho. COM A VOZ, OS PAIS
A youtuber Eduarda Ferrão, de 8 anos, começou em 2015 e já tem mais de um milhão de inscritos no seu canal. Ela iniciou
imitando outras youtubers a que assistia; um dia, pediu para sua mãe, Roberta Ferrão, para criar o seu próprio conteúdo. “Nós nos preocupamos muito com o que postamos, essa preocupação é a mesma que temos com o que a própria Duda consome no YouTube. Ela também é espectadora, então pensamos muito no que postamos antes de gravar”, diz Roberta. “Não temos horários específicos e nem roteiros, para
deixar tudo mais natural. Os vídeos são sempre feitos em tempo livre e nunca concorrendo com a escola.” O ambiente virtual diminui muros e, junto, os filtros; com isso a criança está exposta a qualquer tipo de comentário – o que pode levar ao cyberbulling. “É importante prevenir os crimes de violência sexual, especialmente na função social de oferecer proteção para suas crianças e adolescentes, que ainda não têm, em muitos dos casos, a capacidade crítica necessária para distinguir os processos de amor, sedução e do assédio”, diz a psicóloga e pesquisadora na área de comunicação Roseli Goffman. “Sem orientação e atenção, muita coisa pode ocorrer com crianças expostas a multidões na internet”, conclui.
564%
foi o aumento nas visualizações de canais infantis só no Brasil
550%
foi o aumento do número de inscritos em canais de produção de vídeos para crianças de zero a 12 anos
Você sabia? O YouTube conta com a ajuda das pessoas para filtrar conteúdos: caso identifique conteúdo impróprio, denuncie para que a plataforma possa tirá-lo do ar. Fonte: Pesquisa Geração YouTube
ELEIÇÕES
App revela ficha de políticos por imagens Vivian Andrade
De olho na difícil tarefa de escolha dos eleitores em ano de pleito, e com foco em facilitar o acesso a dados de candidatos, o site de reclamações e opiniões de consumidores Reclame Aqui lançou o aplicativo móvel Detector de Corrupção. A ideia principal do app é utilizar tecnologia de reconhecimento facial, com 98% de precisão, para identificar
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fotos de políticos e instantaneamente revelar se eles respondem a processos de corrupção ou improbidade administrativa na Justiça. Este recurso funciona com a imagem em campanhas, santinhos, vídeos, fotos ou pessoalmente. Também é possível realizar a pesquisa por nome. O banco de dados criado para a plataforma reúne apenas informações oficiais registradas em diversas
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instâncias, como Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Processos sob sigilo não são exibidos, por não serem divulgados como dados oficiais. Em época de corrida eleitoral, os desenvolvedores afirmam que os políticos que são pré-candidatos à presidência e aos governos estaduais já estão presentes na base de dados. Além deles, pode-se pesquisar informações de
governadores e vices, alguns deputados e senadores eleitos e presidentes e vices que ainda estejam vivos. “Em tempos de fake news, só o acesso à informação de qualidade pode mudar o futuro do País. O brasileiro tem mais do que um aplicativo para descobrir os políticos corruptos, é uma ferramenta de transformação em suas mãos”, defende o presidente do Instituto Reclame Aqui, Maurício Vargas.
Vivian Andrade
App pode ser encontrado na Play Store, para dispositivos Android, e na AppStore, para aparelhos que contam com sistema iOS
INTERATIVIDADE
Redes sociais viram aliadas da comunicação interna Elaine Santos
Garantir a circulação de informações entre todos os funcionários é um grande desafio para profissionais de comunicação interna – ainda mais quando se fala na geração Y, que já nasceu inserida no contexto tecnológico e tem a necessidade de receber e compartilhar dados de forma dinâmica. De olho nessas tendências, empresas têm adotado recursos que até pouco tempo atrás eram vistos como vilões da produtividade – entre eles, as redes sociais. Não estamos, porém, falando de Facebook, Twitter ou Instagram, mas sim
das redes sociais corporativas, que surgem para dinamizar a troca de informações, melhorar a integração entre os colegas e potencializar o engajamento com a cultura da empresa, justamente por apresentar características e recursos semelhantes aos sites de relacionamento. “A rede social corporativa é uma das principais aliadas das iniciativas de Recursos Humanos, pois potencializa uma comunicação transparente e descentralizada, reforçando a colaboração e a cultura interna”, ressalta Beatriz Pulini, executiva de Vendas da GOintegro, empresa líder em soluções para
Via GOintegro
Empresas implantam espaços de convívio digital para engajar seus funcionários
Interface interativa chama a atenção dos usuários Comunicação Interna na América Latina. APELO JOVEM
Assim como nas redes sociais convencionais, cada colaborador tem um perfil e pode publicar informações relacionadas às rotinas da empresa por
meio de vídeos, fotos e textos, além de iniciar debates e criar vínculos com outros funcionários. A plataforma permite, ainda, a segmentação das mensagens, por meio da criação de grupos para a comunicação entre os diferentes departamentos.
A Pixeon, empresa que oferece softwares para a área de Saúde, é uma das organizações que obteve bons resultados com a implantação da rede social corporativa. Adriana Pavilakis, diretora de Desenvolvimento Organizacional e Recursos Humanos da empresa, destaca o sucesso da plataforma com os colaboradores mais jovens. “A ferramenta permite uma linguagem mais próxima com os funcionários, o que aumentou a retenção e o alcance das informações, principalmente com o público mais jovem, que já está acostumado com esse tipo de interação”, diz.
LIBERDADE PARA FALAR
Outra tendência importada dos sites de relacionamento é a democratização da informação. Como os usuários têm liberdade para postar conteúdos publicamente dentro da rede, a comunicação não fica apenas sob o controle da área de Comunicação, como ocorria nos murais e nas intranets. Com isso, criam-se produtores de conteúdo dentro da organizção. “Abdicar do controle foi fundamental, pois fez com que os funcionários se tornassem multiplicadores da cultura da empresa”, afirma Adriana.
TECNOLOGIA
COPA
Troca de figurinhas Impressão 3D auxilia na construção de próteses xa renda. Com o auxílio troem perfeitamente ganha ambiente virtual R A aquel
Bianca Braga A Copa do Mundo de 2018 veio e, com ela, uma de suas principais tradições: os álbuns de figurinhas da Panini. Para completá-lo em tempo hábil e encontrar todos os jogadores, muitas pessoas criaram estruturas, conhecidas como “Ponto de Troca”, para se livrar dos cromos repetidos. Para solucionar o dilema dos colecionadores, a editora do álbum lançou o aplicativo Panini Collectors; disponível na Play Store e Apple Store, funciona um controle virtual do livro, bem como
um ambiente para trocas com internautas. Com a ferramenta, não é mais preciso andar com o álbum por todos os lugares: basta cadastrar seus cromos, repetidos ou não, manualmente ou por scanner, e começar o troca-troca. Pelo aplicativo, também é possível compartilhar figurinhas repetidas com outras pessoas, via Whatsapp e Messenger. “Achei muito interessante, pois facilita a vida de quem não tem muito tempo de ir até pontos de troca”, comentou o colecionador Guilherme Rocha.
Facebook FabLab
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A tecnologia vem sendo cada dia mais um recurso de auxílio em diversas áreas – e a saúde é uma delas, encontrando suporte para tratamentos, pesquisa e desenvolvimento nas mais diversas áreas da medicina. Uma das ferramentas adaptadas a esse universo é a impressão 3D. As máquinas, projetadas para imprimir objetos a partir de projetos online, já começaram a ser adotadas na construção das chamadas próteses e órteses. Feitas para substituir partes do corpo, próteses costumam ter elevado valor – o que dificulta seu acesso por pessoas de bai-
das impressoras, as partes podem ser construídas a partir de materiais mais baratos, como o plástico. A Fab Lab é uma das empresas a oferecer este serviço. O “laboratório de fabricação”, em inglês, é um espaço colaborativo onde pessoas das mais diversas áreas podem se encontrar para desenvolver projetos digitais. Eduardo Lopes é um dos criadores da Garagem Fab Lab, que foi a primeira do segmento no Brasil, e explica que o conceito disseminado é o de fazer por si próprio e em prol da sociedade. “Algumas impressoras fabricam objetos a partir de fios de plástico e cons-
réplicas dos objetos impressos”, conta. Outro benefício da tecnologia é a redução no desperdício de material. “A impressora 3D deposita o material somente onde é necessário, então o desperdício e o custo das próteses Próteses infantis 3D são menores.” ACESSO
O ortopedista Emygdio José de Paula, que trabalha no Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT), ressalta a importância dessas próteses – em especial para jovens. “A aparência da prótese 3D ajuda muito nesses casos, por lembrar
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um brinquedo ou algo mais simples. A atenção que ela gera é mais alegre, o que ajuda no processo de adaptação com a prótese, principalmente no caso das crianças”, comenta. O médico ressalta, porém, a necessidade do acompanhamento médico.
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ARTES
Masp valoriza trocas culturais
RESISTÊNCIA
Primeira mostra do ano destacou trabalho de Aleijadinho Guilherme Almeida
Obra “Par de guardiões chineses”, parte da mostra apresentada no museu Guilherme Almeida
Tradicionalmente pensada para mostras de longa duração – e público fiel –, a programação do Museu de Arte de São Paulo (Masp) para 2018 é dedicada às histórias afro-atlânticas, com exposições, seminários, programas e publicações em torno das trocas culturais entre a África, a Europa e as Américas.
“Imagens de Aleijadinho”, exposição sobre o escultor, entalhador e arquiteto do Brasil colonial, abriu o calendário do museu mais famoso da cidade de São Paulo e ficou em cartaz até o começo de junho. A avaliação foi positiva entre os visitantes. “Só tinha visto as esculturas dele em livros da escola e na internet. Ver essas obras pessoalmente é algo má-
gico”, contou Rafael Costa, estudante de Letras. A exposição trouxe 37 esculturas atribuídas ao mestre Aleijadinho (17281814) ou à sua oficina, além de um conjunto de obras de outros autores que fazem referência à figura, ao trabalho e ao contexto em que o escultor estava inserido, como mapas de Minas Gerais e da Vila Rica no século XVIII. Segundo Tayna Barreto,
funcionária do Masp, a diversidade de público foi um dos destaques. “Além do público habitual, tivemos muitos grupos escolares e religiosos. Muitos turistas estrangeiros também vieram por ele.” Além da exposição sobre o mestre mineiro, o Masp apresenta até fevereiro de 2019 “Acervo em transformação: Tate no Masp”, uma espécie de intercâmbio entre o museu paulista e o Tate Modern, o Museu da Arte Moderna de Londres, com obras de artistas do Reino Unido. FORMATO INOVADOR
Um diferencial do MASP é forma com que obras são exibidas. “Elas ficam em pedestais e as legendas informativas ficam atrás, para que as pessoas tenham um primeiro entendimento, antes de descobrir o contexto da arte”, explicou Tayna. Masp Av. Paulista, 1578 Horário: ter. a dom., 10h às 18h / Tel: (11) 3149-5959
Projeto fotográfico denuncia estigmas e preconceito racial Ana Luisa Pinheiro Nascida em São Paulo, a jovem fotógrafa Bárbara Xavier, de 21 anos, é apaixonada por fotografia desde a adolescência, mas só mergulhou no mundo e começou a fotografá-lo na sua fase adulta. Bárbara iniciou seus ensaios e foi descobrindo cada vez mais a sua libertação por meio das lentes. Assim, nasceu o projeto fotográfico ‘‘Resistência’’, uma iniciativa que propõe representar a cultura e a luta das pessoas negras. A ideia é promover a igualdade racial, representar e conscientizar a população de que todos são iguais – independentemente da cor da pele. ‘‘Às vezes nós, pessoas brancas, não temos noção do peso das nossas palavras quanto a pessoas negras. O ensaio foi uma forma de sensibilizar as pessoas para entenderem o outro lado”, diz. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a
população negra é, ainda, a mais suscetível à violência: um homem negro tem oito vezes mais chances de ser vítima de homicídio no Brasil do que um homem branco. Bárbara escolheu pessoas próximas e conhecidas para integrar o projeto. ‘‘Ele é a minha luta diária. O preconceito racial está impregnado sutilmente e, às vezes, é bem gritante. Todos têm que lutar contra qualquer tipo de preconceito, não só o que você sofre”, desabafa Jairo Braz, um dos modelos fotografados pelo projeto Resistência. No ensaio, Bárbara destaca por meio de frases escritas no corpo dos modelos os xingamentos e julgamentos que uma pessoa negra sofre continuamente. O Resistência ainda não está em exposição, pois Bárbara segue produzindo novas imagens para o projeto. “A população negra tem que ter o mesmo destaque, reconhecimento e brilho na mídia e em grupos sociais”, conclui.
TRADIÇÃO
Paixão por festa junina está enraizada no País Gabriel Cavalari
Um dos meses que mais anima o povo brasileiro é junho. Durante seus trinta dias – e também se estendendo por julho –, festas juninas tomam conta do país, alegrando grande parte da população. Em São Paulo, grandes festas movimentam pú-
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blico com comidas e músicas típicas. Essa tradição vem da comemoração das festas de São João, São Pedro e São Paulo, originadas em Portugal. Das maiores e mais famosas até as pequenas festas de bairro, toda a cidade se diverte. O Centro de Tradições Nordestinas (CTN), no bairro do Limão, traz as
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festas juninas do Nordeste (as mais tradicionais do País) para São Paulo no São João de Nóis Tudim. Com forró e quadrilha, a festa já contou com a presença de Caju e Castanha, Rastapé, Bicho de Pé e Os Gonzagas nos últimos anos. As quermesses nas Igrejas Católicas também dinamizam o mês de junho,
tanto nas periferias quanto no centro. Essas festas são realizadas com a ajuda de voluntários da comunidade e alguns patrocinadores locais. “Gosto muito nas festas juninas nas igrejas”, relata Larice Vieira, 19, estudante. Vestindo xadrez, usando chapéu de palha e bebendo quentão, o público se diverte dançando
quadrilha. “Uma coisa muito importante nessas festas é a participação das famílias. É uma forma de reforçarem a fé e de estarem mais próximos em um ambiente agradável”, completa Larice. As famosas festas juninas da cidade se modernizam sem perder as tradições. Pelo quinto ano seguido, a
Vila Mariana recebe a Festa Junina Vegana. O bolinho caipira é feito de linguiça vegetal e a canjica e o arroz doce são preparados com leite de amêndoas, além dos sanduíches de carne louca – que foram substituídos pelo lanche de jaca louca. Tradições mantidas, mas sem utilizar alimentos de origem animal.
VIZINHANÇA
Beco do Batman: refúgio da arte de rua desperta debates
Grafites na Vila Madalena povoam muros e atraem turistas Lucas Antonio
Beco na zona oeste atrai público e impacta vizinhos Lucas Antonio
Localizado no coração da Vila Madalena, o Beco do Batman é um dos mais importantes espaços destinados à arte de rua na cidade de São Paulo, funcionando como uma galeria a céu aberto. No entanto, a convivência entre turistas, moradores e artistas nem sempre é pacífica, com questionamentos sobre a liberdade de uso do espaço público. O trecho do beco entre as ruas Medeiros de Albu-
querque e Gonçalo Afonso, ganhou este nome por conta de uma misteriosa pintura do personagem Batman que surgiu no local nos anos 1980, sem autor definido. A área atrai visitantes e turistas que enchem as ruas do bairro em busca de uma opção diferente de lazer e cultura. Nos arredores, pode-se usufruir de apresentações musicais, bares e uma gastronomia diversificada. As filas para registrar imagens nos grafites mais famosos são frequentes.
“A arte tem que existir para criticar, faz parte da essência dela refletir sobre a sociedade. Tanto o grafite como o pixo representam um pouco essa ideia de crítica social – e ter isso incorporado em um bairro prestigiado da maior cidade do País é importante”, diz a estudante Aluane Lopes, 24 anos. O beco também é utilizado como palco de ensaios fotográficos e ações publicitárias: suas paredes coloridas servem como cenário para modelos e fotógrafos. “Por ser a céu aberto, ajuda muito em relação à iluminação nas fotos, semelhante ao Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo, em Santana. Essa mistura de cores nas paredes sempre rende ótimas imagens”, diz o fotógrafo Giovani Rodrigues. POLÊMICA
No início de 2017, a gestão do então recém-empossado prefeito João Doria (PSDB) tomou a decisão de
apagar alguns grafites que estavam espalhados por toda a cidade, pintando-os com uma tinta acinzentada. A ação, que faz parte do programa Cidade Linda da Prefeitura de São Paulo e abrangeu regiões tradicionais da arte de rua, como os muros da avenida 23 de Maio, causou revolta entre artistas e apreciadores da arte de rua. O Beco do Batman também foi afetado – mas não pelas mãos da prefeitura. Na mesma época, o morador da região João Batista da Silva pintou o muro de sua casa apagando alguns grafites tradicionais. Em entrevista aos jornais da cidade, à época, ele disse ter tomado essa atitude por estar cansado da bagunça, da sujeira e do barulho que os visitantes faziam em frente a sua residência. Pouco tempo depois, no entanto, o morador autorizou uma nova pintura em suas paredes. O Expressão tentou entrar em contato com o morador, sem sucesso.
NOVO MODELO
Cinemateca moderniza gestão com sistema de organização social Beatriz Santos A Cinemateca Brasileira de São Paulo é a primeira instituição cultural federal a adotar a administração em modelo de Organização Social (OS). Desde fevereiro deste ano, a responsável por essa gestão é a Associação Comunicativa Roquetti Pinto (Acerp). Localizada no Rio, a Acerp fechou um contrato com o Ministério da Cultura para organizar o acervo por tempo indeterminado – e já pensa em melhorias com essa parceria. O modelo de OS já é amplamente adotado em áreas como a da cultura e a da saúde, servindo para direcionar a gestão de equipamentos públicos às entidades e organizações com conhecimento na área. Embora sofra questionamentos, esse tipo de gestão busca administrar com mais eficiência as instituições
do Estado, sem que deixem de ser públicas. Divulgada pelo Ministério da Cultura, a proposta de mudar o comando da Cinemateca busca dar potencial e independência ao espaço em contextos como o de trocas de governo. RELEVÂNCIA A Cinemateca tem um dos maiores acervos de imagens da América Latina contabilizados. Hoje, são aproximadamente 200 mil longas-metragens. A instituição atua desde 1940 na divulgação e na recuperação de materiais para divulgação dos conteúdos. Essa medida já é estudada para ser implantada em instituições como a Casa Rui Barbosa e o Museu Imperial de Petrópolis. A Cinemateca exibe filmes e promove debates. No primeiro semestre, um dos destaques foi o Ciclo Cinema e Psicanálise.
CONTRA O ASSÉDIO
Oscar expulsa membros por crimes contra mulher
Thais Larangeira
Após as manifestações no Oscar de 2018 a favor da maior inclusão e indicação de mulheres na premiação, a Academia expulsou recentemente dois de seus membros mais antigos, Bill Cosby e Roman Polanski, por serem condenados em crimes contra mulheres. Cosby, ator americano conhecido pela série The Cosby Show, foi condenado por
drogar e molestar uma ex-funcionária da Universidade Temple, onde ele se formou, no ano de 2004. Além desse caso, ele é acusado por sessenta e duas outras mulheres por agressão sexual, mas elas já prescreveram e por isso o ator não pôde ser levado à julgamento. Já o franco-polonês, é acusado de abusar de Samantha Geimer, de apenas 13 anos de idade, após uma sessão fotográfica na casa
do ator Jack Nicholson, no ano de 1977. De início, ele se declarou inocente; contudo, durante o processo, Polanski declarou-se culpado pelo crime de corrupção de menor; o juizado pediu que fosse feita uma avaliação psicológica de Roman, mas após 47 dias foi liberado. Ao saber que poderia ser condenado a uma pena de cinquenta anos, fugiu para a Europa, por onde circula sem ser extraditado.
Especialistas dizem que essas decisões foram tomadas pelas manifestações crescentes de grupos de defesa das mulheres, o Time’s Up e #MeToo, ele deram voz para que elas pudessem expor crimes que haviam sofrido em Hollywood. Eles também pedem maiores indicações e oportunidades para mulheres no cinema, já que apenas 23% dos candidatos eram do sexo feminino na última premiação.
“Isso é essencial, porque se não você não modifica o perfil, nada se modifica. Em festivais de cinema, no Brasil e no exterior isso tem acontecido”, comenta Cesar Zamberlan, jornalista e crítico de cinema, sobre a mudança de votantes na Academia. Os movimentos têm surtido efeito - e pode ser visto nas duas indicações do filme “Mudbound:
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Lágrimas sobre o Mississipi”. A obra alcançou a marca da primeira mulher a ser indicada na categoria de Melhor Fotografia, Rachel Morrison, e também tem a primeira negra a concorrer por Melhor Roteiro Adaptado, Dee Rees. Além da indicação da diretora Greta Gerwig, por “Lady Bird”, ela é a quinta mulher na história a ser indicada por Melhor Direção.
EXPRESSÃO
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ESPORTE E LAZER
Roteiro: um rolê por Paranapiacaba Situada a 44 km da capital, vila inglesa reúne gastronomia, história e paisagens naturais. Confira alguns programas selecionados pelo Expressão COMO CHEGAR?
Da estação da Luz, no sábado e no domingo, há o Expresso Turístico, que sai às 8h30, com parada para embarque na estação Prefeito Celso Daniel - Santo André às 9 horas. A viagem segue, então, para a garagem das locomotivas, na vila. É um trecho de 48 km, que leva cerca de 1h30. Há também a possibilidade de se ir com o trem comum que parte do Brás (Linha 10 – Turquesa), descer em Rio Grande da Serra e embarcar no ônibus 424. Essa opção leva cerca de duas horas. De carro, o acesso pode ser feito pela Via Anchieta, pela Estrada Velha do Mar (SP-148, sentido Ribeirão Pires), pela
Divulgação/Cidade Paralela
Patrícia Santos
Rodovia Índio Tibiriçá (SP 31) e pela Rodovia Antonio Adib Chamas (SP 122). CHOCONHAQUE
No outono/inverno, a pequena vila com ruas estreitas de paralelepípedo ganha caráter bucólico e charmoso, com as casinhas de madeira e a neblina baixa. Logo ao chegar, próximo à ponte metálica construída em 1899, já é possível – e recomendável – experimentar o famoso choconhaque, a mistura do doce do chocolate quente com o álcool do conhaque. A bebida deixa o turista bem aquecido durante o passeio – em dias frios, é possível, inclusive, haver geada no local.
Antiga estação de Parapiacaba BIG BEN
Ao passar pela ponte metálica, pode-se observar uma réplica – bem mais humilde – do Big Ben, deixada de herança pelos ingleses que construíram a estrada de ferro Santos-Jundiaí. Um pouco deteriorado pelo tempo, mas com charme, o relógio é um ícone da vila.
MUSEU FUNICULAR
Os velhos trens, do final do século XIX, já não estão no local. No entanto, algumas locomotivas foram deixadas para guardar a lembrança, e, é claro, tirar muitas selfies. Uma das estações de trens foi transformada no Museu do Sistema
PASSEIO
Repaginado, Farol Santander leva novas atrações ao centro
Rodrigo Machado
O Farol Santander – até início deste ano conhecido como Edifício Banespa –, um dos cartões-postais mais conhecidos de São Paulo, abriu as portas com uma nova proposta para o público da cidade. O edifício foi construído em 1947 para abrigar o Banco do Estado de São Paulo. A metrópole saia do cenário bucólico dos anos 1920 para entrar na metade do século em período de explosão po-
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pulacional: os antigos casarões davam lugares aos arranha-céus – e o terreno, que pertencia à irmandade de Santa Casa de Misericórdia, foi adquirido pelos sócios do banco. Em 2018, passear pelo prédio significa percorrer sua história – tarefa que a reportagem do Expressão buscou fazer em visita ao espaço recém-aberto. ESTÉTICA
A inspiração para o estilo do prédio veio do nova-iorquino Empire
EXPRESSÃO
agosto 2018
State; a localização foi escolhida para centralizar a economia do País, ao lado do Banco Paulista e da Casa da Moeda, quando esta ainda era em São Paulo. O projeto foi aprovado pelo engenheiro e arquiteto Plínio Botelho do Amaral e inaugurado pelo interventor federal Adhemar Pereira de Barros, também governador do Estado. Em sua versão repaginada, o segundo andar remonta com o mobiliário antigo à rotina de um gerente de banco daquela
época; há muitos objetos antigos, como máquinas de escrever e calcular, atas de depósitos e talonários. Uma das atrações da versão repaginada é uma pista de skate, que chama a atenção do público jovem que pode aproveitar o esporte com segurança, tendo a vista da cidade como atrativo. O visitante pode finalizar a visita apreciando a vista panorâmica da cidade no mirante do topo, com direito a uma parada para um lanche na cafeteria local.
Funicular (saiba mais sobre o museu em reportagem da edição 4 do Expressão: encurtador. com.br/wDFLV. MANSÃO CASTELO
A chamativa Mansão Castelo – agora conhecida como Museu Castelo – era a casa do engenheiro-chefe de Paranapiacaba e fica em um ponto privilegiado, no qual é possível enxergar a vila toda. Atualmente, o Museu recebe visitas monitoradas de meia hora. PASSEIO PELA VILA
Pelas ruas estreitas, é possível encontrar diversas curiosidades e motivos para fazer compras, com lanchonetes, lojas e
espaços de artesanato. O Mercado de Paranapiacaba, agora restaurado, recebe uma feira de alimentos feitos de cambuci, fruta típica da região. CACHOEIRAS E TRILHAS
As trilhas da região de Paranapiacaba são conhecidas. É um passeio à parte, que requer planejamento com guias credenciados pela prefeitura de Santo André, além de roupa e tempo adequados. A região conta com, pelo menos, seis trilhas em meio à Mata Atlântica. As da Água Fria, do Poço Formoso e da Cachoeirinha Escondida são as mais procuradas pelos visitantes e aventureiros.
FUTEBOL LGBT
Diversidade em campo Kimberly Alves O futebol ainda é um lugar de discriminação predominante para aquelesque não seguem o padrão heteronormativo. Cansados de ouvir a frase “futebol não é coisa de gay” e escutar repetidas vezes o termo “bicha” em estádios e bares de forma pejorativa, os amigos Filipe Marquezin e Bruno Host decidiram criar em abril de 2015 o Unicorns Futebol Clube, no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo. O intuito da fundação do time é acolher e não competir. Nele, homens homossexuais que têm gosto pelo esporte podem
disputar partidas, independentemente do nível de desempenho em campo. “É uma iniciativa importante, pois o esporte não envolve orientação sexual. Já fui excluído quando mais novo, pois meus amigos achavam que futebol era ‘coisa de homem’”, relata Deivid Ferreira, de 27 anos. O time conta, atualmente, com 50 jogadores que costumam se reunir às quartas-feiras. Com três anos de existência celebrados em abril, o time mostra cada vez mais que o público LGBT pode - e deve - ocupar e estar nos mais variados lugares, inclusive, no esporte.
PONTO DE VISTA
Na luta pela moradia digna Erilson Júnior
Com papel ativo dentro do MSTU, Jucimara Silva converteu desafio da casa própria em motivação para ajudar outras famílias Ronney Abilio e Samuel Lima
Nos últimos meses, o tema da luta por habitação em espaços urbanos ganhou força por conta da tragédia do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no início do mês de maio e era ícone das ocupações no centro de São Paulo. Outro motivo para estar atento ao assunto é o déficit habitacional do País – que se traduz em 7,7 milhões de moradias a menos do que o necessário para garantir condições dignas aos mais de 207 milhões de brasileiros, segundo dados do Governo Federal. Jucimara de Almeida Silva, voluntária do Movimento dos Sem-Terra Urbanos do Estado de São Paulo (MSTU)*, popularmente conhecida como Ju do MSTU, é mais um personagem nesse complexo jogo de forças econômicas e dilemas sociais. Com papel de liderança no movimento, trabalha para influenciar políticas públicas ligadas à habitação e atende famílias de baixa renda que sonham com a casa própria. Jucimara conversou com a equipe do Expressão e nos contou detalhes sobre seu trabalho e sua visão sobre as ações necessárias para superar os desafios habitacionais do Brasil. O INÍCIO
A entrada de Jucimara no MSTU começou, como em muitos outros casos dos líderes e voluntários, por conta de uma experiência pessoal. “Tudo começou mediante meu cadastramento para a conseguir minha casa própria; daí em diante começa minha história com o trabalho e o movimento”. Percebendo que havia se identificado com os pensamentos do grupo de que participava, ela resolveu que gostaria de ajudar a população que via sofrer tanto em busca de um teto. Entre 2016 e 2017, Jucimara dedicou atenção e tempo ao MSTU. Por conta própria, montou uma sede em Santo André, no ABC Paulista, onde atua com maior frequência. “Organizamos o espaço no prazo de quinze dias, foi uma coisa muito rápida”. Sem receber remuneração, como diz continuar até hoje, assumiu o cargo de coordenadoria e passou a ser responsável por organizar reuniões e a
Solidário, em 2017. O serviço social que presta é de iniciativa própria e foi concebido a partir de uma constatação: não era apenas de moradia que os beneficiários precisavam, e sim de alguém com quem pudessem contar para as mais variadas situações e dificuldades. “Contamos com doações de alimentos e outros itens para serem cedidos à população carente; logo fiquei surpresa com o alto número de doações”. Atualmente, a voluntária diz que esse serviço é o principal motivo da admiração e do o carinho das pessoas. “Eu me considero uma pessoa comum, uma simples voluntária de um projeto ao qual dedico minha vida.” RUMO À POLÍTICA
Jucimara, a Ju do MSTU, trabalha em prol do direito à habitação direta participação no meio informativo do movimento. Ela diz que essa condição voluntária reflete sua vontade legítima de ajudar os necessitados. NO OLHO DO FURACÃO
O MSTU está presente hoje em mais de dez municípios. Na Grande São Paulo, marca presença, por exemplo, em Santo André. Em seu site, afirma já ter distribuído em território paulista mais de cinco mil moradias, além de manter projetos sociais e educacionais em sete cidades. Jucimara conta que entre suas principais funções está a organização de reuniões em praça pública, para informar as pessoas das atividades e medidas a serem
tomadas pelo movimento, todo terceiro domingo do mês. A líder também participa de reuniões em Brasília (DF), em prol de negociações por áreas e recursos para a construção de habitações populares. “A principal dificuldade que identifico hoje é a de construir moradias para pessoas de baixa renda, o que a princípio deveria ser o mais simples”. Ju demonstra clara preocupação com o “Faixa 1” – modalidade de financiamento e apoio habitacional para pessoas que possuem renda mínima. Em um País no qual o déficit habitacional ainda é uma questão grave, Jucimara encontrou no movimento um motivo a mais para dar sequência ao seu trabalho com o desenvolvimento do MSTU
“Minha felicidade é ver a expressão de alegria no rosto das pessoas quando consigo ajudá-las” agosto 2018
A voluntária decidiu aplicar sua experiência no campo político: já se anunciou pré-candidata na próxima eleição a deputada estadual. “Não vou com pretensão de vitória, tendo em mente que jamais cogitei a possibilidade de atuar na política, mas tenho a intenção de mensurar e avaliar o trabalho realizado por nossa equipe”, conta. Ter noção do número de pessoas que ajuda e que a consideram capacitada para exercer tal cargo é seu objetivo principal. “Minha felicidade é ver a expressão de alegria no rosto das pessoas quando consegui ajudá-las. Eu lido com sonhos.”
6,9 milhões
de famílias estão sem casa no Brasil, segundo o IBGE
6,05 milhões
de imóveis desocupados no País
36 mil
unidades do Minha Casa Minha Vida estão paralisadas (dados apurados via Lei de Acesso à Informação)
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INFOGRÁFICO
Bianca Aparecida e Joyce Santos
O QUE É
COMO IDENTIFICAR NOTÍCIAS FALSAS
O termo em inglês abrange a distribuição deliberada de desinformação, boatos e dados imprecisos via jornais impressos, televisão, rádio ou internet, incluindo as mídias sociais.
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As notícias falsas são escritas e publicadas com a intenção de enganar o público e obter ganhos financeiros ou políticos. Manchetes sensacionalistas, exageradas ou evidentemente falsas dão um gás no volume de leitores, compartilhamentos e taxas de cliques na web.
Títulos chamam a atenção para obter cliques. Qual é a história completa?
A disseminação desse tipo de conteúdo prejudica a cobertura profissional dos fatos, coloca em descrédito o trabalho da imprensa e leva à confusão entre ficção e realidade. “Parte do público tem dificuldade para identificar fake news e acaba desconfiando também do jornalismo, que precisa reconquistar sua credibilidade e mostrar sua apuração verificável”, diz Ivan Paganotti, doutor em Ciências da Comunicação pela USP.
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Páginas sensacionalistas ganham espaço no Facebook; enquanto isso, jornalismo profissional perde espaço, segundo levantamento da Folha de S. Paulo
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JANEIRO/2018 Mês em que aconteceu a mudança
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Antes da mudança no algoritmo do Facebook
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Fonte: Folha de S. Paulo. Dados: CrowdTangle (Facebook)
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