USJT
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abril 2018
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ano 25
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edição 1
EXPRESSÃO JORNALISMO UNIVERSITÁRIO CRÍTICO, CIDADÃO E PLURAL
Febre amarela:
os riscos em jogo
Aumento de casos desafia autoridades; entenda as razões, os impactos, as estratégias e as polêmicas do combate à doença ESPECIAL - Pág. 6 a 9
No ringue da cultura, batalhas de rima conquistam fãs Pág. 12
Cirurgia robótica revoluciona a medicina Pág. 10
Mulheres lutam para ganhar visibilidade na ciência Pág. 4
Pesquisa abre caminhos para o combate ao doping Pág. 14 abril 2018
EXPRESSÃO
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CAR@ LEIT@R
#INSTANTÂNEO Shutterstock
Seja bem-vind@ à primeira edição de 2018 do Expressão. Esta é uma ocasião especial: estreamos, nas próximas páginas, um novo projeto editorial e gráfico criado para o jornal laboratório da São Judas, com novidades do formato ao conteúdo que reforçam nosso compromisso com a produção qualificada e a construção de um jornalismo universitário crítico, cidadão e contemporâneo. Mantendo essas premissas, a edição que você tem em mãos trafega por temas quentes da esfera pública brasileira. Destaque, por exemplo, para a febre amarela – que entrou em pauta após um aumento expressivo no número de casos entre 2017 e 2018, sobretudo
na região Sudeste, e rendeu uma série de reportagens para o nosso Especial. Nas demais editorias, apresentamos textos sobre assuntos como o uso de drones no espaço urbano, a presença das mulheres na ciência, o diálogo entre fé e medicina, o ensino bilíngue e a força do e-commerce. Esse é apenas o começo: já estamos com a redação a todo vapor, preparando conteúdos para as demais edições do ano. Fique de olho, acompanhe nosso trabalho na edição impressa e nas redes sociais e faça sugestões pelos canais de contato do Expressão. Vamos juntos! Os Editores
Suéllen Brandão
Festa em Itaquera T orcedores invadem o gramado da Arena Corinthians em Itaquera, zona leste,no dia 6 de abril, após treino aberto do time antes do jogo final do Campeonato Paulista 2018. O time alvinegrose consagrou campeão, vencendo o rival Palmeiras por 3×4 nos pênaltis no Allianz Parque.
#FICA A DICA
EXPRESSÃO Fantasia com lições de vida Stephanie Moraes
Jornal laboratório do 4º ano de Jornalismo abril 2018 • ano 25 • edição 1
Pró-reitor de graduação Luís Antonio Baffile Leoni Coordenadora dos cursos de JO, PP, RTV, RP e Cinema e Audiovisual Profa. Jaqueline Lemos Jornalistas responsáveis Prof. José Augusto Lobato MTB 0070684 - SP Profa. Susan Liesenberg MTB 02097 - SC Projeto gráfico e direção de arte Profa. Ana Vasconcelos MTB 25.084 - SP
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Redação Alun@s do 4º ano de Jornalismo da Universidade São Judas, Campus Moóca e Campus Butantã Impressão Folha Gráfica Converse com a gente jornalexpressao@usjt.br
Gênero: Fantasia/Drama Editora: Intrínseca Ano trad.: 2016 352 págs. Por que ler? Mescla inovadora de fantasia e realidade.
Instagram @jorn_expressao Facebook @expressaoUSJT Foto de capa Shutterstock
EXPRESSÃO
Divulgação
Reitor Ricardo Cançado
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A história de Ransom Riggs já começa com um grande mistério: Jacob, um menino de 16 anos, enfrenta a morte de seu avô e tenta desvendar o que há por trás dessa perda. Convencido de que deveria ir para a cidade em que seu avô Abe cresceu, vai parar em uma ilha na costa do País de Gales. Seguindo pistas, o menino descobre um casarão destruído, onde antigamente era o orfanato da Srta. Peregrine. Enquanto ele investiga o lugar, se depara com algumas crianças que fogem ao encontrá-lo. Jacob vai atrás delas e
acaba entrando em uma caverna, que descobre ser uma fenda temporal. Uma das coisas mais interessantes do livro são as fotos antigas que ajudam na narrativa. Todas são verdadeiras e vêm de colecionadores; nenhuma foi adulterada, tornando-as ilustrativas das descrições em texto. Essa mistura de realidade com o mundo mágico criou um universo cheio de aventuras e fantasias que ensinam sobre lealdade, união e amizade. Em 2016, o livro foi adaptado para as telonas, com direção de Tim Burton, e lançado em setembro. Mais uma chance de mergulhar na história fascinante de Jacob.
#PROTAGONISTA
Uma voz italiana no coração da América Latina Vanessa Nunes
Luca Romagnoli, 40 anos, italiano e fisioterapeuta de formação, pode ser definido como artista de corpo e alma. Quem transita pela Avenida Paulista em dia de semana muito provavelmente já o viu alguma vez; tendo a via mais famosa da cidade como lugar de trabalho, descreve a si mesmo como uma pessoa aberta, criativa e livre. Ex-morador de Nápoles, Luca está há um ano no Brasil e diz ter se acostumado facilmente à cultura local: “os brasileiros são receptivos e gostam de estrangeiros”, diz. Antes de vir parar por aqui, o italiano morou durante quatro anos no Uruguai. Conheceu Londres, circulou pela Espanha e visitou alguns países da Ásia. Foi em São Paulo, porém, que ele encontrou o cenário ideal para demonstrar o amor que desenvolveu aos 10 anos de idade pela música. “Me encantei pelos ritmos e instrumentos brasileiros”, conta.
Fotos de Vanessa Nunes
Integrado à selva de artistas que povoam a Avenida Paulista, Luca Romagnoli constrói laços com o Brasil a partir da música
“Vi no coração de São Paulo as coisas acontecerem com a música” PRÓXIMO DESTINO
ARTE DE RUA
Seu local de trabalho, a Paulista, é um microcosmo. Sentado em um banco de plástico com o violão nos braços e sua voz potente, Luca recebe o pagamento pelo seu trabalho na própria bolsa do violão. A sacola fica aberta aos seus pés, cabendo ao público decidir se vale remunerá-lo ou não. Sobre o valor que tem o artista de rua, ele diz: “tocar na rua é a forma mais
“Tocar na rua é a forma mais fácil de se fazer dinheiro rápido. Vejo a rua como um teatro aberto”
Luca em apresentação na Avenida Paulista: de acordo com o músico e fisioterapeuta, os brasileiros têm boa relação com estrangeiros fácil de se fazer dinheiro rápido. Vejo a rua como um teatro aberto.” Luca é casado com a italiana Cami Vargas, morena de olhos claros; uma artista que se expressa por meio de imagens im-
pressas na pele das pessoas. Ela estudou no Instituto Nacional de Belas Artes, em Montevidéu, e tem junto com o músico um filho de quatro anos. Agora, estão à espera do mais novo membro da família. abril 2018
Segundo o italiano, a Paulista lhe deu a segurança necessária para trabalhar e a possibilidade de demonstrar seu trabalho aos mais diversos públicos. “Vi no coração de São Paulo as coisas acontecerem com a música”. Hoje, Luca se vê apenas como um artista e não como um artista de rua: “não vejo diferença no lugar onde me apresento”. Para o futuro, Luca aguarda o nascimento do seu filho em agosto e planeja continuar viajando pela América Latina, continente que passou a admirar junto da esposa. A dupla inclusive mantém contas em redes sociais com vários posts com paisagens, registros e comentários sobre os lugares visitados. Só tem um problema: a Kombi, que sempre levou sua família a atravessar fronteiras, foi destruída em um acidente de trânsito. Com isso, os planos da família estão prejudicados por enquanto. “Meu único problema no momento é resolver como será a viagem desta vez”, lamenta. EXPRESSÃO
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EDUCAÇÃO
Segunda língua na infância traz benefícios ao aprendizado Estudo afirma que conhecer outro idioma favorece o desenvolvimento cognitivo e emocional; crianças assimilam conteúdos mais facilmente Fernanda lourenço
Hoje, cada vez mais cedo, o mundo tem cobrado conhecimento e fluência em uma segunda língua. Falar outro idioma se tornou essencial e, para muitos pais, inserir os filhos o quanto antes nesse universo – geralmente com o inglês – é o melhor. Mas o receio de submeter os pequenos a um aprendizado precoce e confundir o raciocínio e desenvolvimento cognitivo ainda preocupa. Encontrar colégios bilíngues ou que ensinam a língua inglesa para crianças da pré-escola com métodos eficazes não é tarefa fácil: em alguns lugares, as mensalidades ultrapassam R$ 2 mil. Karina Mello, mãe de Maria Eduarda, de 4 anos e 9 meses, explica que já pensava no futuro ao matricular a filha, há um ano, em um colégio com ensino da língua inglesa. “Eu optei por colocá-la em uma escola com ensino de inglês, pois acredito que as crianças devam aprender mais que as disciplinas básicas, elas precisam expandir os conhecimentos. Pode ser que
os resultados não surjam agora, mas quando ela crescer, será de grande valia”, afirma Karina. Já Flávia Masiero e o marido vão além: os dois ensinam o filho, Vicenzo Masiero Morelli, de 1 ano e 8 meses, simultaneamente em português e inglês. A criança já está em uma escola bilíngue. “A criança é uma esponja, ela consegue aprender vários idiomas naturalmente. É muito importante que meu filho aprenda outro idioma, principalmente o inglês”, declara Flávia. Pesquisa recente, realizada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), analisou a influência do bilinguismo precoce sobre o desenvolvimento cognitivo na infância e concluiu que uma criança bilíngue pode intensificar o controle inibitório. Cabe a este evitar ou controlar respostas impulsivas e criar réplicas usando a atenção e o raciocínio. Outros benefícios, como ajudar na memória e na concentração, também são adquiridos.
Por que as crianças têm mais facilidade para aprender inglês? Um estudo feito por cientistas ingleses e americanos constatou que crianças de 2 a 4 anos de idade têm mais facilidade em aprender a segunda língua. Isso porque é nessa fase que os pequenos
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TEMPO Conquistas dos surdos Século XVIII: práticas gesticulares começam a ganhar força
1857: fundada a primeira escola para surdos no Brasil, atual Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines) 1880: congresso de Milão decide que os surdos seriam educados por meio da oralização Séc. XIX: língua de sinais é proibida por mais de 100 anos
Alunos de pré-escola em aulas de inglês: colégios bilíngues têm custo mais elevado
EM SÃO PAULO
Colégio Judeu incentiva a autonomia dos jovens
Edgar Nascimento
1971: retomada da linguagem de sinais 2002: no Brasil, Libras é reconhecida como língua oficial pela Lei 10.436 2015: sancionada a Lei Brasileira de Inclusão 13.146, que entrou em vigor em janeiro de 2016 Elias Riz/RENA
Projeto arquitetônico do Colégio Renascença traz o tema terceiro educador edgar nascimento
têm maior “abertura do cérebro”, ou melhor, curiosidade para aprimorar as habilidades linguísticas e desenvolver as ligações entre os neurônios mais rapidamente em relação à fase adulta.
EXPRESSÃO
Edgar Nascimento
LINHA DO
Brinquedos que só funcionam em grupo, paredes móveis ou até mesmo tornar a lousa o seu próprio game. Essa é uma das propostas do novo espaço do Colégio Renas-
cença. Com o conceito de “terceiro educador”, o projeto buscou se tornar um agente na formação dos estudantes, com espaço aberto e iluminado e mobiliário flexível. A escola buscou referência em países como Israel,
Inglaterra, Espanha, Itália e Finlândia. Aprender om independência é a moda da vez. “O dia a dia dos alunos é cercado por temas que dialogam com questões da sociedade”, conta João Martins, diretor-geral do colégio.
Professora ensina sobre inclusão social
ACESSIBILIDADE
Educação de surdos enfrenta barreiras
CIÊNCIA
Fé colabora para tratar doenças
Na rede pública municipal, alunos têm o apoio de Estudos atestam os benefícios profissionais, mas encaram da espiritualidade à saúde dificuldades na alfabetização Rodrigo calado
gabriela ferraz
O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2017 repetiu a tradição de levantar dilemas sociais relevantes do cotidiano brasileiro: a partir da proposta de discutir os desafios para a educação de surdos, foi iniciada uma discussão sobre a qualidade do ensino para esses estudantes, em especial na rede pública. No Brasil, cerca 9,7 milhões de pessoas têm deficiência auditiva, segundo dados do Censo de 2010. As políticas públicas educacionais brasileiras são consideradas precárias por especialistas, já que, embora suponham a presença de professores intérpretes para sanar dificuldades de aprendiza-
gem, não são suficientes para que o conteúdo das escolas seja passado para surdos, mesmo que estes dominem a Língua Brasileira de Sinais (Libras). “Os maiores desafios são profissionais capacitados. As escolas não aceitam essas crianças, já que existe uma cota”, afirmou Poliana Santana, 23, educadora física. INTERAÇÃO
Outra questão relevante é a necessidade de interação constante entre o professor da classe e os profissionais que oferecem o apoio pedagógico especializado, principalmente quando se trata da alfabetização de crianças. “Profissionais auxiliares estão em falta, os professores em geral não sabem lidar com essas crianças e esse tipo de adaptação” conclui Poliana. Fernanda Lourenço
Desde a Antiguidade, quando os gregos abandonaram a mitologia e escolheram a razão como instrumento mais adequado para explicar a sociedade, fé e ciência vivem uma clássica disputa para provar qual dos lados está com a razão. Agora, essa rivalidade milenar parece coisa do passado – ao menos no campo da saúde. Em seu consultório do Hospital Albert Einstein, Paulo de Tarso Lima, coordenador da área de Medicina Integrativa do hospital, ao atender os pacientes, costuma perguntar logo na primeira consulta: “como você professa sua fé?”. Se o doente vai à missa, o doutor o estimula a aumentar frequência aos cultos; se deseja a visita de padre, pastor ou
Mulheres lidam com invisibilidade no mundo da ciência Soraia Victor
Estudante de Engenharia Mecânica lê sobre empoderamento feminino soraia victor
Ao empossar o novo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia em Brasília, em setembro de 2003, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva disse: “não foi citado o nome de uma mulher, que é uma coisa que nós vamos ter que reparar daqui para a frente. A não ser que alguém prove que não tem mulher cientista”. Elas existem, mas não vemos. Uma pesquisa feita pela Elsevier, editora de artigos científicos, apontou que, dos trabalhos publicados globalmente entre 1996 e 2015, 40% dos autores eram mulheres. No Brasil, 49%, beirando a paridade de gênero. Os dados podem ser razoavelmente bons, mas quando se
trata de mobilidade internacio-
nal o número é baixo. De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, desde 1995 as mulheres são maioria nas concessões de bolsas de iniciação científica: 52,8%, contra 47,2% para homens; e, desde 1998, nas de mestrado, com 52,1% contra 47,9%. “Políticas de incentivo não seriam necessárias caso a mulher encontrasse reconhecimento e respeito no ambiente acadêmico, no seu local de trabalho e na sua própria casa. A universidade dá a mesma oportunidade para ambos os gêneros, mas isso ainda não é o suficiente se a capacidade feminina for subestimada por colegas e/ ou professores”, diz Luanna Parreira, doutora em Ciência e Tecnologia e pós-doutoranda no Instituto de Química da Universidade de São Paulo - USP).
SOCIEDADE
Índice de depressão cresce entre universitários Gabriela araújo
“G” em Linguagem Brasileira de Sinais (Libras)
rabino, o hospital manda chamá-lo; se o paciente quiser meditar, professores de ioga são convocados. O Albert Einsten é pioneiro em medicina integrativa e disponibiliza sessões tanto para pacientes oncológicos quanto para seus acompanhantes. A prática tem ganhado força na saúde privada. “A gente vive um novo momento agora, que é o de ter dados científicos mostrando que as práticas meditativas e a alteração do estilo de vida podem modificar a expressão genética de uma pessoa”, afirma o médico. Aos 65 anos, Rafael Clauss teve de passar por um transplante cardíaco. Na lista de espera, sem saber ao certo se aguentaria, ele adotou uma atitude de gratidão. “Não sei quem doou, mas não deixo de rezar por ele e pela felicidade de sua família”, disse.
GÊNERO
Trabalhos, provas, emprego, cursos… as cobranças são muitas na rotina de um universitário, principalmente em relação ao bom desempenho. No entanto, muitos estudantes, na tentativa de conciliar todas as responsabilidades da vida acadêmica, profissional, social e amorosa, acabam condenando a
saúde mental a uma rotina de noites mal dormidas, má alimentação e altos níveis de estresse. “Eu sempre me cobrei muito na faculdade, e com a pressão das responsabilidades ao longo do tempo desenvolvi síndrome do pânico, tive crises de ansiedade e cheguei à depressão”, conta a estudante de Ciências Contábeis Dayane Santos.
“Minha mente passou a trabalhar mais devagar e, de repente, me vi numa confusão mental. Esquecia coisas devido às altas doses de remédio.” Estudo feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou que cerca de 5,8% da população brasileira sofre de depressão, sendo a maioria dos casos entre jovens e estudantes. O índice de abril 2018
suicídio também cresceu. De 1980 a 2014, houve um salto de 27,2%. “O estresse causado pela rotina puxada da vida acadêmica pode muitas vezes ser inevitável à saúde mental do estudante, mas é possível prevenir com a prática de exercícios aeróbicos”, afirma José Carlos Farah, professor do Centro de Práticas Esportivas da USP.
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ESPECIAL
Febre amarela em SP mobiliza governo Aumento de casos no Sudeste reacende risco de epidemia em áreas urbanas e gera corrida a postos de saúde Dirk Fuhlert / Freepik
Vacina contra a febre amarela sendo aplicada por profissional da área da saúde Luana Amorim
O novo ciclo da febre amarela iniciado em 2017 mobiliza governos para o combate à doença. Segundo o Ministério da Saúde, já foram mais de 700 casos, com quase 240 mortes (dados de março de 2018). No centro do mapa de ocorrências está São Paulo: o estado é o segundo colocado em volume de casos, atrás, apenas, de Minas Gerais. Em setembro de 2017, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo iniciou a vacinação preventiva contra a febre amarela na zona norte, após a confirmação do primeiro macaco morto pela doença, denominada epizootia. De lá para cá, os esforços se ampliaram – e o que era um caso isolado já levou a 136 mortes de primatas, segundo a prefeitura, além de ter elevado o volume de ocorrências. Outro fator que também fez com que a zona norte fosse considerada prioritá6
ria foi sua proximidade com corredores ecológicos, como o Parque da Cantareira e o Horto Florestal. Em dezembro, após a confirmação de epizootias no município de Itapecerica da Serra, a campanha chegou à região sul, no distrito Raposo Tavares e em alguns da Zona Oeste. A imunização foi ampliada na primeira fase da campanha de vacinação. A morte de macacos e o número crescente de casos confirmados passaram a ser amplamente divulgados, levando a população a formar grandes filas nas unidades de saúde. Na zona norte, além das 90 unidades básicas de saúde (UBS), postos volantes foram montados em locais estratégicos, como igrejas, shoppings e estacionamentos. Para aumentar o acesso à vacina, foi criado um cronograma com base nas regiões consideradas de risco. Em 29 de janeiro, foi iniciada a campanha da vacina fracionada – a segunda fase. As
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medidas demonstram o temor com o mais alto volume de casos da doença registrado em anos. CASA A CASA
Uma das estratégias adotadas na zona norte foi o “casa a casa”, com distribuição de senhas e vacinação em residências. A medida reduziu filas. “É um trabalho forte de sedução do funcionário, que tem de dar conta do funcionamento normal da UBS e da imunização”, comenta o coordenador regional da Saúde Norte da Secretaria Municipal de Saúde, José Mauro Correa. Hoje, a média de cobertura de imunização na região está em 75%. “Estamos pedindo que a população vá às unidades de saúde para fazer a avaliação para saber se pode tomar a vacina. Vamos conseguir vacinar todo o território”, afirma Correa. NOVA ESTRATÉGIA
Houve, porém, desafios. A abstenção à imunização
chegava a 20%; essa porcentagem representa duas em cada dez pessoas que recebiam a senha e não compareciam à unidade de saúde. Em torno de 20 mil pessoas deixavam de tomar a vacina da febre amarela diariamente. Para reverter isso, na terceira fase da campanha de vacinação a dose chegou a 466 salas de vacinação dos 96 distritos da capital. Essa medida segue até o dia 30 de maio. A meta é imunizar 95% da população paulistana ainda neste primeiro semestre de 2018. RISCO
Em fevereiro, foram registrados os primeiros casos autóctones na capital, contraídos no local de residência: oito casos, quatro dos quais resultaram em morte. Os casos são de febre amarela silvestre. Os cidadãos da metrópole temem um novo surto. “Já tive dengue e tenho muito medo de pegar a febre amarela. Minha parte eu faço em casa, não deixo o mosquito se criar, mas nem todos têm essa consciência”, diz Maria Lúcia, moradora da zona norte. O secretário estadual de Saúde de São Paulo, David Uip, diz que não há registro de febre amarela transmitida por meio do mosquito Aedes aegypti, que é o vetor da doença em caráter urbano. Segundo ele, a possibilidade de a doença migrar para área urbana é constantemente avaliada.
A doença e seus tipos: entenda os ciclos silvestre e urbano Cintia Santos
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, os registros de febre amarela se iniciam em 1685, no estado de Pernambuco. A realização de campanhas de prevenção possibilitou o controle das epidemias por cerca de 150 anos no País. A doença apresenta dois ciclos epidemiológicos: a febre amarela urbana e a silvestre. “A diferença é que no ciclo urbano a transmissão acontece pelo mosquito Aedes aegypti e o ser humano deixa de ser hospedeiro acidental e passa a ser hospedeiro principal. Já no ciclo silvestre, a transmissão ocorre entre os mosquitos de gêneros Haemagogus e Sabethes e os primatas não humanos, em áreas de mata ou floresta”, afirma o coordenador do Programa Municipal de Vigilância e Controle de Arboviroses, Eduardo de Masi. No Brasil, não há transmissão urbana desde 1942. Os relatos confirmados, de acordo com o Ministério da saúde, são de ocorrências de febre amarela silvestre. Se acontecer a urbanização da febre amarela, os métodos de prevenção, além da vacina,
devem se concentrar na eliminação dos recipientes que servem de criadouro para o mosquito. Para a população que nunca entrou em contato com a febre amarela ou nunca se vacinou, o risco de contrair a doença ao viajar para locais com transmissão é grande, mesmo que não haja casos confirmados. Nas áreas de florestas tropicais da América do Sul e da África, pode haver surtos e epidemias, com importante impacto em saúde pública. Segundo a coordenadora do Núcleo de Doenças transmitidas por Vetores e Outras Zoonozes, Vivian Ailt, “pacientes com febre amarela podem apresentar quadros sem nenhum sintoma ou formas graves, com alterações hepáticas e renais e sangramentos acompanhados de alta letalidade. A maioria dos pacientes evolui para a cura”, diz. “Não há tratamento específico que atua no vírus da febre amarela, sendo realizado tratamento de suporte, visando hidratação. A pessoa que possui a doença fica imunizada naturalmente, isto é, não corre o risco de pegar novamente.” Mariana Morgado
REAÇÕES
Contraindicações dificultam campanha Com grupo extenso de pessoas que não podem ser imunizadas, governo indica alternativas
Pessoas em tratamento de doenças crônicas fazem parte do grupo que não podem tomar a vacina
Gabriela Gonçalves
Com o maior surto de febre amarela vivido pelo Brasil desde a década de 1940, período em que a doença foi erradicada em meio urbano no País, o Ministério da Saúde e governos estaduais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro intensificaram a campanha de vacinação contra o vírus nos últimos seis meses. De acordo com balanço divulgado pela Prefeitura de São Paulo, 1,5 milhão de pessoas já foram vacinadas na capital paulista desde o dia 25 de janeiro, data oficial de início da campanha. Apesar dos esforços criados em parceria pelos governos federal, estadual e municipal, até
o fechamento desta edição, cerca de 17 milhões de pessoas, nos três estados com maior número de casos da doença, ainda não tinham se vacinado em pouco mais de dois meses de campanha. Do total de pessoas não vacinadas, parte delas se enquadra nos chamados grupos de risco, isto é, pessoas que por razões diversas não podem receber a vacina, tanto em sua dose fracionada quanto na dose padrão. Crianças com menos de 9 meses, gestantes, mulheres lactantes e pacientes que estejam com a imunidade baixa ou fazendo algum tratamento de saúde, como soropositivos, não são indicados para receber a vaci-
na. Isto ocorre porque o método de vacinação expõe o paciente ao vírus da febre amarela em uma menor proporção, fazendo com que o próprio organismo reaja ao agente invasor produzindo anticorpos e imunizando a pessoa vacinada. Pessoas que estão inseridas nestes grupos contraindicados, de modo geral, estão com uma carga de anticorpos menor que a recomendada e os riscos à reação podem ser mais severos. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, só no estado de São Paulo três pessoas morreram por reação logo após terem sido vacinadas, e outros seis casos estão sob investigação.
Outras formas de proteção Vestir camisas de manga longa Usar sempre calças compridas
Imagens: Freepik
Agência Brasil / Tomaz Silva
Usar repelente de procedência conhecida e eficácia comprovada, dentro do intervalo de horas indicado Evitar as áreas de mata
Paula Prata
Em São Paulo, desde janeiro de 2017 três pessoas morreram por reações adversas graves da vacina da febre amarela, segundo o último balanço da Secretaria de Saúde. Além dos três óbitos, outras seis mortes estão sendo investigadas e a suspeita é de que a vacina tenha sido a causadora da morte. Pouco tempo após o início das campanhas de vacinação, pessoas começaram a relatar diversas reações ao medicamento. E assim surgiu um dos maiores vilões de estratégias de imunização: o questionamento da população sobre os riscos de se usar vacinas, causando menos comparecimentos
do que o necessário aos postos de saúde. A vacina contra qualquer doença é, na verdade, uma quantidade diminuída do vírus que deve ser implantada no organismo para que o corpo crie anticorpos e esteja preparado. Partindo desse princípio, é natural que quem seja vacinado sinta algumas reações. “A reação imunológica é necessária para conferir imunidade e proteção a doença”, explica Olga Ribas Paiva, médica atuante na área de imunização na Coordenadoria de Vigilância em Saúde. A médica explica que os eventos adversos mais frequentes após tomar a vacina são reações no local da aplicação, como dor, mas lembra que podem ocorrer manifes-
Agência Brasil / Ravena Rosa
Medo de vacina é infundado, alerta especialista
Frascos com medicamento estão sendo distribuídos em todos os postos do país tações que variam de intensidade moderada a grave. RESISTÊNCIA
Mesmo com todas as informações presentes na mídia sobre a segurança da vacina contra a febre amarela, ainda existem grupos de pessoas espalhadas pelo país que são contra a medida de vacinação.
“Eu realmente não acho que a vacina seja tão necessária como o governo diz, acredito até mesmo que o medicamento apresenta risco ao paciente e é por isso que não tomo”, diz o engenheiro Roger Prata, 26. Questionada sobre o grupo “anti-vacina”, Olga Paiva informa que, nos casos em que o indivíduo não tem contraindicações,
a reação imunológica grave à vacina foi pessoal, imprevisível e rara. “No caso da febre amarela, a letalidade da doença no Brasil é superior a 40%, já a incidência de eventos adversos graves pós vacina febre amarela é de 0,42 casos por 100 mil doses”, pondera a médica, reforçando a segurança da vacina. abril 2018
Reações após tomar a vacina FRAQUEZA Dez dias após tomar a vacina, comecei a sentir e moleza, decidi ir ao hospital. Chegando lá, fiz alguns exames e descobri que minhas plaquetas de sangue estavam baixas e isso se deu por reação ao medicamento. Valdemir Ildefonso Ferreira, 58, aposentado DOR DE CABEÇA Comecei a sentir as reações no dia seguinte. Senti cansaço, dor de cabeça e muita febre. Fiquei alguns dias de cama e me sentindo cada vez pior. Fiquei assim por praticamente uma semana. Reinaldo Prata dos Santos, 53, programador
EXPRESSÃO
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ESPECIAL
Morte de macacos provoca alerta para riscos ambientais Número de animais vítimas da doença e por espancamento aumentou
Micaela Cristina
6 MESES A 1 ANO
é a pena prevista na legislação ambiental para quem agredir, maltratar ou causar a morte de animais silvestres - como nos casos registrados com macacos
Parque Rodrigo de Gásperi, zona norte da Capital, fechado durante ação da Prefeitura
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fernanda alves
parques foram reabertos pela prefeitura de São Paulo em março, após meses de restrição a visitantes Rovena Rosa/Agência Brasil
O surto de febre amarela tem preocupado a população e lotado postos de saúde, mas também afeta animais silvestres. Em
2017, dezenas de macacos foram encontrados mortos em parques e áreas de preservação após contrair o vírus, o que acendeu o sinal de alerta da comunidade científica.
Só no município de São Paulo, 118 primatas tiveram a morte confirmada por febre amarela entre 2017 e 2018. Os bugios estão entre as espécies mais atingidas.
Micaela Cristina
Nelson Yoneda - ICMBio
Agressão a animais
Além do vírus, o temor pelo contágio tem provocado uma verdadeira matança aos macacos: 132 primatas morreram por envenenamento ou espancamento no estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Segundo Gladyston Carlos Vasconcelos Costa, biólogo do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ-SP), os macacos possuem um importante papel no combate à febre amarela. SENTINELA
“Estes primatas servem de sentinela para o surgimento da doença no local quando adoecem e morrem, pois contribuem para que as autoridades de saúde adotem
medidas para proteger moradores e demais pessoas que passam pela região”, afirma. Além de sentinelas, os macacos também contribuem para a preservação ecológica. Por se alimentar de frutas, os animais espalham sementes em suas fezes, que mais tarde originarão novas árvores. “A eliminação de populações pode causar um desequilíbrio ecológico ao diminuir a possibilidade de espécies vegetais concluírem o seu ciclo reprodutivo”, alerta. Para evitar a morte de primatas, os ministérios da Saúde e do Meio Ambiente lançaram uma campanha para combater os ataques e agressões aos animais.
Veganos buscam alternativa para se imunizar
Marcello Casal / Agência Brasil / 28.9.2014
Nathalia Costa
Parque da Aclimação, zona central de São Paulo
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Desde que a epidemia da febre amarela veio à tona na mídia brasileira, diversas pessoas começaram a procurar postos de saúde para garantir a sua imunização. Entre os questionamentos, principalmente após a elevação da taxa de mortalidade em São Paulo e em outros estados do País, surgiu a questão dos veganos. Já que um dos componentes da vacina é o ovo, alimento de origem animal, como proteger essa parcela da população? O movimento defende os direitos e a libertação animal, por meio do fim
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da utilização de produtos testados em qualquer espécie. Enquanto profissionais da saúde acreditam na importância da aplicação da vacina, alguns veganos buscam alternativas. A reportagem conversou com cinco veganos para entender suas opiniões. Ana Laura Marcondes, de 20 anos, dona de uma microempresa de produtos artesanais para esse público, não tomou a vacina por não residir em área de risco. “Se fosse necessário eu tomaria sim. O veganismo, por mais que seja um movimento abolicista, prevê que isso aconteça dentro do possível e
do praticável, excluindo todo e qualquer tipo de exploração animal, desde que isso esteja ao nosso alcance.” A jovem graduanda em psicologia ainda fez uma breve analogia: “Está ao meu alcance não utilizar cosméticos testados em animais, mas não está ao meu alcance deixar de tomar uma vacina ou medicamento que coloque a minha própria vida em risco”. ALTERNATIVA
Lucas Junior Alves, de 28 anos, vegano há cinco, tem outra opinião. “Muitos veganos estão tomando a vacina por conta da
Veganismo é opção para quem quer ter vida saudável; na foto, alimentos de festival vegano em Brasília (DF) preservação da espécie e também por não deixar que o vírus da febre amarela se propague ainda mais. Eu não tomei e estou me virando com repelentes e alternativas caseiras”, diz. “Eu assumo o risco, mas não abalo a minha causa.”
Nenhuma discussão sobre a produção de uma vacina sem componente de origem animal foi identificada até agora; são apenas suposições. Entretanto, já existem questionamentos em grupos e associações veganistas sobre a criação de enzimas sintéticas para a produção da vacina.
ESPECIAL
Tragédia em Mariana pode ter aumentado casos da doença
Falta de vacina impede viagem ao exterior Arquivo pessoal
José Cruz / Agência Brasil
Bióloga afirmou haver relação entre os dois acontecimentos Vaninha Vieira dos Santos foi barrada na Índia fernanda alves
Barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, a 35 quilômetros de Mariana, dois anos após o rompimento Lais evelyn
O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco em Mariana (MG), em 2015, pode ter sido um dos fatores que influenciaram o aumento de casos de febre amarela, sobretudo no sudeste do Brasil. Dos 846 casos confirmados da doença, 384 casos são de Minas Gerais e outros 349 estão concentrados em São Paulo. Até o momento, mais de 215 mortes foram confirmadas apenas nesses dois estados. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde, a
crescente onda de casos e óbitos referentes ao mosquito não se deve ao fato de um verdadeiro surto, e sim, à chegada do vírus em zonas mais populosas. Só neste ano, cerca de 32,5 milhões de pessoas estão em áreas de risco. Entretanto, segundo a bióloga Jennifer Soares, o fato está interligado ao que ocorreu em Mariana. A especialista afirma que a febre amarela é uma doença contida apenas em florestas. O maior desastre socioambiental do País afetou rios e lagos, e, consequentemente,
fez com que animais que continham o vírus migrassem, aumentando o número de transmissões. “O surto em Minas Gerais começou em 2016, um ano após a grande tragédia, e não foi muito divulgado pela mídia”, afirma. “Outro dado que não foi muito comentado é que no ano seguinte ao ocorrido, nada foi feito para que as coisas melhorassem rapidamente. Em 2017, tivemos alguns casos isolados da doença e, agora em 2018, o surto está em diversos lugares do País”, afirma a bióloga.
Em janeiro deste ano, as redes sociais foram bombardeadas com textos que alegavam uma ligação entre Mariana e a febre amarela, principalmente posteriormente à entrevista da bióloga Márcia Chame, da Fundação Owaldo Cruz, que afirmava haver relação entre os dois acontecimentos. Apesar das especulações, tal afirmação ainda não possui confirmação científica e algumas instituições especializadas no assunto estão em processo de averiguação dos fatos.
Cada vez mais países estão exigindo que os viajantes apresentem o Certificado Internacional de Vacinação ou Profilaxia (Civip). A documentação, que é emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), comprova que o indivíduo está vacinado contra determinadas doenças, entre elas a febre amarela. Para quem já tomou a vacina em sua dose única, não é preciso a segunda dose, mas, para aqueles que não tomaram ou foram vacinados apenas com a dose fracionada, é necessário que se regularize e solicite a certificação com até dez dias de antecedência da viagem. O Civip é tão importante que a perda dele pode prejudicar gravemente o passageiro. A professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Vaninha Vieira dos Santos, de 42 anos, ficou em quarentena no aeroporto da Índia por quatro dias devido à perda do seu certificado. “Fui para a Índia no final do ano passado e sabia que precisava da documentação. Quando desembarquei em São Paulo, notei que estava sem o certificado, mas decidi arriscar”, diz a professora. Quando chegou à Índia, Vaninha foi barrada por abril 2018
não ter ao menos uma cópia do certificado. “Me levaram para uma triagem no aeroporto e depois de todo o trâmite disseram que eu não poderia entrar na Índia, pois o Brasil é um dos países que está com a vigilância da febre amarela e eu não tinha como comprovar a vacinação”, alega a professora da UFBA. A professora ficou isolada dentro de um quarto em um hospital ligado ao aeroporto até que toda a situação fosse resolvida. “Fui obrigada a passar o final de semana presa, pois a Anvisa e a embaixada não conseguiam se comunicar. Mobilizei pessoas no Brasil para me ajudarem, mas os órgãos foram absolutamente irredutíveis, alegando que o procedimento era apenas via embaixada e e-mail”, conta. “Tive um desgaste físico e emocional por estar em um lugar estrangeiro, dentro de uma cultura nova e sem comunicação.” Entramos em contato com a assessoria de imprensa da Anvisa para esclarecer melhor casos como os da professora. Danilo da Silva Molina, assessor de imprensa do órgão, não quis se pronunciar sobre o ocorrido, mas alegou que não há outros meios a não ser os contatos entre consulado e embaixada em casos de segunda via do certificado.
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VIDA DIGITAL
Mercado de tecnologia investe em acessibilidade assistiva Rita Bersch / Divulgação
Soluções de inteligência artificial para pessoas com deficiência garantem inclusão e bem-estar Mayara Sakumoto
Ferramentas tecnológicas têm quase sempre um propósito comum: suprir de maneiras inteligentes as necessidades humanas, de olho no bem-estar. Uma nova tecnologia começa a se aproximar da população com deficiência e, assim, ampliar e proporcionar habilidades funcionais: a acessibilidade assistiva, promessa de inclusão social e acesso a uma vida independente. A fisioterapeuta Rita Bersch, diretora da Assistiva Tecnologia e Educação, acredita que as ferramentas devem ser divulgadas, estudadas e implantadas em parceria com órgãos e entidades. “Também atuamos no atendimento ao usuário
Laboratório de tecnologia assistida para avaliar, indicar e disponibilizar recursos de tecnologia assistiva, bem como acompanhar o uso desses recursos e sugerir eventuais adequações.” Segundo o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com deficiência, no Brasil existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa 23,92% da população brasileira. Pessoas e empresas estão
investindo nesse segmento para empreender e, ao mesmo tempo, gerar impacto social. Este foi o caso da professora Ana Grasielle, especialista em tecnologia em análise e desenvolvimento de sistemas. Junto com os seus alunos de classe, eles elaboraram e criaram um sistema de avaliação didática acessível portátil para pessoas com deficiência visual. O “QUIZ” foi avaliado por
alunos cegos e com baixa visão, para verificar sua viabilidade como ferramenta educacional. “Desenvolvemos um sistema de avaliação didática (QUIZ) para uso em touchscreen por usuários cegos”, conta. Daniel Georgio, 26 anos, consultor de vendas de produtos de mobilidade, nasceu com problemas nas pernas e, desde criança, utiliza a cadeira de rodas para se locomover. “Com certeza, sem a minha cadeira eu não sairia da cama. A cadeira de rodas para mim, é sinônimo de liberdade”, conta. “Ao contrário do que muitos pensam, hoje em dia temos produtos bem simples para aqueles que não têm condições financeiras, além dos sofisticados.”
MOBILIDADE
Aplicativos são alternativa de emprego para brasileiros Sergio Vitor
A taxa de desemprego cresceu de forma significativa nos últimos anos. De acordo com o IBGE, só no último trimestre de 2017, o número de emprego caiu 12,4%. A tecnologia, porém, auxiliou pessoas fora do mercado de trabalho a ganhar, mesmo que informalmente, uma renda para suprir as necessidades. 10
A migração para aplicativos de transporte se tornou rentável para vários trabalhadores, que hoje se dedicam exclusivamente à ferramenta. O motorista pode escolher entre as opções disponíveis na sua loja virtual e adaptar-se às especificações das ferramentas. João Paulo Santiago, 22 anos, é morador do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. Ele é formado em Filosofia e, atual-
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mente, cursa Direito. Por meio do trabalho no app, ele paga a faculdade, o financiamento do carro e o seguro do veículo. “O mercado de trabalho está difícil, principalmente para quem é recém-formado”, dispara. Santiago lembra que há um ano e meio ficou desempregado e sem referências para procurar emprego. Apesar de começar a ganhar dinheiro, o estudante
deparou-se com um problema que jamais tinha visto: dívida. Em pouco tempo percebeu que, juntando a compra do carro e outras despesas financeiras relacionadas ao aplicativo, seu débito já estava em torno de R$ 30 mil. “Como dirigir em São Paulo é bastante perigoso, não trabalhei antes que contratasse um seguro. Também tive que trocar de celular”, relata.
REDES SOCIAIS
Youtubers negros contrastam com acesso desigual à rede Leticia Fialho
Com 300 horas em vídeos postados a cada minuto, o YouTube se tornou uma das maiores plataformas desse formato no planeta. Com isso, também se tornou lugar de crítica social e empoderamento: negros e negras ganham a cena midiática como porta-vozes de luta. Diversos canais são liderados por youtubers negros na cena brasileira, como o Papo de Quinta (PdQ!), de Paulo Corrêa; Afros e Afins, de Nátali Nery; e DePretas, de Gabi Oliveira. Além de questões de entretenimento, lazer e cultura, os vídeos abordam questões de identidade, racismo, inclusão, estética negra e combate à desigualdade, reforçando o papel social do influenciador digital.
O acesso à internet pela população negra brasileira, porém, ainda é um entrave. Em 2016, apenas 54% da população tinha acesso à internet em seu domicílio, segundo a pesquisa TIC Domicílios/Cetic.br. Em 2014, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou um estudo sobre o acesso à internet e à televisão e a posse de telefone móvel. O percentual de pessoas brancas com acesso foi de 61,5%, enquanto entre os negros chegou a 39,5%. Este abismo, porém, já foi maior: em 2003, a Fundação Getúlio Vargas fez um Mapa de Exclusão Digital, no qual um branco nas mesmas condições de um negro tinha 167% mais chances de acessar a internet.
DINHEIRO
Bancos incorporam o uso de moeda virtual Larissa Almeida Embora as opiniões entre economistas e especialistas do mercado financeiro sejam diversas, o assunto bitcoin ganhou relevância nos últimos anos. Somente em 2017, a moeda teve valorização de 900%. Instituições têm trabalhado em prol de transações com moeda virtual. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, desenvolveu junto ao Banco de Desenvolvimento Alemão (KfW) uma ferramenta para aprimorar a transparên-
cia e eficiência no uso de recursos públicos. O banco terá moeda virtual própria em suas operações ainda este ano; ela será usada pela primeira vez em projetos do Fundo Amazônia. O sistema se baseia na tecnologia blockchain, a mesma usada em criptomoedas como o bitcoin, e tem como vantagem a possibilidade de combate a fraudes. O bitcoin é a mais importante moeda digital. No Brasil, o número de investidores já ultrapassou o total de pessoas físicas cadastradas na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3.
TECNOLOGIA E SAÚDE
Medicina avança com cirurgias minimamente invasivas Lalo de Almeida
Robôs cirurgiões operam há 10 anos no Brasil; à frente na adoção de tecnologias, São Paulo tem o maior número de procedimentos do tipo
Cirurgião manuseia o robô Da Vinci no centro cirúrgico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz Helen Christo
Com nome que referencia o perfeccionismo de um dos maiores artistas da
história, o robô Da Vinci é um dos avanços da precisão em prática médica no século XXI. A tecnologia, adotada em cirurgias, be-
neficia o paciente, com resultados positivos no pós-operatório. O primeiro procedimento aconteceu no Ca-
nadá no Hospital Geral de Montreal, em 2001. No Brasil, o robô chegou em 2008 ao Hospital Sírio-Libanês, na área urológica. Contam com a nova metodologia centros como o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a Beneficiência Portuguesa e o Hospital Brasil. Hoje, o País conta com 40 equipamentos, e o maior número de cirurgias realizadas em São Paulo é no Hospital 9 de Julho, que só em 2017 fez 2 mil operações robóticas, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (Sobracil). O cirurgião urológico do Hospital Albert Einstein, Sandro Mendonça
de Faria, aponta que todo procedimento cirúrgico presenta riscos, mas o uso da tecnologia os reduz. “Apesar de ser chamado robô, ele não toma decisões próprias, na verdade é uma plataforma que obedece aos comandos do cirurgião”, comenta. PRECISÃO E SEGURANÇA
O Da Vinci é manipulado por especialistas pelo computador com imagem 3D, que proporciona uma visão mais nítida que a dos olhos humanos. Os quatro braços da máquina reproduzem o movimento das mãos do médico; caso o operador
tire a mão do controle, a máquina para. No Brasil, são cerca de 200 cirurgiões habilitados. As exigências incluem especialização em teoria e prática robótica, treinamento e acompanhamento de procedimentos. Por ser uma cirurgia de alto custo, no Brasil só há um robô operando em hospital público, no Instituto do Câncer em São Paulo (ICESP). Em nota, a secretaria da Saúde informou que acredita que cada instituição tem o seu motivo para adotar ou não a tecnologia de robôs em procedimentos cirúrgicos.
“Apesar de ser chamado robô, ele não toma decisões próprias” Sandro Mendonça de Faria, cirurgião
DIVERSÃO E SERVIÇOS
Drones invadem espaços urbanos Abner Gonzaga
Não é novidade que o avanço tecnológico dos últimos anos tem trazido inovações às formas de se fazer negócios, prestar serviços e oferecer entretenimento. E, entre diversos exemplos, há um dispositivo que tem chamado atenção por ganhar mais espaço na vida urbana: os drones. De acordo com o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), drone é um veículo aéreo que, além de não ser tripulado, não necessita de
pilotos embarcados para guiá-lo. Estes tipos de aeronaves são controlados à distância por meios eletrônicos computacionais, programados ou sob supervisão humana. A primeira vez que um drone roubou a cena nos noticiários brasileiros foi em dezembro de 2014. Foi quando uma pizzaria em Santo André, região do ABC Paulista, passou a fazer entregas com a pequena aeronave (veja em bit. ly/dronepizzaria). Porém, este e outros curiosos episódios com drones, foram
marcados pelo uso irregular do veículo em relação à legislação aplicável. Segundo a norma publicada em maio de 2016 pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), além da homologação de rádio controle concedida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da certificação de seguro obrigatório, o usuário precisa realizar um cadastro no Decea. É um procedimento indispensável, tanto para uso recreativo como para fins profissionais. Mas por
que tão burocrático? Robison Silva, 29, nascido em Osasco, responde que “estas medidas são importantes para assegurar que nenhum risco de algo grave possa acontecer”. “As chances de um drone se chocar com um avião, por exemplo, são pequenas, mas envolvem um seríssimo risco de vida a muitas pessoas”, complementa. No Brasil, grupos e páginas nas redes sociais realizam encontros nas principais capitais todos os meses, especialmente em São Paulo, além de pro-
Richard Unten / Wikimedia Commons
Drone em funcionamento duzir conteúdo e notícias para um alcance médio de 10 mil pessoas. Isso sem contar os prestadores de serviços que utilizam abril 2018
drones e compartilham seu trabalho na internet, fazendo despertar ainda mais a curiosidade de adeptos do veículo aéreo.
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ARTES
R.A.P.
Sztybe Santuário
Batalha da Leste
Batalhas de MCs incentivam a cidadania e o combate ao preconceito de gênero
Rhythm and poetry (ritmo e poesia)
MCs em evento Batalha da Leste vs. Batalha da Aldeia, realizado no metrô Itaquera HISTÓRIA
Gabriel Alvares
Batalha de
Sangue
Esse tipo de batalha é a ‘raiz’ do movimento. O objetivo não é que um xingue o outro, mas saber colocar peso nas palavras e reverter situações em que o outro MC o colocou em sua rima.
Batalha do
Conhecimento A Batalha do Conhecimento, projeto desenvolvido pelo MC Marechal, também é feita com rimas improvisadas. O diferencial desse estilo é que o improviso é construído a partir de temas da atualidade. 12
“Pra todas as minas firmeza e pra todos os cabras da peste, vai começar mais uma Batalha da Leste!”. Esse é o grito que se escuta todos os sábados, às 16h, no Metrô Itaquera (Linha 3 – Vermelha). Fundado em 2011 por Augusto Oliveira, o movimento é uma das referências na capital paulista. Nomes de peso passaram pela Batalha da Leste, como Rincon Sapiência e Drika Barbosa. Em 2017, o coletivo Lost in Leste passou a divulgar e dar suporte para o evento. Essa movimentação impulsionou a construção de espaços de interação e performance dos artistas, utilizando o espaço urbano como mecanismo de intervenção social. Inspirada em outras batalhas, a da Leste tem a temática de “sangue”, assim como a da Santa Cruz, uma das mais antigas e influentes do Brasil. “Santa”, como é chamada, já revelou nomes como Emicida, Projota e Rashid.
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abril 2018
É impossível afirmar uma data para o surgimento do rap no Brasil, mas em 1997 o grupo Racionais MCs lançou o álbum “Sobrevivendo no Inferno”, que projetou o rap nacional. O disco narra a realidade das favelas. Uma das músicas mais famosas é “Diário de Um Detento”, narrativa do massacre ocorrido na Casa de Detenção Carandiru, em outubro de 1992. Desde então, temas sociais têm maior destaque. “O deslocamento de um jovem da periferia da zona leste até o centro de São Paulo demora uma hora e meia, duas horas. Ao mesmo tempo, você tá saindo tarde da noite e a gente sabe como é. A abordagem da Polícia Militar é outra com jovens negros e periféricos”, conta Augusto, fundador da Batalha da Leste. “A batalha é um expoente da música preta, do que a gente consegue fazer sozinho, porque o Estado não faz”, afirma.
IDEOLOGIA
A batalha do conhecimento é apenas um estilo, já que mesmo na batalha de sangue os mestres de cerimônia adotam muitas referências de temas sociais – como representatividade, lutas contra machismo e racismo. Para rimar, é necessário que se tenha conhecimento além da música, para encaixar no flow (batida), na métrica, no ritmo e na improvisação. São válidas referências de músicas, filmes, livros e filósofos como Platão e Friedrich Nietzsche. Para Augusto Oliveira, a batalha também forma cidadãos. “Aqui na Leste, diferente de outras batalhas, o ambiente consiste em ser amigável para todo mundo”, afirma. “Se está batalhando um mano, ele não vai oprimir uma mina. Se está batalhando um hétero, cisgênero, ele não vai oprimir uma trans e nem vai dar a entender que ser trans é um motivo para sentir vergonha”, conclui.
Projeto altera paisagem do grafite em SP Thaynara Preto
Em 2016, ainda com Fernando Haddad (PT) à frente da prefeitura municipal, os grafiteiros receberam autorização para fazer uma intervenção artística nos muros da avenida 23 de Maio, e grafites em prédios deixaram de ser considerados crime ambiental, passando a ser aceitos legalmente como arte. O início do projeto Cidade Linda, implantado por João Doria (PSDB), dividiu opiniões. Os muros da avenida 23 de Maio foram pintados de cinza e a arte urbana passou a ser levada para pontos delimitados da cidade (como o interior de túneis) e museus. Para o artista Rhailander Exaltação, que atualmente trabalha como educador de arte e produz projetos junto ao
MUDA Estúdio, quando o grafite sai de seu local de origem ele perde sua nomenclatura e peso, passando a ser “street art”, pois o grafite é fruto das ruas. “Eu vejo essa questão como uma nova fase do grafite e da cultura hip hop. É como se fosse um novo ‘braço’ que conseguiram colocar no meio disso e é excelente, porque os grafiteiros antigos que abriram essa porta conseguiram dar pro grafite um patamar de arte”, afirma. “Isso ajuda até mesmo as pessoas mais eruditas a conhecerem essa arte, porque o grafite é popular, então quando ele entra em conflito com galerias e espaços mais formais ele dá uma nova lógica para essas pessoas que estão ali conhecendo outros movimentos artísticos”, diz. Jéssica Medicci
Rap conquista visibilidade
Alguns tipos de batalha
ARTE DE RUA
Mural de Rhailander: grafite mudou de endereço em SP
TEATRO
CINEMA
Allan Bravos
Produtores culturais vivem dificuldades nas capitais do País
Primavera feminista chega à sétima arte A luta incessante por direitos iguais atinge Hollywood
Jordan Strauss/Invision/AP
Natalia Binotto
Clauber Fonseca
Não é de hoje que a cultura virou mercadoria no Brasil e no mundo. No campo do teatro e das artes, produtores na cidade de São Paulo lidam com o problema do custo. Espetáculos, por exemplo, não conseguem se sustentar apenas das bilheterias, já que, para isso, precisariam encher de público as apresentações produzidas. Torna-se necessário recorrera patrocínios. “É muito difícil conseguir patrocínios porque a maioria das empresas está ligada a grandes projetos para divulgar sua marca, usar a Lei Rouanet e a Lei ProAC”, afirma Jardel Romão, produtor há quatro anos e dono da Despertar Produções. Os patrocinadores, normalmente, buscam o abatimento no imposto de renda, que a Lei Rouanet concede como bonificação para quem investe em cultura. Empresas também buscam a exposição de sua marca e investem em grandes produções, que têm pú-
blico e trazem visibilidade ao negócio. Segundo pesquisa do Ibope feita em 2014, 42% da população brasileira não pratica atividades culturais com frequência. Porém, em 2015, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou uma pesquisa que apresenta melhora nos indicadores culturais. Na apuração, 97,1% dos municípios brasileiros possuem biblioteca pública. “As pessoas não valorizam a nossa cultura de base. Acreditam que é de graça e que não seja uma profissão”, diz Jardel, criticando o pouco interesse das prefeituras no teatro. Mesmo com uma grande parcela da população não consumindo arte, a indústria cultural brasileira tem um bom rendimento econômico. De acordo com o Atlas Econômico da Cultura Brasileira, do Ministério da Cultura, publicado em 2017, o segmento representa 4% do Produto Interno Bruto (PIB) anual.
NOVAS PAUTAS
O movimento feminista contemporâneo, iniciado com os protestos dos anos 1960, trouxe duas amplas pautas para a arena pública: a da igualdade social de oportunidades no mercado de trabalho e a da afirmação da liberdade e da autonomia de mu-
Broche usado o Globo de Ouro em apoio às vítimas de assédio sexual da indústria cinematográfica
lheres sobre seu corpo e sexualidade. Desde então, o impacto público das reivindicações cresceu. Para Taynã Souza, professora de História e Arte Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, “a luta está só começando”. A evolução de pautas de interesses femininos, segundo ela,
estará em destaque nos próximos anos – e a ideologia “será abraçada por muitos, que reconhecerão a importância de discutir, estudar, pesquisar e disseminar o tema”, afirma. “Apesar de a batalha ser árdua, juntos somos mais fortes. Os objetivos conjuntos serão alcançados.”
MÚSICA
Queer punk: resistência LGBTTQI na música Lilian Fonseca
De olho no papel de cada gênero na música e na cultura, o movimento punk surgiu em prol da individualidade e da independência; seus defensores contestam o sistema e fogem dos padrões impostos. Uma de suas vertentes pouco conhecidas na atualidade é o queer punk, uma divisão que surgiu da necessidade de militância LGBTTQI (sigla para Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti, Transexual, Queer e
Intersexual) de provocar críticas e firmar posição de artistas desse movimento dentro das cenas punk. A partir da ideia de que esses gêneros ainda têm pouca representatividade da população LGBTTQI, o queer punk se destaca por meio de bandas com gays, lésbicas e transgêneros – tendência que tem crescido no Brasil. Uma das bandas mais conhecidas do queer punk no Brasil retornou aos palcos. A Teu Pai Já Sabe? foi formada em 2008, em
Curitiba (PR), após uma iniciativa de montar uma banda formada por gays. Suas letras abordam questões de discriminação e fazem a inclusão do público LGBTTQI. “Punk rock também é pra viado!” é uma das músicas mais populares da banda. Carlos Tostes, conhecido como Mamá, 46 anos, vocalista da TPJS, considera importante o debate sobre o tema, já que agressões ligadas à discriminação ocorrem todos os dias. “Não digo nós como banda abril 2018
Ana Laura Leardini
Espetáculo “João e o Pé de Feijão”, da Despertar Produções; produção cultural independente é desafio
Gradativamente, o papel da mulher dentro de mudanças sociais e seu impacto ao abraçar uma causa ficaram evidentes na indústria da cultura. Movimentos como o Time´s Up – iniciativa contra o assédio sexual que ganhou força por meio das vozes femininas da sétima arte, entre 2017 e 2018 – se somam a outros protestos que tiveram nomes femininos como protagonistas. No Brasil, a chamada “primavera feminista” de 2015 uniu protestos de rua contra retrocessos vindos do Legislativo nacional com campanhas online de denúncia de assédio, como #meuamigosecreto e #PrimeiroAssédio. Em abril de 2017, a campanha local “Mexeu com uma, mexeu com todas” foi liderada por atrizes contra um episódio envolvendo o ator
José Mayer e uma figurinista, ambos da Rede Globo. A ocasião marcou o ingresso de discussões sobre abusos contra a mulher no campo das artes e do entretenimento. Para Juliana Ribeiro, ativista e estudante, “é importante observar o crescimento da voz feminina em uma sociedade majoritariamente patriarcal”. “É necessário que fique cada vez mais claro para as novas gerações que estamos aqui para conquistar direitos iguais e não aceitaremos menos do que isso”, afirma.
Mamá, vocalista da banda Teu pai já sabe?
gay, mas todas as bandas punk/hardcore. Imagino que o movimento ajude muita gente, porque tentamos causar reflexão sobre o assunto nos shows.”
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ESPORTE E LAZER
Descaso afeta academias ao ar livre Moradores reclamam de falta de atenção da prefeitura com equipamentos colocados em locais públicos O sedentarismo é considerado um dos males do século XXI, e cada vez mais aumenta o número de pessoas com doenças provocadas pela ausência da prática de atividades físicas. Pensando nisso, o Governo do Estado de São Paulo autorizou, em 2012, por meio do Decreto 58.065, a disponibilização de verba para os municípios implantarem em suas praças e locais públicos as academias ao ar livre. Desde a aprovação do projeto, foram implantados espaços em mais de 160 cidades, sendo aproximadamente 250 kits no total. As academias, que inicialmente teriam o objetivo de alcançar a população da terceira idade e incentivar uma vida mais saudável, também podem ser utiliza-
Larissa Porto
Larissa Porto
Academia ao ar livre no Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador (CERET) das por todas as faixas etárias, sem distinção. MANUTENÇÃO
Como as academias ficam a céu aberto e são de livre acesso, os aparelhos ficam expostos às condições climáticas e ações de vandalismo. Segundo o decreto, a manutenção e a preservação dos aparelhos seriam de responsabilidade da prefeitura local de cada
unidade, porém a comunidade tem se queixado da falta de atenção. “Os aparelhos eram novinhos, mas a chuva molha e estão começando a enferrujar, até quebrou um deles. Eu nunca vi ninguém vir fazer manutenção desde que foram colocados”, afirmou Renato Oliveira, frequentador da Academia ao ar livre da Vila Mafra.
QUEM CUIDA
Em nota, a prefeitura de São Paulo disse que os serviços de manutenção nas academias presentes dentro de clubes e centros esportivos estão sob a responsabilidade da Divisão de Engenharia e Serviços de Manutenção. Segundo o órgão, está em estudo contratar empresas para realizar o serviço. A prefeitura informou, ainda, que os locais nos quais as academias foram implantadas possuem vigilância e segurança patrimonial, e, portanto, estão sob os cuidados e responsabilidade da própria administração do parque. DENÚNCIA
Qualquer ato de vandalismo pode ser denunciado na gerência dos centros de esporte ou, fora dos horários de funcionamento, com a segurança do local.
PAZ INTERIOR
ESPORTE UNIVERSITÁRIO
Yoga leva terapia e lazer ao Ibirapuera
Larissa Fernandes
Aulas de Yoga gratuitas e colaborativas fazem parte dos atrativos do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Oferecidas pela organização Leela Yoga, as atividades ao ar livre contam com a participação de duas professoras e alguns voluntários que contribuem com sons de meditação desta prática. Ir ao parque é um costume habitual de muitos paulistanos. As fundadoras do Leela Yoga, Ana Paula Cavalcanti e
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Atletas que costumam burlar a detecção de substâncias proibidas na urina nos exames antidoping e sair ilesos podem estar com os dias contados. Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto analisou o suor como outra matriz para descobrir doping. A técnica promete ser mais rápida e eficaz do que o método já utilizado. A tese de doutorado é de Dayanne Bordin. Em relação à urina e ao sangue, a vantagem do suor é que não há como os atletas sabotarem a coleta, misturando substâncias que afetem os testes. “A coleta do suor pode ser realizada em público. Não expõe o atleta ou o coletor, e o processo de análise é simples.” Para que o suor possa substituir os testes feitos com urina, serão necessários estudos adi-
cionais. “O principal resultado é a possibilidade de incorporar uma nova maneira de realizar o controle do doping no esporte”, argumenta a pesquisadora do tema. O resultado do novo método foi tão eficiente quanto o feito com urina. A pesquisa rendeu à autora a bi-titulação inédita na USP de Ribeirão Preto e na Universidade de Sidney, na Austrália. “No momento, posso afirmar que pode ser uma amostra complementar no controle do doping”, diz. CONTRAPONTO
Já Fernando Solero, presidente da Comissão de Controle de Doping da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), diz que, em competições oficiais, as regras priorizam os testes de urina e sangue. “De acordo com a Comissão, os testes em suor ainda não são permitidos. Não acredito que essa matriz seja uma boa possibilidade”, afirma.
Prática do rugby atrai mais de 10 mil jogadores
Valesca Mendes, se conheceram por meio de um projeto sobre a prática em parques. Valesca anunciou seu interesse de compartilhar aulas abertas ao público no Ibirapuera; a partir disso, as duas se conectaram e juntas exercem a função de divulgar e realizar essas aulas, atraindo ainda mais pessoas que amam fazer. “As aulas são formas de expandir a prática e atrair mais pessoas para esse tipo de benefício à mente e ao corpo dos praticantes da modalidade”, afirma Ana Paula Cavalcanti.
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Michelle Luana
abril 2018
Com origem europeia, o rugby é uma modalidade de jogo similar ao futebol americano que, hoje, ganha mais adeptos no Brasil. O esporte conta com mais de 10 mil jogadores e, só em São Paulo, tem cerca de 30 equipes femininas. Camila Lacerda, jogadora de rugby há oito anos, é integrante do time São Paulo Saracens Bandeirantes Rugby Clube, que foi fundado em 1983 e é uma das equipes tradicionais do
Brasil. Também é treinadora há quatro anos do rugby de Direito da USP e da Faculdade Cásper Líbero. “O ´Band´ feminino possui diversos títulos da modalidade seven-a-side e
participa de todos os campeonatos da Federação Paulista e da Confederação Brasileira de Rugby”, afirmou Camila, que aponta a relação entre o esporte e o campo universitário. Larissa Fernandes
Daniele Gois
Pesquisa inova no método antidoping
Competição acadêmica da Faculdade Cásper Líbero
TORNEIOS
No cenário nacional existe um campeonato brasileiro, do qual participam 16 equipes de todo o Brasil. Os torneios são jogados na categoria seven-a-side, que conta com sete atletas em cada equipe. É jogado em dois tempos de sete minutos e realizado em um campo com as mesmas dimensões do futebol, com 144 metros de comprimento e 70 de largura. O contato físico e a velocidade estão sempre presentes nessa variação do esporte – que entrou nos Jogos Olímpicos em 2016.
PONTO DE VISTA
Monica Piai: e-commerce é a nova aposta para o lucro Fernanda Castellar e Lais Marson
Desde que o ser humano começou a elaborar e adaptar tecnologias para aprimorar o desenvolvimento de suas atividades cotidianas, o mercado de consumo sofre influência e produz impactos sobre a atuação das empresas. Hoje, a internet é ferramenta indispensável nas transações do mercado digital. A percepção de que o ambiente online seria essencial para agradar o consumidor começou a crescer no final dos anos 1990, mas o comércio eletrônico ainda era um mistério, o que fez com que boa parte dos empresários não investisse no ramo. Aqueles que se arriscaram a entrar no novo modelo de negócio se transformaram, em sua maioria, nas maiores empresas de vendas pela internet do País. O investimento no ambiente digital despertou não só o interesse das empresas, mas também dos jovens recém-formados que migravam de grandes corporações para atuar em negócios online. Entre eles estava Monica Piai, hoje com 37 anos, que ingressou na Netshoes para cuidar do comércio eletrônico. Anos depois, aceitou o cargo de gerência de produto em uma das maiores concorrentes da Netshoes no mercado: a Dafiti, primeira smartfashion no Brasil. Aprimorou seus conhecimentos e fez parte de grandes estratégias de venda que, em menos de um ano de operação, fizeram com que a Dafiti assumisse o posto de maior varejista online do país. ABRANGÊNCIA
Atualmente, Piai trabalha na Puma Sports desenvolvendo a área de mercado digital da empresa, que até um ano e meio atrás não existia. Segundo ela, este nada mais é do que a informatização da antiga venda via catálogos. “Hoje, São Paulo pode vender para todo o Brasil ou para o mundo todo, o que antiga-
Lais Marson
Influência da internet mobiliza vendas de grandes e pequenas empresas que se reinventam para atender o consumidor CONFIANÇA
Segundo Monica, o maior desafio das empresas é a logística, na parte das entregas. “Infelizmente ainda dependemos muito dos Correios, que sempre entram em greve ou cobram taxas abusivas. Na logística, as empresas precisam mudar o formato de trabalho na armazenagem para que possam trabalhar no e-commerce, como o cadastro de produto via EAN, as fotos padronizadas, descrição de material etc.”, relata. “Quando iniciei no mercado online, atuando sempre no ramo esportivo, as marcas não acreditavam que os consumidores iam comprar produtos sem provar, na época havia muita fraude”, diz. “Os clientes compravam tênis e recebiam tijolos, o que dificultou muito os sites serem confiáveis. Tivemos que provar para as grandes marcas esportivas que o mercado online existia e estava crescendo muito.”
Monica Piai participa da convenção de vendas para lançamento da coleção outono e inverno de 2018 da Puma mente era inviável. Na minha opinião, qualquer loja tem que ter um braço no e-commerce, pois temos vários perfis de consumidores: os que gostam de provar antes de comprar e da experiência na loja física, tal como conversar com os vendedores, sentir o aroma, a música, e aqueles que buscam praticidade e comodidade da entrega em casa e compram no ecommerce”. Segundo Monica, o mercado está cada vez mais concorrido, o que demanda das empresas amplo conhecimento dos diferentes tipos de consu-
midores. “Trabalhar no e-commerce me possibilitou atuar em empresas que começaram como startup e se tornaram grandes varejistas, como Netshoes, Dafiti e atualmente Puma”, diz a coordenadora de comércio digital. “Essas empresas me ensinaram a entender toda a parte do processo, fiscal, marketing, logística e comercial, pois éramos startups e tínhamos que fazer um pouco de tudo. Eu amo o e-commerce e sou uma grande utilizadora desse canal de compras. Detesto ir ao shopping fazer compras, por exemplo”. abril 2018
“É imprescindível entender e estudar o perfil do consumidor” Hoje, os novos profissionais que desejam trabalhar em e-commerce e se arriscar neste ramo, devem voltar às raízes e ao mesmo tempo serem inovadores, segundo a executiva. “Ou seja, estamos falando de ter aptidão para trabalhar com vendas, ter o tino comercial. É imprescindível gostar de números, relatórios, análises, entender e estudar o perfil do consumidor. As ferramentas que existem hoje nos ajudam a capturar e estudar todos esses dados, mas é preciso amar o que se faz”, conclui Monica. EXPRESSÃO
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INFOGRÁFICO
Mapa das epidemias Conheça as principais doenças que se espalharam pelo Brasil na última década Bianca Senhoreli, Larissa Brandão e Suéllen Brandão
Maior epidemia no país: casos de dengue
Nos últimos dez anos, o País viveu surtos e epidemias de doenças nas cidades. Muitas delas surgiram por conta da mutação de alguns vírus já conhecidos, como o caso do Zika, transmitido pelo Aedes aegypti. Porém, doenças já conhecidas e anteriormente combatidas voltaram a circular nos últimos anos. Confira algumas a seguir.
533.070 1.822.555
Influenza H1N1 O que é Infecção viral aguda do sistema respiratório. Normalmente tem evolução autolimitada, mas pode se tornar grave. Quem transmite Pessoas infectadas ao tossir ou espirrar. Sintomas Febre, dor de cabeça e garganta, tosse seca e calafrio. Como tratar Vacina.
Sífilis
EXPRESSÃO
abril 2018
4.665.170
Norte Centro-Oeste Nordeste
300.787
Sudeste Sul
Dengue O que é Infecção Sexualmente Transmissível. Quem transmite Por relação sexual sem camisinha ou para uma criança durante a gestação e o parto. Sintomas De acordo com o estágio: feridas (sífilis primária); manchas no corpo (secundária); lesões ósseas, cardiovasculares e neurológicas (terciária). Como tratar Aplicação de penicilina benzatina.
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1.313.337
Zika Vírus O que é Doença causada por vírus, que pode ter manifestação grave (hemorrágica). Quem transmite Mosquito Aedes aegypti. Há registro de transmissão vertical (gestante - bebê) e por transfusão sanguínea. Sintomas Dor abdominal intensa, vômito, queda abrupta de plaquetas e hemorragia (em casos graves). Como tratar Repouso e ingestão de bastante líquido.
O que é Uma doença febril aguda, com duração de três a sete dias. Quem transmite É pela picada do mosquito infectado, principalmente o Aedes aegypti. Sintomas Febre, erupções cutâneas, conjuntivite, dores nos músculos e nas articulações, mal-estar ou dor de cabeça. Como tratar Paracetamol ou dipirona, para alívio dos sintomas.