Expressão - Ed.5 - 2019

Page 1

USJT

dezembro 2019

ano 26

edição 5

EXPRESSÃO JORNALISMO UNIVERSITÁRIO CRÍTICO, CIDADÃO E PLURAL

ESPECIAL - Págs. 6 a 9

Universitários... e extraordinários! Voluntariado, experiências longe de casa, reencontros com a fé e a luta pela formação superior compõem as histórias de estudantes brasileiros EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS

VIDA DIGITAL

CULTURA E ARTES

ESPORTE

Violência nas escolas gera traumas e impacta indicadores de ensino Pág. 4

Entre dúvidas e ânimo de empresas, 5G começa a conquistar espaço Pág. 11

Crítica social e energia em alta marcam novo disco de Elza Soares Pág. 13

Slackline estimula exploração dos espaços das cidades Pág. 14

dezembro 2019

EXPRESSÃO

1


CAR@ LEIT@R

Em mais de duas décadas de Expressão, as equipes responsáveis pelo projeto deste jornal conviveram com centenas de universitários e seus sonhos, projetos e aspirações. Projetos experimentais premiados, ações voluntárias de impacto social, esforços para sustentar a própria educação, reencontros com a própria identidade e mudanças de visões de mundo; muitas são as experiências que os jovens adultos em formação atravessam ao longo de seus cursos. O Especial desta edição decidiu abrir espaço para esse público tão fundamental para o futuro do País. Noss@s repórteres trazem debates sobre os pioneiros na obtenção de diploma

#INSTANTÂNEO

universitário em suas famílias, grupos reconhecidos em premiações, o papel do Brasil no acolhimento e envio de intercambistas e a religiosidade que cativa e atrai nossos jovens. Nas demais editorias, voltamos a valorizar temas como a potência do audiovisual nacional, as artes gráficas, os discursos de ódio na internet, a obra de Elza Soares e as práticas esportivas nas cidades. Também trazemos reportagens sobre cotas para transgêneros e produções científicas. Navegue por esta edição e compartilhe conosco sua percepção. Seguimos ativos nas redes sociais e atrás de pautas urgentes. Boa leitura! Os Editores

Texto: Bianca Gabriela e Caroline Guimarães / Foto: Caroline Guimarães

Cultura: poucos espaços na quebrada A falta de espaços disponíveis e de acesso à cultura afeta a cidade de São Paulo. Jovens que vivem nas periferias da metrópole notam essa carência cultural e procuram meios para sanar o problema, como é o caso do sarau realizado na Fábrica de Cultura, do Jardim São Luís. Nele, os participantes usam esse espaço para se expressar e trazer à tona assuntos pertinentes, como a depressão. A precariedade do acesso à cultura abre lacunas na sociedade que, muitas vezes, podem ser irreparáveis. A falta de apoio à cultura na periferia se escancara diante de tragédias como a que aconteceu em Paraisópolis. Por lá, vidas foram ceifadas de forma brutal, em caso que ainda aguarda investigação.

#FICA A DICA

da Somália” traz outro EXPRESSÃO “Piratas lado dos sequestros de cargueiros

Chanceler Dr. Ozires Silva

Redação Alun@s do 4º ano de Jornalismo da Universidade São Judas

Reitor Prof. Marcelo Henrik Coordenadora dos cursos de JO, PP, RTV, RP e Cinema e Audiovisual Prof.ª Jaqueline Lemos Supervisor de estágio e jornalista responsável Prof. José Augusto Lobato MTB 0070684 - SP

Impressão Folha Gráfica Converse com a gente jornalexpressao@usjt.br Instagram @jorn_expressao Facebook @expressaoUSJT

Supervisora de estágio, projeto gráfico e direção de arte Prof.ª Ana Vasconcelos MTB 25.084 - SP

2

Divulgação

Jornal universitário do 4º ano de Jornalismo dezembro 2019 • ano 26 • edição 5

EXPRESSÃO

dezembro 2019

Direção: Brian Buckley Ano: 2018 Gênero: drama Duração: 117 minutos Países de origem: eua, Somália, Quênia, Sudão e África do Sul

Até início do ano passado, “Piratas da Somália” era um filme totalmente desconhecido para quem aqui escreve. O mesmo se pode dizer do assunto: a história dos famosos sequestros dos cargueiros por somalis já havia sido retratada no longa “Capitão Phillips”, protagonizado por Tom Hanks. A versão retrata os apuros do comandante da tripulação do navio cargueiro Maersk, que carregava mercadorias e alimentos para o povo somaliano. Esta obra e “Capitão Phillips” narram a mesma história com pontos de vistas distintos – embora ambos sob o olhar de homens brancos.

“Piratas da Somália” retrata o salto de fé de Jay Bahadur, um jornalista amador de 24 anos que almeja maiores oportunidades na carreira. Quando, por acaso, encontra um dos seus jornalistas favoritos, Seymour Tolbin (em uma breve participação de Al Pacino), e é encorajado a se aventurar, decide ir à Somália para se infiltrar entre os piratas e escrever um livro. O filme possui uma premissa pretensiosa, mas se apresenta de maneira simples. Surpreende, em especial, a interpretação de Evan Peters, embora não pudesse imaginá-lo no pa-

pel, mas quem realmente rouba a cena é Barkhad Abdi, que interpreta Abdi, um dos piratas. O longa traz um retrato da situação grave da Somália e nos coloca a par da história sob a perspectiva dos piratas e do território do país. Ele mostra o que “Capitão Philips” não mostrou. É importante que filmes como esse sejam produzidos e nos tragam cada vez mais vivências do lado dominado, e não do dominador. Por Malu Garcia, estudante do curso de Jornalismo, campus Mooca, matutino. Este texto foi desenvolvido para a disciplina Redação Jornalística.


PROTAGONISTA

Noites paulistas são palco para a força cultural LGBTQIA+ Danielle Vieira

A força de vontade de Eric só o motiva a crescer ano após ano. Ele virou um exemplo ao povo da periferia, estrelando filmes e documentários. “Negrum3”, filme-documentário que aborda a temática LGBTQIA+ nua e crua, aborda a história de Eric e da cena cultural que integra. O artista conseguiu, ainda, fechar parcerias com outros coletivos como a Batekoo e levar Chernobyl para o exterior, realizando tours no verão e no inverno europeus. Em agosto deste ano, viajou em uma turnê que passou pelas capitais Lisboa (Portugal), Paris (França), Amsterdã (Holanda) e Berlim (Alemanha). O PAPEL DE CADA UM

Eric usa roupas consideradas “femininas” e diz se identificar com ambos os gêneros conhecido explanar que o garoto havia beijado outro menino. “Eu recebi mensagens da minha mãe no meio da aula e ela tava surtando”. O DJ afirma que esta é uma página de seu passado. Após se assumir, se sentiu mais leve e determinado. CARREIRA

Recentemente, Eric falou em um evento sobre a gordofobia no Brasil e como pessoas fora dos padrões ainda costumam sofrer atos de violência e preconceito. “Estou vivendo para esse propósito. Estou em um constante processo de descobrimento. O que sei é que posso ser tudo.” Sobre sua vocação para DJ, o jovem revela Reprodução

Nascido em 1998. Leonino. Um dos filhos mais novo de um contador e de uma revendedora de cosméticos. LGBTQIA+. Não-binário. Técnico em eventos. Modelo Plus Sizze. DJ. Organizador. Eric Tobias de Oliveira, de 21 anos, está sempre trabalhando. São festas atrás de festas para organizar e tocar. Eric vive na noite paulista. A cidade noturna é seu palco, onde ele se descobriu e cresceu. O nosso contato é facilitado, afinal, estudamos juntos por cerca de sete anos; mesmo sem nos falarmos, durante algum tempo estivemos no mesmo colégio, da 1ª série até o 3º ano do Ensino Médio. Eric nasceu na zona norte da capital paulista. O pai trabalhava em um pequeno escritório de advocacia localizado na avenida Casa Verde. “A região onde eu moro é muito boa, apesar de ser um bairro de ‘boy’. Você não vê muitos negros por lá, você não vê gente igual a mim. Desde criança eu gostava de chamar a atenção." Logo após a declaração, Eric ri e eu o acompanho e me lembro do jovem garoto com quem tinha amizade durante os primeiros anos da vida escolar. Ele preferia brincar com as meninas de jogos considerados femininos do que jogar futebol ou estar, sempre, rodeado por colegas. Uma atitude inocente, mas que anos depois despertou suspeitas em seus professores, amigos e familiares. “Eu faço parte da minoria LGBT. Sou pansexual e sou não binário, não me identifico com a binaridade porque eu sou e posso ser ambos. Eu sou negro e gordo. Eu sou! E, agora falo isso com orgulho”, explica. Com família religiosa, colegas e funcionários preconceituosos na escola e constantes piadas sobre como falava, agia e se vestia, Eric passou boa parte da sua adolescência dentro do armário. O DJ relembra um dos acontecimentos mais marcantes sobre a homofobia e a falta de aceitação da população LGBTQIA+. Foi durante o seu aniversário de 18 anos, quando seus pais descobriram sobre a sua sexualidade, na época vista como homossexual, após um

Arquivo Pessoal/Reprodução

Arquivo Pessoal/Reprodução

DJ, performer e símbolo da força cultural LGBTQIA+, Eric Tobias quebra barreiras e vira exemplo para a população periférica

Página no FB do Coletivo Chernobyl

que sempre gostou de criar mixagens e misturar sons e melodias. “Após o ensino médio eu fui fazer escola técnica de Eventos e foi lá que eu me descobri. Fiz um trabalho para o desfile da Vogue, fui modelo na Casa de Criadores, não tive medo de tentar”, relata. Enquanto Eric passa a setlist, os outros organizadores continuam a montar o evento. Logo a rua está cheia e vejo antigos colegas de colégio o abordarem, subindo no local montado para que ele toque. Eric, com seu cabelo e maquiagem coloridos e roupas com apetrechos metalizados, é a alegria da festa. A juventude local parece se transformar em uma só a cada vez que Eric toca uma música mais animada que outra. CHERNOBYL

Hoje, ele faz parte de um coletivo - denominado Chernobyl - que, em suas palavras, “mostra o poder que os corpos dissidentes chamados pejorativamente têm na sociedade”. “Queremos criar redes de apoio, garantias, elevação da auto-estima, representatividade, união de forças entre pares, autogestão e disseminação de conhecimentos, transformando o que seria anormal em uma fonte possivelmente normal". A intenção é firmar uma interação entre pessoas das mais variadas regiões de São Paulo e promover artistas independentes, negros e LGBTQIA+.

dezembro 2019

A festa continua. Só acaba às 8h, e Eric continua no comando de boa parte da produção musical. Toca artistas conhecidos: Pabllo Vittar e Glória Grover. Toca música de artistas não tão conhecidos, como Deize Tigrona. Pausa. Um cigarro aqui e ali. Uma garrafa de bebida aqui e ali. De repente, um cara desrespeita uma mina, passando a mão no seu corpo. Eric para a música. “E aí maluco, vai pedir desculpas não? Assédio é crime! Aquele maluco ali passou a mão na mina! Ali ó. Ou você vaza ou vão te tirar à força.” Quando a música é retomada, começa uma homenagem a um dos antigos colaboradores do baile e produtor audiovisual independente. Leandro Caproni, 27 anos, morto no dia 22 de outubro por uma pessoa que dirigia sem habilitação. Estudante de Rádio, TV e Internet da Universidade São Judas, Leandro fazia parte do time de produtores audiovisuais do coletivo Batekoo e do documentário Negrum3. “Vidas negras não importam! (...) Por quê? Nossa carne vale menos no mercado?”, questionou, no microfone, após a homenagem. Quase no fim da festa, Eric me pergunta: “E você, o que vai fazer para mudar isso?”. Eu me surpreendo e resolvo perguntar como e o que mudar. Ele explica: “O que vocês vão fazer para reafirmar a voz da periferia? Não é só a gente que tem de fazer o ‘corre’, não é só a arte que vai ajudar a trazer visibilidade para a periferia”.

EXPRESSÃO

3


EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS

Cotas para transgêneros fortalecem inclusão no ensino superior

Piettra Costa

A importância de cotas raciais e por classe social em universidades públicas foi alvo de ampla discussão na sociedade brasileira até se estabelecer como marco legal. Hoje, o tópico ganha nova força com as cotas para transgêneros – até o momento não previstas por lei, mas mesmo assim adotadas por seis universidades de acordo com a identidade de gênero. A ação de coletivos que lutam pela causa das minorias tem sido decisiva na implantação de ações de impacto social. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e

Transexuais (Antra), 90% dos transexuais acabam na prostituição por falta de oportunidades no mercado de trabalho, e o abandono do estudo antes da conclusão constataria a necessidade de políticas afirmativas. “Essa demanda sobre a criação das cotas, em nosso caso, veio inicialmente dos coletivos da universidade LGBTQ+ e Prisma”, diz Tatiana Lima, pró-reitora adjunta de assuntos comunitários e políticas afirmativas da Universidade Federal do ABC (UFABC), que estabeleceu cotas em 2018, de forma pioneira em São Paulo. “Também tivemos a adoção do nome

Arquivo pessoal

Com 1,5% de suas vagas destinadas à cota de transgêneros, UFABC credita evolução do debate às transformações da sociedade contemporânea

Talita Lima em uma palestra: inclusão para refletir

social dos transgêneros, passamos resolução no conselho universitário garantindo que banheiros da universidade sejam usados pelas pessoas de acordo com o gênero com o qual se identificam”, enumera. “Somos mantidos pelos recursos da sociedade e fomos feitos para servi-la.” Yu Golfetti, de 26 anos, mulher trans formada em Ciências Biológicas e mestra em Ciências Biológicas na USP, avalia positivamente tais medidas. “Transicionei durante o mestrado e vivi descrédito dos mesmos que um dia me apoiaram. Foi assustador. As pessoas viraram a cara."

POLÍTICAS AFIRMATIVAS A criação de políticas afirmativas começou em um cursinho popular na UFABC. “Nós possuímos um projeto dos alunos de extensão e graduação, coordenado por alguns docentes que fazem um cursinho pré-vestibular ao longo do ano, selecionando alunos de escola pública, além de alunos deficientes auditivos com aula em Libras”, relata. “Lá começou a inclusão de pessoas trans”, diz a pró reitora. Para ela, as políticas de cotas requerem observação e mensuração de resultados. “É preciso esperar um tempo adequado. Os efeitos dessa política são ao menos de médio prazo”, diz.

SEGURANÇA

Violência escolar impacta ensino no País Tema frequente nos debates públicos do Brasil, a violência também afeta de forma direta quem atua na difusão de conhecimento. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2013, colocou o Brasil na posição mais alta entre 34 países no índice de violência contra professores. A pesquisa foi realizada com mais 100 mil profissionais dos ensinos fundamental e médio. O levantamento revelou que 12,5% dos

4

profissionais de educação ouvidos no Brasil afirmaram sofrer, pelos menos uma vez por semana, intimidações e agressões de cunho verbal. Os dados dialogam com quem está do outro lado da sala: em 2015, uma pesquisa feita pelo IBGE indicou que 7,4% dos alunos já sofreram algum tipo de bullying, enquanto 19,8% já confessaram cometer algum tipo de violência verbal contra os colegas. O Expressão conversou com estudantes e funcionários de unidades escolares, pre-

EXPRESSÃO

dezembro 2019

me deixar chateada.”

Leidinara Azevedo

Leidinara Azevedo

EM RISCO

Pesquisas apontam incidência de situações críticas nos corredores e salas de aula

servando suas identidades com nomes alterados. Mariany*, de 15 anos, relatou ter

sofrido bullying durante quase toda sua vida escolar. “Ninguém nunca interferiu

e o fato de ter habituado com a situação não significa que ela tenha parado de me atingir e

O ex-inspetor Gelson*, 43, tem histórias semelhantes – e relata ter visto docentes em risco. “Trabalhei 12 anos nos corredores de uma escola pública e posso dizer que já vi de tudo. Briga entre os próprios alunos era o mais comum, mas às vezes acontecia de os alunos discutirem com os professores”, conta. “Lembro-me de uma vez ter tido que segurar um garoto para ele não partir para cima do professor.”


APOIO FINANCEIRO

Bolsas e financiamentos estimulam entrada na universidade Patrícia Magarian

São Judas faz parte das instituições brasileiras que oferecem opções de custeio das mensalidades da educação superior privada Patrícia Magarian

Durante muito tempo, o ensino superior era considerado um sonho distante e impossível para grande parte da população brasileira. O cenário, porém, mudou: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a quantidade de brasileiros que possuem um diploma universitário aumentou consideravelmente na última década. Enquanto essa porcentagem ficava em torno dos

financiamentos se tornaram um grande aliado aos alunos de baixa renda, que passaram a ter a oportunidade de investir no seu futuro sem comprometer as suas outras necessidades. PRA VALER

A aluna Munique Fonseca fala sobre sua experiência com o Pravaler 4% em 2000, dez anos depois, em 2010, o número cresceu para cer-

ca de 8%. Para que essa evolução pudesse ocorrer, as instituições criaram uma série de pro-

gramas que estimulam a procura pela graduação. Bolsas e diversos tipos de

Munique Fonseca, 21 anos, é aluna de Publicidade e Propaganda da São Judas e utiliza o Pravaler, um dos mais conhecidos financiamentos oferecidos por diversas instituições privadas. “Esse programa me ajuda a deixar o valor

da faculdade menos pesado, e era o único que realmente supria todas as minhas necessidades. É por causa dele que sou capaz de investir nos meus estudos.” Além do Pravaler, a Universidade São Judas conta com financiamentos e bolsas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade Para Todos (Prouni), vinculados ao governo federal. Outros tipos de convênios corporativos também são adotados.

ARQUITETURA E VISIBILIDADE

Professora da São Judas lança livro sobre interiores da casa brasileira

Reprodução/Arquivo Pessoal

Graziella M. e Maykon Oliveira

Fanny Schroeder de Freitas Araújo, arquiteta e professora da Universidade São Judas, divulgou no último mês de setembro uma obra derivada de sua tese de doutorado. Com o título "Interiores da Casa Brasileira: artefato, gênero e espaço", o livro, publicado pela Altamira Editorial (2019), conecta estudos de gênero e da arquitetura de interiores, propondo um debate sobre como são as relações entre homens e mulheres na sociedade. “No Brasil, estudos acadêmicos são escassos sobre arquitetura de interiores. Suponho que em parte seja por preconceito: muitos arquitetos e arqui-

tetas veem Arquitetura, com 'A' maiúsculo, como construção, construção de grandes edifícios ou obras icônicas, quando na verdade projetos e obras de interiores são o terceiro maior campo de atuação para esses profissionais”, alega. “Além disso, muitas jovens arquitetas recém-formadas conseguem se inserir no mercado por meio de obras de interiores – o que leva a outro pré-conceito: ‘mulher entende de decoração pelo simples fato de ser mulher’”, aponta. O livro aborda questões de gênero em arquitetura, especificamente nos interiores domésticos em parte dos séculos XIX e XX, buscando compreender o papel da mulher como

dona de casa e sendo a responsável pela decoração de seu lar. Entram em campo discussões sobre as transformações ocorridas no século XX, em que a decoração passou a ser um trabalho profissional e, por consequência, realizado por homens na maior parte das vezes. “Eu e minha orientadora percebemos que esses dois campos, interiores e gênero, poderiam ser os pilares para uma tese de doutorado”, relata a professora. OLHAR DE GÊNERO

A obra, segundo a autora, reflete diretamente sobre o papel de arquitetos, arquitetas, designers e decoradores mulheres e homens. “A compilação e a articulação com

importantes pesquisas poderá auxiliar em futuras pesquisas acadêmicas e ainda inserir essa discussão nas universidades, nas escolas e na sociedade”, afirma Schroeder. A autora aponta que é possível construir a relação entre questões de gênero e arquitetura, uma vez que a função ainda é entendida por muitos como uma tarefa feminina. “Relacionar qualquer atividade, profissão, ou pesquisa com gênero, é, na verdade, muito sim-

Sessão de autógrafos do livro "Interiores da casa brasileira" ples (até mesmo óbvio). Mas apenas há algumas décadas pesquisadores e pesquisadoras vêm se debruçando sobre o tema”, diz. “Entender os papeis que ocupam homens e

dezembro 2019

mulheres na sociedade / mercado de trabalho e entender porque esses papeis são distintos, são elementos chave para compreender nossa realidade e traçar novos rumos.”

EXPRESSÃO

5


ESPECIAL

Orgulho da família: jovens abrem as portas para o ensino superior Refletindo efeitos de políticas públicas de acesso à educação e aumento da renda média, proporção de primeiros universitários nas famílias saltou nos últimos anos

Programas de incentivo ao ingresso de jovens de baixa renda nas universidades são recentes e ganharam popularidade nos últimos anos. Com isso, não é incomum que encontremos, dentro das instituições de ensino, estudantes que são os primeiros de sua família a acessarem o nível superior. Beatriz Sanz, de 25 anos, é um exemplo desse perfil. Estudou em duas instituições de ensino privadas, a extinta Faculdade do Povo de São Paulo e a São Judas. Sanz chegou a prestar vestibular em universidades públicas, mas não conseguiu a aprovação e buscou suporte por meio do Programa Universidade para Todos (ProUni). "Honestamente, foi uma das melhores coisas que eu fiz, eu não me arrependo de não ter ido pra uma universidade pública. Ter um diploma mudou a minha vida. Programas como o ProUni, Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e Programa de Financiamento Estudantil (Fies) são essenciais. Entrei por meio de programas de cotas e bolsas. Eles precisam ser melhorados, mas já são incríveis.’’ Com o apoio da família em todas as decisões, Beatriz foi a primeira de sua família a conquistar o diploma universitário e trabalha na área de Jor6

Letícia Fleming

Letícia Fleming e Graziella Milantoni

Entrada da unidade Mooca da Universidade São Judas: rotina universitária é novidade para um terço dos estudantes matriculados do País nalismo desde o início de seus estudos. ‘’Acho que sou motivo de orgulho da minha mãe, por ter conquistado isso. Acho que foi isso que ela sempre desejou para a gente. É indescritível. É um sonho que eu realizei, enquanto pessoa negra. Meu diploma não é uma conquista minha, é conquista do meu povo”, conta Beatriz. VIDA NOVA

Lucas Oliveira, de 22 anos, também foi o primeiro em sua família a obter um diploma no ensino superior. Formado em Ciências da Computação na Universidade Paulista desde o final do ano passado, ele resume

EXPRESSÃO

dezembro 2019

todas as sensações que sente até hoje como orgulho. “Eu me sinto uma pessoa privilegiada em certos sentidos”, conta. Na família, o jovem, que mora com os avós na Vila Sônia, periferia da zona oeste de São Paulo, é motivo de comentários de alegria para os parentes mais distantes e também para os vizinhos. “Minha avó sempre comenta com algumas amigas que eu consegui me formar. É legal, faz eu me sentir ainda melhor e feliz comigo mesmo”, diz. Embora sempre tenha tido o sonho de ingressar em uma universidade pública, Lucas não conseguiu passar nos vestibulares. Ele aponta

a falta de disciplina para estudos durante a adolescência como principal culpada. Dessa forma, arcou com todas as despesas de seu curso em uma instituição privada.

mais atrativos. Então eu posso dizer que a faculdade me deu a perspectiva de uma vida melhor.” Beatriz e Lucas possuem histórias que ainda são frequentes nos lares

à distância, então, o número sobe para 38,2%. Além disso, segundo os mesmos dados, 42,2% dos universitários que receberam financiamentos públicos, como o

33,2% dos universitários são os primeiros da família a conquistar o diploma “Minha faculdade, teoricamente, oferecia bolsas, mas eu não consegui ser contemplado por nenhuma delas. Então eu trabalhei durante os quatro anos para conseguir dar conta de pagar os estudos.” Mesmo assim, ele entende que o empenho valeu a pena. “Uma graduação abre diversas portas para TI, com salários muito

brasileiros. De acordo com dados divulgados em 2017 pelo Ministério da Educação e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), 33,2% dos concluintes de cursos presenciais são os primeiros da família a se formar no ensino superior. Se considerarmos o ensino

ProUni e o Fies, são os primeiros a ter acesso à universidade. As estimativas foram obtidas por meio do Exame Nacional de Desempenho de estudantes (Enade) aplicado em 2017. Na ocasião, 450 mil estudantes concluintes de 1.497 municípios brasileiros foram avaliados.


IMPACTO SOCIAL

Jovens se engajam em causas voluntárias

ORGULHO DA CASA

Prêmios reconhecem trabalho diferenciado

Beatriz Alves

Arquivo pessoal

No Brasil, mais de 7 milhões de pessoas se envolveram nesse tipo de trabalho ao longo do ano passado

Trabalho voluntário mobiliza tempo e esforço, mas traz benefícios psíquicos Patrick Freitas

Segundo o suplemento Outras Formas de Trabalho, da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em abril deste ano, 7,2 milhões de pessoas fizeram trabalho voluntário em 2018. Uma parcela de 4,3% da população maior que 14 anos está envolvida, com maior incidência entre as mulheres (5%) e pessoas com ensino superior (8%). “Quando eu era criança, meu pai me convida-

da para ir com ele nos eventos, eu adorava. Depois que o pessoal que organizava deu uma parada nas ações decidi criar os meus, com a ajuda de duas amigas minhas”, diz Isabella Mazone, de 20 anos, estudante de Arquitetura e Urbanismo da São Judas. Isabella nunca se voluntariou para trabalhar em alguma ONG, mas participava de eventos beneficentes. Certo dia, passou a ter a sua própria organização de arrecadação e distribuição com outras duas amigas. Apesar de pequeno, o

grupo está sempre em busca de lugares para expandir seu impacto. “Como é algo que nós três criamos não é algo semanal. Estabelecemos um cronograma leve, pois as três são estudantes e trabalham.” Essa é a realidade para 9,8% dos voluntários do país que realizam ações individuais, ou seja, sem vínculo com qualquer instituição. O trabalho individual é o feito diretamente a outra pessoa – é o caso de alguém que distribui alimentos aos mais necessitados ou que acompanha um idoso a

uma consulta médica, por exemplo. Outros 79,9% se voluntariam em asilos, creches, congregações religiosas, partidos políticos e hospitais, enquanto cerca de 13% se voluntariaram em associações de moradores, ONGs ou outras entidades. “Você não precisa pegar atividades que vão ocupar todos os dias da semana”, explica Isabella. “A última que fizemos foi uma rifa para ajudar a cachorrinha de um conhecido a operar. Ele não tinha condição nenhuma de pagar a cirurgia.” Os benefícios são diversos. O trabalho voluntário dá oportunidade de se obter experiências dentro e fora da sua área de atuação; pode aumentar a sua rede de contatos, com maiores chances de um novo emprego ou uma nova ideia; e gera uma sensação de bem-estar, trabalhando os sentimentos de sensibilidade e principalmente, empatia. Para Isabella, o envolvimento de sua geração – ou seja, dos jovens universitários – permite o amadurecimento de quem se engaja em causas e promove o bem-estar coletivo. “Esses trabalhos mudaram a minha vida. Aprendi a dar valor às pequenas coisas que eu tinha com facilidade na minha vida. Aprendi a ter alegria na felicidade do próximo”, completa a estudante.

Alunos premiados por trabalho acadêmico Cilene Thomaz O esforço em superar os próprios limites levou discentes do curso de Publicidade e Propaganda do campus Butantã da São Judas a conquistar um importante reconhecimento no Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Como resultado de um Projeto Interdisciplinar (PI), cinco alunos estruturaram uma agência publicitária (Agência SP) e obtiveram reconhecimento no Prêmio Expocom, que dá visibilidade a projetos experimentais de universitários. A ideia foi a “Corrida da Felicidade AMEO”, com o objetivo de ajudar a solucionar problemas vivenciados pelas ONGs por meio de ações publicitárias. A iniciativa atendeu a Associação da Medula Óssea (AMEO), que trabalha no auxílio de pessoas com leucemia, viabilizando o programa de transplante de medula óssea. Diante de um contexto de extrema dificuldade financeira, os alunos acreditaram que o potencial de uma campanha publicitária poderia reverter o quadro. Foram feitas ações nas mídias digitais (Face-

dezembro 2019

book, Twitter, Instagram) para alavancar a imagem pública da entidade. Houve, ainda, um evento de arrecadação de fundos, a Corrida da Felicidade, organizada no Parque Ibirapuera. Para André Garden, integrante do grupo, o maior desafio para realizar este projeto foi a viabilidade. “A dificuldade era encontrar uma maneira de realizar toda campanha que não fosse cara, de maneira que não interferisse no caixa da ONG. Estruturamos o projeto, embora ele não tenha sido diretamente aplicado.” Com a ajuda da São Judas, o trabalho foi apresentado no Congresso Regional Sudeste da Intercom, no Espírito Santo. A etapa regional teve vitória do grupo de André. Segundo ele, projetos dessa natureza contribuem para o desenvolvimento de competências profissionais, como responsabilidade e atitude de dono; "Você toma as coisas para si e faz isso como se fossem suas. Esses trabalhos nos mostraram um tipo de responsabilidade muito forte, que levamos para todos os trabalhos que vamos fazer e para a vida profissional, na empresa em que trabalhamos e no pessoal.”

EXPRESSÃO

7


NO EXTERIOR

Intercambistas abrem horizontes e promovem multiculturalidade Apesar do envio massivo de alunos a outros países, Brasil ainda não é prioridade para estudantes que vêm à América Latina Ele ressalta que essa regra e os programas existentes auxiliam para uma melhor colocação do país no ranking. “No Rotary, o Brasil é o segundo país a receber intercambistas. Em primeiro, estão os Estados Unidos. A acolhida e receptividade do brasileiro e o clima tropical têm contribuído para essa escolha.”

Isabela Sampaio

A vida estudantil é feita de aulas, trabalhos práticos e, algumas vezes, de experiências internacionais, na forma de intercâmbios que expandem visões de mundo e preparam estudantes para a multiculturalidade. O Brasil, porém, está longe de consolidar posição de liderança global no acolhimento de estrangeiros: de acordo com o relatório “Brics: construir a educação para o futuro”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil é o país emergente que menos recebe intercambistas. A análise considera Rússia, Índia, China, África do Sul e Brasil. Os países que enviam mais estudantes de ensino superior para intercâmbio são a China e a Índia, seguidos pelo Brasil e pela Rússia. O governo brasileiro lançou em 2011 o programa Ciência sem Fronteiras, com 100 mil bolsas de estudos para universitários que estão de profissionalização no exterior. Em 2016, um estudo de atualização apontou que o país tem maior representatividade como sede de intercambistas para angolanos (9,9%), colombianos (8,4%) e peruanos (7,4%). Nesse mesmo ano, não registrou estudantes vindos da França, Espanha, Reino Unido, México, Coreia do Sul e Timor Leste. O Rotary Internacional é um projeto presente em mais de 100 países que re-

8

AMADURECIMENTO

O governo brasileiro lançou em 2011 o programa Ciência sem Fronteiras, com 100 mil bolsas de estudos para universitários que buscavam profissionalização no exterior aliza o intercâmbio cultural para jovens de 15 a 19 anos. O objetivo é realizar a promoção da paz entre as nações e aumentar a compreensão entre os povos. A estadia do estudante pode ser de longa duração – um ano – ou curta duração, com até três meses.

EXPRESSÃO

dezembro 2019

Para traçar uma rota internacional e contemplar diferentes culturas há uma regra. A família, ao enviar seu parente para o intercâmbio, deve hospedar em sua residência um jovem do programa e indicar mais duas casas em que ele possa morar

durante esse período. A rotatividade entre famílias é realizada para que o intercambista tenha uma convivência com diversos hábitos e crenças. O presidente do Intercâmbio de Jovens do Distrito 4563, Paraguassu Lopes, explica a cobertu-

ra do programa na capital paulista. “A distribuição é realizada em distritos; existem 30 deles no Brasil. Meu distrito compreende toda a cidade de São Paulo e a Grande São Paulo. Somos, portanto, 100 clubes de Rotary e 1.900 rotarianos.”

O indiano Neil Pandre, 16, está no Brasil há dois meses. Até o momento, diz amar o Brasil. “As pessoas aqui são extremamente legais, a cultura é ótima, além de ter um bom clima. Eu queria aprender português e ver as praias. Agora que estou aqui, me interessei por música e quero aprender a dançar”. O jovem ressalta sua relação com a cultura e a família que o recebeu no País. “O pai e a irmã são ótimos, eles foram realmente acolhedores. Superamos todos os problemas que surgiram”, reforça. Para Paraguassu, a dificuldade ao trazer mais jovens está no idioma. “Ao buscar pela América Latina, o interesse está no espanhol. Precisamos trabalhar o português para atingir uma predominância”. Para tornar o país um destino atrativo é preciso trabalhar a multiculturalidade, o clima e a receptividade como fatores decisivos. Atualmente, o programa apresenta uma procura de dois jovens por vaga disponível.


RELIGIOSIDADE

Reconexão com a fé marca geração universitária atual Flávio Guimarães

O Brasil é um país que possui múltiplas matrizes religiosas. Em função da sua pluralidade cultural e dos processos migratórios, encontramos no País traços de diferentes tipos de fé – cristã, islâmica, afro-brasileira e judaica, entre outras. Essa diversidade se reflete diretamente no ambiente universitário: apesar de abaixo da

2011, enquanto aqueles que se identificavam como ateus subiram 3%, elevando a 13% a proporção dessa parcela. No Brasil, mudanças em costumes e perfil de renda afetam o comportamento da sociedade “e a fé das pessoas também”, diz Miguel Santos, de 29 anos, Pai de Santo. Para ele, o questionamento de paradigmas se tornou uma constante. “Hoje posso acreditar em algo e amanhã

Já uma pesquisa do instituto alemão Bertelsmann Stiftung apontou que 65% dos jovens brasileiros são considerados “profundamente religiosos”, deixando o País empatado com Indonésia e Marrocos e atrás apenas da Guatemala e da Nigéria no quesito. Especialistas indicam a necessidade de aproximação das igrejas e congregações religiosas com os jovens – no

Em 2000, o Brasil contava com mais de 163 milhões de seguidores da religião católica. Todas as outras religiões juntas somavam 29 milhões de fiéis média dos adultos, os jovens entre 16 e 24 anos seguem acreditando em diferentes doutrinas e levando-as à prática no dia a dia. Segundo uma pesquisa realizada pelo governo federal em 2000, o Brasil contava à época com mais de 163 milhões de seguidores da religião católica (romana e ortodoxa). Todas as outras religiões juntas somavam 29 milhões de fiéis. O número de adeptos às religiões no mundo, e principalmente no nosso país, vem diminuindo a cada ano. Em alguns países, o ateísmo assumido nunca esteve tão popular. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Gallup International, com entrevistas de mais de 50 mil pessoas em 57 países, o número de indivíduos que se diziam religiosos caiu de 77% para 68% entre 2005 e

me questionar sobre aquele fato ser verdadeiro ou não.” Os achados globais sobre religiosidade jovem são, muitas vezes, contraditórios, de acordo com o escopo das pesquisas. Publicado em 2018, o estudo “Os jovens adultos europeus e a religião”, produzido pelo Centro para a Religião e Sociedade, em parceria da Universidade de St. Mary, do Reino Unido, com o Instituto Católico de Paris, da França, aponta que na Europa e em Israel há registros de salto no número de jovens que se declaram sem religião. Por outro lado, nações como Polônia, Lituânia e Áustria se destacam por ter 27%, 25% e 37%, respectivamente, de jovens que se consideram religiosos. Israel lidera a lista de proporção dos jovens que se identificam com doutrinas: 99%.

Brasil, o predomínio absoluto do cristianismo estimula que lideranças invistam em grupos de estudo, eventos e células de fiéis. “A igreja sempre tem que estar ligada e de olho nos movimentos e costumes da sociedade, por isso os canais digitais têm dado tão certo, pois isso nos aproxima de um número maior de pessoas”, diz o pastor da Igreja Universal do Reino de Deus Alberto Souza, de 45 anos. “Seja em televisão, seja em rádio, internet, propaganda ou aplicativos, as entidades religiosas estão cada vez mais de olho nesses meios para buscarem e se aproximarem do dia a dia dos fiéis.” PESQUISA AUDIOVISUAL

Em 2019, um grupo de cinco estudantes universitários de São Paulo decidiu

Caroline Guimarães

Estudos mostram resultados contraditórios no mundo, mas Brasil segue com 65% de jovens “profundamente religiosos”

Religião entre jovens segue mobilizando pesquisas e investigações

4 produzir uma pesquisa de conclusão de curso sobre a religiosidade entre jovens. Foram dezenas de entrevistas e consulta a lideranças de diferentes tipos de fé, traduzidas em um documentário intitulado “Religare”.

referências e trabalhando-as de acordo com suas experiências e conexões com a fé”, diz o universitário Vinicius Siqueira. Junto de quatro colegas, o jovem produziu um documentário que revela a

impessoal. O documentário aborda a religião como parte da personalidade fluída do jovem moderno, solta dos dogmas e das tradições, utilizando fragmentos de crenças para montar uma fé em mosaico, sem desis-

Seja em televisão, seja em rádio, internet, propaganda ou aplicativos, as entidades religiosas estão cada vez mais de olho nesses meios para buscarem e se aproximarem do dia a dia dos fiéis Dentro do próprio grupo, a convivência de diferentes tipos de espiritualidade e fé contribuiu para a curiosidade em torno do tema. “Queríamos entender como os jovens constroem e refletem internamente sobre sua religiosidade, mesclando

religião dos entrevistados somente ao final; entre eles há cristãos, seguidores da doutrina espírita e judeus. “Com integrantes de religiões diversas, do protestantismo ao candomblé, a experiência de gravar 'Religare' não poderia ser totalmente

dezembro 2019

tir do senso de 'comunidade' que a religião traz." Segundo ele, fazer o documentário foi uma "descoberta interpessoal sobre como os jovens moldam suas crenças, independentes de suas instituições, quando são capazes de encontrar a fé em si mesmos."

EXPRESSÃO

9


VIDA DIGITAL

Denúncias na web têm salto em 2018 Ariane Delago e Luka Mendes

Em uma rotina conectada, temos à disposição diversas plataformas, incluindo sites de bate-papo, redes sociais, e-mail corporativo, fóruns interativos e aplicativos para celular com foco em relacionamentos. Todos, ou quase todos, têm algo em comum: a rápida e efetiva comunicação e também, a possibilidade de anonimato – que pode resultar em crimes e em incitação ao ódio. No ano de 2018, a ONG SaferNet divulgou dados sobre o aumento de denúncias; os indicadores dobraram em relação a 2014. No total, foi-se de 14.653 denúncias para 39.316, no ano passado. As principais queixas estão ligadas a temas como pornografia infantil, xenofobia, incitação a crimes contra a vida, neonazismo, homofobia, racismo e intolerância religiosa. Segundo o Ministério Público, é considerado crime postar na internet mensagens que possam incitar crimes, pregando a violência ou o extermínio de grupos e minorias ou divulgando mensagens de cunho racista. De acordo com Renato Opice Blum, coordenador do curso de Direto Digital do Insper e do MBA em Direito Eletrônico da EPD, as denúncias podem ser realizadas pelo SaferNet ou, então, para a polícia “Quando é interpretado discurso de ódio, isso pode resvalar em injúria, calúnia e difamação em

10

Filipe Melo

Registros acompanham maior tráfego e volume de dados gerados por internautas

Discussões fervorosas e qualquer tipo de discriminação feita através da internet podem ser motivos para um processo judicial. um conceito mais amplo, que, após identificado, pode ser tratado em alguma ação.” No caso de racismo, um dos crimes mais frequentes, só no ano de 2018 houve aumento de 218,2%. As ações podem ser movidas – e o resultado se torna mais incisivo. “A denúncia é apresentada ao Ministério Público, que move ações penais. Caso seja recebida pelo juiz, serão realizadas buscas que comprovem e identifiquem os acusados que serão processados. A pena vai de um a cinco anos”, disse Renato. A maior parte das denúncias registradas pelo SaferNet está no Facebook. Segundo dados, entre 16 de agosto e 28 de outubro de 2018 foram feitas 13.592 queixas na rede. Em seguida, vêm o Twitter, o Instagram e o

EXPRESSÃO

dezembro 2019

YouTube. Esse número foi registrado durante o período das eleições presidenciais brasileiras. COMO DENUNCIAR

De acordo com o site SaferNet, qualquer pessoa que tenha visto ou identificado um crime on-line pode realizar uma denúncia de modo anônimo. Vale lembrar que a ONG apenas coleta os dados referente ao URL inserido pela pessoa que denunciou; cabe ao Ministério Público Federal definir o que é crime ou não. Em caso positivo de marcação do crime, o conteúdo é retirado do ar e o autor pode ser processado, “Dependendo da situação, e se não forem identificados crimes reais, o autor pode apenas acabar tendo que pagar uma multa, depende do tipo de ação movida”, relata Renato.


PRIVACIDADE

Serviços de proteção de dados ganham força na rede Arthur Araújo

Segurança digital é um dos assuntos mais discutidos nos últimos anos no ramo da tecnologia. Especialistas aconselham hábitos mais seguros na hora de lidar com o mundo online, já que dados pessoais e sensíveis são armazenados em diversos sites e aplicativos. Aproveitando a demanda, serviços capazes de organizar senhas e dados de usuários surgem como uma ferramenta de controle de privacidade. A recomendação é permanente: usar combinações seguras e não repetir senhas são dicas básicas para evitar situações de risco, como diz Ariel Ho-

Filipe Melo

Blindar contas pessoais e padronizar acessos em diferentes sites e redes sociais garantem uma vida virtual livre de apuros

Novos recursos e ferramentas para proteção de dados em rede. chstad, ex-gerente global você acredita que suas seaplicativos você poderá gerar senhas fortes automatide marketing do Gmail nhas sejam, é muito simcamente para cada uma de e cofundador do portal ples para hackers adivinhasuas contas abertas online. vpnMentor, que pública rem o aniversário da sua Além disso, não será predicas e comentários sobre filha, o nome do seu animal ciso se lembrar de todas a indústria da tecnologia. de estimação ou a rua onde elas”, aponta. “Por mais exclusivas que você cresceu. Com esses

Os gerenciadores de senhas são interessantes por facilitar o trabalho de se ter uma senha complexa e única para cada serviço. Muitos vão gerar longas senhas; uma auditoria virtual julga se elas são fracas ou fortes. Por outro lado, em diversas ocasiões, o usuário fica à mercê da segurança de um serviço que pode não ser tão seguro quanto aparenta. Em 2014, pesquisadores encontraram inúmeras falhas de segurança no aplicativo LastPass, que permitia a implantação de códigos maliciosos por hackers. Por mais que se tenha corrigido a falha, existe o receio em relação à ferramenta.

Em ataques de hackers, não existe um padrão ou certeza. É o que afirma a tradutora Mariana Nepomuceno, que passou por uma situação de conta hackeada ao usar o aplicativo de hospedagem Airbnb. “Descobriram minha senha, e era uma que usava para tudo. Fiquei morrendo de medo porque fui bem desleixada com segurança. Então troquei todas”, diz. Segundo ela, deve-se pesquisar e estudar o assunto para entender melhor o funcionamento dessas ferramentas. “Usaria os serviços se me recomendassem e eu confiasse na pessoa”, finaliza.

CONECTIVIDADE

Revolução do 5G causa impactos e debate científico Fernanda Souza

Rapidez em downloads, telemedicina com cirurgias à distância, máquinas, carros, casas, cidades e países que se conectam. O 5G, quinta geração da internet, surge como promessa de um mundo hiperconectado, junção da realidade com a inteligência artificial. A tecnologia surge envolta em polêmicas que iniciam o debate sobre os supostos riscos radioativos à saúde e a segurança da informação. A nova cobertura de rede está em funcionamento na Coreia do Sul desde abril deste ano; também marca presença em alguns pon-

tos dos Estados Unidos. China e Japão estão na corrida dos países que lideram os estudos sobre a plataforma. No Brasil, a previsão é que os testes se prolonguem até 2023, ano em que o serviço deve ser disponibilizado com a venda de serviços para a população. O momento de expansão divide opiniões quanto ao grande número de dados em circulação e à confidencialidade. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou em maio um decreto que impede as empresas americanas de usar equipamentos tecnológicos produzidos por

empresas que consideram riscos à segurança de dados da nação. O professor de Ciência da Computação Nelson Aguiar, 37 anos, acredita que “o 5G traz como benefício, por exemplo, a redução do consumo de energia. Mas, se a segurança cibernética do país e das empresas não estiverem preparadas para essa nova tecnologia, o número de ataques pode aumentar”. A chinesa Huawei, como principal fornecedora mundial de 5G, é uma das principais organizações afetadas com a medida. Presente em mais de 170 países e com cerca de 50 contratos assinados com operadoras de

telecomunicação em todo o mundo, oferece preços competitivos no mercado. Entre as suas principais rivais estão Nokia (Finlândia), Ericsson (Suécia) e Samsung (Coreia). O QUE É?

Ondas eletromagnéticas estão presentes em vários momentos do nosso dia; elas são transmitidas pelos sinais de rádio, televisão, celulares, e inclusive de fontes naturais, como a luz do sol, assim como outras tecnologias. Para aumentar o nível de velocidade, o 5G precisa operar com altas ondas de frequência, o que desperta nas pessoas a preocupação

com danos à saúde, incluindo alguns tipos de câncer. “Essa relação ainda é obscura, visto que não existe de fato uma comprovação, apenas a possibilidade de que essa nova rede, como as demais, pode causar câncer. Isso é o que existe no momento”, reforça Nelson. Cientistas e médicos da União Europeia chegaram a pedir o cancelamento da nova rede, enfatizando a possibilidade de aumento nas estatísticas cancerígenas. No entanto, a Comissão Internacional de Proteção contra Radiação Não Ionizante (ICNIRP) destaca que em pesquisas a radiofrequência do 5G de-

dezembro 2019

monstrou ser nociva abaixo dos espectros considerados prejudiciais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alega que as diretrizes abaixo dos índices recomendados não demonstram ter nenhuma consequência em relação ao bem-estar. Um estudo feito pela IHS Markit, denominado “The 5g Economy”, mostra que a implantação da nova geração de internet terá um impacto econômico de aproximadamente US$ 12,3 trilhões (49 trilhões de reais) até 2035. Muitos especialistas do setor acreditam que estamos, com isso, diante da quarta revolução industrial.

EXPRESSÃO

11


CULTURA E ARTES

Salão expõe obras de humoristas gráficos Considerado um dos mais importantes do segmento, festival recebeu obras de artistas de vários locais do mundo Renato de Lima e Karolyn Andrade

A cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, recebeu até o final de outubro a 46º edição do Salão Internacional de Humor. O evento reuniu obras de humoristas gráficos do Brasil e do exterior. Neste ano, foram expostos 449 trabalhos dentro das categorias charge, cartum, caricatura, escultura, tiras e temáticas, contemplando 217 artistas de 34 países. O evento foi criado em 1974 para divulgar os trabalhos de artistas que ilustravam os jornais na ditadura militar brasileira. “Diante da censura imposta pelo governo, [alguns artistas] não podiam publicar nos jornais impressos, então o salão foi

Obras discutem temas-chave da atualidade uma forma de esses artistas divulgarem seus trabalhos”, diz Erasmo Spadotto, diretor do evento. O salão é considerado um dos mais relevantes no meio do humor gráfico. O

caricaturista Eduardo Baptistão, de 52 anos, ganhador de alguns prêmios do salão, destacou ao Expressão a relevância de compor a mostra. “Ser selecionado em Piracicaba já é um

atestado de qualidade. Ser premiado lá, então, é uma chancela importantíssima para a carreira de qualquer humorista gráfico.” O humor gráfico continua ativo e vigoroso, como

se vê nos salões de humor do mundo inteiro e também nas redes sociais. Na contramão, alguns jornais e revistas vêm abrindo mão de charges, cartuns e caricaturas, seja pela crise do modelo impresso, seja pelo viés opinativo deste formato jornalístico. O salão 2019 teve início no mês de agosto e recebeu a inscrição de 1.281 obras. As inscrições foram feitas pelos próprios artistas. As artes passaram por uma avaliação de um júri, que escolheu as 449 obras da mostra principal. O grupo também selecionou os ganhadores de cada categoria. O prêmio para cada vencedor foi de R$ 5 mil, e os ganhadores concorreram ao prêmio

principal, que deu direito a mais R$ 10 mil ao vencedor. Esse ano, quem levou foi o chargista mineiro Evandro Luiz da Rocha, de 47 anos, somando um total de R$15 mil. Rocha ganhou o prêmio com uma charge que retrata a Justiça brasileira. “Tudo nasceu de uma observação do piso tátil e dessa coisa da justiça ficar dando voltas no mesmo lugar. [Com isso] a gente tem a sensação de o Judiciário ajudar a Justiça a não chegar no lugar definitivo, em um lugar justo”, afirmou. Além da mostra principal, o evento conta com o Salãozinho de Humor e mais 13 exposições à parte em outros armazéns.

NA ATIVA

Patrícia Lino

Disco novo coloca em evidência energia interminável de Elza Soares

Trabalho de Elza atravessa história da MPB Wanessa Brasil

Em 23 de junho de 1937 nascia Elza, na favela Moça Bonita, atualmente Vila Vintém, no Bairro de Padre Miguel, Rio de Janeiro, Brasil. A menina que mamava

12

nas cabras era uma criança saltitante e mentirosa – como ela mesma se descreve em sua biografia “Elza”, escrita por Zeca Camargo, lançada em novembro de 2018 pela editora Leya. Desde criança, Elza so-

EXPRESSÃO

dezembro 2019

nhava com a música: todos os dias ouvia alegremente canções em seu rádio, que por vezes precisava de um tapa para funcionar. Era muito protetora, preocupada com a família e com o que tinham para comer. Carregava uma lata d’água equilibrada na cabeça quase todos os dias para ajudar a sua mãe. Elza passou fome, sofreu violência doméstica e sexual. Sua esperança estava na música. Aos 15 anos, o seu segundo filho faleceu de fome. Quando completou 21, ficou viúva, mas não sozinha: tinha cinco filhos para criar. Mulher,

negra e pobre, Elza Gomes da Conceição seguiu no mercado da música. A fala um pouco rouca conquistou o Brasil e o mundo: em 2000, foi eleita a cantora do milênio pela inglesa BBC. Até hoje cheia de energia, lançou em setembro seu novo disco, “Planeta Fome”, produzido por Rafael Ramos e divulgado pela gravadora Deck. “Elza é a força e a doçura. Uma mulher que escolheu gritar pelas minorias e o faz com muita competência e respeito. Fotografar Elza é apertar um botão porque a beleza e o brilho já estão lá”, declara Patrí-

cia Lino, fotógrafa oficial da cantora. O Expressão tentou contato com Elza ao longo deste semestre; no entanto, sua agenda impediu entrevistas. OLHARES SOBRE O ÁLBUM

Em “Planeta Fome”, a cantora grita por um país diferente na música “País do sonho” e segue tecendo críticas sociais ao longo das faixas. O nome do disco faz referência a 1950, quando Elza participou pela primeira vez do programa de calouros em desfile, na Rádio Tupi, apresentado por Ary Barroso. Afrontoso, o

apresentador brincou com o figurino da moça: “De que planeta você veio, minha filha?”. Rapidamente, Elza respondeu: “Do mesmo planeta que o senhor, do planeta fome.” O legado de Elza se reafirma com o novo álbum, conforme artistas ouvidos pela reportagem, como o cantor e compositor Sérgio Britto: “é uma honra ter uma música minha gravada por Elza Soares, ‘Tradição’. Elza é uma mulher incrível! É a história da música popular brasileira encarnada”, afirma o integrante dos Titãs.


ESPAÇO CONQUISTADO

AFROFUTURISMO

estuda Marketing é peça-chave Movimento afrocentricidade e o para alçar obras ao Oscar protagonismo negro Victor Hidalgo Comitre

Mariana Garcia

Com “A Vida Invisível”, o Brasil volta a entrar no páreo pelo prêmio de Melhor Filme Internacional Mariana Garcia

O cinema brasileiro está cada vez mais se inserindo no mercado internacional. Desde 1998 sem representante na lista de candidatos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro/Internacional, o Brasil entrará na disputa em 2020 com “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, obra vencedora da mostra Um Certo Olhar, segunda mais importante no Festival de Cannes, e indicada recentemente ao Spirit Awards – uma espécie de Oscar do cinema independente. Baseado em “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, de Martha Batalha, o longa tem em seu elenco atores como Fernanda Montenegro e aborda, em um resgate da década de 1940, a vida de duas irmãs oprimidas pelo machismo. Apesar de ter conquistado sucesso de crítica pela qualidade de roteiro, o filme também tem sido alvo de uma intensa campanha de divulgação on-line e off-line. Isso porque no centro da

Giovanni Oliveira: plataformas de divulgação definem sucesso estratégia de atração de olhares do mercado está o marketing, conforme analisa o jornalista cultural Giovanni Oliveira. “Os filmes da Marvel, por exemplo, são sempre muito bem-sucedidos, mas têm uma fórmula genérica que todo mundo assiste, sabendo o que esperar. Mesmo assim, as pessoas pagam para consumi-los porque existe uma grande divulgação nas mídias”, alega. “O marketing atrai o olhar e, hoje em dia, no cinema também é assim.

Sempre há a preocupação de como tirar as pessoas de casa e levar para a sala.” POLÍTICAS

Em abril deste ano, novas normas da Lei Rouanet foram estabelecidas. O Ministério da Cidadania reduziu o teto de captação em 98%, de R$ 60 milhões, passou a ser permitido apenas R$ 1 milhão por projeto apresentado. E, apesar de haver exceções para museus e patrimônios culturais, esse corte gerou impactos no mercado da cultura.

“No Brasil as pessoas têm uma visão muito ruim da cultura. Apesar de consumir, grande parte não gosta de pagar um valor justo pela arte. Porém, precisamos de mais investimento público para que haja uma evolução do mercado cinematográfico, e não de mais cortes”, analisa Giovanni, que destaca os benefícios econômicos do segmento. “O cinema gera cerca de 300 mil empregos, diretos e indiretos, então por que não dar a atenção que ele merece?”, indaga.

Filmes brasileiros que concorreram mais recentemente ao Oscar 1996 – “O Quatrilho” Indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, teve direção de Fábio Barreto e foi baseado em uma história real retratada no livro homônimo de José Clemente Pozaneto. 1998 – “O Que É Isso, Companheiro?” Dirigido por Bruno Barreto, teve roteiro parcialmente inspirado no livro de mesmo título de Fernando Gabeira. Concorreu na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. 1999 – “Central do Brasil” Aprodução franco-brasileira de 1998 é considerada, até os dias atuais, uma das grandes responsáveis para a renovação da imagem brasileira no cinema estrangeiro. Rendeu duas indicações para o Brasil: Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz. 2002 – “Cidade de Deus” Dirigido por Fernando Meirelles, é a produção brasileira que mais conquistou indicações no Oscar: Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia. 2016 – “O Menino e o Mundo” A animação de Alê Abreu, que já foi vendida para mais de 80 países, foi indicada na categoria de Melhor Filme de Animação.

Quando olhamos para um filme como “Pantera Negra”, vemos uma sociedade africana que não sofreu com a colonização europeia ou com a escravidão. Que se desenvolve tecnologicamente, mas sem perder suas raízes com sua cultura ou religião, o que pode ser visto na arquitetura do país, suas roupas, na forma de governar e em como a tecnologia é usada. Também vemos isso nos nomes: os personagens se chamam T’Challa (Chadwick Boseman), Shuri (Letitia Wright) e Nakia (Lupita Nyong’o), não Steve ou Tony. O protagonismo dentro e fora do filme é negro, da direção feita pelo Ryan Coogler aos figurinos e música. Tais escolhas estão ligadas a um movimento que influencia a academia, as artes e os estudos de etnia e raça: o afrofuturismo. Fábio Kabral, autor dos livros “Ritos de Passagem”, “O Caçador Cibernético da Rua 13” e “A Cientista Guerreira do Facão Furioso”, diz que o movimento busca recriar o passado, transformar o presente e projetar um novo futuro de acordo com a própria ótica. Essa definição acabou aparecendo mais tarde no livro “Na minha pele”, do ator afro-brasileiro Lázaro Ramos. “As pessoas costumam definir o afrofuturismo também como a mescla entre tradições africanas e tecnologia, e eu não gosto absolutamente dessa definição”, aponta. Para ele essa, é uma definição reducionista e eurocêntrica que atribui o advento da tecnologia ao contexto europeu, relegando à África o papel de criadora de tradições e lendas antigas. “Afrofuturismo é o resgate desse passado afri-

dezembro 2019

Arte e ciência negras cano de ciência, tecnologia, filosofia e arte.” A definição mais adequada, diz Kabral, vem por conta do trabalho do cientista senegalês Cheikh Anta Diop. O termo foi utilizado pela primeira vez, ironicamente, por um homem branco. Foi pelo teórico e crítico cultural Mark Dery, em seu ensaio Black to the future (1994). Nele, ele data o nascimento do movimento que chamou de afrofuturista entre os anos 1960 e 1970, pelas mãos do jazzista, poeta e “filósofo cósmico” Sun Ra. Segundo Kabral e Karolina Desireé, que é produtora da Rede Afrofuturismo Brasil e filósofa, as características fundamentais para uma narrativa ser considerada afrofuturista são: protagonismos de negros e negras; narrativa negra de ficção especulativa; afrocentricidade; e o protagonismo de autores negros e negras. Na literatura, destaca-se Lu Ain-Zaila, autora da “Duologia Brasil 2408”: “(In)Verdade” e “(R)Evolução”. “A gente não sabe direito de onde ele surge e para onde ele vai, só sabemos que ele está caminhando”, alega. Karolina.

EXPRESSÃO

13


ESPORTE E LAZER

Slackline: novos desafios no esporte urbano

PARA COMEÇAR Pixabay

Keller Dandara

Esporte utiliza infraestrutura das cidades para experimentar limites do próprio corpo; benefícios vão do condicionamento físico à autoestima

O ideal é sempre procurar escolas ou profissionais da área, para evitar lesões decorrentes da prática sem orientação. 1. Monte seu equipamento a poucos centímetros do chão para que se acostume e se sinta seguro; conforme a prática aumentar, vá subindo. 2. Treine sobre lugares macios, como colchonetes no chão ou gramados, com poucos ou nenhum objeto para amortecer possíveis quedas. 3. Treine descalço e comece com o pé no meio da fita. 4. Para o pé tremer menos, respire fundo e relaxe. 5. Fixe o olhar em um ponto próximo para ajudar no equilíbrio e na estabilidade. 6. Tente colocar o peso todo do corpo sobre o pé que está na fita e abra os braços buscando o equilíbrio corporal.

Mateus durante a prática de slackline: novos usos para o espaço das cidades Keller Dandara

Slackline é um esporte que tem se popularizado no Brasil desde 2010, principalmente nas praias do Rio de Janeiro. A prática é simples: basta uma fita de nylon esticada entre dois pontos fixos, na qual é possí-

14

vel andar e até fazer manobras. Suas variações incluem o Waterline (sobre água) e o Highline (em grandes alturas, como montanhas e pontes). O esporte surgiu no final dos anos 1970, nos campos de escalada da região do Vale de Yosemite, na região oeste dos

EXPRESSÃO

dezembro 2019

Estados Unidos. Os escaladores costumavam explorar a região durante o dia e, nas horas livres, esticar cordas de escalada acima do solo. O desafio é andar e se equilibrar. Com a evolução do esporte, as cordas foram substituídas por fitas mais elásticas e largas. Apesar da adrenalina

envolvida, a prática do slackline ajuda no relaxamento, com uma espécie de meditação que ainda fortalece a coluna e os músculos abdominais. “Ele me mudou completamente. Hoje é um estilo de vida, uma forma de viajar pelo Brasil e fazer amigos, a comunidade do slackline é

uma verdadeira família”, afirma Matheus Henrique, que pratica o esporte desde 2015. Com participação de campeonatos no currículo, Matheus hoje é criador do ImpérioSlackLine, grupo que tem como objetivo divulgar o esporte e ajudar iniciantes entusiasmados.

O amadorismo aos poucos se tornou um compromisso estruturado, como afirma Carlos Miyashiro, de 35 anos. “Comecei sozinho, sem nenhuma noção de como amarrar a fita ou me equilibrar. Hoje onde vou levo meu kit comigo e fico procurando um ponto de fixação para praticar.”


LIGAS E MERCADOS

Esportes americanos conquistam público e atletas Victor Ferreira

Os jogos norte-americanos estão cada vez mais conquistando o mundo e atraindo torcedores fiéis

Bar esportivo construiu estrutura com 13 televisores para assistir aos jogos das grandes ligas Valéria Abreu e Victor Ferreira

Como no Brasil, os Estados Unidos têm uma tradição esportiva que se espalha por escolas, faculdades e faz parte do estilo de vida do cidadão por meio de ligas e associações. As mais populares são NFL (futebol americano), NBA (basquete), MLB (beisebol) e NHL (hóquei de gelo), ligas profissionais que mais movimentam o mercado esportivo, conhecidas como "Big Four". Com a popularização, a paixão pelos jogos aumentou e gerou fanáticos – inclusive no Brasil. Antes mesmo de a partida começar, os fãs reúnem bebidas, mesas e aparelhos de TV para assistir à transmissão. Para quem entra no estádio não é diferente: o acesso a shows de entretenimento e lojas de artigos oficiais combina esporte, lazer e consumo. De olho na expansão desse público, o jorna-

lista Bruno Peixoto, de 31 anos, montou um bar na região do Tatuapé que congrega fãs de diferentes segmentos. “Esse público se intensifica durante os playoffs, fases de mata-mata dos esportes”, comenta. Considerando os diversos eventos esportivos, um destaque é o Super Bowl, final da NFL que movimenta milhões todos os anos. “O Super Bowl desse ano foi o de maior público para nós em termos de lotação, diria que empatado com o jogo Brasil e Bélgica pela Copa do Mundo de 2018”. Ele acrescenta que já presenciou comportamento de torcedores mais exaltados. “Um cara comemorou levantando a banqueta, acabou furando meu teto, arrancando um pedaço do teto.” Bruno de Almeida, técnico de uma equipe amadora da Zona Leste de São Paulo, está dentro do grupo de fanáticos. Acom-

panhando futebol americano há muitos anos, ele é convicto de que encontrou sua paixão no futebol americano, mais precisamente, na NFL. “Acho que o momento mais marcante foi o Super Bowl 43, em 2009. Foi quando eu comecei a acompanhar o futebol americano, foi meu primeiro como um cara que sentava na frente da televisão e assistia aos jogos. Mesmo saindo derrotado naquele dia, foi o momento que descobri meu amor pelo time”, diz. Alguns brasileiros têm a oportunidade de conhecer mais de perto os jogos, como aconteceu com Bruno Barbosa, 24, que teve uma experiência internacional. “Fui para os Estados Unidos por oito meses, morei e estudei inglês em Nova York. Ao voltar para o Brasil, recebi uma bolsa para jogar futebol nos Estados Unidos. Acabei indo para Forest City. Foi a realização de um sonho, morar e estudar no país”, afirma. Entre as maiores loucuras cometidas pelos americanos estão a pintura corporal, a presença nas arquibancadas, independente do clima, e algo chamado tailgating. Essa prática é feita pelos torcedores mais fanáticos, que compram um ticket de estacionamento do local da partida e chegam ao estádio cerca de 12 horas antes, apenas para se reunir com amigos, família e quem queira socializar, bebendo e comendo churrasco.

dezembro 2019

EXPRESSÃO

15


16

EXPRESSĂƒO

dezembro 2019


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.