USJT
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outubro 2018
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ano 25
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edição 8
EXPRESSÃO JORNALISMO UNIVERSITÁRIO CRÍTICO, CIDADÃO E PLURAL
ESPECIAL - Págs. 6 a 9
Trabalhadores invisíveis A difícil rotina de pessoas que atuam em profissões que não costumam ser valorizadas pela sociedade
#PROTAGONISTA
PONTO DE VISTA
ARTES
EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Soraya Carioca foi noviça e professora, antes de ser garota de programa Pág. 3
Psicólogo sentiu na pele a invisibilidade daqueles que trabalham como garis Pág. 10
O legado musical e político de Aretha Franklin, rainha da soul music Pág. 11
Superinteligentes enfrentam problemas sociais e emocionais Pág. 12
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EXPRESSÃO
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CAR@ LEIT@R
#INSTANTÂNEO
Danilo Lopes
Danilo Lopes
de que um médico ou um jornalista? Uma questão para ser pensada seriamente por todos os que lutam por uma sociedade verdadeiramente justa e humana. Nossos repórteres ouviram as histórias de vendedores ambulantes, panfleteiros, catadores de material reciclável, cobradores de ônibus, além de um homem-placa e um coveiro. O legado de Aretha Franklin, as dificuldades enfrentadas por pessoas que possuem QI elevado, o brilho das mulheres no futebol e a trajetória de Soraya Carioca, uma garota de programa que já foi noviça e professora, são outros destaques da edição. Boa leitura! Os Editores
EXPRESSÃO Reitora Prof.ª Dr.ª Denise Campos Coordenadora dos cursos de JO, PP, RTV, RP e Cinema e Audiovisual Prof.ª Jaqueline Lemos Jornalista responsável Prof.ª Patrícia Paixão MTB 30.961 - SP
Redação Alun@s do 4º ano de Jornalismo da Universidade São Judas, Campus Butantã Impressão Folha Gráfica Converse com a gente jornalexpressao@usjt.br Instagram @jorn_expressao Facebook
Projeto gráfico e direção de arte Prof.ª Ana Vasconcelos MTB 25.084 - SP
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@expressaoUSJT Foto de capa Danilo Lopes
EXPRESSÃO
Os vidros e as escadas rolantes do Instituto Moreira Sales, característicos de sua arquitetura, refletem uma subida e descida de encontros entre as obras expostas e os livros da biblioteca. Por trás das vidraças, há uma passagem para o mundo da leitura. Por trás das portas que dão acesso à exposição, uma passagem para a vida do artista que tem seu trabalho ali homenageado. Conhecimento para além das lentes do fotógrafo.
#FICA A DICA
Série mexicana agrega comédia, drama e críticas sociais Bruno Santos
Jornal laboratório do 4º ano de Jornalismo outubro 2018 • ano 25 • edição 8 Chanceler Dr. Ozires Silva
Reflexo do saber
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Aos amantes de uma boa comédia e produções audiovisuais mexicanas, aí vai uma dica dentro do catálogo da Netflix: La Casa de las Flores, originalmente lançada no dia 10 de agosto de 2018 e que ganhou elogios entre a crítica especializada. A produção, ainda em sua primeira temporada, agrega elementos de drama, comédia e uma dose elevada de sarcasmos no decorrer de sua história. A trama baseia-se na família De La Mora, de classe média alta, que um dia descobre que seu chefe, Ernesto (interpretado por Arturo Ríos), mantinha um rela-
Reprodução
“O ser humano é capaz de viver em uma sociedade que inventa um foguete que vai até a Lua, mas não consegue tirar cidadãos próprios da humilhação”. A reflexão do psicólogo social Fernando Braga refere-se ao comportamento da sociedade em relação a pessoas que trabalham em atividades que, embora sejam de grande importância, não costumam se valorizadas. Esse é o tema do Especial e da seção Ponto de Vista desta edição. Os “trabalhadores invisíveis” enfrentam uma rotina marcada pelo preconceito e a indiferença, também por parte do Estado. Por que um gari ou um panfleteiro não recebe o mesmo respeito e dignida-
Danilo Lopes
cionamento extraconjugal com a amante que cometeu suicídio. A revelação mexe com o ambiente familiar e muitos outros segredos vão sendo descobertos, alguns deles de maneira bem cômica. Há fragmentos narrativos dentro da série que abordam temas sociais de relevante discussão, como
a transexualidade e o adultério. As reviravoltas são características marcantes de quase todos os 13 episódios, que têm uma duração média de aproximadamente 30 minutos. Cada episódio leva o nome de uma flor, dado o pequeno spoiler de que a família De La Mora é detentora de uma flori-
cultura. Parte dos desdobramentos das confusões e revelações da série tem nesse estabelecimento o seu palco principal. Com personalidades distintas entre si, os personagens tentam jogar para o telespectador iscas direcionadas a críticas sociais, sem humor forçado ou exagerado. Vale a pena embarcar nessa história!
Série: La Casa de las Flores
Gênero: Comédia Diretor: Manolo Caro Origem: México Temporada: 1 Episódios: 13
#PROTAGONISTA
As diversas Sorayas Garota de programa, que já foi noviça e professora, fala sobre sua trajetória e seus planos Arquivo pessoal
Gabriel Vullen
Soraya Carioca, como prefere ser chamada, nasceu em novembro de 1979, no Rio de Janeiro. Aos 16 anos foi noviça. Aos 19, casou virgem na igreja católica, de véu e grinalda. “Minha família era repressora, muito religiosa”, explica. Ao longo de sua trajetória, sempre procurou buscar diferentes conhecimentos, realizando cursos de Teatro, Pedagogia, Direito, Redes de Computadores e Necropsia. Chegou a se graduar em Letras e lecionou por pouco tempo no Rio, nos bairros da Tijuca, Centro e Bonsucesso. Após essa experiência, foi bancária, no Banco do Brasil. Em dezembro de 2003, já em seu segundo casamento, depois de se frustrar por levar um golpe financeiro de seu marido, optou em seguir a carreira de “Cam Girl”. Eis que nasce a personagem “Soraya Carioca”. Em março de 2004, Soraya fez do sexo sua profissão, tendo o seu primeiro programa com um famoso ator global. Ao longo de sua trajetória profissional, atuou em filmes eróticos nacionais e internacionais, consagrando-se no ramo ao realizar o filme “Soraya e seu harém de mil homens”. Seu primeiro filme pornográfico brasileiro foi gravado em 2009, após a morte de sua mãe. Sua relação com a família é conturbada, porém a atriz sempre fez questão de ajudar a todos que necessitavam de apoio, sustentando sua irmã com três filhos e seus sobrinhos por 18 anos. Um câncer atacou uma de suas irmãs, mas Soraya fez o que pôde para manter o tratamento dela. A irmã sobreviveu, contudo não se falam desde janeiro de 2017. “Ela se apoderou dos meus bens materiais e de dois imóveis, localizados no Rio de Janeiro”, conta. A atriz passou a morar em São Paulo para se desvincular de suas experiências familiares e tentar se aproximar da indústria do sexo, em ascensão na cidade. Soraya é bissexual e de uma relação com sua ex-esposa tem uma filha de 4 anos, adotada desde o ventre (após Soraya ter engravidado e perdido o bebê, sua ex-companheira engravidou). Sua maior tristeza é não poder morar com a
Soraya Carioca e sua filha: “Tenho o pezinho e o nome dela tatuados nas costas” filha. “Com a separação, tenho a guarda compartilhada. Infelizmente não moro direto mais com minha filha que me ama incondicionalmente. Tenho o pezinho e o nome dela tatuados nas costas”. Atualmente, Soraya está em seu terceiro casamento homossexual, de um ano e meio, havendo consentimento de ambas as partes em relação à sua profissão. “Não curto fazer filmes lésbicos. Não atendo mulheres e nem casais, e jamais permito clientes em minha residência”, comenta. Para evitar qualquer “surpresa”, pre-
zando pela sua segurança, optou em residir em um apartamento. PARA ALÉM DO SEXO
Desde os 8 anos de idade, Soraya é ativista e protetora dos animais, ajuda diversas ONG’S de todo Brasil fornecendo lar temporário para alguns. Em 2012, após resgatar uma cadela em um bueiro, a atriz adotou o animal. Ao chegar na casa da Soraya, é notória a sua compulsão por limpeza e seu interesse por novelas. Em alguns momentos foi necessário interromper a entrevista para que ela
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pudesse acompanhar o desfecho do capítulo exibido na TV. Questionada sobre quem faz a limpeza do seu apartamento, a atriz garantiu que não possui mais empregada, pois sente prazer em fazer os serviços domésticos. Após 14 anos no mundo do pornô, Soraya agora começa a pensar em mudar a sua história. Pretende ir à Europa em 2019 e, quando voltar ao Brasil, abrir uma funerária para sepultar cadáveres e também a sua personagem (Soraya Carioca). Sua ideia é encaixar o “Soraia” em seu nome original, Aparecida.
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VIDA DIGITAL
Aplicativo promove o aprendizado em Libras
#FICA A DICA
Apps contra o assédio Bruna Ciolari e Théo Guidotti Segundo o Instituto Maria da Penha (IMP), a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. Alguns aplicativos ajudam a denunciar e/ou evitar o assédio. Disponíveis para Android e IOS, as ferramentas são gratuitas. Confira:
Arte: Jessica Yumi
“Hand Talk” também estimula a integração social Marcos Moreira
Criado por três alagoanos em 2013, o “Hand Talk” tem como objetivo traduzir a escrita em português para Libras. No mesmo ano do seu lançamento, a Organização das Nações Unidas (ONU) o premiou como a melhor aplicativo social do mundo, por trazer à tona o aprendizado desta importante língua e levar a inclusão social a deficientes auditivos. Os usuários contam com o intérprete “Hugo” que traduz em tempo real todas as palavras es-
App contribui para a comunicação em libras critas em português. A pessoa digita a frase e, logo em seguida, o tradutor virtual a gesticula. O aluno de Direito, Rodrigo Oliveira, 24 anos, nunca escondeu o seu gos-
to de aprender Libras, até que um dia seu professor da universidade apresentou o aplicativo. “De lá para cá me apaixonei por esse app. Hoje em dia ensino meus pais e amigos. Te-
Criada pelo Coletivo Nossas em 28 de agosto de 2017, Betânia, mais conhecida como Beta Feminista, é um chatbot programado para viralizar, informar e tirar dúvidas sobre o feminismo via Facebook. Para conversar com a robô, que tem quase 50 mil curtidas, basta
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ME RESPEITA! Permite à usuária denunciar casos de assédio que viu e/ou vivenciou, além de poder cadastrar contatos em casos de emergência, pedindo socorro. HELPME Neste app, a mulher pode enviar SMS para os canais do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos de São Paulo) para relatar casos de abuso sexual. O tempo de envio é de 30 segundos e é garantido o anonimato. A usuária também pode gravar áudios como prova.
chamá-la no Messenger. Ana Clara Toledo, membro do Coletivo Nossas e uma das coordenadoras da equipe Beta, afirma que o papel da robô é promover a participação política. “A tecnologia pode ser utilizada para alcançar pessoas e informá-las”, completa. Beta faz pressão no Congresso Nacional. Em 2017, ainda durante a votação da PEC 181 (emenda constitucional que tem como objetivo criminalizar todas as formas de aborto no Brasil, inclusive em casos de estupro), o chatbot mobilizou as redes sociais e disparou cerca de 34 mil e-mails para todos os deputados que
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participavam da apreciação da matéria. A atuação da robô incentivou as mulheres a realizarem petições e manifestações, contribuindo para que a votação fosse adiada. “Muitas vezes, a gente não sabe o que está acontecendo no Congresso e temos nossos direitos discutidos sem termos voz”, destaca a feminista Kathellen Gomes. A página da Beta se mantém sempre atualizada. Toda vez que os direitos sexuais, individuais e reprodutivos das mulheres estão em pauta, a robô dispara uma mensagem para todas as pessoas que já conversaram com ela inbox.
“Family Friendly” prejudica youtubers na internet Cibele Cardoso
Paula Maia
Beta Feminista luta pelos direitos das mulheres nas redes sociais
Paula Maia
SAIPRALÁ Mapeia as áreas em que mais ocorrem assédios às mulheres. A usuária pode sinalizar aos órgãos de segurança medidas de proteção por meio do botão “ajuda”.
INTERNET
#EMPODERE-SE
Jovem conversa com a robô Beta Feminista
nho um amigo deficiente auditivo na igreja, essa ferramenta me ajudou tanto que consigo interagir com ele”, explica o estudante. Letícia Segretti, psicóloga graduada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, conta que o aplicativo ajuda a integrar as pessoas com deficiência auditiva com a sociedade em geral: “Muitos deficientes auditivos querem ser ‘ouvidos’”, mas por falta de conhecimento das outras pessoas na tradução simultânea acabam se isolando e conversando apenas entre si”, finaliza a especialista.
Nova ferramenta de censura no YouTube Cibele Cardoso e Mariane Ferraz
Desde 2017, criadores de conteúdo para o YouTube têm se pronunciado sobre a redução dos ganhos em seus vídeos. O Family Friendly, regra instalada pela plataforma, desvincula propagandas do canal, caso o material veiculado tenha palavrões, cenas de agressão, sexo, discriminações, apologia
às drogas, crimes e incitação ao ódio. Felipe Neto foi o primeiro youtuber brasileiro a falar do assunto. Com o título “Vários youtubers vão falir se ficarmos calados [+13]”, o influenciador digital destacou que a desvinculação de conteúdos não amigáveis à família, refletiu numa esmagadora desmonetização, com perda de até 90% nos ganhos. O Growth Hacker Marcelo Souza explica que a plataforma criou algoritmos que impedem que conteúdos inapropriados cheguem à primeira página e que sejam vinculadas propagandas de marcas patrocinadoras. Além disso, a fim de resolver a falta de materiais direcionados
à família, foi lançado o YouTube Kid’s. “O sistema de busca deles é algo completamente complexo. Esses algoritmos utilizam pelo menos três métricas, que vão prever o que a audiência quer assistir, a maximização do tempo no site e qual é o comportamento do internauta em cada dispositivo”, explica Souza. A estudante Isabella Santana, 13 anos, aponta que, após o Family Friendly, percebeu que os canais que ela acompanhava tiveram uma mudança no discurso.“Hoje, sinto que eles têm uma forma mais branda de abordar o conteúdo e fazem materiais mais voltados a crianças e adolescentes”, destaca.
DINHEIRO
Cashback permite ao consumidor ter seu dinheiro de volta Jessica Yumi
A sociedade brasileira está mais confiante ao realizar compras na internet. Uma pesquisa realizada pela Global Consumer Insight 2018 mostra que desde 2014 o número de pessoas que realizam suas compras on line saltou de 58% para 65%. Apenas uma parte desses consumidores sabe que existe uma maneira de receber parte do dinheiro que gastaram de volta. Este modelo de compra, conhecido como
cashback (dinheiro de volta), não é sinônimo de desconto. O usuário recebe uma parcela do valor que gastou na forma de bônus em reais ou dinheiro na conta corrente. Em outros países esse tipo de transação é bastante comum. No Brasil já existem empresas como a Meliuz e a Poup que fazem parcerias com lojas para que a mágica aconteça. A Meliuz, por exemplo, tem parceria com redes como Amazon, Netshoes, Casas Bahia e Carrefour. “Pedi meu primeiro
Pixabay
Startup traz para o Brasil um jeito que poucos conhecem de reaver parte do que se gasta
Devolução acontece na forma de bônus ou dinheiro resgate do Meliuz no valor de R$ 1.414,52. Grande parte desse dinheiro foi cashback da reserva dos hotéis das férias em família. Quando o
INOVAÇÃO
valor caiu na conta, utilizamos parar comprar ingressos para o Rock in Rio”, explica Marina Cunha, empresária da Pet Estética Animalmania.
A Meliuz foi criada em 2011 pelos mineiros Israel Salmen e Ofli Guimarães, que estavam insatisfeitos com os programas de fidelidade que existiam no mercado. Até maio de 2017, a companhia de cashback já havia conseguido devolver cerca de R$ 30 milhões para os seus usuários. “Nos programas de fidelidade é difícil resgatar os pontos. Na maior parte das vezes eles não são suficientes para serem trocados pelos produtos que quero, por isso
sempre compro pela Meliuz. Consigo resgatar o valor em dinheiro e não fico preso a uma loja”, explica Victor Hugo, blogueiro na empresa Leitura no dedo. O saldo é acumulativo e fica armazenado na conta do usuário até atingir um valor mínimo de resgate. Cada loja parceira oferece uma porcentagem de volta diferente. O Submarino, por exemplo, devolve 3% do dinheiro em compras. A devolução, dependendo da loja, pode chegar a 20%.
VIAGEM
Aplicativo atrai cada dia mais usuários Bianca Horins
Amigos desde a universidade, Ariel Lambrecht e Renato Freitas se uniram para criar o portal de conteúdo acadêmico “Ebah”. Visando inovar com empreendedorismo, fundaram o aplicativo de transporte “99”, em parceria com Paulo Veras. Em janei-
ro de 2018, receberam a proposta de venda para a companhia de tecnologia chinesa Didi Chuxing. Depois disso, Ariel viajou para a Alemanha, onde fez uso do aplicativo “My Taxi”, o que despertou o pensamento estratégico de trazer uma solução parecida para o Brasil. Os empresários decidiram tirar a ideia do papel e dar origem a um novo projeto – uma startup de bicicletas. Para expandir a iniciativa, contam com a participação do ex-presidente da fabricante Caloi, Eduardo Musa. As Yellow Bikes como são chamadas – eram vistas casualmente pelos cantos da cidade. Hoje, são 20 mil bicicletas espalhadas por toda São Paulo. O projeto
visa facilitar a locomoção a um custo abaixo de R$ 4,00. “Foi uma excelente ideia. O manuseio do aplicativo é bem simples. Ao abri-lo, é possível localizar as bicicletas mais próximas. Consigo me deslocar para vários lugares como estações de trem, supermercados e casa de amigos”, conta o estudante Joel Beltrão, 18 anos. A dona de casa Reilza Regia, 49 anos, também aprova a experiência: “Na região em que moro alguns estabelecimentos ficam distantes. Com o aplicativo, tenho a facilidade de ir aonde quero”. Se você também deseja utilizar a bicicleta, baixe o aplicativo “Yellow” no celular pelo Google Play ou Apple Store.
Bruna Damas
A maior aventura de um ser humano é viajar, como destaca o escritor Augusto Cury. Pensando nessa experiência fascinante, Amanda Santiago, Fábio Yamashira e Igor Pucci desenvolveram o site Quanto Custa Viajar. A ideia surgiu em 2013 quando Amanda e Fábio (na época namorados, hoje casados e sócios) estavam planejando uma viagem para a Europa. “Queríamos saber quanto custaria aquela viagem. Vimos que, para descobrir isso, precisávamos visitar diversos sites, o que tornava a pesquisa demorada e cansativa, além de desatualizada, pois muitas páginas tinham dados antigos”, explica Amanda.
Bruna Damas
Bianca Hortins
Yellow Bikes cativam e Site calcula itinerário facilitam a locomoção de viajantes
Página simula orçamento necessário para viajar O Quanto Custa Viajar é capaz de calcular o orçamento de 260 destinos pelo mundo. O interessado seleciona a origem a partir do valor mínimo de R$ 1.000 até o máximo que é R$ 20.000. O site indica ao usuário a viagem que melhor cabe no seu bolso. “Eu recomendo para os meus seguidores, principalmente para aqueles que não têm nenhuma experiência e nunca foram para o lugar de desti-
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no, mas aviso que aquilo é apenas uma média e que o ideal é levar mais dinheiro para garantir”, afirma Simone Freitas, escritora do blogue Projeto Viajando Sempre. A plataforma também simula o preço da hospedagem, alimentação, transporte, passeios turísticos e passagem aérea, além de direcionar o usuário, por intermédio de links, aos locais nos quais ele pode realizar a sua compra online.
EXPRESSÃO
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ESPECIAL
Driblando o preconceito e a invisibilidade
O cotidiano de trabalhadores desvalorizados pela sociedade e pelo poder público Amanda Moura, Barbara Nascimento, Bruno Santos, Larissa Lima e Vinicius Souza
Eles estão em toda parte. Nos ônibus, nos trens, nas ruas, no centro da sua cidade e no seu bairro, durante o dia ou à noite. Provavelmente você, hoje, já deu de cara com um deles. Mas será que foi capaz de notá-lo? Enquanto algumas profissões são glamourizadas, sendo apontadas por muitas pessoas como sinônimos de sucesso e realização, outras, igualmente importantes, como a dos garis e a das empregadas domésticas, seguem invisibilizadas, sem a devida valorização da sociedade e dos entes públicos. “De uma forma geral, as pessoas menosprezam as profissões braçais, porque elas são degradantes. As tarefas braçais são imbecilizantes e isso é um grande sofrimento para o trabalhador, porque ele não é um imbecil, mas o trabalho que ele é obrigado a fazer, na maioria das vezes, é um trabalho humilhante”, destaca o psicólogo social Fernando Braga, que durante dez anos sentiu na pele a invisibilidade pública da profissão de gari, varrendo as ruas da Universidade de São Paulo, onde desenvolveu seu mestrado e doutorado (Fernando utilizou como técnica a pesquisa-participante, metodologia em que o pesquisador desempenha funções no grupo social estudado. Veja a entrevista completa com Fernando na seção Ponto de Vista, pág 10). Nos ônibus e nos vagões do metrô e do trem são os
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vendedores ambulantes que sofrem de menosprezo. Sobram julgamentos a respeito do fato de eles estarem atuando no comércio ilegal. Faltam reflexões e empatia. Uma pesquisa da Fundação Seade e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), publicada ao final de julho deste ano, mostra que a taxa média do desemprego na região metropolitana de São Paulo é de 17%, com um número estimado de 1,8 milhão de desempregados. Gustavo dos Santos, 23 anos, que por um tempo vendeu chocolate e capas para celular em transportes públicos, conta por que resolveu seguir esse caminho. “Está muito complicada a situação. Tenho três filhos para cuidar, um deles ainda bebê. Preciso tirar meu sustento de algum jeito. Revendo as mercadorias por um pouco mais e aí consigo um dinheirinho”, explica. O ambulante reconhece a insegurança de sua atividade, mas não consegue ver outra alternativa: “Não dá para ficar nessa [de ambulante] por muito tempo, preciso me arrumar. O problema é que só tenho o ensino médio. Complica, né?”. Jorge Pereira, 25 anos, que vende diferentes mercadorias nos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), aprendeu a lidar com a indiferença das pessoas. “O pessoal não enxerga muito a gente, né... Muitos se irritam quando falamos da nossa mercadoria, é complicado. Se eu for ligar pra isso é pior,
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então continuo vendendo mesmo e compra quem quer”, comenta. Os chamados “homens-placa”, cujos corpos são usados como plataforma para anúncios, são outra categoria profissional comumente vista com indiferença. “As pessoas costumam me procurar quando estão sem dinheiro e precisam vender ouro. Agora, quando não precisam, faltam passar por cima da gente”, conta Raimundo Silva, que trabalha há 12 anos no calçadão de Osasco, anunciando a compra e venda de ouro. Ele admite que aquela não é a profissão dos seus sonhos, mas não vê outra alternativa: “Que é ruim viver disso é, mas é daqui que vem meu sustento”. PROFISSÃO EM EXTINÇÃO
Os cobradores de ônibus são profissionais que, além de receberem a nossa tarifa, cuidam para que nossa viagem seja a mais organizada possível. Tão desprezada é a profissão que a Prefeitura de São Paulo afirmou, em 2017, que pretendia extinguir a função de cobrador até 2020, depois da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou inconstitucional a lei de novembro de 2001. A legislação obrigava a Prefeitura paulistana a manter cobradores nos ônibus da cidade. Hoje São Paulo conta com cerca de 20 mil cobradores. Nivaldo Aparecido, 53 anos, que trabalhou como cobrador de ônibus de 1994 a 1998, diz que nunca foi maltratado por nenhum
Robson Machado, panfleteiro na região central de Osasco: “Me sinto desprezado” passageiro, mas que raramente recebia um “bom dia”. Para driblar a indiferença, ele conta que gostava de deixar os passageiros à vontade. Mas nem todos escapam da grosseria de algumas pessoas que descontam suas frustrações diárias naqueles que estão apenas fazendo o seu trabalho.
“Eu percebo que a maioria dos passageiros pensa que é melhor que a gente. Parece que eu nem estou ali, desprezam a gente na cara dura. Entregam o dinheiro na nossa mão como se fosse uma esmola. Tem outros que ficam distraídos no celular, aí quando percebem que passou do ponto, vem
ofender a gente com tudo quanto é nome. É osso!”, lamenta o cobrador José Augusto, de 21 anos. POR TRÁS DE UM PAPEL
“Não só ignorada, como menosprezada e sem boas condições de trabalho”. Assim Natacha Lima, 23 anos, define
Bruno Santos
“O problema é que só tenho o ensino médio. Complica, né?” a função de panfleteira. Ela teve que recorrer a esta atividade, quando se tornou mais uma entre os milhões de desempregados brasileiros. Você já deve ter se deparado com pessoas, durante o seu caminho, que tentaram ou até mesmo conseguiram te entregar panfletos. A verdade é que essas pessoas torcem para que você aceite o papel que elas oferecem, pois, mesmo que você não vá levar adiante o que o panfleto recomenda, irá contribuir para que esses profissionais atinjam sua meta. Natacha confessa que nunca deu muita atenção quando via os panfleteiros pelas ruas, mas que isso mudou desde que assumiu a profissão. “Me sinto desprezado, mal tratado e sofro preconceito, mas vou pra cima para entregar meus folhetos com determinação, pois estou trabalhando”, conta Robson Machado, que atua como panfleteiro na região
central de Osasco. Ele diz que sofre perseguição dos comerciantes de lojas próximas dos locais onde ele panfleta. Os donos dos estabelecimentos não querem os panfleteiros por perto, seja pelo fato de eles divulgarem ofertas das lojas concorrentes, seja por conta de algumas pessoas que pegam os folhetos e os descartam na rua, sujando as calçadas. José Bezerra, 64 anos, viu na função de panfleteiro uma oportunidade de complementar a renda, para sustentar sua família. Ele não consegue manter os custos de uma casa com sete pessoas somente com sua aposentadoria. Bezerra ressalta que a profissão é menosprezada até mesmo pelos empregadores. “Muitos não se preocupam com a exposição que temos ao sol e à chuva, se temos necessidade de usar o banheiro ou nos alimentarmos, tomarmos uma água”, finaliza.
Vendedor ambulante na Linha 9-Esmeralda, da CPTM
REPORTAGEM
Livro de estudantes da São Judas traz histórias de trabalhadores invisíveis Arte da capa: Rodrigo Lima
“Invisíveis – Profissões além do que se imagina” é o título do livro-reportagem escrito em 2017 pelos ex-alunos do curso de Jornalismo da Universidade São Judas Beatriz Simonelli, Bruna Diniz, Danillo Santino, Estela Alves, Núbia Lima, Igor Feliciano, Renata Tomaz, Gabrielle Borges, Rodrigo Lima, Júlia Lopes e Thais MarLivro-reportagem revela tins, com a orientação da histórias de preconceito, professora e coordenaracismo e classismo dora do curso, Jaqueline
Lemos. Depois de assistirem ao filme “Escritores da Liberdade” (no qual uma professora leciona para vários alunos “invisíveis” aos olhos da sociedade: jovens negros e pobres, moradores da periferia), o grupo resolveu adaptar esse tema, dando voz a pessoas que atuam em profissões que são essenciais, mas nem sempre valorizadas. Ao todo, os estudantes entrevistaram 11 profissionais: as empregadas domésticas Marlúcia Pereira de Santana, Érica Augusto
Miranda, Maria Magdaleno de Lima e Patrícia Jean de Oliveira; os seguranças Guilherme Lucena e Joelma dos Santos Gomes; o porteiro Edison Calixto Roberto; o carteiro Marconi Xavier da Silva; a auxiliar de limpeza Lucineide Raniti Vieira; o zelador Mauro Rodrigues Moraes e o motorista de ônibus Maurício Ferraz da Silva. “Nenhum deles era alguém próximo de nós.
Fizemos questão de encontrar pessoas fora do nosso meio para poder de fato enxergar a realidade dos entrevistados”, ressalta Beatriz Simonelli. A jornalista relata o que mais a impressionou e aos colegas durante o processo de apuração para a produção do livro: “Além das atrocidades contadas em todas as histórias, que incluíam muito preconceito, racismo e
“O que mais queremos é que essas pessoas sejam escutadas”
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superioridade por parte da classe média alta, o que mais sensibilizou o grupo é que os entrevistados não percebiam a situação de invisibilidade em que eles estavam”. De acordo com Beatriz, o principal objetivo do livro-reportagem foi dar voz a esses profissionais. “Como comunicadores, o que mais queremos é que essas pessoas sejam escutadas. Mostrar o quanto a sociedade as julga pelas suas profissões, sem considerar suas identidades”, destaca.
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ESPECIAL
CPTM lança campanha contra vendedores ambulantes Medida, que divide usuários, quer impedir a venda de produtos dentro dos trens
Danilo Lopes
Larissa Lima
A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) deu início em agosto de 2018 a uma campanha em que pede aos usuários que não adquiram os produtos vendidos irregularmente pelos vendedores ambulantes, para que assim a comercialização dentro dos trens acabe. Foram espalhados mais de 500 banners em todas as estações de São Paulo. Mensagens como “Quem compra do ambulante é responsável pelo comércio ilegal! Não compre” são anunciadas a cada parada. “Eu me sinto oprimido, só estou tentando ganhar meu dinheiro”, conta o ambulante Jefferson Batista, 19 anos, que vende salgadinho no trem
Banner da campanha contra ambulantes na estação Osasco da Linha-8 Diamante, e já teve sua mercadoria apreendida três vezes pela fiscalização. Segundo a CPTM, a campanha foi motivada pelo aumento de ambulantes no sistema. A companhia afirma que,
no primeiro semestre de 2018, recebeu mais de 7 mil denúncias sobre vendas ilegais nos trens. “Embora não seja crime previsto em lei, a prática é combatida pelo fato de os produtos não terem procedência
definida”, informa a assessoria da companhia. “Há lojas dentro das estações que vendem os mesmos produtos, têm CNPJ, pagam aluguel e impostos abusivos. Essas lojas são prejudicadas pelos ambulantes
que vendem por preços bem menores”, opina o passageiro Lucas Batista, que também se incomoda com o barulho promovido pelos vendedores. De acordo com a CPTM, desde o início deste ano já foram realiza-
das mais de 20 mil retenções com cerca de 800 mil produtos apreendidos. A usuária Beatriz Capistrano não concorda com a campanha. “Só estão buscando uma forma de sobreviver. Muitas vezes eu compro apenas para ajudá-los”, diz.
LIDANDO COM A MORTE
As dificuldades da vida de coveiro Murilo Nogueira
O Cemitério do Maranhão, um dos mais tradicionais da cidade de Cotia, na Grande São Paulo, desde 2005 conta com os serviços de um colaborador que atua em uma carreira pouco procurada no mercado de trabalho. André Luís, 38 anos, atualmente trabalha na administração do local, mas por muito tempo exerceu a função de sepultador, cargo que, para ele, é uma das várias profissões invi-
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síveis e desvalorizadas em nossa sociedade. Quando foi contratado, sua função era basicamente realizar a limpeza no espaço geral da necrópole. Em pouco tempo, começou a auxiliar os coveiros nos sepultamentos até se engajar de vez na atividade. Em 2016, foi convidado a integrar a área administrativa, visto que já conhecia todos os procedimentos internos e toda a parte de documentação, que passou a ser de sua responsabilidade.
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Ser coveiro é lidar com todos os tipos de pessoas nos momentos mais tristes e sensíveis. Isso não significa que a ocupação esteja isenta do preconceito. André conta que é comum as pessoas prestarem muita atenção na cara de quem vai carregar o caixão do ente querido, entre olhares de desconfiança e desprezo. Ele recorda de um episódio que o deixou triste: “O caixão de uma senhora já estava na capela para a última visita. Uma das filhas co-
meçou a reparar em mim e no meu colega que iria ajudar a sepultar o corpo. Depois disso, tirou um álcool em gel da bolsa, passou nos dedos da mãe, arrancou sua aliança e guardou. Não deixou a mãe ser enterrada com a jóia, provavelmente por achar que iríamos tirar depois, coisa que nunca fiz na minha vida”. Fora do cemitério, André Luís leva uma vida simples, estuda teologia e pretende um dia se tornar pastor. Ele destaca a im-
portância do coveiro para a sociedade, e ressalta que a desvalorização da profissão começa vindo da própria Prefeitura. “No que diz respeito a salários e direitos, o cargo é desvalorizado, o que faz com que muita gente desista, mesmo passando no concurso”, ressalta.
Murilo Nogueira
Coveiro André Luís: “O cargo é desvalorizado”
DE PAPELÃO A COBRE
Além dos olhos da sociedade
Catadores de material reciclável falam sobre rotina marcada por renda baixa, esforço físico e preconceito Danilo Lopes
Danilo Lopes e Vinicius Souza
Os catadores são responsáveis por quase 90% do lixo reciclado no Brasil, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Apesar de sua incontestável importância, nem todos moradores da cidade valorizam o trabalho desses profissionais. Valdir Carvalho dos Santos, 48 anos, ex-ajudante de offset, atualmente é catador de materiais recicláveis, na zona leste de São Paulo. “Jamaica”, como é conhecido nas ruas do Jardim Sílvia, é natural da Bahia e veio em busca de uma vida melhor na capital paulista, porém se solidificou na profissão de catador; já está na coleta há 19 anos. É portador de narcolepsia, um distúrbio do sono caracterizado por sonolência excessiva durante o dia e por frequentes ataques de sono, mesmo quando a pessoa dormiu bem à noite. Esses ataques costumam ocorrer repentinamente e a qualquer momento do dia. Jamaica chama a atenção fazendo o seu trabalho com um veículo que ele chama de “TV Móvel”. Nunca frequentou uma sala de aula. Só pisou em uma escola para participar de uma reunião de pais. Tem dois filhos e uma neta. “O cara que trabalha em reciclagem não tem tempo de estudar”, relata. Jamaica explica a dificuldade para conseguir uma renda adequada ao seu sustento. “Cinquenta quilos de papelão não dão para comprar um quilo de pão”, responde, quando pergun-
Jamaica chama a atenção das pessoas pelas ruas do Jardim Sílvia com o TV Móvel tado sobre quanto ele tira no mês, fazendo as coletas e vendendo nos ferros velhos. Marcos Antonio Gomes de Almeida, 43 anos, conhecido como “Negão”, é
catador há exatos 5 anos, desde quando saiu da prisão e não obteve outra oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. Pai e esposo, ele também
reclama da dificuldade de manter a família com o dinheiro que obtém catando produtos para reciclagem. “É até complicado falar... As pessoas nem imaginam
o que eu passo para sustentar a minha família. São mais de 12 horas por dia empurrando esse carrinho pra cima e pra baixo, faça chuva ou faça sol”, conta.
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Negão comenta sobre a indiferença dos pedestres e motoristas aos cruzarem com ele. “As pessoas passam na rua e fingem que não me veem. Eu sempre dou ‘bom dia’ e ‘boa tarde’ para quem quer que seja. Outro dia o rapaz ia abrir a garagem da casa dele, quando me viu, voltou pra dentro, como se eu fosse assaltá-lo. Na verdade, eu só queria as latinhas do lixo dele”, explica. No centro de São Paulo, na região da República, fica o MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis) que há 16 anos busca a valorização dos trabalhadores da área. Segundo o movimento, a opressão à categoria começa com o poder público. Jamaica avaliza essa situação, explicando como mudanças promovidas pela Prefeitura de São Paulo afetaram o trabalho das cooperativas, que são responsáveis por separar e vender todo o material recebido diariamente. “Depois que o João Dória [PSDB] se tornou prefeito os caminhões que faziam as coletas foram diminuídos e assim as cooperativas ficam boa parte do dia sem serviço para os empregados”, relata o catador. A profissão dos catadores de materiais recicláveis foi reconhecida em 2002 pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo Jamaica, não houve mudanças positivas à classe após o reconhecimento. Ele explica que o material que dá mais retorno financeiro é o cobre, porém é difícil encontrá-lo pelas ruas.
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PONTO DE VISTA
“Eu chegava em casa e ia chorar escondido” Atuando como gari durante dez anos como parte de sua pesquisa, psicólogo sentiu na pele invisibilidade social Daniel Kfouri
quanto estava atuando como gari? Fernando: Foi tudo muito agudo, muito dolorido. Teve situações estranhas, por exemplo, estar andando na rua num sábado e ser reconhecido por um professor, mesmo eu estando de bicicleta e ele a pé do outro lado da Avenida Pedroso de Morais, e aí na segunda-feira ele passa por mim, esbarra no meu ombro, eu vestido de gari, e ele não me cumprimenta. Talvez isso tenha sido uma das coisas mais estranhas.
Heloise Brito e Gustavo Barreto
O psicólogo social Fernando Braga experimentou o que é fazer parte de uma profissão desvalorizada pela sociedade. Ao longo de quase dez anos, ele varreu as ruas da Universidade de São Paulo (USP), onde estudava, ao lado dos garis, e era como se estivesse invisível. Viu conhecidos, que o tratavam bem nos corredores da faculdade, passarem ao seu lado sem o cumprimentar. Seu envolvimento com o assunto começou na graduação de Psicologia. Dedicou sua dissertação de mestrado e sua tese de doutorado à mesma temática, utilizando como técnica a pesquisa-participante (metodologia em que o pesquisador desempenha funções no grupo social pesquisado). Pode perceber e relatar os danos psicológicos que uma pessoa que é ignorada pela sociedade sofre. Depois de todo estudo e vivência, escreveu o livro “Homens Invisíveis: relatos de uma humilhação social” (Globo Livros, 2014). Ele conta um pouco dessa impactante experiência: Expressão: Como você teve a ideia de fazer essa pesquisa com os garis? Fernando: Essa é uma atividade que acontece na USP no estudo do campo da Psicologia desde 1993. A ideia está baseada numa experiência bastante radical de uma filósofa chamada Simone Weil que, na França dos anos 20, abandonou a universidade na qual era professora para viver como operária. Ela viveu assim até
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o fim da vida, na tentativa de compreender o sofrimento emocional do trabalhador braçal e também denunciar as condições de trabalho. Expressão: Quando você se juntou aos garis, como você foi recebido por eles? Fernando: Claro que logo que eu iniciei o trabalho fui recebido com uma certa cautela, um certo estranhamento, uma vez que, muitas vezes, não há entre os garis alguém que sequer tenha completado o ensino médio, quanto mais quem esteja num curso de graduação. Fora toda distância socioeconômica... Eu venho de uma família que tinha uma vida bastante confortável em Alto de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Comecei a conviver com eles que eram todos sujeitos de origem muito mais humilde que a minha. No começo tivemos muitas barreiras psicossociais, mas aos poucos as coisas foram se resolvendo. Nunca chegamos a uma situação de igualdade. Isso seria hipócrita, não é?! Eu nunca deixei a minha condição de classe, então não haveria como a gente falar como iguais nesse sentido socioeconômico. Alcançamos sim a possibilidade de um diálogo livre e respeitoso no que diz respeito às coisas que tínhamos em comum e os nossos pontos de vista variados sobre a realidade humana. Expressão: Em termos de sentimentos, como foi
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Depois que sentiu na pele o que era ser um gari, muita coisa mudou na vida do psicólogo social Fernando Braga. Hoje, ele publica fotos que não mostram o seu rosto, refletindo o aprendizado de sua pesquisa se passar por gari e experimentar estar nesse lugar? Fernando: Emocionalmente falando foi uma coisa muito difícil. Não houve sequer um dia que eu tivesse ido trabalhar como gari e que eu não voltasse para casa muito, muito, muito carregado de sentimentos pesados. Boa parte das vezes, inclusive, eu chegava e logo ia tomar banho para poder chorar escondido da minha família, especialmente da minha mãe, porque eu não queria que ela ficasse preocupada. Expressão: Ouve-se muito a frase “se você não estudar, vai virar lixeiro”. Por que as pessoas têm preconceito com certas profissões? Fernando: Sobre a questão do preconceito, as pessoas menosprezam as profissões braçais, de forma geral, porque são profissões degradantes,
são humilhantes mesmo. E, mesmo que os trabalhadores braçais ganhassem R$ 20.000 por mês, ainda assim estariam submetidos à subalternidade, à humilhação, a broncas, à impossibilidade de governar o próprio trabalho, entre outras coisas. Então as pessoas têm um preconceito que não é infundado. As tarefas braçais são imbecilizantes e esse é o grande sofrimento do trabalhador. O trabalhador não é um imbecil, mas o trabalho que ele é obrigado a fazer, na maioria das vezes, é um trabalho desqualificado. Expressão: Qual foi a situação mais chata que você presenciou en-
Expressão: Qual foi o seu maior aprendizado dessa experiência toda? Fernando: Eu penso que talvez a própria questão de os trabalhadores serem os melhores professores para falar sobre a tal invisibilidade pública - conceito que não havia antes da defesa da minha dissertação em 2002. É uma coisa que antes não tinha diagnóstico dentro da psicologia científica. Expressão: Para a pessoa de uma profissão invisibilizada, qual é a sensação de ser completamente ignorada? Quais são os impactos psicológicos? Fernando: Os principais impactos psicológicos têm a ver com essa sensação de não existir, e isso se constitui como uma grande violência. E também um certo questionamento sobre onde tudo teria começado? O que justifica
“As tarefas braçais são imbecilizantes, geram o sofrimento do trabalhador”
a sustentação social desse estado de coisas, em que nós, que somos de carne e osso, desaparecemos? Tudo isso leva a um desconforto, a um constrangimento muitíssimo grande e, na sequência, a estados de entristecimento. Expressão: Trabalhos como o seu ajudam a entender de forma profunda a questão da invisibilidade e humilhação social. Você acredita que possa existir alguma forma de resolver ou neutralizar esses problemas, em um quadro mais geral? Fernando: Sobre como resolver questões de invisibilidade eu diria que a única possibilidade de começar algo nesse sentido seria todos nós, cidadãos, de alguma forma, ficarmos responsáveis pelos trabalhos braçais da nossa comunidade. Enquanto o juiz, o desembargador, o prefeito, os médicos, jornalistas, os advogados, os engenheiros não forem responsáveis também por algumas horas em varrer a cidade e recolher o lixo, isso jamais vai ser alterado. Porque a gente só tem a consciência alargada a partir da experiência concreta de exercer trabalhos braçais. Só assim teremos uma consciência geral, uma contribuição de todas as áreas, e aí a gente poderia compreender como o ser humano é capaz de viver em uma sociedade que inventa, projeta e fabrica um foguete que vai até a lua, mas não consegue tirar cidadãos próprios da humilhação. Seria isso.
EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS
Especialistas estudam cérebro de superinteligentes
PESQUISA
Alunos com QI elevado enfrentam problemas emocionais e sociais
Gabriel Castro
Beatriz de Paula
O Quociente de Inteligência, mais conhecido como QI, é um tipo de instrumento para analisar a capacidade de um indivíduo em diversas áreas, como o intelecto, a parte artística e a criativa. Segundo a neuropsicóloga portuguesa, Marta Camacho, existem várias definições e formas de medi-lo. O que a maior parte destas definições têm em comum é a resolução de problemas. Quanto maior o quociente, maior será a eficiência para tal resolução. Se a pessoa apresenta um QI acima de 129, esse quociente já é considerado superior. Ainda não há uma explicação específica sobre como a pessoa tende a obter essa elevada inteligência. “Estudos mostram que o fato pode ser relacio-
nado com conexões precoces de células nervosas que podem se estabilizar”, explica Dora Cortat, que trabalhou na Associação Brasileira para Altas Habilidades/Superdotados. No que se refere ao ambiente escolar, um aluno que se encontra nesta posição precisa de atenção redobrada pelo fato de estar extremamente avançado, se comparado à sua classe. E há políticas educacionais e pessoas direcionadas a oferecer essa atenção especial. O MEC (Ministério da Educação), por exemplo, conta com algumas políticas educacionais para portadores de altas habilidades. Claudia Hakim, especializada em Direito Educacional, estuda essa e outras questões e vem tomando medidas para obter melhorias na educação, além de colaborar para o entendimento
Fernanda Costa
Habilidade em resolução de problemas reflete QI alto dos pais dessas crianças e adolescentes sobre o tema. Esta parte da população pode estar propensa a passar por algumas dificuldades emocionais e sociais. “É bom um acompanhamento com neuropsicólogo. As pesquisas apontam que essas pessoas têm maior incidência para desenvolver um quadro depressivo”, esclarece Cadu Fonseca, presidente da maior organização
mundial para superdotados, a Mensa Brasil. Rafael, 36 anos, tem seis diplomas e seu QI é 161. Ele conta um pouco sobre o que enfrenta no seu dia a dia: “Nunca tive acompanhamento de ninguém, até porque nunca acham que o superdotado precisa. Acham que ele é melhor que os outros e isso não é verdade. Na minha opinião, o emocional é muito mais frágil que o das outras pessoas”.
Governo suspende corte de bolsas da Capes No começo de agosto, o Conselho Superior da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação) alertou que as pesquisas brasileiras sofreriam prejuízos, se o governo federal fizesse cortes no orçamento de 2019 destinado à educação, conforme vinha sendo cogitado. O comunicado preocupou milhares de discentes que dependem de bolsas para desenvolverem seus estudos. EMENDA MANTIDA Após forte reação no campo científico, o presidente Michel Temer (PMDB) afirmou que as verbas para a Capes serão mantidas e manteve a emenda proposta pelo Legislativo que previa a correção do orçamento da educação pela inflação de 2018.
FUTURO INCERTO O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em carta aberta publicada em 9 de agosto, já havia anunciado que deveria diminuir significativamente os investimentos em 2019. Algo que deixa incerto o futuro de 90 mil bolsistas e 20 mil pesquisadores. DESCASO E INCERTEZAS “Estamos em um cenário de total descaso, colocando em risco todo o futuro e reputação do nosso país. Menos investimento implica em menos inovação e menos condições de trabalho”, destaca Vagner Alencar, doutorando em Educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e bolsista pelo CNPq.
SAÚDE PÚBLICA
Brasil enfrenta infestação de sarampo Thays Andrade
O Brasil, que em 2017 não contabilizou nenhum caso de sarampo, entre janeiro e junho de 2018 já registrou 1.686 casos, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). Embora haja registros de sarampo no Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo, a maior parte dos casos está na região Norte do país, em estados como Roraima e Amazonas. Segundo Celso Granato,
médico formado pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Infectologia, Microbiologia e Imunologia, a infestação dessa doença, que já estava praticamente sumida, se deve, dentre outras razões, à entrada de grande contingente de pessoas provenientes da Venezuela, onde não tem sido feita sistematicamente a vacinação contra o sarampo há muitos anos. “As populações das fronteiras do Brasil com a Venezuela, especialmente
dos estados de Roraima e Amazonas, têm apresentado uma baixa cobertura vacinal, e o sarampo é uma doença extremamente transmissível. Para não haver infestação, a cobertura vacinal não pode ficar abaixo de 95%. Isso significa que de 100 pessoas pelo menos 95 têm que ter sido vacinadas”, explicaGranato. Segundo o infectologista, os sintomas da doença são febre elevada (acima de 38ºC), olhos vermelhos,
tosse e mal-estar em geral, e, após o período de 4 a 5 dias, vermelhidão na pele. A doença pode levar à morte, especialmente em crianças desnutridas. A estudante paulistana Larissa Gomes, 13 anos, foi atingida pelo Sarampo. “Tive febre muito alta, meus olhos ficaram tão vermelhos que parecia que eu estava com conjuntivite. Fiquei muito mal. Me vacinei quando era muito pequena, depois não me vacinei mais”, conta.
Matheus Chaves
Entre janeiro e junho, país registrou 1686 casos
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ARTES
Deus salve a Rainha! Thais Santos
Em meio a uma vertiginosa revolução contra a segregação racial nos Estados Unidos, surge a soul music. Derivada do R&B e do gospel, ela se caracteriza por uma melodia ritmada, por vezes, combinada com palmas e movimentos corporais, ou por chamadas e respostas entre o intérprete e o coro. Este ritmo se tornou muito popular a partir da década de 60, e um dos nomes que mais se destacou foi o da apelidada “Rainha do Soul”, Aretha Franklin. Desde a primeira vez que subiu num palco, encantou multidões. Ao longo de sua trajetória, somou 18 estatuetas no Grammy, tornou-se a primeira mulher a entrar para o cobiçado Rock & Roll Hall of Fame, em 1987, e recebeu
a Medalha Presidencial da Liberdade (a maior condecoração para um civil americano) das mãos do então presidente George W. Bush, em 2005. Mas não foi apenas como artista que Aretha se destacou. Em meio à luta contra a segregação racial e na busca pelos direitos das mulheres, posicionou-se com muita força e resistência. Em 1967 interpretou pela primeira vez a música “Respect”, que se tornou uma das mais marcantes presenças nas marchas pelos direitos civis e uma das mais icônicas músicas de toda a sua carreira. A canção original, de Otis Redding, fala de um homem que, ao chegar em casa só quer de sua esposa um pouco de respeito. Com algumas alterações, Aretha e sua irmã Carolyn
Michael Ochs Archives - Getty Images
Aretha Franklin arrastou multidões com sua voz poderosa e sua representatividade
Aretha começou na música muito jovem. Aos 14 anos, gravou seu primeiro álbum, o Songs of Faith deram uma roupagem oposta à mensagem da música, transformando uma canção misógina em um manifesto feminista. “Com sua voz empostada e de afinação excepcional, capaz de ir dos mais agudos aos mais graves, Aretha pedia um pouco
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de respeito. A música se dirige a um homem, mas ele podia ser qualquer um, do patrão branco ao marido violento. Respect se tornou um hino dos direitos civis e do feminismo”, destaca Celso Santhana, produtor musical e diretor da Ordem dos Músicos do
Brasil do Rio de Janeiro. Em 1970, a cantora usou toda a sua influência e prestígio como artista para fortalecer a campanha de libertação de Angela Davis, membro dos Panteras Negras e filiada ao Partido Comunista, que foi presa quando participava dos protestos que ocorreram após a morte do pastor e ativista político Martin Luther King. “A característica mais marcante de Aretha é a sua voz. No Brasil a soul music foi propagada graças a artistas como Tim Maia, Cassiano, Dom Beto
e Carlos Dafé que inovaram naquele momento. E hoje, como cantores, cabe a nós fazermos uma renovação do que deu certo lá atrás”, ressalta o intérprete do hit “Amor Proibido”, Murillo Diniz. Através das décadas, a voz e o estilo único de Aretha de interpretar as melodias tornaram-se referência para muitas outras estrelas da indústria musical, como Whitney Houston, Lauren Hill e Beyoncé. São divas que carregam em suas notas e acordes o legado da rainha do soul.
“ Com sua voz empostada e de afinação excepcional, capaz de ir dos mais agudos aos mais graves, Aretha pedia um pouco de respeito”
RITMO E POESIA
Luara Theodoro Fundada em 1995 pelo fotógrafo André François, 51 anos, a ONG ImageMagica produz projetos e programas sociais usando a fotografia como uma ferramenta de transformação do olhar. A organização desenvolve seus projetos em hospitais, escolas e comunidades do Brasil e do mundo. As atividades produzidas pela ImageMagica incentivam os participantes a terem um olhar mais crítico em relação
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Acervo Ong ImageMagica
ONG usa fotografia como ferramenta Rappers falam sobre importância para conectar pessoas do gênero para comunidades Lucas Oliveira
Unidade móvel leva oficinas de fotografia pelo país às situações cotidianas. “Para você mudar alguma coisa no seu mundo é preciso perceber em que mundo você vive”, comenta François. Nas oficinas, os integrantes fotografam suas realidades e propõem
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transformações. “As pessoas usam a câmera sem pensar muito no que estão fazendo. Aqui, elas percebem o poder do ato de fazer uma foto, de conectar as pessoas por meio da imagem”, relata o fundador da ONG.
O movimento do rap é cada vez mais visível em nossa sociedade. Expressão musical do hip hop, o estilo tem como objetivo conscientizar e instruir jovens de maneira cultural, abordando diversos temas. É uma forma de expressão que possibilita uma crítica social a respeito das questões vivenciadas no cotidiano das periferias, como a desigualdade socioeconômica, a discriminação racial e a violência. A influência e a importância social do rap é mui-
to grande no sentido de tirar jovens de um mundo marginalizado, direcionando-os para o trabalho e a convivência sadia. As batalhas de rap são um movimento cada vez mais constante, nos quais os MC’s duelam com rimas improvisadas de um determinado assunto. “A única forma de se expressar é rimando. As batalhas normalmente ocorrem à noite, nas estações de metrô, trem e praças. O jovem é recebido com sorrisos e abraços. Muitos MC’s me falam que passam dificuldade em casa, mas, quan-
do chegam na batalha, é como se os problemas não existissem”, conta o rapper Bruno Cruz, 18 anos. O produtor musical Jefferson Isaac, 23 anos, conhecido como Rapper Isaac Salú, comenta sobre a importância do rap para a sociedade: “Vejo com bons olhos o caminho que isso tudo está levando, é importante para nossa geração que está regredindo em alguns pontos. É uma forma de inserir cultura em meios em que a mesma foi negada. O movimento se ergue e cria seu próprio entretenimento’’.
SÉTIMA ARTE
Sessão de cinema vira startup Projeto reúne pessoas que deixavam de apreciar filmes por estarem sozinhas
Shutterstock
Os encontros envolvem debates e jogos para integrar os participantes Leticia Damasceno
As letras sobem, as luzes acendem e aos poucos as pessoas vão saindo da sala, algumas acompanhadas e outras sozinhas. Foi observando essa cena frequente que o empreendedor Gleison Nascimento idealizou o “Vamos ao Cinema Juntos?”, uma iniciativa criada em 2017, que reúne amantes da sétima arte. Não precisa ser um cinéfilo aficionado à cena cult para participar dos encontros, basta ter interesse pelo meio cinematográfico. A proposta é simples: são publicadas na página do Facebook ou do Instagram as sessões do mês e criado um evento no Meetup e um grupo no Whatsapp para cada encontro. Os interessados podem acessar esses veículos e verificar onde ocorrerá a prévia e quais os assentos comprados para todos assistirem ao filme em conjunto. Depois disso, os participantes discutem e
realizam jogos associados à obra. “Nossos encontros não se limitam a assistir aos filmes, sempre vamos a um lugar depois, para debater, comer, beber, dar risadas. Isso incentiva as pessoas a saírem de casa”, destaca a amante do gênero terror e dona da loja virtual CoffinFang Store, Patrícia Pastura Fang. O grupo contabiliza mais de 1.200 seguidores no Facebook, 6.000 no Instagram e mais de 100 sessões que transitam entre blockbusters, clássicos, produções nacionais e internacionais. Uma vez por mês também são realizados encontros com o PsiCine, um grupo de debate com especialistas de psicologia. “Ano passado eu encontrei e me identifiquei com o Psci Cine. É um tipo de sessão especializada que traz muito valor à proposta do grupo”, relatou Nascimento. Uma alternativa utilizada para reduzir o receio inicial de participar das
reuniões é sempre desenvolver ações no pré e pós-evento em locais públicos, promovendo uma sensação de segurança e ressaltando o respeito às diferenças. “Primeiro fiquei nervoso, devido a minha timidez, mas as pessoas que organizam foram muito gente boa e as outras foram muito agradáveis. Me senti bem à vontade no final”, comenta o crítico de cinema Bruno Martuci. O CineHost Richard Molina descobriu o “Vamos ao Cinema Juntos” no final de 2017, mas passou a frequentar os eventos a partir deste ano. Para ele, o grupo é, especialmente, uma oportunidade de juntar as pessoas. “Acho que ir ao cinema sozinho é super válido e é uma experiência bem legal de se ter, mas quando muitas pessoas estão indo ao cinema sozinhas eu penso: ‘Por que não? [juntá-las]’. É bem legal conhecer pessoas diferentes, vivências diferentes”, ressalta.
ARTETERAPIA
Técnica oferece tratamento humanizado a doentes psiquiátricos Nadia Belo A proposta de humanizar o tratamento psiquiátrico brasileiro por meio da arte, em substituição aos tratamentos agressivos com eletrochoques, lobotomias e reclusões, praticados anos atrás, se deve muito à luta de Nise da Silveira (1905 -1999), aluna do renomado psiquiatra Carl Jung (18751961), que se manifestou contrariamente durante toda a vida sobre a forma quase animalesca com que os pacientes com doenças psiquiátricas eram tratados. Em sua concepção, alternativas terapêuticas baseadas na livre expressão artística oferecem mais resultados no tra-
tamento. Neste sentido, a arteterapia, técnica consolidada pelo médico alemão Johann Reil no século XIX, tem se mostrado fundamental na interligação entre a subjetividade e o mundo externo que rodeia os pacientes. “A arteterapia se mostra bastante eficaz, principalmente quando o profissional consegue trabalhar de forma associada aos tratamentos psicopedagógicos, psicológicos e psiquiátricos”, afirma Adriano Tardoque, terapeuta responsável pela Ariloque Ação Cultural, que promove ações educativas e passeios pelo patrimônio histórico da cidade de São Paulo. Para a artista plástica Ana Alice Francisquetti,
especialista no atendimento de portadores de lesões neurológicas, a arteterapia é sustentada por um tripé que inclui terapeuta, equipe multidisciplinar e a família”. “É uma ciência que exige muita criatividade por parte do terapeuta que precisa conhecer todas as patologias não atendidas”, afirma Ana. Sobre os casos que já teve a oportunidade de atender (de aplicação da arteterapia como tratamento), a especialista garante: “Mesmo dependendo da evolução dos processos cognitivos dos pacientes para os procedimentos de expressão, todos responderam de forma positiva ao tratamento”.
RITMO
Grupo de dança espalha cultura angolana no Brasil Alison Camargo
A Kizomba é uma dança africana que nasceu na Angola no início dos anos 1980. Está relacionada à celebração, mas também tem forte ligação com a resistência cultural do povo angolano, que exaltava a liberdade. Dentro do gênero existem divisões de estilo como a Passada, a Tarraxinha, a Quadradinha e a Ventoinha. Vinculado à essência do Kizomba, surgiu no Brasil há oito anos o Afrojoy Kizomba, grupo especialista em coreografias angolanas. A ideia do projeto partiu da iniciativa de Marseu
Carvalho, dançarino profissional que nasceu em Luanda e reside em São Paulo desde 2009. “O principal objetivo foi criar um grupo com foco em disseminar a cultura e as danças africanas em todos os lugares possíveis, especialmente aos amantes da arte de salão”, detalha o angolano. O Afrojoy iniciou com apresentações coreográficas em salões de festas. Rapidamente o ritmo tornou-se popular e a quantidade de pessoas interessadas em participar do projeto aumentou. Por isso, tornou-se mais fácil cumprir a ideia inicial do movimento
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ao realizar palestras e workshops para disseminar a cultura e a origem do Kizomba ao público interessado em conhecer a fundo o estilo. Atualmente o grupo é formado por cinco pessoas de nacionalidades diferentes. “A dança me permitiu saber que a Angola existe e é um país incrível. Sem dúvida, o Kizomba abriu minha mente para conhecer a cultura africana e me apaixonar por ela”, afirma a italiana Manu Casaldi, dançarina profissional e membro do Afrojoy. Outros integrantes do grupo pertencem à Argentina, Colômbia e Peru.
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ESPORTE E LAZER
Projeto Instituto Lance Certo transforma vidas
QUALIDADE DE VIDA
Crossfit e seus benefícios Eduardo Costa e Gabriele Molina rede de academias do gê-
Divulgação/ Instituto Lance Certo
ONG beneficia jovens na Cidade Tiradentes, na zona leste André Luis e Matheus Chaves
Criado em 2009 pelo ex-jogador de basquete Gilmar Divino da Silva, 52 anos, e pelo professor de Educação Física Fernando Ramos, 37 anos, o Instituto Lance Certo é um projeto social que ajuda crianças e adolescentes na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, a entrarem no mundo do basquete. Idealizador do projeto, Gilmar conta que a ideia surgiu para colaborar com a formação de bons cidadãos. “O projeto ajuda tanto na ética como na moral. É uma atividade extra social que podemos oferecer para o bairro. Muitas pessoas podem se beneficiar dela”.
Gilmar e alunos do Instituto Lance Certo Embora tenha 150 alunos inscritos, a ONG (Organização Não-Governamental) ainda não recebe nenhum tipo de ajuda do governo. A maior parte do investimento é feita pelos fundadores do instituto, amigos e moradores da região. Segundo Gilmar, faltam documentos para que o projeto possa ser beneficiado financeiramente com a ajuda governamental.
O Instituto Lance Certo tem conseguido transformar a trajetória de muitos jovens. É o caso de Juliana Souza, 18 anos, que hoje é jogadora profissional no São José Basketball, time do município de São José dos Campos, no interior de São Paulo. “Eu comecei no Lance Certo com 12 anos e, como qualquer outra criança, não levava a sério o projeto, porém, conforme o tempo foi
passando, eu fui tendo bons resultados, e rápido”, relata. Com dedicação e com a ajuda e o incentivo de toda comissão técnica, Juliana conseguiu se tornar jogadora profissional. “Posso dizer que o projeto mudou a minha vida”, afirma. Os treinos acontecem às segundas e sexta-feiras, das 15h30 às 18h30, e aos sábados, das 11h às 13h30, no Céu Água Azul.
Inspirado em treinamentos militares, o Crossfit tem como objetivo melhorar o condicionamento físico, estimulando sempre o espírito de superação e adaptando seus treinos aos limites de cada um. Os métodos consistem em aumentar a força física, ganho de massa muscular, flexibilidade, coordenação motora e ajuda para aliviar o estresse. “Qualquer tipo de atividade física é de suma importância para o aumento da imunidade, diminuição de doenças cardiovasculares, perda de peso fortalecimento muscular e aumento da disposição diária e do humor’, afirma o clínico geral Bruno Cunha Pinto. O número de adeptos no Brasil é um sucesso, tornando o país como detentor da segunda maior
nero no mundo, perdendo apenas para os EUA, onde o modo de treinamento surgiu. Para Regildo José, 41 anos, que é praticante há seis meses, o Crossfit surgiu por acaso. “Estava andando na rua e vi aquele movimento. Perguntei se era para perder peso. Quando descobri o que era, me matriculei na hora, e, em um curto período, vejo bons resultados no meu peso e na minha autoestima”, conta. O instrutor e fisioterapeuta Ricardo Valeriote, 37 anos, aponta as principais diferenças entre atividades regulares em academias e o crossfit: “É a intensidade dos exercícios, o resultado que é mais visível a curto prazo e o vigor físico. É algo mais dinâmico, cada dia envolve um treino diferente”.
ESTILO DE VIDA
Correndo do sedentarismo Fernanda Noronha e Luiz Guilherme
A rotina excessiva de trabalho consome nossas forças, deixando-nos ansiosos, estressados e sem disposição. Para driblar essa situação, descontamos em doces, salgados e muito Netflix, não é mesmo? De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas que não praticam esportes chega a 47% e o Brasil lidera esse ranking na América Latina. Jacira Gonçalves, 46 anos, fazia parte dessa estatística. Dona de casa, mãe de dois filhos e monitora há 6 anos, nunca pen-
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sou em correr uma maratona. A rotina semanal a consumia, seu casamento não ia bem e, depois de passar por uma separação, sentia que precisava fazer algo para se sentir melhor. Foi então que sua amiga de infância, Edinalva, a convidou para correr a meia maratona do GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer). Depois disso é história. Hoje, com 15 quilos a menos, 15 corridas e 13 medalhas, Jacira virou um exemplo para muitos. Em dois anos de treino e dedicação, já participou da temida São Silvestre, percorrendo seus 15
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km. Segundo ela, faria tudo novamente com um sorriso no rosto. “A corrida melhorou minha saúde, meu corpo e a minha cabeça. Sou muito mais feliz hoje”. Com Priscila Gumiero, formada em Educação Física, a história não foi diferente. Nascida e criada em São Paulo, a personal trainer, de 37 anos, decidiu se mudar para Joinville, Santa Catarina, após o falecimento da avó em 2016. Lá, a atleta que sempre foi apaixonada por esportes, implantou um projeto chamado KM do Asfalto, que reúne outros amantes de corridas de ruas em maratonas por todo o Brasil.
“A corrida não só mudou minha vida, como possibilitou que eu influenciasse outras pessoas. Hoje tenho participantes de todas as idades no projeto. É incrível ver como o esporte é capaz de abrir portas e proporcionar melhor qualidade de vida para as pessoas”, explica. Se você se interessa em praticar algum esporte, sem precisar gastar muito tempo e dinheiro, participar de corridas pode ser uma opção para você. No Facebook você encontra diversos grupos que reúnem atletas amadores, profissionais e iniciantes para participar de corridas e maratonas.
Mauro Fanha Fotografias
Priscila durante corrida em Joinville/SC
ESPORTE E LAZER
Campeão luta para criar federação brasileira de Kettlebell Matheus Henrique e Tairony Mendes
No Brasil, tudo que não é futebol ou vôlei passa a ser encarado como esporte alternativo, conquistando espaço nas comunidades de pessoas que procuram uma vida mais saudável e ativa. O Kettlebell é um esporte russo, uma competição que gira em torno de quantas vezes uma pessoa é capaz de levantar o peso de sua categoria em determinado tempo. A modalidade se originou dos guerreiros da era czariana, que competiam
entre si para ver quem era o mais forte. Claudio Novelli, 42 anos, natural da capital paulista, é um dos atuais campeões mundiais pela Seleção Brasileira de Kettlebell. O Mundial foi disputado na Itália no mês de junho deste ano. Novelli, agora, busca novos campeões compatriotas. Ele e outros atletas do esporte estão lutando para criar uma nova federação da modalidade no Brasil, pois a antiga não funcionou como o esperado. A intenção inicial é criar associações municipais que, posterior-
Claudio Novelli
Atleta paulistano sonha com a expansão do esporte e busca parceiros para projetos
Cláudio Novelli, campeão mundial pela Seleção Brasileira de Kettlebell
mente, formariam federações estaduais, para se juntarem e comporem uma confederação nacional. “Queremos acabar com a politicagem e contar com atletas verdadeiramente envolvidos no esporte que nós amamos”, afirma. Por mais que seja perseverante quanto a seu esporte do coração, o atleta sabe que terá dificuldades para disseminá-lo pelo Brasil. “A gente encontra dificuldade em formar as federações de forma adequada, dentro da lei, de encontrar apoio em leis de incentivo. Esses mecanismos
são um tanto quanto intrincados, é um pouco complicado achar pessoas que deem consultoria de forma clara a respeito das formas de levantar verba”, explica. Perguntado sobre se recebe investimentos em seu projeto, Novelli afirma que não conta com nenhuma ajuda, e que buscará parceiros para o desenvolvimento do esporte. Para ele, as parcerias trazem mais divulgação, tornando o Kettlebell inclusivo. “A ideia é abrir as portas para a população por intermédio de leis de incentivo”, finaliza.
lho no esporte”, em tradução livre), publicado pela ONG britânica Women in Sport (Mulheres no Esporte) entre setembro de 2017 e março de 2018. Bom seria se todos os lugares fossem como a Islândia, em que os atletas dos sexos feminino e masculino recebem exatamente os mesmos valores de bonificações e premiações. “Existe muito preconceito ainda com a mulher dentro do futebol. Isso se estende às arquibancadas, a cargos diretivos, área técnica e muitas outras situações”, reforça a narradora. Você já deve ter reparado que em uma par-
tida, seja qual for o esporte, geralmente o técnico é homem. Não só ele como o narrador do jogo, o árbitro e o juiz. As mulheres possuem experiência, determinação, habilidade e capacidade de liderança. O que lhes falta é oportunidade e confiança. “Já li muitos comentários desnecessários de pessoas que veem problema na narração de uma mulher simplesmente por ela ser uma mulher. Isso nós não podemos aceitar. Aceito críticas a minha narração em si, mas não ao fato de eu ser uma mulher querendo exercer a narração”, afirma Isabelly.
GIRL POWER
Quem manda são elas Ana Bello, Jacqueline Rodrigues e Vitória Ribeiro
Futebol, vôlei e basquete, os mais apoiados esportes brasileiros. O que eles têm em comum? A predominância masculina. Mas as mulheres vêm ganhando espaço em um mundo que, no passado, era totalmente regido à base de testosterona. Conquistaram medalhas, tiveram times reconhecidos, foram para finais e olimpíadas. Mesmo assim, ainda há muito preconceito para ser quebrado. Algumas amazonas, com o punho em riste, conquistaram seu lugar
de direito. É o caso de Nilmara Alves, técnica do time masculino do Manthiqueira (de Guaratinguetá), primeira em seu cargo registrada pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Emily Lima também ganhou espaço ao ser a primeira mulher a treinar a Seleção Feminina de Futebol, hoje atuando no time feminino do Santos. Fora do país, na França, à frente do time Clermont Footes está a treinadora de futebol Corinne Diacre, primeira a obter a licença de técnica para comandar um time profissional masculino no país. Ou-
tro caso de inclusão da mulher no mundo do esporte no Brasil foi o concurso da Fox Sports para encontrar a primeira mulher para narrar um jogo de Copa do Mundo na TV. A selecionada entre mais de 300 candidatas foi Isabelly Morais, da Rádio Inconfidência (Minas Gerais). Na emissora, ela narrou pela primeira vez a convite de José Augusto Toscano, também locutor. O vínculo com a Fox Sports foi apenas durante a Copa do Mundo e hoje ela continua narrando pela Rádio Inconfidência. Isabelly acredita que toda mulher que traba-
lha com futebol precisa ter resiliência para enfrentar algumas barreiras. “A narração, de uma forma específica, é uma função que tradicionalmente se desenhou na voz de homens, e a nossa principal dificuldade e missão é mostrar que mulheres podem narrar. Esse espaço deve ser de coexistência sadia para todos”, destaca. Cerca de 40% das mulheres na indústria do esporte já sofreram algum tipo de discriminação de gênero. A conclusão é do estudo “Beyond 30 per cent: workplace culture in sport” (“Além dos 30%: a cultura do local de traba-
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EXPRESSÃO
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INFOGRÁFICO
Refugiados no Brasil
Eles vêm de diferentes partes do mundo e a cada dia são mais numerosos por aqui. Fogem de seu país de origem, devido a situações de conflito ou perseguição de ordem política, racial ou religiosa. Conheça alguns dados importantes sobre os refugiados presentes em nosso país* Larissa Fornarolli e Ingrid Oliveira
RECONHECIMENTO POR PAÍS DE ORIGEM**
**OS NÚMEROS REPRESENTAM PERCENTUAIS DOS PEDIDOS FEITOS PELOS PAÍSES DE ORIGEM
FAIXA ETÁRIA DOS REFUGIADOS
10 milhões de pessoas no mundo são apátridas. Ou seja, tiveram sua nacionalidade negada, assim como o acesso a direitos básicos como educação, saúde, emprego e liberdade de circulação.
DISTRIBUIÇÃO NO TERRITÓRIO NACIONAL
Rio de Janeiro 17% Paraná 8% *DADOS DE 2017. FONTE: CONARE (COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS)
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EXPRESSÃO
outubro 2018
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O Brasil recebeu, só no ano de 2017, 10.145 refugiados de diversas nacionalidades. São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná são os estados que mais acolhem.
São Paulo 52%