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Uma Alagoas proto-nazista
from Edição 1211
Arthur Ramos era o nosso Simão Bacamarte. Para a sociedade alcançar a quintessência daquele cidadão perfeito lá da República de Platão -ajustado e obediente à pátria, livre dos vícios- a saída estava em educar o povão extraindo os caracteres criminosos, vagabundos e sanguinários. A escola controlaria estes instintos selvagens, jogaria pérolas de civilidade naquela legião de selvagens com a diferença que as joias eram sementes de bem-estar do mundo ideal.
Indivíduos com a alma lambuzada de sujidades e trabalhos incompetentes finalmente entrariam na marcha geral da civilização. O higienismo influenciava os setores naquele Brasil do início do século 20, não era diferente em Maceió, a capital que se abria aos gostos vigentes na época. A higiene como ciência tem as técnicas para ajustar, nos cidadãos, os índices de vida média, de instrução e de moralidade. A escola modelaria as crianças, mesmo aquelas chamadas de “problemas”, adaptando a meninada ao meio.
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Era preciso treinar o caráter. O homem é uma ponte, não um fim. Higiene principalmente mental seguida do corpo. O currículo escolar teria noções de educação moral e cívica, com base na História contada pelos vencedores da pátria. Além de conceitos de higiene e civilidade, calistenia, jogos, cânticos escolares. Naquele tempo, a sociedade era tratada pela Medicina como um grande corpo cujas partes estavam doentes e precisavam de tratamento. Por isso, a escola era um hospital e não tinha alunos mas pacientes em processo de recuperação.
Daí vem a semelhança entre o hospício de Simão
Bacamarte e a escola de Arthur Ramos: ambos, como médicos, criam que tratando tipos que se diziam normais como doentes, estudando e aparando as arestas de seus comportamentos, eles, submetidos a tratamento, desempenhariam extraordinário papel na sociedade.
Era 1939, Hitler e as tropas alemãs invadiram a Polônia no dia 1º de setembro. Ele convenceu o povo que o problema mesmo eram os outros. A Alemanha poderia recuperar sua grandeza profetizada no discurso final de Hans Sachs, na ópera Os Mestres Cantores de Nuremberg, de Richard Wagner.
Ora, nos artigos escritos por Arthur Ramos para o Jornal de Alagoas naquele 1939, os problemas estavam no indivíduo e não na sociedade. Pais, educadores e adultos não sabiam lidar com os pequenos não porque havia limites (também financeiros) para as condições mínimas de dignidade no crescimento saudável, mas sim porque a higienização da mente não era levada em sua máxima consideração: ela, sim, era suficiente para resolver todos os problemas sociais.
“É relevante mencionar que o intelectual alagoano considera o meio social como preponderante na formação da personalidade, mas está articulado com os preceitos do eugenismo, este que considera principalmente o biológico”, destaca o artigo Os Vestígios do Higienismo em Terras Alagoanas: Considerações Sobre o Jornal de Alagoas (1939), dos pesquisadores da Ufal Fernanda Lays da Silva Santos, Geovanio da Silva Santana, Ana Paula Teodoro dos Santos, Ana Maria Carvalho da Corrente, Edjames Alves Santos e Marianne Cássia Carvalho Teixeira.
Arthur Ramos talvez não previa que o higienismo e a eugenia seriam radicalizados a tal ponto que se converteria em instrumentos de ódio e ameaças. O próprio objetivo do nazismo de limpar o mundo dos inimigos nem é tão diferente assim de discursos que ouvimos hoje, inclusive evocando Deus, Pátria e Família, princípio agarrado ao nazi.
O fictício Simão Bacamarte e o real Arthur Ramos eram boa gente, mas a política é mesmo o pêndulo das coisas. E essa política é conservadora, fascista, nacionalista. Uma limpeza que varreu muita gente para indignas covas de cemitérios.