Cadernos de Cultura - Domingo 21 de Abril de 2013

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Suplemento Especial de Cultura do Jornal ES de Fato | Edição Nº 01 - Abril/Maio 2013

Rascunho Poesia Crônicas Conto Teatro Cinema Música

ESSE É O CARA!


Abril/Maio 2013/nº1

Arte no Fato EDITORIAL

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O Caderno Especial ArteFato, voltado para Literatura e Cultura, é uma publicação, inicialmente, mensal do jornal Espírito Santo de Fato. Destina-se aos amantes das artes e interessados em temas relacionados à literatura, filosofia, educação e outros com participações mais do que especiais de poetas, cronistas, professores e aspirantes a escritores.

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Roberto Al Barros: Escritor, jornalista e acadêmico de História. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL).

Bruno Ramos: Músico e consultor no setor de rochas ornamentais em Cachoeiro de Itapemirim. Colaborador do caderno.

Quem faz

Célia Ferreira: Jornalista, assessora de imprensa, cronista, membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL).

Luciana Maximo: Formada em Letras/Literatura, pós-graduada em Gestão Escolar, professora e escritora.

Rabisco

O ArteFato é um canal aberto e direcionado à cultura de nossa região. Pensamos em vários assuntos e também os colaboradores são livres para expressarem sua arte. Um espaço para quem gosta de ler, escrever, criticar e acompanhar o desenvolvimento e crescimento de novos talentos. Há lugar para todos e a proposta é que cada edição novos colaboradores se revezem dentro da linha editorial. Neste primeiro número, convidados especiais e formadores de opinião se reuniram para levar ao leitor o que há de melhor entre a literatura e arte do sul do Espírito Santo, além de homenagem especial aos 72 anos do Rei Roberto Carlos comemorados no último dia 19 de Abril. Parcerias especiais estão por vir e, por hora, agradeço aos membros da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e a ilustres professores de língua portuguesa e literatura, bem como jornalistas e críticos de arte pela participação. E, contrariando o filósofo Frederich Nietzsche, há Fato até nas interpretações. E a prova é o Caderno Especial repleto de subjetividade e suavidade em meio ao noticiário cotidiano. Boa leitura!

LANÇAMENTO: No dia 26 de abril, às 9h, na biblioteca comunitária de Vargem Alegre a escritora e terapeuta Maria Elvira Tavares Costa lança o livro infantil “No tempo da onça”, fruto do trabalho de contação de estórias e pesquisas na comunidade quilombola.

Roney Argeu Moraes - editor roneyamoraes@gmail.com Diretor - Wagner Santos wagnersantos25@hotmail.com Departamento Comercial - Lília Argeu e Elenir Atalaia

Desde 14 de março de 2003

Editorador/Capa - Gil Velasco

artefato Suplemento Especial de Cultura do Jornal ES de Fato

Editor - Roney Moraes roneyamoraes@gmail.com Suplemento Especial mensal de cultura, arte e literatura do Jornal ES de Fato.

Jornal Espírito Santo de Fato - CNPJ.: 06056026000138 - (28) 3515-1067 es.fato@terra.com.br - Bernardo Horta, 81, sala 101, Guandu, CEP 29.300-782 - www.jornalfato.com.br


cultura

Arte

Ricardo Ferraz: Cartunista, escritor, colaborador do caderno especial e membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL).

Ricardo Lemos: Ricardo Lemos é filho, pai, namorado, escritor, jornalista, músico, compositor, geminiano, fã do Rei...

José Carlos Dias: É jornalista, cronista, ex-secretário em Cachoeiro e curador da 2º edição da Bienal Rubem Braga.

Valquiria Volpato: Advogada, escritora, colaboradora do jornal ES de Fato. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL).

Nascendo devagar Luciana Maximo

Tímido despontava preguiçosamente no fundo mar aos poucos, devagar, bem devagar, como um bebê sem pressa pra acordar engatinhando pela orla, nas profundezas do mar sem coragem alguma pra brilhar de repente, no meio das nuvens surge poderoso, na imensa praia serena, fundo no mar.

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Fábio Brito: É escritor, revisor, professor de Língua Portuguesa no Centro Universitário São Camilo e colaborador.

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Paula Garruth: Mãe da Alinne, cachoeirense, bacharel em direito, servidora pública, cerimonialista, intensa e hiperbólica.

Cinema Marataízes Cine Via Sul. Os Croods. 17h30. Vai que da certo. 19h15. GI. JOE 2. 21h00. Cachoeiro Cine Ritz Sul. A Hospedeira. 18h40. Vai que dá certo. 21h00. Oblivion. 18h15 e 20h30. Cine Shopping Cachoeiro. Os Croods. 17h10. G.I. Joe 02. 19h00. Dezesseis Luas. 21h00. Oz - Mágico e Poderoso. 17h00. Jack - O Caçador de Gigantes. 19h20. Mama. 21h20.

Teatro No Centro Cultural Nelson Sylvan 26/04 - 03, 10 E 17/05 A CULPA - Grupo Anônimos de Teatro (foto) 24, 31/05 - 07 e 14/06 A TÍMIDA LUZ DE VELA DAS ÚLTIMAS ESPERANÇAS - Grupo Ela de Teatro


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Foto: Michel Gonçalves Passabon

artefato Crônica

Sempre soube que ele era o “cara”! Valquiria Rigon Volpato

Naquele 19 de abril de 2009, quando ele esteve aqui para comemorar seu aniversário, não pude participar da festa. Fiquei do lado de fora do estádio Mário Monteiro e me limitei a subir algumas ruas nos arredores, esticando-me na pontinha do pé para tentar vê-lo, mas um esforço em vão. Nada. Cantei com ele várias músicas! Ele lá; eu cá, no meu canto... Ele nem sabia que eu estava ali. Mas como poderia saber? Eu o ouvia; ele sequer me conhecia! Anonimato mais meu do que dele, de fato, mas e se ele soubesse, se me visse, e se eu acenasse e ele concordasse com aquele aceno... E se... Passou o tempo, e o ano de 2009 ficou para trás, um marco na história cachoeirense, aquela festa de aniversário, uma “festa de arromba” (não é mesmo, Erasmo?!), que fez a cidade inteira se agitar e ganhar ares de “capital descoberta do mundo”, terra de Rei! Ah se ele viesse mais vezes, se voltasse de vez em quando para uma happy hour... O pequeno Cachoeiro não sairia das manchetes, seria transformada na vedete das cidades! O caso é que quatro anos se passaram e ele não voltou. Fiquei com a sensação de que precisava me esticar um tantinho mais, e aí, quem sabe, ver por cima do muro e, talvez, a gente se cruzasse

num olhar, num sorriso de canto de boca, ou, quiçá, malandramente, mesmo de costas, ele me fizesse um sinal, um gesto que ninguém mais entenderia, porque seria para mim (meu), uma exclusividade “bairrista”, um código nosso. Nossa! Ele não veio. Eu fui. Dezembro, não abril. Festa minha (aniversario em dezembro). Uma festa dele para mim, sim, isso sim! Fui ao Rio de Janeiro encontrar com ele, no Maracanãzinho, que estava cheio, repleto de ávidos olhares e corações em descompasso, um alvoroço de sentimentos, porque, assim como eu, todas elas esperavam dele aquele momento que as tiraria do desconhecido. Maldosa aquela espera. Minutos de ansiedade, segundos de necessidade, como a sede, que força os sentidos e faz da água seu único objetivo. Demorou (mais do que o necessário), no entanto, aconteceu! Um acontecimento de luzes, sons, vozes e paixão. As emoções de estar ali me fizeram viver um momento lindo, inexplicável, de agora ir além, além dos muros, e, definitivamente, olhar para ele e cantar, como se a canção (dele) fosse, naturalmente, minha. Canções compostas e cantadas antes mesmo que me fosse dada a chance de existir e que, antes de mim,

foram, naquele momento, muito além de mim. Se os quatro anos que esperei passaram tão rápido, aqueles minutos foram ainda mais ligeiros. Quase no fim, ele trouxe rosas ao palco e foi aí que eu me aproximei. Segui enquanto pude, buscando vencer a multidão. Venci. Cheguei e o vi. Reparei em suas mãos marcadas pelo tempo; seus cabelos; seus olhos (ele traz o mundo nos olhos); seu sorriso. Olhei. Na verdade não estava olhando, estava copiando aquela imagem e a arquivando. Não poderia jamais perdê-la... Foi de repente, não esperava. Ele me olhou, soube que eu estava ali, diante dele. Acenei, ele correspondeu ao meu aceno. Finalmente para mim. Meu. Aquele gesto que ficou faltando há anos. Atrevi-me, fui além. Disse-lhe (assim como Rubem Braga): “Eu sou lá de Cachoeiro”. Notei sua surpresa misturada à satisfação. Com aquele sorriso gostoso de canto de boca, olhou-me nos olhos, levou a rosa vermelha aos lábios e a entregou a mim. Indiscutivelmente, o anonimato ficara para trás. Flertamos nas emoções, nos reconhecemos. Fomos, por uma fração de segundos, intimamente cachoeirenses. Roberto... Sempre soube que ele era o “cara”!


cultura O REI E EU Ricardo Lemos

Tinha tudo pra ser apenas mais uma segunda-feira: cursinho de Inglês das nove às dez da manhã, mãe na porta esperando em seu fusquinha cor de creme, correr pra casa, terminar o dever, banho, almoço e Kombi da escola... UFA. Eu, então, com menos de 10 anos, num tempo em que ainda se achava estacionamento na 25 de Março. A “novidade” da semana anterior já esfriara para nós: um show do Roberto Carlos no Campo do Estrela movimentara a cidade por alguns dias, causando burburinho e falatório; mas já parecia ter acontecido em outra era e outro planeta, sabe como é cabeça de menino... Quando, de repente, já no fusquinha, no caminho de volta à casa, a mãe vira a cabeça ao passar de um carro e grita: O ROBERTO!!! Ao grito seguiu-se uma guinada, dessas que a gente só vê em filme americano, e eis-nos em perseguição ao carro que conduzia o Roberto Carlos... Minha mãe conseguiu se meter entre o carro do Rei e o dos guarda-costas, que não gostaram nada disso, mas não fizeram mais do que muxoxos e balançar de cabeças; segue o cortejo, atravessando a Ponte Municipal, direita na Rua Moreira, esquerda na padaria do “Seo” Times, quebra uma pra cá, dobra uma pra lá e eis-nos no largo da Matriz Velha, estacionando. Era ele, mesmo!... eu, que nunca tinha visto rei nenhum de perto, respirei aliviado ao perceber que aquele

que descia do carro, entrava de cabeça baixa na igreja, caminhava meditativo pelo corredor principal, pra lá e pra cá, perguntava como era mesmo que chamava aquela igreja, era tão de carne e osso quanto qualquer um de nós. É claro que os ditos guarda-costas, já de olho em nós, pelo baile recebido no trânsito, estavam à porta da igreja, garantindo a privacidade do Rei em seus momentos de silêncio e reflexão. Mas uma senhora muito simpática e conversada veio ter conosco, e eu quase tive um treco, quando descobri que se tratava de ninguém menos do que a LADY LAURA, da música. E como é que se chama mãe de rei?! Mãejestade?! Foi ela, então, que gentil e alegremente nos apresentou aio Rei, quando este saía da igreja. Rimos amarelissimamente, minha mãe, eu e minha irmã; sei que pedimos autógrafos, mas não tínhamos uma folha de papel à mão, sequer um embrulho de pão, para recebê-los; no talão de cheque, única fonte de papel na bolsa de minha mãe, não dava... Ficamos sem autógrafo. Foto, então, à época, nem pensar: era artigo de luxo.Ganhei uma festinha do Rei e um beijo na testa. E esta história pra contar. O Rei ganhou mais um fã. Sorte minha...

O Rei e seu súdito José Carlos Dias

Há muitos e muitos anos, lá na terra entre as serras, um menino foi levado pelas mãos das suas irmãs a um auditório da rádio na então pequena cidade onde um adolescente tímido se apresentava nas manhãs de domingo no Programa Infantil da ZYL-9, exibindo sua doce voz e empatia com o público - instrumentos que o faria alçar vôo em direção a longevo reinado. A mãe do menino era Laura, e a mãe do predestinado adolescente-cantor também se chamava Laura; mais tarde, no reinado dourado do filho já famoso em todo o país, veio a tornar-se Lady Laura. Mas cessam aí quaisquer outras identidades entre eles além do nome das genitoras e do fato de ambos terem vivido até a adolescência às margens do tagarela rio Itapemirim e da estrada de

ferro que um dia os levaria para a cidade grande. O futuro Rei foi cantar no Rio de Janeiro, ainda a velha capital do país, e o menino já feito jovem e fiel súdito foi para a nova capital recém-inaugurada, Brasília. Numa tarde de sábado, voltando da aula do final de ano letivo, ao chegar à avenida W-3 Sul, o súdito ficou por instante paralisado a ouvi r uma canção que lhe era familiar, desta feita na voz do Rei, composição de outro compositor conterrâneo. Era nada mais nada menos do que “Meu pequeno Cachoeiro” em gravação lançada no contumaz disco que o cantor sempre brindou seu público a cada fim de ano. Surpresa das surpresas. Então, o súdito atravessou a avenida correndo com vigor dos 23 anos e en-

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trou na discoteca, coração saltando no peito, e ali ficou diante do balcão da loja quase gritando para dizer que conhecia aquela música e a sua letra que falava do berço nas terras entre as serras onde nasceu. Foi um reencontro com seu passado, e era quase Natal, época em que os corações ficam mais amolecidos pela amorosidade que costumeiramente habita os corações dessa gente do mesmo berço seu. Seguiu para casa feliz com o long-play de vinil debaixo do braço. Naquela noite, uma vitrola no apartamento da SQS 103, na capital de República, tocaria até altas horas uma canção ainda desconhecida na vizinhança brasiliense – mas na voz já por demais conhecidas de todos: a voz do Rei Roberto Carlos. Isso se deu nos anos 1970. Na década seguinte, o súdito, prestando serviço de comunicação e marketing a um hotel da cidade, trabalhou com sucesso para ter o privilégio de hospedar o Rei e sua comitiva quando de um show na capital federal. Foi trazida de São Paulo uma decoradora portuguesa para preparar as dependências do hotel. A suíte presidencial recebeu um tratamento à altura, principalmente no quesito cores, evitando aquelas que sabidamente não eram do agrado de sua majestade. A visita rendeu ao hotel uma grande exposição da mídia, inclusive a página de capa do memorável caderno B do Jornal do Brasil. O mais complicado foi conter a massa de fãs que invadiu dependências do hotel no intuito de se aproximar do seu ídolo. De volta à cidade natal, feito secretário de Cultura do município, o súdito teve a oportunidade de, junto com a equipe, criar a Semana do Rei, na data do aniversário do cantor. A programação na Casa do Rei incluiu bolo e “Parabéns pra você” em canto coral de crianças e alcançou divulgação ao vivo para todo o Brasil; Teve ainda um show com o eterno amigo do Rei, o tremendão Erasmo Carlos, na ilha da Luz formada pelo rio Itapemirim, o rio da infância do Rei e seu súdito, que prossegue a tagarelar e irrigar essas terras entre as serras.

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Conto e Crônica

A sombra do vento (Parte I) Roberto Al Barros Fazendo um retrospecto do pungente anos 70, se por um lado continuavam os “anos de chumbo” acoimados pelo AI-5 e todas suas conseqüências como a censura prévia, a repressão aberta, por outro lado éramos uma juventude muitas vezes ingênua, cujo lema paz e amor preconizava tudo (quase) como possível. Os hippies continuavam a cruzar o país de ponta a ponta de carona pelas rodovias litorâneas ou em aventuras temerárias pelo planalto central. A carona fácil os convidava à aventura de conhecer novos povos, novas culturas, tudo em nome de uma pretensa liberdade. Em mim fervilhava a futura condição de aventureiro. Foi com esses pensamentos e nesses trajes (apesar de minha roupa não ter chegado a condição de andrajos nesse ínterim), e na profissão de fabricante de quinquilharias metálicas que julgava fossem capazes sustentar um sonhador que saí em minha quixotesca aventura. Inicialmente, de forma estóica, principiei batalhando uma carona para a vizinha cidade de Toronto do Sul. Na beira da estrada, comendo poeira, com o sol a pino batendo forte na cabeça, naquele início de tarde quente de verão, optara por sair

sem me preocupar com a alimentação do final do dia. A mochila que trazia às costas não estava cheia, e também não havia suprimentos de reserva. Mas afinal, pensei tentando me confortar, eu não estava indo para a guerra! Por isso mesmo minha maior bagagem consistia em uma mente idealista, algumas peças de roupas e dois livros: os Ensaios de Emerson e A Desobediência Civil de Thoreau. Estava acenando para alguns carros que passavam assobiando quando para minha surpresa parou uma camioneta. Lembrei-me de imediato da cena final de Easy Rider, mas isso não me preocupou, pois, por coincidência, quem estava ao volante pai de uma garota que eu paquerava por aqueles dias. Subi na boleia e o camarada afundou o pé no acelerador sem ao menos olhar pra minha cara: era uma carona de velocidade vertiginosa, fazendo ultrapassagens arriscadas em curvas e indo ao limite nas retas. O cara dava-me mesmo a impressão de estar com muita pressa. Pensei até mesmo que aquela minha aventura fosse terminar ali mesmo, de forma trágica. O asfalto para Toronto do Sul não era largo,

e aquela pressa toda me fez pensar que teria sido melhor se tivesse ido a pé, mesmo sabendo que levaria três semanas para chegar parando em bicas pra beber água. Mas foi um pensamento que me passou num lapso, pois logo me vi a contemplar os campos distantes, já que as paisagens próximas passavam demasiadamente fugazes. Logo que desembarquei na pequena Toronto, depois de quarenta minutos de sacolejos em curvas bruscas e freadas violentas sobre quebra-molas virulentos, procurei a praça principal. Algumas garotas conversavam sob árvores, e isso me deixou alguns pontos acima na escala. Sobre uma parte mais elevada do canteiro central, estendi o pano onde trouxera enrolados os bricabraques, bijuterias simples, o tipo de coisa que estava muito em voga: anéis, pulseiras, gargantilhas – feitos com uma mistura de metais que se comprava na loja da esquina e sementes que se colhia no campo. As garotas logo se aproximaram, puxando conversa. Pensei que cada uma delas quisesse me fazer uma pergunta, ou quem sabe...

São demais os perigos desta vida Fábio Brito Vinicius, que é o poeta do encontro, como bem disse Otto Lara Resende, faria, em 19 de outubro, 100 anos. Exatamente por causa do centenário de nosso “Poetinha”, resolvemos marcar um encontro com ele. Onde? Num boteco. Quer lugar melhor para encontrar alguém que recusou todas as “pompas”? Dia 14 de março, exatamente o “Dia da Poesia”, professores, coordenação e alunos do curso de Letras/ Português do Centro Universitário São Camilo/ES, em Cachoeiro de Itapemirim, tiveram um encontro com Vinicius no sarau “São demais os perigos desta vida pra

quem tem paixão...: 100 anos de Vinicius”. O cenário, um “botequim” com direito a mesas, garçons, bebidas, petiscos e violão, foi tomado de uma euforia sem par, trazida por poemas e canções de nosso Vinicius, o poeta de todas as paixões. Logo após a leitura do texto “Vinicius, poeta do encontro”, de Otto Lara Resende, que abriu o sarau, a interpretação “a capela” da belíssima “Se todos fossem iguais a você”, parceria de Vinicius com Tom Jobim, estendeu o tapete vermelho para a homenagem que tomaria conta de todos. Após dizer ao “Poetinha” que, se todos fossem iguais a ele, seria

uma maravilha viver, o sarau guiou-se por temas recorrentes na obra do homenageado: a infância, a mulher amada, a exaltação ao amor, a separação, a saudade, a volta, o gozar a vida, a morte/”a hora íntima”... (...) Ao fim do espetáculo, fica a certeza de que Vinicius, como poucos, conseguiu ser popular e simples, mas sem ser “simplório ou estúpido”, como disse José Castello, seu biógrafo. Vinicius é raro. Ah, Vinicius, que falta você nos faz...Texto completo no blog http://doncovimeproncovo.blogspot.com.br

A RUA MOREIRA

festas no quintal, na piscina de azulejo que um dia a enchente levou embora, nas brincadeiras com os amigos, no tombo que me custou pontos na testa. Ali passei também a minha adolescência. O Rio Itapemirim foi testemunha do primeiro beijo, do primeiro porre, do primeiro emprego. Das lágrimas quando vi partir vovô Jair e papai, das brigas com meu irmão, da minha indignação quando cresci e notei que nunca teria todas as respostas, e que de jeito nenhum eu iria mudar o mundo. Minha vida na rua Moreira tinha o cheiro da piabinha e do caldo de cana do bar do Seu Auzílio, das empadinhas da dona Alda na padaria do seu Times, do pão caseiro que vovó assava aos domingos. Tinha cheiro do sorvete amarelo que chegava sob o grito de “delicioso”, do quebra-queixo que vinha de bicicleta, e dos picolés do isopor azul, da fábrica do Lourinho. Foi de frente para o rio, e essa é uma lem-

brança muito, muito viva, embora já passados cerca de 22 anos, que eu vi Sérgio Sampaio pela última vez, e nós brigamos. Tivemos uma discussão porque ele exigia que eu, aos 15 anos, tivesse uma boa relação com a morte, e não lamentasse a partida precoce de meu pai. Algum tempo depois Sérgio morreu, e eu nunca mais consegui gostar dele da mesma forma. Precisei aprender a separar a pessoa do artista. Se ele ainda estivesse aqui, ou se de algum lugar estiver me lendo, deve estar decepcionado, porque ainda não aprendi a encarar a morte naturalmente, principalmente quando ela leva alguém antes da hora, embora não saibamos qual é a hora certa. Na rua Moreira a vida era mais simples, e hoje eu senti saudade de quando a imagem do nosso rio era o que me inspirava, me protegia, me consolava e me ajudava a encontrar as principais respostas.

Paula Garruth Entrei na sala da Janne e vi que haviam três cajás verdes em cima da mesa. Imediatamente voltei no tempo, e lembrei da minha infância na Rua Moreira, quando invadíamos um terreno baldio perto da casa da minha bisa e arrancávamos cajás verdes com pedras. Mas nem só de cajás foi feita a minha infância. Ao lado da ponte de pedestres, em frente ao Liceu, havia um pé de jamelão. Passávamos pelo meio das grades da ponte para colher aquelas frutas que pareciam ainda melhor porque íamos escondidos, e depois precisávamos explicar as roupas cheias de manchas arroxeadas. Pensando na minha infância ali, percebo que em todo momento foi o Rio Itapemirim o cenário que me acompanhou desde sempre. Nas pescarias com meu avô, nas


cultura

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Coluna

Por Roney Moraes

Sobre crônicas No ano em que se comemora o centenário do maior cronista brasileiro, o cachoeirense Rubem Braga, “Observações cotidianas” foi o tema da mesa redonda realizada na quinta-feira (18/04/13) no auditório Pe. Ângelo Brusco do Centro Universitário São Camilo. O bate-papo, mais do que informativo, foi vivido por estudantes, professores e convidados. Destaque para a jornalista Célia Ferreira, membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), que dividiu a mesa, para contar sua experiência como cronista, com dois grandes especialistas em língua portuguesa e literatura, Fábio Brito e Beatriz Fraga.

VI Festa Folclórica Nos dias 27 e 28 de abril o distrito de Santo Antônio do Muqui, em Mimoso do Sul, realiza a sexta edição de sua festa folclórica reunindo vários grupos locais. Às 18h do sábado, 27, Santa Missa celebrada com animação sertaneja e, a partir das 19h30, o espaço cultural receberá apresentações das “Pastorinhas”, “Folias de Reis” e números de “Dança Italiana”. Às 21h terá início o ponto alto da festa com a “Folia do Boi Malhado e da Vaca Mocha” em companhia do Jaguará, Jaguaboi e Mulinhas. Nesta ‘folia’ aparecerão como convidados a “Mãe Maria e o Pai João”, o “Saci Pererê” e o “Morce-

gão” – figuras que também fazem parte do folclore local. Na sequencia entrarão uma Quadrilha e uma roda de Caxambu. A noitada será encerrada com shows das bandas Raiz Sertaneja e Gang do Forró, seguidas de apresentação do músico Silvio Barbieri e a Orquestra de Sanfona e Viola de São Pedro do Itabapoana. No domingo a boa pedida será o Almoço Tradicional com pratos da terra, tais como: galinha caipira, macarronada caseira, costela de porco assada e polenta. No decorrer do dia mais shows: Zenaldo de Oliveira & Riquinho do Acordeon, de Cachoeiro de Itapemirim, e Balanço do Forró, de São José do Calçado.

Revista da ACL Lançada nova edição da Revista da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) em homenagem ao centenário de Rubem Braga. A “antologia”, contendo, além de editorial do presidente, está repleta de crônicas e poesias dos acadêmicos. Exemplares serão doados para escolas e entidades culturais.

Novos acadêmicos Retrilhando Celebrando o III Ano de Fundação da Academia das Artes, Cultura e Letras de Marataízes e do Estado do Espírito Santo, símbolo máximo da Cultura de Marataízes-ES, acontece no dia 27 de abril a Solenidade de Homenagem e Mérito às Personalidades das Artes , Letras e Cultura destaques em nosso Município e no Estado do Espírito Santo. O evento tem início às 19h00 no plenário da Câmara Municipal de Marataízes-ES e contará com a presença dos acadêmicos.

Lançado em 2008, o documentário “Retrilhando a Leopoldina - Linha Transversal Cachoeiro/Espera Feliz” teve boa aceitação entre os antigos ferroviários e aficionados pela ferrovia, além de estudantes. Até o momento foram distribuídas cerca de 2 mil cópias, todas gratuitas. O historiador cachoeirense Paulo Henrique Thiengo, enviou, à época, correspondência para todos os municípios, mas nenhum deles interessou-se. Uma lástima.

Um mestre vestindo outro mestre! Nas próximas edições as personalidades que fizeram história no estado e na região serão contadas pelo “mestre” Higner Mansur.

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artefato Artigo e Crônica

A música que não se vê Bruno Ramos

É muito comum os “não músicos” acharem que tem uma relação superficial com a música. Por não saberem cantar ou tocar um instrumento as pessoas acabam achando que não entendem nada de música. Mas a verdade é que nenhuma outra manifestação artística é tão presente na vida do ser humano quanto a música.A música tem o poder de se transformar em trilha sonora momentos marcantes de nossa vida, a audácia invasiva de se apossar das palavas e torná-la propriedade sua. Quer

um exemplo? “Esse cara sou eu...” “Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher...” É quase impossível ler as palavras acima e não cantarolar a melodia incutidas a elas pelo menos mentalmente. Temos cultura mas não sabemos usá-la. Temos diversidade mas não compreendemos como esta diversidade é tão valiosa. Isso, acaba gerando o empobrecimento musical da “massa”. O mercado fonográfico sempre ditou as

O design dos frascos de perfume Célia Ferreira Abro os olhos e percebo que estou viva. Por segurança, resolvo checar minha respiração e aspiro profundamente o ar da manhã úmida que se promete por trás das cortinas brancas. Sim: viva e respirando, o que nem sempre é redundância. Observo cada detalhe do quarto. Está tudo ali, como na véspera. O vidro rosa-avermelhado do perfume, semelhante a uma joia, chama minha atenção. Um anel ou um relógio? Quando eu era criança, havia a maçãzinha na tampa do perfume da Avon. Linda, encantava todas as meninas. Havia também o carrinho, com um perfume masculino. Será que foi o começo de tudo? Claro que não, que bobagem! A indústria de perfumes é antiga, e a preocupação com o design dos frascos deve ser tanto quanto. Provavelmente há colecionadores deles pelo mundo inteiro, talvez até um museu com vidros milenares. Mais tarde vou dar uma olhada na internet, penso. E no mesmo instante um raio de sol risca a parede. É a definitiva certeza de que a noite se foi e estou salva para sempre, até a próxima noite chegar. Porque o terror

mora no escuro que envolve as pessoas, as casas, as ruas. À noite tudo é mais grave, perigoso, sombrio. Todos os medos se deitam comigo, e, quando o sono se atrasa, eles se apressam em me molestar. É à noite que penso no fim, na morte e nas ameaças mais tenebrosas. Apenas à noite eu temo viver sem razão pra viver. A solidão, a miséria, a doença sem cura, a falta da filha. E se aranhas imensas invadirem o quarto dela? Uma barata pousar em meu rosto? A noite apaga o horizonte e as cores do mundo, esconde objetos, projeta incertezas em vultos e sombras. Ela grita e murmura, venta sem vento, balança cortinas e corre pelo teto. Mas agora ela se foi, levando consigo o horror. Deixou, diante de meus olhos recém-abertos, os prazeres serenos de uma manhã nova. E eu, que não imaginava sobreviver a esta noite, a noite alguma, me descubro viva, respirando e feliz. Pois não pode ser menos que felicidade ocupar-se de irrelevância tão bela quanto o design dos frascos de perfume, enquanto o sol da manhã desenha nas paredes do quarto.

regras no país no que considero um erro gravíssimo, já que os rumos musicais de um povo deveriam ser ditados pelas bancadas das escolas, das universidades, pelos conservatórios, ou mesmo pelas expressões dos artistas regionais, aqueles lá do coração da comunidade, que são do povo e comunicam-se com o povo. Então, eu, você e todos os demais, somos levados a ouvirem a exaustão uma música fabricada pra “grudar” na sua cabeça, com um refrão pobre, vazio, sem significado poético ou cultural, e por fim acabamos aceitando isto como música. Então, a música deixa de lado o seu caráter “apreciativo” e ganha força seu aspecto “consumista”. Futuramente quero escrever um pouco sobre como penso que poderemos resgatar esses valores outrora perdidos. Mas, de antemão, o fato é que podemos descobrir muito sobre o mundo que vivemos e sobre nós mesmos quando decidimos que podemos e devemos nos relacionar melhor com a música. Não apenas balbuciar os hits chicletes “checherere” “chochororo”, mas sim sentir-se mais próximo do que se canta ou se toca. Há descobertas impressionantes, se, simplesmente como exemplo, resolvermos interpretar uma poesia cantada. Mas pode-se ir mais fundo. Recentemente, estive no Rio de Janeiro para assistir a peça teatral “Como vencer na vida sem fazer força” na semana em que estreou no teatro Oi Casagrande, no Leblon. A peça estrelada pelos atores Gregorio Duvivier e Luiz Fernando Guimarães ainda em cartaz, é uma releitura de um musical da Broadway apresentado pela primeira vez no início dos anos 60. Pra quem acompanha o cenário cultural no Brasil é fácil compreender o sucesso prenunciado deste trabalho empreitados pelos consagrados Charles Möeller e Claudio Botelho. A comédia musical ambientada nos anos sessenta, a época sua contemporânea, traz um roteiro bem divertido, inusitado e cômico. A orquestra, tocando no fosso do teatro, preencheu toda a casa com uma brilhante intensidade sonora e vivacidade incrível. O que quero dizer, dito isto, é que se resolvermos dar uma chance aos nossos sentidos de absorverem a riqueza que nos rodeia, conseguiremos alcançar outros patamares no conhecimento e em nossa forma de entendermos e vivemos a música a nossa volta. Há uma riqueza musical gigantesca em nosso país, mesmo as de influências dos gringos, capaz de transformar nossas limitadas percepções. Basta darmos uma chance.


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