Edição 2759 07/04/18

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“Tudo o que aconteceu no ABC, Brasil e Mundo após a determinação do juíz Sérgio Moro sobre a prisão de Lula”

Operação Lava Jato prende Paulo Preto(PSDB) Ex diretor da Dersa seria um dos interlocutores 4Pág 12 tucano e alto escalão do partido treme.

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NESTA EDIÇÃO

Acompanhe a cronologia do Caso Tripléx que resultou na condenação de Lula 4Págs 14, 15 e 16

Veja prisão de Lula há 38 anos em abril História mostra como tudo aconteceu na época da militância 4Págs 10 e 11 Mín. 12ºC Máx. 21ºC

abc

Sábado, 07 de abril de 2018 Edição 2759 Ano XII

Lula não se entrega e rumores são de negociação entre defesa e PF

Ex-presidente a República descumpriu determinação do juíz Sérgio Moro e segue isolado no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo 4Pág 03

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sábado, 07 de abril de 2018

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PASSANDO A LIMPO Foto: Divulgação

Com prisão de Lula e restrição do foro, políticos correm para reforçar blindagem Foto: Divulgação

confusão n Ex-vereador e prefeiturável do PT em Diadema nas eleições de 2016,

Manoel Eduardo Marinho, o Maninho, se envolveu em confusão na noite desta quinta-feira nas redondezas do Instituto Lula, na Capital. Maninho aparece em vídeo, publicado pelo portal de notícias G1, agredindo um homem que teria provocado a militância petista que começou a se concentrar no local logo depois de o juiz federal Sérgio Moro decretar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

imagens n As imagens mostram momento em que o homem bate a cabeça na la-

teral de uma caminhão que passava na via e desmaia, em meio ao tumulto. O filho de Maninho, Leandro, também aparece na confusão. O homem foi socorrido e teria sido levado para o Hospital São Camilo, também na Capital. Não há informações sobre o estado de saúde dele.

em 2008 n Vale lembrar que em 2008, quando ocupava uma das cadeiras da Câma-

ra de Diadema, Maninho foi preso pela Polícia Civil depois de o parlamentar ser apontado como um dos responsáveis pela invasão de um terreno na rua das Perobas, 250. Na versão do advogado de defesa, Sebastião de Pádua Pinto Cavalcanti, o vereador esteve no local, a pedido de um dos invasores - José Francisco da Costa, também preso -, para apaziguar os ânimos. “E ele conseguiu resolver a situação”, relata. O fato ocorreu a cerca de 100 metros da residência do adversário petista, o deputado estadual José Augusto da Silva Ramos, então pré-candidato a prefeito pelo PSDB.

Partidos governistas e de oposição convergem na avaliação, desde esta quinta-feira (5), de que a prisão do ex-presidente Lula sinaliza que, sem foro privilegiado, o petista representa a máxima do “eu sou vocês amanhã”.

cipais políticos do país - ocupantes do Planalto, no caso - reagirem à decisão de prender Lula. Como bem disse o cacique emedebista ouvido pelo blog, a avaliação dos principais partidos é a de que Lula e “eles amanhã”.

Trocando em miúdos, como diz um experiente cacique do MDB, os partidos só sabem sobreviver no modelo antigo da política - ou seja, com foro privilegiado, se blindando contra decisões definitivas da Justiça .

Em tempo: o ministro Dias Toffoli liberou a ação que discute a restrição do fim do foro privilegiado no STF no final de março. Cabe à presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, incluir o tema em pauta, o que pode ocorrer já em maio.

“Sem foro, é Moro”, repete um deputado, ao analisar a situação de Lula. Não à toa, os maiores partidos PT, PSDB e MDB - vivem às voltas com negociações para garantir ministérios e mandatos aos aliados.

Caso Demóstenes Outra avaliação nos bastidores do STF e do Congresso que repercute desde esta quinta-feira é a liminar de Dias Toffoli nesta semana permitindo ao senador cassado Demóstenes Torres que seja candidato nas eleições deste ano.

Principalmente quando os aliados estão enrolados e investigados na Justiça. Caso de Lula, quando Dilma Rousseff era presidente da República, em 2016, e decidiu indicá-lo para Casa Civil, no episódio que ficou conhecido como o dos áudios de Lula e Dilma. Caso de Aécio Neves, que articulou com Michel Temer e o seu partido, o PSDB, para se salvar no plenário do Senado, em 2017, e recuperar o seu mandato que havia sido tirado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. E, mais recentemente, de Moreira Franco - que, para não cair nas mãos de Moro, está negociando com Temer ser deslocado da Secretaria Geral para o Ministério de Minas e Energia.

Rua José Versolato 111, Torre B- Conjunto 802 - SBC CEP 09750-730 Tel: 23791915

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Detalhe: a negociação é desta quinta, o que mostra a pressa, praticamente em tempo real, de os prin-

FRASES

Estou disposto a ficar com Lula na prisão. Eduardo Suplicy, vereador

O mérito do pedido ainda terá de ser analisado pela Segunda Turma do STF, composta por cinco ministros. Não há data para esse julgamento. Cassado em 2012 por quebra de decoro parlamentar, Demóstenes estava inelegível até 2027. O ministro Marco Aurelio Mello, que defende a revisão da prisão após a segunda instância, disse nesta sexta-feira (6) que não conhecia detalhes da decisão de Toffoli. Mas avalia que o trânsito em julgado não tem efeito pra fins eleitorais - só penal- ou seja, ele reafirma a Lei da Ficha Limpa. Sobre o debate da segunda instância, o ministro Marco Aurélio afirmou que vai levantar uma questão de ordem na próxima quarta-feira (11) sobre o tema no STF. Foto: Divulgação


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política

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bastidor

A contagem regressiva e os momentos finais de Lula no Sindicato dos Trabalhadores

Foto: Divulgação

Na sala 207, no segundo andar do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, Luiz Inácio Lula da Silva se mostrava abatido e com a pressão alta. Por volta das 15h de ontem (6), o médico Gustavo Johnen faz o pedido: “Tragam um desfibrilador.” “Ele está muito emocionado, é diabético e está com a pressão alta”, afirmou o especialista. A emoção tinha motivo, Lula já havia comunicou a todos na sala que só tomaria a decisão de cumprir a ordem do juiz Sérgio Moro e se entregar à Polícia Federal até as 17h de sexta-feira (6). Dividido em cômodos, o espaço então contava com a presença de cerca de 50 pes-

soas, entre amigos e apoiadores, como a pré-candidata à presidência Manuela d’Ávila (PDdoB), o também pré-candidato e líder do MTST Guilherme Boulos (PSol), a colega de partido e ex-Ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres Eleonora Menicucci, a filósofa Márcia Tiburi, ex-Ministro Celso Amorim, a deputada-federal Maria do Rosário (PT), a presidente do PT Gleise Hoffman e um dos fundadores da Midia Ninja Pablo Capilé e o vereador Eduardo Suplicy (PT). Um a um, eles entram e saem do segundo ambiente, onde o ex-presidente permanece. Quem aguarda no segundo ambiente, se mostra apreensivo, mexendo no celular a todo o momento. Como estratégia, de-

putados e vereadores tiraram a pilha do relógio de parede para evitar o fatídico horário limite. Ao lado do médico pessoal, em uma sala sem adornos, que contava apenas com duas garrafas térmicas abastecidas de café, Lula demonstrava estar há muitas horas sem dormir. Ele se abastecia com água mineral e estava com olheiras profundas. Em meio às visitas, a cineasta Petra Costa e uma cinegrafista circularam livremente e captavam todos os detalhes para um documentário sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Paralelo ao isolamento do ex-presidente, o ministro Félix Fischer, do STJ (Superior Tribunal Justiça), negou nesta sexta-feira (6) o recurso do

ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra a ordem de prisão expedida pelo juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato em Curitiba. A defesa de Lula afirmou, no recurso ao STJ, que a ordem de prisão é ilegal, pois ainda seria possível apresentar recursos ao TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), tribunal de segunda instância que cuida das ações da Lava Jato. Às 17h, prazo limite para que Lula se entregasse à PF, o expresidente continuava isolado com a cúpula petista no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Caminhões do Choque circulavam pela cidade de São Bernardo, mas, de acordo com o prefeito Orlando Morando (PSDB) a presença das equipes visava

apenas garantir a segurança e integridade da população. Passados 10 minutos do prazo, um assessor de Lula disse que o ex-presidente iria se entregar, mas não deu detalhes de onde ou como. No entorno do prédio do Sindicato, cerca de dois mil militantes ainda clamavam em defesa do líder petista. Os advogados de defesa de Lula afirmaram serem contrários a decisão do ex-presidente em não ter cumprido a determinação do juiz Sérgio Moro. Por volta das 18h, informações de bastidores davam conta de que uma negociação entre os advogados de defesa e a Polícia Federal aconteceu no decorrer do dia e que Lula deverá se entregar hoje.


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política

militância

Manifestantes fazem atos após ordem de prisão contra Lula

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Manifestantes contrários à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fizeram protestos pelo país nesta sexta-feira (6), data que o juiz Sérgio Moro deu como prazo para que Lula se entreguasse, até as 17h, na sede da Polícia Federal em Curitiba. Na Paraíba, uma mulher foi baleada na perna em um dos bloqueios realizados na BR-101. Os atos pró-Lula ocorrem em ao menos 13 estados: Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo e Sergipe. Na noite da quinta-feira (5), a defesa do petista entrou com um novo pedido de habeas corpus para evitar a prisão. Porém, o Superior Tribunal de Justiça negou o pedido, segundo os advogados de Lula. A assessoria do STJ, no entanto, nega que o tribunal tenha emitido decisão sobre habeas corpus de Lula. Situação por estado Alagoas Manifestantes bloquearam trechos da BR-101 e da BR-316, em Alagoas, desde as 11h. A organização do movimento não soube precisar o número de participantes nos atos. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que foram cerca de 200 manifestantes em cada rodovia. Bahia Grupos contrários à prisão fizeram protestos no interior do estado, fechando rodovias, e também na região dos Barris em Salvador, bloqueando ruas. Na capital baiana, o protesto começou por volta das 11h. Agricultores familiares fecharam o entroncamento da cidade de Lamarão, per-

to do município de Serrinha, na BR-116, no início da manhã. Integrantes do MST protestaram em dois trechos da BR-101 e da BR-235. Espírito Santo O MST interditou um trecho da BR-101 no município de Pedro Canário, Norte do estado. Equipes da Polícia Rodoviária Federal (PRF-ES) tentaram negociar com os manifestantes para liberação da rodovia. A via foi liberada por volta das 12h. Mato Grosso Manifestantes bloquearam trecho da BR-364, em Jaciara, a 142 km de Cuiabá. A pista foi interditada às 8h14 e liberada após cerca de 1 hora. Segundo a concecionária que administra a rodovia, participaram do ato 300 pessoas. Mato Grosso do Sul Trechos de duas rodovias no estado ficaram interditados nesta sexta-feira (6) por integrantes do MST. De acordo com o movimento, os atos são contra a ordem de prisão de Lula. Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), os bloqueios ocorreram no trevo de acesso ao

município de Dois Irmãos do Buriti, na BR-262, e no distrito de Casa Verde, na BR267, em Nova Andradina. Minas Gerais Integrantes do MST bloquearam a Rodovia Fernão Dias, em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Eles fecharam a pista sentido Belo Horizonte e colocaram fogo em galhos secos. Houve congestionamento entre os kms 508 e 506. Segundo a organização, 400 participaram do ato. A PRF não divulgou o número de manifestantes. Pará Integrantes do MST interditaram o quilômetro 50 da rodovia BR-155, no sudeste do Pará, pela manhã. Nem a organização do movimento e nem a Polícia Rodoviária Federal informaram quantas pessoas participaram da manifestação. Segundo a PRF, o protesto começou por volta de 7h e terminou às 11h20. O congestionamento chegou a sete quilômetros de extensão. Paraíba Manifestantes fizeram dois

pontos de bloqueio nas rodovias BR-230 e BR-101 no início da manhã. Nem os organizadores nem a polícia informou estimativa de pessoas nos atos. Uma manifestante de 35 anos foi baleada em um dos bloqueios na BR-101. Paraná Movimento Sem Terra bloqueou três rodovias no estado nesta sexta-feira (6). Na PR-473 – entre Quedas do Iguaçu, no oeste, e São Jorge D’Oeste, na região sudoeste –, o bloqueio começou por volta das 5h. Outra interdição ocorreu no km 407 da PR-158, entre Laranjeiras do Sul e Rio Bonito do Iguaçu, na região central do estado. Na região norte, ocorreu um bloqueio na PR-170, em Porecatu. Pernambuco Manifestantes interditaram trechos da BR-101 em Goiana, no Grande Recife, e em Escada, na Mata Sul de Pernambuco, além da BR428, no Sertão do estado. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), cerca de 50 pessoas estavam no entorno da BR-101, em Escada, e 100 em Goiana. Os

organizadores não informaram número de pessoas que participaram do ato. Rio Grande do Norte Grupo queimou pneus e deixou o trânsito interditado na BR-101 no sentido Parnamirim-Natal pela manhã. O Corpo de Bombeiro foi acionado e apagou o fogo. Por volta das 6h20 o trânsito foi liberado. São Paulo Integrantes do MST bloquearam uma das vias do quilômetro 151 da Rodovia BR-153 em Promissão, por volta das 12h. A organização disse que 100 pessoas participaram do ato; já a Polícia Rodoviária Federal não tem informações sobre o número de manifestantes. Sergipe Grupo realizou desde o início da manhã um bloqueio em um trecho da rodovia estadual SE-270, na cidade de Itaporanga d’Ajuda. Segundo os manifestantes, cerca de 100 famílias bloquearam a via desde as 4h30. A polícia não divulgou a quantidade de pessoas no ato.


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política

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eleições 2018

Lula tem brecha para fazer campanha mesmo preso

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) poderá disputar as eleições deste ano ao Planalto mesmo que esteja detido no dia 15 de agosto, data limite para registro de candidaturas, e até fazer campanha. Segundo análise de especialistas consultados pela reportagem, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) poderá receber o pedido de registro da candidatura do petista e, a partir disso, decidir se ele tem condições legais para concorrer no pleito de outubro.

Para Daniel Falcão, especialista em Direito Eleitoral e Constitucional, que avalia que o petista já está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, o ex-presidente poderá desenvolver as atividades de campanha mesmo que esteja preso. “Em tese, a participação está autorizada e só terá mesmo limitações como a impossibilidade de gravar horário eleitoral, de fazer comícios e participar de debates. Caso o TSE não defira a candidatura, ele poderá recorrer ao STF (Supremo Tribunal Fede-

ral) e isso suspenderia os efeitos da inelegibilidade, dando a chance de chegar até o final das eleições.” Já na visão de Karina Kufa, coordenadora da especialização de Direito Eleitoral do IDP (Instituto de Direito Público) de São Paulo, há a possibilidade de Lula executar atividades de campanha. “A legislação garante ao candidato a possibilidade de praticar todos os atos de campanha, como participar do horário eleitoral, que é o mais importante.

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Então, ele poderia pleitear (à Justiça) para gravar em algum lugar, mesmo preso. Claro que isso vai depender do Judiciário.” O especialista em Direito Eleitoral Bruno Beleza, do Nelson Wilians e Advogados Associados, destacou que caso vença as eleições e tenha seu registro negado pelo TSE, novas eleições teriam de ser convocadas. “Houve mudança recente no entendimento e, neste ano, o Estado do Tocantins terá uma eleição em

junho e outra em outubro, pois o ex-governador Marcelo Miranda (MDB) foi cassado”, complementou. Processo Especialistas em Direito Penal ouvidos não detectaram, por sua vez, ilegalidades na decretação da prisão, determinada por Sérgio Moro. “Estava no radar, tanto que a defesa pediu liminar temendo que o Lula pudesse ser preso na segunda-feira passada. Ele só não foi preso porque existia a medida liminar.”


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política

análise

Especialistas em Direito vêem características ‘atípicas’ em ordem de prisão de Moro contra Lula Foto: Divulgação

Diante do despacho de menos de três páginas do juiz federal Sergio Moro, assinado às 17h53 da tarde desta quinta-feira, que determinou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até às 17h desta sexta, especialistas em Direito consultados pela reportagem apontaram características consideradas incomuns e atípicas da medida. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso tríplex do Guarujá (SP), Lula terá que começar a cumprir a sentença em regime fechado sem que tenha ainda esgotado todas as possibilidade de recursos em tribunais superiores. A decretação da prisão acontece menos de 24 horas depois de o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter negado um pedido de habeas corpus ao petista. Na decisão, a Corte seguiu um entendimento firmado em 2016, que autorizou a prisão para condenados em segunda instância. Atualmente, os ministros já indicaram que alterariam esse entendimento se ele voltasse a ser analisado pelo colegiado, o que a presidente do STF, ministra Carmén Lúcia, tem buscado protelar. Entre os questionamentos sobre a decisão de Moro estão a rapidez com a qual foi expedida, em relação à decisão do STF, e o fato de ter sido formulada antes do esgotamento do prazo para que a defesa de Lula apresentasse à segunda instância seus últimos recursos, os chamados “embargos dos embargos” - até a próxima terça-feira, dia 10. Surpreendida pelo pedido de prisão, a defesa de Lula denunciou o que considera um atropelamento dos procedimentos legais. A banca afirma não ter sido intimada sequer sobre o resultado do julgamento do TRF-4 no último dia 23 - quando os desembargadores negaram os embargos de declaração apresentados pelos advogados do ex-presidente. Os advogados disseram que pretendiam apresentar novo embargo na próxima semana, antes de uma even-

dente Lula não merece ser tratado nem pior nem melhor do que qualquer outra pessoa.”

tual prisão. Para o defensor Cristiano Zanin Martins, a decretação da prisão de Lula é “incompatível com a garantia da presunção da inocência”. Por meio da assessoria de imprensa, o TRF-4 contestou a afirmação da defesa e disse que a intimação estava disponível no processo eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região (o chamado E-Proc) desde o dia 27 de março, às 15h, embora o arquivo com a intimação não tenha sido aberto por nenhum integrante da defesa do petista. Se a defesa não abrir o arquivo até às 23h59 desta sexta-feira, o sistema enviará uma notificação automática, explicou o TRF-4. Veja o que dizem os especialistas em Direito sobre os principais questionamentos a respeito da prisão de Lula. 1. A decisão de Moro é legal? João Paulo Martinelli, advogado criminalista e doutor em Direito pela USP, afirma que os ditos “embargos dos embargos” não têm previsão na lei, mas fazem parte da tradição jurídica e costumam ser respeitadas nos tribunais. Portanto, a decisão dos desembargadores do TRF-4 e do juiz Moro não é, na sua opinião, irregular - mas sim “atípica”. Segundo o advogado, críticas aos chamados “embargos dos embargos” existem no meio jurídico, mas as observações feitas por Moro em relação ao dispositivo no despacho chamam a atenção pelo tom adotado pelo magistrado. “Alguns autores entendem que os embargos dos embargos são prejudiciais por ter efeitos protelatórios (como Moro indicou no despacho) mas outros nomes defendem

que são cabíveis”, aponta. Já a especialista em Direito Processual e Penal, Flaviane Barros, vê violações no mandado expedido por Moro nesta quinta-feira. “É um desrespeito ao direito à ampla defesa e seria inconstitucional.” Ao determinar a prisão de Lula sem observar o período limite para a defesa oferecer seus últimos recursos, o juiz, segundo ela, teria ferido a “presunção de inocência”. “Não acho que é uma ilegalidade. Mas é uma pressa desnecessária”, afirmou o jurista e professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Celso Antônio Bandeira de Mello. 2. Foi muito rápido? A negativa do STF sobre o habeas corpus de Lula aconteceu por volta de 00h30 desta quinta-feira. O acórdão da decisão, porém, ainda não foi publicado oficialmente - segundo os especialistas em Direito, a decisão só é válida a partir dessa publicação. O TRF-4, por sua vez, enviou o ofício ao juiz Sergio Moro considerando “exaurimento dessa instância recursal” e permitindo a execução da pena nesta quinta às 17h31. Às 17h53, o magistrado divulgou seu despacho determinando que o ex-presidente se apresentasse à sede da Polícia Federal em Curitiba até as 17h desta sexta-feira (6). Para alguns especialistas, a rapidez com que o juiz recebeu o ofício e expediu o mandado foi “atípica” considerando as práticas normais da Justiça brasileira. “Em quanto tempo se faz isso

no Direito (publicar uma decisão e expedir o mandado de prisão)? No Brasil, em muito tempo. Nunca aconteceu de ser um caso resolvido em minutos, é muito atípico. As decisões aqui foram encadeadas como se as pessoas estivessem preparadas, à espera delas, em uma questão de minutos. Então o que aconteceu é fora de qualquer normalidade”, pontuou Flaviane Barros. Para o professor titular de Direito na USP, André Ramos Tavares, a prisão de Lula já parecia “inevitável”, mas a rapidez com que está acontecendo é “questionável”. “Depois da decisão de ontem, era inevitável a prisão em algum momento. Mas está acontecendo de maneira acelerada.” Martinelli aponta também que, além de surpreender a não observância do prazo para que a defesa apresentasse os embargos dos embargos, destaca-se também que ainda não tenha sido publicado acórdão da decisão do STF de negar o habeas corpus de Lula, nesta quarta-feira. 3. O tratamento judicial dado a Lula é diferenciado? Tanto o juiz federal Sergio Moro, na primeira instância, quanto os ministros do STF, no topo da hierarquia jurídica, têm repetido que Lula não pode ter um tratamento diferenciado em relação a demais reús em processos no país. Moro já repetiu algumas vezes, em referência ao ex-presidente, que ninguém está acima da lei. A presidente do STF, Cármen Lúcia, chegou a dizer em janeiro que tratá-lo de maneira distinta seria “apequenar o Supremo”. Já o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “o presi-

No entanto, para alguns especialistas ouvidos pela BBC, a forma como o caso está sendo conduzido denota um tratamento diferenciado - que não costuma ser dado a outros réus. “Nós estamos discutindo nesse processo todo que não se pode mudar os protocolos por causa de quem está sendo julgado, mas acho que agora está se fazendo o oposto com essa decisão do Moro”, afirmou André Ramos Tavares. “O ideal seria que toda decisão pudesse ser tão rápida e bem talhada como essa. Mas esse não é o protocolo, não é o que acontece. Em qualquer situação normal, a gente poderia achar que isso é uma perseguição. Tudo o que é feito de maneira apressada não se justifica por si próprio.” Antonio Tovo, advogado criminalista, diz que os episódios recentes apenas evidenciam que, diferente do indicado por representantes da Justiça, o processo de Lula não é um caso comum. “A determinação da prisão hoje me pareceu um pouco incomum. Ninguém vislumbrou essa hipótese, talvez nem mesmo o próprio STF. Mas não se trata de um caso comum. Também foge ao comum, por exemplo, o STF julgar o habeas corpus do expresidente em plenário e não ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) (ações que debatem a prisão após segunda instância para todos os condenados)”, aponta Tovo. Martinelli concorda com os colegas sobre a diferença nos trâmites: “Não estou falando em perseguição, mas há um tratamento diferenciado (do processo de Lula) sem dúvida. Todo o trâmite desde o início é atípico, com, por exemplo, esta pauta (julgamento de Lula) passando a frente de outras no TRF-4”.


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política

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repercussão

Prisão de Lula afunda Brasil em ‘caos político’, diz Washington Post

Poucos minutos após o anúncio de que o juiz Sergio Moro havia emitido um mandado de prisão contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a imprensa internacional começou a noticiar o fato. As primeiras notas vieram das agências internacionais de notícia Reuters (do Reino Unido) e Associated Press (também chamada de AP, dos Estados Unidos). Ambas agências emitiram as notas em caráter de urgência para veículos de imprensa do mundo todo. O texto da Reuters, emitido em inglês, é sucinto e resume as informações conhecidas até aqui. Com o título de “Juiz brasileiro ordena que ex-presidente

Lula seja preso até sextafeira à tarde”, a agência destaca que Moro deu até o fim da tarde do dia 5 de abril para que Lula se entregue voluntariamente à Justiça.

2010, segue sendo o personagem político mais popular do Brasil, apesar de sua condenação em seis outros processos por corrupção impetrados contra ele”.

Já o principal jornal da França e dos países de língua francesa, o Le Monde, destacou a emissão do mandado de prisão na capa de seu site em francês.

O influente jornal britânico de economia Financial Times também destacou o mandado de prisão, citando trechos traduzidos da ordem judicial expedida por Moro.

Na notícia, o periódico explica que “condenado a doze anos e um mês de prisão por corrupção, o ícone da esquerda brasileira tem até sexta-feira à tarde para se apresentar à polícia” O jornal francês diz que “Lula, presidente de 2003 a

Em artigo entitulado “Com Lula fora, liderança do Brasil está totalmente em aberto”, a revista Forbes afirma que “se as chances do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva de um terceiro mandato presidencial era de uma em dez, a decisão

de ontem pelo STF agora a reduz a zero”. A Forbes ainda chama o Brasil de “terra dos recursos [judiciais]”. Em extenso artigo, o jornal americano The Washington Post destaca que o mandado de Sergio Moro foi uma “atitude surpreendente que deve estimular amplos protestos em um país já balançado pela decisão do Supremo Tribunal Federal mais cedo durante o dia”. O artigo, entitulado “Lula é condenado à prisão, afundando o Brasil em caos político antes de eleições presidenciais”, afirma que “a decisão dividida do STF reflete a opinião pública polarizada quanto a Lula,

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72, uma figura carismática a quem se credita ter retirado 20 milhões da pobreza durante seus oito anos como presidente, mas quem também está envolto por acusações de crime”. O artigo do periódico americano conclui, entretanto, que apesar do caos político polarizador da sociedade e da falta de liderança clara na esquerda para as eleições presidenciais de novembro a decisão do STF de quinta-feira que abriu caminho para o pedido de prisão emitido por Moro, com o tempo “trará a clareza esperada no cenário político do Brasil, que estava obscurecida por conta das incertezas sobre o destino de Lula”.


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política

vigília no sindicato

A noite ‘silenciosa’ de Lula após o anúncio do pedido de prisão

Faltando 15 horas para esgotar o prazo estabelecido para se entregar à prisão, Lula apareceu na janela do segundo andar e sorriu. Usou as duas mãos para acenar àqueles que ainda continuavam na vigília em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, apesar de a madrugada avançada já ter encerrado o rodízio de discursos no carro de som. Olhando de cima para baixo, Lula, apoiado no parapeito, mandou beijos. Com os punhos cerrados, gesticulou como se fosse noite de vitória. Os apoiadores, na rua, tinham as cabeças levantadas - ou então não conseguiriam ver seu líder vibrar lá da janela. Eram militantes do PT, sindicalistas,

socialistas, comunistas, semteto. Haviam recebido o “chamado” pela liberdade de Lula e estavam prontos para “resistir”. Boa parte vestia camisetas com o rosto do ex-presidente; outros, de Che Guevara. E faziam tremular uma dúzia de bandeiras, nem todas vermelhas. Engrossavam o coro movimentos estudantis e outros partidos de esquerda. “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, repetiam, em uníssono, às 2 horas da manhã. E alternavam: “Lula na veia, Moro na cadeia”. Menos de 5 minutos depois, Lula saiu das vistas do povo e voltou à privacidade da sala onde se reunia, de portas fechadas, com os filhos e aliados políticos.

Estava pronto para passar a noite no sindicato, acomodado em uma poltrona, mas ainda não havia decidido o que fazer depois. Vigília Antes de dar meia-noite, o número de militantes que chegavam para a vigília já era menor do que os que iam embora. Entre os apoiadores, chamava atenção os sem-teto, muitos deles vindos da Ocupação Povo Sem Medo, do MTST, também em São Bernardo. Convocados ao ato, espalharam colchões pela calçada e chegaram a construir um barraco de madeira ao lado do sindicato.

Preparados para acampar, o primeiro grupo de sem-teto chegou com dois panelões de aço, água mineral e 5 quilos de arroz. “Tem estrutura para passar seis meses aqui”, comentou um deles. De braços cruzados, uma mulher sentou encostada na grade do sindicato. Do seu lado, um homem de boné deitou sobre uma lona. “É de onde, do Estadão?”, ele perguntou, para logo depois se recusar a falar. “A gente não pode dar entrevista, não.” Poucos metros abaixo, uma equipe da ‘Record’ tentava gravar uma passagem na rua. Foi quando uma militante, de saia indiana,

Fotos: Divulgação

tapou a lente da câmera com um cartaz. “Jornalista é criminoso”, disse. Logo, formou-se um grupo de cerca de 50 pessoas que cercou o repórter e o cinegrafista. “Golpistas, golpistas, não passarão!”, gritava o grupo, de braços levantados. Membros do sindicato tiveram de abrir e trancar rapidamente um portão lateral para que os dois pudessem se desvencilhar do bando. Um jovem, de camiseta vermelha, encarou a grade fechada e ergueu o punho cerrado, sinal antifascista. “Fogo na Globo”, gritou em seguida. Mais cedo, haviam atirado ovos contra repórteres que trabalhavam no local.


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O discurso anti-imprensa era repetido no microfone por políticos, sindicalistas, representantes da juventude negra e quem mais subisse no carro de som, onde se lia “Lula Livre” em um cartaz escrito à mão. Só perdia para as falas contrárias ao juiz Sérgio Moro, comandante da Lava Jato e responsável por decretar a prisão. “Cujo único prazer é encarcerar nossos sonhos representados em Lula”, discursou Jandira Feghali, do PCdoB. Na fala de outros, Moro chegou a ser chamado de “juiz de primeira instância”, “tarado por Lula” e “lixo da História”. Do palanque, os oradores convocavam o povo “à luta”. “Lula, conte com as foices do MST”, disse o coordenador nacional do movimento, João Paulo Rodrigues. “A condenação é a continuidade do golpe”, disse Luiz

sábado, 07 de abril de 2018

política

Marinho, pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT. “Luta e energia vão levar à reversão. Precisamos combinar a estratégia dos nosso juristas com a luta de massa, enchendo as ruas.” Também anunciavam a chegada de caravanas, incluindo três ônibus que estariam viajando de Brasília. O número de presentes, no entanto, caía. Enquanto vibravam com os discursos, o militantes bebiam Heineken ou Catuaba. Um homem, visivelmente bêbado, pedia que lhe pagassem uma dose de cachaça. “Tô rouco”, dizia, com a voz falhando de tanto gritar. “Vim de Valadares, Minas Gerais”, repetia. Faz parte de algum movimento? “PêTê”, respondeu apontando para o broche da estrela vermelha presa na lapela. Com o passar das horas, foi

aumentando o número de ambulantes que vendiam bebida, espetinho e hotdog. “Tem de aproveitar o negócio, mas o que é certo é certo”, dizia o caminhoneiro Roque Ferraz, de 55 anos que chegou a ter uma frota de três veículos mas precisou vendê-la por causa da crise, conta. “E o certo é, se condenou, ele tem de ser preso. Se pobre rouba uma lata de sardinha vai parar no CDP, por que para ele tem um monte de recurso?” Até o fim da noite, Lula não discursou ou mesmo desceu para cumprimentar os militantes. Enquanto os apoiadores se preparavam para resistir, fez sessão de fotos e discutiu os próximos passos. Era maioria quem defendesse, como melhor opção, esperar a Polícia Federal vir buscá-lo para ser fotografado nos braços de uma multidão a caminho

da cadeia. Não podia receber algemas, por ordem de Moro, e nem ser considerado foragido, uma vez que tinha paradeiro conhecido. Para a minoria, ele deveria se entregar antes. “Isso a gente resolve amanhã”, teria comentado o ex-presidente, segundo presentes. Por volta da 1h40, diversos aliados deixaram o local com a promessa de retornar na manhã seguinte. A essa hora o aliado antigo de Lula, com quem foi preso nos anos 1980, Djalma Bom já estava dormindo. “Eu tinha certeza que iria ser decretada a prisão porque tudo já estava montado. Só foi surpreendente que tenha sido tão repentinamente”, disse o sindicalista que encontrou o ex-presidente após o STF negar o habeas corpus preventivo. “Ele estava muito tranquilo porque tinha certeza

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da sua inocência. Quando a gente foi preso injustamente pela Lei de Segurança Nacional, fomos absolvidos depois. A História vai absolvê-lo de novo.” Ao lado da mulher Ana Estela e dos dois filhos, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad saiu sem falar com a imprensa. Na leva, estava o ator Aílton Graça, vestido com uma camisa do Corinthians e um boné de São Jorge, e o ex-senador e vereador Eduardo Suplicy. Mais cedo, a ex-presidente Dilma Rousseff, o senador Humberto Costa, entre outros políticos, já tinham saído. Lula estava sereno, disseram todos. No fim, queria receber cumprimentos de amigos e ficar com pessoas queridas. Para o provável último jantar antes de ser preso, escolheu comer uma pizza.


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10 política abril

O mês de abril em que Lula foi preso - 38 anos atrás Fotos: Divulgação

Luzes e ruídos de motores vindos da rua assustam a mulher que dorme abraçada ao marido na penumbra do quarto. Despertos, os dois espiam através das cortinas da janela da sala. Diante da residência, estão estacionados carros e viaturas de onde descem homens de terno escuro e semblante carregado. Ouvemse fortes batidas na porta.

fundado. A ditadura militar instaurada em 1964, que acabara de completar 16 anos, agonizava, mas não morrera. Prisões arbitrárias, torturas e morte haviam se tornado frequentes. Um dos supliciados que escapara da morte no DOI-Codi, em 1975, era José Ferreira da Silva, o Frei Chico, sindicalista e irmão de Lula.

- Luiz Inácio! Abra essa porta!

A atmosfera da época foi registrada por Chico Buarque em Acorda Amor, prudentemente submetida à censura como obra de compositores fictícios: “São os homens / E eu aqui parado de pijama / Eu não gosto de passar vexame / Chame lá, chame o ladrão / Chame o ladrão”.

Já cia ra do

vestido, o homem acario rosto da companheiantes de ser empurraem direção à viatura.

- Fica tranquila. Não precisa sofrer. Como diz a minha mãe, as coisas vão melhorar. A cena é um dos momentos culminantes do filme Lula, o filho do Brasil (2010), de Fábio Barreto. A partir de memórias de Luiz Inácio Lula da Silva e Marisa Letícia - casal vivido no longa-metragem pelos atores Rui Ricardo Diaz e Juliana Baroni -, reconstitui livremente a prisão do então sindicalista, em 19 de abril de 1980. Na época, Lula liderava, no ABC Paulista, uma greve metalúrgica que deixara o país com a respiração suspensa. Trinta e oito anos depois, um outro abril volta a deixá-lo na iminência do encarceramento. À biógrafa Denise Paraná, autora do livro homônimo que serviu de base ao roteiro do filme, a mulher do futuro presidente relatou momentos de tensão apenas sugeridos na tela. “Marisa, em estado de pavor, temia que a polícia invadisse sua casa e promovesse um massacre ali dentro, na frente das crianças”, escreveu Denise. Não era medo de todo in-

Em 1980, a prisão de Lula ocorrera sem mandado judicial. Simultaneamente, outras 12 pessoas ligadas ao movimento sindical haviam sido detidas, incluindo os advogados Dalmo Dallari e José Carlos Dias. Não se sabia ao certo quando eles poderiam ser libertados ou por quais crimes estavam sendo encarcerados. Em 2018, Lula poderá se ver pela segunda vez atrás das grades - embora em condições muito diferentes. Desta vez, a prisão pode ser o resultado de um processo judicial que já se estende há quase dois anos e no qual o ex-presidente foi considerado culpado de receber um apartamento tríplex no Guarujá como propina da construtora OAS. A sentença, já confirmada em segunda instância, prevê 12 anos e 1 mês de detenção. Nesta quartafeira, o Supremo Tribunal Federal decidiu que Lula já poderá começar a cumprir a pena, mesmo sem ter es-

gotado suas possibilidades de apelação judicial. Desde 1980, ele possivelmente nunca esteve tão perto de voltar a viver em uma cela. A hora da onça beber água O nervosismo de Marisa, que morreu em 2017, contrastava com a calma do marido. Lula sabia que,

uma vez iniciada a greve, seria grande o risco de ir para a cadeia. No ano anterior, ele e toda a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (hoje Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) haviam sido afastados dos cargos pelo governo do general-pre-

sidente João Figueiredo. Divididos em relação ao futuro do regime, os militares estavam unidos em relação ao descontentamento que pairava no ar: queriam aproveitar a paralisação para quebrar a espinha dorsal do movimento sindical do ABC, que ressurgira dois anos an-


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tes. Líder emergente, Lula era dos mais visados. Temendo o pior, amigos haviam lhe aconselhado a deixar o país. Ele se recusara. A campanha salarial de 1980 foi cuidadosamente preparada. O sindicato produziu e distribuiu uma grande quantidade de panfletos, cartazes e boletins que chegam às fábricas (de forma clandestina) e aos bairros. A pauta de reivindicações incluía reposição salarial, redução de jornada e liberdades para atuação do sindicato nas fábricas. Os empresários admitiam, no máximo, repor parte das perdas econômicas. O impasse estava criado. A assembleia da categoria, no dia 16 de março, foi convocada sob o lema “Tá chegando a hora da onça beber água”. Com uma camiseta que estampava o personagem João Ferrador, criado especialmente pela cartunista Laerte para as publicações do sindicato, Lula perguntou à multidão: - Muitos dizem até que o empresário tá pobre, que o empresário tá falido, e nós, trabalhadores, é que

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política 11 somos gananciosos. E eu gostaria de colocar em votação: quem é que concorda com a proposta dos patrões? (Vaias, gritos) Quem é que quer a greve segunda-feira à meianoite? (Milhares de braços se erguem em algazarra). A greve iniciou-se à meianoite do dia 1º de abril. Em segredo, a diretoria do sindicato havia criado um “grupo especial” destinado a manter o movimento em caso de prisão dos líderes. A possibilidade de uma nova intervenção do governo nos sindicatos, como ocorrera em 1979, era cogitada abertamente, a ponto de o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, reagir durante uma entrevista: - Eu estou achando que vocês estão com a psicose da intervenção, porque toda vez que vocês me entrevistam vocês me perguntam se vai haver intervenção. A prisão dos líderes e a intervenção chegaram quando a greve completava o 17º dia. Anos mais tarde, Lula definiria o gesto do regime como providencial:

- O que salvou aquela greve foi os militares decretarem a nossa prisão. Por incompetência. Eu já não tinha o que falar na assembleia depois de 17 dias. (...) O patrão não sentava para negociar, o governo não negociava. (...) Eles prenderam, conseguiram criar um clima de guerra. ‘Um líder morto’, disse Maluf Um dia antes de os policiais baterem à porta da casa de Lula, uma concentração de trabalhadores em frente à sede do sindicato, à espera da chegada dos interventores, havia terminado em choque com a polícia. Ícone do regime, Paulo Maluf, governador biônico de São Paulo, dissera na ocasião que o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos era um “líder morto”. Era exagero.

dio Hummes, reuniu no simbólico estádio de Vila Euclides dezenas de milhares de pessoas. No palco, o poeta Vinicius de Moraes, que morreria em julho, declamou o poema Operário em construção. Lula passou 31 dias na carceragem do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) enquadrado na Lei de Segurança Nacional por liderar o movimento dos metalúrgicos. Durante seis dias, chegou a fazer greve de fome.

A imagem de Lula fichado no Dops, barbudo e desgrenhado, correu o mundo. Mulheres de metalúrgicos pararam o centro de São Bernardo em caminhadas pela libertação dos presos.

O chefe do Dops, delegado Romeu Tuma, concedeu ao sindicalista permissão para deixar a cadeia e participar do funeral da mãe, Eurídice Ferreira de Melo, a dona Lindu. Depois de passar um período internada em decorrência de um câncer no Hospital da Beneficência Portuguesa, em São Caetano, ela acabou por morrer no dia 12 de maio. Lula assistiu ao sepultamento, escoltado por policiais. Na véspera, a greve terminara. Seu líder seria libertado oito dias depois.

No 1º de maio daquele ano, um ato ecumênico celebrado pelo bispo da diocese de Santo André, dom Cláu-

Sobre a preparação para a prisão, o repórter Ricardo Kotscho, que acompanhou Lula de perto nesse

período, escreveu: “Um amigo perguntou a Lula se ele já havia preparado sua mala para levar para a cadeia, e ele achou graça: ‘ Na cadeia ninguém precisa de roupa. Eu não vou passear...’ Também não estava preocupado com a família, em caso de condenação. ‘Aqui em casa cada um sabe o que precisa fazer’”. No ano seguinte, Lula ouviu pelo rádio, em casa, o julgamento de seu processo na 2ª Auditoria Militar, de São Paulo. Como os outros réus e seus advogados, decidira não comparecer à audiência em protesto contra a arbitrariedade do processo. Lula e outros 10 dirigentes foram condenados a penas entre dois anos e seis meses de prisão por “incitação à desobediência coletiva das leis”. Em virtude do não-comparecimento da defesa, o julgamento foi anulado pelo Superior Tribunal Militar (STM), mas um novo juízo, em novembro, confirmou as sentenças. Ao julgar um recurso dos condenados, o STM anulou todo o processo.


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12 política lava jato

PF prende Paulo Preto, ex-diretor da Dersa durante a gestão Lula

Agentes da Polícia Federal cumpriram, na manhã desta sexta-feira, mandado de prisão preventiva contra Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como ex-operador do PSDB e exdiretor do Departamento de Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), que é acusado naOperação Lava

Jato de desvio de recursos, em espécie e em imóveis. O Ministério Público denuncia Paulo Preto por crimes de formação de quadrilha, peculato e inserção de dados falsos em sistema público de informação. O ex-diretor já foi citado por delatores como um possí-

vel operador de propinas para o PSDB em São Paulo. De acordo com a denúncia, Souza e ouros investigados desviaram 7,7 milhões de reais dos cofres da Dersa, dinheiro que seria destinado a famílias desalojadas em virtude de obras feitas no estado entre 2009 e 2011, quando foram governadores de

São Paulo três tucanos: José Serra (2007 a 2010), Alberto Goldman (2010) e Geraldo Alckmin (desde 2011). Paulo Preto comandou a Dersa entre 2007 e 2010. Para executar o esquema, a quadrilha teria inserido no sistema da empresa, como beneficiários, cerca de 1.800

Foto: Divulgação

pessoas que não teriam direito ao que receberam: auxílios, indenizações e até apartamentos da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU). Na lista, seis empregadas de Paulo Preto: três babás, duas domésticas e uma funcionária alocada na empresa de um genro seu.


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política 13

paraná

Lula ficará preso em sala de 15 m² que servia de dormitório a agentes da Polícia Federal

Foto: Divulgação

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciará o cumprimento da pena em uma sala de 15 metros quadrados com banheiro e que foi adaptada para recebê-lo no quarto andar da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. A sala é um dormitório que hospedava profissionais da PF de outras regiões que estavam de passagem pela regional de Curitiba, diz uma fonte da

PF que não quis se identificar. As camas beliche foram retiradas para dar lugar a uma cama e uma mesa. O espaço de 3 metros por 5 metros fica distante da carceragem da PF em Curitiba, onde estão presos outros réus da Lava Jato. “Ele não vai ter nem contato visual com eles”, diz. Sala

de

Estado

Maior

No despacho em que determinou a prisão de Lula, expedido no fim da tarde desta quinta-feira, o juiz Sergio Moro afirmou que o ex-presidente ficaria em uma “sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior”, “na qual ficará separado dos demais presos”.

lei federal 8906/94 - em situações de prisão cautelar: em flagrante, prisão temporária e preventiva. Antes, portanto, que os acusados sejam sentenciados.

A chamada Sala de Estado Maior é uma prerrogativa em geral reservada para os profissionais do Direito - prevista na

Assim, o caso de Lula é atípico, por não se tratar de prisão provisória, mas de cumprimento efetivo de pena.

É uma sala comum, sem grades, em geral em uma unidade de quartel ou institutição militar.

Caso Moro não tivesse determinado a detenção de Lula na sala, o petista seria encaminhado, por exemplo, ao Complexo Médico Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, onde está o extesoureiro do PT João Vaccari. O próprio despacho de Moro, entretanto, justificaria a escolha da sala reservada como um ambiente “sem risco para a integridade moral ou física”.


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14 política lula na cadeia

Relembre a cronologia do processo de Lula no caso do triplex no Guarujá

O Superior Tribunal Federal julgou na quarta-feira (4) o habeas corpus preventivo pedido pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o recurso negado, o juiz Sergio Moro decretou a prisão do petista na quinta-feira (5). Lula foi condenado em janeiro pela segunda instância da Justiça Federal a 12 anos e um mês de prisão

por corrupção e lavagem de dinheiro no processo sobre o tríplex de Guarujá (SP). 2003

de São Paulo (Bancoop) começa a oferta de venda de habitações em um condomínio de alto padrão no Guarujá. 2005

Marisa Letícia, então Primeira Dama faz a compra de um contrato referente ao apartamento 141 do edifício Mar Cantábrico no Guarujá, pelo valor total de R$ 195 mil reais. 2006

A Cooperativa Habitacional dos Bancários

Durante sua campanha pelo segundo mandato na Presidência, Lula declara como propriedade a cota do apartamento 141 no Edifício Mar Cantábrico, com o valor de R$ 47 mil, valor total pago até então pelo imóvel. 2009 Passando por dificuldades financeiras e sem


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poder tocar a construção do edifício, a Bancoop transfere o empreendimento para a OAS. São oferecidas duas opções para os investidores que haviam comprado imóveis da empresa: o ressarcimento dos valores pagos à Bancoop ou permanecer com o imóvel com uma correção de valores. Marisa Letícia suspende os pagamentose acaba perdendo o direito sobre o imóvel.

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política 15 2014

Fotos: Divulgação

2010 Uma reportagem do jornal O Globo revela evidências de que Lula e Marisa Letícia eram os donos de uma cobertura do Edifício Solaris, mas ainda não tinham recebido o imóvel.

foi propina da OAS ao ex-presidente, que ocultou sua propriedade. OUTUBRO DE 2017

Quatro anos depois a OAS reforma o apartamento 164-A e entrega o prédio. A empreiteira investiu no imóvel, avaliado em R$ 1,4 milhão, outros R$ 1,1 milhão em obras. Lula visita o imóvel com Léo Pinheiro, então presidente da OAS. 2014 Em novembro, Léo Pinheiro é preso pela Lava-Jato.

2009 De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), assim que a OAS assume o empreendimento, reserva para Marisa Letícia o duplex 174, agora transformado em um triplex com a numeração 164, depois de passar por uma reforma.

de Lula em enviar parte dos bens para o imóvel.

2015 Cinco anos depois da OAS assumir a construção do Edifício Solaris, o Instituto Lula anuncia que a família desistiu da compra do e pediu o ressarcimento à empreiteira. O Ministério Público de São Paulo inicia uma investigação sobre a transferência de empreendimentos da Bancoop para a OAS, entre eles o edifício no Triplex de Guarujá.

AGOSTO DE 2016 A Polícia Federal (PF) indicia Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em relação ao tríplex. A PF conclui que a numeração do imóvel, 141, havia sido rasurada e tinha 174 como numeração anterior. Para o MPF, é sinal de que a cobertura já era almejada por Lula e Marisa.

SETEMBRO DE 2016 O Ministério Público Federal denuncia que as melhorias do triplex foram pagas pela OAS como vantagens indevidas a Lula. Eles pedem a condenação de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

JULHO DE 2017

MARÇO DE 2016 Com o avanço do processo Lula é alvo de condução coercitiva pela Lava-Jato. O MPF afirma que há evidências de que Lula e sua família eram os reais beneficiários do Triplex. A PF apreendeu em uma das caixas do acervo presidencial de Lula, uma indicação “Praia” que, de acordo com os investigadores, mostra o interesse

O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, condena Lula a nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá. O parecer do juiz é de que o apartamento

Os advogados de defesa de Lula entram com um pedido de absolvição do ex-presidente. Os argumentos da defesa são de que Moro “reconheceu que não há valores provenientes de contratos firmados pela Petrobras que tenham sido utilizados para pagamento de qualquer vantagem a Lula”. JANEIRO DE 2018 No dia 24 de janeiro, o TRF4 julgou o recurso de Lula contra a decisão de Moro.

JANEIRO DE 2018 Ainda no dia 24, o TRF-4 confirmou a condenação imposta ao ex-presidente por Moro, responsável pela Lava Jato em primeira instância, na ação penal envolvendo o tríplex no Guarujá (SP). A pena foi revisada e aumentou para 12 anos e um mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro.

JANEIRO DE 2018 No dia 30 de janeiro, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou com pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que ele não

seja preso mesmo após a análise do recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que confirmou a condenção do petista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) é de que as penas comecem a ser cumpridas após a condenação por um tribunal de segunda instância.

FEVEREIRO DE 2018 No dia 2 de fevereiro, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ingressa no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido para que ele não seja preso até a decisão definitiva sobre o processo em que foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, referente ao caso do triplex de Guarujá (SP).

FEVEREIRO 2018 No dia 20 de fevereiro, os advogados de Lula entram com embargos de declaração contra a condenação imposta ao petista pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no caso que envolve um apartamento tríplex no Guarujá, litoral de São Paulo, e pediu a nulidade do processo ou a absolvição de Lula.


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16 política MARÇO DE 2018

No dia 6 de março, o STJ

nega o habeas corpus preventivo e dá aval à prisão de Lula após 2ª instância o pedido da defesa tinha o objetivo de evitar a execução – depois de esgotados os recursos – da sentença do Tribunal Regional Federal

da 4ª Região, que condenou o ex-presidente a 12 anos e 1 mês de prisão. MARÇO DE 2018 No dia 23, o STF julgou e não aceitou o habeas corpus no plenário da Corte.

ABRIL DE 2018 Na madrugada do dia 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeita por 6 votos a 5 o pedido de habeas corpus preventivo da defesa e com isso autorizou a prisão do

ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O julgamento durou quase 11 horas. No mesmo dia 5, o juiz Sérgio Moro pede a prisão do petista e dá prazo para que ele se entregue à Polícia Federal.


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