Foto: Marlon de Paula
Crônica:
Esporte:
Boto fé: uma análise da famosa gíria universitária. De Gustavo Pavan | PÁGINA 2
Futebol e religião: fãs da bola no pé unem as duas paixões do Brasil | PÁGINA 7
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São João del-Rei - Abril/Maio de 2014 - Número 9
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Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei
Quem são as pessoas que vivem da fé
Projeto da UFSJ As lutas e impasses traz a mistura entre nas religiões de criatividade e fé Matrizes Africanas
Conheça a doutrina O milagre de um recomeço: uma Espírita e saiba o história de fé e força que ela é de fato
Artistas locais têm a oporApesar de todo o preconceitunidade de soltar a imagina- to, ainda persiste a luta para afirção através da fé no Concurso mar as religiões afrodescendende Presépios da UFSJ. tes no Brasil. Página 2 Página 3
Com mais de 3,8 milhões de adeptos no Brasil, o espiritismo busca pregar amor e sabedoria por todo o país. Página 7
As adversidadedes da vida não foram capazes de abalar MariaLuiza.Apesardasdificuldades, ela encontrou na fé a sua força. Página 6
Foto: Mayra Coimbra
Foto: Kleyton Guilherme
Conheça a rotina dos indivíduos que convivem com a vocação religiosa | PÁGINAS 4 E 5
Projeto da UFSJ mistura criatividade e fé
Editora Chefe: Alessandra de Falco (MTb/SP: 40.052) Coordenadores de Redação: André Frigo e Marina Ratton Assistente de Redação: Luana Levenhagen Editor de Arte e Diagramação: Bruno de Oliveira Editor de Imagens: Marlon de Paula Revisão: Sarah Rios, Yulle Marques e Silvia Reis Analista de Mídias Digitais: Milla Fernandes
Fale com a redação jornal.orapronobis@gmail.com Endereço: Campus Tancredo de Almeida Neves (CTAN) REUNI I - Sala 1.01 - Av. Visconde de Rio Preto, s/n. Colônia do Bengo - São João del Rei-MG. O Ora-Pro-Nobis, jornal laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), é distribuído gratuitamente na cidade de São João del Rei-MG, bimestralmente, com tiragem de mil exemplares, impressos na Suprema Gráfica Editora Ltda.
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Boto fé Vício do meu vocabulário, minha fé é mais botada circunstancialmente pela boca do que de fato sinto emanar. Boto fé em fins, na distância e no que virá. Cheguei a botar fé em algumas histórias, ainda boto em outras. Botar muita fé é diferente de botar fé, é crer mais ainda. São poucos os que botam fé de verdade. A maioria bota fé no calor do momento para só de-
Caroline Araújo e Thaís Lacaz São João del-Rei tem enraizada em suas origens a tradição religiosa. Conhecida como cidade dos sinos e marcada pela forte presença de igrejas históricas, o município também é berço da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) , que desde 2006 promove através da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) o Concurso de Presépios. O concurso é voltado para artistas da região e tem como objetivo representar uma das cenas mais famosas da humanidade, o nascimento de Jesus. São duas categorias nas quais os inscritos podem concorrer: tradicional, onde a cena
Presépios inovadores foram destaque no concurso da UFSJ
do nascimento é retratada mantendo os moldes do presépio tradicional e a não tradicional, que permite uma liberdade maior ao artesão de exercer a criatividade. No ano de 2013 diversos presépios foram expostos e alguns artistas trabalharam a cena de forma irreverente. Um exemplo disso foi o
vencedor da categoria não tradicional (foto). A peça apresentada pela artista Patrícia Lima Rezende inovou ao usar o Facebook para representar o nascimento de Jesus. O concurso acontece no mês de dezembro, os interessados podem obter mais informações pelo endereço abaixo: http://bit.ly/1pAfQAA .
Crônica | Por Gustavo Pavan pois pensar no que botou tanta fé assim. Conheci o termo aqui em Minas, botei fé na hora, e agora boto fé em tudo. É bom botar fé, o vazio se preenche. Essa crença inabalável em tudo e todos me virou de pernas para o ar e me levou até o argumento divino. Botar fé era a resposta que eu não sabia de onde veio, mas eu transmitia ao invisível. Era minha tentativa de
A SEMANA SANTA
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Artistas locais têm a oportunidade de liberar a imaginação através da fé Divulgação: Patrícia Lima
Expediente
sobrevivência. Botei mais fé do que minha boca pedia e fui me encontrar com Deus. Mente que voa logo chega a algum lugar. “Fé em que?” Nenhuma cabeça deveria funcionar o tempo todo. Acho que é castigo por querer estar aqui contando isso pra vocês. Quando nasci recebi um chamado diretamente do Homem para a vida. Reconheço
que Deus pode ser bom para uns, mas tenho fé que também é um bocado mau para tantos outros. Não é democrático e quase sempre soa injusto. Prega humildade, mas tem uma doce mania de grandeza. Afinal, fé em quem? No Presidente da República? Parece que Deus é humano e erra tanto quanto nós. Tirei a fé dos meus lábios e
botei-a no mundo. Ali, nos mais remotos instantes, caminhei com fé. Entre a planta e o veneno, vi fé. Entre a taça e o campeão, só fé. Planejei meu dia e nada mais vi do que fé. E mais: é fé, o que você não sabe o que é, o que não vale a pena esperar, o que mata e tudo o que puder desejar. Por instinto sua fé aportará sendo Deus parte disso ou não.
Lutas e impasses nas religiões de Matrizes Africanas Fé para preservar - As lutas das religiões afrodescendentes para se afirmar e vencer o preconceito Foto - Marlon de Paula
Danielle da Gama Axé é um termo utilizado no candomblé. É a força mágica de toda divindade, ser ou coisa. Para os seguidores de religiões de origem africana, os Orixás estão associados a estas forças da natureza. A trajetória dessas religiões no Brasil teve que contar com muito desta força e emoção. Mas apesar de hoje terem um maior reconhecimento, a história das religiões de origem africana ainda é pontuada por lutas e preservada pela fé de seus seguidores contra impasses internos e o preconceito. São várias as religiões de matrizes africanas, unificadas pela crença nos Orixás. O professor doutor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Cláudio do Carmo, seguidor do Candomblé, realiza pesquisas sobre a representação dessas religiões e explicou: “Nas religiões de matrizes africanas há a relação com a linhagem. E se você imaginar que esses povos foram misturados para que não se fortalecessem, a mesclagem é tão forte que se imprime uma grande individualidade a muitos templos”. Além disso, os negros que eram trazidos como escravos sofreram por muito tempo com a perseguição a sua prática religiosa, até então considerada crime. A solução encontrada para professarem sua fé foi o sincretismo, usando a aparência do catolicismo. “Eles rezavam para o santo e colocavam suas oferendas para os Orixás”, relata Cláudio. Ele acrescenta que a associação se dava a partir de características que poderiam aproximar um santo
Celebração do Ilê de Pai Binho, no bairro Tejuco, em São João del-Rei
de determinado Orixá. Por exemplo, São Jorge, que era um grande guerreiro, foi associado a Ogum, que também tem essa característica. Esta fusão se consolidou e existe ainda hoje, mas o professor aponta que há oposições a manter sobre esse sincretismo, tratado como “resquício da escravidão”.
“Os negros que eram trazidos como escravos sofreram por muito tempo com a perseguição à sua prática religiosa, até então considerada crime. A solução encontrada para professarem sua fé foi o sincretismo” “Há pessoas que parecem olhar como se, de verdade, o Orixá fosse aquele santo católico”, afirma, ressaltando o cuidado que deve ter ao tratar a questão do sincretismo enquanto mistura que criou o Brasil ou do sincretismo que “mascara” os conflitos que estão no interior desse mesmo Brasil.
Crer na liberdade O Estatuto da Igualdade Racial veio estabelecer proteção expressa às religiões de matrizes africanas. Porém a discriminação ainda é visível, agravada pelo desconhecimento e pelo preconceito racial. “É impossível, quando você tem o olhar mais detido sobre a religião de matriz africana, não perceber que o racismo de alguma forma tem impacto”, considera Cláudio, que completa: “Vir do negro é vir de alguém, no termo usado, mais ‘primitivo’. Já se imagina que é uma religião subalterna. As pessoas acham que nem existe uma cosmologia por trás dessas religiões e já olham com um jeito que não quer entendêlas pelo lado de dentro”, completa. Hoje já é obrigatória a inclusão de temas de consciência negra nas escolas. “A questão é: a escola foi preparada para receber essa outra visão de mundo?”, reflete o pesquisador. Para ele, educadores de maneira geral tem pouca formação para falar sobre o tema e podem tratá-lo de forma preconceituo-
sa. “Se há um despreparo da parte do próprio docente para lidar com essa outra visão de mundo, a maneira como isso será repassado será até mais danosa”, argumenta. Para ele, a intolerância é histórica e embora já se possa ver avanços, é preciso tempo para que os resultados sejam sólidos.
“A discriminação ainda é visível, agravada pelo desconhecimento e pelo preconceito racial. As pessoas acham que nem existe uma cosmologia por trás dessas religiões” Vicentina Neves, conhecida como Dona Vicentina, é coordenadora de Políticas de Igualdade Racial da Prefeitura de São João del-Rei e líder do grupo de Inculturação Afrodescendente Raízes da Terra. Para ela, a questão religiosa também não se separa da questão cultural e do preconceito racial, acreditando que muitas pessoas condenam o que nem con-
hecem. “Quando você vê o mundo de um jeito só, não há espaço para aceitar o que é diferente”, diz Vicentina. Embora veja iniciativas interessantes, inclusive na abertura da mídia ao tema, ela critica a falta de um espaço para debate. “O que se verifica é uma visão extremamente folclorizada e a cultura é muito complexa pra você folclorizar. Falta um pouco de profundidade acerca dessas questões, para que a superficialidade possa ser suplantada”, destaca. Em busca do fortalecimento da religião, D. Vicentina tem “o sonho de organizar os chefes de casa e fazer uma grande conferência, um estatuto”. Dificuldades Internas “A autoestima dos afrodescendentes aqui é muito enfraquecida. A questão é histórica”, conta Celina Batalha, coordenadora da Associação Afrobrasileira Casa do Tesouro. Ela explica que os quilombos locais não constituíram focos de resistência, e sim alianças com os brancos, inclusive alguns possuindo seus próprios escravos. Hoje, muitos afrodescendentes não assumem sua ancestralidade e a associação busca realizar projetos que promovam essa valorização. A coordenadora ainda ressalta a dificuldade em reunir os dirigentes, que individualmente lutam para manter os terreiros em atividade, em meio a disputas de espaço e dificuldades financeiras. Estando do lado de dentro ou de fora, conhecer é ainda a melhor medida. Para Dona Vicentina, o candomblé é uma religião que respeita, acolhe e ampara, “não importa o que você seja lá fora”. Respeitar uma crença vai além da obrigação legal: é necessário aceitar as diferenças, princípio que independe da fé, mas está na base do respeito ao ser humano. 3
Eu, eu mesmo e a religião: os b
Por trás da rotina religiosa - Conheça a vida das pessoas que são personagens importantes na fé de ou Quando em janeiro de 1887 Padre José Maria Xavier faleceu aos 68 anos, após sofrer uma queda de uma árvore que podava em seu quintal, já tinha fama nacional. Fama que advinha não somente pelo exercício do sacerdócio, mas principalmente pelo fato de ser um grande compositor de músicas sacras. Sua obra ultrapassou o tempo e até hoje é executada nas celebrações barrocas da cidade. Na época de sua morte, São João del-Rei era quase que exclusivamente católica e os sacerdotes eram tratados com reverência e solenidade. A São João del-Rei de 2014, de acordo com dados do IBGE, já não é mais território exclusivo da Igreja Católica. Apesar de ainda serem maioria (70%), as outras igrejas e seitas vem ganhando espaço. Esse fato trouxe também maior tolerância entre os praticantes de religiões diferentes, contrastando com a população da cidade no início do século passado, que ameaçou queimar a Igreja Presbiteriana no dia da sua inauguração. Entretanto, duas características da cidade não mudaram nesses 127 anos passados da morte do Padre José Maria Xavier: a religiosidade e a reverência com que a população trata sacerdotes, pastores, pais de santo, etc. Essa religiosidade pode ser constatada pelos ritos centenários ainda praticados, pelo núme-
ro de locais onde as religiões são praticadas (22 igrejas, 31 templos e terreiros), pela quantidade de padres, pastores e pela quantidade de missas e cultos celebrados toda semana, onde o total pode ultrapassar 200 celebrações. A fama musical de Padre José Maria trouxe luz para um lado particular da sua vida, situação que não é comum quando se trata de sacerdotes, pastores, pais de santo, e outros celebrantes da fé
“É um estado de vida. Não é uma profissão. Às vezes as pessoas pensam que nós somos profissionais, que somos empregados. Nós somos o que somos por vocação, é a forma pela qual você escolhe viver a vida.” Frei José Roberto popular. Normalmente, estes provocam uma profunda reverência entre seus fiéis, que podem chegar ao ponto de ofuscar suas vidas particulares. É senso comum que os religiosos exerçam as suas funções 24 horas por dia, baseando-se no fato de que quem escolhe seguir a vida religiosa, o faz por vocação. Por isso a viveriam integralmente, como relata o frei franciscano José Roberto, 58 anos, natural do Rio de Janeiro. “É um estado de vida, não é uma pro-
fissão. Às vezes as pessoas pensam que nós somos profissionais. Nós somos o que somos por vocação, é a forma pela qual você escolhe viver a vida”, destacou. Apesar do exercício dessa vocação, os religiosos têm e fazem questão de ter suas vidas particulares. Procuram exercê-la dentro dos preceitos da religião, mas podem até se incomodar quando esse limite não é respeitado. “Exerço um papel que não posso ficar brincando toda hora, tem de ser levado a sério. Mas eu sou uma pessoa que gosta de brincar, de ser normal. Mas infelizmente, às vezes, fico triste ao perceber que tem um distanciamento, até mesmo de pessoas de fora da re- Frei José Roberto conta sobre a sua vocação religiosa. Ele diz que o que ligião”, afirma Carolina Moreno Mendonça, 28 anos, casada, formada em direito pelo IPTAN e pastora da Igreja Portas Abertas. O Pastor Isaias, 23 anos, da Igreja Mundial do Reino de Deus, começou a vida religiosa muito cedo. Mal tinha completado 18 anos quando assumiu a direção de um templo. Isaias até os 14 anos viveu em conflito com a família e a sociedade. Sem rumo, viveu entre as drogas, roubos para sustentar o vício e as temporadas nas casas de detenção. Hoje afirma que se sente privilegiado de estar levando a palavra de Deus em São João delRei e que se surpreende com as reações das pessoas quando o encontram executando tarefas normais do dia a dia. “As pes- A pastora Carolina Moreno, 28 anos, é formada em direito Foto: Kleyton Guilherme
André Frigo
bastidores de quem vive da fé
utras pessoas. O que elas fazem quando não estão diante dos fiéis? Confira na reportagem abaixo
Foto: Kleyton Guilherme
Foto: Kleyton Guilherme
soas olham para um pastor, um padre, um religioso e pensam que ele é um super-herói, que não comete erros, não tem falhas e não se entristece”, refletiu. E assim como todos os seres humanos, eles fazem amigos, vão ao cinema, praticam esportes, estudam, se apaixonam, sentem raiva, inveja e angústia. A diferença é que por mais que tentem, a religiosidade esta sempre entremeando suas vidas. Marcelo Mendes, 43 anos, formado em Arquitetura e Urbanismo pela USP e praticante de Candomblé desde 2008, dimensiona bem sua vivência. “Eu lido como posso, tento a transcendência e a aceitação muitas vezes, e faz é um “estado de vida”, e não uma “profissão”, como muitos pensam mas acredito que esse desafio, de certa maneira, é imposto pela vida ao religioso e ao não religioso”, contou Mendes. A pastora Carolina, que atualmente estuda psicologia na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e que tem a religião fortemente presente em sua vida desde que nasceu, por ser filha do Pastor Reinaldo Moreno, contou como lida com esses sentimentos comuns do dia a dia. “Nós acreditamos que é um estilo de vida. É uma forma de você ver o mundo. Não vou ficar pregando e falando de Jesus o tempo inteiro. Só que a minha forma de viver tem de refletir aquilo que eu acredito. Se não, estarei sendo incoerente”. Frei José Roberto chegou a se formar contador O Pastor Isaias contou sua trajetória de vida em entrevista e depois de formado, aos
24 anos, começou os estudos para se tornar frei franciscano. Ele fala como lida com a questão da sexualidade, uma vez que cumpre voto de castidade. “A sexualidade faz parte da gente, mas pelo trabalho que a gente faz, pela oração, pela fraternidade, você consegue canalizar toda essa energia da libido para outros tipos de atividade”.
“Nós acreditamos que é um estilo de de vida. É uma forma de você ver o mundo. Não vou ficar pregando e falando de Jesus o tempo inteiro. Só que a minha forma de viver tem de refletir aquilo que eu acredito. Se não, estarei sendo incoerente”. Pastora Carolina Moreno
Um aspecto da vida cotidiana que contrasta com os ofícios prestados pelos religiosos é a questão financeira. “Partilhamos a vida como uma família, nos horários de oração e [os custos da] a manutenção da nossa casa. E nos mantemos através do que a paróquia nos repassa por nossos trabalhos e também dos rendimentos de quem tem aposentadoria. Não recebemos verbas de fora. Não podemos ter bens, mas interessante, não nos falta nada”, explicou o Frei.
Já os pastores da Igreja Portas Abertas não recebem nenhum tipo de pagamento, pelo contrário, são estimulados a contribuir com a igreja. Segundo a Pastora Carolina, a sua igreja “só tem aqui em São João e não pertence a nenhuma congregação. Por isso, nela os pastores são voluntários”. Entretanto, os pastores da Igreja Mundial do Reino de Deus recebem um subsídio a título de salário e também uma casa mobiliada, além de terem as contas de água e luz pagas pela instituição. No Candomblé essa questão é mais flexível. Marcelo Mendes recebeu em 2012 a “mão de búzios”, que é a autorização dada pelo seu pai de santo para que ele possa atender pessoas jogando búzios. “Meu trabalho de atendimento é paralelo a Casa da qual faço parte. Trabalho na minha residência. Em relação a minha Casa Mãe, os adeptos contribuem com uma mensalidade e com outros recursos para fins religiosos específicos”, afirmou. Algo comum nos depoimentos dos religiosos é o desejo de serem vistos como pessoas normais, que seguem os dogmas e ritos de suas respectivas religiões. Porém eles acreditam que é possível haver um limite, mesmo que tênue, entre o momento da prática religiosa e suas vidas particulares. É como a maioria dos agentes da fé dizem: “Não somos do outro mundo, somos pessoas normais!”
Foto: Mayra Coimbra
Perfil: O milagre de um recomeço Maria Luiza - história de superação através da fé Eram 19 horas quando soava a campainha da casa de Maria Luiza. Já a primeira vista, não era possível notar nenhum indício da história de vida que ela carrega. No caminho até a sala, imagens, quadros e terços anunciam o tamanho de sua fé. Ela se ausenta por alguns minutos e retorna no momento em que a máquina e o gravador eram ligados, dizendo: “Olha, não me deixe sair feia nas fotos não, me deixe linda”. A partir do momento que a primeira pergunta é feita já sabemos que iremos ter uma lição de vida durante toda a entrevista. Com apenas 40 anos, Maria Luiza já enfrentou dois cânceres de mama e ainda carrega a dor da perda de sua mãe e tias, vítimas da mesma doença. E ao contrário do que se imagina, Luiza, como gosta de ser chamada, encara tudo de um jeito surpreendente. Tudo começou em 2003 quando ela notou um nódulo na cicatriz do seio direito, que já tinha passado por uma cirurgia de estética. Depois de uma mamografia, o médico disse que realmente existia um nódulo, mas que ela não deveria se preocupar, pois ele era muito pequeno e não oferecia riscos. Devido ao histórico familiar, Luiza procurou um segundo médico em Belo Horizonte, que decidiu fazer biópsia. Apesar do medo dos procedimentos, ela disse ter ido muito con6
fiante, não imaginando que o resultado pudesse ser câncer, afinal, ela tinha apenas 30 anos. Mas a triste notícia chegou semanas depois e isso a fez perder o chão. “Quando falam que você está com câncer, você acha que não tem esperança, que vai morrer. E eu só conseguia pensar nos meus filhos, principalmente na minha filha que na época tinha dois anos. Minha mãe morreu quando eu era pequena e eu não queria que eles passassem por aquilo que eu passei”, conta.
“Quando a gente passa por um prolema desse, uma doença grave igual ao câncer, nos sentimos mais perto de Deus” Maria Luiza E foi nesse momento difícil que Luiza recorreu a sua fé. Sua vida sempre foi marcada pela oração e por esse motivo decidiu fazer o tratamento e encarou a doença. “Eu sabia que não era culpa de Deus, que provavelmente era uma coisa hereditária, de organismo, então eu nunca o questionei. Eu só pedia para Ele me curar, porque Ele tinha esse poder. Eu só queria ver meus filhos crescerem”. E foi acreditando e rezando que ela comemorou o fim do tratamento muito bem sucedido. O que ela não esperava é que oito anos depois ela passaria novamente por tudo isso e de um jeito muito mais agressivo. A triste notícia chegou
novamente em uma de suas consultas periódicas quando foi constatado um novo nódulo no seio. “O resultado foi bombástico, o câncer tinha voltado e eu precisava retirar o seio. Estava com metástase na axila e dos 29 nódulos retirados, 27 eram cancerígenos”. Ainda assustada, ela decidiu realizar as quimioterapias e radioterapias em São João del-Rei, para minimizar os efeitos colaterais do tratamento. E foi nesse momento que o susto foi maior. “Quando eu cheguei aqui meu médico não me deu chance de cura. Ele disse que meu caso era muito grave. Eu ainda perguntei quanto tempo ele me dava de vida e ele me disse: três meses. Foi duro. É muito difícil você escutar que vai morrer”. Apesar do sofrimento Luiza afirma não ter desistido. Com o apoio de sua família e sua fé, ela sabia que o médico não tinha poder de prever o futuro. “Eu vi meu chão desabar. Apesar de ter entrado em depressão, eu ia todos os dias na igreja chorar diante de Deus porque eu sabia que ali era o lugar. Ali estava quem podia me curar. E eu confiei. Fiz todo o tratamento, não desisti em nenhum momento, mesmo sabendo que o médico não acreditava em mim”, relata. Perguntamos se ela se considerava fruto de um milagre e ela não teve dúvidas ao dizer que sua vida se transformou após a doença. “Quando a gente passa por um problema desse, uma doença grave igual é o
Maria Luiza em momento oração no altar de mosteiro Foto: Mayra Coimbra
Mayra Coimbra e Nara Nunes
Maria Luiza conta como a fé foi importante na sua vida
câncer, nos sentimos mais perto de Deus. Hoje eu sei que Ele me curou, Ele foi contra as estatísticas da medicina”, conta. Com seu riso fácil e dona de uma força impressionante, Luiza não tem medo do futuro. “Se voltar? Se voltar, na hora eu vejo o que eu vou fazer. Eu não vou ficar pensando e me preocupando agora. Eu vou viver o hoje, eu tenho pressa de ser feliz”, finaliza. A afirmação “Você está curada” é uma frase que ela nunca ouviu da boca dos médicos, mas é uma certeza que ela carrega todos os dias dentro de seu coração, junto da sua fé inabalável.
Com seu riso fácil e dona de uma força impressionante, Luiza não tem medo do futuro. “Se voltar? Se voltar, na hora eu vejo o que eu vou fazer. Eu não vou ficar pensando e me preocupando agora. Eu vou viver o hoje, eu tenho pressa de ser feliz” Maria Luiza
Futebol e religião: paixões nacionais Movidos pela fé - Jogadores e torcedores buscam na fé a força para vencer no futebol Em tese, religião e futebol não se discutem, tampouco se aproximam, mas na prática não é bem assim. De acordo com o Pew Research Center, somos o país com maior número de católicos do mundo. E não para por aí, há quem diga que Deus é brasileiro. No futebol, essa realidade não é diferente. O Brasil é o maior vencedor de Copas do Mundo e a terra de grandes ídolos, como Pelé, Zico e Ronaldo. Aqui futebol e religião andam sempre juntos! No esporte é muito comum, principalmente em jogos decisivos, vermos jogadores fazendo o sinal da cruz ao entrar em campo e apontar para o céu ao marcar um gol, como gesto de agradecimento. Os torcedores fazem promessas a Deus e aos santos de toda sorte.Além disso, usam imagens, terços e crucifixos no peito. E até criam cânticos com palavras de fé, como as entoadas na campanha realizada pelo Clube Atlético Mineiro na Copa Libertadores da América ano passado. Um desses gritos era o “euacredito”, cântico que ganhou repercussão após uma defesa do goleiro Victor na partida que valia o jogo de volta das quartas de final do torneio, que salvou o time da eliminação. Atleticano fervoroso, o sanjoanense Eduardo Canavez foi uma das testemunhas desta “dádiva” e garante que a ligação entre religião e futebol só aparece quando a bola rola. “Quando é um jogo importante, eu aciono tudo que é santo! Eu não costumo rezar antes das partidas, mas sempre estou falando com Deus e com todos santos possíveis quando o bicho ‘tá’ pegando. O que não é muito incomum nos jogos do Atlético”, explica. Até mesmo o líder máximo da Igreja Católica, o Papa Francisco, é um grande entusiasta do
“Quando vi o Papa chegar, o chamei e disse que queria presenteá-lo com a camisa de um time de futebol do Brasil. Ele humildemente se aproximou e recebeu das minhas mãos a peça personalizada” Bruno Rodrigo, seminarista. futebol, e tem um time do coração: o San Lorenzo da Argentina. Mas o pontífice não recusa oração a nenhum time. Três meses após a sua aclamação, o Papa Francisco foi presenteado pelo seminarista mineiro, Bruno Rodrigo, com uma camisa do Atlético Mineiro. Desde que chegou a Roma para estudar, Bruno tinha muita vontade de entregar a camisa do clube do coração ao Papa. Quando descobriu que esse também era o desejo de amigos pessoais, que faziam parte da diretoria atleticana, tratou logo de realizá-lo. Através desses amigos o pedido chegou ao presidente do Atlético, Alexandre Kalil, que solicitou a confecção de uma camisa personalizada com o nome do pontífice. “Quando vi o Papa chegar, o chamei e disse que queria presenteá-lo com a camisa de um time de futebol do Brasil. Ele humildemente se aproximou e recebeu das minhas mãos a peça personalizada”, conta Bruno. Com sorriso no rosto o Papa Francisco afirmou que colocaria o time em suas orações e que torceria por ele, que na época disputava as semifinais da Copa Libertadores, que o clube acabou conquistando. Para Bruno Rodrigo, futebol e religião andam lado a lado. “A religião ensina, ou ao menos deveria ensinar aos ho-
mens a paz, a amizade, a fraternidade e o respeito, e o futebol também tem esse papel. Então, acho que a relação entre os dois é a paixão e o amor que move as pessoas, e também o compromisso de ir ao estádio torcer pelo bom futebol”, conclui.
Foto: Marlon de Paula
Abaixo, o seminarista Bruno Rodrigo com o Papa Francisco; à direita, Eduardo Canavez, torcedor fanático do Galo Foto: Arquivo pessoal
Diego Damasceno
Espiritismo, o que é de fato? Conheça a crença que prega amor e sabedoria por todo país Eduardo Gaio O espiritismo codificado por Allan Kardec em meados do século XIX é hoje uma das religiões que mais cresce no Brasil. Segundo dados do IBGE de 2010, teve um crescimento de 65% comparado ao senso de 2000. Entretanto, ainda existem inúmeros questionamentos sobre a doutrina cujo maior legado é o amor entre as pessoas. Alguns estão relacionados à vida pós-morte e a relação existente entre o espiritismo, a Umbanda e o Candomblé. Para Edson de Souza B. Filho, presidente da Aliança Municipal Espírita (AME) de São João del-Rei, a crença pode ser considerada uma ciência, filosofia e religião. Apesar de geralmente ser considerada uma religião,
por falar de Deus, Edson Filho explica que a doutrina espirita não tem as características necessárias para essa definição. “O espiritismo não tem dogmas e ritualismo. No nosso modo de entender não precisamos participar de uma religião para estarmos ligados a Deus”, destaca ele. Segundo Edson, o homem tem missões para desenvolver na terra e quando termina desencarna para continuar trilhando seu caminho. O espírito é o acúmulo de vidas passadas, de acertos e erros, por isso a importância e a necessidade de cuidar do corpo e da alma, levando uma vida saudável e humilde. “Ninguém morre e melhora de uma hora para outra. Se você é bom, continua bom na sua forma evolutiva, e
se é mau vai melhorando. É uma evolução”, completa. Quando questionado se o espiritismo tem alguma relação com a Umbanda ou o Candomblé, Edson Filho é retórico em dizer que apesar de ambos trabalharem a mediunidade, não se tratam da mesma coisa. A mediunidade no espiritismo foi estudada, entendida e aperfeiçoada. O contato se dá telepaticamente pela sensibilidade desenvolvida na mente, ou seja, é um processo que leva em conta a intuição e inspiração. “Nós damos o nome de psicofonia àquilo que eles usam como incorporação. Não existe, no espiritismo, nenhum sincretismo de culto a Orixás e divindades. Isso pertente à Umbanda e ao Candomblé que nós respeitamos muito”, enfatiza. 7
Frederico Reis
Thiago Morandi
Thiago Morandi
Frederico Reis
Thiago Morandi
Marlon de Paula
Ensaio Fotográfico | Especial Religião
Marlon de Paula
O ensaio fotográfico da edição de abril e maio do Jornal Ora-Pro-Nobis tem como tema a manifestação religiosa. As fotos foram feitas pelos alunos Frederico Reis e Marlon de Paula e pelo exaluno Thiago Morandi, do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei.