Jornal Ora-Pro-Nobis Ed. 5

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Pesquisa realizada pelo curso de Geografia da UFSJ constata que a ocupação desordenada da área urbana é a principal causa das enchetes em São João del-Rei. Desmatamento das matas ciliares, construção em lugares inadequados próximos aos rios e o asfalto da cidade acabam danificando o fluxo correto da água, o que causa os alagamentos e as enchentes.

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Nivaldo afirma ter apoio do PSDB O prefeito Nivaldo de Andrade diz que contará com o apoio do PSDB para tentar a reeleição. Ele afirma que após ter apoiado os tucanos em 2010, se aproximou de Aécio Neves e Antônio Anastasia. Nivaldo também conta com apoio de oito vereadores na Câmara. Os fatos preocupam os partidos da oposição, que já começam a buscar nomes fortes.

Ana Gabriela Oliveira

Ana Gabriela Oliveira

Estudo revela causa de enchentes

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Ana Gabriela Oliveira

Edição 04 - Ano 01 -Novembro/ Dezembro - 2011

Policlínica Central pode ir para Av. 8 de Dezembro A Policlínica Central pode ter novo endereço em breve. Segundo o Secretário de Saúde, José Marcos de Andrade, a instituição pode ser transferida para o local que abrigaria a Câmara dos Vereadores, na Avenida 8 de Dezembro. Há mais de 30 anos, a Policlínica funciona na garagem do INSS, local pequeno, sem ventila-

ção, com pouca acessibilidade para cadeirantes e inadequado ao atendimento. De acordo com a administração da Políclinica, não há verba para a construção de uma nova sede, o que é considerado o ideal. Entretanto, a diretoria do INSS pediu de volta o espaço onde funciona a Policlínica, para realizar uma

reforma, o que levou a Prefeitura a aproveitar o espaço que seria a Câmara para acomodar a instituição. Equanto a mudança não é feita, os pacientes são atendidos em meio à reforma do INSS, encontrando andaimes, areia e materiais de construção no pátio que dá acesso aos consultórios médicos.

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OPINIÃO | novembro/dezembro de 2011

Editorial

Artigo

No fim, apenas Deus e o diabo na terra de São João o que interessa Nathanael Andrade

m ritmo de fim de ano, procuramos fechar com chave de ouro essa última edição do OraProNobis de 2011. Não é a toa que escolhemos matérias do interesse de todos para preencher as páginas do jornal: saúde pública, situação política na cidade e informações sobre enchentes, entre outras. Tentamos preencher nossas poucas páginas com aquilo que seria mais interessante. Todos nós sabemos das limitações do sistema de saúde pública de São João del-Rei. Felizmente, a cidade está prestes a presenciar a mudança de endereço de uma das principais instituições municipais de saúde, a Policlínica Central, que funciona em condições precárias há mais de 30 anos na garagem do INSS. A expectativa é de que seja transferida para a Avenida 8 de Dezembro, onde funcionaria a Câmara dos Vereadores, em uma casa que, apesar de não ser ideal para o funcionamento da Policlínica, melhorará as condições de atendimento aos pacientes. E falando em expectativas, procuramos antecipar as eleições municipais, na tentativa de descobrir quem serão os candidatos a prefeito em 2012. E acabamos esbarrando com algo no mínimo inusitado na política são-joanense: Nivaldo afirma que terá o apoio do PSDB para se candidatar no ano que vem. Não que seja uma novidade Nivaldo querer ser o prefeito de novo... Outro tema abordado nessa edição faz parte do cotidiano do são-joanense nesses últimos dias: a chuva. Tentamos encontrar os motivos dos alagamentos e enchentes em São João del-Rei, com explicações de especialistas sobre como prevenir os problemas que afetam tanto a cidade nesse fim de ano. Mas, como esse jornal nunca deixa de lado a cultura local, trazemos um pouco sobre o Centro Cultural Feminino, associação que já existe há 25 anos e é responsável por várias atrações culturais e artísticas na cidade. E, em uma época em que problemas relacionados a animais estampam páginas de jornais, programas de TV e até a Câmara dos Vereadores de São João del-Rei, escolhemos fechar nossa edição com uma lição de generosidade para com os animais . Entrevistamos uma senhora membro da Sociedade São Francisco de Assis Protetora dos Animais, Alice de Almeida Coelho Ferreira, que, apesar da idade avançada e da falta de ajuda das autoridades, cria 70 cães em uma casa nas Águas Santas. Sem mais demoras, desejamos uma ótima leitura!

Jornal laboratório do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Campus Tancredo Neves (CTAN) - Av. Visconde do Rio Preto, s/nº, CEP 36301360, Colônia do Bengo - São João del-Rei Reitor Helvécio Reis Coordenador do curso de Comunicação Social Jairo Faria Mendes

os primórdios da terra são-joanense, o Barroco imprimiu nos moradores as marcas de seu antagonismo peculiar. Marcas que ficaram não apenas na arquitetura e decoração dos templos, nas tradições e ritos religiosos, mas, sobretudo, na alma de seu povo. Por isso, em São João del-Rei, há sempre uma referência, uma aproximação, entre elementos tão paradoxais quanto a vida e a morte, o sagrado e o profano, o bem e o mal, Deus e o diabo. E quanto aos últimos, ninguém incorpora melhor estas figuras metafísicas (na visão de aliados e opositores), que o prefeito Nivaldo Andrade. Nivaldo é, acima de tudo, um fenômeno. Um fenômeno eleitoral que surgiu na década de 90 e que mudou a história de São João del-Rei. Seu grande feito foi abalar a “normalidade” dos pleitos eleitorais e os fundamentos da estrutura política na cidade. Ele quebrou a hegemonia das famílias e elites locais, se tornando o primeiro chefe do Executivo oriundo das classes populares. E, além disso, segue dominando o cenário político são-jonanense há mais de uma década, tendo sido vitorioso em todos os pleitos que disputou, outro fato inédito. De origem humilde, semi-alfabetizado e sem tradição familiar, Nivaldo apareceu no cenário político são-joanense como um discípulo ou apadrinhado do ex-governador Newton Cardoso. No currículo, uma carreira de sucesso como comerciante (dizem que “vendia” dinheiro) e uma bem comentada administração na vizinha cidade de Tiradentes, numa época em que um diretor de uma poderosa emissora resolveu fazer da decadente cidade um grande fenômeno turístico-cultural internacional. Além do mais, para os são-joanenses mais pobres, os discursos da tradição já não mais faziam efeito, pois precisavam de soluções práticas para seus problemas básicos. Nivaldo sempre caminhou nesta direção, buscando o apoio popular com um discurso afinado com a gramática dos mais pobres. Assim, ele passou a colher os frutos destes investimentos, consolidando, a partir de então, uma vitoriosa carreira política com passagens pelo executivo de Tiradentes, São João del-Rei (por um e três mandatos respectivamente) e pela Assembléia Legislativa Estadual (um mandato). Para simpatizantes e aliados, Nivaldo é quase

Deus. Imagem construída ao longo de sua carreira por uma combinação de fatores favoráveis, que vão desde o cenário de estabilidade econômica (Plano Real) e de consolidação dos princípios democráticos estabelecidos pela Constituição de 1988, passam pelo discurso populista, afinado com os interesses da maioria da população, e terminam com muitas ações, tanto no campo social como na infra-estrutura. O asfalto se tornou a marca de ação de seus governos. Mas também vieram pedrinhas portuguesas, reforma(s) de passeios e praças, PSF´s, restaurantes populares, funerárias populares, ambulâncias, viagens gratuitas para BH, isenção de taxas e impostos, doações... “O maior canteiro de obras do Brasil” é também a “casa da madre Tereza de Calcutá”, tamanhas as bondades aqui executadas. Não é à toa que o prefeito são-joanense é o “pai dos pobres”. Este apoio popular (mais de 50% dos votos válidos em 2009) dá ao prefeito, que enfrenta mais de 50 processos na Justiça, a confiança de dizer que, no próximo pleito eleitoral, pode escolher qual cidade da região quer governar: São João del-Rei, Santa Cruz de Minas e Tiradentes. No entanto, para a oposição, as aparências enganam e a arte de enganar é uma das manhas do diabo. Nivaldo representa o contra-senso, o caminho do atraso e da falta de eficiência e transparência pública. “Fico triste ao ver minha cidade ser governada por um sujeito como este” – é o discurso uníssono dos que fazem oposição ao prefeito. As críticas envolvem as obras e a forma como são conduzidas, o assistencialismo gratuito e com fins visivelmente eleitorais, a política de favorecimentos (que incha as repartições públicas com cargos em comissão), o relacionamento com a Imprensa e a Câmara dos Vereadores, a ausência permanente da autoridade máxima do governo municipal – que governa São João del-Rei, ou de sua casa em Santa Cruz, ou de seu sítio em Tiradentes, dentre outras. Nada, no entanto, abala o olhar perdido do prefeito Nivaldo. Desta forma, sem praticamente nenhuma oposição, ele segue tranquilamente a governar a cidade que diz carregar no coração. À distância, assim como Deus e como o diabo, ele cuida de seu rebanho de ovelhas e lobos.

Errata Violeta Cunha

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A matéria “Exclusividade garante a tradição da ourivesaria artesanal” é de autoria de Ana Luiza Fernandes e Mariele Velloso e não de Luis Gustavo Santos e Violeta Assumpção Cunha, como foi registrado no último jornal.

Orientação João Barreto, Kátia Lombardi, Luciene Tófoli, Luiz Ademir Oliveira, Paulo Henrique Caetano e Vanessa Maia Editor Carol Argamim Gouvêa Subeditor Íris Marinelli Arte e Diagramação Carol Argamim Gouvêa e Íris Marinelli Fotografia Ana Gabriela Oliveira, André Neves, Carol Argamim

Gouvêa, Carol Slaibi, Marcelo Alves, Violeta Cunha Redação Ana Gabriela Oliveira, André N. P. Azevedo, Carol Slaibi, João Eurico Heyden Jr, Marcelo Alves, Mariana fernandes, Nathanael Andrade, Thamiris Franco, Walquíria Domingues Tiragem 1000 exemplares Gráfica Global Print

Email orapronobis@hotmail.com

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novembro/dezembro de 2011 | CIÊNCIAS

Ocupação desordenada é principal causa de enchentes João Eurico Heyden Jr. e Marcelo Alves Ana Gabriela Oliveira

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ão João del-Rei há muito tempo sofre com o problema das enchentes. Por falta de informação ou por omissão do poder público, a área urbana cresceu descontroladamente. Isso danificou o funcionamento do Rio das Mortes e do Córrego do Lenheiro, consequentemente, causando os alagamentos nas casas situadas às margens. É isso que a pesquisa intitulada Impactos Ambientais Urbanos Provocados pela Ocupação da Planície Fluvial e do Entorno do Rio das Mortes e seus Afluentes comprova. O estudo foi coordenado pelo professor e doutor em Geografia e Análise Ambiental da UFSJ, Vicente de Paula Leão, e contou com o auxilio da bolsista Raquel Cassia. Segundo Vicente, a ideia da pesquisa surgiu a partir de seus vinte anos de observações do fenômeno das enchentes na cidade. Isso, somado ao interesse do professor em geografia física e urbana, resultou em uma pesquisa essencial para a comunidade são-joanense.

Ocupação desorganizada

O pesquisador explica que o tema sempre foi tratado de maneira equivocada, tanto pelos habitantes da cidade quanto pelo meio acadêmico. “Alguns cidadãos acham que o fenômeno tem a ver com tromba d’água”. O que é incorreto, “visto que este é um jargão jornalístico do litoral. Já o meio acadêmico sempre discutiu o assunto de maneira muito superficial. A ideia da pesquisa é demonstrar os impactos ambientais urbanos que causam enchentes”. Segundo Vicente, as pessoas costumam associar as enchentes às chuvas fortes, o que não é totalmente verdade. Ele explica que a causa está na urbanização desorganizada, que danifica a circulação correta do fluxo de água. “São vários os problemas causados pela ocupação humana: as construções em lugares inadequados reduzem o leito do rio; o asfalto diminui a impermeabilização do solo; a agricultura imprópria despeja sedimentos no rio; a mata ciliar, que ajuda na absorção da água é cortada. Então, são vários fatores que quando somados às chuvas fortes causam as enchentes”, explica. Vicente ilustra o problema da ocupação humana desordenada usando do Google Earth (sistema de captação de imagens aéreas por satélites) como exemplo: “ao olharmos o bairro de Nossa Senhora de Fátima e a cidade de Santa Cruz de Minas, percebe-se que estão construídos em boa parte na planície de inundação do Córrego do Lenheiros. Então, um fenômeno que seria normal para um rio, que é quando suas águas sobem, acabou se tornando um problema”. Ele enfatiza que a subida do rio, em condições adequadas, é fundamental para o meio ambiente, para a fertilização do solo por exemplo.

Despreparo

O doutor em Geografia afirma que o Brasil é um país tropical, e que, consequentemente, são comuns em seu território chuvas torrenciais – muita chuva num curto período de tempo, e que por isso deveríamos estar sempre preparados. Vicente também alerta para o oportunismo de políticos em épocas de enchente: “depois que o estrago está

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Pedestre fica presa em enxurrada ao lado da rodoviária feito, sempre aparece um político para dizer que o problema é a chuva forte, e que consertará o problema. Olhe por exemplo o Canadá: você não vê as nevadas causando tantos problemas por lá, porque eles estão preparados para este tipo de situação”. As enchentes não podem ser simplesmente arrumadas de uma hora para outra, e que “o correto seria que houvesse ao menos um sistema de alerta à população, um programa de prevenção de doenças, enfim, um auxílio maior às vítimas das alagações. E não políticos falando sobre coisas impossíveis de serem feitas”, orienta.

Fica difícil para as pessoas entenderem, por exemplo, que o asfalto do bairro Senhor dos Montes está relacionado às enchentes do Nossa Senhora de Fátima.

Cidade e campo

A pesquisa demonstra que o problema das enchentes em São João del-Rei ocorre por fatores que envolvem tanto a zona rural quanto a urbana. Segundo o professor, quando a agricultura é feita de forma errada, as chuvas passam pelo relevo arado e levam os sedimentos ao rio. O que diminui o volume de água comportável, facilitando a inundação. Efeito semelhante ocorre na cidade, quando as partes mais altas são desmatadas e deixam

o relevo desprotegido, então quando chove forte, desce uma enorme quantidade de terra dos morros, que também acumulam sedimentos no rio. Segundo Vicente, as áreas perto de rios são menos valorizadas, o que acaba atraindo ainda mais construções: “aqui em São João os terrenos e casas em locais centrais estão muito caros, o que obriga a população mais carente a se alojar onde pode”.

Alternativas

Vicente explica que não existe uma solução propriamente dita para o dano já causado na ocupação inadequada dos leitos. Segundo ele, não seria viável simplesmente retirar as construções das margens do rio, já que existem histórias pessoais ligadas àquelas casas. “O que deveria existir é um trabalho de preservação da mata ciliar, para diminuir o assoreamento e o lixo jogado nos rios e nas ruas da cidade, lixo que acaba entupindo bueiros e aumentando o problema. As escolas também deveriam ter um papel educativo, com o uso de material apropriado, para mostrar à comunidade as causas do problema. Senão fica difícil para as pessoas entenderem, por exemplo, que o asfalto do bairro Senhor dos montes está relacionado às enchentes do Nossa Senhora de Fátima”. O professor afirma que a Universidade ainda é muito distante da comunidade e do poder público. Vicente explicou, por exemplo, que a prefeitura não foi receptiva quanto aos estudos, demostrando dificuldade de acesso aos dados, “ou porque a pessoa desconhece ou porque não tem vontade de mostrar mesmo”. Concluindo, o pesquisador defende que enquanto a sociedade não mostrar que esta atenta as questões ambientais e que isto ira orientar o foco dela, não será feita muita coisa à respeito. Segundo ele, do jeito que vão as coisas “os políticos vão continuar não se preocupando com o meio ambiente”.


CIDADES | novembro/dezembro de 2011

Policlínica Central pode sair da garagem do INSS e ir Ana Gabriela Oliveira

Ana Gabriela Oliveira

Em meio às reformas do INSS, pacientes encontram materiais de construção no pátio que dá acesso às salas de consulta da Policlínica

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á mais de 30 anos na garagem do prédio da Previdência Social, a Policlínica Central de São João del –Rei pode mudar de endereço. A diretoria do INSS pediu à prefeitura a devolução do espaço para reforma. Segundo o Secretário Municipal de Saúde, José Marcos de Andrade, a administração tem dificuldades em conseguir um novo local, mas avalia a possibilidade de deslocar a unidade de saúde para a Avenida 8 de dezembro, na casa em que seria o novo endereço da Câmara Municipal. A Câmara vai ocupar o antigo Fórum, na Rua Ministro Gabriel Passos, mas ainda não há previsão da data para a mudança. Como resposta ao pedido do INSS, além da avaliação quanto à possibilidade de transferência, o gestor afirma que a prefeitura vai liberar espaço na policlínica para viabilizar a construção de um elevador. “Nós fizemos um diagnóstico e demos a proposta de desativar um consultório e um vestiário para que a Previdência faça uma parte da reforma sem que a policlínica tenha que sair dali”, diz José Marcos. As obras já começaram e o pátio que dá acesso ao corredor de espera e às salas de consulta tem areia, andaimes e outros materiais de construção. O secretário alega que o município vai precisar de recursos do Estado e do Governo Federal para adequações da futura casa, conforme prevê a legislação. “Se tudo der certo, se a Câmara

for para o Fórum, se a gente conseguir o prédio da Avenida 8 de dezembro e recursos para sua adequação, nós vamos deslocar a policlínica central para um prédio do poder municipal”, afirma. Segundo José Marcos, a prefeitura solicitou à Previdência a doação do espaço atual da policlínica ao município, para manter o serviço no local. Sobre o possível novo endereço, o que divide opiniões é quanto à localização. Como a policlínica precisa estar na região central da cidade, o acesso pode ficar difícil. “Em questão de acesso aqui [endereço atual] é bem mais fácil. Mas em questão de espaço físico, eu acredito que na nova sede deva ser melhor. Eles devem montar uma estrutura de acordo [com as exigências sanitárias] no novo prédio, mas o acesso aqui é mais fácil”, afirma a gerente da policlínica, Soraya da Silva. Para o Secretário de Saúde, a casa na Avenida 8 de dezembro tem boa localização. “Não vai atrapalhar a população caso a policlínica vá para a 8 de dezembro. Aonde funciona hoje é central mesmo, mas aonde se propõe levar é central também. Com diferença de poucos metros entre um endereço e outro”, defende.

pública era responsabilidade do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), que atendia apenas os contribuintes da Previdência. Por isso, a policlínica foi instalada no prédio do INSS. A partir da implantação do SUS, a saúde passou para a responsabilidade do município, mas o atendimento à população continuou sendo feito no mesmo prédio, que é do Governo Federal. De acordo com o gerente executivo da Previdência Social de Barbacena, Carlos José do Carmo, em fevereiro de 2006, a instituição encaminhou um ofício à Prefeitura de São João del- Rei, dando 30 dias para desocupação do imóvel, em cumprimento ao art. 10 da Lei 9.702 de 17/11/98, que previa que imóveis da federação só poderiam servir ao funcionamento de serviços de instância federal. Ainda segundo Carlos, a Prefeitura pediu dois anos de prazo para a desocupação, com a justificativa de que precisava de tempo para fazer uma licitação e construir uma nova unidade. De acordo com o Secretário de Saúde, José Marcos de Andrade, na primeira vez em que a direção do INSS pediu a devolução do prédio, a prefeitura entregou os andares que eram ocupados pela policlínica e deslocou todos os conPedido de devolução do prédio se arrasta sultórios para a garagem, onde já funcionava o atendimento. No último mês de setembro, a Predesde 2006 Antes do Sistema Único de Saúde (SUS) ser vidência pediu a devolução integral do prédio. Na garagem da Previdência Social, os consulinstituído pela constituição de 1988, a saúde

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novembro/dezembro de 2011 |

CIDADES

r para casa que iria abrigar Câmara dos Vereadores tórios da Policlínica Central de São João del-Rei são divisórias de eucatex e os pacientes esperam o atendimento em corredores cuja ventilação se dá por meio de pequenos basculantes. Além da ventilação inadequada, outro problema que se destaca quanto á estrutura física do prédio é a dificuldade de acesso que têm os cadeirantes, principalmente aos banheiros. Para Ernane da Silva, que foi fazer uma consulta, a falta de ventilação incomoda. “Quando chego aqui sinto falta de ar, fico sem jeito e tenho que sair. Lá dentro é apertado e pequeno e a gente tem que sair para onde ficam estacionados os carros”, diz. Já Maria Simas e sua acompanhante Marta Rezende reclamam da dificuldade de locomoção dos cadeirantes. Além da dificuldade de acesso devido à estrutura física do prédio, como o tamanho das portas dos banheiros, elas ressaltam que as cadeiras de locomoção também não estão em boas condições. “As cadeiras [de locomoção] estão muito ruins. Para entrar com a Maria José na Policlínica, a cadeira soltou o pé três vezes”, diz Marta. Sobre outros aspectos da estrutura, ela afirma: “Ser atendido é o que é importante, mas claro que uma boa ventilação é melhor para o paciente. A estrutura ali é um pouquinho apertada também”, diz. A gerente da policlínica, Soraya da Silva, reconhece a falta de estrutura para atender cadeirantes, mas garante que dificuldades de acesso às dependências da policlínica são casos isolados. Ela também concorda que a ventilação não é a ideal, mas afirma que isto não prejudica o atendimento. “O espaço físico realmente deixa a desejar, mas até hoje isto não trouxe nenhum problema”, diz. A enfermeira responsável da Policlínica, Carolina Rodrigues, pensa como a gerente. Ela afirma que a estrutura do prédio e, sobretudo, a ausência de ventilação, não inviabilizam o atendimento, uma vez que o tipo de paciente encaminhado à unidade não favorece a contaminação. “Geralmente os pacientes que são atendidos aqui não oferecem o risco biológico de contágio pelo ar. A ventilação poderia ser mais adequada, mas não prejudica o atendimento”, diz. Já para a Diretora de Clínica Especializada da Secretaria de Saúde do Município, Glaydes Barroso, a policlínica não tem condições de funcionar no prédio atual. “Eu acho que ali não é o ideal para funcionamento. Cozinha, banheiro, nada tem condição de funcionar lá. Estou torcendo para que a policlínica saia dali”, comenta. De acordo com ela, a estrutura física das unidades de saúde exigida pela Secretaria de Saúde do Estado é bem diferente da estrutura da policlínica. “Lá não tem condição de funcionar a sala de sutura. Ela não é ideal para o funcionamento, de acordo com a vigilância sanitária”, diz. E completa: “A gente tem vontade de colocar lá um aparelho de audiômetro [equipamento para avaliar audição], mas não tem condição de colocar. A gente quer implantar a Saúde do Trabalhador [política nacional que visa redução de doenças e acidentes relacionados ao trabalho] na policlínica. Como que a gente vai colocar naquele lugar super barulhento?”, indaga. O Secretário de Saúde do Município, José Marcos de Andrade, concorda que a policlínica não

tem uma estrutura adequada. Ele afirma que a unidade não está dentro das normas da vigilância, mas ressalta que, desde gestões anteriores, foram feitas adaptações com a prioridade de melhorar a estrutura do local, como a instalação de ventiladores para melhorar a circulação de ar, pintura e reformas nos banheiros. Para a Diretora de Clínica Especializada, o ideal é a construção de uma nova policlínica. Mas ela afirma que não há verba para isso. “Nós não temos recurso estadual e federal para investir

numa clínica especializada, porque as verbas federais e do estado são direcionadas à atenção básica. E, por falta de recurso municipal, a gente não constrói uma policlínica nova”, afirma Glaydes.

Vigilância Sanitária

Segundo a responsável pela Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Município, Patrícia Torga, o órgão não pode avaliar a policlínica

Ana Gabriela Oiliveira

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Nós não temos recurso estadual e federal para investir numa clínica especializada, porque as verbas federais e do estado são direcionadas à atenção básica. E, por falta de recurso municipal, a gente não constrói uma policlínica nova.

com base na legislação (RDC50) que regulamenta a estrutura física de unidades de saúde. Patrícia explica que a lei se aplica a estabelecimentos que tenham sido construídos ou reformados a partir de 2002, ano da legislação. Como a policlínica funciona naquele espaço desde antes da implantação da lei, não há como exigir que a estrutura do prédio siga os requisitos legais. De acordo com Patrícia, nos casos em que a Vigilância não pode pedir a adequação da estrutura física, o órgão atua como fiscalizador dos procedimentos dos profissionais de saúde, para minimizar riscos aos pacientes. “A metragem para consultórios, a questão da ventilação, tudo isto está previsto na RDC50. Mas se a gente não consegue enquadrar o estabelecimento na lei, então a gente minimiza a questão do problema da estrutura física instituindo bons procedimentos”, diz. Para ela, há casos em que a estrutura física pode ser um detalhe na avaliação do desempenho de uma unidade de saúde. A responsável pela Vigilância argumenta que a excelência dos procedimentos adotados pelos profissionais pode ser decisiva para um atendimento de qualidade. “Na avaliação do risco, nem sempre a estrutura é tudo o que a gente avalia. A gente avalia a unidade de saúde de uma maneira geral”, explica. Embora a inspeção da Policlínica Central seja dever da Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde do Município, a última inspeção foi feita pelo Estado em setembro de 2009, a pedido do Ministério Público. Segundo Patrícia Torga, o pedido da promotoria objetivou garantir a isenção da fiscalização, já que a Vigilância do município responde diretamente à Secretaria de Saúde de São João del-Rei, que é a responsável pela manutenção da policlínica. A reportagem do OraProNobis não teve acesso ao resultado da última inspeção da Vigilância. O Ministério Público não autorizou a divulgação do relatório, com o argumento de que tais informações fazem parte de um inquérito em aberto sobre a saúde, e que a divulgação pode prejudicar o andamento do caso.

Casa na Avenida 8 de Dezembro que pode abrigar a Policlínica


POLÍTICA | novembro/dezembro de 2011

Nivaldo aposta em tucanos para continuar no poder Marcelo Alves

Mariana Fernandes e Thamiris Franco

Nivaldo Andrade afirma que terá apoio do PSDB para tentar reeleição

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prefeito Nivaldo José de Andrade (PMDB), que exerce o seu terceiro mandato na cidade, está pronto para disputar a reeleição em 2012. O peemedebista afirma que hoje conta com o apoio do PSDB e tem uma relação próxima com o senador Aécio Neves e o governador Antônio Anastasia. Em 2010, mesmo sendo do partido do candidato Hélio Costa, decidiu apoiar os tucanos. Esta aliança, segundo Nivaldo, torna muito mais fácil a sua recondução à chefia do Executivo, já que garante, também, ter grande aprovação junto ao eleitorado são-joanense. Nas eleições anteriores, o PSDB e o PT eram os principais oposicionistas de Nivaldo. No entanto, o cenário atual é bem diferente. “Em todos os meus outros mandatos não tive o apoio do ex-governador Aécio Neves,

mas sempre ganhei. Agora, minha relação com Aécio e Anastasia é boa, é de parceiro. Tenho chance real de ganhar novamente com 70% de aprovação, porque somos as duas forças maiores aqui”, afirma Nivaldo.

Apoio na Câmara

Outro ponto favorável ao peemedebista, segundo Magui Fátima Silva Nascimento, presidenta do PMDB de São João del-Rei, é a base de apoio majoritária na Câmara. “Atualmente Nivaldo tem o apoio de oito vereadores entre os dez eleitos. Vera do Polivalente (PT) e Jânia Costa (PTB) fazem oposição e, o Gilberto Lixeiro (ex-PT) hoje é aliado ao partido do prefeito (PMDB)”, diz Magui. Lixeiro justifica sua mudança dizendo que “quando as-

sumiu a administração PT e PSDB só tinha roubalheira na prefeitura. Com o Nivaldo é diferente, ele dá estrutura para os vereadores trabalharem e olha para os pobres. Hoje Nivaldo é imbatível, ninguém ganha dele. O PT queria que eu fosse oposição ao Nivaldo, mas o prefeito tem a caneta na mão e ele não faria nada na minha comunidade. Se ele não fizer nada na minha comunidade (Tejuco), como ficam as pessoas que votaram em mim?!”, afirma. O ex-vereador do PT, José Luiz de Oliveira, que é coordenador do curso de Filosofia da UFSJ, criticou a política assistencialista do atual prefeito e a adesão de Gilberto Lixeiro ao partido de Nivaldo. “Ele é um populista a nível municipal, populista que se utiliza de meios para se manter no poder, um deles é o de garantir um atendimento assistencialista para as pessoas. Outro ponto que critico é o fato de se passar para o povo a ideia de que nem é preciso ir à Prefeitura, porque o povo gosta é wdisso, uma vez que a massa não tem ligação com as instituições, portanto isso não teria valor”, comenta o professor. Ao contrário de Gilberto Lixeiro, José Luiz afirma que o populismo é algo negativo para a comunidade. “O populismo não leva em conta a necessidade de ter uma administração transparente, organizada e de valores éticos. A prefeitura não apresenta um plano diretor. Quanto ao Gilberto Lixeiro, eu avalio que ele nunca encarnou o espírito do PT, ele teria que ter uma postura não fisiológica, mas antes de tudo exercer seu papel que é legislar. E o que o PT propõe a nível municipal, estadual e federal não condiz com as atitudes do Nivaldo. O Gilberto é um vereador que acredita que o seu papel é fazer obras e não é isso, mas sim fiscalizar e legislar”, explica José Luiz.

Helvécio Reis pode ser o nome da oposição em 2012 André Neves e Walquíria Domingues O cenário da política municipal preocupa a oposição sanjoanense. A avaliação é do presidente do PSB na cidade, Adenor Simões. “Estamos passando por um momento político em São João del-Rei de total omissão da Câmara dos vereadores e dos partidos opositores. Você não vê uma manifestação dos outros partidos que concorreram. Nem o PT, que é um partido tradicionalmente de oposição, está preocupado com esta postura.”, constata Adenor, que teve apoio do PSDB nas últimas eleições para prefeito, na qual Nivaldo acabou eleito. De acordo com Simões, a relação entre PSDB e PMDB é pura conveniência. “É um toma lá da cá, pura troca de favores. As alianças são feitas conforme o momento político que a cidade e os partidos passam. É puro interesse político. O PSDB hoje agradece o Nivaldo por ter apoiado o Anastasia”, afirma. Ele acredita que essa é uma situação desconfortável para o PSDB. “As ideologias dos dois partidos não batem. Acho que o PSBD local está insatisfeito com o apoio ao Nivaldo e pensa em lançar seu próprio candidato. O problema é que não há nomes fortes para enfrentar o Nivaldo”, explica. Quanto ao futuro político do PSB, Simões conta que o partido está passando por uma reestruturação no Estado, uma vez que elegeu apenas um deputado estadual nas últimas eleições. Por isso pretende eleger um representante local. “Para fazer alguma coisa de concreto, é necessário estar no poder para que, a partir daí, possamos aplicar as ideias para educação, cultura, urbanismo.”, diz Adenor, que pode ser, novamente, o candidato do PSB para o cargo de prefeito. Na eleição de 2008, quando disputou a prefeitura, o socialista teve mais de 12 mil votos, ficando em segundo lugar. No entanto, para o próximo pleito, possivelmente não contará com o apoio do PSDB.

Tucanato na espera

A possibilidade de uma aliança entre PMDB e PSDB para a reeleição de Nivaldo Andrade é reforçada pelo deputado estadual tucano Rômulo Viegas. “Em São João del-Rei, o PMDB é um partido de expressão e potencial político. Soma-se a isto o fato de que a maioria expressiva do PMDB são-joanense, liderada pelo atual prefeito, apoiou a candidatura do PSDB a deputado estadual, ao senado e ao governo de Minas e, portanto, temos que demonstrar também uma sincronia e harmonia no próximo cenário de disputa eleitoral”, diz. Apesar de apontar a proximidade entre PSDB e PMDB, Rômulo Viegas afirma que os partidos terão tempo para se organizar para a eleição municipal. “Ainda é cedo para que os respectivos diretórios municipais já tenham uma decisão fechada, pois isto afasta a possibilidade até mesmo do surgimento de um nome que muitas vezes ainda nem foi cogitado”, avalia. O vereador Mauro Alexandre Carvalho Duarte – Mauro da Presidente, presidente da Câmara e do PSDB , afirma que é cedo para falar em alianças. Ele informa que os tucanos ainda não definiram se irão lançar candidato próprio ou se irão apoiar algum nome para as próximas eleições. “Ainda é cedo para afirmar qualquer coisa. O partido ainda não se reuniu para discutir tais questões”, diz. No entanto, Mauro elogiou o trabalho que Nivaldo vem fazendo à frente da prefeitura, ressaltando o apoio do atual prefeito à campanha para governador em 2011.

Aposta em Helvécio

Enquanto o PSDB não decide se apoia Nivaldo ou se lança algum candidato, o PT pode lançar Helvécio Reis, atual reitor UFSJ, como candidato a prefeito. A dúvida

parece estar na escolha de um nome para vice-prefeito. Especula-se que Cristiano Tadeu da Silveira, candidato a prefeito na última eleição, possa ser indicado a vice. No entanto, o nome de Maria Cristina Lopes, mulher do deputado federal Reginaldo Lopes, que foi candidata a vice do próprio Cristiano na última eleição, divide os petistas. O reitor ainda está reticente em assumir a sua candidatura. Para Rômulo Viegas, no que se refere aos pré-candidatos apresentados para a próxima eleição, o cenário atual é de especulações e prefere não citar nomes. “Todos têm o direito de pleitear qualquer cargo eletivo, bastando para isso apresentar suas propostas primeiramente aos partidos políticos e depois para a população, que evidentemente é quem vai decidir pela escolha que achar mais adequada naquele momento eleitoral”, diz. Adenor Simões, no entanto, acredita que o eleitor é muito imediatista, e a forma de administração do prefeito Nivaldo é a que sempre ganha. Ele avalia, por exemplo, que o possível adversário de Nivaldo nas próximas eleições, Helvécio Reis, mesmo sendo um candidato forte, terá poucas chances de vitória. “Helvécio não vai conseguir ganhar do Nivaldo porque ele não tem voto para isso”, diz. Há quem discorde e aposte numa briga forte. Para José Luiz de Oliveira, Helvécio é um forte opositor do atual prefeito. “Helvécio é um homem que vive a administração e é extremamente dinâmico. Ao mesmo tempo em que constrói obras, ele é um homem de diálogo: conversa com todas as camadas da população. Ele é capaz de se candidatar por um partido de esquerda (PT) e trazer os outros para conversar, desde que eles contribuam”, finaliza.

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novembro/dezembro de 2011 | CULTURA

O Centro Cultural Feminino foi parar na “Zona” Marcelo Alves

Walquíria Domingues

O bordado é um dos principais trabalhos artesanais realizados no Centro Cultural Feminino

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História de raiz política O Centro Cultural Feminino começou com o fim da ditadura militar. “Aqui em SJDR estávamos montando o comitê Muda Brasil, através da Maria Amélia Dangelo. Ela veio aqui e convocou as mulheres para participar, já que SJDR era a terra de Tancredo e ainda não tinha o comitê”, conta Guigui. Magda Valéria complementa que Maria Amélia, depois da vitória de Tancredo, “resolveu criar uma associação feminina que pudesse participar de assuntos importantes da cidade com a mesma força que defendeu Tancredo”, diz. Dona Guigui se orgulha: “a partir daí estamos nessa luta, já fizemos muita coisa, participamos de muita briga pelo patrimônio material e imaterial da cidade”, e relembra: “vai levar os pianos de São João? Lá ia a gente sentar na porta do teatro para o piano não sair”. A força feminina são-joanense veio assim, mostrando desde 1986, que a cidade precisa e pode defender seu patrimônio arquitetônico e cultural. A co-fundadora Guigui relembra com muito humor de um caso que aconteceu no início das atividades do CCF. “Recebemos uma verba do governo pra comprar material para os bordados, mas um ladrão entrou no Centro e roubou tudo, deixou a gente peladona”, fala. Depois de um tempo, elas descobriram que rapazes vendiam os bordados e o material roubado para comprar drogas. “Como na época aqui era a rua da zona, eles vendiam ou pagavam as moças com os materiais e os bordados. Nós acabamos descobrindo muitos bordados nossos aqui na zona”, conta Guigui. Os bordados Uma forte atividade do Centro é preservar a arte dos bordados antigos. Como incentivadoras estão as senhoras mais prendadas da cidade. “A Shirley Zanola Paiva, por exemplo, trabalhava num orfanato que era um dos maiores núcleos de bordados que tinha em São João antigamente. Ela ensinava bordados perfeitos, maravilhosos, como borda ainda

André Neves

Nós não podíamos passar pela ‘rua da zona’, mas acabamos aqui”, brinca Nelly Lúcia Ribeiro Silva (Guigui), uma das fundadoras do Centro Cultural Feminino (CCF), que desde 2007 se localiza na Rua Marechal Bittencourt, a antiga e boêmia “Rua da Zona” de São João del-Rei. A rua, antiga morada das prostitutas da cidade, hoje abriga diversas entidades culturais e é o ponto de encontro do CCF, que já existe há 25 anos. Desde 1986, desenvolvendo diversas ações que visam “principalmente congregar a comunidade em torno de temas relacionados à cultura e às manifestações artísticas da região”, como explica a atual presidente Magda Valéria Silva, o CCF realiza muitas atividades. São cursos, oficinas, palestras, debates, saraus, exposições, apresentações musicais, eventos alusivos a datas especiais, “além de manter na sede uma exposição permanente de produtos artesanais para venda”, acrescenta Magda Silva. O Centro Cultural Feminino, apesar de estar na antiga “Rua da Zona”, ainda não tem um lugar só seu. “Nós ficamos muito errantes, porque não temos uma sede própria”, reclama Guigui. O grupo já esteve em vários pontos da cidade, como no galpão da Estação Ferroviária, em uma casa na Avenida Tiradentes e até mesmo na residência de um membro da diretoria. Hoje, o Centro reside na casa de número 42 da rua boêmia, porque esta foi cedida por um comodato de 10 anos. 2007 foi inteiramente dedicado para a reforma do local, que aconteceu com a ajuda do governo estadual. A casa, por exemplo, não tinha banheiro. “A casa não tinha banheiro, como todas as outras ruas da zona. Os homens que freqüentavam a zona contaram que não havia banheiro nas casas, e era usado o método da bacia”, conta Magda Valéria. O projeto arquitetônico da reforma foi de André Dangelo, que não cobrou pelo serviço, assim como aconteceu com as demais doações.

hoje”, conta Guigui. Dentre as bordadeiras também existem homens, como também na própria diretoria do Centro. Um dos bordadeiros é Edmar Luiz Batista, que já decorou altares de mais de 100 igrejas no Brasil. Hoje, aproximadamente 20 pessoas freqüentam o Centro semanalmente, e a maioria delas são senhoras da terceira idade que passam seu tempo bordando por prazer. “Para as idosas, é o momento da terapia”, conta Magda Silva. Os bordados, minuciosos, são uma obra de arte que vem sendo esquecida pelas novas gerações. “Vale ressaltar que o CCF se empenha em resgatar, valorizar e socializar a arte dos bordados manuais com suas variadas e antigas técnicas que, muitas vezes, eram repassadas de mãe para filha e que atualmente, com a massificação e uniformização de produtos industrializados e globalizados, encontra-se praticamente em vias de extinção”, diz. A missão continua As integrantes do Centro acreditam que, para São João del-Rei, o CCF ainda não está cumprindo realmente seus ideais. “Isso acontece porque infelizmente não temos muito apoio, nós tentamos lutar pela preservação do patrimônio arquitetônico e cultural, mas é muito difícil sem esse apoio”, reclama Guigui. Mas o grupo continua empenhado, com novos projetos. “Iremos começar cursos de artesanato, para aproveitar as vendas do natal”, conta Magda Valéria, que ressalta que as atividades são abertas para toda a comunidade, além de turistas, e que é tudo gratuito. “Desde aquela época, qualquer pessoa que quiser chegar, a gente recebe e ensina”, diz Guigui. Com essa força de vontade, elas ainda têm esperança: “ter uma sede própria é um sonho perseguido desde o ano de 1986. Estamos lutando para conquistá-lo em 2012. Tomara que consigamos”, diz Magda Silva.

Sede do Centro Cultural Feminino fica na antiga Rua Marechal Bittencourt, antiga Rua da Zona


PERFIL | novembro/dezembro de 2011

Alice no país dos cães

Como uma senhora de 72 anos cuida sozinha de 70 cães abandonados Carol Slaibi

A

Carol Argamim Gouvêa

o telefone, minutos antes de pegar a lotação, pergunto a minha entrevistada como faria para chamá-la em casa. Acompanhada de uma risada saborosa, ela me responde. - A minha campainha irá me avisar. Mesmo estranhando essa resposta, parti em direção ao Alto das Águas. Lugar tranquilo, rodeado de verde e um céu espetacular. 14h. Estou na Rua João de Barro. Todas as ruas daquele paraíso tem nome de pássaros. Caminho pela estradinha de terra deserta. Logo que passo em frente a uma casa verde de tijolinhos, um som de 70 latidos começa, e a fundo uma voz feminina pedindo silêncio. Pronto, tinha chegado ao local combinado. Minutos depois, aparece ao longe, uma criatura com o sorriso aberto e um olhar doce. Alice de Almeida Coelho Ferreira. Alice, para muitos. Minha proposta de um perfil a incomodou a princípio. Ela faz questão de reafirmar que a vida dela não é grandiosa. Então teria que analisar nas entrelinhas uma vida repleta de causos e acasos. A primeira coisa que fez ao chegarmos à sala foi mostrar a foto dos quatro filhos na tela do computa- Alice é apaixonada pelos cachorros e conhece todos os 70 pelo nome dor. Logo depois a foto dos pais, acima do sofá, em chorros desesperados vêm em direção à grade para E não se restringe a cachorros. Já teve gatos, tusuas bodas de ouro. A tela do computador, a todo o poder verificar quem é o intruso do dia. Logo atrás cano e mico. Todos estavam abandonados na rua e, momento passava a frase de Edmund Burke: “Tudo vem Alice, segurando um Yorkshire e conversando depois dela, conseguiram proteção. O número 70 o que é necessário para o triunfo do mal é que os com eles. Conhece todos por nomes e reconhece o espanta, mas nem a própria Alice consegue explicar homens de bem nada façam”. Quando eu perguntei como chegou a esse total. latido de cada um. o porquê da frase, a resposta veio de imediato. - Foi chegando. Só que agora não posso pegar - Todos aqui têm uma história. Esse aqui, por ex- Nós temos que ser idealistas. Às vezes, temos mais porque estou no limite, mas eu me considero emplo, foi minha neta que trouxe. Ela é fisioterauma ideia fora dos paradigmas, fora do conservapeuta e tratava de uma senhora. O cachorrinho era feliz. No meu perrengue financeiro eu não fiquei dorismo e as pessoas acham que a gente é louca por tão maltratado que minha neta se recusou a cuidar sozinha um minuto. Todos conhecidos me ajudaram fugir do padrão. Nós temos que ter coragem. Plasda senhora porque não aguentava mais o ver ser e eu sempre tinha a companhia dos meus cachorros. mamos aquele pensamento e quando você se dá conmaltratado. Ela disse que o neto da senhora pisou Como que eu não vou ser feliz? ta, você faz. Assim foi quando comecei a construir Num tempo em que “merda” era palavrão e usar na patinha dele até quebrar, se ele fizesse xixi apanaqui todo mundo foi contra. ‘É muito longe’, ‘Não calça jeans não era para mulheres, Alice sempre foi tem nada lá’, ‘Você vai ficar sozinha’. Aí eu pensei, à frente do seu tempo. Usava biquíni, calça jeans, ‘Eu quero isso mesmo, plantar árvore, ter bichos’ e burlava missa para ir ao cinema, mas nunca se enconstruí. volveu com bebidas ou cigarros. Casou grávida de Há 18 anos morando nas águas e 20 como inteoito meses e nem a costureira que fez seu vestido grante da Sociedade São Francisco de Assis de proreparou. Na verdade, quem desconfiou de sua graviteção aos animais, Alice cuida de 70 cachorros. Todez foi o namorado. dos abandonados na rua ou mal tratados em lares. - Muitas meninas estavam casando grávidas, mas Seu gasto com ração chega a 25 kg por dia, e mesmo era tudo escondido. A moça que fez meu vestido de assim ela não se cansa. noiva não notou. Só o meu cachorro sabia. Casei dia Durante nosso papo, ela pediu licença para chamar 1º de maio, e minha filha nasceu dia 23 de junho, foi a atenção da Gringa porque latia demais. Colocoum escândalo que você nem imagina. Além disso, me a calcular quanto do seu sustento e dedicação acho que foi o primeiro casamento à noite. são voltados para esses cachorros de rua. Meu penSe cismasse com alguma coisa, fazia. Nunca samento é interrompido quando ela volta cantaroseguia ninguém, mas também não era de caçar briga. lando. Prefere que as coisas sejam resolvidas na conversa. Sua paixão por cuidar de cães, pelo visto, é genétiNão segue horários ou situações padronizadas. Isso Carol Slaibi ca. Seus pais adotavam cachorros abandonados para se reflete na criação de seus cães. criarem, mas nunca estimularam essa caridade nos hava. Por fim, ele tinha medo de sair do quartinho. - Eu não gosto de horário rígido, gosto que eles filhos. Uma causa que todos aderiram sem esforço, Minha neta me perguntou se eu aceitaria cuidar. fiquem mais à vontade. Não posso acostumá-los incluindo netos. O primeiro cachorro criado por Al- Aceitei e está comigo agora. com horário, senão eles vão sofrer porque eu preice foi Guito, quando ela tinha apenas cinco anos. Depois de brincar com todos, Alice pegou um ciso sair. Quando eu era menina, na hora do almoço Um vira lata, preto e branco. Guito morreu com 18 pauzinho e dando três toques na parede falou em tínhamos que esperar o papai chegar. Depois mamãe anos, cego e surdo. Uma perda que transparece em tom casual: “A hora do recreio acabou, vamos enrezava e aí sim, íamos comer. Às vezes eu nem ia. sua feição ao falar de seu companheiro. trar”. Todos entraram sem olhar para trás ou desviar. Passava meu tempo pendurada no pomar comendo A meu pedido, descemos para poder ver de perto o O recreio tinha mesmo acabado. frutas. Esse era meu almoço, e eu quero que eles Nascida em 13 de julho, aos 72 anos, Alice diz canil. Alice entra pela portinha, toda cercada e avisa sejam assim, livres. que irá soltar os cães em grupos afins. Espero an- gostar de tudo e por isso se considera um pouco fora - Eu adoro meu nome! Olha meu coelho branco de siosa do lado de fora da grade, com os nervos à flor dos padrões. Já declarou para sua família que en- pelúcia. Eu não sou Alice? da pele por ouvir tantos latidos. A porta abre e ca- quanto for viva vai criar bichos sim. Existe alguma dúvida?

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