Senso Incomum - 045 - Jun/Jul 2019

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Jornalismo UFU Ano 10 • 45ª 43ª edição Jan/Fevde Jun/Jul de2019 2019 Distribuição gratuita

comum

senso

Caderno especial

científica 50 Divulgação anos do AI-5: memórias amplia da acesso às ciências ditadura

Páginas 6 5a e8 7

Políticas

Cultura

Esporte

Impasse na gráfica da UFU mantém impressões suspensas

Inovação e sustentabilidade reconfiguram cena dos brechós

Atlética conecta universidade ao circuito dos eSports

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DA REDAÇÃO EDITORIAL//

A ciência ao redor Nas roupas, nos alimentos, nos móveis e imóveis, nos animais de estimação, em nosso corpo e até mesmo no ar que respiramos. A ciência está em todos os lugares. Nas relações humanas, no comportamento da criança, do adolescente, do adulto e do idoso, no computador, no celular e no papel em que você lê essas letras, sejam elas de pixels ou tinta. A ciência age e coexiste conosco o tempo todo, mesmo que isso jamais passe pela cabeça. Ela permite cada mínimo avanço que façamos como seres pensantes e criativos. A ciência tem importância gigantesca na evolução do ser humano e para compreendermos como isso acontece. A possibilidade de produção em massa de qualquer produto, os avanços na medicina que permitem aumento na expectativa

de vida, o desenvolvimento de um país, a possibilidade de uma vida sustentável, a promessa de um dia ser possível morar em outros planetas: são infinitas as alternativas e facilidades proporcionadas pela ciência. Ainda assim, ela está ameaçada no Brasil. Apesar de ser produzida, principalmente, nas universidades federais e liberada para todo o mundo, trazendo prêmios para casa, a ciência ainda é uma incógnita para o cidadão brasileiro que, por muitas vezes, tem contato com essa área apenas no período escolar, isso quando tem acesso à educação pública. Por isso, desde os anúncios do atual governo acerca dos cortes de verba direcionados às universidades federais, que afetam seu funcionamento, e às agências de financiamento a

pesquisas científicas, que afetam diretamente o desenvolvimento e produção de ciência no Brasil, tem-se discutido bastante sobre a necessidade de expandir a divulgação científica. Essa pequena e jovem área tem uma enorme importância para que o cidadão fora dos muros das universidades federais saiba o que é o feito com o dinheiro público, que também é seu. Divulgação científica é prestação de contas, é mostrar para o principal financiador das universidades como estas lhe beneficiam, em palavras compreensíveis, em aplicações práticas, sem jargões que criam barreiras. Só assim, o cidadão comum saberá que a balbúrdia dentro dos muros das universidades federais chama-se desenvolvimento científico e que ele é benéfico a todos. 

CRÔNICA//

A história ignorada ANA ELIZA BARREIRO Muitos podem imaginar que o Brasil é terra da alegria e mistura harmônica entre raças. Cá para nós, você acredita nisso, caro leitor? Peço uma pausa para reflexão: Quantos professores negros você teve durante sua vida escolar? Em quantos políticos negros você já votou, e quantos deles foram eleitos? E dos grandes empresários do país, quantos deles tem a cor negra? Ora, basta uma verificação do mundo para constatar que as oportunidades não são iguais. Pois mesmo a população brasileira sendo majoritariamente composta por pessoas pardas e pretas, a maioria em cargos bem remunerados e de liderança é branca. E isto revela uma verdade incômoda: somos a nação da desigualdade racial.

Este ano, um músico carioca foi assassinado no carro da família com 80 tiros em plena luz do dia pela polícia, confundido com “bandido”. Sua cor era negra. O país não chora e segue naturalmente a ordem estagnada. Resta a mãe negra zelando pela alma do filho junto à mesma terra que engole por igual a todas as raças. É intragável para o Estado revelar que, todos os anos, a juventude negra é assassinada aos montes — crimes sem respostas, diga-se de passagem — e nada é feito para cessar o genocídio, e que a política antidrogas mais parece uma estratégia de encarceramento sistemático que nunca põe fim de fato na criminalidade. Mas não pensem que é apenas de atos brutais

que se compõe essa história. O preconceito racial é histórico e se instaura pelas sutilezas, se perpetuando pela naturalização do preconceito de cor. Pense, por exemplo, na sua universidade, que, embora tenha estampada em seus muros “UFU- um bem público a serviço do Brasil”, segue sem implementar a lei 10.639, que urge pela educação para as relações étnico-raciais em todos os cursos. Negar a história e a importância da cultura negra é dar as costas para o genocídio da juventude preta que acontece bem debaixo dos nossos narizes. Segue-se o racismo nosso de cada dia, como um segredo nunca dito, ou um tiro dado no escuro. O problema é que seguimos sendo o alvo desde 1500. 

Reitor Valder Steffen Jr. - Diretora da Faced Geovana Ferreira Melo - Coordenador do Curso de Jornalismo Marcelo Marques de Araújo - Professor e Jornalista Responsável Nuno Manna Editor-Chefe Nuno Manna - Revisão Gabriela Petusk - Foto de capa Melissa Ribeiro - Repórteres Ana Eliza Barreiro, Ana Victória Moreira, Caio Roberto, Carolina Fernandes, Daniel Gonzaga, Gabriela Petusk, Guilherme Dezopa, João Pedro Rabelo, Marco Túlio Silva, Melissa Ribeiro, Pedro Vítor V. Rodrigues, Rafael Gobi, Richard Militão, Thiago "Zina" Crepaldi, Zilá Carvalho, Produção de ensaio gráfico Ana Eliza Barreiro, - Diagramação Thiago "Zina" Crepaldi Finalização Ricardo Ferreira de Carvalho - Tiragem: 2000 exemplares - Impressão Imprensa Universitária - Gráfica UFU - sensoincomumufu@gmail.com - www.sensoincomum.net

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POLÍTICAS

Impressões na gráfica da UFU estão suspensa Há expectativas de retorno ainda para setembro deste ano GABRIELA PETUSK, DANIEL GONZAGA E MARCO TÚLIO SILVA Desde 2017, a Editora da UFU – EDUFU – enfrenta impasses administrativos, que fizeram sua rotina e trabalhadores passarem por uma mudança drástica na entidade. Em setembro de 2018, as atividades da gráfica UFU, responsável pela impressão de suas publicações, foram finalmente suspensas, deixando um grande número de material sem rodar pelas máquinas. O órgão presta serviços a todos os campi da UFU, e é responsável por livros, periódicos acadêmicos, panfletos, cartazes e outros materiais, assim como a própria versão impressa do Senso InComum. Pedro Ribeiro, técnico administrativo responsável pelo setor, explica que as circunstâncias da paralisação se deram por um conjunto de fatores. “Nossos servidores antigos entraram com o pedido de aposentadoria, e, depois da saída deles, os cargos que eles ocupavam foram extintos por determinação do governo [Temer]. Então, temos que trabalhar com a equipe reduzida.” Eduardo Warpechowski, técnico administrativo da editora que cuida de diagramação, pontua que não há mais impressor e arte-finalista. Ribeiro detalha a questão da terceirização de alguns serviços, como cortar e grampear os volumes. Segundo ele, o contrato que tinham com uma empresa terceirizada venceu, completando o máximo de cinco anos que uma universidade pública pode renovar com um serviço terceirizado. “O contrato começa com prazo de um ano, e renovamos se o serviço prestado for de boa qualidade. Tínhamos um total de quatorze funcionários terceirizados, que faziam esses serviços à mão, já que somos uma gráfica relativamente pequena e não precisamos de muitos aparelhos para o volume de publicação que temos.” No novo processo de licitação e contrato, outro problema enfrentado foi lidar com a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), que prevê piso salarial aos trabalhadores e avalia, junto ao sindicato local, quanto será pago ao trabalhador daquela função naquela cidade. A empresa terceirizada com licitação vencida não é sediada em Uberlândia, portanto não sabia das especificações de salário locais e demorou a se adequar, também trabalhando com menos funcionários do que o previsto. Diante de todas as questões, limitações e ne-

FUNCIONÁRIOS COMO ADEMIR GONÇALVES, CORTADOR (ESQ.), E LUIZ GUERREIRO, IMPRESSOR (DIR.), DEIXARAM DE ATUAR NA GRÁFICA COM FIM DE CONTRATO COM TERCEIRIZADA. FORAM DEMITIDOS COM O CORTE DE FUNCIONÁRIOS. FOTO: DIVULGAÇÃO

cessidades, a equipe da Editora teve que trabalhar para redigir um estudo preliminar a fim de encontrar uma nova empresa adequada às necessidades da gráfica. “É preciso detalhar tudo, e depois esperar que ele seja aprovado. É um trabalho hercúleo que tivemos que fazer”, explica Ribeiro. Enquanto os serviços de impressão encontramse suspensos, a verba destinada ao setor, de acordo com Ribeiro, é remanejada para outras necessidades da Universidade enquanto as impressões não voltam a ocorrer. Com o estudo pronto e encaminhado, a gráfica espera retornar a funcionar ainda este ano, por volta do mês de setembro, em que completaria um ano parada. Trabalhos de editoração continuam sendo realizados pela EDUFU. Como explica Eduardo, a publicação de livros digitais continua, porque não dependem do serviço da gráfica. “Mas, sem dúvida, a Edufu e todos os outros setores que dependem de nós estão desfalcados”, comenta ele. A EDUFU foi criada em 1981. A casa das letras da universidade seria uma forma de gerir de forma local a publicação de suas produções intelectuais, que cresciam desde a federalização da UFU em 1978. Durante sua história, a Editora fez todo o

processo de publicação de ponta a ponta: edição dos textos, diagramação, produção de capas, correções, impressão e distribuição. Sua função para a UFU também adquiriu outros status, uma vez que o maquinário para a produção gráfica foi comprado aos poucos. As impressões de cartazes, panfletos e toda sorte de material gráfico ficou por responsabilidade da EDUFU, acarretando encargos e pessoal especializado. Em sua equipe, os processos administrativos e direção são feitos por técnicos administrativos concursados. As outras formas de mão-de-obra foram cumpridas, durante muito tempo, por outros cargos também concursados, mas à medida que os governos começaram a forçar maior terceirização por parte das instituições públicas, as equipes fixas tornaram-se cada vez menores. Pedro Ribeiro afirma que essa é a primeira vez que a editora suspende por completo o trabalho de impressão gráfica. “Na época de greve, caía a produção, o fluxo diminuía, mas ela nunca deixou de atender a comunidade da UFU. Já tivemos problemas com manutenção na impressora, com contrato de manutenção, com reformas, mas a gráfica nunca parou por inteiro”, conta. 

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CIENCIA E TECNOLOGIA

Pesquisadores desenvolvem jogo para reabilitação de pacientes pós-AVC Chamados de jogos sérios, games propõem contribuições para além do entretenimento CAIO ROBERTO A indústria dos videogames é a mais rentável no ramo do entretenimento no mundo. No entanto, cada vez mais os jogos eletrônicos permitem que eles sejam usados para outros meios que não apenas o entretenimento. Eles podem ter inúmeras aplicações são conhecidos hoje como “jogos sérios” e têm como objetivo treinar o jogador para alguma tarefa ou ajudar a compreender informações da realidade. Em 2019, uma equipe multidisciplinar de professores e alunos da UFU lançaram o HarpyGame, um jogo sério para reabilitação dos membros superiores de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral (AVC). O projeto foi iniciado há dois anos por Gabriel Cyrino, que, na época, era mestrando em Engenharia Elétrica. Interessado na reabilitação de pacientes com sequelas decorrentes de um AVC, percebeu em suas pesquisas que a UFU ainda não tinha nenhum projeto sobre o assunto. Então, com orientação dos professores Edgard Afonso Lamounier Júnior e Eduardo Lázaro Martins Naves, ambos do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica, decidiu criar um jogo com este objetivo. Jogando HarpyGame, o usuário controla um pássaro voando em uma floresta tropical e realizando diversas missões, tais como pegar peixes em um lago no centro do cenário, ou atravessar círculos que definem uma rota no ar. O controle se dá através dos movimentos dos membros superiores. A proposta é que, ao mesmo tempo em que se diverte, o paciente faça exercícios fisioterapêuticos necessários para sua recuperação. Júlia Tannús, graduanda em Engenharia da Computação, entrou na equipe através de seu projeto de Iniciação Científica e foi responsável pelo design gráfico da interface do jogo: elementos como a modelagem de objetos, cenários e a interação entre personagem e ambiente. Leandro Mattioli, doutorando na área de Processamento da Informação pela Faculdade de Engenharia Elétrica, participou da programação do jogo e do banco de dados, auxiliando Cyrino. Depois de terminarem o jogo, era necessário fazer testes com pacientes para a customização

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INTERFACE DO JOGO HARPYGAME EM AÇÃO. FOTO: DIVULGAÇÃO.

do jogo. A equipo contou, então, com Isabela Alves Marques, educadora física e aluna de doutorado em Engenharia Elétrica. Para isso, utilizaram o Myo, equipamento que captura os movimentos do braço do jogador, e que possibilita regular a precisão dos movimentos para interagir com o jogo. Com os testes comandados por Isabela, 42 pacientes passaram pelo jogo. Ao fim de dois anos, os quatro alunos desenvolveram um jogo sério que não somente melhora a vida de pacientes com sequelas de AVC, mas também pode fazer a diferença entre o término ou não do tratamento, já que os movimentos repetitivos de uma terapia convencional podem desmotivar os pacientes. Além disso, a equipe conseguiu criar um jogo completamente customizável às necessidades de cada paciente, além de incorporar em sua interface elementos da natureza brasileira. Agora, Gabriel Cyrino, que concluiu o mestrado e começou o doutorado, quer continuar trabalhando com a equipe para ampliar o jogo e melhorar a vida desses pacientes. Renato de Aquino Lopes, professor especializado em videogames da Faculdade de Computação

da UFU, afirma que os jogos sérios ainda não são utilizados de forma tão ampla por falta de conhecimento, estrutura ou até mesmo pela inexistência de jogos elaborados para diversos casos da medicina. Mas o professor conta que as pesquisas em torno do tema apontam para vários benefícios de sua utilização. “Neste sentido, na medida que forem mais utilizados, os impactos e resultados dessa utilização se tornarão mais perceptíveis na sociedade”, prevê Lopes. Um exemplo de referência mundial é o jogo Food Force, criado em 2005 pelo Programa Alimentar Mundial, agência humanitária filial à ONU. Nele, o jogador simula missões de distribuição de alimentos em áreas que sofrem com a escassez e, depois, ajuda estas áreas a se tornarem autossustentáveis. Já o SimBasin, caso mais recente, de 2015, é um simulador online multijogador do controle de bacias hidrográficas. Nele, os jogadores tomam decisões como a criação de reservatórios e áreas de preservação ambiental. Além de sensibilizar sobre o problema da falta de água, o jogo também já serviu de base para decisões governamentais. 


SAÚDE

Hospital de Clínicas aposta em humanização na recepção de crianças Projeto busca garantir direito à saúde e ao lazer dos pacientes ANA VICTÓRIA MOREIRA Às sete e meia da manhã, os corredores já estão cheios e ouvem-se os passos, conversas e risadas das crianças chegando. Paredes pintadas, mesas coloridas, cadeiras, árvores, um mural expondo os mais variados desenhos que ganharam vida nas mãos dos pequenos, além de um quiosque encantador com vários tipos de brinquedos e jogos: assim é o ambiente que amansa a ansiedade dos pacientes cardiopatas e seus acompanhantes nos dias de segunda e terça-feira. Para muitos, o dia vai ser longo. Alguns saem de casa - às vezes em outra cidade - ainda de madrugada para conseguir chegar cedo à consulta, que ocorre no ambulatório de pediatria do Hospital de Clínicas (HC) da UFU. Aguardar atendimento pode ser exaustivo, mas ter um espaço recreativo torna a espera mais leve e agradável para os acompanhantes, e principalmente para os pacientes. O quiosque é um espaço destinado ao projeto “Amigos do Coração”, consequência da iniciativa de Gestão de Humanização do HC. A Gestão passou a funcionar no ano de 2007 e é coordenada pela enfermeira Lêda Márcia Viana Santos Borges que atua no HC há 47 anos, “Deus me deu esse dom de servir, de acolher, ali eu vi que era um lugar que atendia minhas necessidades”, afirma. Borges foi gestora pela primeira vez entre 2009 até 2012, depois voltou ao cargo em 2017 e está até hoje. “Me marca sempre quando eu posso fazer alguma coisa pra alguém. É nossa missão mostrar pras pessoas quais são seus direitos dentro do hospital”, completa. Denise Almeida é advogada e trabalha no hospital há 15 anos. Já passou por vários setores e está na humanização desde o começo, hoje trabalhando na secretaria. Recordando-se de momentos que a marcaram no trabalho, ela conta a história de uma jovem que foi acidentada e levada para tratamento no hospital. “A família ficava em oração lá no quiosque, lá não tinha ainda a estrutura que tem hoje, não tinham as mesinhas coloridas, as paredes não eram pintadas. A paciente veio a falecer e sua mãe vendo a vontade da Lêda de transformar o lugar, investiu nos projetos, comprando mesinhas, nas pinturas e desenhos, e é o

AMBIENTE LÚDICO TRANSFORMA AMBULATÓRIO DO HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UFU. FOTO: ANA VICTÓRIA MOREIRA

que é hoje. Foi um impulso que, da dor, nasceu algo muito bonito”, conta Almeida. Ela destaca ainda que o crescimento do Setor de Humanização se deve principalmente à iniciativa e ao amor que Borges tem pelo trabalho. O projeto ocorre com a ajuda de servidores, bolsistas de extensão, estagiários e voluntários da Gestão de Programas Institucionais do HC. Para Júnia Bottecchia, voluntária e aluna do segundo período de nutrição, o trabalho é muito gratificante. A estudante desenvolve atividades relacionadas à alimentação às segundas-feiras, como a pirâmide alimentar. Com materiais simples como cartolina, lápis de colorir, tesoura e cola, a atividade lúdica informa às crianças sobre os diversos tipos de alimentação. “Exploramos com eles os gostos, as escolhas pessoais e os principais alimentos que eles têm como referência. É uma dinâmica bem interessante, contamos com o empenho, capricho e boa vontade das crianças para participar, e também ouvir”, conta. Sandy Borges, estagiária e também estudante

de nutrição, descreve o trabalho no hospital como um grande aprendizado, ressaltando que entendeu o verdadeiro sentido da humanização na prática, por meio do auxílio prestado aos pacientes e acompanhantes. “Deixei de ser uma aluna que antes visava o tratamento de doenças e passei a me colocar no lugar de quem é tratado, enxergando a carência e necessidade de apoio a quem vive um dia longo e sofrido no hospital”, relata a estagiária. As ações no quiosque ocorrem de segunda à sexta-feira, mas a demanda é maior nas segundas e terças-feiras, pois são destinados aos pacientes cardiopatas e à realização de exames, cerca de 170 crianças deixam seus sorrisos por ali. Pensando nisso, nestes dias são servidos café da manhã e da tarde, doações de padarias que se solidarizam com a causa. Nos demais dias, as crianças também desfrutam do espaço, dessa vez, sem tanta preocupação se outros pacientes vão pegar o brinquedo desejado primeiro, já que a “concorrência” é menor. 

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ESPECIAL

Laços entre ciência e socied

A suspensão das bolsas foi feita em duas modalid CAROLINA FERNANDES, MELISSA RIBEIRO E THIAGO "ZINA" CREPALDI Enquanto descansa das atividades diárias, sentada na cadeira de balanço na varanda de casa, é de gomo em gomo que dona Maria Helena Pereira, vai se deliciando e se lembrando dos tempos de infância no oeste mineiro. A dona de casa de 61 anos, que nasceu na cidade de Boa Esperança, recorda-se de saborear o marolo, ou araticum, com seus pais e os 11 irmãos, sempre próximo à quaresma, embaixo da árvore que pode chegar a sete metros de altura. O marolo é um fruto típico da região do cerrado, da família da fruta-do-conde. Além de fazer parte da história de vida de Pereira, ele possui propriedades que estão em estudo por pesquisadores do Instituto de Química e do Instituto de Genética e Bioquímica da UFU. Eles investigam os benefícios para o tratamento de Alzheimer. Quando informada sobre esta pesquisa, Pereira ficou surpresa em saber e demonstrou preocupações. “Eu não sabia não, mas como eles vão fazer? Marolo não dá o ano todo”, questiona a dona de casa. Além de comer os gomos do fruto, que pode chegar a dois quilos, ela conta que conhece outras formas de consumi-lo: “Dá pra fazer licor, doce, geleia. É só pesquisar na internet”, indica. A relação de dona Maria Helena com o marolo parece distante dos laboratórios de pesquisa da universidade, mas, ainda assim, ela se anima com os rumos das investigações científicas sobre o amado fruto. Ao ser perguntada sobre os possíveis resultados positivos da pesquisa, ela diz que acredita no trabalho dos cientistas. “Acho que sim, se eles estão falando”, comenta. O fato da dona de casa desconhecer as propriedades investigadas pelos pesquisadores, ou mesmo a pesquisa em questão, não é um caso incomum. Entre julho e agosto de 2018, a ONG inglesa Wellcome Trust realizou uma pesquisa com 140 mil pessoas de 144 países – entre elas, mil brasileiros – para entender a relação da sociedade com os conhecimentos científicos. Em todo o mundo 44% dos entrevistados dizem não saber muito sobre ciência. Dos brasileiros entrevistados, a maioria (67%) afirmou saber

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M. HELENA PEREIRA É APRESENTADA A POTENCIAL CIENTÍFICO DE FRUTO. FOTO: MELISSA RIBEIRO

pouco sobre ciência. Apesar disso, 69% dizem que gostariam de conhecer mais sobre o campo científico, mas 80% afirmaram não ter buscado por nenhuma informação científica no mês anterior. Ainda assim, 64% disseram confiar na ciência e 58% que todos os brasileiros se beneficiam da ciência. Pelos números da pesquisa, a confiança nas ciências não coincidem, necessariamente, com um contato com ela, e que é preciso tentar entender o motivo desses resultados, assim como pensar em perspectivas em que a confiança no

conhecimento científico se fortaleça e se amplie. Para isso, é importante compreender a relação entre ciências e sociedade. Por um lado, a aproximação da população com as ciências significa partilha entre conhecimentos populares e científicos, colaborando para demonstrar a relevância de pesquisas que partem desse encontro. Por outro lado, ela é um elo importante para a manutenção das próprias ciências, que dependem do reconhecimento e amparo da sociedade. No Brasil, essa situação é particularmente importante. Um


ESPECIAL

dade são colocados à prova

dades, na Iniciação Científica e na Pós-graduação estudo divulgado em 2018 pela empresa norteamericana Clarivate Analytics, revelou que cerca de 99% das produções científicas brasileiras são realizadas pelas instituições públicas de ensino. Deste modo, é a população por meio dos impostos, portanto, que financia a maior parcela do conhecimento científico nacional. Este é o caso da pesquisa sobre as possíveis propriedades do marolo para o tratamento do Alzheimer: ela é orientada pelo professor Dr. Marcos Pivatto e desenvolvida por Marília Fontes Barbosa, doutoranda do Instituto de Química da na UFU. Sua contribuição se baseia num contexto de que, segundo o Ministério da Saúde, o Alzheimer acomete 11,5% da população idosa do país. Além disso, a Associação Brasileira de Alzheimer aponta que 1,2 milhão de brasileiros convivem com a doença. Para o professor Pivatto, o estudo do fruto do cerrado busca aproximar o conhecimento popular e o conhecimento científico e esclarecer para sociedade sobre os benefícios da biodiversidade regional. Como reportado na edição 44 do Senso InComum, as agências de financiamento às pesquisas científicas no Brasil sofrem com cortes e congelamentos de recursos. Além disso, foram anunciados este ano cortes de 30% sobre despesas não obrigatórias das universidades públicas e institutos federais pelo Ministério da Educação (MEC). O professor Pivatto, revela preocupação com este cenário: “Estamos perdendo pesquisas que poderiam ser desenvolvidas, consequentemente, gerando conhecimentos. Além de tudo isso, se perdem sonhos de jovens que dependem do auxílio de uma bolsa para cursarem uma pósgraduação”. Ele completa: “Tenho alunos que já me informaram que, se não conseguirem bolsa, terão que abandonar suas pesquisas que já estão em andamento. É muito triste ver jovens tão brilhantes, com futuros tão promissores, terem que interromper seus sonhos”. O diretor de pesquisa da UFU, professor Kleber Del Claro afirma que o momento é grave. “A gente tem um monte de responsabilidades que dependem do apoio financeiro do

Governo Federal. Vamos ficando travados. Por exemplo, não conseguimos concluir alguns prédios e apoiar mais bolsistas”. Del Claro explica que o corte de recursos na UFU afetará especialmente os programas de pós-graduação, mas o corte realizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) terá impacto direto no incentivo à pesquisa feita por graduandos. “Os cortes da FAPEMIG prejudicaram 190 alunos de graduação de forma imediata. Isso é muito triste e até revoltante”, lamenta. Ainda seguro Del Claro, o movimento na contramão da geração de novos conhecimentos científicos impactará a população a médio e longo prazo. “Novos medicamentos, técnicas e aparelhos deixarão de ser desenvolvidos e nossa dependência de tecnologia externa aumentará. Estaremos à mercê do que os países mais avançados decidirem, ou não, compartilhar ou cobrar muito caro por isso”, analisa. Diante dessa situação, a jornalista e editora da Divisão de Ciência da Diretoria de Comunicação da UFU, Diélen Borges, considera essencial fortalecer o debate público sobre a ciência. “Precisamos trazer a sociedade para a discussão, porque não é um assunto só de cientistas ou só para jornalistas". Ela que também é pesquisadora de divulgação científica, jornalismo literário e questões de gênero completa: "Temos que pensar coletivamente: quais são os impactos? quais são os interesses públicos envolvidos nos conhecimentos científicosas que são desenvolvidos por nós?”. A divulgação científica esteve em foco na UFU durante o II Comunica Ciência, encontro de jornalistas e pesquisadores que discutem o tema. O evento contou com a participação da cientista e professora do Departamento de Física da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Zélia Ludwig. Ela acredita que a divulgação científica pode contribuir para o debate sobre ciência na sociedade. Ludwig afirma que não há só um caminho para fazer com que a sociedade viva e entenda a ciência. “Existem muitas pesquisas sendo feitas, com contribuições para a sociedade que são imensuráveis.

Vamos nos unir e sair da zona de conforto”, convida a pesquisadora que, ao longo de sua carreira, coleciona diversas iniciativas de divulgação científica. Outro participante do Comunica Ciência, o jornalista de Ciência da Folha de S, Paulo Reinaldo Lopes considera que comunicar os conhecimentos científicos é essencial para que a sociedade defenda os centros destes estudos. “É uma questão de sobrevivência para a universidade pública. A falta de incentivo e de reconhecimento das ciências pode levar ao desmonte das universidades públicas no país”. O jornalista percebe ainda que, no cenário atual, há um forte movimento anticientificista, que está ligado ao conservadorismo político e cultural do Brasil: “Estamos numa situação política em que gente extremamente poderosa é profundamente anticiência, da raiz do cabelo à ponta do pé”. O que há de comum nas percepções de pesquisadores, divulgadores e jornalistas é a necessidade de diminuir o distanciamento entre as vivências cotidianas – como o consumo do fruto marolo pela dona de casa Maria Helena – e os conhecimentos científicos produzidos pelas universidades. Zélia Ludwig reforça que essa aproximação também é possível se com a devida atenção para pessoas como Pereira: “É preciso ouvir pessoas mais velhas, elas possuem sabedoria na ancestralidade. Há ciência na produção do sabão, da geleia e do doce de compota por exemplo”. Este parece ser um dos caminhos para enfrentar as tentativas de deslegitimação dos conhecimentos científicos, que se concretizam por meio de cortes e bloqueios de recursos governamentais. De acordo com Reinaldo Lopes, é preciso dialogar com a sociedade. “A nossa atitude deve ser no sentido de compreender a realidade e conversar sobre ela”. Não é preciso ir longe para enxergar que os conhecimentos científicos permeiam a vida das pessoas, mesmo nos momentos simples, como degustar uma fruta do cerrado na varanda de casa. Confira no site do Senso conteúdos em aúdio e vídeo sobre o tema da reportagem. 

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CULTURA

Discentes da UFU ministram oficinas teatrais abertas à população COMUFU é uma iniciativa vinculada a disciplina do curso de Teatro GUILHERME DEZOPA E JOÃO PEDRO RABELO Há quem considere as artes cênicas “algo entre o material e o transcendental”, como Sara de Freitas, aluna do sétimo período do curso de Teatro da UFU. Na faculdade desde 2015, a estudante ministrou, neste semestre, oficinas de teatro abertas a pessoas da comunidade uberlandense. Essas oficinas fazem parte do COMUFU, uma disciplina obrigatória do curso, que propõe aos estudantes darem aulas de teatro a pessoas que estejam ou não na universidade. Caso seja do interesse dos voluntários, podem montar uma apresentação para ser exibida no Encontrão, evento que acontece no final do semestre, em que todos os alunos da disciplina podem apresentar, junto de suas turmas, as peças produzidas. O que liga o COMUFU, o Encontrão e a população é assistir ao teatro se desprender dos limites físicos da universidade e chegar às camadas sociais que estão fora do universo acadêmico. Assim, é possível que a sociedade conheça essa arte e se torne parte do desenvolvimento da cultura através das artes cênicas. O curso de Teatro tem vários vínculos fora da UFU, em especial com a Escola de Educação Básica (Eseba), além de outras escolas públicas de Uberlândia. Os discentes dos períodos finais precisam passar por estágio obrigatório, e o COMUFU é parte dessas atividades. A participação dos voluntários na atividade varia: ela depende da quantidade de inscrições que a disciplina recebe, por turma de alunos. A divulgação das oficinas ocorre pelo Facebook e também no Instagram, assim como por conversas entre os professores supervisores da iniciativa. O último COMUFU, realizado em junho deste ano na UFU, alcançou em torno de 200 pessoas e mobilizou apresentações para o Encontrão. Para Freitas, o maior resultado não é a apresentação em si, mas fazer com que os alunos das oficinas se encontrem e se reconheçam como atores e atrizes. “Porque eles são ‘não-atores’, né? E aí a gente leva eles para um viés de conhecer o próprio corpo, o seu próprio ‘eu’”, explica a aluna. De acordo com a graduanda, os “comufeiros” não são obrigados a apresentar, mas ninguém

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TURMA DE OFICINA MINISTRADA POR FREITAS. FOTO: ALESSANDRO CARDOSO

participa das oficinas durante um semestre sem a vontade de mostrar o resultado final. A performance que Freitas propôs com seus alunos foi a “dança silenciosa”, uma abordagem aprendida com a professora do Instituto de Artes da UFU Mara Lúcia Leal, em que os voluntários se vestem com uma roupa de gala, colocam um fone de ouvido e dançam a sua própria música. “A gente experimentou a dança silenciosa, fomos para o Centro de Convivência e depois para o [bloco] 3Q. Então todo mundo dança em qualquer ambiente. E as pessoas que estão vendo ficam ‘Uau,o que está acontecendo?’”, conta. A peça “Me conte uma história" foi outra apresentação da turma dirigida por Freitas. Na ocasião, os participantes escolhiam roupa e figurino de um personagem, se sentavam nas cadeiras do saguão do bloco 3Q e abordavam a “platéia” perguntando se poderiam contar uma história, que era a história do personagem escolhido. No final,

ao som de um sinal, os “não-atores” vestiam o figurino e se retiravam. De acordo com a graduanda, a visibilidade e a troca de aprendizado são as coisas mais importantes. “A gente está aqui, no bloco 3M, no nosso mundinho, e para mim é muito interessante que a gente conheça outros vieses que façam essa parceria, que interajam com a sociedade principalmente”. E ela destaca: “Eu mais aprendo do que passo para os alunos. A a troca é de ter o controle da situação, lidar com situações desafiadoras e aprender com isso. E errar e aprender de novo”. A graduanda ainda afirma que o maior aprendizado foi fazer com que os voluntários estabelecessem vínculo com o Teatro. “Não é fácil, e quando você consegue em uma turma, chega a um nível de confiança que faz acontecer. Percebo que a proposta funcionou e que todo mundo está na mesma sintonia. É pra isso que eu faço Teatro. É pra isso que eu faço licenciatura”, afirma. 


CULTURA

Sustentabilidade e colaboração dão o tom a novos brechós Cultura brechozeira se renova com ideais de consumo consciente ZILÁ CARVALHO Atualmente, os brechós são os queridos do momento por pessoas de idades e classes sociais variadas, e sua recente popularidade ajuda a desconstruir estereótipos acerca desse comércio e prática. Empreendedores e influenciadores digitais apostam em diferentes abordagens para promover os brechós como, por exemplo, garimpar peças únicas vintage, outros por levantar a bandeira do upcycling (reutilização e personalização das peças), ou também fisgam clientes pelo preço acessível, lojas na internet e entregas em pontos da cidade. Outros brechós tentam instituir uma marca própria, investindo num viés do consumo de moda e englobando todas as características anteriores. Inclusive, a população jovem vê no desapego dos próprios pertences uma fonte complementar de renda, e percebem uma porta aberta para eles/as no nicho; com o bônus de nadar na corrente do consumo consciente, inovação, vendas online, sustentabilidade, economia colaborativa e empoderamento por meio da moda. “Anauê”, um brado de reconhecimento, foi o nome que Thais “Thata” Reis, de 27 anos, pensou para nomear seu brechó itinerante, em referência a uma saudação na língua tupi. Ex-aluna de Ciências Sociais na UFU, ela circula pela cidade vendendo roupas. Segundo ela, se preocupar em causar boa impressão estando "bem arrumada" é um costume familiar que começou a questionar fora da casa dos pais. A possibilidade de desapegar das peças que não usava para fazer dinheiro fez muito sentido, e Thais se juntou a outras pessoas que organizam brechós. A iniciativa começou na UFU, no saguão do bloco 5-O e nas produções universitárias independentes, e hoje o Anauê está presente em casas de coworking, em feiras e eventos de Uberlândia, também com outros brechós. Enquanto faz sua curadoria, desapegando das próprias roupas e garimpando em outros brechós, Thata aposta na presença digital. Com equipes colaborativas e independentes, o Anauê produz conteúdos sobre as peças, com modelos, maquiagem, cenários e possíveis usos dos visuais. A co-

THATA EXPÕE PEÇAS DO SEU BRECHÓ "ANAUÊ". FOTO: ZILÁ CARVALHO.BARREIRO

municação pelo Instagram, com ênfase nos stories, divulga os lugares em que Thata expõe o Anauê. Além disso, as peças estão no feed com legenda que detalha o preço e aspecto das roupas. Também é possível marcar um horário para ir à casa da Thata para experimentar as roupas. Deixando o foco de roupas usadas para pessoas de baixa renda, a cultura brechozeira ajuda a desconstruir preconceitos de classe e levanta preocupação com a causa ambiental. Ativistas evidenciam aspectos importantes sobre a indústria da moda, como o fato das roupas descartadas gerarem resíduos nos lixões que levam muito tempo para serem degradados, e também, o imenso gasto de água para a produção de novos tecidos. A economia também norteia a opção das pessoas pelos brechós, ao passo que conseguem encontrar peças únicas e em ótimo estado de conservação por um preço acessível. A escolha de Thata já foi motivo de questionamentos para ela, mas ela é otimista sobre o rumo que a cultura brechozeira está tomando. A empreendedora esclarece as dúvidas levan-

tando questionamentos sobre consumismo e produção desenfreada: “Percebo que as mudanças nesse setor da sociedade, o de vestuário, estão acontecendo. E mesmo que seja só um setor, é muito válida essa incorporação de novos valores, como a troca, o desapego, o compartilhamento e o próprio autoconhecimento, porque as roupas exprimem nossos estados emocionais”, afirma Thata, que conclui: “É fato que esses valores já aconteciam na prática de grupos e classes sociais de várias formas, mas agora os estigmas estão se dissolvendo sobre isso, e o mais legal, novas possibilidades de atuação profissional estão aparecendo.” Para pessoas como ela e outras do ramo, selecionar peças e acessórios é a dor e a delícia de empreender no ramo dos brechós. Garimpar, lavar, organizar e transportar as roupas são atividades demoradas e mais minuciosas do que parecem. As peças podem custar um pouquinho mais caro para possibilitar que esse movimento aconteça. Para conhecer mais sobre a história e cena dos brechós, acesse o www.sensoincomum.net. 

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ESPORTE

Prática de tênis ainda é para poucos Modalidade é um desafio do circuito universitário ao profissional RICHARD MILITÃO

MODALIDADE CARECE DE ESTRUTURA E ESTÍMULO. FOTO: RICHARD MILITÃO.

De acordo com os dados levantados pela Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU), no ano de 2018, cerca de 80 mil estudantes estiveram presentes em competições esportivas de nível universitário. Dentre essas modalidades, está o tênis, que apesar de bastante conhecida, ainda impõe uma série de desafios para estudantes que pretendem praticá-la nesse circuito. A estudante do curso de Pedagogia da UFU, Tayná Freitas, pratica tênis, e defendeu a Associação Atlética Acadêmica Humanas (A.A.A. Humanas) na Copa Inter Atléticas, competição disputada na cidade de Uberaba, que aconteceu no último mês de junho. Tayná avalia que a modalidade não é valorizada como outras, tais como natação e futebol. A falta de estrutura para praticar é vista por ela como um dificultador: “Acredito que isso se dá devido ao custo do esporte ser elevado, pois é necessária uma quadra própria e raquete. Além disso, é difícil achar quadras que não sejam em clubes, então acaba que a pessoa que pratica o esporte não tem muito auxílio, e is-

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so prejudica o seu rendimento.” Diante disso, como destaca ela, o tênis é um esporte pouco acolhedor para jovens. “Há pessoas que tem interesse em jogar, mas que não conseguem porque não lhe é oferecido professor, ou mesmo quadra para treinar igual aos outros esportes, pois fazer aula particular é muito caro e muitas vezes não é viável”, afirma a estudante. No entanto, esse não parece ser um problema exclusivo da UFU. A aluna do curso de Ciências do Esporte e atleta de tênis da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Laís Borelli, também relata a dificuldade em praticar o tênis universitário na sua instituição. “Na Unicamp, os treinos são bem organizados nas outras modalidades. Já no tênis, pelo fato de ser um esporte de elite, a gente não tem tanto incentivo, então nós temos que correr atrás das coisas”, conta. Para Laís, o problema do tênis universitário no Brasil vai mais adiante: “Eu acho que aqui no Brasil a maioria das pessoas dá mais importância para a parte intelectual, para a parte de estudo mesmo. A parte de esportes e de atividades físi-

cas acaba ficando em segundo plano”. No ano de 2017, Borelli passou um período na University of Mount Olive, na Carolina do Norte, Estados Unidos. Ela teve a experiência de poder jogar em nível universitário, além de estudar na universidade estadunidense. Para além da estrutura e do incentivo, a estudante percebe uma diferença no estilo de jogo entre o tênis universitário brasileiro e o norte-americano. “Lá [nos EUA] eles optam por um jogo muito mais agressivo, então todos os treinos visam isso”, comenta. Mesmo fora do circuito universitário, com treinos e mais treinos, viagens e altos custos, o caminho para se tornar tenista profissional é o dos mais complicados. Hoje, o tênis brasileiro está em momento de transição: jovens jogadores como Thiago Wild, João de Menezes e Orlando Luz estão no circuito tentando se firmar nas posições mais altas do ranking, mas, ao mesmo tempo, não há nenhum tenista nacional entre os 100 primeiros colocados nos rankings das associações esportivas internacionais de Tênis, a ATP e da WTA. Para o professor Mauro Rezende, treinador de tênis do Garden Sport Center, em Uberlândia, isso não se deve a um problema na formação dos atletas, mas sim das condições que o próprio esporte proporciona. “No meu ponto de vista, essa falta de atletas brasileiros entre os 100 melhores do ranking da ATP e WTA é devida à falta de apoio aos atletas em sua fase de transição do juvenil para o profissional". Ele ainda desaca: "Quando os torneios começam a ficar mais difíceis, os custos com viagem maiores e a necessidade de um suporte fica muito maior”. Heitor Carvalho, tenista, é exemplo vivo disso. Ele treina na academia Blengino Tênis, na Argentina, e está passando por essa fase de transição. Heitor ressalta as dificuldades que os tenistas juvenis têm de se adaptar para chegar no nível profissional. Além da base financeira para arcar com a carreira, a autoestima do atleta precisa ser sempre estimulada. “Temos que manter sempre a positividade e ter uma estrutura mental muito forte. Se não estiver sempre de cabeça erguida, o jogador vai desanimando”, conta o atleta. 


ESPORTE

eSports se fortalecem como modalidade esportiva Atlética da UFU cresce junto do cenário de campeonatos de jogos eletrônicos PEDRO VÍTOR V. RODRIGUES E RAFAEL GOBI Segundo pesquisa da Newzoo, empresa especializada no mercado de games, em 2019 foi registrado um aumento de 20% da audiência dos jogos eletrônicos no Brasil em relação ao ano anterior, chegando a esse ano com 21,2 milhões de fãs. Este total pode ser dividido em um público de 12 milhões ocasionais e 9,2 milhões entusiastas, que acompanham com regularidade, o que deixa o país atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Ainda de acordo com a Newzoo, a expectativa é que a receita dos eSports no mundo ultrapasse a marca de 1,1 bilhão de dólares em 2019. Deste total, 456.7 milhões virão de patrocínios, 251.3 milhões de direitos de transmissão, 189.2 milhões de publicidade, 103.7 milhões de produtos e ingressos e 95.2 milhões de taxas das desenvolvedoras dos jogos. Fundada em agosto de 2016, a Confederação Brasileira de eSports (CBeS) define a prática como sendo competições profissionais de games que ocorrem em uma plataforma digital, envolvendo dois ou mais competidores, em partidas online ou presenciais sincrônicas e montadas de forma a permitir o acompanhamento de uma audiência. O Santa Bronx, atlética de eSports da UFU, foi criada em 2018, inicialmente em torno do game League of Legends, e hoje contempla as principais modalidades eletrônicas. “Com o passar do tempo, a comunidade acadêmica foi sugerindo a montagem de equipes para outros jogos também e todo o projeto foi ganhando força, até chegarmos ao atual estado”, conta Matheus Eduardo Ramos, estudante do 6º período de Sistemas de Informação e atual presidente do clube. “Atualmente somos 40 membros, contando staff [equipe] e jogadores de todas as modalidades”, completa. O Santa Bronx já participou de campeonatos municipais, regionais e nacionais. Entre eles, estão os seguintes: Torneio Universitário de eSports (TUES), Liga Universitária de eSports (LUE), Brasil College League (BCL), além dos regionais promovidos pelas próprias universidades. “Todas as competições acontecem uma vez por semestre, em que as equipes vão acumulando pontos durante todo o ano”, explica Ramos. O grupo tem muitos projetos para o futuro, de acordo com presidente. “Se tem uma coisa que nós temos, são planos! Mas podemos dar destaque

para a criação de uma organização formal de eSports, que traga oportunidades competitivas para toda a cidade de Uberlândia, e não apenas para a comunidade acadêmica da UFU, pois o município conta com excelentes jogadores e que nem sempre têm suas habilidades exploradas, por falta de oportunidades”, pontua. Apesar da popularidade e das altas cifras em circulação nos eSports, ainda não existe um consenso se os jogos eletrônicos são um esporte ou não. A Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) aprovou no dia 2 de julho, o Projeto de Lei do Senado Federal de número 383 de 2017 (PL 383/2017), elaborada pelo senador Roberto Rocha, AQUECIMENTO DO TIME DE COUNTER STRIKE DO SANTA BRONX. FOTO: RAFAEL GOBI que propõe o reconhecimento, fomento e regulamentação dos eSports aponta o malefício em restringir os jogos consideno Brasil. Algumas partes do PL foram modifica- rados violentos. “Nós, do cenário, quase que unadas e emendas foram inseridas. Uma delas foi nimemente não concordamos com os argumentos proposta pelo senador Luis Eduardo Grangeiro e sei de grupos que já se organizam para ministrar Girão, filiado ao Podemos (PODE), e diz que “não eventos e palestras, com o intuito de informar se considera esporte eletrônico a modalidade melhor sobre como tudo acontece dentro do jogo, que se utilize de jogo com conteúdo violento, de pois grande parte das pessoas que apoiam a decicunho sexual, que propague mensagem de ódio, são, só enxergam o superficial, sem entender repreconceito ou discriminação ou que faça apo- almente do que se trata o jogo e como é o seu logia ao uso de drogas”. O projeto segue agora fluxo de atividades". O presidente da atlética de para discussão na Câmara. eSports da UFU ainda acrescenta: "Acredito que a A CBeS emitiu uma nota oficial em resposta à conscientização é a primeira forma de tentar reemenda. Nela, a Confederação escreve que o con- verter isso”. Como o projeto de lei foi criado no Senado, deceito de violência é subjetivo e uma medida como essa pode afastar e atrapalhar modalidades im- ve ser discutido até receber uma versão final a ser portantes no cenário, como os jogos de tiro em enviada para a Câmara dos Deputados. primeira pessoa. Saiba mais sobre os eSports no site www.senO presidente da Santa Bronx reconhece que o projeto de lei traz melhorias para a categoria, mas soincomum.net. 

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ENSAIO GRÁFICO

Congado: símbolos da cultura negra em Uberlândia ANA ELIZA BARREIRO

Em Uberlândia, a memória e identidade do povo negro resistem ao tempo e se expressam pelo Congado, manifestação cultural que ultrapassa 140 anos de história. Por meio de danças, cantos e muitas cores, os congadeiros se reúnem todos os anos em um cortejo rumo à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no centro da cidade, agradecendo as bênçãos dos Santos pretos. A festa se tornou patrimônio cultural do Triângulo Mineiro, sendo objeto de estudo de pesquisadores da UFU, que procuram lançar luz sobre práticas que mantêm viva a tradição dos escravizados da região. Entre os trabalhos produzidos acerca deste festejo secular está a “O ressoar dos Tambores: entre a tradição e contemporaneidade” de Jeremias Brasileiro, defendido em 2012 no Programa de Pós-Graduação em História. Além disso, o professor e pesquisador Gerson de Sousa, do Programa de PósGraduação em Tecnologias, Comunicação e Educação, desenvolve o projeto “A construção da Identidade do popular no processo comunicativo: análise cultural da produção de sentidos e representação do congado no cotidiano de Uberlândia”. Dissolvendo os limites entre sociedade e universidade, os saberes da cultura negra seguem vivos através do Congado.

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