Jornal Lampião - Edição 35

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LAMPIÃO Jornal-Laboratório | Jornalismo UFOP | Ano 9 | Edição 35 | Dezembro 2019

Educação em Mariana As desigualdades ocultas nos indicadores. Págs. 4 e 5 Bairros de ocupação

Profissões de risco

O silêncio do suicídio

Histórias de vida da Morada do Sol e Santa Clara. Pág. 8

A vida de trabalhadores em ambientes insalubres. Pág. 3

Perceba os sinais e saiba como ajudar. Pág. 6


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Lampião - Dezembro 2019

Design e Edição Mariana Morisson Ilustração Giulia Matteolli

O que restou na caixa de Pandora?

E

m 2019, acordar tem sido uma luta constante para uma parcela da população. Suportar o dia a dia se tornou, como canta Belchior, uma alu­cinação. As tensões políticas que envolvem alguns países da América do Sul, como Bolívia, Chile, ­Venezuela e até mesmo Brasil têm afetado as decisões que estamos tomando para o nosso futuro. Resultando numa insegurança crescente. Governos despreparados lidam com questões que afetam diretamente a vida das populações e as de­sumanizam, retirando direitos fundamentais. As queimadas na Floresta Amazônica, um dos ecossistemas mais ricos do planeta; o suca­tea­men­to dos direitos trabalhistas, colocando vidas em risco; a medida provi-

sória que reduz em R$ 2 bilhões por ano o recurso para o Sistema Único de Saúde (SUS), com a extinção do Seguro DPVAT; a restrição da aposenta­doria e outras leis estão sendo im­ple­mentadas em prol de uma ideia capitalista de produção que ignora as vidas envolvidas nesse processo. Em Minas Gerais, conhecida pelas grandes mineradoras que operam no estado, dois dos maiores crimes ambientais da história recente do país mataram vários trabalhadores. Mas não é só a atividade mineradora que oferece perigo. A repórter Thaynara Carolino mostra, em “Pro­fissões de risco”, os desafios de outros profissionais. Esse é o cotidiano do agente penitenciário David Guimarães, que há cinco anos atua na profissão, mesmo não

sendo reconhecido como profissional que está em risco de vida. Por sua vez, o bombeiro militar Juscelino há mais de 20 anos se coloca em risco para proteger outras famílias. No Brasil, a insegurança, somada ao crescente desemprego e à crise econômica, é uma das causas do aumento de doenças psicológicas que afetam os sujeitos, como a depressão e os distúrbios de ansiedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), houve um aumento de 18% nos casos de depressão entre 2005 e 2015. Cerca de 32 pessoas são vítimas de suicídio todos os dias no Brasil. Em Mariana, foram registradas 63 tentativas de suicídio até outubro de 2019, como mostramos em nossa reportagem “O suicí-

dio cresce no silêncio”, produzida pela repórter Paula Furieri. A crise econômica pela qual o país passa, somada a uma polí­tica de desmonte do Estado, prejudicam a vida dos ­estudantes, que sofrem com a falta de inves­ti­ mento público em todos os ní­veis da educação. Os cortes feitos no orçamento das universidades públicas e nas verbas para pesquisa científica causam a diminuição expressiva de recursos e bolsas; de auxílios para estudantes em vulnerabilidade socio­econômica e, principalmente, in­via­bilizam o funcionamento de algumas instituições. Enquanto isso, o Ensino Básico sofre com a falta de perspectiva e avanço na formação de jovens estudantes. De acordo com os nossos repórte­res Laís Nagayama, Mylena Gon­çalves

e Yuri Simões, houve uma queda ou estagnação nas taxas de proficiência em português e matemática nas escolas municipais de Mariana, nos últimos anos. Mas nem tudo é só desilusão. Os repórteres Fernando Neto e Marcela Ayres visitaram as ocu­ pações Santa Clara e Morada do Sol, onde puderam ­conhecer pessoas determinadas como Rosa e Beatriz, que nos ensinam a viver com esperança. Conhecemos ainda os ex-alunos da Escola Santo Estevão, que funcionou por décadas. Eles aceitaram contar para Maria Nolasco e Fe­lipe Leo­ni memórias de uma época de ouro. Histórias que inspiram a crônica de Fernando Neto sobre experiências que sobreviveram ao tempo e indicam um caminho iluminado para o futuro.

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Expediente Jornal-laboratório produzido pelos estudantes de Jornalismo Universidade Federal de Ouro Preto Instituto de Ciências Sociais Aplicadas Reitora: Cláudia Marliére de Lima Diretor do ICSA: José Benedito Donadon Leal Chefe de Departamento: Karina Gomes Barbosa da Silva Presidenta do Colegiado: Michele da Silva Tavares

lei da anistia, 40 anos

Ampla, geral, mas irrestrita

A

Natalia de souza lisboa

anistia é uma tradição na história do Brasil, contando com quase cem decretos desde sua fase de Colônia, passando pelo Reino, Império e República, frutos das mais diversas situações políticas. Com a promulgação da Lei de Anistia, Lei nº. 6.683, em 1979 – apontada como resultado do momento histórico de grandes protestos por parte da sociedade brasileira para a abertura democrática – foi inaugurado o processo de transição da ditadura civilmilitar para a democracia. As forças armadas, por si só, não conseguiriam perpetrar a repressão e realizar a coleta de informações; tampouco o Poder Executivo – apesar de os poderes extraordinários conferidos pelos diversos Atos Institucionais terem capacidade de cassar direitos políticos, justificando-a como medida defensiva para proteção do país. Uma estrita colaboração do Poder Judiciário com o governo militar era necessária, portanto, para manter a aparência de legalidade aos atos legislativos. Em comparação com os períodos ditatoriais enfrentados por países, como Argentina e Chile,

houve uma maior preocupação com a legalidade formal contra os adversários políticos no Brasil. Isoladamente, a Lei de Anistia não seria capaz de apagar todas as mazelas cometidas pelo Estado durante a ditadura civil-militar instaurada no Brasil. Os efeitos foram sentidos não somente no âmbito político, mas também no econômico e no social, principalmente por guardar o caráter de autoanistia para o Estado. O grande obstáculo da aplicação da Lei da Anistia encontra-se onde o seu texto não foi expresso, para determinar sobre os crimes conexos e as relações com crimes políticos ou praticados por motivação política, tema que foi discutido nas Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF –153 e 320. A decisão do STF na ADPF 153 foi no sentido de que a Constituição Federal de 1988 não trouxe expressamente em seu texto disposição que contrariasse a Lei de Anistia, presumindo assim sua recepção integral. O efeito foi considerar adequada a interpretação da Lei da Anistia na nova ordem constitucional brasileira. Restringir a aplicação da Lei de Anistia constituiu o maior

obstáculo jurídico existente para aplicação dos pilares da Justiça de Transição - Memória, Verdade, Justiça e Reforma das Instituições - e as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil. Dessa forma, verificase que o Poder Judiciário não tem cumprido adequadamente o seu papel no Estado com a devida prestação jurisdicional para um efetivo resguardo e abrigo às violações dos direitos humanos. A ordem democrática que deve emanar do Estado tem que estar comprometida com a afirmação de políticas que não impeçam o desenvolvimento plural da sociedade e possibilitem o devido exercício da cidadania e de práticas democráticas, não simplesmente para exercer o direito de votar e ser votado, mas ter acesso efetivo aos direitos constitucionalmente garantidos como educação, cultura, saúde, etc. Natália de Souza Lisbôa é doutora em Direito Internacional pela PUC-MG. Atualmente, ocupa o cargo de PróReitora de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace) na Ufop. Foi convidada a participar da edição a partir das suas pesquisas históricas e produções acerca do período ditatorial brasileiro e a Lei da Anistia.

Professores responsáveis Agnes Mariano (redação) Carlos Jáuregui (sonora) Evandro Medeiros (audiovisual) Jan Alyne Prado (web) Márcia Rodrigues (fotografia) Ricardo Augusto Orlando (visual) Editor-chefe: Eduardo Viana Editora de impresso: Mariana Morisson Editor de visual: Danillo Frederico Vieira Subeditora de visual: Alexia Nunes Editora de texto: Giulia Matteoli Editora de foto: Mariana Paes Editora de web: Maria Natália Selvatti Editora de sonora: Vitória Pupio Editor de audiovisual: Victor Laia Equipe de reportagem Artur Caldas, Felipe Leoni, Fernando Neto, Lais Nagayama, Marcela Ayres, Maria Nolasco, Mylena Gonçalves, Paula Furieri, Thaynara Carolino, Yuri Simões Equipe Sonora Hugo Andrade, Júlia Gabriela Carvalho, Júlia Souza Revisão & Mídias Sociais Giulia Pereira & Rafael Santos Capa Alexia Nunes, Bruno Miné, Giulia Matteolli, Mariana Morisson e Mariana Paes Colaboradores Ana Miranda, Bruno Miné Monitoria: Victor Hugo Fagundes Carvalho Estagiário Docente: Charles Santos Endereço: Rua do Catete, nº 166, Centro, Mariana - MG - CEP 35420-000


Lampião - Dezembro 2019

Texto, Design e Edição Thaynara Carolino Fotografia Thaynara Carolino, Mariana Paes

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“Tenho medo que ele não volte” A vida de quem trabalha em ambientes insalubres ou perigosos cotidianamente na Região dos Inconfidentes

S

ão consideradas atividades insalubres ou perigosas aquelas que expõem os trabalhadores a riscos ou agentes nocivos à saúde, como componentes químicos, físicos ou biológicos. De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecida em 2017, a intensidade e o tempo de exposição aos efeitos dos agentes são fatores decisivos para categorizar as profissões.

AGENTE GUIMARÃES

Os desafios da segurança

O advogado trabalhista e ex-presidente das subseções da Ordem dos Advogados (OAB) em Mariana e Ouro Preto, Marco Antônio Martins, conta que na região os principais acidentes em serviço estão ligados à mineração. No entanto, profissões arriscadas como segurança, socorrista, eletricista e metalúrgico não recebem o reconhecimento pela comunidade dos perigos que as cercam.

SARGENTO JUSCELINO

A serenidade de um líder

Aqui não se pode falar e nem registrar demais. Cercado por muros com fios de alta tensão, o Presídio de Mariana é responsabilidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP). As grades de ferro da parte superior do prédio formam os corredores do posto fixo de onde os agentes fazem a vigilância 24 horas. É neste ambiente que David Guimarães, 37 anos, trabalha de segunda a sexta-feira, sem saber o que o espera quando cruza o portão da unidade. Natural de Ouro Preto e morador de Mariana, antes de atuar como agente penitenciário, David trabalhou na produção de pedrasabão e na mineração. O desejo de integrar o Sistema Prisional de Minas Gerais veio da influência dos parentes militares. Com o segundo grau completo, deu início à carreira em 2014. Trabalhou até os primeiros meses deste ano na unidade prisional em Itabirito, quando transferiu-se para Mariana. Nesses cinco anos, presenciou pequenas rebeliões dos detentos.

Há mais de 20 anos, a unidade do Corpo de Bombeiros Militar em Ouro Preto foi acionada para conter um incêndio, causado por um vazamento de gás, em um restaurante na Rua Conde de Bobadela, conhecida como Rua Direita, no município. Um civil acionou a caixa de luz, que estava desligada para evitar o contato com o gás, o que possivelmente geraria uma explosão. Foi quando o atual sargento Juscelino Gonçalves, 47 anos, sentiu a morte de perto. Felizmente, a equipe que ele integrava conseguiu conter o incêndio e ninguém saiu ferido. Na região, Juscelino se preocupa com os buracos de sarilhos: aberturas profundas e de diâmetro pequeno, cobertas por vegetação, que serviam de respiro nas antigas minas de ouro durante a exploração do minério. Ele já presenciou diversos colegas de trabalho se machucarem ao caírem nos buracos durante o combate a incêndios nos arredores das minas, em sua maioria desativadas.

Ressocialização

Em 29 anos de profissão, realizou mais de 60 cursos de capacitação para evitar se ferir em serviço. Casado e pai de dois filhos, a preocupação em realizar um bom trabalho vem do bem estar da família. Nascido em Montes Claros (MG), mudou-se para Belo Horizonte com 18 anos para ingressar no Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Em 1991, foi direcionado para o batalhão em Ouro Preto. Graduou-se em Direito e Filosofia na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), com mestrado em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Em 2015, foi um dos primeiros bombeiros a chegar ao local atingido pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Esteve presente também nos resgates em Brumadinho após o rompimento da barragem de Córrego do Feijão da mineradora Vale no início deste ano. A espiritualidade é algo muito presente em sua vida. Os laços de cumplicidade estabelecidos há anos com a equipe o fortalece para desempenhar a liderança nas operações que possam surgir. Por um breve período, precisou integrar o Corpo de Bombeiros em Juiz de Fora. Nesta passagem, houve um salvamento de uma família que estava soterrada: os pais e quatro filhos. Chovia muito forte no dia e quando resgataram o último membro, de apenas 2 anos, já estava morto. A criança sem vida em seu colo foi um momento difícil de superar.

Jornada

Guimarães relata que o Estado e a população não reconhecem a profissão como parte do processo de ressocialização dos detentos na sociedade. “Por mais que esta ainda seja baixa, fazer parte da mudança é importante”. Transitando por entre as celas, o agente conta que muitos presos confessam que a vida dentro do presídio é melhor do que fora dele. Na sua visão, quem vive ali busca o conforto de ter o que comer e onde dormir sem precisar lutar por isso. Sentado em sua sala, lembra o caso de um preso em outra unidade que foi liberado às 19h da noite e retornou às 7h da manhã do outro dia após assaltar quatro lojas. Há pouco tempo ele saiu do presídio e foi morto. Condições de trabalho

Entre trocas de turno, o cansaço que Guimarães sente não é somente físico, como também mental. A necessidade de acompanhamento psíquico vem sendo discutida depois que um agente no presídio de Vespasiano (MG) cometeu suicídio com uma arma em uma tarde no pátio. A categoria reivindica também os adicionais de periculosidade e noturno (carga horária extra) para os profissionais, já que o atual salário não contempla esses aditivos. Sete guardas cuidam da vigilância de mais de 260 detentos na unidade em Mariana. Há uma demanda de quatro agentes por detento. No entanto, o que se vê são quatro ou mais detentos por agente. Guimarães teve seu contrato renovado este ano, vigorando por mais três anos. O último concurso na área foi em 2013. A mãe, principal ponto de apoio familiar, não aprova sua profissão por temer que ele não volte mais para casa. Guimarães tem a consciência de que a sua segurança e dos demais depende de um treinamento adequado.

O agente penitenciário Guimarães trabalha no Presídio de Mariana contra o gosto de sua mãe: “Ela não sabe o que me aguarda quando saio da unidade”

Aposentadoria especial

O bombeiro Juscelino alega que a profissão exige equilíbrio, sobretudo psicológico. Precisa ser médico, psicólogo e amigo quando a pessoa mais necessita de atenção para amenizar o seu desconforto

Fiscalização

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma da Previdência de 2019 possui novas especificações de aposentadoria por insalubridade e periculosidade.

De acordo com a especialista em segurança do trabalho e professora do Senai em Belo Horizonte, Maria Garcia, o Estado tem o dever de fiscalizar as atividades trabalhistas das empresas.

Validação

Normas Regulamentadoras

Para comprovar a exposição são necessários documentos atestando a exposição a agentes nocivos, como o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) emitido pela empresa.

As atividades podem ser embargadas ou interditadas se identificado o não cumprimento das exigências citadas nas Normas Regulamentadoras 15 e 16, da atual Secretaria de Trabalho, do Ministério da Economia.

Tempo de contribuição O tempo de contribuição varia de 15, 20 ou 25 anos na atividade prejudicial, de acordo com a gravidade do trabalho. Para insalubridade, não há exigência mínima de idade para solicitar a aposentadoria.

Formas de solicitação A fiscalização pode acontecer: naturalmente; por denúncia, por meio do 158, Central de Atendimento Alô Trabalho;

Texto complementar

quando ocorrem eventuais acidentes graves.

Um projeto de lei complementar para regulamentar a concessão das aposentadorias foi apresentado ao Congresso com novas regras. O texto contempla trabalhadores como mineiro de subsolo, vigilantes armados e eletricitários.

Caso os Fiscais Auditores do Trabalho identifiquem uma quantidade maior de emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) pelas empresas, a fiscalização pode ser mais frequente.

Futuro

De acordo com a Previdência vigente, para que o bombeiro possa se aposentar dar entrada na aposentadoria especial, é necessário ter contribuído por 30 anos. Assim que se aposentar, os planos de Juscelino são advogar e lecionar para continuar ativo na sociedade. Junto com a família, explorar novos lugares.


Lamp

4-5

e s p e

Educação em mariana

Números que escondem a desig

Em outubro, a I Conferência Municipal de Educação de Mariana buscou avaliar e propor estratégias para o Plano Municipal de Educação. Os indicadores mostram o ensi

A

Prova Brasil e o Censo Escolar são os principais meios de avaliação da educação básica no país. Os resultados da última Prova Brasil (2017) indicam a proficiência em português e matemática dos estudantes das escolas públicas - municipais e estaduais. Nesta edição, analisamos os dados de Mariana e mostramos, para além das médias, os índices preocupantes de desempenho das instituições e as desigualdades camufladas pelos números gerais. Entre os principais problemas, turmas do 9º ano com proficiência zero em matemática, a brusca redução das médias do 5º para o 9º ano e a ainda elevada taxa de distorção idade-série. Quando se observam as médias gerais, a situação educacional do município parece estar de acordo com o cenário do país. Apresentados no gráfico ao lado, os níveis de desempenho dos alunos de Mariana superam sempre as médias nacionais e ficam próximos das estaduais. Em matemática, por exemplo, a proficiência dos estudantes do 9º ano soma apenas 19%, mas é superior aos 15% da média nacional. Entretanto, a diferença entre a média geral e os números de cada escola marianense revela uma grande desigualdade entre as instituições. Em 2017, os alunos do 9º ano de duas escolas obtiveram entre 1% e 8% de proficiência em matemática. Em outras duas, o resultado foi 0%, o que significa que nenhum dos 37 alunos que realizaram a prova alcançou proficiência. Ainda de acordo com os dados do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a proficiência cai bruscamente do 5º para o 9º ano, tanto em português quanto em matemática. No gráfico, notase que o número de alunos proficientes em matemática diminui de 108 para apenas oito. E o de estudantes com desempenho insuficiente cresce de 96 para 137. O mesmo acontece em português, com redução de alunos nos estratos Avançado e Proficiente. Se, no 5º ano, 163 apresentaram conhecimento Avançado, no 9º ano, nesse mesmo nível eram apenas 46. O baixo desempenho dos estudantes também se reflete na taxa de distorção idade-série, que mede a proporção de alunos com mais de dois anos de atraso escolar. No Brasil, a criança deve ingressar no ensino fundamental aos 6 anos e concluir o 9º ano até os 14. Na maioria dos casos, a taxa de distorção é resultado de reprovação. Sem acompanhamento, o problema pode evoluir para a evasão escolar ou o ingresso na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além de analisar a proficiência nas duas disciplinas, a Prova Brasil registra também a situação socioeconômica dos estudantes, pois as condições de vida familiar interferem no seu desempenho. Avaliadas por meio de questionário, nove de 14 escolas foram classificadas no grupo socioeconômico 3 (ver dados sociais no gráfico). Isso significa que a maioria dos alunos tem renda familiar entre 1 e 1,5 salário mínimo. O indicador também analisa a formação superior do professor na área da disciplina ministrada. A chamada taxa de adequação docente, como mostra o gráfico, é mais elevada nos anos iniciais em comparação com os finais. Segundo a Secretaria de Educação de Mariana, a formação prévia dos professores é um dos fatores que explica o baixo nível de desempenho. Os baixos índices de proficiência em português e matemática têm preocupado os governos Estadual e Municipal. De acordo com a secretária de Educação, Aline de Oliveira, foram realizadas cerca de 20 capacitações de professores para contribuir na formação contínua dos docentes. Já o governo estadual criou o programa Gide Avançada. Segundo João Paulo Araújo, analista educacional da Superintendência de Ensino da Região dos Inconfidentes, a Gide tem o objetivo de capacitar professores e profissionais para que alunos alcancem a proficiência adequada.

números da proficiência no ensino

Entenda

FONTES: PROVA BRASIL DE 2017 - CENSO ESCOL

Por dentro de Mariana

Prova Brasil Feita de 3 em 3 anos, avalia a qualidade do ensino do 5º e 9º anos do fundamental. Elaborada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), participam alunos de escolas com ao menos 20 matriculados nestas séries.

Censo Escolar Coordenado pelo Inep, é um instrumento de coleta de informações da educação básica. Principal forma de pesquisa estatística educacional do país. Realizado anualmente.

Mariana e educação Os números do município na área

População

Compare as médias

Faixa de proficiência das

79%

13 escolas

56%

que participaram da prova FAIXAS

QUANTIDADE ESCOLAS

68%

Brasil

DESEMPENHO

Minas Gerais

Itabirito

71%

Ouro Preto

82%

70% - 80%

71%-79%

60% - 70%

67%

50% - 60%

50%-57%

40% - 50%

42%-44%

30% - 40%

39%

20% - 30%

27%

Diogo V.

Média - Mariana

63%

10% - 20% 0% - 10%

Os 654

Bra

64%

90% - 100% 80% - 90%

44

64%

Belo Horizonte

Cores associadas ao índice de profiência. Mais próximo ao azul, melhor resultado

Língua Portuguesa 5ºano

alunos de Mariana que

realizaram a Prova Brasil ficaram assim distribuídos por nível de proficiência:

60.724

Proficiente

250

PIB per capita

2013

Básico

171

R$35.859,82

Em outros anos

Avançado

163

habitantes

arrecadação total

70

Insuficiente

18

10

Faixa de proficiência das

Docentes

que participaram da prova FAIXAS

municipais

90% - 100%

198

80% - 90%

QUANTIDADE ESCOLAS

2015 DESEMPENHO

estaduais

70% - 80%

Funcionários

60% - 70%

918

50% - 60%

50%-57%

municipais

40% - 50%

49%

451

30% - 40%

34-39%

estaduais

10% - 20%

11%-18%

0% - 10%

7%-8%

4.063

municipais

Os 610

2.726

50% a 40%

2017

38%

40% a 30%

43%

30% a 20% 20% a 10%

38%

10% a 0% As faixas de dados foram definidas com base no padrão usado pelo QEdu

Média - Mariana

20% - 30%

Matrículas

60% a 50%

Em outros anos

10 escolas

330

70% a 60%

63%

2013

estaduais

80% a 70%

63%

2017

Por dentro de Mariana

90% a 80%

56%

2015

Escolas

municipais

100% a 90%

38% Língua Portuguesa 9ºano

alunos de Mariana que

realizaram a Prova Brasil ficaram

estaduais

assim distribuídos por nível de

Investimento

proficiência:

Proficiente

188

R$ 35.475.618,50 estaduais

Compare as médias

Avançado

46

R$56.724.510,22 municipais

Básico

290

Fontes: Censo Escolar Inep 2018 IBGE 2019 Prefeitura de Mariana 2019 TCE 2018

61%

34% Brasil

Insuficiente

86

39% Minas Gerais

Itabirito

43%

32%

Belo Horizonte

Ouro Preto

28%

15

Bra

Diogo Vasc.

taxas de DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE Calculadas a partir do número de alunos fora da faixa etária adequada - com mais de 2 anos de atraso. Os gráficos apresentam a evolução anual de 2013 a 2018, a comparação das médias de distorção em Mariana, com o estado e o país, e também o número de alunos fora da faixa adequada em cada ano de aprendizado. Nos índices de distorção, 50% é a média considerada máxima pelo Inep. O valor significa que mais da metade dos alunos estão em séries diferentes das adequadas. Quanto menor a média, mais baixa a distorção de idade dos estudantes por sala de aula.

Anosiniciais iniciais Anos Evolução

Médias

50%

14% Brasil

17% 12%

10% 0%

25%

13% 9%

5%

2013 2014 2015 2016 2017 2018

MG

32%

Mariana

30%

7%

37% 30%

30%

Brasil

2

21%

10%

M

MG

1% 1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO 5º ANO

Mar

29%

13% 9%

0,6

28%

20%

5%

Distorção por série 50%

40% 39% 37% 37% 38% 35% 29%

21%

Médias

50%

Mariana

30% 20%

Evolução

5%

40%

Anos i

Anos finais

Distorção por série

0%

Indica o p foram ret do ano le provaçõe Mariana,

2013 2014 2015 2016 2017 2018

6º ANO 7º ANO 8º ANO 9º ANO


pião

Dezembro 2019

ci a l

Texto Mylena Gonçalves e Yuri Simões Fotografia Laís Nagayama, Mylena Gonçalves e Yuri Simões Design e Edição Laís Nagayama e Yuri Simões

gualdade

ino fundamental com médias próximas às do país e de Minas Gerais, mas revelam desigualdade e deficiências

ensino fundamental

estrutura e recursos

LAR/INEP DE 2018 - QEDU

Compare as médias

Por dentro de Mariana 74%

4%

59%

56%

asil

Itabirito

55%

Belo Horizonte

Minas Gerais

Dados das 28 escolas públicas com ensino fundamental

Faixa de proficiência das

13 escolas

Bibliotecas

que participaram da prova

Ouro Preto

54% Diogo V.

FAIXAS

QUANTIDADE ESCOLAS

DESEMPENHO

93%

90% - 100% 80% - 90%

Média - Mariana

53%

70% - 80%

73%

60% - 70%

60%-64%

50% - 60%

50%-59%

40% - 50%

41%

30% - 40%

31%-35%

20% - 30%

23%

(26/28) Quadra de esporte

50%

10% - 20%

(14/28)

0% - 10%

Alimentação

Matemática 5ºano

Os 654

alunos de Mariana que

realizaram a Prova Brasil ficaram

100%

assim distribuídos por nível de proficiência:

Em outros anos 2013

52%

2015

54%

Básico

210

46%

Insuficiente

53% Retroprojetor (13/28)

Por dentro de Mariana

Em outros anos 2013

19%

2015

19%

10 escolas

que participaram da prova FAIXAS

2017

18%

93%

Faixa de proficiência das

QUANTIDADE ESCOLAS

Impressora (26/28)

DESEMPENHO

90% - 100% 80% - 90% 70% - 80%

100%

60% - 70% 50% - 60%

Média - Mariana

19%

40%

30% - 40%

39%

20% - 30%

21%-24%

Acessibilidade

10% - 20% 0% - 10%

Matemática 9ºano

39%

0%-8%

Os 610

alunos de Mariana que

Dependências acessíveis (11/28)

realizaram a Prova Brasil ficaram assim distribuídos por nível de proficiência:

Compare as médias

8 39%

5%

22%

20%

asil

Belo Horizonte

Minas Gerais

17% Ouro Preto

Diogo Vasc.

Reprovação

iniciais

6%

riana

2%

MG

Brasil

356 137

Anos Anosfinais finais

15,5% Mariana

10,6% Brasil

2% MG

29%

Proficiente

Sanitários acessíveis (8/28)

Básico Insuficiente

Fonte: Inep 2018

Dados sociais Calculados a partir da escolaridade dos pais, posse de bens e contratação de serviços pela família. São 6 níveis: Grupo 1 representa os indicadores mais baixos e o Grupo 6 os mais altos.

Nível Quantidade de Escolas

ADEQUAÇÃO DOCENTE Relação porcentual entre disciplinas e docentes com formação superior específica para ministrá-las. Número de escolas por faixa de adequação quanto mais alto, mais apropriado.

Anos iniciais

Anos finais

Grupo 6

1

Grupo 5 Grupo 4

5,9%

Avançado 109

Itabirito

10%

porcentual de alunos que tidos na mesma etapa ao final etivo. Porcentual relativo a rees em anos iniciais e finais em Minas Gerais e no Brasil.

“A proficiência em matemática do país inteiro é muito baixa. [...] É uma tendência nacional. O que acontece: o investimento na formação de professores dos anos finais precisa ser fortificado. É uma proposta que vem sendo feita desde a formação nas universidades, nas licenciaturas, até a formação continuada desses profissionais. [...] Eu não sei te dizer com certeza mas é um dado preocupante não só em Mariana como no Estado.” Elizete Fernandes, subsecretária de Educação de Mariana

Internet (28/28)

40% - 50%

3

Grupo 2 Grupo 1 Não Calculado

7

1

40%-50%

1

70%-80%

2

Grupo 3

50%-60%

3

70%-80%

80%-90% 80%-90%

2

90%-100%

não calculado

não calculado

O baixo desempenho nos anos finais do ensino fundamental, principalmente em português e matemática, prejudica o aproveitamento dos alunos nas séries subsequentes. Como explica o analista educacional João Paulo Araújo, sem o aprendizado adequado de português, matérias que requerem interpretação de texto são afetadas. O mesmo acontece com a matemática, pois disciplinas de ciências exatas como química e física utilizam os seus conhecimentos. Zara Tripodi, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto, afirma que esses problemas influenciam o rendimento do aluno no ensino médio e sua entrada na universidade. Segundo ela, é necessário uma perspectiva de justiça corretiva, pensando no caráter socioeconômico de cada escola. Ciente dessa realidade, a Secretaria de Educação de Mariana afirma que, na distribuição de verbas, o município prioriza as escolas com perfil socioeconômico mais baixo. A estagnação dos níveis de aprendizado vem também de um fator menos evidente: a insuficiência de conhecimento matemático dos educadores. A professora aposentada da Universidade Federal Fluminense e doutora em matemática Suely Druck afirma que a maioria dos professores do ensino fundamental I tem formação em pedagogia, e não aprenderam matemática. Para a ex-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, formar bons docentes, colocá-los em contato com novas tecnologias e valorizar a profissão é a receita para a retomada no crescimento da proficiência. “Primeiro, a prefeitura ou o município precisa se perguntar quais são as razões que estão levando a essa queda vertiginosa dentro do sistema. Então ele precisa buscar as causas fora da escola mas também dentro dela, porque aí você não faz isso sem evidência científica. Você tem que discutir com a universidade para ver o que é que a pesquisa está mostrando o que é um fator que está levando essa queda de aprendizagem.” Zara Tripodi, pesquisadora do Departamento de Educação da Ufop

Equipamentos

Proficiente

240

96

2017

(28/28)

Avançado

108

Base frágil

4

“O aumento da proficiência é uma receita de bolo muito simples. Ela é fácil de entender, mas difícil de executar. Tem que ter políticas públicas. A maioria dos nossos alunos vivem em condições econômicas muito ruins e isso se reflete na aprendizagem deles com certeza. [...] É preciso uma escola bem equipada, um professor bem preparado e dar a eles [professores] melhores condições de trabalho.Suelly Druck criadora da Olimpíada de Matemática de Escolas Públicas


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Lampião - Dezembro 2019

Texto, Fotografia, Design e Edição Paula Furieri

O suicídio cresce no silêncio Para a maioria das pessoas, o suicídio é uma realidade distante que só acontece com os outros. Mas basta olhar para o lado com mais atenção para enxergar alguém que precisa ser notado

A

primeira reação das pessoas ao falar sobre suicídio é o silêncio. É cultural não falar, por medo ou vergonha. Nós temos medo daquilo que não compreendemos. E o silêncio não só piora como sufoca. Somente no ano de 2019, foram registradas 63 notificações de tentativas de suicídio em Mariana-MG. Uma informação silenciada. As pessoas escondem a dor e sofrimento por receio de serem penalizadas, humilhadas ou consideradas loucas. A melhor forma de entender o autoextermínio não é estudando o cérebro e, sim, as emoções de uma experiência silenciosa e silenciada. Quem nos conta sobre isso é o enfermeiro e professor de Saúde Coletiva da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Aisllan Assis. Aprendemos que falar sobre suicídio pode induzir ao suicídio. Errado. Para compreender, é necessário falar. Comece pelas perguntas: “Onde dói?” e “Como posso te ajudar?”. A sociedade penaliza a vítima. Certo.

O assunto, um tabu bíblico, é julgado por uma sociedade em que sucesso e felicidade são obrigatórios. O suicídio não é romântico, não é bonito, não é nobre e raramente – talvez nunca – representa uma opção filosófica ou existencial. Suicídio é sinônimo de socorro, de querer que a dor passe, de solidão e desespero. Quando se discute sobre suicídio, encontra-se contradições difíceis de lidar. O primeiro e talvez o último passo é falar.

Psicanalistas contam que, antes de estudar sobre suicídio, o conceito era distante, pesado e, acima de tudo, desconhecido. Eu costumava compartilhar esse sentimento. Até o momento que eu ouvi. E me envolvi. Não precisei ir longe. Em um encontro com o Grupo de Acolhimento e Cuidado ao Estudante (Abrace), em Ouro Preto, mudei minha postura e olhei para o mundo de maneira diferente. Ouvi que, em uma discussão com

a irmã, um homem se jogou de um prédio e, a partir daí, ao acordar, a irmã vê a mesma cena todos os dias. Eu ouvi que uma mulher se matou e o seu cachorro fez de tudo para salvá-la. Eu ouvi que um professor tirou a própria vida dentro de uma escola. No fundo, o que eu queria era entender o tamanho da dor de cada um. Entender a dor de um homem que se jogou na frente de um caminhão e sofreu queimaduras pelo atrito. Sem sucesso na tenta-

tiva de autoextermínio, foi para o hospital e, enquanto a enfermeira pressionava as mãos nas queimaduras, disse: “Você devia ter morrido. Por isso agora eu vou fazer você sentir muita dor, para você se arrepender do que fez.” Eu tive a certeza de que a comunidade é inflexível com as vítimas. Vítimas que sobrevivem. Será que nem mesmo os profissionais da saúde sabem lidar com o suicídio? Senti, naquele momento, que não era só a enfermeira julgando uma atitude. Não é apenas uma atitude individual. A sociedade inteira penaliza. Todas as famílias desesperadas, que não entendem, também estão ali. Existe a crença de que só comete suicídio quem é fraco, quem não pensa no próximo e também que, sair daquela situação, só depende da própria pessoa. Errado. O silêncio em torno do assunto dá a impressão de que ele não é importante ou que simplesmente não acontece. Ele acontece, ele dói, ele choca e ele precisa ser notado. O suicídio precisa ser debatido.

Além dos números

Reflexos na comunidade

Todos os dias, 32 brasileiros se suicidam. Quase 1 milhão de pessoas se matam por ano, uma a cada 40 segundos. São mais vítimas que todas as guerras, homicídios e conflitos civis somados. É a segunda principal causa de morte dos jovens com idades entre 15 e 29 anos. E, para cada morte por suicídio, existem outras 10 ou 20 tentativas. Esses dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas é provável que essas informações nunca tenham chegado até você, porque o suicídio costuma vir acompanhado de um fator que contribui para o seu alastramento: o silêncio. Quando alguém tira a própria vida, é comum que se procure a causa: abuso, falência, perda de um familiar. Mas esses fatos, sozinhos, não bastam para explicar a morte. Entender os fatores que levam a ele e o que pode ser feito são as únicas armas que temos.

Um levantamento da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais revela que, no ano de 2017, o estado apresentou uma média de 60 tentativas de autoextermínio e três casos de suicídio por dia, totalizando 1.425 suicídios. O fator mais preocupante é que Minas Gerais, sendo o segundo estado mais populoso do Brasil, possui uma média percentual de tentativas de suicídio que chega próxima à da cidade de Mariana, se comparada em número de habitantes. Das 63 tentativas de autoextermínio na cidade de Mariana, 50 foram do sexo feminino, enquanto 13 do sexo masculino. Uma única tentativa de suicídio já implica em um impacto emocional considerável na comunidade. Torna-se ainda mais preocupante se analisarmos que o Ministério da Saúde afirma que a magnitude do suicídio em todas as cidades é pelo menos 20% maior.

Repare, ouça e conduza Quando se fala em suicídio, também se fala sobre escolha, crença e barreira social. Permitir o desabafo e dar abertura para a expressão de sentimentos, sem receber críticas, é um meio de evitar que se pense na morte como solução para uma dor que não se cura com remédios. O suicídio precisa ser debatido. Como ajudar alguém nessa situação?

Entenda a situação. Ao perceber que alguém próximo a você apresenta sinais de profunda tristeza e descrença em relação à vida não trate como algo sem importância, algo que pode ser revertido simplesmente com força de vontade. Precisa estar claro que aquela pessoa está sofrendo e quer parar de sofrer. Não desqualifique a dor do outro.

Ouça o pedido de socorro. Quando alguém próximo tenta cometer suicídio, é frequente dizer que a pessoa não queria se matar, mas chamar a atenção. De fato, a pessoa quer chamar a atenção, mas não no sentido de “se mostrar” - é uma tentativa de comunicar a profunda dor que está sentindo. Ou seja: note os sinais sem julgamentos.

Compreenda a gravidade da situação e mostre-se disposto a ajudar. Dizer: “Eu sou solidário com o que você está passando. Não estou sentindo a sua dor, mas quero te ajudar com isso” é uma boa atitude para demonstrar apoio. Repare: não tente dizer que você sabe pelo que aquela pessoa está passando, afinal, você realmente não sabe.

Aconselhe a pessoa a buscar acompanhamento de um profissional. Tratamento é essencial! Falar “tenha força de vontade” ou “daqui a pouco isso passa” definitivamente não é a solução. Memorize a abreviatura ROC: repare, ouça e conduza para atendimento. Mesmo depois de iniciado o tratamento, continue mostrando que se importa.

Apoio O que não pensar

O que pensar

Apenas pessoas com transtornos mentais têm comportamentos que podem levar ao suicídio.

Qualquer pessoa pode ser afetada, não apenas pessoas que possuem transtornos mentais.

Mulheres cometem mais suicídio que homens, por serem mais frágeis, em todas as faixas etárias.

As tentativas entre as mulheres são maiores em qualquer idade, mas os homens se suicidam mais.

Se o indivíduo mostra sinais de melhora ou sobrevive a uma tentativa, está fora de perigo.

Esse é um período em que a pessoa está fragilizada e corre perigo de se fazer mal.

Quem planeja se matar está determinado a morrer, já que poderia agir de outra forma.

A pessoa muitas vezes não deseja a morte, deseja uma saída para seu sofrimento.

Centro de Valorização da Vida (CVV)

Acolhimento e Cuidado ao Estudante (Abrace)

A instituição atua em Ouro Preto e mais de 100 cidades do Brasil. Na cidade, sua mantenedora é o Núcleo de Apoio à Vida de Ouro Preto (Naviop). Presta serviço gratuito de apoio emocional para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. Desenvolve, em todo o país, atividades relacionadas a apoio emocional, que estimulam o autoconhecimento e melhor convivência em grupo e consigo mesmo. O atendimento é feito por voluntários selecionados e treinados pelo CVV.

Encontro semanal terapêutico em um espaço aberto, cujo objetivo é realizar o acolhimento e cuidado entre estudantes da Ufop. A participação na roda de conversa é por livre e espontânea demanda ou por indicação de professores, técnicos ou estudantes. Trata-se de um projeto desenvolvido no âmbito do Programa de Incentivo à Diversidade e Convivência da pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis. O grupo é coordenado pelos professores Aisllan Assis e Gustavo Meirelles, com a participação de estudantes do curso de Medicina.

Contato: 188 (24h sem custo de ligação) Site: https://www.cvv.org.br/ Endereço: Praça Cesário Alvim, Prédio da Estação Atendimento presencial: 7h às 11h

Endereço: Campus Universitário, Rua Dois, Morro do Cruzeiro, prédio da Escola de Medicina, 2º andar Horário: Segundas-feiras às 18h | Sextas-feiras às 9h30


Texto Fernando Neto Edição e Design Alexia Nunes Carrara

Lampião - Dezembro 2019

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Irmãs Labure e Marcina com alunos da turma de 1957

Que saudade da professorinha

Alunas e professoras contam suas memórias sobre a Escola Santo Estevão, uma das pioneiras do ensino infantil em Minas Gerais

E

ra uma vez um casarão. Nele funcionava a Escola Estadual Santo Estevão. Fica em uma esquina, lugar onde se encontraram vários personagens, cruzaram-se várias histórias e de onde partiram diferentes destinos. Possivelmente a primeira escola de ensino infantil de Minas Gerais, recebia crianças de 3 a 10 anos, vindas das mais variadas famílias de Mariana, pertencentes a todas as classes sociais. As datas de sua fundação e de seu encerramento, bem como os motivos de seu fim, não são conhecidos. Mas esses não são os dados mais importantes. As informações essenciais não são as que ficaram guardadas em arquivos empoeirados, podendo estar perdidas ou deterioradas, mas as que estão impressas na memória para sempre. Reunir essas memórias foi o que tentaram fazer Aparecida e Zulmira, ex-alunas do Santo Estevão. Publicaram, em um grupo do Facebook chamado Mariana do Fundo do Baú, um convite aos ex-alunos a postar fotos e histórias da época em que frequentavam a escola. Várias pessoas se manifestaram, um mundo de recordações surgiu e várias lembranças voltaram à tona. Era uma vez uma freira que jogava balas no pátio para as crianças na hora do recreio. Era uma vez o cineminha, um projetor de fotos que se sucediam ante os olhos estáticos e encantados dos alunos. Eram muitas vezes os teatrinhos, as festas juninas, as fanfarras, as canções. Ah, as canções! Era sempre com alegria que cantavam O Cravo Brigou com a Rosa, Alecrim Dourado, Ciranda Cirandinha e tantas outras. Canções, inúmeras canções que embalaram a infância dos alunos do Santo Estevão. E os brinquedos eram muitos, variados, incontáveis brinquedos. Verdadeiros objetos da criatividade infantil: uma caixa virava uma geladeira, latas se convertiam em panelas, pedaços de madeira se transformavam em carrinhos. Pião, pipa, pé de lata... Festinhas e fantasias em dias comemorativos também não faltavam - até fantasia de flor havia. Bastava uma folha de coqueiro e zás!, desciam um morro deslizando. Isso sem falar do parquinho da escola! E brincar tan-

Festas à fantasia aconteciam com frequência no Santo Estevão

Foi ali que eu encontrei mais felicidade, onde eu vi o florescer da criança para a vida.

As atividades da escola se integravam ao cotidiano marianense

A fanfarra da escola participava dos desfiles de 7 de Setembro

to dá fome: hora da merenda! O cheiro se espalhava pelo ar, da comida sempre muito gostosa, feita com carinho. Todos os que conheceram o Santo Estevão o consideram uma escola única. Seus ex-alunos estudaram ou trabalharam em outras escolas, mas o lugar que ele ocupa em suas vidas nunca foi substituído. Tinha um projeto pedagógico diferente: a diversão era mais valorizada que o aprendizado forçado; as brincadeiras, mais importantes que uma rígida disciplina. Por ser uma escola infantil e a única que recebia crianças tão jovens, nem mesmo havia a obrigatoriedade de que seus alunos saíssem de lá alfabetizados. Iniciava as crianças na vida de estudos, e nisso teve sucesso. Mais que uma escola preparatória, o Santo Estevão se propunha a ser um universo lúdico, próprio, onde a vida era mais leve, o riso era mais fácil e tudo fazia muito sentido. E nisso teve ainda mais sucesso. O Santo Estevão, ou Escola das Irmãs, como era carinhosamente chamado, ensinava para seus alunos não apenas os conteúdos escolares; ensinava sobre felicidade. Para Aparecida, foi a melhor época de sua vida. Lembra com perfeição das festas, dos brinquedos, das músicas infantis. Da infância simples, conserva uma enorme riqueza de memórias, que tenta passar como herança para seus netos. Ensina as músicas que cantava quando pequena, confecciona para eles os brinquedos que a divertiram nos dias do Santo Estevão. Foi a melhor época também para Séfora, outra ex-aluna, que sempre se lembra do desfile de 7 de setembro: as crianças menores iam sobre um carro alegórico, enquanto as maiores acompanhavam-no tocando a fanfarra. A única escola pública que possuía sua própria fanfarra, como se vê na foto ao lado. Recorda-se também dos experimentos: ir para a cozinha fazer massinha, confeccionar giz a partir de pontas de lápis. E das leituras, dos desenhos e trabalhos manuais: recorta aqui, cola lá, risca, colore, contorna. Muita diversão. A infância brilha nos olhos de Séfora, vibra na voz de Aparecida. A voz nunca envelhece, os olhos nunca chegam à ida-

Primeira turma da professora Maria Luiza Dias, em 1983

O Santo Estevão marcou minha vida escolar e minha vida profissional. É uma saudade muito grande. Foi inesquecível.

Maria Luiza já tinha sido aluna da escola em 1966

de adulta. O Santo Estevão - com seu grande portão verde, seu parquinho, seu pátio onde choviam balas - nunca as deixou. Nunca deixou também Maria Luiza, aquela da foto ali em cima, de uniforme e bolsinha lateral. Gostava tanto da escola que, depois de se formar como professora, retornou para aquele casarão da esquina, dessa vez para ensinar. A foto lá em cima é o registro de seu primeiro ano ensinando. Tornou-se colega de trabalho de sua primeira professora: distintas gerações que se encontravam, que aprendiam e ensinavam mutuamente naquele mesmo lugar. E essa história se repetiu várias vezes: muitos alunos voltaram para o Santo Estevão como professores, uma forma de dividir o que receberam. Um dia o Santo Estevão acabou. Não se sabe ao certo o motivo de seu encerramento,

mas sabemos o de seu início: criar memórias. Ao colocar em prática um projeto de educação diferente, construíram não apenas uma escola e, sim, um mundo encantado, insubstituível e inesquecível. Relembrar essa escola e as vivências da Aparecida, da Séfora, da Maria Luiza e tantos outros é recordar parte da lembrança da cidade e das memórias coletivas dos marianenses. E, muito mais que isso, relembrar o Santo Estevão e as histórias que lá aconteceram é relembrar o passado de todos. Pois a infância permanece em nós como um tempo separado do tempo, um tempo que ocupa um outro lugar, uma geografia mais viva, mais pura e mais colorida. Principalmente para os que tiveram durante suas vidas um Santo Estevão. Que tiveram, que têm e terão no futuro, porque essa escola não fica no era uma vez. O Santo Estevão é para sempre.


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Lampião - Dezembro 2019

Texto Fernando Neto e Marcela Ayres Fotografia Fernando Neto Design e Edição Marcela Ayres Ilustração Ana Miranda

irreguLARES Histórias incertas e rotinas precárias de pessoas que moram nos bairros Morada do Sol e Santa Clara, em Mariana

N

uma tarde quente de primavera, Rosa e Beatriz nos recebem no bairro Morada do Sol. “Coma mais uma banana, tem muita. Se não comer vai estragar.” As bananas vêm do quintal, onde Rosa cultiva com cuidado a sua horta, no espaço que ela ocupou e criou raízes. Na varanda, o fogão a lenha ilumina e aquece a casa sempre cheia de gente da sua família. A alguns quilômetros dali, minutos antes do pôr do sol, Beatriz, residente no bairro Santa Clara, chega do trabalho. Nos convida para entrar e sentar à mesa, disposta a conversar sobre sua vida. Poucos metros à frente, Rosa interrompe a lavagem de roupas para conversar conosco. Rosa e Beatriz do Morada do Sol e Rosa e Beatriz do Santa Clara: nomes e histórias que se repetem em pontos opostos da cidade. Geralmente fugindo do aluguel, essas pessoas ocupam terrenos vagos e constroem suas casas sem planejamento adequado. A trajetória dessas personagens se entrecruzam, assim como as histórias das duas ocupações. Ambas surgiram há aproximadamente oito anos em terrenos

pertencentes à Companhia Minas de Passagem. No Morada do Sol, os primeiros moradores, incluindo Rosa e Beatriz, construíram suas casas, abriram ruas com pás, instalaram fiação e encanamento. Mas as ruas são difíceis de transitar e os fios elétricos, baixos. “Falta água um dia sim, um dia não”, diz Rosa. A ocupação Santa Clara também foi construída pelos próprios moradores. Lá, o principal problema é a ausência de iluminação pública e a fiação irregular, formada por gatos (ligações elétricas clandestinas usadas para furtar energia). Os moradores são há anos invisibilizados por parte da sociedade e do poder público.

Os guardas chegaram chutando as paredes e quebrando tudo.”

Há desde a dificuldade de construir as casas - pois os materiais de construção são impedidos de chegar - até ameaças de morte. Um caso permanece vivo na memória: no início das duas ocu-

pações, os moradores viram suas casas serem destruídas. “Os guardas chegaram chutando as paredes e quebrando tudo”, relembra Beatriz, do Morada do Sol. Fugiram correndo com outros moradores no meio da noite. Seus lares foram derrubados e seus bens, jogados fora. Mas recomeçaram. No início da reconstrução temiam sair de casa e, na volta, encontrar toda a área destruída. No Santa Clara também houve demolição, mas nesse caso, as casas de Rosa e Beatriz foram poupadas. A de Beatriz escapou por pouco, já que sua filha, na época com 4 anos, entrou na frente do trator para que a casa não desmoronasse. Já a de Rosa foi salva da destruição de maneira diferente. Sua mãe, que tomava sol na varanda no momento em que o trator passava, comoveu o motorista, que ao vê-la naquela situação, desistiu de demolir sua casa. Um passado de sofrimento e um futuro de incertezas para a geração da filha de Beatriz por exemplo, que não sabia o que enfrentaria dali para frente. O sol vai se despedindo na Morada do Sol. No Santa Clara, a noite começa a surgir.

Bairro Santa Clara. Única rua com poste instalado pela prefeitura

A Constituição prevê... O direito à moradia foi garantido em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), da qual o Brasil é país membro. Além disso, é previsto pela Constituição brasileira de 1988. Conversamos com Antônio Marcelo da Silva, cientista político e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Ele nos explicou que o direito à propriedade não é absoluto. Para que seja respeitado, tem que cumprir a sua função social, isto é, deve estar em uso. Caso contrário, o direito à moradia se sobrepõe.

Ocupar espaços inutilizados, como as ocupações Morada do Sol e Santa Clara, não fere as leis vigentes, embora a aplicação dessa lei seja falha. A lei é federal, mas sua regulamentação fica a cargo do poder municipal. Os municípios não possuem poder de coerção para punir os proprietários que não cumprem a lei, e dessa forma ela não é posta em prática. “É uma maneira elegante de você criar uma situação em que as pessoas vão bater palma e depois nada vai funcionar”, conclui Antônio Marcelo.

Bairro Morada do Sol. Caminhos incertos em busca da regularização

... mas é o município que regulamenta Um levantamento feito este ano pelo Colégio Registral Imobiliário de Minas Gerais (CoriMG), mostra que 3 milhões de imóveis são irregulares. Mariana é a cidade com maior valor médio de aluguel do estado, segundo uma pesquisa divulgada no Mais Minas em novembro de 2017, tornando a moradia inacessível. Dessa forma, famílias veem nas ocupações uma alternativa viável para morar sem muitos gastos. Mas as condições são precárias e a estrutura das casas não oferece segurança. Segundo o secretário municipal de Defesa Social, Braz Luiz de Azevedo, cerca de 2 mil pessoas moram em ocupações em Mariana. Este número não é oficial, porque nem todos estão cadastra-

dos na prefeitura, por não possuírem alvará. Ele afirma que esses bairros são ocupados por quem não tem condições financeiras de ter um imóvel, mas também por quem constrói nesses locais para alugar ou vender, tornando a prática ilegal. A prática informal permite a posse do terreno, mas não o registro da propriedade. Inicialmente a prefeitura notifica os ocupantes e solicita a evacuação do local. Caso isso não seja cumprido, inicia-se uma ação judicial, que dá a ordem de despejo e assistentes sociais cadastram os moradores de baixa renda. De acordo com Juliano Barbosa, secretário de Desenvolvimento Social, após o cadastramento, essas pessoas podem receber o auxílio aluguel, um programa de

ajuda habitacional que varia de R$ 150 a R$ 300, de acordo com a renda. Além disso, há apartamentos cedidos em comodato vitalício para as famílias, desde que não possuam bens em seus nomes. No bairro Santa Clara existem 148 apartamentos, e no Morada do Sol, 35. Todos em reforma e sem previsão de entrega. O sol se põe no Morada do Sol. A noite cai sobre o Santa Clara. A escuridão invade as ruas sem iluminação pública. Desde o início, os moradores desses bairros vivem uma noite que já dura 8 anos. Uma coisa é necessária e esperada por todos esses moradores: a regularização de suas casas. Só assim o sol habitará na Morada do Sol e iluminará a longa noite do Santa Clara.

Rosa do Santa Clara. A tranquilidade em meio à dúvida quanto ao futuro


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