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CF 2023 propõe ações nos âmbitos pessoal, comunitário e sociopolítico para o combate à fome no Brasil

CAMPANHA DA FRATERNIDADE COMEÇA NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS, 22, COM

O LEMA ‘DAI-LHES VÓS MESMOS DE COMER’ (MT 14,16)

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DANIEL GOMES osaopaulo@uol.com.br

“Um instrumento de comunhão eclesial, de formação das consciências e do comportamento cristão e de edificação de uma verdadeira fraternidade cristã entre os brasileiros” (texto-base da CF 2023, nº173). Assim é a Campanha da Fraternidade, promovida anualmente pela Igreja no Brasil durante o período da Quaresma.

Realizada pela primeira vez em 1962 na Arquidiocese de Natal (RN), a Campanha da Fraternidade (CF) tem abrangência nacional desde 1964, sendo organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A Campanha “questiona cada pessoa de boa vontade, grupos eclesiais e instituições civis acerca de seu envolvimento com as transformações espirituais, sociais, político-econômicas e ecológicas, a fim de verificar a coerência com o projeto do Reino de Deus mediante a escuta mais atenta e comprometida do Evangelho” (texto-base, nº3).

Pela terceira vez em suas 60 edições, o combate à fome é o tema em destaque, assim como foi nos anos de 1975 e 1985, sendo refletido em 2023 à luz do lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).

A CF 2023, com início na Quarta-feira de Cinzas, 22, tem como objetivo geral sensibilizar a sociedade e a Igreja para o enfrentamento do flagelo da fome, por meio de compromissos que transformem esta realidade a partir do Evangelho.

A Fome E O Compromisso Do Crist O

De acordo com o texto-base da CF deste ano, o lema escolhido – “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16) –, ao mesmo tempo em que expressa a compaixão de Jesus pela multidão faminta, também lembra que a mudança desse panorama depende do empenho de cada pessoa em favor dos que passam fome: “Jesus compromete os discípulos. É necessário que se sintam responsáveis diante das necessidades dos outros. A comunidade cristã não pode assistir indiferente à fome no mundo” (nº22).

Assim, ao ordenar aos seus discípulos – ‘Dai-lhes vós mesmos de comer!’ – Cristo os conclama à responsabilidade diante do flagelo da fome: “Jesus, o Novo Moisés, nos ensina que Deus continua a alimentar seus filhos e o faz não mais com o Maná que cai dos céus, mas por intermédio da responsabilidade fraterna daqueles que se fazem discípulos. À diferença de Moisés, Jesus não age sozinho. Ele convida os discípulos a participarem do que Ele realiza, ordena que os discípulos reconheçam e ocupem seus lugares” (nº138).

No texto-base da Campanha, também é apontado que “não participa efetivamente da comunhão que a Eucaristia constrói aquele que não está disposto a assumir para si a compaixão com a qual Jesus se comprometeu ou a entrega de si que Ele realizou, ou mesmo a profecia que Ele assumiu, na radicalidade de suas palavras e de sua indignação diante da injustiça” (nº154).

“Há que se dizer que, diante da fome, a profecia começa sendo compaixão para depois tornar-se algum tipo de ação concreta, individual, comunitária, eclesial e socioambiental” (nº156).

As Raz Es Para

A Fome No Brasil

No texto de apresentação da CF 2023, os bispos da Presidência da CNBB ressaltam que a fome do ser humano se dá em múltiplas dimensões. Por primeiro, está a fome de Deus – “desejamos estar com Ele e poder participar de seu amor e de sua misericórdia”; há, também, a fome por paz, fraternidade, verdade e concórdia; e, claro, a fome decorrente da necessidade de alimentos: “Cada ser humano que não encontra o necessário para se alimentar é, em si, um questionamento a respeito dos rumos que estamos dando a nós mesmos e à nossa sociedade”, apontam os bispos.

No subsídio da CF 2023 também se aponta que a fome é um contratestemunho que não reconhece de forma prática a dignidade integral das pessoas; é sinal de que não se considera a primazia do bem comum como o conjunto de todos os bens necessários para cada ser humano; e lembra que aquele que passa fome não participa efetivamente da sociedade, sendo considerado como indigente ou invisível (cf. nº7).

Também são apresentados alguns dados do II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil (II Vigisan), da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, entre os quais o fato de que, em 58,1% dos domicílios do País, há algum nível de insegurança alimentar; e que, em 15,5% destes, os moradores convivem com a fome, o equivalente a cerca de 33 milhões de pessoas.

Diante dos dados e fatos, a CF 2023 conclama não apenas à solidariedade pontual com quem está faminto, mas ao enfrentamento das causas da fome.

“Na origem deste drama estão, sobretudo, a falta de compaixão, o desinteresse de muitos e uma escassa vontade social e política de responder às obriga çõ es internacionais” (nº9), além do fato de o alimento ser tratado como mais uma entre as tantas mercadorias, atendendo à “prioridade de mercado” e à primazia do lucro (cf. nº10).

Também são apontadas como razões para a fome no Brasil a histórica estrutura agrária centrada em estabelecimentos fundiários, a supervalorização do agronegócio, a pouca atenção à agricultura familiar, o fato de o sistema produtivo agrícola ser mais voltado às exportações do que ao mercado interno (cf. nº46-47), e o alto preço dos alimentos em relação ao salário dos trabalhadores.

Comportamentos morais lamentáveis também são mencionados como desencadeadores da fome no Brasil: “A busca egoísta do dinheiro, do poder e da imagem pública; a perda do sentido de serviço à comunidade em benefício exclusivo de pessoas ou de grupos; sem esquecer o importante grau de corrupção, sob as mais diversas formas” (nº52).

COMO MUDAR ESTE PANORAMA?

A CF 2023, à luz do compromisso de cada cristão com as obras de misericórdia, faz um amplo chamado para que se reverta o flagelo da fome no Brasil, a partir de ações nos níveis assistencial, promocional e sociopolítico.

“O faminto precisa, sobretudo, recuperar a dignidade, o que só acontece quando lhe é devolvida a capacidade de ganhar o pão com o suor do seu rosto. Ações assistenciais são importantes na medida em que respondem a situações emergenciais. Não podem, entretanto, ser as únicas no enfrentamento da fome. São necessárias políticas públicas, principalmente de Estado, e investimentos a partir da responsabilidade social das empresas. Mais ainda, é preciso que as ações mudem a realidade social, trazendo para o centro a pessoa humana e a sua dignidade, buscando a superação de uma sociedade de famintos” (nº160).

É lembrado, ainda, que a Igreja, por meio de sua Pastoral Social, deve dar acolhida e acompanhar as pessoas excluídas, valendo-se, para tal, de criatividade pastoral e de mobilizações em prol de políticas públicas voltadas aos mais necessitados (cf. nº163).

No subsídio da CF 2023, são apresentadas sugestões de ação em âmbito pessoal, comunitário-eclesial e sociopolítico com o objetivo de combater a fome.

O QUE CADA UM PODE FAZER? (nº166)

Partilhar o que tem, ainda que seja pouco, com aqueles que mais necessitam, sendo especialmente solidário com quem passa fome de forma mais aguda; Jejuar em atitude solidária com aqueles que passam fome, e converter o resultado do seu jejum e penitência quaresmal em alimentos para essas pessoas;

Questionar o próprio estilo de vida e de alimentação; Colaborar com entidades sérias e transparentes que arrecadam alimentos;

Abolir o desperdício de alimentos, estabelecendo práticas de alimentação saudável;

Realizar um doação significativa para a Coleta Nacional da Solidariedade, no Domingo de Ramos, cujos recursos serão destinados a projetos ligados ao tema da CF 2023;

Praticar o voluntariado e envolver-se nos trabalhos e nas ações que já existem na comunidade, como as realizadas pela Sociedade São Vicente de Paulo (Vicentinos), o Serviço da Caridade, as Pastorais Sociais, a Caritas etc.;

Participar mais ativamente das discussões sociais de políticas públicas e se envolver nas iniciativas públicas (governamentais ou não) de combate à fome e à pobreza.

O QUE NÓS, COMO IGREJA, PODEMOS FAZER? (nº167)

Motivar a participação dos fiéis na Coleta Nacional da Solidariedade; Fazer um levantamento das pessoas e famílias que passam fome ou alguma necessidade, observando suas condições de vida, buscando entender o que as levou a essa situação, iluminando-as com a Palavra de Deus; Articular os meios de comunicação e as mídias digitais de inspiração católica para divulgar ações inspiradoras que já estão sendo feitas para a superação da miséria e da fome; Promover rodas de conversa com quem já sentiu na própria pele o flagelo da fome; Realizar seminários de partilha do que já está sendo feito para combater a fome; Acolher, implementar e valorizar iniciativas em favor de uma alimentação saudável e compartilhada, como as hortas comunitárias;

Avaliar os serviços caritativos a partir das seguintes questões: “O pobre é respeitado em sua dignidade? É beneficiário passivo de ajuda? Qual a sua margem de participação e corresponsabilidade? Nesse serviço, há algum resquício de superioridade ou prepotência? Além da ajuda concreta, é feito algum estudo sobre as causas da pobreza neste lugar?”; Realizar encontros com os agentes das mais diversas pastorais sobre a relação Eucaristia e fome;

Envolver-se em iniciativas ecumênicas e inter-religiosas que visam à superação da miséria e da fome, e à promoção da agricultura familiar agroecológica;

Levar pessoas e grupos religiosos para realizar ações concretas em áreas de exclusão;

Planejar o Dia Mundial dos Pobres (no 33o Domingo do Tempo Comum); Educar para a solidariedade permanente e não apenas para a ocasional; Manter as portas das igrejas abertas para o acolhimento imediato e o cuidado sistêmico dos mais pobres e necessitados.

O QUE A SOCIEDADE PODE FAZER E COBRAR DOS QUE GOVERNAM? (nº168)

Despertar em todos o desejo de estancar a continuidade da miséria e da fome;

Ouvir os pobres e famintos; Promover ações de voluntariado no campo da assistência social; Realizar pesquisas que levem à produção e comercialização de alimentos sadios, mais baratos e abundantes para a mesa do pobre; Fiscalizar a aplicação do orçamento público, especialmente no que tange à ação social;

Organizar grupos de orientação e educação alimentar, economia doméstica, horta em casa etc., que ofereçam dicas práticas sobre como conservar alimentos, prepará-los mantendo seu valor nutricional e comprá-los sem gastar muito;

Promover audiências públicas que discutam a situação da fome, suas causas e consequências e como solucioná-la; Desenvolver atividades interdisciplinares nas escolas sobre o tema da fome;

Cobrar as três esferas de governo –municipal, estadual e federal – para que:

Implementem políticas públicas eficazes para a erradicação da fome; Invistam na alimentação escolar saudável;

Incentivem a produção diversificada de alimentos na agricultura familiar;

Estimulem o pequeno produtor e o pequeno comércio;

Especificamente do governo federal, cobrar que:

Retome programas de aquisição de alimentos e os estoques públicos reguladores e estratégicos;

Crie uma agência nacional que regule a alimentação, para garantir que seja saudável;

Garanta uma política de preços para que a cesta básica seja acessível a todos;

Realize uma reforma do sistema tri- butário nacional que não pese sobre os mais pobres; Corrija o valor per capita repassado pelo Fundo Nacional de Educação para os municípios, a fim de ampliar a capacidade das escolas de prover a alimentação escolar e assegurar uma melhor qualidade dos alimentos adquiridos.

Confira Os 9 Objetivos Espec Ficos Da Cf 2023

1) Compreender a realidade da fome à luz da fé em Jesus Cristo;

2) Desvelar as causas estruturais da fome no Brasil;

3) Indicar as contradições de uma economia que mata pela fome;

4) Aprofundar o conhecimento e a compreensão das exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome;

5) Acolher o imperativo da Palavra de Deus, que nos conduz ao compromisso e à corresponsabilidade fraterna;

6) Investir esforços concretos em iniciativas individuais, comunitárias e sociais que levem à superação da miséria e da fome no Brasil;

7) Estimular iniciativas de agricultura familiar agroecológica e a produção de alimentos saudáveis;

8) Reconhecer e fomentar iniciativas conjuntas entre a comunidade de fé e outras instituições da sociedade civil organizada;

9) Mobilizar a sociedade para uma sólida política de alimentação no Brasil, garantindo que todos tenham vida.

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