Real Gazeta do Alto Minho | N.º 16

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Edição do Centro de Estudos Adriano Xavier Cordeiro | n.º 16

Junho de 2018

Nesta edição «…A

ausência

de

mandato

• Transformação digital e novos média | p 15

temporariamente limitado permite ao Rei

• A Serva de Deus Zita | p 17

não ter de adequar a sua prática a ciclos

• Ser pessoa - a pluralidade | p 20 • Fernão de Magalhães - do Porto ao vale do Lima | p 28

políticos de circunstância, favorecendo a

• Reais Conversas com… | p 37

perenidade dos princípios...»

• Causa Real em jornada de reflexão | p 41 • António Feijó, subsídios para uma biografia | p 43

Real Gazeta de Viana do Castelo entrevista Dr. Luís Graça | p 10

• Uma Constituição para Portugal | p 46

1

• Casamentos Reais em Inglaterra… | p 51


Aclamação, a

Eleição do Rei Miguel Villas Boas

Um regímen perfeito em relação a um Povo é aquele em que os

Monarquia Portuguesa o princípio era o mesmo, e a aplicação

costumes, que são o espírito vivo desse Povo, se reflectem

prática ainda mais assente nas bases da mais pura de todas as

nesse regime. Por muito marcante e admirável que, por vezes,

demokratias, a directa.

possam ser a personalidade e carácter de um presidente da

Quando os portucalenses, esse povo calaico e suevo, com uma

república, existe uma falha original na chefatura, que melhor não

individualidade distinta dos visigodos leoneses e castelhanos, quis

podia ser descrita do que como o fez Ramalho Ortigão:

que o mais valente e insigne de todos os Infantes os conduzisse à

‘Um Rei é Presidente de todos os cidadãos. Um Presidente é apenas o

independência, não vislumbrou nele uma centelha sagrada, mas

Rei dos seus correligionários’.

uma valentia e nobreza que lhes interessava para seu primus inter pares. Não o viram apenas como um ungido e como tal com o

No tempo da Monarquia Portuguesa, o Rei ganhava a sua

direito divino de reinar, como acontecia nas monarquias

legitimidade como Monarca e Soberano por vontade de todos

absolutas, mas elegeram-no para conduzir a Nação Portucalense

dos Portugueses. Reinar não era nem é uma regalia obtida pelo

que haveria de se aliar aos lusitanos, para depois ser Portugal.

acaso do nascimento transmutado em lei pelo benefício da sucessão directa ou da representação na sucessão. Tal como

Assim, no Reino de Portugal, nunca a Soberania foi coisa própria

hoje a soberania reside em a Nação - ou seja, originariamente,

e cativa dos Reis, mas os Monarcas Portugueses exerciam a

o poder reside no Povo, - também, nos nostálgicos dias da

Soberania por delegação da Comunidade por intermédio de um 2


pactum subjectionis em que o mandato real era limitado, uma vez

vontade expressa de todos os Portugueses e já como Rei de

que o poder vinha directamente de Deus para o Povo tendo

Portugal de acordo com o desejo de todo o Reino.

estes súbditos o poder in habitu e os reis apenas o poder in actu.

Assim reinaram seus filhos, netos, bisnetos, etc., nos 771 anos da

Atente-se no que escreveu Velasco de Gouveia in ‘Justa

Monarquia Portuguesa: por delegação e vontade da Comunidade

Aclamação’:

portuguesa.

‘Que o poder Régio dos Reis está nos Povos e Respublicas, e delas o

Por que se diz que era de acordo com a vontade expressa de

receberão imediatamente.

todo o Reino?

Que o poder político civil, está nos próprios Povos e Respublicas, e que

Assim acontecia, porque o poder real era legitimado pelas

os Reis o não receberão imediatamente de Deus, senão deles onde

Cortes Gerais da Nação Portuguesa. As Cortes eram

principalmente consistia e estava.

assembleias políticas, Gerais ou Extraordinárias, os órgãos políticos de carácter consultivo e deliberativo das Monarquias

A instituição dos Reis, e a translação do poder régio neles se fez entre

orgânicas. Eram convocadas pelo Rei, ou em seu nome, para as

os homens per modo de pacto; transferindo-se neles o poder com

diferentes classes sociais estabelecidas em três Ordens: o

pacto, e condição de os governarem e administrarem com justiça, e

Primeiro Estado, fronde do Clero; o Segundo Estado, fronde da

tratarem da defesa, e conservação e aumento dos próprios Reinos.

Nobreza; e o Terceiro Estado, fronde do Povo.

Que ainda que os povos transferissem o poder nos Reis, lhes ficou

As Cortes da Monarquia Portuguesa eram uma evolução dos

habitualmente, e o podem reassumir quando lhes for necessário para

concílios nacionais da monarquia visigótica, e, a designação de

sua conservação.

Cortes provém do nome de Corte dado a cada uma das várias

A verdade é, que posto que os povos transferissem nos Reis o seu

audiências pelas quais se desenvolviam os trabalhos da

poder e império, não foi abdicando totalmente deles, se não

Assembleia. Havia diferentes designações para as Cortes: Cúria,

ficando-lhe ao menos in habitu, para o poderem reassumir, e

Concílio e Parlamento – daí a designação ainda hoje utilizada.

exercitar in casu em alguns caos, e com certas circunstâncias, em que

As Cortes eram compostas pelo Estado do Clero, os prelados

assim o pedisse justamente a razão de sua natural conservação e

diocesanos, representantes dos cabidos e superiores das ordens religiosas; pelo Estado da Nobreza, um grupo de nobres membros das famílias nobres de Portugal a quem era reconhecido o direito de participar em Cortes; e o Estado do Povo, representado em Cortes pelos procuradores dos Concelhos Municipais. Desde o alvor da Monarquia Portuguesa que as liberdades municipais eram uma regra essencial de governação. O papel democrático

dos

municípios

tornava-o

em

real

representante de toda a comunidade local diante do Rei que valorizava o apoio popular. Esses conselhos municipais compostos por ‘vizinhos’ tinham capacidade política

e

um

fundamentais,

enorme

regalias

e

conjunto seguranças,

de

liberdades

normalmente

consignadas em carta de Foral - que elencava as matérias relativas à liberdade das pessoas, ao direito de asilo, à defesa

dos

direitos

em

juízo,

à

tributação,

à

inviolabilidade do domicílio. Destes concelhos eram

Aclamação D. Afonso Henriques

enviados representantes às Cortes, tendo assim o Povo participação directa na governação.

defesa.’

As Cortes funcionavam por convocatória do Rei em sessões

Assim, desde que o Primeiro Rei de Portugal fundou esta tão

ordinárias, antecedidas por sessões solenes. Na sessão solene,

grande Nação com o auxílio dos Infanções Portucalenses, foi

era proferido um discurso de abertura, a cargo de alguém

através de um Alevantamento de todos, que naquela linda manha

nomeado pelo Rei. Neste discurso, eram, apresentados, os

do Dia de San’ Tiago, em 1139, foi alçado no Trono El-Rei Dom

motivos da convocação.

Afonso Henriques. Primeiro, em 1139, apenas Rei dos Portugueses assegurou o apoio de toda a Comunidade

Os trabalhos das Cortes desenrolavam-se em reuniões

Portuguesa ao ser levantado, reinando sempre de acordo com a

independentes de cada um dos três braços, que, de per si, 3


apresentavam, ao Rei, as suas petições ou conclusões. O Rei, a

‘Apenas a Comunidade de portugueses reunida na instituição das

cada um, respondia ulteriormente, cabendo-lhe, sempre, em

Cortes pode conferir legitimidade suprema ao poder do Rei, por isso o

caso de impasse ou não, a decisão final. A duração dos trabalhos

juramento do rei será legitimado pelo juramento de Fidelidade dos

decorria por tempo indefinido até que se concluíssem os

três Estados: Clero, Nobreza e Povos; o Juramento dos Povos terá de

assuntos em discussão; pode, contudo, afirmar-se que a média

ser confirmado pelos legítimos representantes do estado dos Povos, os

seria a duração de um mês.

procuradores dos Concelhos em Cortes. O Rei identifica a vontade expressa de todo um reino. Não se defende a teoria medieval da

As Cúrias eram denominadas Cortes Gerais quando realizadas

origem divina do poder régio, mas reside na legitimação da

para eleger e aclamar o Rei. E Cortes Extraordinárias, as que,

supremacia do Reino de Portugal ao afirmar que os reis recebem o

formalmente, se limitavam a formular pedidos ao Rei – os

poder do povo para governar sob a condição tácita de reger bem e

Agravamentos -, sobre questões de interesse geral do reino ou

direitamente. É a tradição portuguesa de autodeterminação a partir

de interesse de algum município ou de algum Estado ou mester

da base social dos Três Estados. É a consciência de serviço ao Reino,

em particular.

que nunca será extirpado sequer pelas formas mais extremas de

Havendo deferência do pedido pelo Rei, essa promulgação

absolutismo.’

conferia o valor de Lei ao Agravamento.

Assim a legitimação dos Reis resulta destes receberem o poder

Mas voltando à Aclamação, Portugal era o único Reino onde o

do Povo para governar sob a obrigação implícita de reinar bem.

Rei não era Coroado, ainda que até D. João IV usassem Coroa,

O Rei coloca-se ao serviço da Nação – a servidão de reinar de

mas Aclamado, sendo a imposição da Coroa não o acto que

que falava D. Pedro V - caso contrário, se ele não cumprir

conferia legitimidade ao Rei, mas o seu Alçamento - como era

quaisquer deveres próprios à função real, a Comunidade pode

primeiro chamada a Aclamação até D. João IV -, ou seja, era o

destroná-lo. A Nação não é obrigada a amargar um Rei

Alevantamento pelos súbditos que o investia Rei, fosse D.

despótico e caprichoso e por isso mesmo o Monarca pode ser

Afonso Henriques na primeira das vezes ou D. Manuel II na

deposto por Cortes Gerais. É a repristinação do mandamento

última cerimónia. Com excepção do Rei Fundador em que não

do direito visigótico de que o Rei tem de reinar justamente: ‘És

existiu uma sucessão, nos Monarcas que se Lhe seguiram, após a

Rei se fizeres rectamente, se não fizeres, não és’, que foi plasmado

morte do anterior Rei, a fórmula era de que o novo Rei fosse

nas leis do Reino e depois nas Constituições do Reino de

Aclamado onde estivesse ou onde fossem realizadas as Cortes

Portugal.

Gerais no caso de ser necessário eleger um Rei que não fosse o

‘Os Tês Estados destes Reinos de Portugal, juntos nestas Cortes, onde

Príncipe herdeiro, não havendo lugar específico para a realização

representam os mesmos Reinos e em todo o poder que neles há,

do acto jurídico que lhe conferia a legitimidade real. Se Dom

consultarão que por princípio delas deviam fazer assento por escrito

Afonso I foi aclamado em Ourique, a Aclamação do Rei-eleito

firmado por todos (…) E pressupondo por cousa certa em direito,

Dom João I ocorreu, a 6 de Abril de 1385, nas Cortes de

que ao Reino somente compete (…) eximir-se também de sua

Coimbra. ‘Ouvide! Ouvide! Ouvide! Arreal! Arreal! Arreal! Pelo mui

sujeição e domínio, quando o Rei por seu modo de governo se fez

alto e poderoso Príncipe El-Rei Dom Joam, nosso senhor!’

indigno de reinar, por quanto este poder lhe ficou, quando os povos a

Assim os Rei desta tão abençoada Nação, ainda que Pela Graça

principio transferirão o seu poder no Rei para os governar’, escreveu

de Deus, fruto da Aclamação, também, o não eram menos pelo

Ayres de Campos in ‘O poder Real e as Cortes’.

Querer de Todos os Portugueses.

Para castigar o Rei que fazia mau uso do poder que lhe havia

A Monarquia Portuguesa derivava, portanto, de uma convenção

sido conferido pela Comunidade, a competência pertenceu

entre a Res Publica, a Comunidade dos Portugueses (que D.

primeiro às Cortes Gerais, e

Francisco de Almeida definiu como a ’congregação de nossos

depois,

parentes, amigos e compatriotas, a que chamamos república’) e o

Constitucional ao Parlamento,

Rei, que era sempre Aclamado, primeiro pelos Três Estados

também chamado de Cortes, e

reunidos em Cortes, depois, na vigência da Monarquia

que dispunham de meios que

Constitucional, através da Aclamação dos Pares do Reino da

iam desde a ab-rogação das

Câmara Alta e dos Deputados da Nação da Câmara Baixa das

regalias reais, pela instituição de

Cortes e depois ainda com uma Aclamação pelo Povo diante da

uma Regência, ou mesmo pela

varanda de São Bento, pois nunca assentou as suas bases no

extremada deposição do Rei.

absolutismo da teoria medieval da origem divina do poder, mas

na

Monarquia

Assim, deu-se em Portugal, o

antes erigiu o seu trono nas bases do sólido apoio de toda a

caso particular, desde o próprio

Grei.

Rei

No Assento das Cortes de 1641 ficou expresso:

Fundador

Dom

Afonso

Henriques até ao último Rei, Dom Manuel II, de que o Rei é O Arauto Anuncia 4


Aclamado e nunca imposto!

a capital passou para Lisboa - ainda que sem Decreto Régio que oficiasse essa passagem de iure de Coimbra para Lisboa -, a

Quando um Rei era chamado para a Casa do Senhor, o Arauto

Aclamação alternava entre o Paço da Alcaçova e o da Ribeira,

D’El-Rei, um gentil-homem usando as antigas vestes, soltava um

depois no de Belém e com a abertura do Palácio de São Bento,

brado à porta da câmara mortuária:

passou a ser lá realizada.

- Chorai Nobres! Chorai Povo! Morreu o Vosso Rei!

‘Juro e prometo com a graça de Deus vos reger e governar bem e

- Morreu o Rei! Viv’ó Rei!

direitamente e vos administrar inteira justiça quanto a humana

Os sinos soluçavam, todos se vestiam de dor e na Câmara

fraqueza permite e de vos guardar vossos bens e costumes e

Municipal, enlutados, confluíam os fidalgos, os vereadores, os

privilégios, graças e mercês, liberdades e fraquezas que pelos Reis

procuradores do Povo! O alferes-mor do Reino, montava o seu

meus predecessores vos foram dadas, outorgadas e confirmadas’, foi

Bucéfalo e de estoque real desfraldado e, seguido por todos,

a fórmula de juramento dos reis até D. Pedro V, sobre o missal

percorria as ruas da Capital do Reino bradando a plenos

português e na presença do Crucifixo de prata dourada.

pulmões: ’Real! Real! Real! Pelo Muito Alto e Muito Poderoso e

Ao que os Grandes de Portugal respondiam:

Fidelíssimo Rei de Portugal, (Nome do Rei de Cujus). O cortejo

‘Juro aos Santos Evangelhos, corporalmente com a minha mão

enlutado desembocava no Castelo de S. Jorge onde o alferes-

tocados, que eu recebo por meu rei e senhor verdadeiro e natural ao

mor subia à Torre de Menagem e colocava o Pavilhão Real a

mui alto e poderoso rei (Nome) e lhe faço preito e menagem segundo

meia-haste.

foro e costume deste reinos.’

No dia seguinte, um dos Procuradores do Povo tirava o estoque

O último Rei a ser aclamado pelas Cortes Gerais foi El-Rei Dom

e montado a cavalo arrastava uma bandeira negra pelo chão das

Miguel I, depois D. Luís I foi Aclamado no Paço Real de Belém e

ruas de Lisboa, gritando: ‘Chorai Nobres! Chorai Povo! Morreu o

D. Carlos já no Palácio de São Bento onde funcionavam as

Vosso Rei! Morreu o Rei! Viv’ó Rei!’

Cortes

da

Monarquia

Constitucional.

Na

Monarquia

Como mandava o Protocolo, completando-se precisamente 15

Constitucional, a partir de 1834, as Cortes Gerais passaram a

dias sobre o falecimento de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de

denominar-se Cortes e a funcionar na sede do actual

Portugal havia lugar à Cerimónia da Quebra dos Escudos com as

Parlamento, o Palácio de São Bento, que se chamava então

Armas Reais.

Palácio das Cortes.

No Terreiro do Paço com os varandins dos edifícios enlutados,

As Cortes eram constituídas por duas Câmaras: A Câmara Baixa

sob a sombra da estátua do Rei Dom José I, uma multidão

era a Câmara de Deputados e a Câmara Alta era a Câmara de

assistia ao curioso e triste cerimonial. Cercados pelo Povo, o

Pares. Os Deputados tinham o tratamento de Senhores

Meirinho a cavalo com o Pavilhão Real encoberto por crepes

Deputados da Nação Portuguesa e os Pares de Dignos Pares do

negros de tecido leve e transparente e os oficiais da Casa Real

Reino.

com mantos negros a cobrir os uniformes e as espadas e

A última Aclamação de um Rei de Portugal decorreu a 6 de

espadins de gala, de cabeça abrigada com enormes chapéus de

Maio de 1908, na qual foi solenemente Aclamado Rei na

abas largas e com enormes fitas negras a cingi-los, assistiam à quebra dos selos com as Armas

Reais

do

Monarca

falecido.

O

Mordomo-mor fardado com o uniforme de Conde Par do Reino e com fumos negros no braço, enquanto proferia um pregão, segurava o Selo com as Armas Reais e batia-o, com força bastante, sobre o espaldar de uma cadeira de madeira maciça, partindo-o; no Paço,

haviam

sido

da

mesma

forma

inutilizados, primeiro cortados em cruz e depois destruídos a martelo, o anel de brasão do Rei e o selo de ferro com que eram autenticados

os

documentos

oficiais.

Seguiam-se as armas pessoais do Rei com os Brasões dos Bragança. Passados

uns

meses

era

a

altura

da

Aclamação do novel Rei de Portugal. Quando Cortejo Real 5


Assembleia de Cortes o último Rei de Portugal, Sua Majestade

mestre-sala,

Fidelíssima El-Rei Dom Manuel II. A Dom Manuel II, forçava-o o

característico símbolo da sua autoridade, o bordão de marfim

o

Mordomo-mor

-

que

transportava

o

imperativo fado dos Reis: reinar após a morte de seu Pai!

com um castão de ébano esculpido com a forma da cabeça de uma mulher africana -, o estribeiro-mor, o alferes-mor e a

Com o magnicídio d’ El-Rei o Senhor Dom Carlos I de 44 anos e

guarda real. Depois o Ministério e o Conselho de Estado, e D.

do Príncipe Real Dom Luís Filipe de 20 anos, no atentado

Afonso que era o Condestável do Reino; atrás do Monarca

perpetrado pela Carbonária na conspiração terrorista de 1 de

seguiam o capelão-mor, o camareiro-mor e o ajudante de

Fevereiro de 1908, Dom Manuel II ascende imediatamente ao

campo, com os típicos cordões e agulhetas de oficial às ordens

trono de Portugal, mas só será aclamado na data acima

do Rei. O Cortejo entra na Câmara dos Deputados e todos

mencionada.

tomam os seus lugares. O Rei sobe ao Trono. Começa a

Pelas 11 horas da manhã o Rei saiu do Paço das Necessidades,

cerimónia de Aclamação e Sua Majestade Fidelíssima El-Rei Dom

antes, no antigo Coche da Coroa, havia saído a Coroa Real - a

Manuel II jurou, perante os Pares do Reino e os deputados da

última mandada fazer por D. João VI -; na Carruagem da Coroa

Nação, como Monarca Soberano, a seguinte Fórmula do

– construída no reinado de D. Carlos – seguia, depois, D.

juramento na Sessão Real da ratificação do juramento e

Manuel II, fechando um imenso Cortejo com um piquete de

Aclamação de D. Manuel II pela Graça de Deus, Rei de Portugal

cavalaria, reis de armas, arautos, passavantes, o Corpo de

e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da

Archeiro Reais, os coches dos Grandes do Reino e do Infante D.

Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia,

Afonso.

Arábia, Pérsia e Índia, etc.:

Chegados às Cortes, El-Rei desceu da Carruagem envergando o

‘Juro manter a religião Católica Apostólica Romana, a integridade do

uniforme de Marechal-General do Exército – posto privativo do

Reino, observar e fazer observar a constituição política da Nação

Rei de Portugal -, com o Manto régio vermelho bordado com

portuguesa, e mais leis do Reino, e prover ao bem geral da Nação,

quinas e castelos e forrado a arminhos, sobre os ombros. É

quanto em mim couber.’

recebido pelas deputações parlamentares - formados na ala

Ou seja, não obstante a ascensão directa ao trono do Príncipe

esquerda -, e pelos Pares do Reino - alinhados à direita. O

herdeiro, sempre foi condição indispensável a ratificação dessa

porteiro-mor saúda Dom Manuel II e seguem em procissão,

sucessão pelas Cortes e uma participação popular que validasse

adiante D’El-Rei caminhavam o porteiro-mor, o vedor, o

Discurso D. Manuel II

6


Abstract Acclamation - The King's Election The perfect regime in relation to a People, is the one in which the customs, that are the living spirit of that People, are reflected in this regime. In the Kingdom of Portugal, sovereignty was never owned by the Kings, but it was exercised by delegation of the Community, through a pact, in which the real mandate was limited, since the power belonged to the Community, meaning that the subjects had the power in habitu, kings only power in actu.

Aclamação na Varanda do Palácio de S. Bento

essa sucessão, ou seja, um Alçamento ou Aclamação, sendo esses os actos jurídicos que deveras alçavam o Novo Rei. Da mesma forma o Rei de Portugal não era Coroado, aliás, desde Dom João IV que não havia imposição formal da Coroa, pois coube ao Restaurador a derradeira vez em que a Coroa dos Reis de Portugal foi colocada, pois o Monarca haveria de oferecer a Coroa de Portugal a Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, pela protecção concedida durante a Restauração, coroando-a Rainha de Portugal – nas coroações de outros monarcas que haveriam de se seguir, durante a Cerimónia de Aclamação a Coroa Real seria sempre acomodada numa almofada vermelha (cor real) em fronte do novo Rei,

The Portuguese Monarchy therefore derived from from a convention between the Res Publica, the Portuguese Community (that D. Francisco de Almeida defined as the 'congregation of our relatives, friends and compatriots, which we call the republic') and the King, who was always Acclaimed, firstly by the Three States meeting in Cortes, then in the validity of the Constitutional Monarchy, through the Acclamation of the Peers of the Kingdom of the Upper House and of the Deputies of the Lower Chamber of Cortes, and then with an Acclamation on the balcony of St. Benedict, because the Portuguese Monarchy never laid its foundations on the absolutism of the medieval theory of the divine origin of power, but rather erected his throne on the basis of the solid support of the entire Grei. Key words: king, president.

guardada por pajens, como símbolo real, e não na cabeça do monarca.

Resumé

Mas mais símbolos faziam parte da solenidade da Aclamação. Assim depois do

Acclamation - L'élection du roi

Juramento o Rei recebeu o ceptro – símbolo da Justiça Régia - das mãos do camareiro-mor. O Rei de Portugal não tinha Orbe. O alferes-mor agitou, então, o Pavilhão Real e bradou: ’Real! Real! Real! Pelo Muito Alto e Muito Poderoso e Fidelíssimo Rei de Portugal, Dom Manuel Segundo.’ Seguem-se três Vivas na Câmara. O alferes-mor baixa a cabeça em sinal de respeito, Seguem-se-lhe o Condestável e os restantes. Depois, El-Rei proferiu a Fala do Trono. Após o Discurso do Trono seguiu-se o do Presidente da Câmara Baixa. De seguida, Dom Manuel II foi o primeiro Rei português a prescindir do beija-mão, mostrando o ensejo de renovação. Finalmente, na varanda do Palácio das Cortes o Arauto D’El-Rei brada: Atenção! Atenção! Atenção! E a Bandeira Real transportada, recolhida, pelo Alferes-mor, o conde de São Lourenço, foi desfraldada na varanda do Palácio de São Bento e o mesmo Alferes-mor soltou diante do Povo o pregão conhecido como Brado de Aclamação: ’Real! Real! Real! Pelo Muito Alto e Muito Poderoso e Fidelíssimo Rei de Portugal, Dom Manuel II.’ E o Povo aclamou entusiasticamente o novo Rei. Só assim ficava completa a cerimónia, com a aquiescência do Povo de Portugal! Depois, Dom Manuel II seguiu em cortejo pela Cidade ao som de Vivas ao Rei! Se todo este processo de Aclamação na Monarquia Tradicional e na Constitucional do Monarca Português por todas as forças vivas da Sociedade não era uma Eleição directa do Rei por Todos para Chefe de Estado, então mais nenhum outro sufrágio o pode ser! 7

Il y a Un régime parfait par rapport à un peuple est celui dans lequel les coutumes, qui sont l'esprit vivant de ce peuple, se reflètent dans ce régime. Au Royaume du Portugal, la souveraineté n'a jamais appartenu aux rois, mais a exercé sa souveraineté par délégation de la Communauté à travers un pacte dans lequel le mandat réel était limité, puisque le pouvoir appartenait à la Communauté, ayant ces sujets le pouvoir uvoir inhabitu et les rois seulement in actu. La Monarchie Portugaise découle donc d'un accord entre Res Publica, la communauté portugaise (que le seigneur Francisco de Almeida définit comme la «congrégation de nos parents, amis et compatriotes, que nous appelons la république») et le roi, qui a toujours été acclamé, d'abord par trois États réunis à Cortes, plus tard, en présence de la monarchie constitutionnelle par acclamation du Royaume de la Chambre haute des pairs et des députés de la Chambre basse nation de Cortes et même avec un acclamation sur le balcon de St. Bento, car il n'a jamais posé ses fondements sur l'absolutisme de la théorie médiévale de l'origine divine du pouvoir, mais a plutôt érigé son trône sur la base du solide soutien de l'ensemble de toute la Grei. Mots-clés: roi, president.


Editorial «Portugal, para mim, não é só aqui o nosso retângulo. É todos os povos e comunidades que viveram connosco durante séculos e que são nossos irmãos culturais e espirituais...» Dom Duarte (S.A.R.)

Portugal está em Estávamos longe de imaginar que a nossa alteridade, ao ler a última entrevista dada por Dom Duarte ao jornal Sol, nos fizesse recuar ao tempo da vocação africana, plasmada pelas primeiras experiências e a paixão de SAR por África, partilhadas com toda uma geração de portugueses, na qual nos incluímos. Não é por acaso que toda a propaganda da primeira república ia no sentido claro de uma colagem aos princípios de proximidade que a monarquia tinha com todos os que, cultural e espiritualmente, falavam português, e a intensidade com que viveu as sequelas do Ultimatum, posicionando-se, na prática, contra as cedências em África. Na altura, os republicanos pouco se importaram em assumir aquilo condenavam e denominavam de antagonismos, mistificações, ausência de mens a gens ineq uívocas, pas s adis mos , consequências de mudança, servir ou obedecer ao jogo. A questão do actual Presidente da República conseguir ou fazer o possível por ser tão popular, acaba por se aproximar em termos comportamentais daquilo que é apanágio de um rei, actuando como se o fosse. De facto, teremos que concordar com SAR quando afirma que os maus presidentes são aqueles que se afastam deste comportamento de proximidade. Pela positiva, assim aconteceu com Ramalho Eanes, quando no fim do seu mandato, justificando o sucesso do mesmo por actuar como se fosse um rei constitucional. O mesmo aconteceu com Mário Soares, cognominado, pela sua actuação de proximidade, de D. Mário I. Tudo isto vem contrariar a pretensa e tão proclamada “ética

republicana”, principalmente quando todos os presidentes de sucesso apenas se limitam a “copiar” o modelo de comportamento com inteligência, cultura e boa formação ética, bem patente em todos os Reis da Europa contemporânea. Queiram ou não os arautos da desgraça, a democracia portuguesa muito deve ao carácter de um povo, à postura e à integridade de quem é educado na lógica da imparcialidade. Tal como um dia afirmou Francisco Sousa Tavares, aludindo ao regicídio de D. Carlos e do príncipe D. Luís Filipe, «morreram pela Pátria, caíram por terra, na pedra batida do Arsenal, dois homens, uma Pátria, o carácter de um povo e um princípio de soberania. Aqueles tiros de espingarda atingiram em cheio o objectivo marcado. Mais do que um rei, mais do que um homem na perfeita e total acepção da palavra, era o carácter de um povo que caía na rua, e com ele um fecundo sistema de aliança e de legitimidade do poder.» Pena é que a autoproclamada “ética republicana” se esqueça do facto desse comportamento de proximidade com o povo, levasse a que, em 1972, Dom Duarte fosse expulso de Angola por ordem de Marcello Caetano.

Salus populi suprema lex esto!

Porfírio Pereira da Silva Vogal da Direcção da Real Associação de Viana do Castelo

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9


“… O facto de o chefe de Estado não dever o seu cargo a ninguém, nem a patrocínios de nenhuma espécie, é indiscutível garantia de independência...”

Na foto: Encontro Preparatório inicial da Visita de S.A.R. o Príncipe Eduardo de Inglaterra

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RGAM. – Por que é Monárquico? Fui nascido e criado na convicção do melhor serviço da Coroa na chefia de Estado. A História ilustra isso mesmo e as experiências republicanas conhecidas por toda a parte não entusiasmam.

RGAM. – Tendo sido V. Exa., em 1987, no Porto, um dos fundadores voluntários do prestigiado “Prémio Infante D. Henrique”, quer fazer uma súmula da história da criação do reconhecido galardão? O “The Duke of Edinburgh's Award” foi instituído em Inglaterra em 1956 com o propósito de favorecer em cada pessoa, entre os 14 e os 24 anos de idade, a possibilidade de se realizar tanto quanto lhe permitam as suas capacidades e talentos. Tem expressão significativa na sociedade britânica e estendese a mais de 130 países. Em princípios de 1987, foi pensado o seu alargamento a Portugal, tendo sido abordado para o efeito um destacado membro da comunidade portuguesa de Londres, o qual, por sua vez, veio a indicar-me para realizar a ideia. Sendo eu monárquico, S. A. R. o Senhor D. Duarte foi, naturalmente, convidado para presidir ao projecto e o Infante D. Henrique escolhido para patrono, designadamente, por ser Filho de uma Princesa Inglesa, D. Filipa de Lancastre.

O lançamento da versão portuguesa, com o nome de Prémio Infante D. Henrique, teve lugar já no outono desse mesmo ano de 1987, contando com a presença do Príncipe Eduardo de Inglaterra, através de um interessante programa que teve o Porto como base e incluiu viagens ao vale do Douro e ao Alto Minho, com visita ao mítico lugar da Ponte de Mouro, em Monção, ponto de entrada no país da futura Rainha de Portugal que vinha para casar, terminando com um verdadeiro Baile de Gala no Palácio da Bolsa.

RGAM. – Um Prémio desses visa sem dúvida ajudar a formar a índole dos mais jovens, e, a aprenderem que é preciso perseverar para alcançar os objetivos? Trata-se, efectivamente, de um programa de índole educacional, longe de propósitos competitivos, centrado na ideia do desenvolvimento pessoal e da auto-superação, valorizando o carácter e o sentido do serviço gratuito aos outros. A meu ver, a generalidade da sociedade portuguesa actual não lida muito bem com estes valores, o que pode representar uma dificuldade para a difusão do Prémio. Claro que, como sempre, o reverso das dificuldades cifra-se em oportunidades e esse é o meu voto!

LUÍS BORGES GAGLIARDINI GRAÇA nasceu no Porto, na freguesia de S. Nicolau a 15-9-1941, filho do Dr. Carlos Barata Gagliardini Graça e de D. Cecília Drummond Borges. Casou na Capela da Casa de Abbades, em S. Martinho da Gandra, Ponte de Lima a 9 de Agosto de 1969 com D. Maria Madalena de Magalhães e Menezes de Abreu Coutinho. É pai de 5 filhos e avô de 18 netos. Licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Cumpriu Serviço Militar Obrigatório de 1965 a 1968. Foi Chefe de Secção Licenciado da Direcção Geral do Comércio (1970), Subdelegado do Procurador da República (1970-1973), após o que se inscreveu na Ordem dos Advogados. Dirigente de Empresa na CELNORTE (1970-1976), Têxtil Manuel Gonçalves (1976-1981) e Grupo RAR (19811998). Exerceu actividade cívica na Acção Católica, Conferências de S. Vicente de Paula, estruturas de apoio à família, diversas iniciativas de alcance social e política. Colaborou activamente no lançamento do CDS na região do Alto Minho, logo a partir do Verão de 1974. Em 2014, após a sua reforma como Advogado, passa a residir permanentemente em Ponte de Lima. É associado da Real Associação de Viana do Castelo desde o dia 3 de Outubro de 1993. 11


RGAM. – O partido republicano português teve como seu zénite eleitoral uns meros 9%, e isto, na 46ª e última eleição geral do Reino de Portugal, que se realizou a 28 de Agosto de 1910. Ora se a Implantação da República Portuguesa não resultou de uma emanação popular - nem nas urnas, nem daquele Povo, mesmo não votante, que era tradicionalmente monárquico -, como é, então possível o regime tratar a república como um oratório indiscutível?

coisa pública, certamente que refletir-se-ia nos demais agentes do Estado que não raras vezes estão muito afastados dos princípios da transparência que se exigem na gestão da res publica? Por isso sou monárquico! Pode ter acontecido que “esteve perto de destruir-se o Reino totalmente; que um fraco Rei faz fraca a forte gente” (Os Lusíadas, Canto III, 138), mas a Coroa sempre foi veículo de um “torne-vos as vossas forças um Rei novo, se é certo que co Rei se muda o povo” (Os Lusíadas, Canto IV, 17).

É uma consequência da lógica e da prática revolucionária que nunca é justa nem tem tempo para ser devidamente fundamentada.

Não será demonstrável, mas adquire-se por via empírica que há uma diferença da capacidade de regeneração nos dois regimes.

Veja-se, a título de exemplo, o caso do 25 de Abril: o regime deposto foi entregue ao novo Chefe de Estado, não pelo anterior Chefe de Estado, mas por um mero Chefe de Governo.

Por outro lado, as “modas” não fazem grande caso dos valores morais e da honra; tudo gira mais em volta do sucesso e do dinheiro; as práticas em que os fins justificam os meios são o passo seguinte e passa a valer tudo.

Verificado o facto consumado, está instituída uma nova ordem que não consente direitos aos “outros”! Com a república, foi seguida a mesma cartilha de sempre.

Aliás, a chamada ética republicana, exclusivamente fundada na lei, veio consagrar que “o que é legal é moral”.

RGAM. – Não há, atualmente, uma instituição que possa servir de modelo - um compasso moral e ético. Ora o Princípio de Tomás de Kempis defende que “um costume mau é vencido por um costume bom”. Assim, com um Rei dedicado à defesa do bem comum, o bom exemplo da Coroa, acautelando a

Ora, todos sabemos que não é assim e há disso fartos e recentes exemplos.

RGAM. – Será, pois esse um dos plus da instituição da Coroa;

Entrada no Palácio da Bolsa no Porto para o Baile de Gala em Honra de SS AA RR o Príncipe Eduardo de Inglaterra e D. Duarte de Bragança, por ocasião do lançamento do Prémio Infante D. Henrique

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e na hipótese – que desejamos breve - de um Rei que substituir um presidente como Chefe de Estado em Portugal, que papel e funções deveria ter? Hoje em dia, os Estados são consagradamente regidos por textos constitucionais, para cuja escrita concorrem opiniões, teorias e conhecimentos muito diversos de ciência política e direito constitucional. O concerto internacional e a opinião pública estão definitivamente c o n v e n c ido s do m o de l o de organização dos Estados, de pouco importando a forma de chefia dos mesmos. A separação de poderes é um dado do nosso tempo e, em tal enquadramento, costumam ser reservadas ao Rei, essencialmente, as missões constitucionais de assegurar a unidade nacional e a representação do Estado.

RGAM. – Quais as principais vantagens de um regime Monárquico em que há uma sucessão hereditária na transmissão da Chefia do Estado face ao modelo republicano de eleição de um presidente? Para a minha maneira de ver e de sentir, poupar o chefe de Estado às vicissitudes próprias de uma campanha eleitoral é uma clara vantagem sob o ponto de vista da dignidade.

Dr. Luís Graça e família

anos, guildas de enteados do regime cuidam dos seus interesses sem prestar contas aos cidadãos! Ora, durante a Monarquia Constitucional existiu um modelo de sistema eleitoral onde dominou o modelo uninominal. Não parece, pois, indispensável para moralizar este regime, uma reforma do sistema eleitoral para permita a eleição dos deputados pelos cidadãos, e não exclusivamente pelos partidos, num sistema de eleição individual, por método maioritário, de listas abertas para que o eleitor possa fazer a sua opção em função de figuras que reconhece e que poderá demandar, em caso disso, e que permita às forças vivas da sociedade estarem representadas no Parlamento?

O facto de o chefe de Estado não dever o seu cargo a ninguém, nem a patrocínios de nenhuma espécie, é indiscutível garantia de independência. A ausência de mandato temporariamente limitado permite ao Rei não ter de adequar a sua prática a ciclos políticos de circunstância, favorecendo a perenidade dos princípios. Dignidade, independência e perenidade são indiscutíveis condições de estabilidade, afinal, um valor tão procurado na vida e tão invocado pelos políticos.

Parece claro! Mas, aqui chegados, estamos encerrados num círculo vicioso: os legisladores em funções são os beneficiários do sistema em vigor e só eles podem mudá-lo, querendo.

RGAM. – Neste estado das coisas republicano apenas uns quantos senhoreiam o poder e no Parlamento o único tipo de representação é o de listas fechadas, em que, há dezenas de

A ética republicana a que acima aludi parece satisfeita com o 13


dispositivo e, assim sendo, a tendência é para o imobilismo.

internacional”, o país propenderia para uma monarquia constitucional, consagrando a separação de poderes e um papel modesto para o Chefe de Estado, afinal, como por toda a parte. O que não significa que as figuras reais não continuem a beneficiar de apreço, dentro e fora dos seus próprios países.

Sinceramente, não vejo como mudar o sistema eleitoral, a menos que o Parlamento fosse tomado pela vontade de servir a nação ou, como gostam de dizer, o povo.

RGAM. - Existem vários modelos de Monarquia, a orgânica e pelo menos dois tipos diferentes de Monarquias Constitucionais no mundo contemporâneo: Executiva e Cerimonial e dentro desta última o Monarca pode ter funções estritamente cerimoniais ou possuir poderes de reserva, o chamado Poder Moderador. Qual o modelo de Monarquia que defende para Portugal?

RGAM. – Como pode e deve um Monárquico intervir na praça pública para defender os benefícios que adviriam com a restauração da Monarquia? O ideal monárquico requer preparação para conhecer e fundamentar a sua boa razão. Adicionalmente, exige competência e meios para o debate com o processo mediático, com vista à sua difusão.

A minha profunda convicção, preferência e simpatia vão no sentido da monarquia tradicional portuguesa, com uma folha de serviços inestimável ao longo de séculos, com o poder real temperado pelo respeito pelas assembleias (Cortes, agremiações profissionais e municipalismo), apenas sacrificada pelo pombalismo, absolutismo, republicanismo e propaganda mediática.

A nossa intervenção pede, assim, a necessária qualificação e capacidade de comunicação. Reconheço que, no mundo actual, representa uma ambição de elevadíssimo sentido de patriotismo. Há gente para isso? RGAM. – Muito obrigado.

A monarquia tradicional portuguesa é de génese absolutamente original e não tem paralelo em nenhum sistema político conhecido, o que desfavoreceu que perdurasse quando as ideologias revolucionárias fizeram o seu caminho e marcaram os tempos.

Entrevista realizada por Miguel Villas-Boas para a Real Gazeta do Alto Minho da Real Associação de Viana do Castelo

Penso, porém, que, no estado actual da “técnica” e sob a imposição da chamada “opinião pública nacional e

“Dignidade, independência e perenidade são indiscutíveis condições de estabilidade, afinal, um valor tão procurado na vida e tão invocado pelos políticos...”

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Transformação digital e novos média André Lopes Cardoso Secretário-geral JMP

A era digital revolucionou a forma de comunicar, aposta-se primordialmente na Comunicação Digital, em prol da Comunicação tradicional em Papel ou offline. A revolução tecnológica impôs-se no mundo principalmente durante o inicio do século XXI, mas percebe-se, após curta análise, que está a dar os primeiros passos. O que nos anos 80 e 90 do século XX se considerava de difícil acesso, agora torna-se mais simples, recorrendo a tecnologia de ponta que vem, de facto, afectar as nossas vivências e alterando a nossa vida – transformação digital. As grandes empresas são forçadas a modernizar-se, correndo o risco, caso não o façam, de não conseguirem acompanhar os mercados emergentes. É um processo no qual as empresas fazem uso da tecnologia para melhorar o desempenho, aumentar o alcance e garantir resultados melhores. É uma mudança estrutural nas organizações dando um papel essencial para a tecnologia. Dever-se-á retirar partido das plataformas que nos são colocadas à disposição, fala-se de Instagram, Youtube, Linkedin, Twitter – Redes Sociais. As redes sociais são websites e aplicações que podem ter 15

Abstract The digital era has revolutionized the way of communicating, primarily focusing on Digital Communication, for traditional Paper Communication or offline. The technological revolution was imposed in the world mainly during the beginning of the XXI century, but it is perceived, after short analysis, that is taking the first steps. What was difficult to access in the 80s and 90s of the 20th century now becomes simpler, using cutting-edge technology that in fact affects our lives and changes our lives - digital transformation. Key words: digital, social networks Resumé L'ère numérique a révolutionné la façon de communiquer, en se concentrant principalement sur la communication numérique, pour la communication papier traditionnelle ou hors ligne. La révolution technologique s'est imposée dans le monde principalement au début du XXIème siècle, mais elle est perçue, après une analyse succincte, qui fait les premiers pas. Ce qui était difficile d'accès dans les années 80 et 90 du 20ème siècle devient maintenant plus simple, en utilisant une technologie de pointe qui affecte en fait nos vies et change nos vies. Mots-clés: digital, réseaux sociaux


diferentes âmbitos: profissional, colectivo, musical, mas sempre permitindo a partilha de conteúdos e informações entre pessoas e empresas, o dito feito de rede, conhecido também como Lan. Deste modo, abriu-se caminho para uma nova forma de relacionamento entre empresas e pessoas, perdendo-se a privacidade, aumentando-se a interacção e a comunicação directa, potenciada pelo anúncio de produtos e/ou serviços.

em média, mais 12,6% de engagement do que os postagens sem #hashtag.

É importante perceber que o modelo de consumo tem-se alterado, há cada vez mais utilizadores no mundo digital, principalmente através de smartphone, devido à sua portabilidade e autonomia.

foi um factor fulcral na Monarquia, e o contacto com o publico estava reservado para ocasiões especiais. Longe vão esses dias em que as famílias reais se fechavam no seio familiar. A família real inglesa tem nas novas tecnologias e nas redes sociais um autêntico aliado na conquista da simpatia dos seguidores.

No inicio de 2015, a Monarquia Inglesa criou perfis oficiais de Instagram para o Príncipe William, Kate Middleton e Príncipe Harry e, um dia após o lançamento, cada um deles detinha mais de 80 mil seguidores. As contas são sérias e a ideia é revelar a agenda e o dia-a-dia da família, aproximando-se assim dos seus seguidores. No passado, a política da comunicação nem sempre

Segundo dados Facebook de 2017, a plataforma da Facebook tem 1.180 milhões de utilizadores activos diariamente, o que significa um crescimento anual na ordem dos 17%; existem 1.790 milhões de utilizadores activos diariamente via mobile no Facebook.

Com estas novas tendências, há que criar planos de marketing, com ferramentas que captem o nosso público, de modo a conseguirmos transmitir a nossa mensagem. Quem não se actualiza corre o risco de ser ultrapassado pelos tempos. O melhor mesmo é encarar que houve, de facto uma mudança de paradigma.

A faixa etária de utilizadores de redes sociais é bastante alargada, mas o tipo de conteúdo que procuram é bastante diferente, se as camadas mais jovens preferem o Instagram ou o Snapchat, as mais velhas preferem o Facebook. Os primeiros consomem cada mais vez rápido e o Instagram fomenta esse tipo de comunicação, através de InstaStories ou outros serviços disponibilizados, evitando longos textos, valorizando a imagem e o vídeo de curtíssima duração. Segundo dados da Hootsuite de 2016, o Instagram tem mais de 500 milhões de utilizadores activos mensalmente; os utilizadores de Instagram já partilharam mais de 40 biliões de fotos, em média, 95 milhões de fotos e imagens são partilhadas todos os dias; as postagens com, pelo menos, uma #hashtag conseguem,

S. A. R. a Senhora D. Isabel de Bragança, na cerimónia do 1.º de Dezembro de 2017 em Lisboa

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A Serva de Deus Zita Imperatriz da Áustria, Rainha Apostólica da Hungria, Esposa e Mãe Filha espiritual de S. Bento 17


Neta do nosso Rei Dom Miguel, filha da Infanta Maria Antónia de Bragança, nasceu Princesa de Bourbon-Parma em 9 de Maio de 1892 em Itália. No sangue desta Princesa corria sangue de Portugal. Em certa medida, a sua vida, verdadeiramente exemplar, deve orgulhar-nos, a nós portugueses e, sobretudo, ela deve ser tomada como um modelo de Mulher.

A Serva de Deus desde muito cedo se ligou à espiritualidade beneditina. No Outono de 1907, na sequência da morte do Pai, Zita que frequentava um colégio das Irmãs da Visitação em Zangberg (Alta Baviera), foi internada noutro instituto religioso, com uma das suas irmãs, Francisca, desta vez no mosteiro de monjas beneditinas da Ilha de Wight no sentido de completar a sua formação. Neste período, a sua actividade de serviço aos mais pobres não cessa. Roupas que transforma, alimentos ou medicamentos, tudo o que pode servir para aliviar o sofrimento dos mais desprotegidos, se encarrega de, pessoalmente, distribuir. De saúde frágil, Zita, não se fatiga de fazer o bem. Encara, até, a possibilidade de seguir três das suas irmãs, tal como sua Avó, a Princesa Maria Adelaide de Bragança (1896), viúva de Dom Miguel, como monja beneditina. Aliás, esta família numerosíssima, deu três irmãs de Zita monjas beneditinas (Sta. Cecília de

Cortejo fúnebre da imperatriz Zita, catedral de Viena, 2 de Abril de 1989

Abstract The Empress Zita, was the granddaughter of Miguel, King of Portugal, daughter of the Infanta Dona Maria Antónia de Bragança and from a very early age she was connected to the benedictine spirituality and to complete her formation she joined the monastery of Benedictine nuns, in the Isle of Wight and made her oblation as Oblate of the monastery of Solesmes. She was always very active in serving the poor, transforming clothes, personally taking care of the distribution for the most needy, as well as medicines and everything that would serve to alleviate the suffering of the destitute. The Servant of God, Zita of Habsburg, lived all her long life as a true Christian, and she had a very hard exile and permanent difficulties, from hunger, cold and disease, accepting everything with a spirit of resignation. Zita's beatification process is ongoing (it was opened on 10 December 2009). Key words: Zita, Servant of God

Em cima: Exéquias da Imperatriz Zita, Viena 2 de Abril de 1989 Em baixo: Túmulo da Imperatriz Zita, na Cripta Imperial de Viena

Resumé L'impératrice Zita était petite-fille du roi Miguel du Portugal, fille de l'Infante Dona Maria Antónia de Bragança. Dés très jeune elle était toujours liée à la spiritualité bénédictine et pour compléter sa formation elle a rejoint le monastère des bénédictines de l'île de Wight et fait son oblation comme Oblat du monastère de Solesmes. Il était toujours actif au service des plus pauvres, en transformant les vêtements, en prenant soin personnellement de les distribuer aux plus démunies, aisi que médicaments et tout ce qui pourrait soulager la souffrance des indigents. La Servante de Dieu, Zita de Habsbourg, a vécu toute sa longue vie comme une vraie chrétienne, et elle a eu un dur exil et des difficultés permanentes, de faim, de froid et de maladie, acceptant tout avec un esprit de résignation. Le processus de béatification de Zita est en cours (il a été ouvert le 10 décembre 2009). Mots Clés: Zita, Servante de Dieu

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Solesmes). Uma prima direita destas princesas, Madre Inês de Lowenstein, também professou neste mosteiro. Mais: a Mãe, a sua irmã e o irmão daquela, o Príncipe Xavier de Bourbon-Parma foram Oblatos de S. Bento no mosteiro de S. Pedro de Solesmes. Este Príncipe foi sepultado no cemitério dos monges. Uma família que respirava ao ritmo da Fé cristã seguindo a Regra de S. Bento como leigos unidos àquele ainda hoje célebre mosteiro francês.

E este casal deveria, assim, ser apontado, como casal, ao mundo como um exemplo. Na realidade, esta Santa Princesa com o seu Marido, o Beato Carlos, são bem um modelo de pessoas dedicadas à política, na honestidade. Na busca incessante da Paz. No serviço dos mais pobres. Solidários entre si e com os outros. Com uma capacidade inigualável de perdoar, mesmo aos que os ofenderam, roubaram e espoliaram de todos os seus legítimos bens.

Em 24 de Maio de 1926, a Imperatriz Zita, faz a sua oblação como Oblata do mosteiro de Solesmes.

Em tudo e toda a vida, Zita, seguiu o espírito da Regra de S. Bento, vivendo no mundo. A serva de Deus Zita, mostra-nos como é possível um leigo viver a Regra do Santo Patriarca do Ocidente.

A Serva de Deus, Zita de Habsburgo, viveu toda a sua longa vida (morreu com 96 anos, em 14 de Março de 1989, em Zizers, Suiça) como uma verdadeira cristã, desde a sua dupla coroação, como Imperatriz da Áustria e Rainha Apostólica da Hungria, até a um exílio muito duro e de permanentes dificuldades e, que incluíram fome, frio e doença, sempre num espírito de resignação e de aceitação das inúmeras dificuldades. Entre estas, a morte do Marido, o hoje Beato Carlos de Áustria, que muito amava e de quem teve 8 filhos, o último dos quais nasceu já depois da morte do Imperador Santo, seu Pai.

O processo de beatificação de Zita está em marcha (foi aberto em 10 de Dezembro de 2009). Na Real Gazeta do Alto Minho n.º 12, página 20, já deixamos uma oração a pedir a beatificação desta Mulher, Esposa e Mãe. Carlos Aguiar Gomes

Por decisão do Papa S. João Paulo II, aquando da beatificação do seu Marido, o Imperador Carlos I, o dia da memória deste Beato deveria ser a do seu casamento (21 de Outubro de 1911) e não o dia da sua morte, como que querendo significar que acreditava na beatificação da sua Mulher, a Imperatriz Zita.

NOTA DA REDACÇÃO: A Abadia de Solesmes é um mosteiro beneditino situado na Comuna francesa de Solesmes, localizada no sudoeste de Sarthe, (departamento francês que se situa na região Pays de la Loire, tendo como capital a cidade de Le Mans) famoso pela restauração da vida monástica beneditina e preservação do canto gregoriano na França, sob Dom Prosper Guéranger, após a Revolução Francesa.

Abadia de Solesmes

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Ser Pessoa - a pluralidade Susana Cunha Cerqueira

Abstract

Talvez a ingenuidade nos conduza, talvez a quimera nos faça destemidos. O Adamastor que existe em cada um de nós, de disforme e grandíssima estatura confronta-se sempre com uns seres ousados e aventureiros – o outro sem o qual ficamos entediados numa mesmidade egocêntrica. Por fim, apaziguado, o monstro sempre se desvanece, após ter carregado tanta dor, porque estripou e expurgou o seu sofrimento. Tal como o Adamastor, subjugado pelo amor a Thétys também a pessoa prepotente, viciosa, medonha, descomunal, presa na frágil teia de ser, nos deslumbra pela candura dos seus sentimentos, pela sua fragilidade, pelo orgulho de animal ferido e pelo desejo de ser amada (que tranquilidade nos envolve quando o outro é foz e se funda no visco da amargura, para nos arrancar do lodo da solidão). Textualizar pessoa é ser uma ténue sombra do sonho da obra inacabada de Gaudi. Pessoa: quididade que não se esgota. O homem sempre procurou compreender o objetivo da sua existência, passando pelo seu conhecimento como pessoa. Não é fácil tal percurso, já que no decorrer da sua existência, as prolepses e as analepses se sucedem tal como num texto narrativo. O homem 20

The understanding of the human person and his dignity diverges over time. Protecting the body from any defilement in Sophocles, the mask suggested by Boethius and referred by St. Thomas Aquinas, embodied in a body with matter and form, the incarnation of God, the transcendence, in man as a space of transgression by Mounier, action that defines man by Michel Renaud, demonstrate that the dignity of the human person surpasses the sensorial, sustaining a constant search, in which man tries to understand himself. Key words: person, dignity, humanity

Resumé La compréhension de la personne humaine et de sa dignité divergent avec le temps. Protéger le corps de toute souillure chez Sophocle, le masque suggéré par Boèce et évoqué par Saint Thomas d'Aquin, incarné dans un corps - matière et forme, l'incarnation de Dieu, de la transcendance, dans l'homme comme espace de transgression selon Mounier, l'action qui fait surgir en pleine dignité la personne humanine, selon la conceptualsation de Michel Renaud, démontrent que la dignité de la personne humaine dépasse le sensoriel, mais c’est toujours une recherche constante. Mots-clés: personne, dignité, humanité


é ator e espectador da sua própria mise-en-scène e, quando a poesia lhe inunda as veias, a escansão bem marcada das vicissitudes obriga-o, muitas vezes, a recorrer a sinalefas, para não perder o ritmo compulsivo da vida. Ser pessoa – resumo simplificado, mas intenso da existência do homem. Não se trata aqui de abordar o conceito pessoa coletiva, o qual, em sentido jurídico, diz respeito às associações e fundações (universitatis personalis e universitatis rerum) nem o de pessoa divina, que compreende uma dimensão religiosa. Apenas desvelar diferentes entendimentos que não estes. A pessoa como um “ser humano individualizado possuindo existência própria e considerando-se como um eu”1 evolui devido à incessante ânsia de liberdade que o homem procura, não obstante ancorar a realização dos seus sonhos em ideais e paradigmas. Enquista-se, temporariamente na descoberta da sua interioridade, para se projetar novamente no mundo; perde-se no labirinto da mundanidade para se reencontrar, redescobrindo o mundo e o outro. Nesta diálise do eu, cria novos espaços que o vivificam. Ser pessoa é constante mutação, em permanência, na sua quididade. Etimologicamente, o vocábulo pessoa “tem origem grega - «pròsopon»2 . O latim exerceu também a sua influência nas línguas ocidentais e, consequentemente, surgiu o vocábulo persona: “máscara de actor; papel, carácter […] individualidade, personalidade”3. Na Grécia, apesar de possuírem um sistema político estruturado, as pessoas não eram portadoras de uma mesma dignidade. Apesar de em Platão (cerca de 427-347 a.C.) e em Aristóteles (384-322) a.C.) verificarmos a existência de conceitos como substância, natureza, essência, ainda que com diferentes cambiantes no que se refere ao homem, o conceito ser pessoa era desconhecido para a civilização greco-latina. Podemos, no entanto, apreender certos indícios da valoração da pessoa. O preceito “Conhece-te a ti mesmo” no templo de Delfos denota uma vontade indubitável de estabelecer relações com o seu próprio ser; a hospitalidade grega revela sensibilidade no acolhimento do outro; o culto dos mortos, um dos leit-motif na obra Antígona, ilustra o cuidado do homem grego em perpetuar a memória daqueles que partem: “eu por mim vou erguer um tumulo ao meu irmão tão querido”4. Também Virgílio, através de Palinuro, pretende honrar a pessoa, 21


após a sua morte. Palinuro, tendo caído da sua embarcação, suplica que o cubram de terra e só fica apaziguado, quando, veementemente, a sacerdotisa lhe afirma que o seu nome será perpetuado: “os povos vizinhos apaziguarão as tuas ossadas, erigirte-ão um túmulo”5. Em Aristóteles, o homem sage edifica-se numa catedral admirável, cujo material são as virtudes dianoéticas ou intelectivas (a ciência, a arte, a prudência, a sabedoria e a inteligência), sendo as características da parte superior da alma; o homem sage revela-se superior, de uma sabedoria global, carrejando uma magnânima capacidade para deliberar. Todavia, existem apenas indícios da valoração da pessoa. Esta não era portadora de uma dignidade intrínseca “em si e por si”. Não se verifica a dignificação da mulher, da criança ou até de outros estratos sociais. Mesmo em termos legiferantes, os gregos pautavam-se pelo nómos, a sua fonte do direito, o qual designa quer o costume quer a lei. Em Roma, o sistema jurídico valoriza, em certa medida, a pessoa, visto que lhe atribui uma maior diversificada capacidade jurídica. O indivíduo tem margem de liberdade para agir; possui um espaço de autonomia individual. O que constitui o seu jus, o direito da pessoa. O direito romano nomeia a pessoa segundo os contornos sociais em que esta se movimenta: latinos, peregrinos, escravos, cidadão romano, homens livres… A pessoa ainda não era percebida como sendo portadora de uma “dignidade puramente ontológica”7, intrínseca. S. Tomás de Aquino refere Boécio, afirmando que “a palavra pessoa parece derivar das máscaras que representavam as pessoas humanas nas comédias ou nas tragédias: persona com efeito vem de per-sonare (ressoar); o som, ao passar pela concavidade da máscara é amplificado”. A persona é um artefacto, uma máscara, que o ator usa m momentaneamente, transmitindo uma mensagem repleta de individualidade, de caráter, de personalidade, a um ser que não o ator. O homem, para S. Tomás de Aquino, seria um composto de matéria e de forma. A matéria encontrar-se-ia sujeita à corrosão temporal; a forma tornaria o homem um ser único e irrepetível, sendo que a alma (princípio incorporal e subsistente) seria intelectual e intelectiva. No sentir de S. Tomás de Aquino, a alma intelectual é imortal, porque possui o quid substancial de natureza espiritual. A alma intelectual promove a harmonia da vida sensitiva, não obstante ser através do corpo que ela se manifesta, isto é, a alma intelectiva torna o homem um ser pessoal, um indivíduo, um eu que não um outro, consubstanciando-se no corpo. O homem é, neste caso, matéria, possuidor de uma hipóstase, auferindo a capacidade de agir em consciência, em plena liberdade. Em S. Tomás de Aquino, liberdade, consciência, livre arbítrio, julgamento e ato são alguns dos elementos fulcrais para a compreensão da pessoa. Saltando cronologicamente para a corrente personalista, o cristianismo inova o conceito de pessoa. Mounier considera que a ideia de Deus, que se materializou em carne – encarnou, está presente em cada homem, em cada um de 22


nós. Em pleno espaço de liberdade, transgredindo todos os pressupostos, Deus teve a ousadia de transgredir, materializando-se, podendo ser acusado de atuar, nesta perspetiva, como pecador. No entanto, a ideia de pecado em Mounier8 não arrasta uma tensão negativa, injuriosa. O pecado surge como o espaço de liberdade, podendo o homem, em pleno exercício de racionalidade, optar ou não por operacionalizar os seus atos, em plena consciência. A pessoa é ser de liberdade, de livre arbítrio. Sucintamente, existem diversas fontes para o ser da pessoa, por exemplo, dignidade puramente ontológica9, dignidade pessoal qualitativa10, dignidade da pessoa consciente ou dignidade do conhecimento racional atual11 e dignidade com dom12. Michel Renaud apresenta-nos um conceito mais abrangente, ligado ao homo faber hodierno. O conceito de dignidade da pessoa humana consubstancia-se no agir: “é no campo das fundamentações do agir que se pode chegar mais perto. Michel Renaud utiliza quatro concetualizações: a tolerância, a desistência, o esquecimento e o determinismo, concomitantemente com uma trilogia, com tensão positiva e negativa, que subjaz à concetualização: (1) convicção, tolerância, identidade; (2) autenticidade, desistência, compromisso; (3) memória, esquecimento, perdão; (4) espírito, determinismo e liberdade. ser desorientado, perdido, bailando qual borboleta junto à chama, tenta afastar a lei da morte com a s suas cores inebriantes e o seu voltejar. “No respeitante à massa e ao volume, o homem nada é: um ínfimo grão de poeira num espaço sem limites”14.

Ser pessoa é, irremediavelmente, condição humana. Condensar a pessoa em palavras é emergir, lentamente, do magma que a envolve. O homem é pessoa única, irrepetível… corpo de água forjada pelo tempo, aprendiz de uma condição, feiticeira das palavras, peregrina nos caminhos dos sentidos, crente nas estrelas, reflexo do céu, sedenta de absoluto, faminta do outro… Voga na imensidão etérea de um eu inebriado que clama luz. Almejando o

Obstinadamente, procuraremos, reiterando, a força iridescente do espírito que nos eleva e a magnificência de ser pessoa, numa posição antitética a thanatos.

____________________ 8 “être humain individualisé ayant son existence propre et se considérant Mounier, E. Le personnalisme. Paris: Presses Universitaires de France, 2001. comme un moi”- Meslin, M. – La personne. In: Rémond, R. (direc.) – Les 9 Sgreccia,E., Correia, J. (Apres.). Natura e dignità della persona umana a fondamento del diritto alla vita. Le sfide del contesto cultural contemporâneo. Grandes Inventions du Christianisme. Paris: Éditions Bayard, 1999, p. 47. Atti dell’ Ottava Assemblea Generale Della Pontificia Academia per la Vita. pp. 2 202-203. Domingues, B. Personalismo – Perspetivas. Porto, Metanóia, 2000. p. 46. 1

10 Esta segunda fonte seria um palimpsesto da filosofia aristotélica e Kantiana. Machado, J. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. T.4, M-P. 3ª Ed.. O homem procura o bem e todos os seus atos devem ter em vista este fim; Lisboa: Livros Horizonte, 1977, p. 355. almejando o bem, o homem eleva-se a um estado tal de transcendência 4 Sófocles. Antígona. Trad e coment. de Maria Helena da Rocha Pereira. absoluta. Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian – Junta Nacional de Investigação 11 Sgreccia, E., Correia, J. (Apres.). Natura e dignità della persona umana a Científica e Tecnológica, s.d., p. 42. fondamento del diritto alla vita. Le sfide del contesto cultural contemporâneo. 5 Virgílio Eneida. 3ª Ed. Trad. do francês de Cascais Franco. Mem Martins: Atti dell’ ottava assemblea generale della Pontificia Academia per la Vita. pp. 207-211. Publicações Europa-América, Lda., s.d., p. 106. 3

6

Barchifontaine, C. Bioética e dignidade humana no trabalho. In: Barchifontaine, C. Pessini,L. (Orgs). Bioética – Alguns desafios. S. Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 183.

12

Op. Cit. 211-213.

13

Renaud, M. A dignidade humana – Reflexão retrospetiva e prospetiva. In: Cadernos de Bioética. Porto: Universidade Católica (2002), p. 18-30.

7

“le mot personne paraît dériver des masques qui représentaient des 14 Reeves, H. A hora do deslumbramento. Trad. de Jorge branco. Lisboa: personnages humains dans les comedies ou tragedies; persona en effet viente de per-sonare (résoner); parce que le sone n roulant dans la concavité du Gradiva, 1986. masque, est amplifié” S. Thomas d’ Aquin - Somme théologique III-II, Q. 29, a 3 obj. 2 , T. I Trad. de Aimon-Marie Roguet. Introd. et comm. de Édith Neyrand, Marie Joseph Nicolas et al. Paris: les Éditions du Cerf, 1984, p. 370.

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POETAS MONÁRQUICOS PORTUGUESES

António Feijó João Afonso Machado

Relevante, Admitindo a dúvida – isto é, erguendo-se alguma voz questionando as convicções monárquicas de António Feijó – sempre poderíamos retorquir – se nunca se afirmou republicano é porque não o era… Ou – se manteve as amizades que foram suas toda a vida, será de deduzir comungava do mesmo credo político; o lado aguerrido, aquele que necessitava manifestar-se, marcar presença, era o dos minoritários próceres da República. Haja em vista Guerra Junqueiro, por exemplo; os demais limitavam-se a fazer a sua arte, ou a cumprir o seu ofício, e assim foi com Feijó. Sem embargo – enquanto poeta – da sua académica inclinação para o positivismo, do seu posterior parnasianismo, do sempre seu essencial lirismo. Onde outros viam a sociedade macerada, a severidade do quotidiano na cidade, António Feijó regalava-se – ou sofria as saudades – do seu rio Lima.

enviou ao amigo comum, Isidoro de Magalhães, comandante de uma unidade militar aquartelada em Valença: Aqui tendes, major, numa estrofe mortiça O desejo, a ambição destes dois retratados: Oito ou dez colossais melões da Vilariça E dois toneis de vinho verde engarrafados. Se em Âncora ou Caminha houver Pedros e Paios, Pelos ferros-carris, sem hesitar, mandai-os. O vinho é para mim; Pedros, Paios e aquela Delícia de melões – tudo para o Pindela. Neste enredo, poderão introduzir-se ainda outros personagens. O principal dos quais, o Conselheiro Luís de Magalhães, sem dúvida, decerto o mais íntimo de Feijó. Este um dado muito importante, atenta a acidentada e assertiva vida política do filho do célebre José Estevão. Quer quando sobraçou a pasta dos Negócios Estrangeiros, durante a governação de João Franco, quer pela sua actividade conspirativa após 1910.

Escrevi há anos um livro intitulado Minhotos Diplomatas e Amigos – A Correspondência (1886-1916) entre o 2º Visconde de Pindela e António Feijó. Trata-se de um trabalho transversal à história política do País e à familiar dos dois intervenientes, conforme ambas emergem das cartas que trocaram ao longo de 30 anos. Frise-se: um e outro unidos por fortíssimos laços de amizade, sem qualquer cerimónia em defenderem pontos de vista opostos, exteriorizando um notável sentido critico, muitas vezes pondo em causa certas e determinadas atitudes do Rei, mas jamais deixando cair qualquer dito contra a Instituição Real.

Mas dois simples excertos de uma carta transcrita do sobrecitado livro, com data de 24 de Abril de 1906, chegarão para comprovar a fidelidade do poeta limiano ao Trono. No primeiro, não deixa de abordar a intriga político-partidária que tanto desgastou o regime: «De Lisboa só me escreve teu Irmão [o Conde de Arnoso], e esse, coitado!, a política causa-lhe tantos dissabores, que nem dela me fala. [José Maria d’] Alpoim raríssimas vezes me escreve, e sempre de fugida. Resta-me como informador o Luís de Magalhães. Este, porém, há imenso tempo que me não escrevia, muito ocupado com

E, realçando essa fraterna ligação entre o Visconde de Pindela e António Feijó, aqui deixo um poema que este, lá de Estocolmo, 24


essencialmente poeta. Justamente em 1906 morre, muito novo, o 2º Conde de Arnoso, João Maria Rodrigo Pinheiro da Figueira e Melo, oficial da Armada e sobrinho do Visconde de Pindela. Pertence-me um original manuscrito, datado e assinado por Feijó, de um soneto que lhe dedicou: Como um dos seus avós em justas e torneios - Pais de Abranches, que foi dos Doze de Inglaterra, Com uma ânsia de glória, em altos devaneios, Corre o mundo, de mar em mar, de terra em terra. Não leva escudo, o moço ilustre, nem couraça, Que o tempo é vil; mas como arnês de paladino, Leva a honra e o valor de toda a sua raça - Grande exemplo a apontar-lhe o mais nobre destino! Mão na espada, a entrever combates, a alma pura, Já belo, dessa estranha e amarga formusura Que o fim próximo imprime aos vencidos da Sorte, Vai na tolda a sonhar, - sonho feito em pedaços! - Pais de Abranches voltou com a noiva nos braços, Ele… voltou também, mas nos braços da morte! Uma questão final ainda. Qual o percurso de Feijó após a implantação da República? Mais um adesivo ao novo regime? É certo, manteve-se no seu posto, à frente da legação portuguesa em Estocolmo. Necessariamente passaria a obedecer à República e a republicanos. Mas não havia como evitá-lo. Era um homem casado, pai de dois filhos e sem fortuna pessoal. Ainda assim, não mais

variadíssimos negócios. Recebi ontem, porém, uma carta dele falandome da fusão confidencialmente. Confidencialmente também te digo que o Luís se opôs, como era de prever a essa híbrida aliança e que se recusou a ir à Câmara com votos dos progressistas». E adiante, a propósito da vinda a Portugal do presidente da República francesa: «A visita de Loubet foi uma coisa pavorosa pela exibição das forças republicanas. Ninguém fez caso disso e continuou todo o mundo a asnear. Agora foi a Marinha, amanhã serão as forças da terra, e um belo dia a guarda municipal. Depois será o que Deus quiser.» Absolutamente premonitório! A 19 de Maio desse mesmo ano de 1906, em outra missiva, manifestava a sua esperança em, no novo governo, «o nosso Chefe será o Luís de Magalhães, se ele aceitar, o que duvido». Tem palavras pouco simpáticas para com o dirigente regenerador, Hintze Ribeiro, e outras de expectativa, relativamente a João Franco, não crendo que «os republicanos se acalmem porque é ele o seu maior inimigo». E dois dias após, em outra carta, declara abertamente o seu franquismo: «O Governo actual pode fazer muito se não tiver a pretensão de fazer coisas grandes e se contentar em fazer coisas boas. Portugal é um doente combalido. Se lhe derem remédios enérgicos acabam com ele. Tenho uma esperança, embora ténue. Deus queira que me não engane». Em muita outra correspondência transcrita naquele livro vamos encontrar sinais evidentes do monarquismo de António Feijó. E da lúcida visão política, às vezes tão pouco expectável em alguém tão 25


regressou a Portugal senão após a sua morte, quando foi trasladado para Ponte de Lima. Mas, enquanto vivo, manteve sempre a troca de cartas com o amigo de Pindela. E, sabedor do aproximar do fim do 1º Conde de Arnoso (Bernardo), buscava novidades dele através de Luís de Magalhães: «Há dias tive um pressentimento de que o mal se tinha agravado e telegrafei para Pindela a pedir notícias. Já o nosso querido Bernardo tinha morrido! Imaginas a minha atribulação. Tudo se desmoronou em volta de nós.» Realmente assim tinha sido. Com toda a sorte de males e o tempo muito empenhado em levar as pessoas. António Feijó entregaria a alma ao Criador em 1917; o Visconde de Pindela em 1922. Antes, todavia, nos seus tempos gloriosos de vate limiano, dedicou-lhe em Sol de Inverno o poema A Cidade do Sonho:

Sofres e choras? Vem comigo! Vou mostrar-te O caminho que leva à Cidade do Sonho… De tão alta que está, vê-se de toda a parte, Mas o íngreme trajecto é florido e risonho. Vai por entre rosais, sinuoso, e macio, Como o caminho chão duma aldeia ao lugar, Todo branco a luzir numa noite de estio, Sob o intenso clamor dos ralos a cantar. Se o teu ânimo sofre amarguras na vida, Deves empreender essa jornada louca; O Sonho é para nós a Terra Prometida Em beijos o maná chove da nossa boca… Visto dessa eminência, o mundo e as suas sombras, Tingem-se no esplendor de um perpétuo arrebol; O mais estéril chão tapeta-se de alfombras, Não há nuvens no céu, nunca se põe o sol. Nela mora encantada a Ventura perfeita Que no mundo jamais nos é dado sentir… E um beijo só colhido em seus lábios de Eleita, A própria Dor começa a cantar e a sorrir! Que importa o despertar? Esse instante divino Como recordação indelével persiste; E neste amargo exílio, através do destino, Ventura sem pesar só na memória existe…

É, nas exímias estrofes de Feijó, o hino melhor cantado ao sonho de ambos, à razão de tanto criticismo e azedume político nas suas missivas – a distância a que se sentiam do almejado Portugal perfeito. Mas, insisto a terminar, sem uma palavra de ambos contra a Instituição Real, que sempre serviram fielmente.

Abstract Both diplomats, the 2nd Viscount of Pindela and the limian poet Antonio Feijó, built a solid friendship for over 30 years, to the point of this one being the godfather of the Viscount's younger daughter. Their epistolary contacts are of the greatest regularity, especially in the phase in which both took their respective representative functions, one in Berlin, the other in Stockholm, and later, when the Republic and the World War worries them and overwhelms Portugal and the world. It is particularly touching the final phase of this written conversation of friends, when Mercedes Lewin, Feijó's wife, passes away. Key words: António Feijó, Pindela, monarchy. Resumé Les deux diplomates, le 2e vicomte de Pindela et le poète limien Antonio Feijó, ont construit une amitié solide pendant 30 ans, au point d'être parrain de leur nouvelle fille. Leurs contacts épistolaires sont de la plus grande régularité, beaucoup dans la phase où tous deux ont pris leurs fonctions représentatives respectives, l'un à Berlin, l'autre à Stockholm, puis, quand la République et la guerre mondiale les ont inquiétés le Portugal et le Monde. C'est particulièrement touchant la dernière phase de cette conversation écrite d'amis, quand meurt Mercedes Lewin, la Femme de Feijó. Mots-clés: António Feijó, Pindela, monarchie. 26


Ponte do Mouro Medieval Recriação histórica do encontro de D. João I e o Duque de Lencastre, em 1386 degustando sabores medievais. Nestes três dias, Ponte do Mouro, lugar das freguesias de Barbeita e Ceivães, recebe várias recriações medievais a lu s iv a s à qu e le p er íod o histórico: música e danças da época, torneios, animadores de rua, espetáculos de fogo, falcoaria, cânticos à capela, demonstrações de ofícios e mercado medieval. Do programa, diverso, apelativo e fiel à época, destaca-se, no domingo à tarde, o encontro do Rei D. João I com o Duque de Lencastre, onde definiram a parceria militar e os pormenores do casamento. Referência ainda para a novidade deste ano: realização de dois banquetes medievais, um na sexta-feira e outro no sábado.

Pelo terceiro ano consecutivo, realiza-se, nos dias 10, 11 e 12 de Agosto, em Ponte do Mouro, Barbeita/Ceivães, a Recriação Histórica do Encontro entre D. João l e o Duque de Lencastre, em 1386. Denominada “Ponte do Mouro Medieval”, a iniciativa, organizada pela Associação “Buraca da Moura”, consta de um conjunto de actividades alusivas à época medieval.

A abertura oficial realiza-se no dia 10 de Agosto, sexta-feira, pelas 17h00, e conta com a presença do Doutor António de Matos Reis, medievalista, que proferirá um conferência intitulada "Um olhar sobre o encontro de D. João I e o Duque de Lencastre na Ponte do Mouro". Além da recriação de um momento relevante para Monção e para Portugal, este “regresso ao passado” é uma verdadeira lição de história.

Em Ponte do Mouro, estabeleceram-se as condições de cooperação militar entre os dois países, acertando-se os pormenores do casamento entre o Rei D. João I e Dona Filipa de Lencastre, filha do Duque. Os visitantes poderão apreciar e viver todo o contexto histórico da época, participando nas animações/recriações e 27


Fernão de Magalhães Do Porto ao vale do rio Lima António Borges Taveira

Como sabemos, Fernão de Magalhães, em ruptura com D. Manuel I, apresentou um projecto de chegada às Molucas pelo ocidente ao imperador Carlos V, contra os interesses portugueses da época que prejudicou consideravelmente. Esta atitude de traição ao país tornou difícil encontrar o seu rasto nas memórias familiares. Nessa época, em Portugal, ninguém se orgulharia de tal parentesco. E, com a Restauração, o ambiente não seria o mais favorável à reabilitação da sua imagem.

de Magalhães era natural da cidade do Porto, por assim o dizer o Dr. João de Barros, e filho de Rui de Magalhães e de Alda de Mesquita. O pudor, se é que não foi ignorância, em abordar os familiares que ficaram em Portugal tê-lo-á levado a nem se lhes referir.

João de Barros, o historiador, nas Décadas, não se refere à naturalidade do nauta. Diz que foi para Sevilha: “Na qual cidade achou ele, Fernão de Magalhães, gasalhado e favor pera suas cousas em casa de um Diogo Barbosa, natural português, que no ano de quinhentos e um (como atrás escrevemos), na primeira armada foi com João da Nova por capitão de um navio que era de D. Álvaro, irmão do Duque de Bragança, D. Fernando. E no tempo em que ele D. Álvaro, andou em Castela, este Diogo Barbosa teve por ele, como alcaide mor, o castelo de Sevilha. Do qual gasalhado, que Fernão de Magalhães recebeu dele, Diogo Barbosa, e parentesco que também entre eles havia, veio o mesmo Fernão de Magalhães casar com uma filha sua...”

Códice de Manuel Severim de Faria

Este João de Barros, homónimo do autor das Décadas, foi desembargador, autor da Geografia da Comarca de Entre Douro e Minho, tendo nascido em Vila Real por volta de 1500. Era filho do bacharel Diogo Gonçalves e de sua mulher Briolanja de Barros. Os biógrafos dão-no nascido no Porto de onde era a sua família e onde viveu. Seu pai terá exercido funções de ouvidor da casa de Vila Real na capital transmontana onde nasceu aquele seu filho João e um outro, mais velho de nome Pedro (ADB – matrículas de ordens). Foi o Dr. João de Barros, ouvidor do arcebispo de Braga, escrivão da câmara de D. João III, desembargador dos agravos, autor ainda entre outras obras do "espelho dos casados". É certamente seu familiar, talvez irmão da mãe, um outro João de Barros que tinha terras junto ao lugar de “Rui de Magalhães” referidas no tombo de 1513 do Convento de Corpus Christi (ADP – Corpus Christi, cx. 596, doc. 4946-4947).

A cidade do Porto, desde o século XVI, é a terra indicada de naturalidade do navegador. O professor José Manuel Garcia, na obra “A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses”, chama a atenção para a “Viagem de Fernão de Magalhães na Demanda de Maluco por El-Rei de Castela” que, entre 1560 e 1570, Fernão de Oliveira prefaciou, traduziu, adaptou e acrescentou, com base num relato de um participante na viagem. Neste códice, guardado na Universidade de Leiden, diz Fernão de Oliveira no seu prefácio que “...Antre os portugueses que descobriram Maluco foi um chamado Fernão de Magalhães, natural da cidade de Porto, em Portugal. Este era da geração dos Magalhães, gente honrada e nobre, e era criado del-rei em foro de moço de câmara, e homem entendido na arte de navegação e cosmografia, em especial pelo que aprendeu de um seu parente chamado Gonçalo de Oliveira, em cuja companhia foi ter àquela terra; do qual entendeu a verdade do sítio daquelas terras, porque era Gonçalo de Oliveira mui sabido nesta faculdade...”.

Depois do silêncio genealógico que se abate sobre a família do navegador, não é de estranhar que só no final de seiscentos Cristóvão Alão de Morais, o probo genealogista portuense, faça uma breve referência a Genebra de Magalhães, que faz irmã de Fernão de Magalhães, “o do estreito”, cuja descendência vive no Porto, exercendo cargos concelhios de importância, ligados à governança da cidade. No século XVIII, saradas e cicatrizadas as feridas entre o estado português e o espanhol, dá-se o fenómeno inverso. Várias são as famílias que reclamam aquele ilustre parente. Estas tentativas de apropriação por vários ramos de Magalhães da “posse”

Mais tarde, já na primeira metade do século XVII, o Chantre da Sé de Évora Manuel Severim de Faria, nascido em 1584, é o primeiro genealogista que fala sobre o navegador. Diz que Fernão 28


Abstract

do navegador “entre os seus maiores” vieram baralhar a questão.

This article summarises the communication shown in the 27th of April, 2018 in a conference/colloquy at Ponte da Barca - “Ferdinand Magellan - the land of Nóbrega and other stories”. There, starting from the lineage origin Magalhães in the land of Nóbrega, the life of the famous navigator’s father in Oporto was analysed. Before, in the publication of “Ferdinand Magellan from Santa Maria da Sé, in Oporto”, in 2011, the author related for the first time the documentation from Seville, both in the India’s archive and the notarial books, with the ones in Oporto. The intense life of his father is documented, the knight Rui de Magalhães, in the city administration and his residence at rua Nova, Oporto - nowadays the 47 at Rua do Infante D. Henrique. The “quinta do chão”, at Vila Nova de Gaia, that Ferdinand Magellan leaves to his sister Isabel de Magalhães by a notarial script dated 19th of March, 1519 at Seville, which had belonged to his father Rui de Magalhães, is documented as belonging to Maria Fernandes, Rui de Magalhães’s mother - thus Ferdinand Magellan’s paternal grandmother. It is proved a second marriage by Rui de Magalhães with Inês Vaz Moutinho before the 17th of February, 1476. Therefore, Ferdinand Magellan was older than most biographers state - was probably born in 1474 or before. It is also documented the marriage (likely in second nuptials) of Maria Fernandes - Ferdinand Magellan’s paternal grandmother - and Gil de Oliveira, noble squire, substantial merchant, as the reason for the family settling in the city of Oporto.

A primeira filiação “alternativa” a Rui de Magalhães, surge já na segunda metade do século XVIII por frei João da Madre de Deus, genealogista de fraco mérito. Cinquenta anos depois, no nobiliário de Felgueiras Gayo, constata-se o resultado de vários ramos de Magalhães entroncarem entre os seus Fernão de Magalhães, “o do estreito”. O silêncio dos séculos anteriores, sobre si e sobre as suas origens, deu naquela pluralidade. O renegado de outrora era agora reclamado. Umas décadas depois de Gayo, no Portugal Antigo e Moderno, já são referidas mais algumas “filiações alternativas”. E, mais surgiriam se…. Mas, entretanto, é descoberta e publicada a documentação encontrada no Arquivo das Índias, em Sevilha, que legitima a filiação que lhe fora atribuída por Alão de Morais na segunda metade do século XVII. Trata-se das “provanças” de um filho de um primo co-irmão do navegador, Lourenço de Magalhães. Este, em 1567, habilita-se à herança de seu parente. O processo existente no Arquivo das Índias, em Sevilha, vem comprovar, sem margem para qualquer dúvida, aquela filiação em Rui de Magalhães. Essa documentação é publicada em 1837 por Martin Fernandez de Navarrete na “Colección de los Viajes y Descubrimientos que hicieron por Mar...”. Em 1888 Toribio Medina na “Coleccion de Documentos Inéditos para la História de Chile” amplia ainda a informação divulgada por Navarrete. Na mesma obra divulga o testamento do navegador existente no Arquivo das Índias. São revelados pela primeira vez os nomes dos irmãos que lhe sucederiam se a sua descendência se extinguisse, Diogo de Sousa e Isabel de Magalhães, que no caso de lhe virem a suceder teriam de assinar o apelido Magalhães, casar em Castela e lá viverem. Teriam ainda de usar as armas da maneira que ele as usa “que são de Magalhães e Sousa”. Deixa ainda uma verba ao mosteiro de S. Domingos das Donas do Porto, única verba deixada a uma instituição portuguesa. É este mosteiro o de Corpus Christi em Vila Nova de Gaia. Devemos relevar ainda a divulgação, na mesma obra, do contrato assinado com Carlos V de 23 de Fevereiro de 1518 em que se diz vizinho do Porto. Em Portugal, a repercussão da divulgação por Navarrete da documentação do Arquivo das Índias, levou à descoberta por António Baião, nas súmulas de Gaspar Álvares de Lousada, (existentes na Biblioteca Nacional), das transcrições das moradias da casa real referentes a Fernão de Magalhães, em que era dito filho de Rui de Magalhães. Os historiadores, não contestando o nome do pai, mas não encontrando referências documentais seguras ao nome da mãe, oscilam entre Aldonça (ou Alda) de Mesquita, referida por Alão de Morais como casada com Rui de Magalhães, e uma N. de Sousa, pelo apelido de seus irmãos e pelas armas por si usadas. De facto, alguns historiadores entenderam, erradamente, que sendo o brasão de Magalhães e Sousa, conforme referido no seu testamento, seria um brasão partido com as armas paternas e maternas.

Key words - Ferdinand Magellan; Oporto; Seville; Place of Birth; Family Resumé Cet article résume la communication présentée le 27 avril 2018 lors d'un colloque à Ponte da Barca - "Fernão de Magalhães les terres de Nobrega et d'autres histoires". À partir de l'origine de la lignée Magalhães dans les terres de Nóbrega, la vie à Porto du père du célèbre navigateur est analysée. Déjà en 2011, dans la publication "Fernão de Magalhães de Santa Maria da Sé do Porto", l'auteur a lié pour la première fois la documentation existant à Séville, tant dans les Archives Générales des Indes que dans les livres notariaux, avec l'existant à Porto. Documente la vie intense de son père, le chevalier Rui de Magalhães, dans le gouvernement de la ville et son logement à Rua Nova, à Porto - actuellement le n.º 47 dans la rue do Infante D. Henrique. La Quinta do Chão, à Vila Nova de Gaia, que Fernão de Magalhães laisse à sa soeur Isabel de Magalhães par acte notarié le 19 mars 1519 à Séville, hérité de son père Rui de Magalhães, est documentée comme appartenant à Maria Fernandes, mère de Rui de Magalhães donc grand-mère paternelle de Fernão de Magalhães. Il est prouvé un 2ème mariage de Rui de Magalhães avec Inês Vaz Moutinho avant le 17 février 1476. Ainsi, Ferdinand Magellan était plus âgé que les biographes affirment probablement né en 1474 ou plus tôt. Aussi documenté est le mariage (probablement dans les secondes noces) de Maria Fernandes - la grand-mère paternelle de Fernão de Magalhães - avec Gil de Oliveira, écuyer noble, marchand riche, qui sera à l'origine de la famille a été établie à Porto. Mots Clés - Fernand de Magellan; Porto; Séville; Lieu de naissencel; Famille

António Baião, D. José Manoel de Noronha, Queirós Veloso, visconde da Lagoa, Júlio Teixeira, José Manuel Garcia, Manuel Abranches de Soveral e Amândio de Barros, todos eles comprovando e validando a filiação do navegador em Rui de Magalhães, com contributos mais ou menos importantes para o conhecimento do navegador, nem por isso fizeram avançar a questão genealógica. Ficámos com o rasto do navegador na Índia e Norte de África (referido pelos cronistas do século XVI) documentado. Também o irmão, Diogo de Sousa, ficou documentado como tendo embarcado com ele para a Índia. Um outro irmão, Duarte de 29


Sousa, é “descoberto” no ANTT, numa procuração para cobrança de certa dívida no almoxarifado de Ponte do Lima. Finalmente, o último autor, refere documentação do mosteiro de Corpus Christi, em Gaia, contemplado no seu testamento. Nele, no tombo do mosteiro de 1513 refere-se uma devesa, perto da fonte de S. Marinha, em Gaia “...contra o soão com o camynho que vay teer ao loguar de Ruy de Magalhães e contra v~edaval parte com devesa dos herdeiros da manceba que foi do p.õr de Sãta Marinha e contra o mar com devesa de João de Barros…”. (ADP – Corpus Christi, cx. 596, d o c . 4946-4947).

- [1334] Libro del año: 1519. -Oficio: XV. -Libro: I. -Escribanía: Bernal G. Vallesillo. -Folio: 551 v. Fecha: 19 marzo. Asunto: Donación de una quinta de viñas y castañales y tierras de pan sembrar, radicadas en tierras de Guyan, término de la ciudad de Puerto de Portugal, que el Comendador Fernando de Magallanes, capitán de Sus Altezas, hijo legítimo de Rodrigo de Magallanes y de Alda de la Mesqueta, difuntos. vecinos que fueron de la citada ciudad de Puerto de Portugal, hace a su hermana Isabel de Magallanes.

[1425] Libro del año: 1519. -Oficio: XV. -Libro: II. -Escribanía: Bernal G. Vallesillo. -Folio: 125. -Fecha: 4 de junio. Asunto: El Comendador Fernando de Magallanes, capitán de Sus Altezas, designa a su hermana. Isabel de Magallanes, para que disfrute unas posesiones que el dicho Comendador tenía en tierra de Gayan, la pequeña.

Quanto à questão da naturalidade, neste início do século XXI, ainda persistem (como é possível!) quatro teorias: 1ª – a do Porto. A que sempre congregou a maior parte dos historiadores e que, após a minha publicação em 2011 de “Fernão de Magalhães de Santa Maria da Sé do Porto”, deixa poucas dúvidas sobre a sua naturalidade.

Neste último, em 4 de Junho de 1519, em Sevilha, Fernão de Magalhães, nomeia sua irmã Isabel de Magalhães 3.ª vida no prazo que tinha pegado à quinta de “Xon” (desta quinta de “Xon” fizera-lhe doação a 13 de Março como refere o item primeiro indicado), em Gaia a pequena, foreiro “de la Yglesia mayor de la dita cibdad del puerto de portugal”, em que era 2.ª vida e seu pai, que o nomeara, fora 1.ª vida. (AHP de Sevilla, notariales, of. XV, liv. II, f. 125 - 125v.)

2ª – a de Ponte da Barca. Que se baseia na origem do apelido naquele concelho; Nos testemunhos de parentes do navegador em Ponte da Barca e Ponte do Lima que atestam no citado processo de Lourenço de Magalhães em 1567; E também na cobrança no almoxarifado de Ponte de Lima por seu irmão Duarte de Sousa de uma dívida a Fernão de Magalhães. 3ª – a de Figueiró dos Vinhos. Que se baseia na errada filiação do navegador no escudeiro Lopo Rodrigues (de Magalhães), de Figueiró, pai de um outro Fernão de Magalhães, pelo genealogista setecentista frei João da Madre de Deus 4ª – a de Sabrosa. Que se baseia numa falsa ascendência criada no final do século XVIII por um aventureiro – António Luís Alvares Pereira de Magalhães – natural de Sabrosa. Este, na altura vivendo em Espanha onde casara, dissera-se herdeiro de Fernão de Magalhães como suposto descendente de uma por si inventada irmã do navegador – uma tal Teresa de Magalhães que seria sua antepassada. Para isso falsificou, entre outra documentação, um testamento do navegador e habilitou-se, sem qualquer sucesso, à sua herança no Arquivo das Índias. Nenhum dos seus antepassados usara alguma vez o apelido Magalhães. António Luís descendia de lavradores remediados, sem qualquer laivo de nobreza, que habitavam no lugar da Pereira, em Sabrosa, no início do século XVII. Nenhum dos antepassados do século XVI que ficcionou, deixou qualquer rasto na documentação conhecida. Seja no ANTT, nas matrículas de ordens de Braga ou na documentação monástica de Vila Real. Nem a putativa irmã do navegador, Teresa de Magalhães, nem seu putativo marido João da Silva Teles. Nem putativo filho destes, Luís da Silva Teles, nem sua mulher Rosa de Castro de Vasconcelos. Nem seu putativo neto Francisco Teles da Silva, nem sua mulher Maria Moreira. Nem seu putativo bisneto António da Silva de Magalhães nem sua mulher, Francisca Pereira da Silva. Como é possível que ainda haja quem diga que Fernão de Magalhães era natural de Sabrosa …. Voltemos ao que interessa.

Sevilha - assinatura de F. de Magalhães na nomeação das terras foreiras ao cabido em 3.ª vida a sua irmã

O passo seguinte foi a pesquisa no Arquivo Distrital do Porto, na documentação da Sé, do tal prazo da quinta do “Xon”. A referência mais antiga a este prazo é de 11 de Junho de 1482 quando o cabido empraza em três vidas as terras do lugar de Chão com todas as suas pertenças, em Vila Nova, a Rui de Magalhães cavaleiro, em 1.ª vida, podendo nomear a 2.ª e esta a 3.ª, por desistência de sua mãe Maria Fernandes, por “dez maravedis de boa moeda, pagos a 700 por uma” (ADP-Cabido-K/14/3/1-518, f. 38v). Esta referência colhe-se no emprazamento seguinte de 1552. Neste, Isabel de Magalhães, moradora na quinta de Chão em Vila Nova, dona viúva de Álvaro Pereira, renuncia na 3.ª vida das terras de Chão foreiras ao cabido que tinham sido de seu pai Rui de Magalhães em 1.ª vida. Eram as terras demarcadas por marcos antigos que diziam “See”. Fá-lo por procuração a seu sobrinho Rui de Magalhães, morador no Porto, que em seu nome aceita novo prazo em 1.ª vida. Desde logo nomeia a 2.ª vida no dito prazo em sua sobrinha Isabel de Magalhães, filha do dito seu sobrinho Rui de Magalhães e de sua mulher Isabel Baião. Com o foro anual de 400 reis, 14 alqueires de pão meado e duas galinhas. (ADP-Cabido-K/14/3/1-518, f. 38v.). Na descendência de Isabel de Magalhães continuará o emprazamento.

Não há razão para persistirem tais dúvidas. No “Catálogo de los Fondos Americanos del Archivo de Protocolos de Sevilla”, constam seis itens referentes a Fernão de Magalhães, sendo dois deles de extrema relevância para aclarar a sua origem: 30


Quem foi Rui de Magalhães pai do grande navegador? A documentação esclarece-nos. A inexistência de livros de actas da Câmara do Porto entre 1461 e 1475 torna difícil perceber quando terá começado a sua intervenção nos assuntos da cidade. Síntese das funções desempenhadas por Rui de Magalhães segundo as actas das vereações, os livros de pergaminhos da câmara do Porto e os livros das Chancelarias Régias:

Rui de Magalhães tendo enviuvado de Alda de Mesquita casara em segundas núpcias com Inês Vaz Moutinho. Deste casamento nasceu Aires de Magalhães que recebe ordens de evangelho em Braga em 22.12.1509: “ # ayres de magalhaães f.º de Ruy de magalhaaes e de Ines Vaaz a moutinha Sua legitima molher m.res na cidade do porto na frg.a da see de licença de seu p.lado.” ADB – matrículas de ordens, cad.º 10, F.ª 75 v.

- Em 24 de Junho de 1472 é eleito juiz ordinário do Porto com Vasco Gil (Ferraz). (Ch. de D. Afonso V – L.º 33, F. 228 v. e 229).

Aires teria nascido por volta de 1485 na freguesia da Sé. Teria certamente recebido as outras ordens (menores e de epístola) na Sé do Porto. Certamente impostas por D. Diogo de Sousa que, em 1505, toma posse do arcebispado de Braga. Talvez pelas fortes relações de parentesco daquele prelado com os Magalhães da Barca, parentes de Rui de Magalhães, seus filhos Diogo e Duarte tenham ido buscar o longínquo Sousa. Afinal, terão começado a usar o apelido durante o bispado de D. Diogo, tão influente que foi na cidade, em cuja governação Rui de Magalhães se envolveu activamente. Talvez também por isso, Aires de Magalhães terá ido receber ordens a Braga impostas por aquele bispo.

- Em 16 de Março de 1475 é procurador do Porto às cortes de Évora com Álvaro Rodrigues de Azeredo. (AHMP – Perg. 5 – doc. 29). Talvez fossem os juízes ordinários no ano camarário de 1474/1475. - No ano camarário de 1476/1477 é procurador da câmara do Porto. Aparece também em 18.06.1477 como juiz ordinário, talvez em substituição de Fernão Novais. (AHMP – Perg. 5 - doc. 32, 32v., 36 e 38). - Em Março e em Junho de 1476 é almotacé (AHMP – APUB – 0005, f. 77).

Faltava encontrar, na freguesia da Sé, a morada de Rui de Magalhães. No livro da Contadoria (ADP – Contadoria. liv. 007 – f. 11v.) encontrámos a resposta procurada. Em 1513 Manuel de Abreu, fidalgo da casa real, tesoureiro da moeda no Porto, vivia na rua Nova, a actual rua do Infante, em casas que comprara em 8 de Abril de 1494 a Rui de Magalhães. Casas que confinavam com casas de Vasco Ferraz, dito neto de Leonor Anes (mulher que fora de Vasco Gil) e com casas que trazia Afonso Vaz de Caminha (este o pai de célebre Pero Vaz de Caminha). Diz-se ainda que Rui de Magalhães tinha as ditas casas por compra a sua mãe Maria Fernandes em 16 de Outubro de 1476. A Maria Fernandes e a seu marido, Gil de Oliveira, tinham sido aforadas por D. Afonso V em 4 de Junho de 1467. Nos livros das chancelarias obtivemos mais alguns dados destas casas. Pelo livro 3 de Além Douro (ANTT - leitura nova, F. 4v.) ficamos a saber que as casas tinham sido emprazadas em 17 de Outubro de 1417 a João de França, mercador, filho do célebre mestre Rogel, e a sua mulher Senhorinha Esteves. Diz-se que estas casas “partiam” com a “moeda” e com casas em que morava Vasco de França, seu irmão. Depois, já em 1467, Senhorinha Esteves, já viúva, por não as poder reparar, desistira em favor de Gil de Oliveira e de sua mulher Maria Fernandes, para eles e seus descendentes. O que foi aceite “pelas ditas razões” por Luis Álvares de Sousa, vedor do rei que encontrou os interesses régios melhor defendidos com a dita transmissão. Pagavam de foro 54 libras de “moeda antiga”. Maria Fernandes seria viúva de P.º Afonso de Magalhães – pai de Rui de Magalhães como é referido no processo de 1567 de Lourenço de Magalhães – quando casou com Gil de Oliveira. Foi este um conhecido mercador na cidade do Porto. Escudeiro da casa real, morador no Porto e criado do Infante D. Fernando, irmão de D. Duarte, como é referido na carta de legitimação de seus filhos, Fernão e Beatriz, em 1 de Agosto de 1446, tidos de Leonor Afonso, mulher casada (ANTT – leg. Leitura nova, liv. II, f. 80v). Será provavelmente ascendente de Gonçalo de Oliveira, dito “parente” de Fernão de Magalhães, que lhe ensinou as artes do mar. Gil de Oliveira, com um apelido até então não revelado na documentação do Porto, aparece na

- Em Março de 1480 é almotacé com João Anes Machuco. É também eleito almotacé para o mês Junho do mesmo ano (AHMP – APUB – 0005, f. 150 e 151). - Em 1481/1482 é vereador da câmara com Jorge Lourenço, sendo assim referido em 01.08.1481 (AHMP – Perg.5 – doc. 71). - Em 1481 é procurador substituto (AHMP – APUB – 0005, f. 169, 169v.). - Em 1487/1488 é juiz da cidade com Álvaro Dias, escudeiro do rei (AHMP – APUB – 0006, f. 153,182). - Em Julho de 1488 é almotacé (AHMP – APUB – 0007, f. 62 e 62v.).

Assinatura de Rui de Magalhães, AHP “Vereações” A - PUB - 00005 - 033

A 1.ª vez que seu nome é referido em reuniões camarárias, no ano iniciado em 24 de Junho de 1475, é na reunião de 14 de Fevereiro de 1476. Nessa sessão é relacionado logo a seguir a Pedro Vaz Moutinho. (AHMP – APUB – 005 – f. 31v.). Nas reuniões seguintes, em 17 e 21 de Fevereiro é dito “jenro de Pero Vaaz” (AHMP – APUB – 005 – f. 33v. e 34v.). Nalgumas delas é referido como cavaleiro.

Rui de Magalhães e Pero Vaz Moutinho “Vereações” A-PUB-00005-031v

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documentação camarária a partir de 3 de Maio de 1443 (AHMP – Ver. liv. 2, f. 169). Podemos ver a sua bela assinatura em tantas reuniões. Temos notícia ainda que Gil de Oliveira e Afonso Vasques, mercadores do Porto, em 1454 nomeiam procurador em Bruges para cobrança de dívida (FCG – Arquivos do Centro Cultural Português, pág. 20).

visto aí uma esperança de sucesso no longo processo judicial que tinha pela frente. O processo iniciou-se em Fevereiro de 1567 em Jerez de la Frontera, onde foram feitas as primeiras inquirições para atestar da sua residência e casamento em Castela, do uso do apelido Magalhães e do seu brasão, conforme o testamento do navegador. Continuariam a partir do dia 3 de Abril do mesmo ano em Portugal, para provar o seu parentesco com Fernão de Magalhães. Foram ouvidas quinze testemunhas, algumas delas parentes pelos

A documentação permite-nos criar a seguinte árvore genealógica

Magalhães, ouvidas em Ponte de Lima e Ponte da Barca, ficando amplamente demonstrada a sua filiação e o parentesco com o navegador. De entre os testemunhos, jurados debaixo dos Santos Evangelhos, perante o juiz de Ponte da Barca, Gaspar Cerveira (cunhado do poeta Diogo Bernardes), genro de um colaço do senhor da Barca, salientamos um: o senhor da Barca, “chefe da linhagem dos Magalhães”, Manuel de Magalhães de Menezes, de 70 para 75 anos, asseverou que era primo dentro do 4.º grau de Lourenço de Magalhães. Que o citado Lourenço era neto paterno de Rui Pais de Magalhães e que este Rui Pais de Magalhães era irmão de Rui de Magalhães, este último pai de Fernão de Magalhães, “o do estreito”. Disse ainda, sem tal lhe ser perguntado, que aqueles dois irmãos, Rui de Magalhães e seu irmão Rui Pais de Magalhães, eram filhos de um P.º Afonso de Magalhães. Mais disse, que o sabia por sempre o ter ouvido a seu pai, João de Magalhães. Também testemunhou na Barca o cavaleiro fidalgo, João Garcia Bello, de 90 anos, que afirma que conheceu pessoalmente Fernão de Magalhães, “o do estreito”, bem como seu pai, Rui de Magalhães. Disse ainda, sem tal lhe ser perguntado, que aqueles dois irmãos, Rui de Magalhães e seu irmão Rui Pais de Magalhães, eram filhos de um P.º Afonso de Magalhães, conforme ouviu muitas vezes dizer a João de Magalhães, pai de Manuel de Magalhães de Menezes, senhor da Barca. Entre muitos outros testemunhos, em que não faltou o padre que baptizou Lourenço de Magalhães, nem a parteira que assistiu ao seu nascimento, salientamos um de entre os parentes Magalhães de Mato Bom, em Estorãos: Fernão de Magalhães, filho de outro Fernão de Magalhães, de Mato Bom, parente do requerente no 4.º grau, diz que Rui Pais de Magalhães era avô de Lourenço de

Esta é a sua família próxima pela documentação conhecida. Maria Fernandes, a avó materna, cuja origem desconhecemos, casou com Gil de Oliveira - escudeiro, morador no Porto pelo menos desde em 1443 - antes de 4 de Junho de 1467 (quando lhes é emprazada a casa da rua Nova no Porto). Com Maria Fernandes viveria seu filho Rui de Magalhães, documentado no Porto desde meados do ano de 1472. Rui de Magalhães, entretanto enviuvando de Alda de Mesquita, casa 2.ª vez, antes de 17 de Fevereiro de 1476, talvez muito próximo dessa data, com Inês Vaz Moutinho. Como referimos um filho de um primo co-irmão do navegador, Lourenço de Magalhães, habilita-se em 1567, à herança do célebre parente. O processo existente no Arquivo das Índias, em Sevilha, vem aclarar as relações do navegador com os seus parentes do vale do Lima. Lourenço de Magalhães nasceu em Santa Eulália de Rio Covo e viveu em Braga. Em data incerta, talvez em 1554, vai para Castela com D. Estevão de Almeida. Viveu Lourenço de Magalhães em Múrcia, em casa do prelado. Depois serviu na Corte de Madrid com Rui Gomes da Silva, príncipe de Eboli e duque de Pastrana, que também se fixara em Espanha. Por volta de 1561 vai viver para Jerez de La Frontera, onde casa em 1564 com Antónia Benitez Osório. Não sabemos se influenciado por histórias de antigos navegantes embarcados com seu “tio”, que viviam perto de Jerez, ou por alguém do círculo de seu senhor, Rui Gomes da Silva, resolve “candidatar-se” à herança de seu “tio” ou, mais correctamente, primo co-irmão de seu pai. É possível que, com a subida ao trono de Filipe II em 1558 e a crescente influência de Rui Gomes da Silva no monarca e no governo de Castela, tenha 32


Magalhães. Diz ainda que, segundo ouvira a seu pai, Fernão de Magalhães “o do estreito”, que seu pai conhecera pessoalmente, era sobrinho daquele Rui Pais de Magalhães e era morador na cidade do Porto. Todas as inquirições de Ponte de Lima e Ponte da Barca são assinadas pelos tabeliães das duas vilas, com sinais reconhecidos por tabeliães de Braga. O sinal destes reconhecido por tabelião de Lisboa e certificado com o sinal da cidade pelo juiz civel dela. Também as inquirições que decorreram nos dias seguintes em Braga têm idênticos reconhecimentos e validações.

do surgimento de novos dados, posso concluir pelo estado actual do conhecimento: - Fernão de Magalhães terá nascido no Porto (ou talvez Gaia) antes de 14.02.1476 quando seu pai já está casado com Inês Vaz Moutinho. - Seu pai, Rui de Magalhães, está documentado no Porto desde Junho de 1472 quando é eleito juiz ordinário da cidade. Terá vivido com a mãe Maria Fernandes já casada em 1467 com o mercador portuense Gil de Oliveira. Sobre a naturalidade de Rui de Magalhães nada podemos inferir pela documentação conhecida.

Árvore de Magalhães pelas “provanças” de Lourenço de Magalhães:

a azul a informação obtida a partir das “provanças” e a amarelo informação retirada da documentação do Porto, Sevilha e Torre do Tombo

- Seu avô paterno P.º Afonso de Magalhães teria nascido na Ponte da Barca, sendo filho do senhor de Paço Vedro de Magalhães. Dele não encontramos rasto na documentação do Porto onde não terá morado.

Conclusão Apesar de manter uma abertura permanente perante a possibilidade

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Assembleia-Geral muito activa da JM do Porto A Juventude Monárquica do Porto reuniu-se em Assembleia Geral do passado dia 7 de Abril de 2018, no Palacete dos Viscondes de Balsemão.

esquecida. Foi aprovada por unanimidade. 3. “Do alinhamento internacional”, Esta moção apresentada visava uma estratégia para o movimento monárquico português, incentivando o contacto e a parceria com grupos e organizações monárquicas de outros países. Foi aprovada por unanimidade.

O Presidente da Juventude Monárquica do Porto, Jorge Araújo, com representantes da Juventude Social Democrata do Centro Histórico do Porto

Nesta reunião magna, discutiram-se vários pontos. Inicialmente foram apresentados os relatórios de actividades e contas do ano de 2017. Da mesma forma, foram apresentados os relatórios de actividades e orçamento para 2018, sendo que ambos os pontos foram aprovados por unanimidade.

Associados da Juventude Monárquica do Porto, na Assembleia Geral

Após termino da Assembleia Geral, alguns associados presentes, resolveram homenagear as vítimas da Grande Guerra com a deposição de flores.

O terceiro ponto em discussão foi a proposta de cooptação do associado Tiago Rocha, para Vogal da Direcção, proposta que também foi aprovada por unanimidade. O quarto ponto em discussão foram a apresentação de várias moções: 1. "Relembrando La Lys", Esta moção pretendia recordar e homenagear os heróis portugueses que lutaram pela Pátria num catastrófico combate. Esta moção foi já reconhecida, através de um agradecimento, pelo Sr. Presidente da Liga dos Combatentes, General Joaquim Chito Rodrigues. Foi aprovada por unanimidade. 2. “Jovens pela Cultura”, Esta moção pretendia manifestar apoio à cultura portuguesa que, ano após ano, tem sido 34


Reis de Portugal “Sua Eminência Reverendíssima, o cardeal-infante D. Henrique” (4 de Julho de 1578 – 28 de Agosto de 1578)

D. Henrique

“Sua Alteza Real, o Rei” (28 de Agosto de 1578 – 31 de Janeiro de 1580)

Nascimento 31 de Janeiro de 1512, Lisboa

O estilo oficial de D. Henrique como Rei era: "Pela Graça de Deus, Henrique I, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc."

Morte 31 de Janeiro de 1580 (68 anos), Almeirim. Está sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa Reinado 4 de Agosto de 1578 a 31 de Janeiro de 1580 Dinastia Avis Cognome O “Casto” Títulos, estilos e honrarias “Sua Alteza, o Infante Henrique de Portugal” (31 de Janeiro de 1512 – 13 de Abril de 1539) “Sua Excelência Reverendíssima, o Senhor Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas” (13 de Abril de 1533 – 24 de Setembro de 1540) “Sua Excelência Reverendíssima, o Senhor Arcebispo de Évora” (24 de Setembro de 1540 – 16 de Dezembro de 1545) “Sua Eminência Reverendíssima, o cardeal-infante D. Henrique, Arcebispo de Évora” (16 de Dezembro de 1545 – 21 de Junho de 1564) “Sua Eminência Reverendíssima, o cardeal-infante D. Henrique, Arcebispo de Lisboa” (21 de Junho de 1564 – 14 de Novembro de 1569)

Como Rei de Portugal, foi Grão-Mestre das seguintes Ordens

“Sua Eminência Reverendíssima, o cardeal-infante D. Henrique” (14 de Novembro de 1569 – 15 de Dezembro de 1574)

Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo

“Sua Eminência Reverendíssima, o cardeal-infante D. Henrique, Arcebispo de Évora” (15 de Dezembro de 1574 – 4 de Julho de 1578)

Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da Espada

Ordem de São Bento de Avis Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada

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Pai D. Manuel I Mãe D. Maria de Aragão e Castela. D. Henrique em pessoa «de corpo meaõ, mais sobre pequeno, que grande, alvo, e louro) os olhos azues, algum tanto saídos naõ feio, mas pouco amavel na presença» (Brito, p. 106) «de mediana estatura, muy parecido a seu pay, de espírito vivo, adornado de erudiçaõ sagrada, e profana, inclinado à Mathematica» (Sousa, III, p. 388)

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“REAIS CONVERSAS COM…” Fernão de Magalhães, as Terras da Nóbrega e outras histórias Mariana de Magalhães Sant’Ana

Abstract

Résumé

Reais Conversas [Royal Talks] are informal meetings concerning history, story telling and traditions from the North of Portugal, organized by the Real Associação de Viana do Castelo. On this occasion, the theme was “Fernão de Magalhães, the Nóbrega lands and other stories” and took place on April 27th, at the House of Culture, at Ponte da Barca. Three historians were invited, António Borges Taveira and the brothers José and António de Mattos e Silva. António Borges Taveira quoted documents to support his version of the genealogic tree of Fernão de Magalhães. The Mattos e Silva brothers developed the theory that Fernão de Magalhães was actually a spy at the service of the Portuguese King D. Manuel I, opposite to what is commonly defended, namely by António Borges Taveira, that Fernão de Magalhães was a traitor. They all agreed that Fernão de Magalhães was most probably born around the city of Oporto, and that Ponte da Barca is the place of origin of the Magalhães family.

“Reais Conversas [Conversations Réelles] sont des réunions informelles concernant l’histoire, contes et traditions du Nord du Portugal, organisée par la Real Associação de Viana do Castelo. A cette occasion, le thème était “Fernão de Magalhães, les terres de Nóbrega et autres histoires”, et a eu lieu le 27 avril, à la Maison de la Culture, à Ponte da Barca. Trois historiens ont été invités, António Borges Taveira et les frères José et António de Mattos e Silva. António Borges Taveira a cité des documents qui soutiennent sa version de l’arbre généalogique de Fernão de Magalhães. Les frères Mattos e Silva ont développé la théorie que Fernão de Magalhães était en fait un espion au service du Roi Portugais D. Manuel I, en face de ce qui est communément défendu, nommément par António Borges Taveira, que Fernão de Magalhães était un traître. Ils ont tous convenaient que Fernão de Magalhães est né probablement autour de la ville de Porto, et que Ponte da Barca est le lieu d’origine de la famille Magalhães.

Key words: Fernão de Magalhães

Mots-clés: Fernão de Magalhães

No passado dia 27 de Abril de 2018, decorreu na Casa da Cultura de Ponte da Barca a iniciativa “Reais Conversas com…” sobre o tema “Fernão de Magalhães, as Terras da Nóbrega e outras histórias”. As “Reais Conversas com…” são encontros informais sobre história e temas da actualidade, organizados pela Real Associação de Viana do Castelo (RAVC). Em Maio de 2017, realizou-se, na Casa da Terra, em Ponte de Lima, a primeira Real Conversa, sobre o tema “A Feira de Ponte”. A iniciativa foi um sucesso, conforme se deu conta no n.º 12 da Real Gazeta do Alto Minho (Junho de 2017). Em boa hora, a Câmara Municipal de Ponte da Barca aceitou o desafio de organizar a segunda Real Conversa, em parceria com a RAVC. No dia em que passaram 497 anos sobre a morte de Fernão de Magalhães na ilha de Mactan, nas Filipinas, a Casa da Cultura de Ponte da Barca encheu-se para ouvir falar sobre Fernão de Magalhães e a sua ligação à Ponte da Barca. Para tal, foram convidados os historiadores Eng. António Borges Taveira, Eng.º José de Mattos e Silva e Eng.º António de Mattos e Silva. A abertura da sessão foi feita pela vice-presidente da RAVC, Dra. Mariana de Magalhães Sant’Ana, que fez uma sintética apresentação do movimento monárquico em Portugal, as Reais Associações e a Causa Real. De seguida, o Presidente da Câmara de Ponte da Barca, Dr. Augusto Marinho, cumprimentou a assembleia e os convidados, e congratulou-se pela presença de tanta gente, muitos dos quais vindos de outras zonas do país, para ouvirem falar de um tema tão caro à vila de Ponte da Barca. A moderação esteve a cargo da Vice-Presidente da Câmara e Vereadora da Cultura, Dra. 37


Maria José Gonçalves, que é licenciada em Ensino de História e Ciências Sociais pela Universidade do Minho, e Mestre em Ciências da Educação. O Sr. Eng. António Borges Taveira, a quem coube a primeira intervenção, é natural de uma aldeia no conselho de Sabrosa. Desde sempre se interessou por genealogia e heráldica, nomeadamente a ligação entre os livros medievais de linhagens e os nobiliários quinhentistas. Neste sentido, consultou manuscritos reservados da Biblioteca Pública Municipal do Porto, Torre do Tombo, e levantou todas as matrículas de ordens da arquidiocese de Braga, respeitantes ao antigo termo de Vila Real entre meados do século XV e finais do século XVI. À guisa de prólogo, afirmou que: “Fernão de Magalhães é, de longe, o português mais conhecido no mundo, e há-de o ser nos séculos vindouros. Aquilo que Fernão de Magalhães fez há-de permanecer sempre, comparável talvez apenas à chegada do homem à Lua.” Começou a apresentação por esclarecer que iria falar sobre a origem de Fernão de Magalhães e não sobre a sua naturalidade, esquecendo tudo o que dizem os genealogistas, e baseando-se apenas em documentos. Assim, somos informados que: “Nos arquivos notariais de Sevilha há seis documentos em que Fernão de Magalhães intervém antes de iniciar a viagem, assinados pelo próprio. Dois destes documentos são importantíssimos para o estudo da família. Em 19 de Março de 1519, doa à irmã Isabel de Magalhães, a Quinta do Chão em Vila Nova de Gaia, que fora de seus pais Rui de Magalhães e Alda de Mesquita, vizinhos que foram da cidade do Porto. Pouco tempo depois, em 4 de Junho, nomeia a sua irmã Isabel de Magalhães, na terceira vida do Prazo, pegado à Quinta do Chão em Vila Nova de Gaia, junto ao Convento de Corpus Christi, foreiro à Sé do Porto, em que ele era segunda vida.”

Cita ainda informações retiradas do Arquivo Distrital do Porto para perceber a quem tinha pertencido esta Quinta do Chão. “A 11 de Julho de 1482, o Cabido da Sé do Porto embraza o Chão em Vila Nova de Gaia, a Rui de Magalhães, cavaleiro, em primeira vida, por desistência de sua mãe Maria Fernandes”. Posteriormente, a quinta terá passado da irmã de Fernão de Magalhães para uma sobrinha, e foi depois vendida a outra família. Entretanto, cita também documentos relativos a outra casa da rua Nova ou Formosa da cidade do Porto, que pertenceu à avó de Fernão de Magalhães, Maria Fernandes, e que esta vendeu a seu filho Rui de Magalhães, que por sua vez a vendeu a um fidalgo da Casa Real. Baseado nestes documentos da cidade do Porto, que entroncam com os documentos encontrados em Sevilha, apresentou a árvore genealógica de Fernão de Magalhães. Surge apenas como interrogado uma irmã, Genebra de Magalhães, referida pelos genealogistas, e sobre a qual não há documentação contemporânea. Apresenta de seguida os irmãos de Fernão de Magalhães: Diogo de Sousa de Magalhães, Duarte de Sousa, Isabel de Magalhães, e Aires de Magalhães, filho do segundo casamento de Rui de Magalhães com Inês Vaz Moutinho. O pai de Rui de Magalhães já seria morador no Porto, e a próprio Rui de Magalhães teve várias funções documentadas na cidade do Porto, nomeadamente como juiz e procurador da Cidade do Porto. Embora não tenha abordado directamente este tema, o Eng. Borges Taveira concluiu que Fernão de Magalhães terá nascido na cidade do Porto. Referiu que o grande secretismo em volta de Fernão de Magalhães teria a ver com o facto de ele ter traído a pátria, e não haver, portanto, muita gente que assumisse ser da sua família. No entanto, em 1567, há um parente, Lourenço de Magalhães, que se habilita à herança. Através das inquirições, inicialmente realizadas em Castela, e depois em Ponte da Barca e Ponte de Lima, foi possível

Da esquerda para a direita: António Borges Taveira, José Mattos e Silva e António Mattos e Silva

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reconstruir a árvore genealógica e relacionar Fernão de Magalhães com os restantes Magalhães, nomeadamente com Manuel de Magalhães, Senhor da Barca, e com os Magalhães de Mato-Bom. O antepassado comum seria Diogo Afonso de Magalhães, Senhor de Paço Vedro. “Queria agradecer poder falar de Fernão de Magalhães, coisa que não é possível no meu Concelho”. Termina a intervenção fazendo uma breve crítica à teoria de Sabrosa. “A tese de Sabrosa é um disparate”. Baseia-se num testamento falso que aparece através de um escrivão de Ribeira de Pena. Quer esse testamento, quer os que depois aparecem, são de gente que nunca existiu. Referiu que ele próprio descende de uma família Sousa Magalhães, de Sabrosa, que assina este apelido desde o século XVII, e lembra que consultou todos os documentos que dizem respeito ao antigo termo de Vila Real. Mostrou a árvore genealógica que o senhor António Luís Alvares Coelho, senhor da Casa da Pereira em Sabrosa, apresentou para justificar o seu parentesco com Fernão de Magalhães e disse, com toda a certeza, que vários elementos referidos na árvore genealógica nunca existiram! Os que existiram tinham apelidos diferentes, e o primeiro a assinar Magalhães foi o próprio António Coelho! Seguiu-se a intervenção dos irmãos João e António de Mattos e Silva, naturais de Lisboa. O primeiro é engenheiro civil, e o segundo é engenheiro mecânico. Ambos têm apresentado comunicações em encontros nacionais e internacionais, e publicado artigos e livros resultantes da investigação histórica relacionada com os navegadores Fernão de Magalhães, Cristóvão Colon e Côrte-Reais. O Sr. Eng. José de Mattos e Silva começou por apresentar a origem da família Magalhães. Afonso Vaz, que veio com D. Afonso III desde Bolonha, casou com D. Sancha de Novais, do Castelo da Nóbrega. Deste casamento nasceu Afonso Rodriques, que casou com Alda Martins de Castelões, proprietária da Torre de Magalhães. O filho destes, Afonso Rodrigues de Magalhães, foi o primeiro a usar este apelido. Depois foi apresentando a descendência deste e os vários ramos que daí surgiram, incluindo o ramo que ficou na Barca, o que foi para Pedrógão Grande e o que seguiu para o Porto. Sublinhou os

Augusto Marinho, Presidente da Câmara Municipal de Ponte da Barca

progressivos casamentos que foram acontecendo entre os Magalhães e as famílias mais importantes da época, como os Sousas, mostrando o progressivo aumento de notoriedade da família. Na apresentação da genealogia, mostrou algumas divergências relativamente à árvore apresentada pelo Eng. Borges Taveira, nomeadamente quanto a Rui de Magalhães, pai de Fernão de

José Anibal Marinho Gomes, Presidente da Real Associação de Viana do Castelo e António de Souza-Cardoso, Presidente da Causa Real

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Magalhães, não ser o mesmo dos documentos do Porto que dizem que foi Juiz do Porto, mas sim o meio-irmão deste, que teria o mesmo nome. Refere que Fernão de Magalhães terá nascido por volta de 1478, na zona do Grande Porto, preferencialmente em Gaia, e refere igualmente os irmãos Diogo, Duarte e Isabel. Por fim, referiu que: “o caso de Sabrosa já foi dito aqui e arrasado. Também pensamos que não nasceu em Ponte da Barca. De qualquer maneira, não há dúvida nenhuma, a importância da família Magalhães é que está indissociavelmente ligada a Ponte da Barca. O tronco principal da família é o dos Senhores da Barca.” Na segunda parte da intervenção, completada depois por algumas informações dadas pelo seu irmão, o Sr. Eng. António de Mattos e Silva, abordou a polémica tese que

Portugal. Curiosamente, todas elas acabaram por ter um papel fulcral na concretização da viagem de circunavegação. O próprio Fernão de Magalhães viveu na corte, tendo crescido com D. Manuel I, o que leva os dois genealogistas a supor que seria pouco provável que estes se tenham realmente zangado, e considerando até que o famoso episódio em que o Rei D. Manuel I recusa que Fernão de Magalhães lhe beijasse a mão, tenha sido um “teatro” planeado para dar credibilidade a uma suposta zanga. Também a frota enviada por D. Manuel para interceptar a frota de Fernão de Magalhães teria outros intúitos, já que demorou mais do que seria expectável, e chegando a Ternate quando a frota de Magalhães já tinha partido. A Dra. Maria José Gonçalves citou o livro escrito pelo Dr. Amândio Barros em que

Nota: A Direcção da Real Associação de Viana do Castelo, com mandato para o triénio 20172019, cumprimenta V. Exas, desejando desde já a continuação de um bom ano de 2018. A Real Associação de Viana do Castelo tem um plano de actividades e orçamento para 2018, aprovado em Assembleia Geral, que inclui diversas iniciativas relacionadas com o 5 de Outubro de 1143 (concursos escolares, etc.) e que se pretende sejam executadas com a participação de todos os associados, simpatizantes e entidades que entendam colaborar, com o intuito de contribuir e ajudar a dinamizar o ideal Monárquico que todos nós abraçamos convictamente. Atendendo à necessidade imperiosa que temos em angariar recursos financeiros necessários ao normal funcionamento da Real Associação, e tendo em conta que uma das competências da Direcção é a cobrança de quotas, eu, em nome da Direcção e na qualidade de Vice-Presidente, venho por este meio solicitar a V. Exas. a regularização da QUOTA DE ASSOCIADO REFERENTE ao ano de 2018, no valor de 20,00 € (vinte euros), preferencialmente por transferência bancária, para:

Titular da Conta: Real Associação de Viana do Castelo Em primeiro plano: Augusto Marinho, Presidente da Câmara Municipal de Ponte da Barca e Maria José Gonçalves, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Ponte da Barca

defendem do “agente secreto.” Segundo esta tese, e ao contrário do que disse o Eng. Borges Taveira, Fernão de Magalhães não seria um traidor, mas sim um espião ao serviço do Rei D. Manuel I. Esta tese não é baseada em documentos, mas em lógica. O regresso da Nau Santo António a Espanha - capitaneada por Estevão Gomes, e trazendo a bordo o primo de Fernão de Magalhães, Álvaro de Mesquita - terá afinal sido planeada para dizer a D. Manuel I que o estreito estava a ser descoberto. Mesmo durante a preparação da viagem, terão sido vários os mensageiros de D. Manuel que o foram avisando sobre as dificuldades que iam surgindo, e este acabaria sempre por enviar a ajuda necessária. Efectivamente, foram várias as pessoas que se foram mudando para Sevilha por supostas “incompatibilidades” com o Rei de

defende a naturalidade de Fernão de Magalhães em Ponte da Barca. Contudo, e face aos documentos entretanto apresentados, essa tese foi posta de parte pelos genealogistas. Seguiu-se uma discussão entre os três historiadores acerca das diferenças nas respectivas árvores genealógicas apresentadas, e algumas perguntas do público. Ficou portanto claro que a ligação de Fernão de Magalhães a Ponte da Barca se reflecte na indiscutível origem da família Magalhães nas Terras da Nóbrega, e não na questão, manifestamente secundária, da sua naturalidade. Tanto o Eng. Borges Taveira como os irmãos Mattos e Silva fizeram questão de evidenciar a sua relação familiar com os Magalhães, demonstrando um enorme orgulho de também eles terem uma ligação, embora remota, a Ponte da Barca. 40

Entidade bancária: Caixa de Crédito Agrícola Agência: Ponte de Lima IBAN: PT 50 0045 1427 40026139242 47 Número de conta: 1427 40026139242 SWIFT: CCCMPTPL

Caso seja possível, pede-se o favor de enviarem por e-mail (real.associacao.viana@gmail.com e pedrogiestal@gmail.com) informação da regularização da quota (ex: comprovativo), após o que procederemos de imediato à emissão do recibo de liquidação. Cordiais cumprimentos monárquicas,

e

saudações

Pedro Giestal Vice-Presidente da RAVC


Causa Real em jornada de reflexão carolice e da falta de recursos para implementação de uma estrutura profissional; como da situação do movimento monárquico, em geral, onde proliferam diversas organizações, grupos, associações, plataformas, redes sociais, blogues e se verifica quebras e rupturas frequentes nas equipas dirigentes, havendo a referir, pela positiva, o papel da TV Monarquia Portuguesa, que poderá ter, no futuro, um papel muito importante nesta pretendida coesão organizacional. Todas aquelas circunstâncias levam a que a Causa Real tenha pouca visibilidade política; que as Reais Associações, salvo raras excepções, não estejam devidamente consolidadas e que as actividades de doutrinação monárquica sejam modestas. Esta constatação levou a que alguém afirmasse não estarmos hoje mais próximos da Restauração Elementos de Viana do Castelo que participaram nestes Estados Gerais da Monarquia do que há 25 anos atrás. No dia 30 de Junho do corrente, decorreram no Palácio da Perante este cenário, impõem-se os seguintes desafios: como Independência, em Lisboa, os “Estados Gerais” - Jornada de coordenar tantas organizações com tantas actividades distintas? Reflexão sobre o papel da Causa Real, a quem compete a como evitar conflitos e sobreposições entre as várias entidades? coordenação do movimento monárquico e a promoção de acções políticas, culturais, informativas e sociais e que tem por missão a defesa do ideal monárquico e da Instituição Real e como objectivo principal a restauração da Monarquia em Portugal. Referiu-se que o Movimento Monárquico, gravita à volta das seguintes entidades: CASA REAL, com o Conselho Privado de S.A.R. e Fundação Dom Manuel II; a Causa Real, com Reais Associações, Juventude Monárquica Portuguesa e Causa Monárquica e o PPM. Nesta Jornada de Reflexão foi feito o diagnóstico tanto da actual situação da Causa Real, fundada há 25 anos e que tem tido grandes dificuldades em cumprir a sua missão, em virtude de os objectivos serem muito vastos e ambiciosos; do facto de esta estrutura funcionar de modo voluntário e apenas dependente de boas-vontades e Intervenção de Paula Marinho

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Estados Gerais

como arranjar dirigentes para tantas organizações? e, finalmente, como financiar tantas organizações e tantas actividades? Na sequência das variadas e acutilantes intervenções proferidas nesta jornada de reflexão, e partindo de uma proposta apresentada pela Direcção da Causa Real foram delineados alguns caminhos que assentam na Reforma das instituições, passando por a Causa Real manter as suas actividades de coordenação das Reais Associações e promoção da CASA REAL e afectar algumas das actuais actividades (doutrinação monárquica, coordenação do movimento monárquico

e comunicação política para o exterior) a outras entidades do movimento; por toda a actividade de doutrinação e reflexão monárquica passar a ser executada pela Causa Monárquica e pela criação de um Gabinete Central, com um Secretariado Geral, profissional e composto por mais 3 pessoas, sendo uma delas um representante permanente da CASA REAL e das entidades ligadas a ela e o Presidente da Direcção Nacional da Causa Real.

Estados Gerais

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António Feijó de Andrade Gomes Coronel de Infantaria, Ranger (subsídios para uma biografia)

Mário Leitão

Tive o enorme privilégio de ser amigo do Coronel António Feijó, meu vizinho na Rua Vieira Lisboa, em Ponte de Lima, onde nasceu no dia 22 de Setembro de 1943, filho de Adriano Augusto de Andrade Gomes e de D. Angelina Maria Josefa Barreiros Correia de Magalhães Feijó. Foi em Abril de 1956, tendo eu apenas sete anos de idade, que o conheci e dele ouvi falar pela primeira vez. Convivi anos a fio com a sua família mais chegada, vendo crescer sua irmã Rosarinho, amparando o Dr. Juiz Feijó, seu avô materno, nas suas passeatas até à Pharmácia Brito, e, inclusive, servindo remédios a duas das suas tias, D. Conceição Feijó e D. Maria José Feijó (1). A minha casa, por cima daquela farmácia, era frontal à dele e, enquanto nela residi, as convivências entre as duas famílias foram muito frequentes e diversas. Sendo cinco anos e meio mais velho do que eu, estudante exemplar e filho de uma das mais conceituadas famílias limianas de então, o Toninho Feijó era-me apontado frequentemente como uma referência a imitar. Recordo-me de ele ter saído do Liceu de Viana para ingressar como interno num colégio, provavelmente com a garantia acrescida de maior sucesso no antigo 7º ano dos liceus. Depois, cada vez que vinha da Academia Militar passar férias em Ponte de Lima, recebia dele um tratamento muito amistoso, apesar da nossa diferença de idades. Nesses períodos estivais, vi-o conviver com outros rapazes daquele tempo: Júlio Vilar Pinto, Júlio de Lemos Martins, Henrique Ramalho, Aleixo Barros, António Correia, etc. Estou em crer que a decisão de meu pai me enviar como aluno interno para o Colégio D. Diogo de Sousa, no início do meu sexto ano liceal, foi directamente influenciada pelo exemplo do jovem António Feijó, cujo êxito no exame do 7º ano e a progressão na Academia Militar eram temas frequentes nas tertúlias da farmácia.

Do período da Guerra do Ultramar, retenho na minha memória três episódios que a ele se referem. De um deles, vivendo eu ainda na Farmácia Brito, ressalta a sua figura de oficial, fardado a rigor e de boné na mão, a entrar na sua casa da Rua Vieira Lisboa. Noutra imagem, recordo a satisfação de meu irmão Afonso, acabadinho de chegar do CIOE de Lamego, vestido com farda operacional preta e bivaque a condizer, ufanando-se por ter o Tenente Feijó como seu instrutor no curso de Rangers. A terceira memória, pelas palavras

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do nosso comum conterrâneo Mário Gonçalves de Brito, leva-me até Moçambique e a Chiulézi, onde estava aquartelado o Batalhão de Caçadores 2914, numa comissão de 1970 a 1972. Como comandante de uma das suas companhias operacionais, a CCAÇ 2705, o Capitão Feijó revelara-se um chefe amigo e protector dos seus subordinados, que por ele nutriam uma grande admiração. Isso mesmo é também corroborado por José Luís Correia Malheiro, camarada de armas de Mário Brito, da mesma unidade. Curiosamente, muitos anos depois, a camaradagem castrense entre esses três limianos ainda ecoa, estando registada numa magnífica fotografia que o saudoso Coronel publicou na sua página do Facebook. Esse seu amor pelos camaradas de armas que o acompanharam nas

A última carta que me dirigiu, há exactamente um ano (a propósito do chumbo que a Assembleia Municipal e o Presidente da Câmara aplicaram a uma proposta popular para a criação de um dia dedicado à memória dos Combatentes Limianos mortos pela Pátria) é um hino aos valores mais sagrados da nossa sociedade e um grito contra o “desarmamento moral da Nação” a que assistimos. Nessa missiva está descrita toda a sua dedicação a essas Memórias Sagradas, documentada nas actas municipais que firmaram Ponte de Lima como o primeiro município do País a homenagear os seus filhos mortos na Guerra do Ultramar, em 1986, na presidência do Dr. Francisco Maia de Abreu de Lima. Observando as fotografias das homenagens que têm sido promovidas anualmente em Ponte de Lima, vemos o Coronel

difíceis operações da guerra colonial em que participou ao longo das suas comissões de serviço, está exemplarmente plasmado no texto nostálgico em que descreve a emboscada que vitimou o seu camarada Alferes Bourbon, na madrugada de 26 de Dezembro de 1967, publicado em 28 de Dezembro de 2015, no blogue “Homenagem aos Militares Portugueses” (2). Quando ministrei a valência de mergulho com ar-comprimido aos Rangers de Lamego, numa sequência de cursos decorridos nos finais dos anos 90, recebi uma inesperada e elogiosa carta de agradecimento em que o Coronel António Feijó, comandante do CIOE, se congratulava pela minha condição de seu conterrâneo e se orgulhava das minhas competências de instrutor.

António Feijó em todas elas dando testemunho de um raro sentido patriótico e do seu amor incondicional à sua terra natal. Na homenagem de 24 de Agosto de 2013, tive a honra de me ser imposta, por suas mãos, a Medalha das Campanhas de Angola 19711973, que me tinha sido atribuída em Agosto de 1973, em Luanda, mas nunca recebida. Tive também a honra de com ele estar presente no Jantar dos Conjurados que a Real Associação de Viana do Castelo promoveu em 30 de Novembro de 2016, na Quinta da Presa, onde o seu grande amigo e camarada Coronel José Henriques também participou como orador. Curiosamente, havia sido também o Coronel António Feijó quem trouxera esse extraordinário 44


conferencista a Ponte de Lima, um ano antes, onde proferiu no Auditório da Assembleia Municipal uma memorável lição de História de Portugal. A amizade que dele recebi durante toda a vida teve um momento particularmente significativo em 2106, quando me impôs a capa e as insígnias da Irmandade Militar de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja de Santa Cruz do Quartel do Centro de Tropas de Operações Especiais, em Lamego. O Coronel António Feijó foi, seguramente, um dos grandes militares limianos que serviram Portugal de forma superior, tanto pelo grau hierárquico que atingiu, como pelas funções que desempenhou e, ainda, pelas honrarias com que foi premiado. Além de ter sido comandante do CIOE/CTOE de Lamego (Centro de Instrução de Operações Especiais, Rangers), entre 1997 e 2000, foi também Director da Delegação do Norte do Instituto de Defesa Nacional, sendo reconhecido pelos seus subordinados como um chefe afável, muito humano e de excepcional competência. O Coronel António Feijó de Andrade Gomes era Cavaleiro de Jure Sanguinis da Sacra e Militar Ordem Constantiniana de São Jorge, admitido a 15 de Maio de 2003. Era embaixador extraordinário e plenipotenciário da Ordem Soberana e Militar de Malta na Guiné Bissau desde 2010, e actualmente Grã-Cruz de Graça e Devoção em Obediência da Ordem, onde fora admitido como Cavaleiro de Graça Magistral, já em 1995. Desempenhou, também, o cargo de Hospitalário da Assembleia dos Cavaleiros Portugueses, entre 2000 e 2008.

Era Comendador da Ordem da Liberdade, de Portugal (1996) e, entre outras condecorações e distinções militares, portuguesas e estrangeiras, havia sido agraciado com a medalha de Mérito Militar, com a Medalha da OTAN e com a Cruz de 1.ª Classe com distintivo branco da Ordem do Mérito Militar de Espanha. Era igualmente Grande-Oficial com Espadas da Ordem Pró-mérito Melitense, da Ordem de Malta (2000), Cavaleiro da Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém (1995), Comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e Membro da Real Irmandade de Infanções de Illescas (2001). Actualmente, era Presidente do Conselho de Governo da Irmandade Militar de Nossa Senhora da Conceição, com sede em Lamego, que ajudara a reactivar. A ela se deve, como primeira causa, a criação do Núcleo de Ponte de Lima da Liga dos Combatentes, para cuja massa associativa desejava transferir-se. A ele devo muito do alento que tive para escrever as biografias dos militares limianos mortos durante a guerra colonial, obra recentemente publicada em sua memória (3). Era casado com a Senhora D. Maria Filomena Cruz de Azevedo Ataíde, nascida em Ponte da Barca, 10.ª Senhora da Casa da Bemposta, de São Tomé do Vade (Ponte de Barca), Dama de Honra e Devoção da Ordem de Malta, de cujo matrimónio nasceram três filhos. Faleceu na cidade do Porto no dia 29 de Maio de 2018.

Notas (1) Ver “O Sr. Capitão da farmácia”, artigo do jornal Cardeal Saraiva n.º 4465 (01/02/2013), onde se documenta o casamento de D. Maria José de Magalhães Barreiros da Veiga Pimenta Correia Feijó com Ernesto Augusto Martins Capitão. (2) Reproduzido parcialmente na “História do Dia do Combatente Limiano”, edição de autor, publicada em 10 de Junho de 2017 (páginas 11 e 12). Tratase de uma extraordinária memória de guerra acerca da Companhia de Cavalaria 1602 (Chai, Cabo Delgado, Moçambique), na qual foi adjunto do seu capitão e, interinamente, comandante. Os seus onze camaradas mortos nesse dia 26 de Dezembro estão assinalados na fotografia que acompanha o artigo do Coronel António Feijó, que contava 23 anos de idade, apenas, (3) Trata-se de “Heróis Limianos da Guerra do Utramar”, apresentado no Dia do Combatente Limiano, em 10 de Junho de 2018, no Auditório da Câmara Municipal de Ponte de Lima, o qual descreve a vida de 53 militares.

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Uma Constituição para Portugal Miguel Castelo Branco Persiste entre muitos monárquicos a [falsa] ideia de que o advento da chamada monarquia constitucional correspondeu à degradação da figura do Rei. Porém, bom seria que os monárquicos lessem a Carta Constitucional de 1826, por forma a poderem apreciar com conhecimento os poderes que ali foram estabelecidos para o Chefe de Estado. O século XIX assistiu ao triunfo da fórmula montesquiana da separação de poderes – ou seja, do sistema de freios e contrapesos -, com clara rejeição, não só do “despotismo de um só”, mas,

igualmente do “despotismo de todos”. A solução encontrada, a de um governo misto, com dissociação do poder soberano em três funções fundamentais do Estado – executivo, legislativo, judiciário – manteve a fórmula monárquica, atribuindo à Coroa o papel moderador. Contudo, nos regimes das chamadas monarquias constitucionais, predominantes na Europa continental após a queda do Antigo Regime, o Rei manteve importantes prerrogativas, intervindo decisivamente na orientação da governação, pelo que se pode considerar que o poder executivo se mantinha, no essencial, nas mãos do Chefe de Estado. Assim o foi em França, sob Luís XVIII, que outorgou uma Carta Constitucional em Junho de 1814, a qual confirmava as aquisições revolucionárias (igualdade civil, liberdade individual, liberdade de culto), mas mantinha o Rei como eixo da acção da governação. Cabia-lhe o comando das forças armadas, assim como a faculdade de declarar a guerra e firmar a paz, a iniciativa de negociar tratados de aliança e de comércio, nomear os servidores do Estado e estabelecer regulamentos e ordenanças necessários à execução das leis e da segurança do Estado.

Carta Constitucional de 1826

TÍTULO I DO REINO DE PORTUGAL, SEU TERRITÓRIO, GOVERNO, DINASTIA E RELIGIÃO Art. 1º - O Reino de Portugal é a Associação política de todos os Cidadãos Portugueses. Eles formam uma Nação livre e independente. Art. 2º - O seu Território forma o Reino de Portugal e Algarves, e compreende: § 1º - Na Europa, o Reino de Portugal, que se compõe das Províncias do Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo, e Reino do Algarve e das Ilhas Adjacentes, Madeira, Porto Santo e Açores. 46


§ 2º - Na África Ocidental, Bissau e Cacheu; na Costa da Mina, o Forte de S. João Baptista de Ajudá, Angola, Benguela, e suas dependências, Cabinda e Molembo, as Ilhas de Cabo Verde, e as de S. Tomé e Príncipe, e suas dependências; na Costa Oriental, Moçambique, Rio Sena, Sofala, Inhambane, Quelimane, e as Ilhas de Cabo Delgado.

§ 1º Por incapacidade física ou moral. § 2º Por Sentença condenatória a prisão, ou degredo enquanto durarem os seus efeitos. TÍTULO III DOS PODERES E REPRESENTAÇÃO NACIONAL

§ 3º - Na Ásia, Salsete, Bardez, Goa, Damão, Diu e os Estabelecimentos de Macau e das Ilhas Solor e Timor.

Art. 10º - A divisão e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efectivas as garantias, que a Constituição oferece.

Art. 3º - A Nação não renuncia o direito, que tenha a qualquer porção de Território nestas três partes do Mundo, não compreendida no antecedente Artigo.

Art. 11º - Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Reino de Portugal são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.

Art. 4º - O seu Governo é Monárquico, Hereditário e Representativo.

Art. 12º - Os Representantes da Nação Portuguesa são o Rei e as Cortes Gerais.

Art. 5º - Continua a Dinastia Reinante da Sereníssima Casa de Bragança na Pessoa da SENHORA PRINCESA DONA MARIA DA GLÓRIA, pela Abdicação, e Cessão de Seu Augusto Pai o SENHOR DOM PEDRO I, IMPERADOR DO BRASIL, Legítimo Herdeiro e Sucessor do Senhor Dom João VI.

TÍTULO IV

Art. 6º - A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Reino. Todas as outras Religiões serão permitidas aos Estrangeiros com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo.

DO PODER LEGISLATIVO CAPÍTULO I DOS RAMOS DO PODER LEGISLATIVO, E SUAS ATRIBUIÇÕES Art. 13º - O Poder Legislativo compete às Cortes com a Sanção do Rei.

TÍTULO II DOS CIDADÃOS PORTUGUESES

Art. 14º - As Cortes compõem-se de duas Câmaras: Câmara de Pares e Câmara de Deputados.

Art. 7º - São Cidadãos Portugueses: § 1º - Os que tiverem nascido em Portugal, ou seus Domínios, e que hoje não forem Cidadãos Brasileiros, ainda que o Pai seja Estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço da sua Nação.

Art. 15º - É da Atribuição das Cortes: § 1.° - Tomar Juramento ao Rei, ao Príncipe Real, ao Regente, ou Regência.

§ 2º - Os filhos de Pai Português, e os ilegítimos de Mãe Portuguesa, nascidos em País Estrangeiro, que vierem estabelecer domicílio no Reino.

§ 2.° - Eleger o Regente ou a Regência, e marcar os limites da sua Autoridade. § 3.° - Reconhecer o Príncipe Real, como Sucessor do Trono, na primeira Reunião, logo depois do seu nascimento.

§ 3º - Os filhos de Pai Português, que estivesse em País Estrangeiro em serviço do Reino, embora eles não venham estabelecer domicílio no Reino.

§ 4.° - Nomear Tutor ao Rei menor, caso seu Pai o não tenha nomeado em Testamento.

§ 4º - Os Estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua Religião; uma Lei determinará as qualidades precisas para se obter Carta de Naturalização.

§ 5.° - Na morte do Rei, ou vacância do Trono, instituir exame da Administração, que acabou, e reformar os abusos nela introduzidos.

Art. 8º - Perde os Direitos de Cidadão Português:

§ 6.° - Fazer Leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las.

§ 1º - O que se naturalizar em País Estrangeiro.

§ 7.° - Velar na guarda da Constituição e promover o Bem Geral da Nação.

§ 2º - O que sem licença do Rei aceitar Emprego, Pensão ou Condecoração de qualquer Governo Estrangeiro.

§ 8.º - Fixar anualmente as Despesas Públicas, e repartir a Contribuição directa.

§ 3º - O que for banido por Sentença.

§ 9.° - Conceder, ou negar a entrada de Forças Estrangeiras de terra e mar dentro do Reino, ou dos Portos dele.

Art. 9º - Suspende-se o exercício dos Direitos Políticos: 47


§ 10.° - Fixar anualmente, sobre a informação do Governo, as Forças de mar e terra ordinárias e extraordinárias.

e o Membro ser, ou não suspenso no exercício das suas Funções.

§ 12.° - Estabelecer meios convenientes para pagamento da Dívida Pública.

Art. 28º - Os Pares e Deputados, poderão ser nomeados para o Cargo de Ministro de Estado, ou Conselheiro de Estado, com a diferença de que os Pares continuarão a ter assento na Câmara, e o Deputado deixa vago o seu lugar, e se procede a nova eleição, na qual pode ser reeleito, e acumular as duas Funções.

§ 13.° - Regular a Administração dos Bens do Estado, e decretar a sua alienação.

Art. 29º - Também acumulam as duas Funções, se já exerciam qualquer dos mencionados Cargos, quando foram eleitos.

§ 14.° - Criar ou suprimir Empregos públicos, e estabelecer-lhes Ordenados.

Art. 30º - Não se pode ser ao mesmo tempo Membro de ambas as Câmaras.

§ 15.° - Determinar o peso, valor, inscrição, tipo, e denominação das Moedas; assim como o padrão dos Pesos e Medidas.

Art. 31º - O exercício de qualquer Emprego, à excepção dos de Conselheiro de Estado, e Ministro de Estado, cessa interinamente, enquanto durarem as Funções de Par, ou Deputado.

§ 11.° - Autorizar o Governo a contrair Empréstimos.

Art. 16º - A Câmara dos Pares terá o Tratamento de – Dignos Pares do Reino; - e a dos Deputados de – Senhores Deputados da Nação Portuguesa.

Art. 32º - No intervalo das Sessões não poderá o Rei empregar um Deputado fora do Reino, nem mesmo irá exercer seu Emprego, quando isso o impossibilite para se reunir no tempo da convocação das Cortes Gerais ordinárias, ou extraordinárias.

Art. 17º - Cada Legislatura durará quatro anos; e cada Sessão anual três meses.

Art. 33º - Se por algum caso imprevisto, de que dependa a Segurança Pública, ou o Bem do Estado, for indispensável, que algum Deputado saia para outra Comissão, a respectiva Câmara o poderá determinar.

Art. 18º - A Sessão Real da Abertura será todos os anos no dia dois de Janeiro. Art. 19º - Também será Real a Sessão do Encerramento; e tanto esta, como a da Abertura, se fará em Cortes Gerais, reunidas ambas as Câmaras, estando os Pares à direita, e os Deputados à esquerda.

CAPÍTULO II

Art. 20º - Seu Cerimonial, e o da participação ao Rei, será feito na forma do Regimento interno.

DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Art. 21º - A Nomeação do Presidente e Vice-Presidente da Câmara dos Pares compete ao Rei; a do Presidente e Vice-Presidente da Câmara dos Deputados será da escolha do Rei, sobre Proposta de cinco, feita pela mesma Câmara; a dos Secretários de ambas, Verificação dos Poderes dos seus Membros, Juramento e sua Polícia interior, se executará na forma dos seus respectivos Regimentos.

Art. 34º - A Câmara dos Deputados é electiva e temporária. Art. 35º - É privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa: § 1.° - Sobre Impostos. § 2.° - Sobre Recrutamentos.

Art. 22º - Na reunião das duas Câmaras o Presidente da Câmara dos Pares dirigirá o trabalho; os Pares e Deputados tomarão lugar como na Abertura das Cortes.

Art. 36º - Também principiará na Câmara dos Deputados: § 1.° - O exame da Administração passada, e reforma dos abusos nela introduzidos.

Art. 23º - As Sessões de cada uma das Câmaras serão públicas, à excepção dos casos, em que o Bem do Estado exigir que sejam secretas.

§ 2.° - A discussão das Propostas feitas pelo Poder Executivo. Art. 37º - É da privativa Atribuição da mesma Câmara decretar que tem lugar a acusação dos Ministros de Estado, e Conselheiros de Estado.

Art. 24º - Os Negócios se resolverão pela maioria absoluta de votos dos Membros presentes. Art. 25º - Os Membros de cada uma das Câmaras são invioláveis pelas opiniões, que proferirem no exercício das suas Funções.

Art. 38º - Os Deputados, durante as Sessões, vencerão um subsídio pecuniário, taxado no fim da última Sessão da Legislatura antecedente. Além disto se lhes arbitrará uma indemnização para as despesas da vinda e volta.

Art. 26º - Nenhum Par ou Deputado, durante a sua Deputação pode ser preso por Autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Câmara, menos em flagrante delito de pena capital.

CAPÍTULO III

Art. 27º - Se algum Par, ou Deputado for pronunciado, o Juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta à sua respectiva Câmara, a qual decidirá se o Processo deva continuar,

DA CÂMARA DOS PARES Art. 39º - A Câmara dos Pares é composta de Membros vitalícios, e 48


hereditários, nomeados pelo Rei, e sem número fixo.

§ 2.° - Conhecer da responsabilidade dos Secretários, e Conselheiros de Estado.

Art. 40º - O Príncipe Real, e os Infantes, são Pares por Direito, e terão assento na Câmara, logo que cheguem à idade de vinte e cinco anos.

§ 3.° - Convocar as Cortes na morte do Rei, para a Eleição da Regência, nos casos em que ela tem lugar, quando a Regência Provisional o não faça.

Art. 41º - É da Atribuição exclusiva da Câmara dos Pares:

Art. 42º - No Juízo dos Crimes, cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o Procurador da Coroa.

§ 1.° - Conhecer dos delitos individuais cometidos pelos Membros da Família Real, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, e Pares, e dos delitos dos Deputados, durante o período da Legislatura.

Art. 43º - As Sessões da Câmara dos Pares começam e acabam ao mesmo tempo que as das Câmaras dos Deputados.

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Art. 44º - Toda a reunião da Câmara dos Pares fora do tempo das Sessões da dos Deputados, é ilícita, e nula, à excepção dos casos marcados pela Constituição.

Art. 55º - Se qualquer das duas Câmaras, concluída a Discussão, adoptar inteiramente o Projecto que a outra Câmara lhe enviou, o reduzirá a Decreto; e, depois de lido em Sessão, o dirigirá ao Rei em dois Autógrafos assinados pelo Presidente, e dois Secretários, pedindo-lhe a Sua Sanção pela fórmula seguinte: - As Cortes Gerais dirigem ao Rei o Decreto incluso, que julgam vantajoso, e útil ao Reino, e pedem a Sua Majestade Se Digne Dar a Sua Sanção.

CAPÍTULO IV DA PROPOSIÇÃO, DISCUSSÃO, SANÇÃO E PROMULGAÇÃO DAS LEIS

Art. 56º - Esta remessa será feita por uma Deputação de sete Membros, enviada pela Câmara ultimamente deliberante, a qual ao mesmo tempo informará à outra Câmara, onde o Projecto teve origem, que tem adoptado a sua Proposição relativa a tal objecto, e que a dirigiu ao Rei, pedindo-lhe a Sua Sanção.

Art. 45º - A proposição, Oposição, e Aprovação dos Projectos de Lei compete a cada uma das Câmaras. Art.46º - O Poder Executivo exerce por qualquer dos Ministros de Estado a proposição, que lhe compete na formação das Leis; e só depois de examinada por uma Comissão da Câmara dos Deputados, aonde deve ter princípio, poderá ser convertida em Projecto de Lei.

Art. 57º - Recusando o Rei prestar o seu consentimento, responderá nos termos seguintes: - O Rei quer meditar sobre o Projecto de Lei, para a seu tempo se resolver.

Art. 47º - Os Ministros podem assistir, e discutir a Proposta, depois do relatório da Comissão; mas não poderão votar, nem estarão presentes à votação, salvo se forem Pares, ou Deputados.

- Ao que a Câmara responderá, que – Agradece a Sua Majestade o interesse, que toma pela Nação.

Art. 48º - Se a Câmara dos Deputados adoptar o Projecto, o remeterá às dos Pares com a seguinte fórmula: - A Câmara dos Deputados envia à Câmara dos Pares a Proposição junta do Poder Executivo (com emendas, ou sem elas) e pensa que ela tem lugar.

Art. 58º - Esta denegação tem efeito absoluto. Art. 59º - O Rei dará, ou negará a Sanção em cada Decreto dentro de um mês, depois que Lhe for apresentado.

Art. 49º - Se não puder adoptar a Proposição, participará ao Rei por uma Deputação de sete Membros, da maneira seguinte: - A Câmara dos Deputados testemunha ao Rei o seu reconhecimento pelo zelo, que mostra em vigiar os interesses do Reino, e Lhe suplica respeitosamente Digne-se tomar em ulterior consideração a Proposta do Governo.

Art. 60º - Se o Rei adoptar o Projecto das Cortes Gerais, se exprimirá assim – O Rei consente – com o que fica sancionado, e nos termos de ser promulgado como Lei do Reino; e um dos dois Autógrafos, depois de assinados pelo Rei, será remetido para o Arquivo da Câmara, que o enviou, e o outro servirá para por ele se fazer a promulgação da Lei pela respectiva Secretaria de Estado, sendo depois remetido para a Torre do Tombo.

Art. 50º - Em geral, as Proposições, que a Câmara dos Deputados admitir, e aprovar, serão remetidas à Câmara dos Pares com a fórmula seguinte: - A Câmara dos Deputados envia à Câmara dos Pares a Proposição junta, e pensa que tem lugar pedir- se ao Rei a sua Sanção.

Art. 61º - A Fórmula da Promulgação da Lei será concebida nos seguintes termos – D. (F) por Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves etc. Fazemos saber a todos os Nossos Súbditos, que as Cortes Gerais decretaram, e Nós queremos a Lei seguinte (a íntegra da Lei nas suas disposições somente): Mandamos portanto a todas as Autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios d... (o da Repartição competente) a faça imprimir, publicar e correr.

Art. 51º - Se porém a Câmara dos Pares não adoptar inteiramente o Projecto da Câmara dos Deputados, mas se o tiver alterado, ou adicionado, o reenviará pela maneira seguinte: - A Câmara dos Pares envia à Câmara dos Deputados a sua Proposição (tal) com as emendas, ou adições juntas, e pensa que com elas tem lugar pedir-se ao Rei a Sanção Real. Art. 52º - Se a Câmara dos Pares, depois de ter deliberado, julgar que não pode admitir a Proposição, ou Projecto, dirá nos termos seguintes: - A Câmara dos Pares torna a remeter à Câmara dos Deputados a Proposição (tal), à qual não tem podido dar o seu consentimento.

Art. 62º - Assinada a Lei pelo Rei, referendada pelo Secretário de Estado competente, e selada com o Selo Real, se guardará o Original na Torre do Tombo, e se remeterão os Exemplares dela impressos a todas as Câmaras do Reino, Tribunais e mais Lugares, onde convenha fazer-se pública. (…)

Art. 53º - O mesmo praticará a Câmara dos Deputados para com a dos Pares, quando nesta tiver o Projecto a sua origem. Art. 54º - Se a Câmara dos Deputados não aprovar as emendas, ou adições da dos Pares, ou vice versa, e todavia a Câmara recusante julgar que o Projecto é vantajoso, se nomeará uma Comissão de igual número de Pares e Deputados, e o que ela decidir servirá, ou para fazer-se a proposta de Lei, ou para ser recusada.

Nota: Procurando contribuir para o debate e reflexão sobre uma Constituição para Portugal a REAL GAZETA DO ALTO MINHO decidiu publicar o texto de alguns diplomas constitucionais, começando pela Carta Constitucional de 1826. 50


Casamentos Reais em Inglaterra e um velho e estranho aliado Europeu cujo primeiro nome é República 1ª parte António Moniz Palme A propósito de um simpático convite que me foi feito para participar num programa da RTP, sobre o casamento do Príncipe Inglês Harry com uma americana, chamada Meghan Markel, onde não estive presente pela minha total impossibilidade, relembrei a nossa infeliz situação de república à força. Pois foi. Tal convite fez vir à tona da minha pobre memória muitos acontecimentos que mostram a situação miserável do nosso País em relação aos Países civilizados Europeus. Independentemente de rebuscados problemas protocolares e diplomáticos, tal evento, traz praticamente ao orçamento inglês bateladas de libras, pois tanto nacionais como estrangeiros pretendem adquirir qualquer artefacto que lhes recorde o casamento real. Essa é uma

grande vantagem dos regimes monárquicos em relação aos republicanos. A Família Real faz parte da Família de cada um. O Rei e o Povo. Quem se lembra cá em Portugal de comprar uma púcara com o nome dos filhos do Mário Soares ou do Cavaco por altura do casamento destes. Livra…! E a razão é que estes não são considerados da respectiva família por ninguém. Na verdade, a HEREDITARIEDADE existente num regime monárquico não é afinal uma fraqueza do sistema, mas factor significativo que lhe confere legitimidade, que é a base da completa independência do Rei face aos partidos, aos interesses económicos ou aos grupos s oc ia is , c om o ou v i claramente, numa entrevista feita há pouco tempo a Gonçalo Ribeiro Telles. O Rei que não governa, mas reina, é 51


Ficha Técnica TÍTULO:

Real Gazeta do Alto Minho

PROPRIEDADE:

Real Associação de Viana do Castelo

PERIODICIDADE: Trimestral

DIRECTOR: José Aníbal Marinho Gomes um instrumento de estabilidade e de identidade nacional. O Rei é a Pátria com figura humana. Ora, o Reino Unido, composto pelas Inglaterra, Irlanda, Escócia e País de Gales com as suas características regionais, com símbolos próprios, unidas pela figura real, nunca perdem de vista o todo em que se inserem, bem como as diferentes características dos seus habitantes. Estes, independentemente da sua origem, bateram-se sempre galhardamente, através da história, em todas as guerras onde o Reino Unido esteve envolvido. Em Portugal, os portugueses embora oriundos de diversas regiões têm em comum o grande culto pela sua pátria Portuguesa e por PORTUGAL, seu País. Acontece que a malfadada primeira República, que impôs a todo o Povo Português, através de um golpe militar, um regime republicano, nunca se preocupou em saber, posteriormente e através do sufrágio, em qual regime os portugueses pretendiam viver:- se numa república, se numa monarquia…!. E não contentes com isso, como as marcas gravadas a ferro em brasa, no costado do gado ou no corpo dos escravos, chamaram ao novo País, modificandolhe o nome, “República Portuguesa”. Portugal passou assim a ter dois nomes. Sendo o nome p r óp r i o , R e p ú b l i c a . Q u e d e s p a u t é r i o inacreditável…! Naturalmente para nunca mais esquecermos Afonso Costa e a sua infame promessa, contra a vontade de todo o povo português, de terminar em dois anos com a religião católica no País. Por outro lado, para mostrar aos parceiros europeus as virtudes desta república exigiram entrar na primeira grande guerra, contra a vontade dos próprios aliados, tendo sido os pobre militares, embarcados à noite, às escondidas, para não haver revoluções populares. Partiram mal armados quanto baste, mal fardados e com as botas com as solas rotas, atirados aos milhares para uma morte certa, atendendo à falta de preparação por todos conhecida. Mas, deste modo, a república foi tolerada

pela Europa, pagando o Povo Português com o seu sangue tal condescendência. Claro que contra a desgraçada política da primeira república, odiada pela esmagadora maioria da população, houve um levantamento geral, nascendo a ditadura da Segunda República. Contudo, o problema do regime não foi discutido, para não desagradar aos próceres da nova ditadura. E após o 25 de Abril, os revolucionários não conferiram ao Povo a liberdade de pensamento e a verdadeira democracia., pois tudo mantiveram menos a ditadura anterior, pretendendo-a substituir por uma outra com um nome diferente, a ditadura do proletariado. Valeu o 25 de Novembro, senão estávamos prontos. Claro que temos que aguentar uma Constituição que, como limite material à sua necessária modificação, estabelece, no seu art.º 288, a proibição de alterar a forma republicana do governo. Isto é, se a maioria do Povo Português, através de uma manifestação de vontade eleitoral pretender alterar o regime republicano para uma Monarquia, como existe em todos os Países Europeus mais civilizados, tal está proibido inconcebivelmente pela Constituição vigente. Estamos perante uma falsa democracia, como alias tive ocasião de publicamente referir a Mário Soares durante os debates da alteração da constituição de 1982, declarando que tal limitação era a porta aberta para uma revolução armada, igual à republicana. Recordo que os republicanos em Lisboa e em Setúbal tiveram menos de 8% dos votos, nas vésperas da revolução do 5 de Outubro. Nos outros cantos do país nem se viram. Esta lei “pétrea”, como lhe chamaram os intelectuais de língua portuguesa, é uma espécie de chapéu de enormes abas largas que foi enterrado pela cabeça abaixo dos portugueses, para não poderem ver o que é uma verdadeira democracia, idêntica às dos países civilizados europeus. Enfim. O meu País, por quem dou a minha vida se preciso for, é PORTUGAL e não a república portuguesa…, que abomino. 52

REDACTOR: Porfírio Silva WEB:

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real.associacao.viana@gmail.com

REAL ASSOCIAÇÃO DE VIANA DO CASTELO Casa de Santiago Barrosa – Arcozelo 4990-253 PONTE DE LIMA (morada para correspondência)


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