Filosofia (do grego philos - amor, amizade + sophia - sabedoria) modernamente é uma disciplina, ou uma área de estudos, que envolve a investigação, análise, discussão, formação e reflexão de idéias (ou visões de mundo) em uma situação geral, abstrata
Originou-se da inquietação gerada pela curiosidade
interpretações
comumente
aceitas
sobre
a
sua
própria
realidade. As interpretações comumente aceitas pelo homem constituem
inicialmente
o
embasamento
de
todo
o
conhecimento. Estas interpretações foram adquiridas, enriquecidas e repassadas de geração em geração. Ocorreram inicialmente através da observação dos fenômenos naturais e sofreram influência das relações humanas estabelecidas até a formação da sociedade, isto em conformidade com os padrões de comportamentos éticos ou morais tidos como aceitáveis em
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
humana em compreender e questionar os valores e as
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
ou fundamental.
nenhum espetáculo é mais atraente para o homem do que o próprio homem. HOMEM
Em sentido amplo, homem é qualquer membro da espécie o
humana. Assim ele é entendido pela filosofia e abordado, em cada
homem, para que faças
um de seus aspectos particulares, pela biologia, antropologia,
caso dele, para que te
história, medicina e outras disciplinas que o têm por objeto. A tarefa
ocupes dele, para que o
de definir homem, consiste em procurar respostas para algumas
inspeciones cada manhã
perguntas essenciais: qual a natureza ou a essência do homem?
e o examines a cada
Como se distingue ele dos outros seres orgânicos, especialmente
momento?" "O homem
dos animais superiores? Essa distinção é essencial e absoluta, ou
é a medida de todas as
apenas uma variação de grau? Qual o lugar do homem no mundo?
coisas." "Muitas são as
Qual sua missão ou seu destino? Como se relaciona com Deus ou
coisas
com absoluto?
"...
Que
é
grandiosas
dotadas de vida, mas a Abordagem filosófica
mais grandiosa de todas é o homem." A primeira dessas
três
frases
é
A noção ocidental de
uma das perguntas que
homem
Jó
como
dirige
a
Deus;
a
como ponto
indivíduo de
tem
partida
o
segunda, uma reflexão
pensamento
do
grego
Sócrates e Platão, cada ente só
Protágoras; e a terceira, uma fala da tragédia Antígona, de
pode ser definido se todos os
Sófocles. A elas poderiam reunir-se milhares de outras sobre o
seres
mesmo tema, de todas as épocas e civilizações, o que mostra que
classificados
nada preocupa tanto o homem quanto a condição humana, e
articulações
pensador
do
ontológicas.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
2
grego.
universo
estiverem
segundo lógicas Definir
Para
um
certas e ente
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
consiste então em tomar a categoria à qual ele pertence e situar
Na concepção judaico-cristã, o homem também se acha
essa categoria no lugar ontológico que lhe corresponde. Esse lugar
suspenso entre dois mundos: o finito e infinito, o que opõe em uma
ontológico é determinado por dois elementos de caráter lógico: a
mesma natureza a insignificância e a imensa grandeza. Afirma
categoria próxima e a diferença específica. Por eles se chega à
Pascal que "... a natureza do homem pode ser considerada de duas
definição de Aristóteles: o homem é um animal racional. Animal é a
maneiras: uma, segundo seu fim, e então é grande e incomparável;
categoria próxima, na qual se inclui o homem; racional é a
outra, segundo a multidão, como se aprecia a natureza do cavalo e
diferença específica, por meio da qual se distingue conceitualmente
do cão, e então é abjeto e vil. Esses são os dois caminhos que
os homens dos outros animais. Para a filosofia grega, o homem é
levam a julgamentos tão diversos do homem, e a tantas discussões
um "ser racional", ou melhor dito, um animal que possui razão. Essa
dos filósofos."
definição implica dizer que o homem é uma coisa cuja natureza Abordagem biológica
consiste em poder dizer o que são as outras coisas. Ou seja, a razão permite ao homem definir-se e definir o conjunto do universo. Os gregos admitem que o homem tenha sido "formado", e
Para as ciências naturais, a dificuldade de definir o que
também que sua formação tenha obedecido a condições especiais
seja "homem" consiste em escolher entre dois pontos de vista: o da
em relação aos demais seres, mas rejeitam a hipótese da criação. A
estrutura anatômica e o que se refere às faculdades reflexivas. No
visão do homem como ser criado é comum ao judaísmo e ao
primeiro
cristianismo e exerceu forte influência sobre todas as concepções
animalidade; no segundo, estaria pairando sobre o mundo, isolado
filosóficas relacionadas com essas religiões e também com o
da natureza. Uma definição mais abrangente e completa de homem
islamismo. O homem seria, então, uma criatura, ou seja, um ser
deveria levar em conta, portanto, tudo o que nele seja suscetível de
cuja realidade não é própria, mas que foi criado "à imagem e
constatação positiva, isto é, além da conformação anatômica, é
semelhança de Deus", o que lhe confere superioridade em relação
preciso considerar a faculdade de pensar. Dessa dupla abordagem
aos outros seres. Para os gregos, o homem vive em dois mundos: o
se depreende a originalidade do fenômeno humano.
caso,
o
homem
encontrar-se-ia
imerso
em
sua
mundo sensível, que ele apreende pelos sentidos, e o mundo
O mais exterior dos caracteres humanos é sua tênue
inteligível, que apreende pela razão, e onde se confirma sua
diferenciação morfológica, dada por especializações anatômicas (a
realidade como ser racional.
face menor que o crânio, a postura vertical etc.) e fisiológicas (o desamparo em que se encontra o ser humano nos primeiros meses
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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de vida, a sexualidade aperiódica etc.). Mesmo assim, dentro dos
funções de equilíbrio e suporte do corpo na posição ereta; membros
critérios adotados pela biologia para classificar os seres vivos, pode-
inferiores hipertrofiados, adaptados para o andar bípede; membros
se dizer que, por sua estrutura orgânica, o homem não pode aspirar
superiores mais curtos e aperfeiçoados, com mãos grandes e
senão a um lugar modesto na taxionomia animal: ele pertence ao
preênseis, dotadas de dedos curtos e polegar oponível; nariz
subfilo dos vertebrados, à ordem dos primatas e a uma família
saliente com pontas e asas bem desenvolvidas; ausência completa
formada por um único gênero, Homo. Mas outra característica
de
zoológica do homem evidencia prontamente sua originalidade: a
secundário no corpo, exceto na cabeça, regiões axilares e púbica e
capacidade de expansão e conquista. Apesar da homogeneidade do
no rosto dos adultos masculinos; e presença de lábios cheios,
grupo humano, o homem conquistou em relação ao conjunto do
evertidos e membranosos.
pêlos
táteis
ou
tentáculos;
escassez
acentuada
de
pêlo
globo um sucesso vital sem precedentes, que se explica, pelo Abordagem antropológica
menos em parte, pela aparição, com o homem, de uma nova fase na história da vida: o uso de instrumentos artificiais, mais uma característica do fenômeno humano.
A classificação dos seres vivos proposta por Lineu e
As tentativas de inserir o homem dentro da ordem dos primatas não primam pela precisão, uma vez que as diferenças de detalhes são complexas e controversas. O tamanho, e mais ainda, a complexidade do cérebro humano em relação ao dos primatas nãohumanos constitui o principal ponto de diferenciação anatômica. A postura
ereta
é
também
um
aspecto
importante.
Outras
características anatômicas que distinguem o homem dos outros primatas,
seja
dos
macacos
antropóides,
seja
dos
primatas
inferiores, além do tamanho absoluto e relativo do cérebro, são: o pé, que serve de suporte e não é preênsil; o primeiro dedo do pé, que não é oponível; os maxilares, de tamanho reduzido e pouco salientes; a ausência de caninos salientes e interpostos; curva lombar, bacia e pelve formadas ou modificadas para atender às
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George-Louis Leclerc Buffon, no século XVIII, permitiu pela primeira
variedade de ambientes naturais e possibilita, dentro das limitações
vez integrar o homem numa série zoológica e estudá-lo pelo
ambientais, tipos de vida que tanto podem resultar de uma escolha
método das ciências naturais. A espécie Homo sapiens faz parte do
como de uma determinação psicológica interna. A herança cultural é
gênero Homo, o que deixa aberta a possibilidade de existência de
a
outras espécies. O próprio gênero Homo pertence à família dos
aprendizagem. A cultura se transmite sob forma de padrões
hominídeos, à ordem dos primatas, à classe dos mamíferos, ao
explícitos e implícitos de comportamento e em suas materializações.
subfilo dos vertebrados e ao filo dos cordados. Dentro da espécie,
O homem é, portanto, um animal portador de cultura, seja pelo
pode-se distinguir os grupos (negro, branco, pigmeu etc) e dentro
domínio da linguagem, seja pelos padrões de organização familiar,
de cada grupo as raças (nórdica, alpina, australiana etc), depois as
pelo uso de ferramentas, enfim, pelo controle de um vasto domínio
sub-raças, os tipos etc.
de conhecimento empírico e pela presença de elementos de ordem
transmissão
das
características
culturais
pelo
ensino
e
simbólica, como tabus, mitos, rituais religiosos etc.
A classificação do homem a partir do modelo zoológico introduziu o conceito diferencial de raça e, ao mesmo tempo, tornou possível
definir
a
espécie
por
outros
aspectos
que
não
Abordagem psico-sociológica
a
racionalidade. Homo sapiens não é necessariamente sinônimo de animal racional. Os critérios anatômicos e fisiológicos é que foram
Permanece
vaga
e
ambígua
a
correlação
entre
as
considerados com maior rigor para a diferenciação da espécie. A
dimensões física e cultural do homem. Tal ambigüidade levanta a
antropologia preocupou-se também com os problemas da origem e
dúvida quanto ao problema de ser o homem causa ou resultado,
da filiação da espécie. O Homo sapiens não é senão o elo atual de
criatura ou criador de seu patrimônio cultural. A questão do
uma ou várias longas cadeias de ancestrais hominídeos e pré-
determinismo ou da liberdade da condição humana extrapola o
hominídeos e talvez símios. Mas a reação à taxionomia positivista
âmbito da antropologia e convoca a uma perspectiva inovadora no
acabou por impor um modelo que, sem desprezar os traços
campo das ciências humanas, trazida pela psicologia: o conceito
anatomo-fisiológicos, restituiu à antropologia geral as dimensões
psicanalítico de inconsciente. Essa noção, que foi a principal
mentais do homem -- psicológicas, culturais etc.
descoberta de Sigmund Freud, veio mostrar que o psiquismo não é
Outra contribuição ao aprofundamento da perspectiva
redutível ao consciente e que certos conteúdos psíquicos só se
antropológica foi o estudo da herança cultural. Em muitos aspectos,
tornam
é ela que permite ao homem moldar uma vida adaptada à
resistências.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
5
acessíveis
à
consciência
depois
de
vencidas
certas
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
Para a sociologia, o homem, como ser social, é resultado de processos sociais e de cultura que antecedem ao aparecimento do indivíduo. O homem nasce com uma base orgânica, que o permite
desenvolver-se
em
pessoa.
Seus
órgãos
e
sentidos
estabelecem o contato entre o que é verdadeiramente hereditário, natural e individual, e a vida social e a cultura. O comportamento humano
dá-se
informação.
num
Cada
quadro
homem
de
recebe
circulação
permanente
ininterruptamente
de
estímulos
diversos e diversamente organizados, aos quais responde por comportamentos. Se isso é verdadeiro para qualquer ser vivo, no homem se distingue pelas propriedades de sistematização, de transferência e de significação.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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de interesses antagônicos e conflitos no corpo social que devem ser POLÍTICA
controlados para preservar a ordem social ou buscar o bem comum. Ciência política
O choque de interesses entre indivíduos e grupos na sociedade provoca a luta pelo poder e seu exercício em diferentes grandes
Disciplina recente, a ciência política surgiu da necessidade
pensadores tentaram estabelecer os elementos universais de uma
de formar gestores públicos e oferecer uma estrutura de reflexão
ordem justa nos negócios humanos, o que deu origem a teorias
sobre as questões públicas. Seu objetivo é estudar o poder político,
políticas numerosas e, freqüentemente, contraditórias.
suas formas concretas de manifestação e tendências evolutivas.
configurações
institucionais.
Ao
longo
de
séculos,
Cabe assim à ciência política explicar os motivos das relações que Política, em sentido estrito, é a arte de governar a polis, ou
existem entre os poderes políticos e a sociedade, as diversas formas
cidade-estado, e deriva do adjetivo politikós, que significa tudo o
de organização do estado e sua dominação por classes ou grupos, a
que se relaciona à cidade, isto é, tudo o que é urbano, público, civil
formação da vontade política do povo e as diferentes teorias
e social. Em acepção ampla, política é o estudo do fenômeno do
relativas à prática política.
poder, entendido como a capacidade que um indivíduo ou grupo
A ciência política utiliza métodos de ciências empíricas,
organizado tem de exercer controle imperativo sobre a população
como a física e a biologia, e metodologias e especificidades de
de um território, mesmo quando é necessário o uso da força.
outros ramos do conhecimento, como filosofia, história, direito,
O conceito de política é estreitamente vinculado ao de
sociologia e economia, e sua finalidade é descrever aquilo que é e
poder em três esferas básicas: (1) a luta pelo poder; (2) o conjunto
não o que deveria ser. Nesse sentido, distingue-se da filosofia
de instituições por meio das quais esse poder se exerce; (3) e a
política, área normativa voltada para conceitos como direito e
reflexão teórica sobre a origem, estrutura e razão de ser do poder.
justiça; da antropologia política, que estuda o fenômeno político
O poder político se caracteriza pela exclusividade do direito do uso
como uma constante em todas as sociedades humanas ao longo de
da força em relação ao conjunto da sociedade, que lhe confere a
sua história; e da sociologia política, que estuda os fenômenos
legitimidade desse uso. O exercício do poder se justifica como a
sociais a partir de uma visão política.
solução para regular e equilibrar a ordem e a justiça na sociedade; e o uso da força, inerente a todo poder político, indica a presença
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
Luta pelo poder
Os meios pacíficos de luta pelo poder indicam estado avançado de civilização e a racionalidade das concepções políticas. As
A história humana é basicamente uma história da política,
formas
básicas
de
luta
pacífica,
própria
dos
sistemas
isto é, das lutas travadas por indivíduos, grupos ou nações para
democráticos, são as eleições e plebiscitos. Nas democracias,
conquistar, manter ou ampliar o poder político. Essas lutas podem
reconhece-se que a soberania popular é o princípio de legitimação
ser violentas, na forma de assassínio de dirigentes, guerras,
do poder e portanto a direção do estado cabe à facção ou partido
revoluções e golpes de estado, ou pacíficas, por meio de eleições e
que obtiver a maioria dos votos livremente expressos pelo povo.
plebiscitos.
Trata-se de um procedimento racional, que pressupõe a igualdade
A luta violenta é uma das formas mais primitivas de
dos cidadãos perante a lei e que tende a harmonizar os conflitos de
conquista e manutenção do poder, embora ainda seja adotada em
interesse, embora eles continuem a existir e muitas vezes se
algumas nações modernas. São numerosos os exemplos, ao longo
manifestem de forma violenta.
da história das nações, de assassínios de dirigentes por uma pessoa ou um grupo de pessoas para a tomada do poder; e de insurreições e revoluções populares, uma forma de luta política violenta que visa não só conquistar o poder mas transformar de modo radical as condições sociais ou a organização do estado. Nesses casos, a violência se manifesta também na defesa daqueles que detêm o poder e querem manter a situação social tradicional. As revoluções francesa e russa mudaram a história do mundo moderno. A mudança de um regime político pode se dar ainda pelo golpe de estado, forma de ação política violenta comum na história das nações da América Latina. As guerras são o modo mais extremo Instituições políticas
e violento da luta política, já que o objetivo é destruir o adversário, e podem ser externas, entre duas ou mais nações, ou internas ou civis, entre facções de uma nação.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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Órgãos permanentes por meio dos quais se exerce o poder político, as instituições políticas evoluíram de acordo com o grau de racionalidade alcançado pelos homens. Nas antigas civilizações orientais, em Roma e na Europa medieval, os sistemas políticos tinham como característica comum a personalização do poder, justificada por instâncias mágicas, religiosas ou carismáticas. Faraó egípcio, imperador romano ou rei cristão, o detentor do poder se confundia com o próprio poder. Sua justificativa era a força, traduzida pelo poder militar, poder de curar ou poder sobre as forças da natureza. Constantemente desafiado por aqueles que se julgavam
possuidores
das
mesmas
credenciais,
o
poder
personalizado gerou a instabilidade política e o uso da violência como forma de solução de conflitos. No final da Idade Média, mudanças políticas, econômicas e sociais determinaram o surgimento de novas concepções sobre o estado. O progresso da burguesia e da economia favoreceu a Os
centralização do poder nas monarquias absolutas. O estado tornou-
sistemas
liberais,
cuja
representatividade
era
inicialmente restrita, aperfeiçoaram os mecanismos democráticos e,
se racional e suas estruturas se institucionalizaram, de acordo com as novas necessidades sociais. A vitória da burguesia sobre a
ao incorporarem o sufrágio universal, reconheceram de forma plena
sociedade feudal, na revolução francesa, desmistificou o poder por
a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. A institucionalização
direito divino e consagrou o princípio da soberania popular. O povo,
do poder exigiu a adoção de constituições que, como expressão da
única fonte de poder, podia transferir seu exercício a representantes
vontade popular, devem reger a ação do estado. Nos sistemas
por ele eleitos.
democráticos, a legitimidade do poder deriva de sua origem na vontade popular e de seu exercício de acordo com a lei. A doutrina da clássica divisão do poder político, elaborada por Montesquieu, é comum a quase todos os sistemas políticos dos
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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estados modernos. O poder legislativo, formado por parlamentares
a monarquia absoluta e sua concepção de liberdade era diferente da
eleitos pelo povo, elabora as leis e controla os atos do poder
visão grega, que a civilização ocidental incorporou -- mesmo
executivo; o executivo, também eleito pelo povo, executa a lei e
quando submetidos ao despotismo de um chefe absoluto, seus
administra o estado; o judiciário interpreta e aplica as leis e atua
povos consideravam-se livres se o soberano fosse de sua raça e
como juiz nos conflitos entre os outros poderes. A divisão de
religião. As cidades da Grécia não se uniram sob um poder imperial
poderes ajuda a evitar o abuso de poder por meio do controle
centralizador e conservaram sua autonomia. Suas leis emanavam
recíproco dos vários órgãos do estado. Nas modernas sociedades democráticas, além dos poderes
da vontade dos cidadãos e seu principal órgão de governo era a
institucionalizados existem organizações que participam do poder ou
assembléia de todos os cidadãos, responsáveis pela defesa das leis
nele influem: partidos políticos, sindicatos de classe, grupos de
fundamentais e da ordem pública. A necessidade da educação
interesse,
política dos cidadãos tornou-se, assim, tema de pensadores políticos
associações
profissionais,
imprensa,
freqüentemente
como Platão e Aristóteles.
chamada de quarto poder, e outras. Nos regimes totalitários, a
Em suas obras, das quais a mais importante é A república,
existência de um partido único no poder diminui as chances de
Platão define a democracia como o estado no qual reina a liberdade
participação da sociedade nos assuntos políticos nacionais.
e descreve uma sociedade utópica dirigida pelos filósofos, únicos História das idéias políticas
conhecedores da autêntica realidade, que ocupariam o lugar dos reis, tiranos e oligarcas. Para Platão, a virtude fundamental da polis
Além de lutar pelo poder e de criar instituições para
é a justiça, pela qual se alcança a harmonia entre os indivíduos e o
exercê-lo, o homem também examina sua origem, natureza e
estado. No sistema de Platão, o governo seria entregue aos sábios,
significado. Dessas reflexões resultaram diferentes doutrinas e
a defesa aos guerreiros e a produção a uma terceira classe, privada
teorias políticas.
de direitos políticos. Aristóteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o
Antiguidade
Grande, deixou a obra política mais influente na antiguidade clássica e na Idade Média. Em Política, o primeiro tratado conhecido sobre a
São escassas as referências a doutrinas políticas dos
natureza, funções e divisão do estado e as várias formas de
grandes impérios orientais. Admitiam como única forma de governo
governo, defendeu como Platão equilíbrio e moderação na prática
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
do poder. Empírico, considerou impraticáveis muitos dos conceitos
escravidão, fundamento social econômico do mundo antigo. Ao
de Platão e viu a arte política como parte da biologia e da ética.
tornar-se religião oficial, o cristianismo aliou-se ao poder temporal e
Para Aristóteles, a polis é o ambiente adequado ao
admitiu a organização social existente, inclusive a escravidão. Santo
desenvolvimento das aptidões humanas. Como o homem é, por
Agostinho, a quem se atribui a fundação da filosofia da história,
natureza, um animal político, a associação é natural e não
afirma que os cristãos, embora voltados para a vida eterna, não
convencional. Na busca do bem, o homem forma a comunidade, que
deixam de viver a vida efêmera do mundo real. Moram em cidades
se organiza pela distribuição das tarefas especializadas. Como
temporais mas, como cristãos, são também habitantes da "cidade
Platão, Aristóteles admitiu a escravidão e sustentou que os homens
de Deus" e, portanto, um só povo.
são senhores ou escravos por natureza. Concebeu três formas de
Santo Agostinho não formulou uma doutrina política, mas a
governo: a monarquia, governo de um só, a aristocracia, governo
teocracia está implícita em seu pensamento. A solução dos
de uma elite, e a democracia, governo do povo. A corrupção dessas
problemas sociais e políticos é de ordem moral e religiosa e todo
formas daria lugar, respectivamente, à tirania, à oligarquia e à
bom cristão será, por isso mesmo, bom cidadão. O regime político
demagogia. Considerou que o melhor regime seria uma forma
não importa ao cristão, desde que não o obrigue a contrariar a lei
mista, no qual as virtudes das três formas se complementariam e se
de Deus. Considera, pois, um dever a obediência aos governantes,
equilibrariam.
desde que se concilie com o serviço divino. Testemunha da a
dissolução do Império Romano, contemporâneo da conversão de
república, o império e o corpo de direito civil, mas não elaboraram
Constantino ao cristianismo, santo Agostinho justifica a escravidão
uma teoria geral do estado ou de direito. Entre os intérpretes da
como um castigo do pecado. Introduzida por Deus, "seria insurgir-
política romana destacam-se o grego Políbio e Cícero, que pouco
se contra Sua vontade querer suprimi-la".
Os
romanos,
herdeiros
da
cultura
grega,
criaram
acrescentaram à filosofia política dos gregos.
No século XIII, santo Tomás de Aquino, o grande pensador político do cristianismo medieval, definiu em linhas gerais a
Idade Média
teocracia. Retomou os conceitos de Aristóteles e os adaptou às condições da sociedade cristã. Afirmou que a ação política é ética e
O cristianismo introduziu, nos últimos séculos do Império
a lei um mecanismo regulador que promove a felicidade. Como
Romano, a idéia da igualdade entre todos os homens, filhos do
Aristóteles, considerou ideal um regime político misto com as
mesmo
virtudes das três formas de governo, monarquia, aristocracia e
Deus,
uma
noção
que
contestava
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
implicitamente
a
11
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
democracia. Na Summa teologica, justifica a escravidão, que
individual a um governante, o Leviatã, mediante um contrato que
considera natural. Em relação ao senhor, o escravo "é instrumento,
pode ser revogado a qualquer momento. Baruch de Spinoza prega a tolerância e a liberdade
pois entre o senhor e o escravo há um direito especial de
intelectual. Temeroso dos dogmas metafísicos e religiosos, justifica
dominação".
o poder político unicamente por sua utilidade e considera justa a Renascimento
rebelião se o poder se torna tirânico. Em seu Tratado teológicopolítico, afirma que os governantes devem cuidar para que os membros
Os teóricos políticos do período caracterizaram-se pela
da
sociedade
desenvolvam
ao
máximo
as
suas
capacidades intelectuais e humanas.
reflexão crítica sobre o poder e o estado. Em O príncipe, Maquiavel secularizou a filosofia política e separou o exercício do poder da
Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau destacam-se como
moral cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e
teóricos da democracia moderna. Montesquieu exerceu influência
realista, defende a constituição de um estado forte e aconselha o
duradoura com O espírito das leis, no qual estabeleceu a doutrina
governante a preocupar-se apenas em conservar a própria vida e o
da divisão dos poderes, base dos regimes constitucionais modernos.
estado, pois na política o que vale é o resultado. O príncipe deve
Rousseau sustenta, no Contrato social, que a soberania pertence ao
buscar o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel
povo, que livremente transfere seu exercício ao governante. Suas
surgiram os primeiros contornos da doutrina da razão de estado,
idéias democráticas inspiraram os líderes da revolução francesa e
segundo a qual a segurança do estado tem tal importância que,
contribuíram para a queda da monarquia absoluta, a extinção dos
para garanti-la, o governante pode violar qualquer norma jurídica,
privilégios da nobreza e do clero e a tomada do poder pela
moral, política e econômica. Maquiavel foi o primeiro pensador a
burguesia.
fazer distinção entre a moral pública e a moral particular. Pensamento contemporâneo
Thomas Hobbes, autor de Leviatã, considera a monarquia absoluta o melhor regime político e afirma que o estado surge da necessidade de controlar a violência dos homens entre si. Como
No século XIX, uma das correntes do pensamento político
Maquiavel, não confia no homem, que considera depravado e anti-
foi o utilitarismo, segundo o qual se deve avaliar a ação do governo
social por natureza. É o poder que gera a lei e não o contrário; a lei
pela felicidade que proporciona aos cidadãos. Jeremy Bentham,
só prevalece se os cidadãos concordarem em transferir seu poder
primeiro divulgador das idéias utilitaristas e seguidor das doutrinas
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
econômicas de Adam Smith e David Ricardo, teóricos do laissez-
sociedade deva adaptar-se, mas "o movimento real que suprime o
faire (liberalismo econômico), considera que o governo deve limitar-
atual
se a garantir a liberdade individual e o livre jogo das forças de
pressupostos já existentes". O socialismo sucederia ao capitalismo
mercado, que geram prosperidade.
assim como o capitalismo sucedeu ao feudalismo e será a solução
estado
de
coisas",
e
"cujas
condições
decorrem
de
das contradições do capitalismo. Assim, sua realização não seria utópica, mas resultaria de uma exigência objetiva do processo histórico em determinada fase de seu desenvolvimento. O estado, expressão
política
da
classe
economicamente
dominante,
desapareceria numa sociedade sem classes. Depois
da
primeira
guerra
mundial,
surgiram
novas
doutrinas baseadas nas correntes políticas do século XIX. O liberalismo
político,
associado
nem
sempre
legitimamente
ao
liberalismo econômico, pareceu entrar em dissolução, confirmada pela depressão econômica de 1929, e predominaram as visões totalitárias do poder. Em oposição ao liberalismo político, surgiram as teorias
A partir do marxismo, Lenin elaborou uma teoria do estado
socialistas em suas duas vertentes, a utópica e a científica. Robert
comunista e comandou na Rússia a primeira revolução operária
Owen, Pierre-Joseph Proudhon e Henri de Saint-Simon foram alguns
contra o sistema capitalista. Sobre a base marxista-leninista, Stalin
dos teóricos do socialismo utópico. Owen e Proudhon denunciaram a
organizou o estado totalitário para estruturar a ditadura do
organização institucional, econômica e educacional de seus países e
proletariado
defendem a criação de sociedades cooperativas de produção, ao
marxistas que discordaram de Stalin e acreditaram na diversidade
passo que Saint-Simon preconizou a industrialização e a dissolução
de vias para atingir o mesmo fim destacam-se Trotski, Tito e Mao
do estado.
Zedong (Mao Tsé-tung).
e
alcançar
o
comunismo.
Entre
os
pensadores
Karl Marx e Friedrich Engels desenvolvem a teoria do
A outra vertente do totalitarismo foi o fascismo, baseado
socialismo científico, que deixou marcas profundas e duradouras na
na crítica aos abusos do capitalismo e do comunismo. Formadas por
evolução das idéias políticas. Seu socialismo não é um ideal a que a
elementos heterogêneos e muitas vezes incoerentes, as ideologias
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
13
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
fascistas deram fundamento intelectual aos regimes que tendiam a
O processo separatista ganhou consistência com a chegada
sobrepor o poder absoluto do estado aos indivíduos, como o
de D. João VI em 1808 e culminou com a independência. A primeira
fascismo na Itália de Benito Mussolini e o nacional-socialismo na
constituição brasileira, outorgada pelo imperador D. Pedro I,
Alemanha de Adolf Hitler.
baseou-se no despotismo esclarecido e inovou na doutrina da divisão de poderes, ao incluir o poder moderador do monarca ao
Após a segunda guerra mundial, a democracia liberal, já
lado dos clássicos poderes executivo, legislativo e judiciário.
dissociada do liberalismo econômico, ressurgiu em diversos países europeus e americanos. Em suas instituições, as democracias
As elites brasileiras, compostas de grandes senhores
acrescentaram os direitos sociais, como o direito ao trabalho e ao bem-estar, aos direitos individuais. No final da década de 1980, a dissolução da União Soviética levou ao desaparecimento dos regimes
comunistas
no
leste
europeu
e
ao
predomínio
da
democracia liberal. Poder político no Brasil
O absolutismo foi a base das concepções políticas que vigoraram no Brasil colonial, regido pelas leis e o sistema político de Portugal.
Ao
longo
do
século
XVIII,
ocorreram
movimentos
autonomistas com fundo republicano e liberal, inspirados nos modelos das repúblicas veneziana e americana. As idéias que inspiraram a revolução francesa disseminaram-se pela colônia nas obras de Voltaire, Rousseau e Montesquieu mas o liberalismo só se manifestou de modo mais concreto nos episódios da inconfidência mineira, que evidenciaram as contradições entre a crescente burguesia e as classes agrárias dominantes.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
14
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
agrários e comerciantes, instalaram-se no poder e competiram com
dominantes e esqueciam seu radicalismo assim que assumiam o
o imperador pelo controle da nação. O cunho liberal da constituição
poder. As elites agrárias e comerciais mantinham-se como a única
foi amenizado pela adoção de mecanismos como o voto censitário,
força política e dominavam o cenário nacional. Entretanto, os
que excluiu a maioria da população do processo eleitoral, e a
grandes temas da república e da abolição da escravatura ganhavam
vitaliciedade dos senadores e dos membros do Conselho de Estado,
espaço e apoio crescentes, principalmente na burguesia urbana, que
que assegurou a permanência das elites no poder. O confronto
se ressentia das dificuldades de implantação plena do capitalismo
permanente entre essas elites e o imperador e a oposição dos
numa economia atrasada, que buscava se modernizar. Republicanos
liberais radicais, que se ressentiam da centralização excessiva do
e abolicionistas inauguraram um estilo novo na política brasileira e
poder e defendiam o federalismo, culminaram na abdicação do
convocaram as populações das cidades à defesa de suas idéias.
soberano em favor de D. Pedro II, então menor de idade.
Apesar dessa mobilização, a república foi instaurada pela elite, sem
O
período
da
regência
foi
marcado
pela
participação popular.
pressão
permanente das aristocracias locais, que exigiam maior autonomia
A abolição da escravatura em 1888 marcou o fim do
de ação política, e por conflitos entre liberais e conservadores, que
império brasileiro e o início da república, instalada no ano seguinte,
se traduziram em rebeliões regionais e levantes populares, em
mas permaneceu o autoritarismo do poder central, profundamente
alguns casos de inspiração separatista e republicana. Pouco depois
entranhado na cultura política nacional. A constituição liberal de
de
regime
1891 estabeleceu um presidencialismo forte e centralizado, que não
executivos,
resolveu as contradições políticas herdadas do império nem excluiu
transferidos para um primeiro-ministro escolhido entre os membros
do poder as elites, acrescidas então de novas forças econômicas,
do partido majoritário nas eleições. Preservou, porém, o poder
como os produtores de café, que determinavam os caminhos da
moderador, o que na prática manteve o governo sob seu controle.
nação. Na fase que se seguiu, conhecida como República Velha,
assumir
o
parlamentarista
trono, e
abriu
D.
Pedro
mão
II
de
estabeleceu
seus
poderes
o
predominaram as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, os
Os primeiros anos do governo do segundo reinado foram marcados
por
revoltas
regionais
e,
ao
mesmo
tempo,
estados economicamente mais avançados.
pela
consolidação das instituições nacionais e pelo aprofundamento do
Durante a primeira guerra mundial, o país conheceu
sentimento de nacionalidade em todo o território brasileiro. Os
notável
liberais, que se alternaram com os conservadores no governo ao
dominado pelos interesses das oligarquias rurais e da burguesia
longo
mercantil. As contradições entre uma economia que se modernizava
do
segundo
reinado,
pertenciam
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
também
às
classes
15
expansão
industrial,
mas
o
poder
político
continuou
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
fortaleceram e representaram efetivamente os diversos segmentos políticos e ideológicos da nação. O modelo econômico e social, porém,
não
se
alterou,
especialmente
na
estrutura
agrária
dominada pelas elites obsoletas. O choque entre avanços políticos e econômicos e a manutenção de um modelo social ultrapassado levaram setores progressistas e conservadores à radicalização.
e um modelo político retrógrado geraram inquietações políticas que se expressaram em movimentos como o tenentismo. O processo eleitoral, marcado pela fraude e a exclusão de vasta parcela da população, mostrou-se incapaz de solucionar as distorções do sistema, agravadas por dificuldades financeiras e do comércio exterior que a crise mundial de 1929 aprofundou, com a queda drástica das exportações de produtos primários. Com a revolução de 1930, a burguesia industrial teve maior participação no poder, mas as contradições do regime não foram solucionadas. Conflitos entre as oligarquias e os tenentistas e a
ausência
de
mudanças
estruturais
necessárias
levaram
à
implantação da ditadura do Estado Novo, que se prolongou até 1945. A constituição de 1946 deu início a um período de crescimento
econômico
e
aprofundamento
dos
mecanismos
democráticos. Houve mudanças no sistema eleitoral e participação efetiva do povo no processo político. Os partidos políticos se
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
16
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
CIDADANIA
divisão social do trabalho. São direitos atribuídos a uma entidade coletiva, e ao indivíduo apenas em decorrência de sua participação Foi
de
um
discurso
em um desses "corpos" sociais.
do
Pierre-Augustin
O termo cidadão tornou-se sinônimo de homem livre,
Caron de Beaumarchais, em
portador de direitos e obrigações a título individual, assegurados em
outubro de 1774, que surgiu
lei. É na cidade que se formam as forças sociais mais diretamente
o
interessadas na individualização e na codificação desses direitos: a
dramaturgo
sentido
moderno
da
burguesia e a moderna economia capitalista.
palavra cidadão -- que ganharia maior ressonância nos primeiros
Ao ultrapassar os estreitos limites do mundo medieval --
meses da revolução francesa, com a Declaração dos Direitos do
pela interligação de feiras e comunas, pelo estabelecimento de rotas
Homem e do Cidadão. Em sentido etimológico, cidadania refere-se à condição dos
regulares de comércio, entre regiões da Europa e entre os
que residem na cidade. Ao mesmo tempo, diz da condição de um
continentes --, a dinâmica da economia capitalista favorece a
indivíduo como membro de um estado, como portador de direitos e
imposição de uma jurisdição uniforme em determinados territórios,
obrigações. A associação entre os dois significados deve-se a uma
cuja extensão e perfil derivam tanto da interdependência interna
transformação fundamental no mundo moderno: a formação dos
enquanto "mercado", como dos fatores culturais, lingüísticos,
estados centralizados, impondo jurisdição uniforme sobre um
políticos e militares que favorecem a unificação.
território não limitado aos burgos medievais. Na
Europa,
até
o
início
dos
Em seus primórdios, a constituição do estado moderno e tempos
modernos,
o
da economia comercial capitalista é uma grande força libertária. Em
reconhecimento de direitos civis e sua consagração em documentos
primeiro lugar, pela dilatação de horizontes, pela emancipação dos
escritos (constituições) eram limitados aos burgos ou cidades. A
indivíduos ante o localismo, ante as convenções medievais que
individualização desses direitos a rigor não existe até o surgimento
impediam ou dificultavam a escolha de uma ocupação diferente da
da teoria dos direitos naturais do indivíduo e do contrato social,
transmitida como herança familiar; libertária, também, ante as
bases filosóficas do antigo liberalismo. Nesse sentido, os privilégios
tradições e crenças que se diluíam com a maior mobilidade
e imunidades dos burgos medievais não diferem, quanto à forma,
geográfica e social; mas libertária, sobretudo, pela imposição de
dos direitos e obrigações das corporações e outros agrupamentos,
uma jurisdição uniforme, que superava o arbítrio dos senhores
decorrentes de sua posição ou função na hierarquia social e na
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
17
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
feudais e reconhecia a todos os mesmos direitos e obrigações,
consagração formal de certos direitos, o processo político de sua
independentemente de seu trabalho ou condição socioeconômica.
obtenção e a criação das condições socioeconômicas que lhe dão efetividade.
Além do sentido sociológico, a cidadania tem um sentido político, que expressa a igualdade perante a lei, conquistada pelas grandes
revoluções
(inglesa,
francesa
e
americana),
e
posteriormente reconhecida no mundo inteiro. Nessa perspectiva, a passagem do âmbito limitado - dos burgos - ao significado amplo da cidadania nacional é a própria história da formação e unificação dos estados modernos, capazes de exercer efetivo controle sobre seus respectivos territórios e de garantir os mesmos direitos a todos os seus habitantes. É fundamentalmente uma garantia negativa: contra as limitações convencionais ao comportamento individual e contra o poder arbitrário, público ou privado. Rumo à universalização. A cidadania é originalmente um direito burguês. Contudo, quando reivindicada como soma de direitos fundamentais do indivíduo, estes se tornam neutros quanto a seus beneficiários presentes e potenciais. Vista como processo histórico gradual, a extensão da cidadania é (1) a transformação da estrutura social pré-moderna no quadro da economia capitalista e do estado nacional moderno e (2) o reconhecimento e a universalização de toda uma série de novos direitos que, em parte, são indispensáveis ao funcionamento da economia capitalista moderna e, em parte, são resultado concreto do conflito político dentro de cada país. Portanto, trata-se de um conceito ao mesmo tempo jurídico, sociológico e político: descreve a
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
18
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
limitada, visto que seus limites coincidem com os da liberdade dos Cidadania e democracia
outros homens. A primeira concretização da teoria jurídica dos direitos
A cidadania tem dois aspectos: (1) o institucional, porque
humanos foi o Bill of Rights, de 1689 -- a declaração de direitos
envolve o reconhecimento explícito e a garantia de certos direitos
inglesa. Só depois da independência dos Estados Unidos, porém, as
fundamentais, embora sua institucionalização nunca seja constante
declarações
e irredutível; (2) e o processual, porque as garantias civis e
adquirem o perfil de relação de direitos oponíveis ao estado, e dos
políticas, bem como o conteúdo substantivo, social e econômico,
quais os indivíduos são titulares diretos. Dada sua importância, o
não podem ser vistos como entidades fixas e definitivas, mas
direito constitucional clássico dividia as leis fundamentais em duas
apenas como um processo em constante reafirmação, com limiares
partes: uma estabelecia os poderes e seu funcionamento; outra, os
abaixo dos quais não há democracia. Democrático, no sentido
direitos e garantias individuais.
de
direitos,
inseridas
nas
constituições
escritas,
No Brasil, é clássica a definição dada por Rui Barbosa às
liberal, é o país que, além das garantias jurídicas e políticas
garantias, desdobramento dos direitos individuais: "Os direitos são
fundamentais, institucionaliza amplamente a participação política.
aspectos, Direitos e garantias individuais
manifestações
da
personalidade
humana
em
sua
existência subjetiva, ou nas suas situações de relações com a sociedade,
ou
os
indivíduos
que
a
compõem.
As
garantias
A necessidade de certas prerrogativas que limitem o poder
constitucionais stricto sensu são as solenidades tutelares de que a
político em suas relações com a pessoa humana são, muito
lei circunda alguns desses direitos contra os abusos do poder." É o
provavelmente, criação do cristianismo, que definiu o primeiro
caso do direito à liberdade pessoal, cuja garantia é o recurso do
terreno interditado ao estado: o espiritual.
habeas corpus.
No campo do direito positivo, foi a revolução francesa que Direitos sociais
incorporou o sistema dos direitos humanos ao direito constitucional moderno. A teoria do direito constitucional dividiu, de início, os direitos humanos em naturais e civis, considerando que a liberdade
Na antiguidade, considerava-se que o trabalho manual não
natural, mais ampla, evolui para o conceito de liberdade civil, mais
era compatível com a inteligência crítica e especulativa, ideal do estado.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
19
Daí
o
reconhecimento
da
escravidão,
que
restringia
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
Os regimes de governo são justos na medida em que as
consideravelmente os ideais teóricos da democracia direta. A do cristianismo baseou-se principalmente na
liberdades são defendidas, mesmo em épocas de crise. Os princípios
dignificação do trabalho manual. Por conseguinte, durante a Idade
gerais de direito são sempre os mesmos: processo legal, ausência
Média, o trabalho era considerado um dever social e mesmo
de crueldade, respeito à dignidade humana. As formas de execução
religioso do indivíduo.
desses princípios também não variam. Resumem-se em leis
revolução social
anteriores, em garantias eficazes de defesa e, como sempre, acima
Com o declínio das corporações de ofício, que controlavam
de tudo, em justiça independente e imparcial.
o trabalho medieval, e o surgimento das oficinas de trabalho, de características diferentes, entre as quais a relação salarial entre
Suspensão das garantias constitucionais. No Brasil, a
operário e patrão, estão dadas as condições propícias ao capitalismo
instabilidade do poder político e as lutas oligárquicas durante a
mercantilista da época do Renascimento e da Reforma.
primeira república fizeram do estado de sítio e da intervenção revolução
federal os centros de convergência dos debates jurídicos e das
francesa, viu-se diante dos problemas sociais decorrentes da
ações políticas. Também o Supremo Tribunal Federal defrontou-se
revolução industrial. Assim, tornou-se indispensável a intervenção
freqüentemente com o problema. No entanto os fatos mais de uma
do estado entre as partes desiguais em confronto no campo do
vez atropelaram o direito ao longo da história do Brasil.
Mais tarde, a
burguesia, que dominara
a
trabalho, para regular o mercado livre em que o trabalhador era cruelmente explorado. Atualmente não se pode conceber a proteção jurídica dos direitos individuais sem o reconhecimento e a proteção dos direitos sociais do homem, que são oponíveis não ao estado, mas ao capital, e têm na ação do estado sua garantia. Hoje existe um grande movimento pelo reconhecimento, definição e garantia internacionais dos direitos humanos. Em 10 de dezembro de 1948, a assembléia geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que só terá força obrigatória quando for uma convenção firmada por todos os países membros da ONU.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
20
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
as religiões têm como característica comum o reconhecimento do RELIGIÃO
sagrado (definição do filósofo e teólogo alemão Rudolf Otto) e a dependência do homem de poderes supramundanos (definição do teólogo alemão Friedrich Schleiermacher). A observância e a
O medo do desconhecido e a necessidade de dar sentido ao mundo que o cerca levaram o homem a fundar diversos sistemas de
experiência
religiosas
têm
por
objetivo
prestar
tributos
e
crenças, cerimônias e cultos -- muitas vezes centrados na figura de
estabelecer formas de submissão a esses poderes, nos quais está
um ente supremo -- que o ajudam a compreender o significado
implícita a idéia da existência de ser ou seres superiores que
último de sua própria natureza. Mitos, superstições ou ritos mágicos
criaram e controlam o cosmos e a vida humana.
que as sociedades primitivas teceram em torno de uma existência
Aquelas características, que de certa forma não distinguem
sobrenatural, inatingível pela razão, equivaleram à crença num ser
uma religião de outra, levaram ao debate sobre religião natural e
superior e ao desejo de comunhão com ele, nas primeiras formas de
religião revelada, o que recebeu significação especial nas teologias
religião.
judaica e cristã. O americano Mircea Éliade, historiador das Religião (do latim religio, cognato de religare, "ligar",
religiões, denominou "hierofania" a essa manifestação do sagrado,
"apertar", "atar", com referência a laços que unam o homem à
ou seja, algo sagrado que é mostrado ao homem. Seja a
divindade) é como o conjunto de relações teóricas e práticas
manifestação do sagrado uma pedra ou uma árvore, seja a doutrina
estabelecidas entre os homens e uma potência superior, à qual se
da encarnação de Deus em Jesus Cristo, trata-se sempre de uma
rende culto, individual ou coletivo, por seu caráter divino e sagrado.
hierofania, de um ato misterioso que revela algo completamente
Assim, religião constitui um corpo organizado de crenças que
diferente da realidade do mundo natural, profano.
ultrapassam a realidade da ordem natural e que tem por objeto o sagrado ou
sobrenatural, sobre o qual
elabora
Por mais que a mentalidade ocidental moderna possa
sentimentos,
repudiar certas expressões rudimentares ou exóticas das religiões
pensamentos e ações.
primitivas, na realidade a pedra e a árvore não são adoradas
Essa definição abrange tanto as religiões dos povos ditos
enquanto
tais,
como
expressões
de
algo
sagrado,
que
primitivos quanto as formas mais complexas de organização dos
paradoxalmente transforma o objeto numa outra realidade. O
vários sistemas religiosos, embora variem muito os conceitos sobre
sagrado e o profano configuram duas modalidades de estar no
o conteúdo e a natureza da experiência religiosa. Apesar dessa
mundo e duas atitudes existenciais do homem ao longo de sua
variedade e da universalidade do fenômeno no tempo e no espaço,
história. Contudo, as reações do homem frente ao sagrado, em
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
21
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
diferentes contextos históricos, não são uniformes e expressam um
naturais ou a necessidade de obter seus benefícios impeliu-o a
fenômeno cultural e social complexo, apesar da base comum.
render-lhes veneração e culto.
classificação
O fetichismo e o totemismo podem ser considerados
sistemática das religiões, pode-se agrupá-las em duas categorias
variantes do animismo. O fetichismo refere-se à denominação que
amplas: religiões primitivas e religiões superiores. Nessa divisão, o
os portugueses deram à religião dos negros da África ocidental e
qualificativo superior refere-se ao desenvolvimento cultural e não ao
que se ampliou até confundir-se com o animismo. Consiste na
nível de religiosidade.
veneração a objetos aos quais se atribuem poderes sobrenaturais
Embora
não
seja
fácil
elaborar
uma
ou que são possuídos por um espírito. Mais que uma religião, o Religiões primitivas
totemismo seria um sistema de crenças e práticas culturais que estabelece relação especial entre um indivíduo ou grupo de
A importância do culto aos antepassados levou filósofos e
indivíduos e um animal -- às vezes também um vegetal, um
historiadores -- como Evêmero, no século IV a.C. -- a considerá-lo a
fenômeno natural ou algum objeto material -- ao qual se rende
origem da religião. As sepulturas paleolíticas corroboram essa
algum tipo de culto e respeito e em relação ao qual se estabelecem
opinião, pois comprovam já haver, naquele período, a crença numa
determinadas proibições (uso como alimento, contato etc.).
vida depois da morte e no poder ou influência dos antepassados Religiões superiores
sobre a vida cotidiana do clã familiar. Os integrantes do clã obrigavam-se a praticar ritos em homenagem a seus defuntos pelo temor a represálias ou pelo desejo de obter benefícios ou, ainda,
À medida que o homem passou a organizar sua existência
por considerá-los divinizados.
numa base racional, a multiplicidade de poderes divinos e sobre-
No século XIX, os estudos realizados pelo antropólogo
humanos do primitivo animismo não conseguiu mais satisfazer a
britânico Edward Burnett Tylor deram origem ao conceito de
necessidade de estabelecer uma relação coerente com as múltiplas
animismo, aplicado desde então a todas as religiões primitivas.
forças espirituais que povoavam o universo. Surgiram assim as
Tylor sustentou que o homem primitivo, a partir da experiência do
religiões politeístas, panteístas, deístas e monoteístas, expressões
sonho e do fenômeno da respiração, concebeu a existência de uma
das condições sociais e culturais de cada época e das características
alma ou princípio vital imaterial que habitava todos os seres
dos povos em que surgiram.
dotados de movimento e vida. O temor diante dos fenômenos
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
22
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
As religiões politeístas afirmam a existência de vários
devem ser similares, reguladas com a mesma precisão e, portanto,
deuses, aos quais rendem culto. Existem duas teorias contraditórias
naturais. O período do Iluminismo (séculos XVII-XVIII) proclamou o
sobre a origem do politeísmo: para alguns, é a forma primitiva da
culto à deusa razão e a revolução francesa ajudou a organizá-lo.
religião, que mais tarde teria evoluído até o monoteísmo; para outros, ao contrário, é uma degeneração do monoteísmo primitivo. O politeísmo reflete a experiência humana de um universo no qual se manifestam diversas formas de poder sobre-humano; no entanto, nas religiões politeístas ocorre com freqüência uma hierarquia, com um deus supremo que reina e que, em geral, pode ser a origem dos demais deuses. O problema do politeísmo seria delimitar o que se entende como deus ou como algo sobre-humano. Politeístas foram a religião grega e a romana. O panteísmo é uma filosofia que, por levar a extremos as
As religiões monoteístas professam a crença num Deus
noções de absoluto e de infinito, próprias do conceito de Deus,
único, transcendente -- distinto e superior ao universo -- e pessoal.
chega a considerá-lo como a única realidade existente e, portanto, a
Um dos grandes problemas do monoteísmo é a explicação da
identificá-lo com o mundo. É clássica a formulação do filósofo
existência do mal no mundo, o que levou diversas religiões a
Baruch Spinoza, no século XVII: Deus sive natura (Deus ou
adotarem um sistema dualista, o maniqueísmo, fundado nos
natureza). Alguns filósofos gregos e estóicos foram panteístas,
princípios supremos do bem e do mal.
doutrina que também é a base fundamental do budismo.
As grandes religiões monoteístas são o judaísmo, o
Também uma corrente filosófica, o deísmo reconhece a
cristianismo -- que professa a existência de um só Deus, apesar de
existência de Deus enquanto constitui um ser supremo de atributos
reconhecer, como mistério, três pessoas divinas -- e o islamismo.
totalmente indeterminados. Essa doutrina funda-se na religião
Elementos
natural, que nega a revelação. O que o homem conhece a respeito
dos
sistemas
religiosos.
Os
princípios elementares comuns à maioria das religiões conhecidas
de Deus não decorre apenas das deduções da própria razão
na história podem agrupar-se nos seguintes capítulos: crenças,
humana. Se o universo físico é regulado por leis segundo a vontade
ritos, normas de conduta e instituições.
de Deus, as relações entre Deus e o mundo moral e espiritual
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
característicos
23
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
Toda religião pressupõe algumas crenças básicas, como a
constituem a teologia ou ensinamento de cada religião, que enfoca
sobrevivência depois da morte, mundo sobrenatural etc., ao menos
temas sobre a divindade, suas relações com os homens e os
como fundamento dos ritos que pratica. Essas crenças podem ser
problemas humanos cruciais -- a morte, a moral, as relações
de tipo mitológico -- relatos simbólicos sobre a origem dos deuses,
humanas etc. Entre as crenças destaca-se, em geral, uma visão
do mundo ou
conceitos
esperançosa sobre a salvação definitiva das calamidades presentes,
transmitidos por revelação da divindade, que dá origem à religião
que pode ir desde a mera ausência de sofrimento até a incógnita do
revelada e que são recolhidos nas escrituras sagradas em termos
nirvana ou a felicidade plena de um paraíso.
do
próprio povo;
ou
dogmático --
A manifestação das próprias crenças e anseios mediante
simbólicos, mas também conceituais.
ações simbólicas é inerente à expressividade humana. Da mesma forma, as crenças e sentimentos religiosos têm se manifestado através dos ritos, ou ações sagradas, praticados nas diferentes religiões.
Até
no
budismo,
contra
o
ensinamento
de
Buda,
desenvolveram-se desde o começo diversas classes de rituais. Toda religião que seja mais do que uma filosofia gera uma série de ritos ao ser vivida pelo povo. Existem ritos culturais em honra à divindade, ritos funerários, ritos de bênçãos ou de consagração e muitos outros. Observa-se em geral, nas diversas religiões, a existência de ministros ou sacerdotes encarregados de celebrar os principais rituais e, em especial, o culto à divindade. Os atos mais importantes desse culto são oferendas e sacrifícios praticados em conjunto, com invocações e orações. Com freqüência celebram-se os ritos em lugares e épocas considerados sagrados, especialmente dedicados à divindade, e observados com escrupulosa exatidão através dos
Os
tempos.
conceitos fundamentais organizam-se, de modo geral, em um credo ou profissão de fé; as deduções ou explicações de tais conceitos
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
24
JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
O terceiro elemento característico de toda religião é o estabelecimento, mais ou menos coercitivo, de normas de conduta do indivíduo ou do grupo no que se refere a Deus, a seus semelhantes e a si mesmo. O primeiro comportamento exigido é a conversão ou mudança para um novo modo de vida. Com relação a Deus, destacam-se as atitudes de veneração, obediência, oração e, em algumas religiões, o amor. Na conduta no âmbito da esfera humana entra, em maior ou menor medida, um sistema de normas éticas. Quase instituições
todas
as
dogmáticas
religiões
cristalizam-se
(doutrinárias)
e
cultuais
em
algumas
(sacerdócio,
hierarquia). Muitas delas chegam a institucionalizar a conduta, com a criação até mesmo de tribunais de justiça e sanções e a organizar administrativamente as diversas comunidades de crentes e suas propriedades. Essas instituições dão forma e coesão aos crentes como um grupo social -- religião, povo, igreja, comunidade; a elas somam-se outras instituições voluntárias de tipo assistencial ou de plena dedicação religiosa, que correspondem a grupos informais dentro do grupo institucionalizado. As instituições consideram imprescindível a forma externa, enquanto que a fé considera o espírito interno como essencial à religião.
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO FILOSÓFICO
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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)