JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
sapiens editora
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2007,Sapiens Editora
Obras da série Estudos da Sociedade: Volume 1 A organização das sociedades na história da humanidade Volume 2 O pensamento Humano na história da Filosofia Volume 3 O desenvolvimento brasileiro – Colônia, Império e República Volume 4 A Humanidade em seu transcurso histórico Volume 5 Sociologia Rural: Breve Introdução
Catalogação na Fonte
Fiorin, José Augusto (org.). A organização das sociedades humanas na história da humanidade. Ijuí: Sapiens Editora, 2007.145 p. 1.Sociedade 2.História 3.Sociologia 4.Cultura 5.Estado I.Título II.Série
®
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE Copyright JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
A ORGANIZAÇÃO DAS
SOCIEDADES NA
HISTÓRIA DA HUMANIDADE
SAPIENS EDITORA A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Uma introdução à Sociologia Disciplina que se distingue das demais ciências sociais pela abrangência de seu objeto, a sociologia busca conhecer, mediante métodos científicos, a totalidade da realidade social como tal, sem proposta de transformação. Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e efeitos das relações que se estabelecem entre os indivíduos organizados em sociedade. Assim, o objeto da sociologia são as relações sociais, as transformações por que passam essas relações, como também as estruturas, instituições e costumes que têm origem nelas. A abordagem sociológica das relações entre os indivíduos distingue-se da abordagem biológica, psicológica, econômica e política dessas relações. Seu interesse focaliza-se no todo das interações sociais e não em apenas um de seus aspectos, cada um dos quais constitui o domínio de uma ciência social específica. As preocupações de ordem normativa são estranhas à sociologia e não lhe cabe a aplicação de soluções para problemas sociais ou a responsabilidade pelas reformas, planejamento ou adoção de medidas que visem à transformação das condições sociais. Vários obstáculos impediram a constituição da sociologia como ciência, desde que ela surgiu, no século XIX. Entre os mais importantes citam-se a inexistência de terminologia clara e precisa; a tendência a subjetivar os fatos sociais; a multiplicidade de temas de seu interesse e aplicação; as afinidades partilhadas com outras ciências sociais; a dificuldade de experimentação, já que os elementos com que lida são seres humanos; e a proliferação de métodos, técnicas e escolas que tentaram elaborar uma teoria sociológica unificada como instrumento adequado de análise, descrição e interpretação dos fenômenos sociais. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Antecedentes. O interesse pelos fenômenos sociais já existia na Grécia antiga, onde foram estudados pelos sofistas. Os filósofos gregos, porém, não elaboraram uma ciência sociológica autônoma, já que subordinaram os fatos sociais a exigências éticas e didáticas. Assim, a contribuição grega à sociologia foi apenas indireta. Um pensamento social existiu na Idade Média, mas sob uma forma não-sistemática de raciocínio e análise dos fenômenos sociais, pois se baseava na especulação e não na investigação objetiva dos fatos. Além disso, nesse período anulou-se a distinção entre as leis da natureza e as leis humanas e impôs-se a concepção da ordem natural e social como decorrência da vontade divina, que não seria passível de transformação. Assim, eivado de conotações ideológicas, éticas e religiosas, o pensamento social medieval pouco evoluiu. As profundas modificações econômicas, sociais e políticas ocorridas na sociedade européia nos séculos XVIII e XIX, em decorrência da revolução industrial, permitiram o surgimento do capitalismo e libertaram
pensamento dos dogmas medievais. Assim, as ciências
naturais e humanas fizeram rápidos progressos. Os principais antecedentes da sociologia são a filosofia política, a filosofia da história, as teorias biológicas da evolução e os movimentos pelas reformas sociais e políticas, que ensaiaram um levantamento das condições sociais vigentes na época. Nos primórdios da sociologia, foram mais influentes a filosofia da história e os movimentos reformistas. A história permitiu o acesso ao conhecimento de dados objetivos sobre a sociedade, acumulados ao longo do tempo. Além disso, a evolução da historiografia contribuiu em parte para o aperfeiçoamento dos métodos empíricos de compilação de dados e a análise dos fatos A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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sociais. Em relação aos movimentos reformistas, a sociologia partilhou com eles sua preocupação com os problemas sociais e não mais aceitou como fato natural condições como a pobreza, seqüela da industrialização. Incorporou também os procedimentos dos reformistas, que se basearam nos métodos das ciências naturais para fazer levantamentos sociais, numa tentativa de classificar e quantificar os fenômenos sociais. A pré-história da sociologia situa-se, assim, num período aproximado de cem anos, de 1750 a 1850, entre a publicação de L'Esprit des lois (O espírito das leis), de Montesquieu, e a formulação das teorias de Auguste Comte e Herbert Spencer. Sua constituição como ciência ocorreu na segunda metade do século XIX. O termo sociologia foi consagrado por Auguste Comte na obra Cours de philosophie positive (1839; Curso de filosofia positiva), em que batizou a nova "ciência da sociedade" e tentou definir seu objeto. No entanto,
a
palavra
sociologia
continuou
suscetível
de
inúmeras
interpretações e definições no que diz respeito à delimitação de seu objeto, pois cada escola sociológica criou suas próprias definições, de acordo com as perspectivas teóricas, filosóficas e metodológicas adotadas. Todas essas definições, no entanto, partilhavam um substrato comum: o estudo das relações e interações humanas. Abrangência. As ciências sociais se constituem a partir de dois pilares: a teoria e o método. A teoria se ocupa dos princípios, conceitos e generalizações; o método proporciona os instrumentos necessários para a pesquisa científica dos fenômenos sociais. A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a sociologia do conhecimento, da família, dos meios rurais e urbanos, da religião, da educação, da cultura etc. A essa lista seria possível acrescentar um sem-número de novas especializações, como a sociologia A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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da vida cotidiana, do teatro, do esporte etc., já que os interesses do pesquisador se orientam para a compreensão e explicação sistemática, mediante a utilização das teorias e dos métodos mais adequados, dos aspectos sociais de todos os setores e atividades da vida humana. Teorias sociológicas. Na sociologia, a teoria é o instrumento de entendimento da realidade, dentro da qual se enunciam as leis gerais. Difere, por isso, da doutrina social, de cunho normativo e ideológico, e a ela se opõe. As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX e XX centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre elas distinguem-se a determinação do que representam a sociedade e a cultura; a fixação de unidades elementares para seu estudo; a especificação dos fatores que condicionam sua estabilidade ou sua mudança; a descoberta das relações que mantêm entre si e com a personalidade; a delimitação de um campo; e a especificação de um objeto e de métodos de estudos próprios à sociologia. O desenvolvimento da teoria sociológica pode ser analisado de acordo com três grandes temas: os tipos de generalização empregados, os conceitos e esquemas de classificação e os tipos de explicação. São seis os tipos de generalização geralmente aceitos: (1) correlações
empíricas
entre
fenômenos
sociais
concretos;
(2)
generalizações das condições sob as quais surgem as instituições e outras formas sociais; (3) generalizações que afirmam que as mudanças que
determinadas
instituições
experimentam
estão
regularmente
associadas às mudanças que ocorrem em outras instituições; (4) generalizações sobre a existência de repetições rítmicas de vários tipos; (5) generalizações que enumeram as principais tendências evolutivas da A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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humanidade; e (6) elaboração de leis sobre as repercussões e hipóteses relacionadas ao comportamento humano. A sociologia se mostrou mais fecunda no campo da elaboração de conceitos e esquemas de classificação. No entanto, e apesar de terem sido criados muitos conceitos, as definições existentes continuam ainda insatisfatórias, o que impede a classificação adequada das sociedades, dos grupos e das relações sociais, assim como o descobrimento de conceitos centrais que permitam a elaboração de uma teoria sistemática. Verifica-se que numerosos conceitos foram utilizados com significados distintos por diferentes sociólogos. Mais ainda, tentativas recentes de aperfeiçoar a base da conceituação atribuíram importância excessiva à definição do conceito e relegaram a segundo plano sua finalidade fundamental, a utilização. As teorias de explicação dividem-se em dois tipos principais, a causal e a teleológica. A primeira, que seria uma ciência natural da sociedade, indaga o porquê dos fenômenos sociais, qual a causa de sua ocorrência. A segunda indaga a finalidade dos fenômenos sociais, com que objetivo eles ocorrem, e tenta interpretar o comportamento humano em termos de propósitos e significados. Métodos
sociológicos.
Distinguem-se
sete
métodos na
sociologia: histórico, comparativo, funcional, formal ou sistemático, compreensivo, estatístico e monográfico. O método histórico ocupa-se do estudo dos acontecimentos, processos e instituições das civilizações passadas para proceder à identificação e explicação das origens da vida social contemporânea. O método comparativo, considerado durante muito tempo o método sociológico por excelência porque permitia a realização de correlações tanto restritas como gerais, estabelece comparações entre A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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diversos tipos de grupos e fenômenos sociais com o fim de descobrir diferenças e semelhanças. O método funcional estuda os fenômenos sociais do ponto de vista de suas funções. O sistema social total de uma comunidade seria integrado por diversas partes inter-relacionadas e interdependentes e cada uma delas desempenharia uma função necessária à vida do conjunto. Nessa abordagem são evidentes as analogias entre a sociedade e um organismo, o que levou seus partidários a tentativas de diferenciar o funcionamento normal das instituições e sistemas sociais de seu funcionamento patológico. O método formal, ou sistemático, analisa as relações sociais existentes entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito às diversas formas que essas relações podem assumir independentemente de seu conteúdo. Em completa oposição ao formal, o método compreensivo atribui uma importância fundamental ao significado e aos motivos das ações sociais, isto é, a seu conteúdo. O método estatístico enfatiza a medição matemática dos fenômenos sociais. No entanto, como a maior parte dos dados sociológicos é do tipo qualitativo, não se pode adotar tratamento estatístico rígido. Por último, o método monográfico centraliza-se no estudo aprofundado de casos particulares: um grupo, uma comunidade, uma instituição ou um indivíduo. Cada um dos objetos de estudo deve necessariamente representar vários outros para que seja possível estabelecer generalizações. Técnicas sociológicas. Antes de mais nada, é preciso estabelecer a diferença entre métodos e técnicas sociológicas. Os métodos representam uma opção estratégica e não devem ser confundidos com os objetivos da investigação, enquanto as técnicas A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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constituem níveis de etapas práticas de operação limitada, ligadas a elementos concretos e adaptadas a uma finalidade determinada. O método é, portanto, uma concepção intelectual que coordena um conjunto de técnicas. Entre as principais técnicas utilizadas na investigação sociológica figuram as entrevistas, as experiências de grupo, as histórias de vida ou de caso e os formulários ou questionários, que podem ser de tipo fechado, que oferecem alternativas prévias de resposta, ou aberto, que permitem ao entrevistado uma liberdade maior de expressão. Tais técnicas não são necessariamente excludentes, pois permitem a utilização simultânea e complementar. Principais
correntes
sociológicas.
De
acordo
com
as
classificações geralmente aceitas, são cinco as correntes principais da sociologia: organicismo positivista, teorias do conflito, formalismo, behaviorismo social e funcionalismo. Organicismo
positivista.
Primeira
construção
teórica
importante surgida na sociologia, nasceu da hábil síntese que Comte fez do
organicismo
e
do
positivismo,
duas
tradições
intelectuais
contraditórias. O organicismo representa uma tendência do pensamento que constrói sua visão do mundo sobre um modelo orgânico e tem origem na filosofia idealista.
O positivismo, que fundamenta
a
interpretação do mundo exclusivamente na experiência, adota como ponto de partida a ciência natural e tenta aplicar seus métodos no exame dos fenômenos sociais. Assim, os primeiros conceitos da nova disciplina foram elaborados de acordo com analogias orgânicas, três das quais são fundamentais para a compreensão dessa corrente sociológica: (1) o conceito teleológico da natureza, que implica uma postura fatalista, já A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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que as metas a serem alcançadas estão predeterminadas, o que impede qualquer tentativa de alterá-las; (2) a idéia segundo a qual a natureza, a sociedade e todos os demais conjuntos existentes perdem vida ao serem analisados e por isso não se deve intervir em tais conjuntos. Essa noção leva, em conseqüência, à adoção de uma atitude de laissez-faire; e (3) a crença de que a relação existente entre as diversas partes que compõem a sociedade é semelhante à relação que guardam entre si os órgãos de um organismo vivo. Os fundadores da nova disciplina adaptaram essa síntese ao ambiente social e intelectual de seus países: Auguste Comte, na França, Herbert Spencer, no Reino Unido, e Lester Frank Ward, nos Estados Unidos. Os três eram partidários da divisão da sociologia em duas grandes
partes,
estática
e
dinâmica,
embora
tenham
atribuído
importância maior à primeira. Algumas diferenças profundas, porém, marcaram seus pontos de vista. Comte propôs, para o estudo dos fenômenos sociais, o método positivo, que exige a subordinação dos conceitos aos fatos e a aceitação da idéia segundo a qual os fenômenos sociais estão sujeitos a leis gerais, embora admita que as leis que governam os fenômenos sociais são menos rígidas do que as que regulamentam o biológico e o físico. Comte dividiu a sociologia em duas grandes áreas, a estática, que estuda as condições de existência da sociedade, e a dinâmica, que estuda seu movimento contínuo. A principal característica da estática é a ordem harmônica, enquanto a da dinâmica é o progresso, ambas intimamente relacionadas. O fator preponderante do progresso é o desenvolvimento das idéias, mas o crescimento da população e sua densidade também são importantes. Para evoluir, o indivíduo e a
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sociedade devem atravessar três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. Comte não aceitou o método matemático e propôs a utilização da observação, da experimentação, da comparação e do método histórico. Para Comte, a sociedade era um organismo no qual a ordem não se realiza apenas automaticamente; é possível estabelecer uma ordem planejada, baseada no conhecimento das leis sociais e de sua aplicação racional a problemas e situações concretas. Spencer, o segundo grande pioneiro, negou a possibilidade de atingir o progresso pela interferência deliberada nas relações entre o indivíduo e a sociedade. Para ele, a lei universal do progresso é a passagem da homogeneidade para a heterogeneidade, isto é, a evolução se dá pelo movimento das sociedades simples (homogêneas), para os diversos níveis das sociedades compostas (heterogêneas). Individualista e liberal, partidário do laissez-faire, Spencer deu mais ênfase às concepções evolucionistas e usou com largueza analogias orgânicas. Distinguiu três sistemas principais: de sustentação, de distribuição e regulador. As instituições são as partes principais da sociedade, isto é, são os órgãos que compõem os sistemas. Seu individualismo expressouse numa das diferenças que apontou: enquanto no organismo as partes existem em benefício do todo, na sociedade o todo existe apenas em benefício do individual. Ward compartilhou das idéias de Spencer e Comte mas não incorreu em seus extremos -- individualismo e conservadorismo utópico. Deu grande ênfase, porém, ao aperfeiçoamento das condições sociais pela aplicação de métodos científicos e a elaboração de planos racionais, concebidos segundo uma imagem ideal da sociedade.
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Depois da fase dos pioneiros, surgiu o chamado período clássico do organicismo positivista, caracterizado por uma primeira etapa, em que a biologia exerceu influência muito forte, e uma segunda etapa em que predominou a preocupação com o rigor metodológico e com a objetividade da nova disciplina. O organicismo biológico, inspirado nas teorias de Charles Darwin, considerava a sociedade como um organismo biológico em sua natureza, funções, origem, desenvolvimento e variações. Segundo essa corrente, praticamente extinta, o que é válido para os organismos é aplicado aos grupos sociais. A segunda etapa clássica do organicismo positivista, também chamada de sociologia analítica, foi marcada por grandes preocupações metodológicas e teve em Ferdinand Tönnies, Émile Durkheim e Robert Redfield seus expoentes máximos. Para Tönnies, a sociedade e as relações humanas são fruto da vontade humana, manifesta nas interações. O desenvolvimento dos atos individuais permite o surgimento de uma vontade coletiva. A Tönnies
deve-se
a
distinção
fundamental
entre
"sociedade"
e
"comunidade", duas formas básicas de grupos sociais que surgem de dois tipos de desejo, o natural e o racional. Segundo Tönnies, não são apenas tipos de grupos mas também etapas genéticas -- a comunidade evolui para a sociedade. O núcleo organicista da obra de Durkheim encontra-se na afirmação segundo a qual uma sociedade não é a simples soma das partes que a compõem, e sim uma totalidade sui generis, que não pode ser diretamente afetada pelas modificações que ocorrem em partes isoladas. Surge assim o conceito de "consciência coletiva", que se impõe aos indivíduos. Para Durkheim, os fatos sociais são "coisas" e como tal devem ser estudados. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Provavelmente o sociólogo que mais se aproximou de uma teoria sistemática, Durkheim deixou uma obra importante também do ponto de vista metodológico, pela ênfase que deu ao método comparativo, segundo ele o único capaz de explicar a causa dos fenômenos sociais, e pelo uso do método funcional. Afirmou que não basta encontrar a causa de um fato social; é preciso também determinar a função que esse fato social vai preencher. Sociólogos posteriores, como Marcel Mauss, Claude Lévi-Strauss e Mikel Duffrenne, retomaram de forma atenuada o realismo sociológico de Durkheim. Um dos principais teóricos do organicismo positivista, Redfield analisou a diferença existente entre as sociedades consideradas em sua totalidade e sugeriu a utilização da dicotomia sagrado/secular. Em suas análises utilizou, de forma mais avançada e profunda, a grande tipologia
do
organicismo
positivista
clássico,
basicamente
sociedade/comunidade, e suas diversas configurações. Teorias
do
conflito.
Segunda
grande
construção
do
pensamento sociológico, surgida ainda antes que o organicismo tivesse alcançado sua maturidade, a teoria do conflito conferiu à sociologia uma nova dimensão da realidade. A partir de seus pressupostos, o problema das origens e do equilíbrio das sociedades perdeu importância diante dos significados atribuídos aos mecanismos de conflito e de defesa dos grupos e da função de ambos na organização de formas mais complexas de vida social. O grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio de forças e não mais como uma relação harmônica entre órgãos, nãosuscetíveis de interferência externa. Antes mesmo de ser adotada pela sociologia, a teoria do conflito já havia obtido resultados de grande importância em outras áreas que não as especificamente sociológicas. É o caso, por exemplo, da A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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história; da economia clássica, em especial sob a influência de Adam Smith e Robert Malthus; e da biologia nascida das idéias de Darwin sobre a origem das espécies. Dentro dessas teorias, cabe destacar o socialismo marxista, que representava uma ideologia do conflito defendida em nome do proletariado, e o darwinismo social, representação da ideologia elaborada em nome das classes superiores da sociedade e baseada na defesa de uma política seletiva e eugênica. Ambas enriqueceram a sociologia com novas perspectivas teóricas. Os principais teóricos do darwinismo social foram o polonês Ludwig Gumplowicz, que explicava a evolução sociocultural mediante o conflito entre os grupos sociais; o austríaco Gustav Ratzenhofer, que utilizou a noção do choque de interesses para explicar a formação dos processos sociais; e os americanos William Graham Sumner e Albion Woodbury Small, para os quais a base dos processos sociais residia na relação entre a natureza, os indivíduos e as instituições. O darwinismo social assumiu conotações claramente racistas e sectárias. Entre suas premissas estão a de que as atividades de assistência e bem-estar social não devem ocupar-se dos menos favorecidos socialmente porque estariam contribuindo para a destruição do potencial biológico da raça. Nesse sentido, a pobreza seria apenas a manifestação de inferioridade biológica. Formalismo. A terceira corrente teórica do pensamento sociológico, que definiu a sociologia como o estudo das formas sociais, independente de seu conteúdo, legou à sociologia um detalhado estudo sobre os acontecimentos e as relações sociais. Para o formalismo, as comparações devem ser feitas entre as relações que caracterizam qualquer sociedade ou instituição, como, por exemplo, as relações entre marido e mulher ou entre patrão e empregado, e não entre sociedades A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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globais, ou entre instituições de diferentes sociedades. O interesse pela comparação entre relações permitiu à sociologia alcançar um nível mais amplo de generalização e conferiu maior importância ao indivíduo do que às sociedades globais. Essa segunda característica abriu caminho para o surgimento da psicologia social. Os dois ramos principais dessa corrente são o formalismo neokantiano e o fenomenológico. O primeiro, baseado na divisão kantiana do conhecimento dos fenômenos em duas classes -- o estudo das formas, consideradas a priori como certas, e dos conteúdos, que seriam apenas contingentes -- teve grandes teóricos nos alemães Georg Simmel, interessado em determinar as condições que tornam possível o surgimento da sociedade, e Leopold von Wiese, que renovou a divisão kantiana entre forma e conteúdo quando a substituiu pela idéia de relação. Em oposição à interpretação positivista e objetiva do formalismo kantiano, o ramo fenomenológico contribuiu com uma perspectiva subjetivista. Concentrou-se não nas formas ou relações que a priori determinam o surgimento de uma sociedade e sim nas condições sociopsicológicas que a tornam possível. Tem grande importância, portanto, o estudo dos dados cognitivos, isto é, das essências que podem ser diretamente intuídas, para cuja análise o filósofo alemão Edmund Husserl propôs um método de redução a fim de alcançar diversos níveis de profundidade. Behaviorismo
social.
Surgida
entre
1890
e
1910,
o
behaviorismo social se dividiu em três grandes ramos -- behaviorismo pluralista, interacionismo simbólico e teoria da ação social -- e legou à sociologia
preciosas
contribuições
metodológicas.
O
behaviorismo
pluralista, formado a partir da escola de imitação-sugestão representada A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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pelo francês Gabriel Tarde, centralizou-se na análise dos fenômenos de massas e atribuiu grande importância ao conceito de imitação para explicar os processos e interações sociais, entendidos como repetição mecânica de atos. Os americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead e Charles Wright Mills são alguns dos teóricos do interacionismo simbólico que, ao contrário do movimento anterior, centralizou-se no estudo do eu e da personalidade, assim como nas noções de atitude e significado para explicar os processos sociais. O alemão Max Weber foi o expoente máximo do terceiro movimento do behaviorismo, a teoria da ação social. Com seu original método de "construção de tipos sociais", instrumento de análise para estudo de situações e acontecimentos históricos concretos, exerceu poderosa influência sobre numerosos sociólogos posteriores. Funcionalismo. A reformulação do conceito de sistema foi o centro de todas as interpretações que constituem a contribuição do funcionalismo, última grande corrente do pensamento sociológico e integrada por dois importantes ramos: o macrofuncionalismo, derivado do organicismo sociológico e da antropologia, e o microfuncionalismo, inspirado nas teorias da escola psicológica da Gestalt e no positivismo. Entre os adeptos do funcionalismo estão os antropólogos culturais Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown. O macrofuncionalismo se caracteriza pela unidade orgânica que considera fundamental: os esquemas em larga escala. Foi o italiano Vilfredo Pareto quem permitiu a transição entre o organicismo e o funcionalismo, quando concebeu o conceito de sistema, conferindo-lhe correta formulação abstrata. A forma da sociedade, segundo ele, é determinada pela interação entre os elementos que a compõem e a A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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interação desses elementos com o todo, o que implica a existência de uma determinação recíproca entre diversos elementos: a introdução de qualquer mudança provoca uma reação cuja finalidade é a recuperação do estado original (noção de equilíbrio sistêmico). O microfuncionalismo desenvolveu-se na área de análise dos grupos em sua dinâmica e não na área do estudo da sociedade como um sistema. O americano Kurt Lewin, com a teoria sobre os "campos dinâmicos", conjuntos de fatos físicos e sociais que determinam o comportamento de um indivíduo na sociedade, abriu novos caminhos para o estudo dos grupos humanos. COMO SURGIU A SOCIOLOGIA? A sociologia, ciência que tenta explicar a vida social, nasceu de uma mudança radical da sociedade, resultando no surgimento do capitalismo. O século XVIII foi marcado por transformações, fazendo o homem analisar a sociedade, um novo "objeto" de estudo. Essa situação foi gerada pelas revoluções industrial e francesa, que mudaram completamente o curso que a sociedade estava tomando na época. A Revolução Industrial, por exemplo, representou a consolidação do capitalismo, uma nova forma de viver, a destruição de costumes e instituições, a automação, o aumento de suicídios, prostituição e violência, a formação do proletariado, etc. Essas novas existências vão, paulatinamente, modificando o pensamento moderno, que vai se tornando racional e científico, substituindo as explicações teológicas, filosóficas e de senso comum.
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Na Revolução Francesa, encontra-se filósofos a fim de transformar a sociedade, os iluministas, que também objetivavam demonstrar a irracionalidade e as injustiças de algumas instituições, pregando a liberdade e a igualdade dos indivíduos que, na verdade, descobriu-se mais tarde que esses eram falsos dogmas. Esse cenário leva à constituição de um estudo científico da sociedade. Contra a revolução, pensadores tentam reorganizar a sociedade, estabelecendo ordem, conhecendo as leis que regem os fatos sociais. Era o positivismo surgindo e, com ele, a instituição da ciência da sociedade. Tal movimento revalorizou certas instituições que a revolução francesa tentou destruir e criou uma "física social", criada por Comte, "pai da sociologia". Outro pensador positivista, Durkheim, tornou-se um grande teórico desta nova ciência, se esforçando para emancipa-la como disciplina científica. Foi dentro desse contexto que surgiu a sociologia, ciência que, mesmo antes de ser considerada como tal, estimulou a reflexão da sociedade moderna colocando como "objeto de estudo" a própria sociedade, tendo como principais articuladores Auguste Comte e Émile Durkheim. Sociologia A partir do momento em que um ser humano aceita o acordo de viver e trabalhar em comum com outros seres humanos, passa a fazer parte de uma sociedade. As sociedades humanas podem ser muito diversificadas: abrangem uma gama ampla que varia desde as mais simples, que sobrevivem até a atualidade no interior remoto de florestas e desertos quase inacessíveis, até as mais complexas, como as que A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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existem nos países de grande prosperidade econômica e múltiplas manifestações culturais. Nas sociedades mais simples, que se acham em avançado processo de extinção, um grupo reduzido de pessoas enfrenta o mundo utilizando meios tecnológicos muito primitivos e apoiando-se em instituições sociais de extrema singeleza. As sociedades mais complexas têm características opostas. Entre elas encontram-se as diversas sociedades nacionais e, no grau máximo de complexidade, acha-se a sociedade global, planetária, que tem adquirido um perfil cada vez mais nítido nas últimas décadas do século XX. Nessa época, a sociedade global mostrava-se como uma realidade que, embora incompleta, englobava praticamente a totalidade dos seres humanos numa rede muito técnica e rica de relações interpessoais, que abrangem desde os códigos do direito civil às convenções internacionais de saudação entre estranhos de diferentes nacionalidades que partilham um mesmo elevador; desde o respeito aos sinais de trânsito e a observância dos códigos telefônicos até os tratados internacionais políticos, comerciais ou culturais. Apesar da evidência dessa realidade, continuava-se a considerar a sociedade nacional como a sociedade complexa por excelência, à qual se atribuía, provavelmente por inércia, uma importância excessiva, ignorando o fato óbvio de que a sociedade global ganhava a cada dia mais coesão, independentemente das resistências que os antigos interesses nacionalistas opunham a sua consolidação e apesar da imensa pluralidade de interesses, vivências, hábitos e visões culturais e religiosas de seus elementos constituintes. A sociologia é a ciência que estuda o homem como ser social. O objeto dessa ciência é, portanto, o comportamento social A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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humano. A sociologia analisa, por sua natureza, as causas e os efeitos das relações entre indivíduos e grupos de indivíduos, como membros de uma mesma sociedade. Evolução histórica da sociologia Assim que o ser humano começou a refletir sobre o mundo que o cercava, sem dúvida teve que observar que vivia junto com outros indivíduos, partilhando com eles trabalhos e alimentos, formando famílias, clãs e tribos em cujo interior cada pessoa desempenhava um papel determinado, definido por sua idade, sexo, relações de parentesco, trabalho etc. A reflexão sobre as formações sociais humanas, portanto, ocorreu em momento bastante
precoce
da vida
inteligente da
humanidade. No decorrer da história, os pensadores enfocaram o tema social em todas as épocas, a partir de pontos de vista muito diversos: analisando, recolhendo conhecimentos anteriores e reestudando-os à luz de novas interpretações ou teorizando sobre especificidades políticas, jurídicas, filosóficas, históricas e demográficas das diversas sociedades. Mas a sociologia, como ciência da sociedade, surgiria apenas depois de muitos séculos. A palavra "sociologia" é de criação relativamente recente. Em sua concepção moderna, a sociologia deve seu nome a Auguste Comte, que o empregou pela primeira vez na década de 1830. A filosofia clássica grega produziu reflexões sobre a natureza e os fins da sociedade. Platão e Aristóteles dedicaram boa parte de sua vida e obra ao estudo da estrutura e funcionamento da sociedade na qual viveram. Platão até mesmo se permitiu projetar uma formação social utópica que considerava perfeita e chegou a fazer algumas tentativas fracassadas de pô-la em prática. É de Aristóteles a famosa definição do homem como "animal social". Filósofos helênicos, doutores da Igreja Católica, teólogos e pensadores medievais, europeus e A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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muçulmanos, juristas e geógrafos, todos contribuíram para a criação e o desenvolvimento de um rico acervo de pensamento social ao longo de mais de vinte séculos. A partir do Renascimento, e muito especialmente no período do Iluminismo, diversos autores europeus aproximaram-se aos poucos e cada vez mais do pensamento propriamente sociológico, a partir de análises políticas, históricas ou de natureza jurídica ou econômica. As ciências experimentais começavam a progredir solidamente e nasceu a aspiração de introduzir a utilização do método ciêntífico nas ciências humanas. No começo do século XIX, Henri de Saint-Simon defendeu a criação de uma consciência positiva que estudasse os fenômenos sociais. Mas o criador do termo "sociologia" haveria de ser um de seus discípulos, Auguste Comte, um dos fundadores da sociologia científica. Desde sua origem, a sociologia se nutriu, portanto, de contribuições de personalidades que, em princípio, obedeciam a impulsos de índole política, como é o caso de John Locke ou Jean-Jacques Rousseau, e de critérios tomados de empréstimo a outras áreas do saber, como os demográficos, de que Thomas Malthus é um exemplo, e os econômicos, como fez Adam Smith. Comte e os "fundadores": Durkheim, Weber e Pareto A sociologia chegou à maioridade no período que abrangeu as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Três grandes autores foram os principais responsáveis pelo crescimento e consolidação da nova ciência: o francês Émile Durkheim, o alemão Max Weber e o italiano Vilfredo Pareto. Durkheim é tido como fundador da sociologia moderna. Foi o criador e incentivador da principal escola sociológica de seu tempo e seu magistério doutrinário e metodológico ainda se estende sobre a produção sociológica de autores do mundo A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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inteiro um século depois do surgimento de sua obra capital, As regras do método sociológico. Pareto chegou ao domínio da sociologia a partir de uma disciplina muito próxima, a economia, e Weber desbravou os caminhos do conhecimento próprios das ciências humanas, que nem sempre coincidem com os utilizados habitualmente nas ciências experimentais. Desde seus primórdios, o saber sociológico progrediu em direções muito distintas e formaram-se escolas muito diversas. As tendências do pensamento humanístico geral se incorporaram às teorias sociológicas, impondo "modismos" científicos, como o evolucionismo e o psicologismo, que deram lugar a interpretações muitas vezes grosseiras, forçadas e parciais dos fatos sociais. Assim, por exemplo, as teorias do evolucionismo, originalmente estabelecidas nas ciências biológicas, não tardaram a ser aplicadas às realidades sociais. Tais colaborações desfrutaram de certo prestígio, durante algum tempo, entre os indivíduos mais radicalmente tradicionalistas e sectários. As contribuições e progressos doutrinários e práticos adotados por escolas sociológicas se viram afetados profundamente pelas distintas concepções políticas, econômicas e filosóficas sobre o ser humano e suas construções sociais imperantes em cada época e lugar. Sociologia contemporânea Ao contrário da tendência generalizada entre os sociólogos europeus, voltada para a elaboração de grandes sistemas teóricos para explicar o conjunto dos fenômenos sociais ou pelo menos os fenômenos correspondentes a extensos setores da vida social, a obra dos sociólogos americanos foi desde o começo orientada para a prática, dotada de grande concretude nos temas tratados e capaz de efetuar uma análise minuciosa e exaustiva, baseada no estudo direto, de fatos e temas A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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específicos. A sociologia empírica, que fez grandes progressos nos Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, alcançou o apogeu na Europa ocidental depois da segunda guerra mundial. Com referência ao empirismo dominante em todo o mundo nos
estudos
sociológicos,
difundiram-se
frases
pretensamente
engraçadas, como a que diz que "um sociólogo é um cientista que gasta cada vez mais dinheiro para estudar segmentos cada vez mais irrelevantes na realidade social". Brincadeiras à parte, na segunda metade do século XX o trabalho dos sociólogos foi dominado, sem dúvida, pelas tendências empíricas. Apesar disso, outras antigas escolas sociológicas continuavam ativas nas últimas décadas do século. A nota mais destacada do progresso sociológico talvez tenha sido a fragmentação da sociologia em numerosas ciências especializadas: é comum falar de sociologia do trabalho, da marginalização, da vida cotidiana, da religião, sociologia eleitoral, sociologia das organizações e outras. Mais ainda, a tendência que a sociologia empírica mostra para a realização de pesquisas, das quais se extraem dados em grande número, obrigou os sociólogos a utilizar com freqüência as estatísticas em seus trabalhos. A popularização do uso do computador encontrou na análise de dados sociológicos uma de suas aplicacões mais prósperas e consistentes. A sociologia no contexto das ciências humanas Como sucede com as demais ciências humanas, o domínio de estudo da sociologia apresenta muitas coincidências com o de outras disciplinas. A sociedade, as relações sociais e a troca social podem ser estudadas de pontos de vista propriamente sociológicos, mas também podem sê-lo em suas características econômicas, antropológicas, psicológicas etc. Por isso, não podem ser inteiramente dissociados os A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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enfoques de caráter propriamente sociológico daqueles adotados por outras ciências afins que complementam sempre o trabalho do sociólogo. Os autores antigos tinham uma visão predominantemente política da sociedade, já que consideravam-na como produto de uma união de vontades. Para o sociólogo moderno, no entanto, a concepção de sociedade é mais complexa e se dá dentro de uma abordagem organicista: considera-se que ela funciona de acordo com uma lógica que lhe é própria. A sociedade se compõe de grupos distintos de indivíduos: percebemos em seu interior membros muito diferentes por sua idade, trabalho, posses, poder que detêm sobre os demais, tipo físico, características raciais e outras inúmeras manifestações da diversidade humana. Uma sociedade complexa, como as atuais sociedades nacionais, compõe-se de grande variedade de grupos humanos, formados de maneiras muito diversas: grupos raciais, econômicos, de poder etc. Um mesmo ser humano pode pertencer a vários desses grupos, entre os quais as relações são complexas e se acham sempre em equilíbrio dinâmico e cambiante. Uma das divisões em grupos da sociedade que mais gerou controvérsias no decorrer da história ainda breve da sociologia refere-se às classes sociais. Enquanto alguns autores negam até mesmo sua existência, outros baseiam na mecânica das classes sociais sua concepção global da sociedade e seus mecanismos, sua evolução histórica e seu futuro. Mudança social As sociedades não são permanentes. No decorrer da história existiram formações sociais nas quais as mudanças, em muitas épocas, foram imperceptíveis. Assim, prolongados períodos da história do Egito A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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faraônico parecem, do ponto de vista do observador atual, ter sido presididos por uma estrutura social estática, sem mudanças, invariável em suas forças e componentes institucionais internos. No entanto, mesmo as sociedades mais conservadoras e aparentemente imutáveis experimentaram sempre tensões e movimentos de mudanças em seu interior, que no final conseguiram transformar os alicerces sociais. Se essa afirmação é verdadeira em relação às sociedades da antiguidade, aplica-se com maior rigor ainda às sociedades contemporâneas, nas quais o extraordinário progresso impôs um ritmo de transformação e de surgimento e desencadeamento de novos problemas internos, gerou tensões e reforçou fatores de mudança social com uma intensidade jamais conhecida em outras etapas históricas. Tornou-se lugar-comum afirmar que a sociedade atual está em crise. Entretanto, apesar de trivial e repetitiva, essa afirmação não é menos verdadeira. A sociedade do terceiro milênio é com certeza mais aberta às transformações, e as forças que a impulsionam a mudar são mais poderosas do que as que existiram em qualquer outro momento da história. O progresso tecnológico influiu poderosamente sobre as mudanças sociais em nível mundial, mas suas conseqüências não têm sido as mesmas em todas as sociedades, nem os processos tiveram a mesma intensidade. Assim, o desenvolvimento econômico parece estar fortemente enraizado, de forma irreversível, nos países industrializados e mais ricos, nos quais, apesar de ocasionais crises econômicas, o avanço é quase contínuo. Muitas sociedades mais pobres do Terceiro Mundo, pelo contrário, experimentam grandes dificuldades para encontrar o caminho do progresso.
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As causas que provocam um grau diferente de mudança social entre as diversas sociedades são muito complexas. Basta no entanto apenas um exemplo para mostrar o nível diferente de impacto que um aperfeiçoamento tecnológico pode ter, de acordo com o tipo de formação social sobre o qual incida. O surgimento dos antibióticos aumentou a duração e a qualidade da vida nos países industrializados; quando seu emprego se generalizou nas sociedades subdesenvolvidas, o grande número de vidas humanas que tais medicamentos salvaram originou
como
reação
problemas
adicionais
às
dificuldades
de
alimentação e emprego que as massas humanas desses países sofrem devido à explosão demográfica que contribuíram para criar. Assim, pois, a conformação de uma sociedade, seus recursos e organização interna podem originar, para as mesmas causas, efeitos de mudança social muito diferentes. Uma sociedade ingressa numa dinâmica intensa de mudança social quando os laços tradicionais que seus componentes mantêm entre si, sejam eles representados por instituições econômicas, religiosas ou culturais, se enfraquecem a tal ponto que os indivíduos se mostram dispostos a construir novas relações, adotar outras instituições e modificar seu modo de vida e sua conduta. São perceptíveis, em todos os países modernos, as mudanças na estrutura familiar, na forma com que as crenças se materializam na prática religiosa, na estrutura ideológica dominante e, muito particularmente, na realidade econômica. Um processo muito intenso de mudanças sociais teve lugar, no final do século XX, na quase totalidade do mundo. Movimentos ideológicos de transformação social A consciência de que a organização social, num momento dado, não é a melhor possível, isto é, que não proporciona o máximo de A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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bem-estar e de possibilidades de auto-realização aos componentes da sociedade, é comum a todos os períodos históricos. Entretanto, parece ter se tornado mais aguda a partir do momento em que a revolução industrial despertou nos homens a idéia de "progresso", isto é, a concepção de que a sociedade é um todo dinâmico, em permanente transformação, e que os recursos materiais de que dispõe aumentam de forma indefinida, possibilitando maior bem-estar aos seres humanos e um aperfeiçoamento contínuo da sociedade. A noção de "progresso", ao se incorporar à ideologia dos europeus a partir do século XVIII, levou-os a repelir as idéias, antes dominantes, de estratificação social, de que as injustiças são inevitáveis, de convivência perpétua com a escassez, da pobreza ixexorável da maior parte dos seres humanos. A industrialização demonstrou que, do ponto de vista material, era possível construir "o paraíso na Terra" e evitar de forma permanente a escassez e a fome. Não foi sem tensões que a idéia de uma sociedade mais justa e equitativa se plasmou paulatinamente na realidade. De fato, em qualquer progresso social produzem-se desajustes e injustiças. A rápida evolução da sociedade industrializada provocou uma série de conflitos, nos quais certas camadas sociais reivindicaram
-- e algumas vezes
conquistaram -- novos e melhores níveis de qualidade de vida. A história recente da maior parte das sociedades contemporâneas encerra um ou mais movimentos revolucionários, que em alguns casos ameaçaram romper o tecido social e implantar condições radicalmente novas de relacionamento entre pessoas e classes sociais. Sociedade atual O intenso processo de mudança social que se iniciou na Europa há vários séculos continua em fermentação. As atuais sociedades A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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desenvolvidas -- última etapa, por enquanto, desse processo de mudança social -- têm características muito positivas em alguns casos: extensão generalizada da alfabetização, previdência social universal, média elevada de duração da vida, incorporação da mulher ao mercado de trabalho e a outras atividades sociais em desvantagem cada vez menor em relação ao homem, estabilidade social e econômica no caso dos países de "capitalismo avançado" e bem-estar material de amplas camadas sociais. Entretanto,
em
sua
complexidade,
as
sociedades
desenvolvidas se revestem também de características que não podem deixar de ser consideradas negativas. Uma delas é que, embora englobem apenas uma parcela minoritária da humanidade, as sociedades desenvolvidas, em função precisamente das necessidades de seu desenvolvimento ou da tecnologia de que dispõem, detêm a quase exclusividade da exploração dos recursos naturais do planeta. Essa situação ocorre em detrimento daquelas sociedades que possuem tais recursos, mas carecem dos meios de se beneficiarem deles. No final do século XX, o modelo econômico e social a que aspirava a maioria dos habitantes do planeta era, em linhas gerais, representado pelos países capitalistas mais desenvolvidos. Entretanto, as sociedades mais ricas tentam encontrar soluções para os problemas que surgiram em seu interior, como a delinqüência, a violência urbana, o uso de drogas, a marginalização de amplos setores, o racismo, o consumismo descontrolado e a falta de solidariedade social. Embora a "mão invisível" do sistema de mercado tenha demonstrado sua eficácia para a conquista do crescimento econômico ao longo de muitas décadas, tem ainda que oferecer soluções melhores para o problema global que se apresenta com intensidade cada vez maior: a limitação das reservas dos recursos de toda ordem: matérias-primas, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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energia, espaço, alimentos, atmosfera, água potável etc. Outro grave problema para o qual o sistema social não soube ainda oferecer solução plenamente satisfatória é o da acelerada automação e robotização, que dispensa cada vez maiores contingentes de mão-de-obra humana. As sociedades desenvolvidas, porém, baseiam grande parte da justificação da existência humana no trabalho. Como tornar compatível a escassez do trabalho com a necessidade psicológica, social, ideológica, econômica e moral que dele sente o indivíduo é um tema no qual as sociedades modernas começam a dar os primeiros passos, encaminhando-se para um mundo no qual exista um equilíbrio entre trabalho e lazer. As sociedades pouco desenvolvidas, nas quais o sistema produtivo é ineficiente e as estruturas sociais em grande parte ainda estão por se modernizar, sofrem também de modo peculiar os problemas próprios das sociedades ricas mas, sobretudo, enfrentam dificuldades ainda maiores advindas das desigualdades sociais que provocam grande instabilidade interna e dificultam o funcionamento democrático das instituições políticas. Muitas dessas sociedades se encontram divididas em duas partes distintas: uma minoria modernizada e uma maioria na qual predominam as atitudes e modos de vida tradicionais. Em alguns casos o panorama negativo se complementa com a fome generalizada, a incapacidade de deslanchar o processo de crescimento econômico, a superpopulação e muitos outros problemas de extrema gravidade. O processo de modernização econômica, por ser incompleto, provoca grandes problemas sociais, como a superpopulação das cidades. Se a migração de camponeses para os grandes centros urbanos constitui sintoma revelador de modernização social, já que pressupõe que grandes contingentes da população se inserem nos circuitos econômicos modernos e se desligam de seus condicionantes ideológicos tradicionais, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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a incapacidade das grandes cidades de absorvê-los cria por sua vez subculturas pré-modernas, marginalização, desvinculação dos laços com o resto da sociedade e delinqüência. O controle das doenças infecciosas, desvinculado de uma mudança na ideologia tradicional favorável a uma alta taxa de natalidade ("ter muitos filhos para que pelo menos um sobreviva"), provoca uma explosão demográfica que uma economia raquítica, lenta em seu ritmo de expansão, não tem condições de absorver. Esses e muitos outros problemas caracterizam a maior parte das sociedades pobres e o otimismo que imperava no meado do século XX a respeito de sua pronta solução não se confirmou nos anos posteriores.
Apesar
desse
quadro
negativo,
algum
avanço
foi
conquistado. No fim da década de 1980, as taxas de crescimento populacional começaram a diminuir em muitas regiões do mundo, enquanto grandes países asiáticos antes identificados com a fome, como a Índia e a China, pareciam ter superado esse problema. No tratamento dos diversos problemas das sociedades atuais, o trabalho do sociólogo e a contribuição das teorias sociológicas adquiriram uma importância crescente. Embora não existam medidas seguras ou receitas aplicáveis a qualquer caso, os governos podem, mediante técnicas sociológicas, intervir em diferentes áreas da vida social. Essas técnicas de intervenção tiveram progresso especial nos setores da publicidade e da opinião pública, que servem para orientar e conhecer as preferências de consumo e as tendências ideológicas. Até aqui foram abordadas algumas especificidades da sociologia, assim como uma visão do mundo atual, contemplado de um ponto de vista sociológico. Mas os fenômenos humanos que podem ser objeto de estudo da sociologia são muito numerosos e diversos. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Os fenômenos humanos e a sociologia A sociologia é pois uma forma de abordar o mundo, que privilegia certos aspectos e despreza outros, ou seja, seleciona da realidade o objeto de seu interesse, da forma mais adequada para esta ou aquela finalidade. Encara as pessoas não do ponto de vista de sua especificidade, mas como atores de relações sociais, que desempenham certos papéis movidos por certos elementos motivadores. As relações sociais, por sua vez, podem ser entendidas de maneiras distintas, de acordo com o propósito do estudioso: seja no contexto das classes entre as quais se estabelecem, seja em âmbitos mais restritos, núcleos menores ou microcosmos que se definem dentro da realidade mais ampla da sociedade global. Do que foi dito se deduz, assim, que um traço característico que define com maior rigor os estudos sociológicos é precisamente a grande diversidade de enfoques e contribuições que se estabelecem em seu âmbito. O principal desafio para o sociólogo é portanto a delimitação de meios de observação e gestão para compreender uma área concreta das sociedades.
Max Weber As teorias de Weber não se identificam com nenhuma corrente de pensamento de sua época nem se encontram perfeitamente sistematizadas numa grande obra. Seu pensamento, no entanto, aparece como uma verdadeira síntese da tradição científica e filosófica da Alemanha moderna, pois resgata o melhor da metodologia e dos conceitos já formulados para propor uma ciência social em que os
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múltiplos
fatores
se
encontram
relacionados
e
se
explicam
reciprocamente. Max Weber nasceu em Erfurt, Prússia, em 21 de abril de 1864. Filho de um grande industrial, estudou nas universidades de Heidelberg, Berlim e Göttingen. O prestígio obtido graças a seus primeiros escritos valeu-lhe, em 1895, a nomeação como professor de economia política na Universidade de Freiburg e, no ano seguinte, em Heidelberg. Uma doença nervosa obrigou-o a abandonar o ensino e o manteve inativo entre 1898 e 1903. A partir de 1904, Weber dirigiu a influente revista Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Arquivo de Sociologia e de Política Social), na qual publicou diversos ensaios que definiam sua concepção do método sociológico como reflexão sobre os modelos básicos, ou "idéiastipo", que regem os comportamentos sociais. Foi nessa revista que publicou
também
sua
obra
mais
conhecida
e
polêmica,
Die
protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus (1904-1905; A ética protestante e o espírito do capitalismo), que vincula o nascimento do capitalismo à doutrina calvinista da predestinação e à conseqüente interpretação do êxito material como garantia da graça divina. Essa tese seria ampliada mais tarde em Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen (1915; A ética econômica das religiões universais), conformando o primeiro estudo interdisciplinar na história das ciências sociais, em que Weber sintetiza pesquisas de história das religiões e história econômica. De volta ao ensino universitário em 1918, Weber participou, depois de terminada a primeira guerra mundial, da elaboração da constituição da república de Weimar. A intensa atividade pública de seus últimos anos não o impediu de escrever. Entre os seus textos de publicação póstuma destacam-se os que foram reunidos em Gesammelte A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Aufsätze zur Religionssoziologie (1921; Estudos reunidos sobre a sociologia das religiões) e, sobretudo, em Wirtschaft und Gesellschaft (1922; Economia e sociedade). Max Weber morreu em Munique, em 14 de junho de 1920. Karl Marx O pensamento de Karl Marx mudou radicalmente a história política da humanidade. Inspirada em suas idéias, metade da população do mundo empreendeu a revolução socialista, na intenção de coletivizar as riquezas e distribuir justiça social. Karl Heinrich Marx nasceu em Trier, na Renânia, então província da Prússia, em 5 de maio de 1818. Primeiro dos meninos entre os nove filhos de uma família judaico-alemã, foi batizado numa igreja protestante, de que o pai, advogado bem-sucedido, se tornara membro, provavelmente para garantir respeitabilidade social. Depois de estudar em sua cidade natal, em 1835 Marx ingressou na Universidade de Bonn, onde participou da luta política estudantil. Na Universidade de Berlim, para a qual se transferiu em 1836, começou a estudar a filosofia de Hegel e juntou-se ao grupo dos jovens hegelianos. Tornou-se membro de uma sociedade formada em torno do professor de teologia Bruno Bauer, que considerava os Evangelhos
narrativas
fantásticas
suscitadas
por
necessidades
psicológicas. Com uma posição política que se identificava cada vez mais com a esquerda republicana, Marx em 1841 apresentou sua tese de doutorado, em que analisava, na perspectiva hegeliana, as diferenças entre os sistemas filosóficos de Demócrito e de Epicuro. Nesse mesmo ano concebeu a idéia de um sistema que combinasse o materialismo de A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Ludwig Feuerbach com o idealismo de Hegel. Passou a colaborar no jornal Rheinische Zeitung, de Colônia, cuja direção assumiu em 1842. No ano seguinte, Marx casou-se com Jenny von Westphalen e, logo após, sua publicação foi fechada. O casal mudou-se para Paris, onde Marx entrou em contato com os socialistas. Em 1845, expulso da França pelo governo, estabeleceu-se em Bruxelas e iniciou a duradoura amizade e colaboração com Friedrich Engels. Die heilige Familie (1845; A sagrada família) e Die deutsche Ideologie (1845-1846, publicada em 1926; A ideologia alemã) foram as primeiras obras que escreveram a quatro mãos. Nessa época, Marx trabalhou em diversos tratados filosóficos contra as idéias de Bruno Bauer e do socialista utópico Pierre-Joseph Proudhon, e em 1848 redigiu, com
Engels,
o
Manifest
der
Kommunistischen
Partei
(Manifesto
comunista), resumo do materialismo histórico, em que aparecia pela primeira vez o famoso apelo à revolução com as palavras "Proletários de todos os países, uni-vos!" Depois de participar do movimento revolucionário de 1848 na Alemanha, Marx regressou definitivamente a Londres, onde durante o resto da vida contou com a generosa ajuda econômica de Engels para manter a família. Em 1852 escreveu Der 18 Brumaire des Louis Bonaparte (O 18 Brumário de Luís Bonaparte), em que analisa o golpe de estado de Napoleão III do ponto de vista do materialismo histórico. Sete anos depois, publicou Zur Kritik der politischen Ökonomie (Contribuição à crítica da economia política), seu primeiro tratado de teoria econômica, e em 1867 o primeiro volume de Das Kapital (O capital), monumental análise do sistema socioeconômico capitalista, sua obra mais importante. Marx voltou à atividade política em 1864, quando participou da fundação da Associação Internacional de Trabalhadores. Como líder e A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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principal inspirador dessa Primeira Internacional, sua presença se reafirmou em 1871, por ocasião da segunda Comuna de Paris, movimento revolucionário de que a associação participou ativamente e em que pereceram mais de vinte mil revoltosos. As divergências do anarquista Mikhail Bakunin, a partir de 1872, provocaram a derrocada da Internacional. Marx ainda participou em 1875 da fundação do Partido Social Democrata Alemão e em seguida retirou-se da atividade política para concluir Das Kapital. Apesar de ter reunido imensa documentação para continuar o livro, os volumes segundo e terceiro só foram editados por Engels, em 1885 e 1894. Outros textos foram publicados por Karl Kautsky, como quarto volume, entre 1904 e 1910. Karl Marx morreu em 14 de março de 1883, em Londres. Émile Durkheim Fundador da sociologia, Durkheim combinou a pesquisa empírica com a teoria sociológica. Sua contribuição tornou-se ponto de partida do estudo de fenômenos sociológicos como a natureza das relações de trabalho, os aspectos sociais do suicídio e as religiões primitivas. Émile Durkheim nasceu em Épinal, Vosges, em 15 de abril de 1858. Freqüentou a École Normale Supérieure em Paris e interessou-se por filosofia. Em 1887 assumiu em Bordéus a primeira cadeira de sociologia instituída na França. Em 1896, fundou o periódico L'Année Sociologique e, em 1902, passou a lecionar sociologia e educação na Sorbonne. Quatro obras capitais. A abordagem com que Durkheim debruçou-se sobre a sociologia se anuncia nas obras De la division du travail social (1893; Da divisão do trabalho social) e Les Règles de la A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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méthode sociologique (1895; As regras do método sociológico). Na primeira, analisa o problema da ordem num sistema social de individualismo econômico. Na segunda, define fato social e esquematiza a trama metodológica com que estudou os fenômenos sociais. O fato social é experimentado pelo indivíduo como uma realidade independente que ele não criou e não pode rejeitar, como as regras morais, leis, costumes, rituais e práticas burocráticas oficiais, entre outras. Partindo da exterioridade dos fatos sociais, Durkheim abordou a sociedade como um fato sui generis e irredutível a outros, compreendendo-a
como
um
conjunto
de
ideais
constantemente
alimentados pelos indivíduos que fazem parte dela. Dessa forma, conceituou a consciência coletiva como o "sistema das representações coletivas de uma dada sociedade". A linguagem, por exemplo, é uma representação coletiva, assim como os sistemas jurídicos e as obras de arte. Na análise dos sistemas sociais, Durkheim introduziu os conceitos de solidariedade mecânica e orgânica, que o levaram à distinção dos principais tipos de grupos sociais. A solidariedade mecânica ocorre nas sociedades primitivas, nas quais os indivíduos diferem pouco entre si e partilham dos mesmos valores e sentimentos. A orgânica, presente nas sociedades mais complexas, se define pela divisão do trabalho. O estudo das sociedades mais complexas levou Durkheim às idéias de normalidade e patologia sociais, a partir das quais introduziu o conceito de anomia, ou seja, ausência ou desintegração das normas sociais.
Como
as
sociedades
mais
complexas
se
baseiam
na
diferenciação, é preciso que as tarefas individuais correspondam aos desejos e aptidões de cada um. Isso nem sempre acontece e a sociedade A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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se vê ameaçada pela desintegração, pois os valores ficam enfraquecidos. A solução proposta por Durkheim são as formas cooperativistas de produção econômica. Em Le Suicide (1897; O suicídio), tentou mostrar que as causas do auto-extermínio têm fundamento social e não individual. Descreveu três tipos de suicídio: o egoísta, em que o indivíduo se afasta dos seres humanos; o anômico, originário, por parte do suicida, da crença de que todo um mundo social, com seus valores, normas e regras, desmorona-se em torno de si; e o altruísta, por lealdade a uma causa. Na última de suas quatro obras capitais, Les Formes élémentaires de la vie religieuse (1915; As formas elementares da vida religiosa), buscou mostrar as origens sociais e cerimoniais, bem como as bases da religião, sobretudo do totemismo na Austrália. Afirmou que não existem religiões falsas, que todas são essencialmente sociais. Émile Durkheim morreu em Paris em 15 de novembro de 1917. Auguste Comte O positivismo, doutrina filosófica elaborada por Auguste Comte e de grande influência no Brasil, conferiu ao estudo dos fatos sociais o caráter de disciplina sistemática. O nome sociologia foi empregado pela primeira vez pelo próprio Comte. Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier
Comte
nasceu
em
Montpellier, França, em 19 de janeiro de 1798. Aos 16 anos ingressou na Escola Politécnica de Paris, da qual foi expulso dois anos depois, por liderar um movimento de protesto. Passou então a viver de aulas particulares e colaboração em jornais.
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Foi secretário do banqueiro Casimir Périer e discípulo de Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon. Este, um dos teóricos franceses do socialismo utópico, orientou-o para o estudo das ciências sociais e transmitiu-lhe duas idéias básicas, que orientaram seu pensamento daí por diante: a de que os fenômenos sociais, como os de caráter físico, também obedecem a leis; e a de que todo conhecimento científico e filosófico deve ter por finalidade o aperfeiçoamento moral e político do homem. Em 1825 conheceu Caroline Massin, jovem prostituta com quem viveu algum tempo e logo depois desposou. No ano seguinte inaugurou um curso público para exposição de suas idéias. Deprimido por constantes
desentendimentos
com a
mulher,
caiu
em
profundo
esgotamento nervoso e, em 1827, tentou o suicídio ao atirar-se de uma ponte nas águas do Sena. Salvo por um guarda, foi internado num asilo. Tratado por Jean Esquirol, pioneiro da psiquiatria científica, recuperou-se e retomou o curso. Em 1930 ficou preso durante três dias por recusar-se a servir à Guarda Nacional. Dedicou os 12 anos seguintes à publicação do Cours de philosophie positive, em seis volumes, e a dar aulas gratuitas para operários. Nessa época, Comte sustentava que as diversas ciências já haviam atingido a positividade, mas o sistema ainda estava incompleto. Era necessário uma nova disciplina, que ele chamou física social ou sociologia, que figuraria num quadro de ciências dispostas em grau de generalidade
decrescente
e
complexidade
crescente,
a
saber:
matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Na segunda fase de sua carreira, acrescentou uma sétima ciência, a moral. Em 1837 morreu sua mãe e logo depois Caroline abandonouo definitivamente. Comte passou a viver em extrema solidão e, para A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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distrair-se, começou a freqüentar a Ópera e a ler os clássicos -- Virgílio, Dante, Shakespeare, Cervantes. A avalanche de publicações de autores contemporâneos levou-o então a pregar um maior rigor seletivo nas leituras, no processo que chamou de "higiene cerebral", pelo qual foi alvo de comentários irônicos. Em outubro de 1844 conheceu a escritora Clotilde de Vaux, que também tivera uma experiência conjugal frustrada, por quem apaixonou-se. Ambos desfrutaram de uma bela e intensa amizade e de uma completa identidade de pontos de vista. Queriam uma nova moralidade, uma nova religião e um novo conceito de casamento. Esse foi seu relacionamento mais feliz e, ao mesmo tempo, mais melancólico. Clotilde morreu dois anos depois e Comte levou a marca dessa veneração quase religiosa até o fim de sua vida. Novamente solitário, Comte dedicou-se integralmente à instituição da religião da humanidade, que logo se tornou influente em numerosos países, como Brasil, Chile e México. O filósofo impregnou-se de misticismo, criou um sacerdócio, sacramentos e orações, além de propor para seus adeptos uma rígida disciplina. Suas principais obras dessa fase são Système de politique positive (1851-1854; Sistema de política positiva) e Catéchisme positiviste (1852; Catecismo positivista). O desejo de firmar e divulgar as bases do positivismo levou Comte a um empenho obsessivo e à dedicação em tempo integral à propaganda de sua nova religião, com palestras públicas, cartas a monarcas, políticos e intelectuais de todo o mundo e publicação de livros. Seu esforço foi bem correspondido. Adeptos do mundo inteiro acorreram a sua casa em Paris, de onde saíram maravilhados pelo brilho e a serenidade do mestre. A correspondência de Comte com as sociedades positivistas em todo o mundo era vastíssima. Sua saúde, no entanto, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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ressentiu-se de tão intensa atividade. Em conseqüência de uma gripe, Auguste Comte morreu em Paris, em 5 de setembro de 1857. Herbert Spencer O conceito de evolução natural como princípio subjacente a todas as ordens da realidade constitui o núcleo central do sistema teórico que Spencer desenvolveu. Herbert Spencer nasceu em Derby, Derbyshire, Inglaterra, em 27 de abril de 1820. Educado na casa paterna, adquiriu como autodidata uma boa formação científica. Entre 1837 e 1841 trabalhou como engenheiro nas ferrovias britânicas. Posteriormente colaborou em diversas publicações até que, em 1848, foi nomeado subdiretor do The Economist. Alcançou prestígio nos círculos intelectuais com a publicação de Social Statics (1851; A estática social), obra na qual deu à noção de evolução social um tratamento que continha o germe de seu pensamento posterior. Em 1853, recebeu herança de um tio, deixou o emprego e se dedicou ao estudo dos fenômenos sociais, que tratou sob perspectiva científica. Expôs a primeira parte desses estudos em The Principles of Psychology (1855; Princípios de psicologia), obra que antecedeu a publicação das teorias evolucionistas de seu compatriota Charles Darwin. Nesse trabalho, Spencer indica a possibilidade de, por meio do princípio da evolução, oferecer explicação total da realidade, bem como realizar a síntese das diferentes ciências. Spencer concebeu a realidade toda como produto do desenvolvimento perpétuo de uma força de caráter incognoscível manifestada na evolução do que é de início homogêneo, indeterminado e simples, para a heterogeneidade, determinação e complexidade. Assim, no âmbito físico, as nebulosas dão origem aos sistemas planetários, da A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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mesma maneira que as formas biológicas unicelulares evoluem sempre para organismos mais complexos e aperfeiçoados. Processo semelhante observa-se nas sociedades humanas, as quais evoluíram das hordas primitivas para as sociedades militares, cuja coesão se baseava na força, até chegar às industriais, baseadas em contrato voluntário entre indivíduos. Em conseqüência, Spencer preconizou um modelo liberal sem nenhum tipo de intervencionismo estatal como única forma de respeito à liberdade individual. Esta, por sua vez, é a garantia da ordem social, posto que a moralidade é a aspiração da consciência humana a uma harmonização cada vez mais perfeita entre homem e sociedade. Natureza e espírito, portanto, constituem os aspectos externo e interno da mesma realidade, que tem sua razão de ser no próprio impulso evolutivo. Dedicou o resto da vida ao desenvolvimento de uma série de volumes, cujo conjunto denominou The Synthetic Philosophy (Filosofia sintética) e que compreende: First Principles (1862; Primeiros princípios), dois volumes de The Principles of Biology (1864-1867; Princípios de biologia), a edição ampliada de The Principles of Psychology (18701872), três volumes de The Principles of Sociology (1876-1896; Princípios de sociologia) e dois volumes de The Principles of Ethics (1892-1893; Princípios de ética). Herbert Spencer, cujo pensamento influenciou as filosofias vitalistas posteriores, morreu em Brighton, Sussex, em 8 de dezembro de 1903.
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Antropologia, Cultura, Etnologia Antropologia Por mais isoladas entre si que tenham vivido, as diferentes sociedades humanas sempre souberam, salvo raríssimas exceções, que além de suas fronteiras havia "outros homens": homens que viviam de forma diversa, cuja pele era talvez de outra cor, que não adoravam os mesmos deuses, que pensavam de outra maneira. A curiosidade de conhecer esses homens e povos "diferentes" motivou o nascimento da antropologia, que atualmente não estuda apenas "os outros", mas todos os seres humanos. Conceitos gerais Definição. Entre as muitas ciências que têm por objeto o ser humano, a antropologia -- "ciência do homem", segundo a etimologia -o estuda do ponto de vista das características biológicas e culturais dos diversos grupos em que se distribui o gênero humano, pesquisando com especial interesse exatamente as diferenças. O nascimento da antropologia como ciência ocorreu a partir dos grandes descobrimentos realizados por navegadores e viajantes europeus. A curiosidade de conhecer povos exóticos, de saber como viviam e pensavam homens de culturas tão distantes da européia, de descobrir que aspecto físico e que costumes tinham, levou à classificação e ao estudo dos dados recolhidos in loco -- isto é, no lugar de origem -por exploradores, comerciantes e missionários chegados àquelas terras longínquas. Os
primeiros
antropólogos
tinham
como
característica
comum a distância do objeto de seu estudo, o qual consistia sempre em A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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homens
pertencentes
a
culturas
distintas
da
européia
e
dela
geograficamente afastadas. A moderna antropologia, no entanto, estende sua pesquisa às sociedades industriais e até mesmo às grandes concentrações urbanas. Mas seus instrumentos de trabalho se foram aos poucos delineando justamente no estudo das sociedades "primitivas", mais simples e com um processo de mudança menos vertiginoso que o das sociedades modernas. Com freqüência, os antropólogos do século XIX relacionavam as características biológicas dos povos com suas formas culturais. Mais tarde, estabeleceu-se que os traços biológicos e os culturais tinham menos ligação entre si do que se acreditara. Isso levou a uma primeira subdivisão
das
ciências
antropológicas
em
antropologia
física
e
antropologia cultural, esta última comumente assimilada ao conceito de etnologia. Desde a segunda metade do século XIX a antropologia cultural começou a ser considerada uma ciência humana, com as limitações e ambigüidades próprias dessa categoria científica, enquanto a antropologia física continuou desenvolvendo seus métodos de trabalho -- medição e estabelecimento de correlações entre as medidas encontradas -- como uma ciência natural. Hoje os dois campos estão totalmente diferenciados e poucos são os pesquisadores que trabalham ao mesmo tempo em ambos. Relações com outras ciências. Duas disciplinas muito relacionadas com a antropologia são a arqueologia pré-histórica e a lingüística. A arqueologia, necessária para conhecer o passado das sociedades, pode esclarecer em grande escala seu presente. A terminologia arqueológica, anterior à da antropologia, proporcionou a esta última muitos vocábulos úteis. Por outro lado, a própria antropologia A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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é útil à arqueologia, na medida em que estuda ao vivo sociedades muitas vezes semelhantes -- por exemplo, no desconhecimento dos metais -- a outras já desaparecidas, sobre as quais pode lançar abundante luz. Também a lingüística é de grande importância para a antropologia, não só porque o conhecimento do idioma se faz necessário ao antropólogo nas pesquisas de campo, isto é, feitas no local de origem, mas também porque muitos conceitos elaborados pelos lingüistas são fundamentais para a análise de determinados aspectos das sociedades: por exemplo, a concepção da sociedade como uma rede de comunicação, a análise estrutural ou a forma em que se organiza a experiência vital do sujeito de uma comunidade em estudo. A sociologia, por sua vez, pode até certo ponto ser considerada uma "irmã gêmea" da antropologia. Em princípio, o que distingue as duas ciências é o objeto de seu interesse: enquanto o sociólogo se dedica ao estudo das sociedades modernas, o antropólogo comumente pesquisa as sociedades primitivas, embora o estudo das sociedades coloniais e de seu rápido processo de aculturação e modernização social tenha desenvolvido um campo intermediário no qual fica difícil estabelecer os limites entre o trabalho sociológico e o trabalho antropológico.
Nesse
terreno
intermediário
surgiu
a
chamada
antropologia social. O desenvolvimento da psicologia permitiu à antropologia cultural utilizar novas bases para o estudo da relação entre o indivíduo e a sociedade em que vive, da formação da personalidade e de outros aspectos que interessam igualmente às duas ciências. A psicanálise, em particular, impulsionou o desenvolvimento do conceito de cultura a partir de novas bases. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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A história proporcionou aos antropólogos muitos dados impossíveis de obter pela observação direta, assim como a antropologia pôs à disposição dos historiadores novos métodos de trabalho, como os que se aplicam à análise da tradição oral. Quanto à geografia humana, coincide com a antropologia na importância que atribui aos diferentes usos do espaço por parte do homem, à transformação do habitat natural etc. Ambas as ciências estão, além disso, relacionadas com a ecologia humana. Não é de estranhar que muitos dos primeiros antropólogos tenham vindo do campo da geografia. Evolução histórica e escolas. A antropologia começou a desenvolver-se especificamente como ciência na segunda metade do século XIX, num momento histórico em que as coleções etnológicas, antes meras curiosidades de particulares, passavam a constituir verdadeiros museus, e em que os conhecimentos da cultura européia sobre outros povos começavam a ser sistematizados e submetidos a revisões metódicas. O aparecimento do darwinismo, com o debate sobre a origem do homem, suscitou o início do estudo comparativo das diversas línguas; esse fator e o interesse em conhecer a história de outras culturas distanciadas da européia fizeram convergir os esforços dos pesquisadores, até que se aglutinassem numa só ciência -- a antropologia -- as descobertas, os procedimentos, os métodos e os achados de muitas outras que, sob ângulos diversos, empreenderam o estudo das sociedades humanas. Ao longo de duas décadas, entre 1840 e 1860, apareceram sucessivamente as sociedades antropológicas de Londres, dos Estados Unidos e de Paris, as quais agrupavam peritos oriundos de variados
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campos -- zoologia, fisiologia, geografia, geologia, lingüística e outras ciências --, unidos no interesse comum pelo estudo do homem. Antropologia cultural Evolucionismo
cultural.
Na
época
histórica
de
seu
aparecimento como ciência, a antropologia sofreu a influência da idéia dominante no mundo científico: o evolucionismo, consagrado pela publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859. Por isso, na segunda metade do século XIX, a nascente ciência concebeu os diferentes grupos humanos como sujeitos em desenvolvimento. As distintas sociedades evoluiriam todas na mesma direção, passando por etapas e fases de desenvolvimento e diferenciação cultural inevitáveis e escalonadas, seguindo uma transformação que levaria do simples ao complexo, do homogêneo ao heterogêneo, do irracional ao racional. Para os antropólogos evolucionistas, todos os grupos humanos teriam que atravessar necessariamente as mesmas etapas de desenvolvimento, e as diferenças
que
podem
ser
observadas
entre
as
sociedades
contemporâneas seriam apenas defasagens temporais, conseqüência dos ritmos diversos de evolução. Embora hoje em dia estejam muito superadas as principais teses evolucionistas, é considerável a maneira pela qual continuam influenciando a linguagem vulgar e o próprio vocabulário especializado da antropologia. Assim, às vezes fica difícil ao especialista descrever fenômenos antropológicos sem ter que recorrer a vocábulos viciados pelo conteúdo evolucionista que os impregnou durante muitos anos. Nesse sentido, a utilização de conceitos como "sociedades primitivas", "civilizações evoluídas" etc. pressupõe uma aceitação implícita de seu fundo
ideológico
evolucionista.
Para
evitar
confusões,
muitos
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antropólogos falam hoje de "sociedades de tecnologia simples", ou "sociedades de pequena escala", em oposição a "sociedade de tecnologia complexa" ou "sociedades industriais". Os mais influentes antropólogos evolucionistas foram o americano Lewis Henry Morgan e o inglês Edward B. Tylor. Morgan publicou em 1877 seu estudo Ancient Society (A sociedade primitiva), no qual distinguia três etapas por que passaram, ou passarão, todas as sociedades humanas: selvajaria, barbárie e civilização, numa seqüência obrigatória de progresso. De igual forma, estabeleceu vários estágios sucessivos para a formação da família, os quais iriam desde a promiscuidade primitiva à família bilateral moderna de tipo europeu. Tylor, por sua vez, realizou estudos comparativos das manifestações
religiosas
das
diferentes
sociedades
humanas,
acreditando, depois disso, poder estabelecer três etapas na evolução da ideologia religiosa dos povos: animismo, politeísmo e monoteísmo. Embora as teses de Tylor tenham sido amplamente criticadas, suas concepções sobre a evolução das religiões continuam presentes na linguagem vulgar. O
evolucionismo
materialista
de
Morgan
influenciou
consideravelmente as primeiras abordagens marxistas da antropologia. Em particular, foi o caso de Friedrich Engels, que escreveu A origem da família, da propriedade privada e do estado baseando-se claramente na leitura de Ancient Society. A carregada
de
escola
evolucionista
preconceitos
mostrou-se
etnocêntricos,
o
consideravelmente que
levou
seus
representantes a considerarem a sociedade européia como a mais evoluída e a acreditarem que todas as outras tenderiam a alcançar a mesma perfeição. Se for levado em conta, além disso, que nem sempre A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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se
dispunham
de
conceitos
suficientemente
diferenciados
sobre
sociedade e raça, compreende-se que a intenção de encaixar as sociedades -- e as raças -- num quadro evolutivo gerasse conclusões precipitadas e errôneas. No entanto, em defesa da escola evolucionista é preciso lembrar que a antropologia era então uma ciência quase inexistente, cujo desenvolvimento muito se beneficiou dos estudos e esforços dos adeptos dessa escola. Quando tais teses começaram a ser abandonadas
pela
maioria
dos
antropólogos,
os
métodos
e
procedimentos da nova ciência já estavam encaminhados e ela começava a dar seus frutos. Difusionismo. Nos últimos anos do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, os estudos antropológicos foram influenciados por uma tendência oposta ao evolucionismo: o difusionismo cultural. Os autores difusionistas estabeleceram a premissa de que as diferenças observáveis entre sociedades distintas são irredutíveis a simples defasagens numa mesma trilha cultural, paralela e independente. A mudança e o progresso culturais se deviam, isto sim, ao fato de algumas
sociedades
se
apropriarem
de
elementos
de
outras,
aperfeiçoando-se dessa maneira. As semelhanças entre culturas diversas deviam ser explicadas não por terem atravessado etapas semelhantes de desenvolvimento, como garantiam os evolucionistas, mas sim porque, na história das sociedades, estava presente um fenômeno de difusão de traços culturais de umas para outras. Esses traços culturais teriam nascido em lugares e momentos históricos distanciados entre si, mas teriam tido uma progressiva difusão, a partir do lugar de origem, até chegarem a seu estado atual. Em geral, o pensamento difusionista dá como certo que a novidade cultural é extremamente rara, sendo muito mais freqüente a A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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relíquia cultural. O enfoque histórico, portanto, persiste entre os difusionistas. Teorias hiperdifusionistas. Pouco antes da primeira guerra mundial, um grupo de antropólogos austríacos e alemães constituiu a escola de Viena, cujos representantes máximos foram Fritz Graebner e o padre Wilhelm Schmidt, autor de uma teoria dos ciclos culturais que obteve notoriedade em sua época. A escola de Viena considerava que todas as culturas existentes na atualidade descendem, por um processo de difusão, de alguns poucos centros nos quais se teriam realizado todas as invenções culturais. Mais extremistas que seus colegas germânicos, alguns antropólogos britânicos fixaram uma única fonte de todas as culturas: o antigo Egito. Segundo eles, manifestações como as pirâmides das culturas pré-colombianas na América seriam uma transcrição das pirâmides egípcias. A escola hiperdifusionista, entretanto, perdeu rapidamente o prestígio em favor de outras concepções antropológicas mais próximas da realidade concreta. A época em que esteve em plena vigência, a concepção
difusionista
das
sociedades
foi
fértil
em
pesquisas
antropológicas de campo. A partir do início do século XX, começou-se a considerar que a primeira tarefa do pesquisador era estudar in loco e recolher em primeira mão os dados que iria usar para chegar a conclusões. O interesse do antropólogo começou a distanciar-se das tendências historicistas e se fixou cada vez mais nas sociedades contemporâneas. Funcionalismo.
O
germano-americano
Franz
Boas,
considerado um dos pais da antropologia americana do século XX, era um cientista de formação naturalista; por isso, encarou com grande A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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ceticismo tanto as teorias difusionistas como as evolucionistas. Boas preferiu a concepção funcionalista de uma cultura; para ele, uma cultura é um conjunto unitário que deve ser estudado em sua totalidade, e, composto, como uma máquina, de diferentes peças interdependentes. Em seus trabalhos sobre os esquimós, deixou bem fundamentada a metodologia do trabalho de campo, atividade a que seus discípulos iriam dar especial relevância. O enfoque de Boas, embora funcionalista, não deixa de estar matizado pelo historicismo, já que ele sempre se interessou pela forma como se haviam desenvolvido no tempo as instituições culturais. Depois da primeira guerra mundial, as abordagens históricas das sociedades foram perdendo adeptos e a escola funcionalista começou a ganhar relevância. Bronislaw Malinowski, seu mais eminente representante, sustentou que o objetivo da pesquisa antropológica deve ser a compreensão da totalidade de uma cultura, inseparável da percepção da conexão orgânica de todas as suas partes. A comparação entre culturas e a abordagem histórica não têm sentido para Malinowski; só faz parte de uma cultura aquilo que, no momento em que se estuda, tem nela uma função. A única maneira de perceber um elemento de uma cultura é analisar a função que tem esse elemento dentro dela. Não se pode compreender uma instituição social sem conhecer suas relações com as outras instituições da mesma sociedade. As atividades econômicas, o sistema de valores e a organização de uma sociedade constituem um complexo inter-relacionado cuja descrição é necessária para que se possa estudar adequadamente essa sociedade. Dentro da tendência funcionalista, a escola sociológica francesa, encabeçada por Émile Durkheim, teve notável influência sobre o pensamento antropológico. Em Règles de la méthode sociologique A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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(1895;
Regras
do
método
sociológico),
Durkheim
deixou
bem
estabelecido que, no campo social, existe um aspecto da realidade que vai além dos simples comportamentos individuais. É preciso, portanto, estudar os fatos sociais como se fossem coisas em si, independentes da consciência dos indivíduos que formam a sociedade. O intelectualismo analítico e a concepção da sociedade como um todo orgânico, como um sistema -- características da escola sociológica francesa --, ao lado da tradição empirista, que busca fatos -marca das escolas anglo-saxônicas e, em parte, da germânica -- são talvez as duas bases fundamentais em que se assenta a moderna antropologia social. Estruturalismo. Marcel Mauss, fundador do Instituto de Etnologia da Universidade de Paris, foi mestre de toda uma geração de antropólogos
europeus.
Seu
enfoque,
em
princípio
funcionalista,
conquanto mais centrado na sociedade como um todo indivisível do que como uma soma de inter-relações entre indivíduos, deu origem à escola estruturalista. Baseando-se em conceitos derivados da matemática formal e da lingüística, os antropólogos estruturalistas buscaram compreender uma dada sociedade extraindo seu modelo estrutural. Os procedimentos estruturalistas demonstraram sua utilidade para o conhecimento dos sistemas de parentesco e dos sistemas de mitos. Mas a absoluta falta de visão histórica da escola estruturalista e sua análise meramente estática da realidade foram amplamente criticadas. Alguns dos principais representantes da escola estruturalista foram o britânico Arnold R. Radcliffe-Brown e o francês Claude LéviStrauss.
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Culturalismo. No período entre as duas guerras mundiais desenvolveu-se, fundamentalmente nos Estados Unidos, uma corrente culturalista em antropologia, cuja premissa básica era a de que uma dada cultura impõe um determinado modo de pensamento aos homens nela inseridos. A cultura condiciona o comportamento psicológico do indivíduo, sua maneira de pensar, a forma como percebe seu entorno e como extrai, acumula e organiza a informação daí proveniente. Nesse sentido, foram significativos os trabalhos de Ruth Benedict, realizados na década de 1930, sobre os índios pueblo do sudoeste dos Estados Unidos -- os quais, apesar de imersos num meio físico semelhante ao das etnias circunvizinhas, raciocinavam de forma muito diferente diante de problemas idênticos. Margaret Mead analisou principalmente a importância da educação na formação da personalidade adulta. Ralph Linton e Abram Kardiner, por sua vez, expuseram o conceito de personalidade de base, que consistiria num mínimo psicológico comum a todos os membros de uma sociedade. Outras escolas antropológicas. Os antropólogos da União Soviética e de outros países socialistas mantiveram viva a tradição da antropologia marxista, de raiz evolucionista. Em alguns países ocidentais, especialmente na França, a influência do pensamento marxista se refletiu sobretudo em alguns aspectos da chamada antropologia econômica. Por outro lado, alguns antropólogos americanos se mantêm fiéis a uma concepção evolucionista das culturas, embora matizando-a, referindo-se a ela como um evolucionismo multilinear. Métodos da antropologia cultural. O antropólogo cultural atua basicamente mediante o trabalho de campo nas comunidades que deseja estudar, com freqüência durante mais de um ano. Os métodos de A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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trabalho
são,
fundamentalmente,
variações
em
torno
de
dois
procedimentos, a entrevista de informantes e a chamada observação participante. Se em certas comunidades a maioria de seus membros se dispõe a prestar abundantes informações sobre seu modo de vida, em outras o pesquisador tem de se esforçar para ganhar a confiança de umas poucas pessoas que concordarão em lhe prestar informações. É ainda da maior importância que procure aprender a língua local, para ganhar a simpatia dos entrevistados, compreender os comentários e conversas à sua volta e captar com precisão o significado social de determinados comportamentos, mal expresso quando traduzido. A seguir, o antropólogo tenta entrevistar informantes que ocupem distintas posições (profissionais, sociais, econômicas etc.) na comunidade e compara as informações fornecidas. No entanto, um nativo pode aceitar como "naturais" aspectos de sua cultura que são de acentuado interesse para o antropólogo. Por isso, existem muitos aspectos a que o pesquisador só pode ter acesso através da "observação participante", a participação do pesquisador nas atividades normais da vida comunitária: trabalho cotidiano, cerimônias religiosas, ritos de iniciação, atividades de lazer etc. Normalmente a observação participante é a maneira mais fácil de perceber a complexidade das interações sociais. Além disso, só por meio dela o antropólogo pode se dar conta do significado emocional de uma dada atividade humana: uma coisa é ouvir a pormenorizada descrição de uma penosa expedição de caça, outra é participar pessoalmente dela. Antropologia física Como se viu, na segunda metade do século XIX ficou bem clara uma primeira diferenciação dos estudos antropológicos entre os que A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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se referiam ao homem como ser social e os que o tomavam como objeto de estudo do ponto de vista de suas características biológicas. Desde então, a antropologia física se desenvolveu em torno de dois objetivos principais: de um lado, o desejo de encontrar o lugar que o homem ocupa dentro da classificação animal, e averiguar sua história natural; de outro, a intenção de oferecer uma definição inequívoca das diversas categorias em que se pode dividir o conjunto do gênero humano, de acordo com as diferenças biológicas que os homens apresentam entre si. O primeiro desses objetivos se traduziu na tentativa, por parte dos pesquisadores, de reconstruir a linha evolutiva que teria vindo dos primatas até o homem. Foi essa a tarefa que se popularizou, na segunda metade do século XIX, com o nome de "busca do elo perdido". No século XX, a matéria adquiriu um caráter mais científico e se vinculou estreitamente com a paleontologia ou estudo dos fósseis. Importantes descobertas de "homens-macacos", primeiro na África meridional e depois na África oriental, permitiram um conhecimento mais preciso da evolução dos hominídeos. Destacaram-se nesses trabalhos antropólogos como os da família queniana Leaky (Louis Seymour Blazett e Mary, assim como o filho do casal, Richard) e o americano D. C. Johanson. Curiosamente, essa disciplina adquiriu tal importância nos países anglosaxões
que,
neles,
o
termo
"antropologia"
se
aplica
quase
exclusivamente a ela, enquanto que, nos países da Europa continental, tais
pesquisas
não
costumam
ser
consideradas
propriamente
antropológicas e são classificadas como uma forma de paleontologia, a qual é vista como um instrumento da outra. De qualquer modo, realizaram-se classificações raciais bastante complexas, mas que logo demonstrariam sua insuficiência, já que se guiavam basicamente pelo critério de dar importância maior aos A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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traços mais visíveis do corpo humano -- formato do rosto, cor da pele etc. --, que não são necessariamente os traços diferenciadores mais importantes. Por volta de 1900, desencavaram-se os velhos trabalhos de Gregor Mendel sobre a hereditariedade,
publicados 35 anos antes, e
rapidamente a ciência da genética ganhou enorme vigor. Por outro lado, a descoberta dos grupos sangüíneos, seguida de muitas outras relativas às características bioquímicas do corpo humano, pôs a descoberto a superficialidade das classificações raciais baseadas nas características morfológicas externas. Antropologia na atualidade A principal dificuldade em que se debate a antropologia cultural consiste em sua carência de um corpo unificado de conceitos, problema ainda não resolvido. Embora lentamente pareça estar-se cristalizando um fundo comum de terminologia, de utilização universal e com significado unívoco, é esse o grande obstáculo para que a antropologia cultural seja considerada uma verdadeira ciência. Outro problema com que se defrontam os antropólogos culturais é o fato de estarem desaparecendo as culturas não européias, ou tradicionais -- seu objeto de trabalho habitual por mais de um século -, atropeladas pela cultura de caráter europeu, hoje convertida em universal. Nesse confronto as sociedades tradicionais ou estão morrendo ou sofrendo processos de aculturação e adaptação tão intensos que seria difícil reconhecer, nelas, sua realidade primeira. Por outro lado, pesquisadores de diversas nacionalidades, e não apenas europeus e americanos desenvolvem estudos antropológicos: latino-americanos, africanos, indianos, japoneses, entre outros, vieram acrescentar seus pontos de vista à discussão geral. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Um campo de trabalho aberto aos antropólogos culturais nos anos que se seguiram à segunda guerra mundial foi o das investigações que conduzem à melhor compreensão dos povos do Terceiro Mundo, com o objetivo de facilitar as iniciativas governamentais voltadas para o estímulo às mudanças ou para a incorporação das sociedades tradicionais ao modo de vida da sociedade industrial. Assim, por exemplo, é comum que, ao prepararem uma campanha de alfabetização, os governos ou as entidades promotoras contratem os serviços de antropólogos para que realizem estudos prévios que possam orientar as atuações. No que se refere à antropologia física, são vários os campos de recente desenvolvimento que interessam de modo particular às suas pesquisas. Entre eles estão a ecologia humana, que estuda a relação do homem com seu meio e que também ocupa os antropólogos culturais, e a genética humana, que estuda o comportamento dos genes causadores dos traços herdados dos indivíduos e, portanto, trata da variabilidade humana.
Cultura Todos os povos, mesmo os mais primitivos, tiveram e têm uma cultura, transmitida no tempo, de geração a geração. Mitos, lendas, costumes, crenças religiosas, sistemas jurídicos e valores éticos refletem formas de agir, sentir e pensar de um povo e compõem seu patrimônio cultural. Em antropologia, a palavra cultura tem muitas definições. Coube ao antropólogo inglês Edward Burnett Tylor, nos parágrafos iniciais de Primitive Culture (1871; A cultura primitiva) oferecer pela A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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primeira vez uma definição formal e explícita do conceito: "Cultura ... é o complexo no qual estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade." Já
o
antropólogo
americano
Melville
Jean
Herskovits
descreveu a cultura como a parte do ambiente feita pelo homem; Ralph Linton, como a herança cultural, e Robert Harry Lowie, como o conjunto da tradição social. No século XX, o antropólogo e biólogo social inglês Ashley Montagu a definiu como o modo particular como as pessoas se adaptam a seu ambiente. Nesse sentido, cultura é o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres humanos, ocupando um território comum, criou na forma de idéias, instituições, linguagem, instrumentos, serviços e sentimentos. Conceituação. A história da utilização antropológica do conceito de cultura tem origem nessa famosa definição de Tylor, que ensejou a oposição clássica entre natureza e cultura, na medida em que ele procurou definir as características diferenciadoras entre o homem e o animal a partir dos costumes, crenças e instituições, encarados como técnicas que possibilitam a vida social. Tal definição também marcou o início do uso inclusivo do termo, continuado dentro da tradição dos estudos antropológicos por Franz Boas e Bronislaw Malinowski, entre outros. Sobretudo na segunda metade do século XX, esse uso caracterizou-se pela ênfase dada à pluralidade de culturas locais, enfocadas como conjuntos organizados e em funcionamento, e pela perda de interesse na evolução dos costumes e instituições, preocupação dos antropólogos do século XIX. Só o homem é portador de cultura; por isso, só ele a cria, a possui e a transmite. As sociedades animais e vegetais a desconhecem. É A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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um complexo, porque forma um conjunto de elementos, interrelacionados e interdependentes, que funcionam em harmonia na sociedade. Os hábitos, idéias, técnicas, compõem um conjunto, dentro do qual os diferentes membros de uma sociedade convivem e se relacionam. A organização da sociedade, como um elemento desse complexo, está relacionada com a organização econômica; os dois entre si relacionam-se igualmente com as idéias religiosas. O conjunto dessa inter-relação faz com que os membros de uma sociedade atuem em perfeita harmonia. A cultura é uma herança que o homem recebe ao nascer. Desde o momento em que é posta no mundo, a criança começa a receber uma série de influências do grupo em que nasceu: as maneiras de alimentar-se, o vestuário, a cama ou a rede para dormir, a língua falada, a identificação de um pai e de uma mãe, e assim por diante. À proporção que vai crescendo, recebe novas influências desse mesmo grupo, de modo a integrá-la na sociedade, da qual participa como uma personalidade em função do papel que nela exerce. Se individualmente o homem age como reflexo de sua sociedade, faz aquilo que é normal e constante nessa sociedade. Quanto mais nela se integra, mais adquire novos hábitos, capazes de fazer com que se considere um membro dessa sociedade, agindo de acordo com padrões estabelecidos. Esses padrões são justamente a cultura da sociedade em que vive. A herança cultural não se confunde, porém, com a herança biológica. O homem ao nascer recebe essas duas heranças: a herança cultural lhe transmite hábitos e costumes, ao passo que a herança biológica lhe transmite as características físicas ou genéticas de seu grupo humano. Se uma criança, nascida numa sociedade bororo, é levada para o Rio de Janeiro, passando a ser criada por uma família de Copacabana, crescerá com todas as características físicas -- cor da pele e A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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do cabelo, forma do rosto, em especial os olhos amendoados -- de seu grupo bororo. Todavia, adquirirá hábitos, costumes, a língua, as idéias, modos de agir da sociedade carioca, em que se cria e vive. Além desses hábitos e costumes que recebe de seu grupo, o homem vai ampliando seus horizontes, e passa a ter novos contatos: contatos com grupos diferentes em hábitos, costumes ou língua, os quais farão com que adquira alguns desses hábitos, ou costumes, ou modos de agir. Trata-se da aquisição pelo contato. Foi o que se verificou no Brasil do século XIX com hábitos introduzidos pelos imigrantes alemães ou italianos; o mesmo sucedeu em séculos anteriores, com costumes introduzidos pelos negros escravos trazidos da África. Tais costumes vãose incorporando à sociedade e, com o tempo, são transmitidos como herança do próprio grupo. É certo que essa transmissão pelo contato não abrange toda a cultura do outro grupo. Somente alguns traços se transmitem e se incorporam à cultura receptora. Esta, por sua vez, se torna também doadora em relação à cultura introduzida, que incorpora a seus padrões hábitos ou costumes que até então lhe eram estranhos. É o processo de transculturação, ou seja, a troca recíproca de valores culturais, pois em todo contato de cultura as sociedades são ao mesmo tempo doadoras e receptoras. Dessa forma, o homem adquire novos elementos culturais, e enriquece seu tipo cultural. Esses elementos, que compõem o conceito de cultura, permitem mostrar que ela está ligada à vida do homem, de um lado, e, de outro, se encontra em estado dinâmico, não sendo estática sua permanência no grupo. A cultura se aperfeiçoa, se desenvolve, se modifica, continuamente, nem sempre de maneira perceptível pelos membros do próprio grupo. É justamente isso que contribui para seu A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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enriquecimento constante, por meio de novas criações da própria sociedade e ainda do que é adquirido de outros grupos. Graças às pesquisas em jazidas arqueológicas, tem sido possível recompor ou reconstruir as culturas, o que permite conhecer o desenvolvimento cultural do homem, sobretudo no campo material. É mais difícil, porém, conhecer o desenvolvimento da cultura espiritual, embora muita coisa já se tenha podido esclarecer. De qualquer forma o que se sabe é que, nascida com o homem, a cultura, sofreu modificações ao longo dos tempos, enriquecendo-se de novos elementos e adquirindo novos valores. A cultura acompanha, pois, a marcha da humanidade; está ligada à vida do homem, desde o ser mais antigo. Com a expansão do homem pela Terra, ocupando os grupos humanos novos meios ambientes, a cultura se ampliou e se diversificou em face das influências impostas pelo meio, cujas relações com o homem condicionaram o aparecimento de novos valores culturais ou o desaparecimento de outros. Sentidos de cultura. Assim, dentro do conceito geral de cultura, é possível falar de culturas e, por isso, se identificam sentidos específicos
segundo
os
quais
a
cultura
é
antropologicamente
considerada. São quatro, a saber: (1) a cultura entendida como modos de vida comuns a toda a humanidade; (2) a cultura entendida como modos de vida peculiares a um grupo de sociedades com maior ou menor grau de interação; (3) a cultura entendida como padrões de comportamento peculiares a uma dada sociedade; (4) a cultura entendida como modos especiais de comportamento de segmentos de uma sociedade complexa. O primeiro sentido apresenta aqueles elementos de cultura comuns a todos os seres humanos, como a linguagem (todos os homens A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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falam, embora se diversifiquem os idiomas ou línguas faladas). São aqueles hábitos -- o de dormir, o de comer, o de ter uma atividade econômica -- que se tornam comuns a toda a humanidade. No segundo sentido, encontram-se os elementos comuns a um grupo de sociedades, como o vestuário chamado ocidental, que é comum a franceses, a portugueses, a ingleses. São diversas sociedades que têm o mesmo elemento cultural; um exemplo é o uso do inglês por habitantes da Inglaterra, da Austrália, da África do Sul, dos Estados Unidos, que, entre si, entretanto, têm valores culturais diferentes. O terceiro sentido é formado pelo conjunto de padrões de determinada sociedade, por exemplo, aqueles padrões culturais que caracterizam o comportamento da sociedade do Rio de Janeiro; ou as peculiaridades que assinalam os habitantes dos Estados Unidos. O quarto sentido de cultura refere-se a de modos especiais de comportamento de um segmento de sociedade mais complexa. Uma dada sociedade possui valores culturais comuns a todos os seus integrantes. Dentro, porém, dessa sociedade encontram-se elementos culturais restritos ou específicos de determinados grupos que a integram. São certos costumes que, dentro da sociedade multíplice do Rio de Janeiro, apresentam os habitantes de Copacabana, os de uma favela ou de um subúrbio distante. A esses segmentos culturais de uma sociedade complexa, dá-se também o nome de subcultura. São esses sentidos que permitem verificar a diferenciação de cultura entre os diversos grupos humanos. Tal diferenciação resulta de processos internos ou externos, uns e outros atuando de maneira diversa sobre o fenômeno cultural. Entre os processos internos, encontram-se as inovações, traduzidas em descobertas e invenções, que, às vezes, surgem em determinado grupo e depois se transmitem a outros grupos, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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não raro sofrendo modificações ao serem aceitas pela nova sociedade. Os processos externos explicam-se pela difusão: é a transmigração de um elemento cultural de uma sociedade a outra. Em alguns casos o elemento cultural mantém a mesma forma e função; em outros, modifica-as ou mantém apenas a forma e modifica a função. A caracterização de Herskovits. Todos esses aspectos relacionados com o processo cultural de uma sociedade podem ser analisados à base de alguns princípios. De acordo com a caracterização de Melville Herskovits, a cultura deriva de componentes da existência humana, é aprendida, estruturada, formada de elementos, dinâmica, variável, cumulativa, contínua e um instrumento de adaptação do homem ao ambiente. A cultura é derivada de componentes da existência humana, ou seja, origina-se de fatores ligados ao homem. São fatores ambientais, psicológicos, sociológicos e históricos, que contribuem para compor a cultura dentro de uma sociedade estudada. Ela é também aprendida, porque se verifica um processo de transmissão dos mais velhos -pessoas ou instituições -- aos mais novos, à proporção que estes se vão incorporando a sua sociedade. São as chamadas linhas de transmissão, isto é, aqueles meios pelos quais se verifica a aprendizagem da cultura. A família, os companheiros de trabalho, os professores, o esporte, a igreja, a escola, são linhas de transmissão, ou seja, transmitem a cultura, que se torna assim aprendida pelos que se incorporam à sociedade. Do mesmo modo, a cultura é estruturada, pois tem uma forma ou estrutura que lhe dá estabilidade no respectivo grupo humano, sem prejuízo das possibilidades de mudança, que são imensas. É estruturada no sentido de que, compondo-se de diversos valores, mantém entre eles uma estruturação orgânica. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Constituída de diferentes valores, a cultura forma os complexos que, unidos e inter-relacionados, dão o padrão cultural. A organização social, a língua usada, a organização política, a estética, as idéias religiosas, as técnicas, o sistema de ensino são alguns dos elementos existentes em uma sociedade. Esses elementos dão forma à cultura e a representam, em conjunto, de maneira a caracterizar a sociedade em que se manifestam. Não são iguais, porém, em todas as sociedades; daí a cultura ser variável. A cultura é também cumulativa; vão-se acumulando nela, em face da respectiva sociedade, os elementos vindos de gerações anteriores, sem prejuízo das mudanças que se podem verificar no decorrer do tempo. Cada geração humana, em determinada sociedade, recebe os elementos vindos de seus antepassados, e ao mesmo tempo vai acolhendo novos elementos que se juntam àqueles. Por isso mesmo, a cultura é também contínua: vai além do indivíduo ou de uma geração, pois
continua,
mesmo
modificada,
mas
sem
interromper
sua
permanência na sociedade a que pertence. É o continuum cultural que liga cada sociedade a suas raízes mais antigas. Se alguns valores se alteram, desaparecem e são substituídos por novos, outros se mantêm constantes, vivos, geração após geração. Essa continuidade cultural dá à sociedade sua estabilidade, pois apesar das revoluções, invasões, novos contatos com grupos diferentes, o fato é que a cultura permanece, e a sociedade prossegue em sua existência. Por fim, a cultura é um instrumento de adaptação do homem ao ambiente. É pelos valores culturais que o homem se integra a seu meio. Primeiro, como indivíduo. Ao transformar-se em personalidade que se incorpora a seu grupo, vai adquirindo os hábitos, os usos e os A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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costumes da sociedade a que pertence, de forma a adaptar-se inteiramente a ela. Aprende a língua que deve ser falada; adquire as noções de relações com os companheiros; aprende os mesmos jogos infantis e as mesmas atividades juvenis; adquire uma profissão que atende aos interesses da sociedade. Em segundo lugar, cria instrumentos ou concebe novas idéias, que o capacitam a melhor adaptar-se ao ambiente. Classificações da cultura. Apesar de formar uma unidade devidamente estruturada, cumulativa e contínua, a cultura pode ser dividida. É o que se chama de classificação de cultura, isto é, a divisão dos valores culturais exclusivamente por necessidade metodológica, ou para fins pedagógicos ou didáticos. Os elementos que integram uma cultura não dominam uns aos outros; unem-se e ajudam a compreender a cultura e seu funcionamento. A classificação ou divisão da cultura é apenas uma necessidade que têm os estudiosos para melhor apreciar os diferentes aspectos dessa cultura. Daí a própria variação dessas classificações ou divisões, em geral conforme as preferências ou pontos de vista em que se coloca cada autor. A mais antiga classificação se deve ao sociólogo americano William Fielding Ogburn, que em Social Change: With Respect to Culture and Original Nature (1922; Mudança social: referida à cultura e natureza original) dividiu a cultura em material e não-material ou espiritual. A primeira
compreenderia
todos
os
elementos
capazes
de
uma
representação objetiva, em um objeto ou fato. A segunda seria tudo o que é criado pelo homem, como concepção ou idéia, nem sempre traduzido em objetos ou fatos. Outras classificações podem ainda ser lembradas. Ralph Linton, baseando-se na constatação de que os fatos culturais resultam A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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das
necessidades
humanas,
dividiu
a
cultura
em:
necessidades
biológicas, agrupando todos os fatos que correspondem à vida física do homem (alimentação, habitação, vestuário etc.); necessidades sociais, em que se reúnem todos os fatos relacionados com a vida em sociedade (organização social, organização política, ensino etc.); e necessidades psíquicas,
que
compreendem
todos
os
fatos
que
representam
manifestações de pensamento dos seres humanos (crenças, estética etc.). Melville Herskovits ofereceu a seguinte distribuição dos elementos culturais: cultura material e suas sanções; instituições sociais; homem e universo; estética, linguagem. Pode-se ainda assinalar a classificação dos elementos culturais, tendo em vista os sistemas operacionais de ação do homem: sistema ou nível adaptativo, em que se verificam as relações do homem com o meio (ecologia, tecnologia, economia); sistema ou nível associativo, em que se estudam as relações dos homens entre si (organização social, família, parentesco, organização política); e sistema ou nível ideológico, onde se compreendem os produtos mentais resultantes de relações entre os homens e as idéias ou concepções (saber, crenças, linguagem, arte etc.). Uma última observação deve ser feita, em face da aplicação do sentido de cultura: é que muitas vezes se tem confundido, na linguagem menos científica, o sentido de cultura com o de raça ou de língua. Falar-se, por exemplo, de uma raça ariana é um engano, pois o que existe são povos que falaram originariamente as línguas indoeuropéias ou arianas, tronco de onde nasceram as modernas línguas faladas na Europa contemporânea. Da mesma forma é um engano falarse de raça judaica, pois o que existe são elementos humanos, que se
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aglutinam
pela
cultura,
em
particular
pelos
mesmos
ideais
ou
sentimentos religiosos, e nunca pelas mesmas características físicas. Convém salientar que as três variáveis -- cultura, raça e língua -- são independentes e não seguem a mesma direção. Encontramse casos em que persistem as características raciais e se modificam as lingüísticas e culturais, como se verificou com os negros da África e na América do Norte ou com os vedas do Ceilão (hoje Sri Lanka). Em outras ocasiões, persistem as características lingüísticas e modificam-se as raciais; foi o que sucedeu com os magiares na Europa, vindos de um mesmo tronco lingüístico, mas de variada formação racial. Pode também suceder a persistência de características culturais e a modificação das características físicas ou lingüísticas. É o exemplo encontrado nos povos chamados latinos. Com tais exemplos, conclui-se que cultura não se confunde com raça ou língua. Padrão cultural. Em antropologia, a expressão padrão cultural se refere à soma total das atividades -- atos, idéias, objetos -- de um grupo; ao ajustamento dos diversos traços e complexos de uma sociedade. É aquela configuração exterior que uma cultura apresenta, traduzindo o conjunto de valores que expressa essa mesma cultura. A idéia desse conceito começou a formar-se com o antropólogo
americano
Franz
Boas,
que
em
1910
afirmou
a
individualidade da cultura em cada tribo indígena americana por ele estudada. Essa observação decorreu da presença de certos elementos que distinguem determinada cultura. No caso dos grupos estudados, Boas mencionou o conservantismo dos esquimós, sua capacidade de invenção, sua boa índole, seu conceito peculiar da natureza e outros aspectos. Tais elementos não são conseqüência de simples difusão: resultam, em grande parte, de seu próprio método de vida; e o esquimó A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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mesmo vai remodelando os elementos obtidos de outros grupos, de acordo com os padrões dominantes em seu meio. A idéia de padrão, em seu sentido antropológico, somente se formulou, no entanto, com a antropóloga americana Ruth Benedict, em sua obra clássica Patterns of culture (1934; Padrões culturais). Estudando as diferentes características das culturas tribais, ela ressaltou que existe um padrão psicológico modelador dos elementos culturais emprestados. Por sua vez, esse mesmo padrão afasta aqueles elementos culturais que a ele não se conformam. A cultura é como o indivíduo, e tem um padrão mais ou menos consistente em seu pensamento e ação. Benedict analisa as culturas dos índios zunis, indicando os padrões culturais de cada um desses grupos, para mostrar o que os caracteriza. Admite, igualmente, uma influência da psicologia gestaltista, que lhe permitiu demonstrar a importância de tratar o todo em lugar das partes e provar que nenhuma análise das percepções separadas pode explicar a experiência total. Por meio dos três grupos tribais estudados na obra, Ruth Benedict procura explicar, e não apenas expor, as características que cada um apresenta em seu padrão cultural. Apesar da ampla difusão de sua obra e da imensa aceitação de seu conceito de padrão cultural, não se podem negar as críticas feitas a seu método de estudo, traduzidas principalmente nas observações de Robert Lowie; a este se afigurava que o desejo de distinguir um padrão de outro conduz necessariamente a uma tendência de sobreestimar diferenças. Dessa forma podem produzirse sérias alterações em virtude de uma seleção subjetiva dos critérios. Enfim, a Lowie parecia que se deveriam esperar investigações ulteriores para chegar a uma definição adequada do conceito de padrão.
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Escola histórico-cultural. Corrente etnológica que procura explicar o desenvolvimento cultural como processo de difusão, a escola histórico-cultural teve seus primeiros idealizadores na Áustria e na Alemanha, donde o nome com que é também conhecida: escola austroalemã. O antropólogo e arqueólogo alemão Leo Frobenius é um de seus primeiros nomes. A ele se deve a idéia dos ciclos culturais, de que a constância na associação dos elementos culturais determina a formação de um ciclo -- um conjunto de determinados valores culturais partidos de um ponto único dentro da área ocupada. A área ocupada por esses valores de cultura é o círculo cultural. Ao mesmo tempo que Frobenius aplicava essa teoria aos povos africanos, o etnólogo Fritz Graebner, em Berlim, estudava, dentro do mesmo critério, os povos da Oceania. Começaram então a surgir as bases dessa nova teoria antropológica, especificamente etnológica, repercutindo sobretudo em Viena, onde o padre Wilhelm Schmidt estudou também a distribuição dos grupos humanos em ciclos culturais. Viena e Berlim tornaram-se os centros fundamentais da formação e desenvolvimento dessa escola, cujos princípios metodológicos estão sistematizados por Graebner, em livro publicado na primeira década deste século, sob o título Methode der Ethnologie (1911; Metodologia etnológica). Também Schmidt publicou um livro com os fundamentos metodológicos da escola histórico-cultural. Os estudos de Wilhelm Schmidt nem sempre concordaram plenamente com os de Graebner. Surgiram, entre os dois, certas divergências de detalhes que não invalidam, entretanto, o conjunto. Além dos critérios de Graebner, que são o de forma e o de qualidade, Schmidt estabeleceu o princípio de causalidade cultural, quer dizer, apontou a existência de causas externas e internas que incidem na formação da A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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cultura. As causas externas são as que, de fora, influem sobre o homem, tais como as forças físicas e a própria atividade do homem; as causas internas são as vindas de dentro, do próprio grupo, de natureza instintiva. São causas que nem sempre podem observar-se, salvo quando se traduzem em formas concretas. Uma das divergências entre Graebner e Schmidt era o estabelecimento dos ciclos culturais. Enquanto Graebner considerava os tasmanianos como o povo mais primitivo, Schmidt assim considerava os pigmeus da floresta da África. Ora, um ciclo de cultura caracteriza-se pelo conjunto dos valores culturais existentes naquele grupo, e pode não ter continuidade geográfica. Chegou-se, pois, à evidência de que nem os tasmanianos são mais primitivos que os pigmeus africanos, nem estes mais que aqueles. Cientificamente colocam-se num mesmo plano e, assim, dentro de um mesmo ciclo. O círculo cultural, além de caracterizar uma distribuição geográfica, considera ainda a história do desenvolvimento cultural e estuda a estratificação dos elementos existentes. Nisso diverge do conceito, mais moderno, de área cultural, que considera territorialmente a existência dos elementos culturais em face de semelhança de cultura material e de condições geográficas. Não considera como importante a reconstituição histórica dos elementos. Baseia-se essencialmente em sua localização. O conceito de área cultural foi um dos traços de diversificação e divergência da escola americana, liderada por Franz Boas, em face da escola histórico-cultural, da qual se originou. Etnologia
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A curiosidade em relação aos povos que se tornaram conhecidos dos europeus a partir dos descobrimentos acentuou-se à medida que a Europa estendia seus domínios coloniais e reacendeu-se no século XIX, com as grandes explorações do continente africano. Começou assim a configurar-se uma ciência dos povos, separada da geografia. Etimologicamente, etnologia é o "estudo ou descrição dos povos". Essa ciência concentrou-se no estudo das raças e dos povos, de todos os pontos de vista, e sobretudo na comparação entre as culturas primitivas e as desenvolvidas, e se baseia quase inteiramente no trabalho de campo. Requer uma completa imersão do etnólogo na cultura e na vida cotidiana do povo que é objeto de estudo. A etnologia é parte de outra ciência de objeto mais amplo: a antropologia. Na delimitação dos campos correspondentes às duas disciplinas existem duas grandes correntes: a anglo-saxônica, mais precisamente
americana,
e
a
européia
continental,
representada
sobretudo por cientistas franceses e alemães. Entre os americanos, a etnologia é conhecida com o nome de antropologia cultural histórica e, junto com o estudo da pré-história e a antropologia lingüística, constitui um dos ramos da antropologia cultural geral. Para
o
francês
Claude
Lévi-Strauss,
a
expressão
"antropologia cultural" foi adotada pelos anglo-saxões a partir do século XIX a fim de designar o conjunto dos temas que os europeus continentais
denominaram
mais
freqüentemente
"etnografia"
ou
"etnologia", isto é, a investigação sobre os povos "exóticos" e a sistematização do conhecimento sobre eles. A etnologia, dada sua natureza subjetiva, é necessariamente comparativa. Como o etnólogo conserva certos preconceitos culturais, suas observações são em certa medida comparativas e as generalizações tornam-se inevitáveis. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Histórico. A etnologia, num sentido descritivo ou etnográfico, tem longa tradição na história da cultura universal. Já nas obras de historiadores gregos como Heródoto e Xenofonte aparecem freqüentes descrições dos povos "bárbaros" ou estrangeiros, com o propósito de explicar suas diferenças raciais e de costumes. Os romanos Cornélio Tácito e Júlio César foram também precursores dessa ciência, assim como o veneziano Marco Polo e outros viajantes medievais. Um papel importante nos primórdios da disciplina foi desempenhado pelos conquistadores e cronistas espanhóis da época do descobrimento e da colonização da América. Frei Bernardino de Sahagún, com a Historia general de las cosas de la Nueva España, escrita por volta de 1560, criou a primeira obra tida como etnográfica, pois aplicou uma metodologia apropriada e rigorosa no tratamento dos dados étnicos e lingüísticos. No entanto, a etnografia tornou-se profissão com o trabalho pioneiro do polonês Bronislaw Malinowski nas ilhas da Melanésia, por volta de 1915, do qual resultaram clássicos como Crime and Custom in Savage Society (1926; Crime e costumes na sociedade selvagem). Desde então, o trabalho etnográfico de campo tornou-se uma espécie de rito de passagem para os profissionais da antropologia cultural. Desenvolvimento. Inicialmente a etnologia se desenvolveu como ciência de classificação das raças, campo que depois foi explorado pela antropologia física. No fim do século XIX surgiu o método propriamente etnográfico ou descritivo de culturas. Em geral, o etnólogo reside no lugar da pesquisa pelo menos um ano, aprende o idioma ou dialeto local e participa o mais intensamente possível da vida cotidiana, ao mesmo tempo em que procura manter o distanciamento necessário à observação. Freqüentemente o pesquisador não consegue deixar de expressar pontos de vista preconceituosos, por mais que busque a A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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isenção. Entre os métodos usados, notabilizaram-se a análise estrutural de Lévi-Strauss e o neo-evolucionismo de V. Gordon Childe e Julian H. Steward. As culturas primitivas ou tradicionais que persistem na atualidade atravessam uma fase crítica, pois ou estão em extinção ou vêm sofrendo um processo de aculturação e perda dos valores que lhes são próprios, sob influência das sociedades industriais. Por isso, a etnologia teve que modificar também suas linhas de ação e investigação, já que, embora as formas "puras" das culturas primitivas ou tradicionais tenham recebido o impacto da civilização moderna, vestígios do passado continuam patentes em manifestações folclóricas, lendas, costumes etc., cujo estudo revela valiosos elementos culturais. Assim, os etnólogos dedicados a povos que mantêm viva a lembrança de um recente passado colonial, e que trabalham em colaboração com colegas nativos, procuram descobrir de que modo essas sociedades respondem às influências modernizadoras e quais são os elementos da antiga cultura que persistem dentro da nova. Os estudos etnográficos não se limitam às pequenas sociedades primitivas mas também focalizam novas unidades culturais, como os guetos das grandes cidades. Os instrumentos do etnólogo mudaram muito desde o tempo de Malinowski. Embora as anotações conservem grande valor no trabalho de campo, os pesquisadores têm utilizado as vantagens da moderna tecnologia, como filmes, vídeos e fitas de áudio para reforçar as análises e descrições escritas.
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Movimentos ideológicos Ideologia Os pensadores da antiguidade clássica e da Idade Média entendiam ideologia como o conjunto de idéias e opiniões de uma sociedade. Maquiavel, no entanto, já dizia que as idéias são diferentes "no palácio e na praça", conforme as diferentes condições de vida dos que as defendem. Define-se como ideologia o sistema de idéias que dá fundamento a uma doutrina política ou social, adotada por um partido ou grupo humano. Foi Karl Marx quem formulou a mais completa teoria sobre a origem e o papel da ideologia nas diversas formas de organização social. Para Marx, ideologia é um conjunto de idéias e conceitos que corresponde aos interesses de uma classe social, embora não obrigatoriamente professado por todos seus membros. Há uma ideologia da burguesia, como há uma ideologia do proletariado. A ideologia de certa classe decorre da posição que ela ocupa num modo de produção historicamente determinado. Segundo Marx, o acervo ideológico de uma sociedade constitui a superestrutura, que é condicionada pela realidade material, ou infra-estrutura. Assim, a filosofia, a arte, o direito, a política e a religião são formas de ideologia, pois se manifestam segundo os interesses específicos das classes sociais em que se constituem. A ideologia também atua sobre a realidade socioeconômica, modificando-a, num processo de reciprocidade. Todo sistema de idéias se cria em relação estreita com circunstâncias históricas, econômicas ou sociais. Entre a ideologia e essas circunstâncias se dá uma interação dialética. As condições da realidade A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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determinam certo tipo de pensamento, e esse pensamento age sobre ela, modificando-a. Como a realidade se modifica continuamente, as ideologias também desaparecem e dão lugar a novos corpos doutrinários. Ideologia e religião. Muitas vezes se fala em ideologia como se pertencesse à mesma categoria lógica da religião. Ambas são, de certa maneira, sistemas de idéias que compreendem questões referentes à verdade e à conduta, mas as diferenças entre as duas têm mais importância que as similaridades. Uma teoria religiosa da realidade pode defender uma sociedade justa, mas dificilmente apresentará um programa político prático. Com ênfase na fé e no culto, a religião apela para a espiritualidade e seu objetivo é a redenção ou purificação do espírito, enquanto uma ideologia fala a um grupo, uma nação ou uma classe. As religiões em geral atribuem sua própria origem a uma revelação, enquanto a ideologia sempre pretende, ainda que de forma enganosa, existir apenas pela razão. Apesar das diferenças, em certos movimentos religiosos se encontram os primeiros elementos ideológicos do mundo moderno, como no caso de Girolamo Savonarola, que no século XV tentou dar ao cristianismo uma dimensão ideológica e inspirou movimentos como o calvinismo e as comunidades puritanas do Novo Mundo. De fato, tanto na Reforma quanto na Contra-Reforma, quando o cristianismo se investiu de militância e intolerância renovadas e se deu uma nova ênfase à conversão, a religião aproximou-se muito da ideologia. Ideologias modernas. As ideologias que mais direta e incisivamente determinaram a realidade contemporânea encontram-se ligadas a alguma forma de nacionalismo e de socialismo. O fascismo foi a mais extrema manifestação do nacionalismo. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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As condições históricas, econômicas e sociais em que se encontrava a Europa após a primeira guerra mundial, com a recessão das atividades produtivas, foram responsáveis pelo aparecimento do fascismo e do nazismo, ideologias baseadas no valor absoluto da nacionalidade e na pureza racial como fator de liderança, opostos às noções de internacionalismo e solidariedade inter-racial. Tais convicções levaram esses povos a superarem as contradições internas de classes para confluírem numa ideologia hegemônica. Admitia-se a interferência do estado na produção, na educação, no lazer e em toda atividade individual que pudesse redundar em benefício para a nação. Muitas correntes doutrinárias socialistas surgiram a partir de meados do século XIX. Todas têm em comum o objetivo de implantar uma organização social em que o regime predominante de propriedade seja coletivo, especialmente no que se refere aos meios de produção. Essa idéia básica orientou diversas tendências socializantes, como o anarquismo, o socialismo corporativista, o socialismo cristão, o marxismo, entre outras. Gênese das ideologias. Uma ideologia pode ser determinada por fatores presentes no meio histórico-social que a gera, e se modifica ou desaparece quando o contexto que as criou se altera. A ideologia, como pensamento historicamente situado, é uma tomada de consciência da realidade ou, como querem alguns pensadores, um reflexo da realidade. As ideologias seriam, nesse sentido, um epifenômeno, ou uma espécie de representação mental de uma situação determinada. Algumas ideologias se apresentam como instrumento de dominação de um grupo, ou de uma classe, sobre outros. Por exemplo, a oposição entre a aristocracia que representava o poder feudal e a elite ascendente dos comerciantes, ou burguesia, deu origem à estruturação A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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de uma ideologia baseada em novos valores, como a idéia de êxito no desempenho de atividade econômica, a valorização do trabalho e o abandono do conceito heróico de honra. Esses novos valores se generalizaram entre as diferentes camadas na sociedade emergente, desfecharam o golpe de misericórdia contra o feudalismo e contribuíram para a vitória da burguesia.
Ideologia no Brasil Na sociedade brasileira podem-se identificar diferentes sistemas de idéias predominantes em cada grande período histórico. Na primeira fase da colonização vigorou a ideologia do colonizador que, a partir do século XVII, entrou em choque com os elementos ideológicos gerados no próprio país. Assim, a primeira noção em torno da qual se formaram outras idéias foi a de dominação. O colono europeu era o dono e o conquistador da terra descoberta e, por isso, tudo se transformava em objeto de exploração. A dominação se fortaleceu com o regime paternalista, em que o patriarca ("coronel" ou senhor-de-engenho) era o árbitro universal e, ao mesmo tempo, o protetor de uma pequena comunidade familiar que dele dependia incondicionalmente. Esse regime só pôde existir graças ao trabalho escravo aplicado à monocultura. Toda sociedade escravocrata necessariamente valoriza o lazer e deprecia as atividades manuais ou braçais e daí decorre o gosto brasileiro pelo direito, pela oratória e pelo beletrismo. A elite intelectual, filha da casa-grande alicerçada no suor escravo, lentamente elaborou os elementos principais de uma ideologia brasileira, que acabou por entrar em choque com o dogmatismo dominador. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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O período da colonização, portanto, caracteriza-se por uma ambivalência ideológica, pois havia uma dualidade de interesses econômicos, políticos, intelectuais, enfim, uma ambivalência de clima social. A ideologia construída em grande parte pela simples implantação ou incorporação de valores externos convivia com uma ideologia autóctone em formação, que eclodiu nos movimentos nativistas: a insurreição pernambucana (1648-1654), a guerra dos mascates (1710) e a inconfidência mineira (1789), entre outros. Esses movimentos marcam o início de um período ideológico de transição, em que o choque entre os valores antigos e os novos fez nascer na consciência do brasileiro um sentimento de inferioridade em face do colonizador. Entre
todos
os
movimentos
nativistas,
somente
na
inconfidência esteve em jogo a realidade brasileira como um todo. Nos demais, de consciência ideológica parcial, uma comunidade nativa se insurgia contra outra, aventureira e de mentalidade exploradora. As lutas que se prolongaram durante o período do Reino Unido (revolução pernambucana de 1817), o primeiro reinado (guerra da independência da Bahia de 1823 e confederação do equador), a regência (cabanos, farrapos, balaiada e sabinada) e as do segundo reinado (revolução liberal de São Paulo e de Minas Gerais em 1842 e revolução praieira) atestam uma transição ideológica na mentalidade das elites do país. O período seguinte, que começa depois da guerra do Paraguai e da abolição da escravatura, é útil para compreender o que se pode chamar de paradoxo burocrático brasileiro. Com a abolição, em 1888, deu-se a desorganização de todo o setor agrícola, cujo sustentáculo era o café. Considerando que, teoricamente, na evolução de uma civilização, ocorre gradativamente a passagem do setor primário (agricultura) para o secundário (indústria), e deste para o terciário A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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(comércio, serviços públicos e particulares), a vida nacional, assim perturbada, deveria ter-se ajustado no setor secundário. Isso, porém, não foi possível, pois não havia mentalidade industrial e, na época, a atividade econômica não estava ainda em pleno desenvolvimento. Assim, a saída para a população mais favorecida foi saltar do setor primário para o terciário, o que inflacionou as atividades comerciais e os serviços burocráticos em todos os níveis. O político assumiu então o papel anteriormente desempenhado pelo senhor-de-engenho ou pelo patriarca da casa-grande, com uma clientela de protegidos que favoreceu o empreguismo público. No século XX, consolidada a república, houve uma tomada de consciência nacionalista, entendendo-se pelo termo tanto o alcance nacional dos programas políticos como a defesa contra a dominação e a imposição de valores estrangeiros. A atividade política nos centros urbanos do país já industrializado viu-se profundamente influenciada pelas idéias anarquistas e comunistas dos imigrantes europeus, enquanto que nas regiões rurais predominava ainda o autoritarismo próprio da estrutura social arcaica herdada incólume da colônia. A intermitente interferência das instituições armadas na vida política brasileira desde a proclamação da república contribuiu com elementos ideológicos importantes para a formação de uma consciência nacional
pró-militarista
e
conservadora
e
de
sua
contrapartida
democrática e progressista. Liberalismo Surgido em conseqüência da luta histórica da burguesia para superar os obstáculos que a ordem jurídica feudal opunha ao livre desenvolvimento da economia, o liberalismo tornou-se uma corrente A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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doutrinária de importância capital na vida política, econômica e social dos estados modernos. Liberalismo é uma doutrina política e econômica que, em suas formulações originais, postulava a limitação do poder estatal em benefício da liberdade individual. Fundamentado nas teorias racionalistas e empiristas do Iluminismo e na expansão econômica gerada pela industrialização, o liberalismo converteu-se, desde o final do século XVIII, na ideologia da burguesia em sua luta contra as estruturas que se opunham ao livre jogo das forças econômicas e à participação da sociedade na direção do estado. Antecedentes. Na Idade Média feudal, a sociedade se compunha basicamente de três classes sociais: a nobreza proprietária da terra, os servos da gleba, a ela submetidos, e os artesãos urbanos organizados em corporações. As responsabilidades públicas se dividiam entre os nobres e a igreja. A partir do século XIII, no entanto, o desenvolvimento da atividade comercial das cidades e o aparecimento do capitalismo mercantilista representaram o início de uma transformação radical das sociedades européias. A burguesia, concentrada nas cidades, foi a principal protagonista desse processo histórico. Apesar da importância econômica que conquistavam, os burgueses continuavam excluídos do poder político. Um movimento crítico da sociedade surgiu então, contrário à ordem feudal e aos estados centralizadores. Assim se gerou, num processo que durou séculos, um movimento filosófico, político e econômico que afirmou a liberdade total do indivíduo e propugnou a limitação radical dos poderes do estado. As características fundamentais desse movimento, além da restrição das atribuições do estado, foram a defesa da livre concorrência na área econômica e a definição dos direitos A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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fundamentais do indivíduo, entre os quais a liberdade de idéias e de crenças e a sua livre expressão. O movimento, que adquiriria sua mais acabada expressão no liberalismo, converteu-se na ideologia em que a burguesia se apoiou para assumir o controle do estado a partir das últimas décadas do século XVIII, e depois impregnou profundamente os princípios políticos das sociedades modernas. Idéias liberais. As armas decisivas que a burguesia utilizou em sua luta intelectual contra a nobreza e a igreja foram o Iluminismo -que opôs razão à tradição, e o direito natural aos privilégios de classe -e
as
análises
econômicas
da
escola
clássica,
cujos
principais
representantes foram os economistas Adam Smith e David Ricardo. A célebre máxima da escola fisiocrata francesa do século XVIII "Laissez faire, laissez passer: le monde va de lui même" ("deixa fazer, deixa passar: o mundo anda por si mesmo") é a que melhor expressa a natureza da economia liberal. Efetivamente, a escola liberal acredita que a economia possui seus próprios mecanismos de autoregulamentação, que atuam com eficácia sempre que o estado não dificulte seu funcionamento espontâneo. Ainda antes que Smith, Ricardo e demais intelectuais da escola clássica estudassem a nova estrutura econômica da sociedade, iniciara-se a crítica política do absolutismo e dos remanescentes da velha sociedade feudal. Já no século XVII, o filósofo britânico Thomas Hobbes tentara fundamentar a legitimidade da monarquia na relação contratual dela com seus súditos. Foi depois o barão de Montesquieu quem, em De l'esprit des lois (1748; Sobre o espírito das leis), formulou o princípio da separação de poderes, dificuldade fundamental na gestação de novos estados democráticos. Coube a Jean-Jacques Rousseau a afirmação do A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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princípio da soberania do povo, que continha os instrumentos teóricos para iniciar o assalto à monarquia absoluta. Instauração política do liberalismo. Na Grã-Bretanha, graças a uma precoce aliança com a nobreza, a burguesia colheu os primeiros frutos de sua luta política. Durante o século XVIII, as cortes britânicas converteram-se paulatinamente num Parlamento moderno, logo proposto como modelo no continente. Essa liberalização foi, no entanto, limitada, uma vez que teve que esperar o século XIX para que o direito ao voto se estendesse à pequena burguesia, e as primeiras décadas do século XX para que se estabelecesse o sufrágio universal. A instauração da nova ordem política foi desigual nos demais países europeus e americanos. Nos Estados Unidos, os direitos do homem foram proclamados em 1776. Na França, foi preciso esperar a revolução de 1789 para que se desse um passo semelhante e se proclamassem constituições populares em 1791 e 1793. Na Espanha, o estado liberal impôs-se nas primeiras décadas do século XIX. Os países americanos que fizeram parte de seu império colonial forjaram, ao contrário, sua independência sob a bandeira do liberalismo político e econômico. Na Alemanha, só em 1918 instituiu-se um Parlamento. Estado liberal. Se o objetivo primeiro da burguesia foi o controle do poder legislativo, o fim último da idéia liberal foi a submissão do poder executivo aos representantes populares e, conseqüentemente, a eliminação do poder monárquico. A tarefa do Parlamento devia ser o controle do executivo, para evitar, assim, as ingerências arbitrárias deste no âmbito privado e na vida econômica. Os representantes parlamentares eram, formalmente, porta-vozes populares que buscavam o bem comum, ainda que, na prática, procedessem da classe dos proprietários. A progressiva extensão A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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do voto e a permeabilidade cada vez maior entre os diferentes setores sociais fez com que, pouco a pouco, aquela representatividade se tornasse efetiva. De início, o sistema liberal não previa partidos políticos, entendidos como na atualidade, dadas as afinidades básicas que existiam entre os representantes parlamentares. Observou-se, a princípio, a necessidade de apresentar candidatos e de agrupar aqueles de maior proximidade ideológica, ao mesmo tempo que se instalava entre eles um forte componente de influências pessoais. A irrupção das massas operárias na política representou uma grande mudança daquela concepção inicial. O mesmo aconteceu com o apogeu da imprensa como órgão de expressão da opinião pública, fonte última de legitimidade nos sistemas liberais-democráticos. Liberalismo e justiça. A desigualdade dos indivíduos segundo seu nascimento e camada social a que pertencessem era consubstancial ao ordenamento jurídico do velho regime feudal. A própria coerência do liberalismo exigia, no entanto, a igualdade de oportunidades entre os indivíduos e, conseqüentemente, a igualdade última de todos perante a lei, cujo império se afirmava também diante dos próprios poderes públicos. A concretização jurídica do triunfo do liberalismo nos diversos estados expressou-se na promulgação de constituições, leis fundamentais que sancionaram a divisão de poderes, os direitos e obrigações dos indivíduos e os demais princípios da nova ordem social. Marxismo Fruto de décadas de colaboração entre Karl Marx e Friedrich Engels, o marxismo influenciou os mais diversos setores da atividade A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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humana ao longo do século XX, desde a política e a prática sindical até a análise e interpretação de fatos sociais, morais, artísticos, históricos e econômicos, e se tornou doutrina oficial dos países de regime comunista. Marxismo é o conjunto das idéias filosóficas, econômicas, políticas e sociais que Marx e Engels elaboraram e que mais tarde foram desenvolvidas por seguidores. Interpreta a vida social conforme a dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo. Os pontos de partida do marxismo são a dialética de G. W. F. Hegel, a filosofia materialista de Ludwig Feuerbach e dos enciclopedistas franceses e as teorias econômicas dos ingleses Adam Smith e David Ricardo. Mais do que uma filosofia, o marxismo é a crítica radical da filosofia, principalmente do sistema filosófico idealista de Hegel. Enquanto para Hegel a realidade se faz filosofia, para Marx a filosofia precisa incidir sobre a realidade. O núcleo do pensamento de Marx é sua interpretação do homem, que começa com a necessidade humana. A história se inicia com o próprio homem que, na busca da satisfação de necessidades, luta contra a natureza. À medida que luta, o homem se descobre como ser produtivo e passa a ter consciência de si e do mundo. Percebe então que "a história é o processo de criação do homem pelo trabalho humano". As duas vertentes do marxismo são o materialismo dialético, para o qual a natureza, a vida e a consciência se constituem de matéria em movimento e evolução permanente, e o materialismo histórico, para o qual o fato econômico é base e causa determinante dos fenômenos históricos e sociais, inclusive as instituições jurídicas e políticas, a moralidade, a religião e as artes. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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A teoria marxista desenvolve-se em quatro níveis de análise - filosófico, econômico, político e sociológico -- em torno da idéia central de mudança. Em suas Thesen über Feuerbach (1845, publicadas em 1888; Teses sobre Feuerbach), Marx escreveu: "Até o momento, os filósofos apenas interpretaram o mundo; o fundamental agora é transformá-lo." Para transformar o mundo é necessário vincular o pensamento
à
prática
revolucionária.
Interpretada
por
diversos
seguidores, a teoria tornou-se uma ideologia que se estendeu a regiões de todo o mundo e foi acrescida de características nacionais. Surgiram assim versões como as dos partidos comunistas francês e italiano, o marxismo-leninismo na União Soviética, as experiências no leste europeu, o maoísmo na China e Albânia e as interpretações da Coréia do Norte, de Cuba e dos partidos únicos africanos, em que se mistura até com ritos tribais. Materialismo dialético. De uma perspectiva idealista, Hegel, filósofo alemão do século XIX, englobava a natureza, a história e o espírito no processo dialético de movimento das idéias, determinado pela oposição de elementos contrários (tese e antítese) que progridem em direção a formas mais aperfeiçoadas (síntese). Assim, no devir da história, o processo dialético impulsiona o desenvolvimento da idéia absoluta pela sucessão de momentos de afirmação (tese), de negação (antítese) e de negação da negação (síntese). Marx adotou a dialética hegeliana e substituiu o devir das idéias, ou do espírito humano, pelo progresso material e econômico. Em Zur Kritik der Politischen Ökonomie (1859; Contribuição à crítica da economia política), resume o que mais tarde foi chamado materialismo dialético: "Não é a consciência do homem que determina seu ser, mas o ser social que determina sua consciência." Pelo método dialético, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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sustentou
que
o
capitalismo
industrial
(afirmação)
engendra
o
proletariado (negação) e essa contradição é superada, no futuro, pela negação da negação, isto é, pela sociedade sem classes. Outra chave do marxismo está no pensamento do filósofo alemão Ludwig Feuerbach. Discípulo de Hegel, Feuerbach inverteu na dialética os lugares ocupados pela idéia e pela matéria e formulou a teoria da alienação do homem, entendendo Deus como ilusão humana ditada por necessidades da realidade material. Marx detectou certa inconsistência no materialismo de Feuerbach, pois este considerava o homem como ser puramente biológico. Tomando uma noção criada por Moses Hess, também hegeliano, Marx definiu o homem em sua relação com a natureza e a sociedade, isto é, em sua dimensão econômica e produtiva, e viu no estado, na propriedade e no capital a fonte da alienação humana. Para Marx, as relações materiais de produção de uma sociedade determinam a alienação política, religiosa e ideológica, como conseqüências inequívocas das condições de dominação econômica. Materialismo
histórico.
Também
chamado
concepção
materialista da história, o materialismo histórico é a aplicação do marxismo ao estudo da evolução histórica das sociedades humanas. Essa evolução
se
explica
pela
análise
dos
acontecimentos
materiais,
essencialmente econômicos e tecnológicos. Na atividade econômica e social, os homens estabelecem relações necessárias e independentes de sua vontade. São as relações de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas (trabalho humano, instrumentos, máquinas). O conjunto das relações de produção forma a infra-estrutura econômica da sociedade, base material sobre a qual se eleva uma superestrutura política, jurídica e ideológica, o que engloba as idéias morais, estéticas e religiosas. Assim, o modo de A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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produção dos bens materiais condiciona a vida social, política e intelectual que, por sua vez, interage com a base material. Para contrabalançar o determinismo econômico da teoria, Marx afirmou a existência de uma constante interação e interdependência entre a infraestrutura e a superestrutura, embora, em última instância, os fatores econômicos sejam os determinantes. No curso de seu desenvolvimento, as forças produtivas da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes e estas convertem-se em obstáculos à continuidade do processo produtivo. Inicia-se então uma era de revolução social que afeta a fundo a estrutura ideológica, de modo que os homens adquirem consciência do conflito de que participam. As relações capitalistas de produção seriam a forma final de antagonismo no processo histórico. O modo de produção do capitalismo industrial conduz de modo inevitável à superação da propriedade privada, não só pela rebelião dos oprimidos como pela própria evolução do sistema, em que a progressiva acumulação de capital determina a necessidade de novas relações de produção baseadas na propriedade coletiva dos meios de produção. Superado o regime de propriedade privada, o homem venceria a alienação econômica e, em seguida, todas as outras formas de alienação de si mesmo. No decorrer do processo histórico, as relações econômicas evoluíram segundo uma contínua luta dialética entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores espoliados e explorados. No primeiro capítulo do Manifest der Kommunistischen Partei (1848; Manifesto comunista), Marx e Engels afirmam que a "história de todas as sociedades do passado é a história da luta de classes". Segundo o materialismo histórico, o comunismo primitivo seria a tese oposta à A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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antítese expressa pelas sociedades de classe (escravistas, feudais e capitalistas). A sociedade sem classes, alcançada mediante a práxis (isto é, a teoria posta em prática) revolucionária, seria a síntese final das organizações sociais. Crítica do sistema capitalista. Marx rejeitou o idealismo dos socialistas utópicos, sobretudo Charles Fourier e Henri de Saint-Simon, que criticaram o capitalismo de um ponto de vista humanitário e defenderam a mudança gradual para um regime social baseado na propriedade e no trabalho coletivos. Marx formulou então a doutrina do socialismo científico, em que a crítica à estrutura econômica do capitalismo permite reconhecer as leis dialéticas de sua evolução e decomposição. Para Marx, o trabalho é a essência do homem, pois é o meio pelo qual ele se relaciona com a natureza e a transforma em bens a que se confere valor. A desqualificação moral do capitalismo ocorre por ser um modo de produção que converte a força de trabalho em mercadoria e, desse modo, aliena o trabalhador como ser humano. Marx concordou com os economistas clássicos britânicos, para quem o trabalho é a medida de todas as coisas. A força de trabalho do operário, vendida ao capitalista, incorpora-se a um produto que se vende no mercado por um valor superior a seu custo de produção. A diferença entre o valor final do produto e o custo de produção constitui a mais-valia, o excedente ou valor acrescentado pelo trabalho. O custo de produção é a soma do valor dos meios de produção (maquinaria e matérias-primas) e do valor da força de trabalho, este expresso em bens indispensáveis à subsistência do operário e sua família. A mais-valia, portanto, converte-se em lucro para o capitalista.
A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Marx distingue dois tipos de mais-valia, a absoluta e a relativa, que se definem pela maneira como são aumentadas. A maisvalia absoluta aumenta proporcionalmente ao aumento do número de horas da jornada de trabalho, conservando-se constante o salário. O valor produzido pelo trabalho nesse tempo adicional corresponde à maisvalia absoluta. Assim, quanto mais horas o operário trabalhar, maior será o lucro do capital, isto é, a mais-valia absoluta, e sua acumulação. A mais-valia relativa aumenta com o aumento da produtividade, com a racionalização
do
processo
produtivo
e
com
o
aperfeiçoamento
tecnológico. O trabalhador passa a produzir mais no mesmo tempo de trabalho, e isso aumenta relativamente a mais-valia. A obtenção de mais-valia conduz à acumulação do capital expressa na concentração fabril e empresarial e no progresso tecnológico incorporado à maquinaria das grandes indústrias. O uso de máquinas cada vez mais produtivas elimina periodicamente parte da força de trabalho. Os operários dispensados engrossam o "exército industrial de reserva" (os desempregados) em situação de concorrência que favorece a redução dos salários e a pauperização da classe operária. A formação de cartéis e monopólios, em conseqüência da concentração de capital, diminui o número de capitalistas e provoca uma crise de superprodução, manifestação típica das contradições do capitalismo, já que, em busca de lucro máximo, o capitalista adota novos instrumentos de trabalho que geram produção maior do que o mercado é capaz de absorver. As crises periódicas fazem aumentar o desemprego, proletarizam as classes intermediárias e empobrecem a classe operária. O sistema capitalista desaparecerá em conseqüência das próprias contradições e da oposição entre o caráter coletivo da produção e o caráter privado da apropriação. A ação revolucionária dos oprimidos, ou A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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seja, da classe operária, deve incidir sobre o sistema capitalista. A tomada do poder por essa classe implicaria a instauração de um estado socialista transitório, a ditadura do proletariado, que se dissolveria após cumprir sua missão de organizar o sistema coletivista e liquidar as antigas classes sociais. Depois dessa fase se chegaria finalmente ao comunismo, sociedade sem classes e sem exploração do homem pelo homem. Revisionismo e marxismo-leninismo. No final do século XIX, o marxismo passou a atrair cada vez mais o movimento operário mundial, embora o anarquismo e o pensamento social-cristão mantivessem sua influência. O desenvolvimento industrial em alguns países, porém, contribuiu para melhorar o padrão de vida da classe trabalhadora, ao contrário das previsões de Marx, e reforçou os sistemas políticos socialdemocratas. Nas primeiras décadas do século XX, os alemães Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo ratificaram o caráter revolucionário do marxismo e adaptaram a doutrina às novas condições do capitalismo. Na mesma direção seguiu Lenin, personagem decisivo da revolução russa de 1917. Sua contribuição originou o marxismo-leninismo, com novas abordagens da doutrina e do movimento comunista, como a análise do imperialismo, a possibilidade da revolução em países não industrializados, a participação do campesinato na ação revolucionária e a organização do partido comunista como vanguarda da classe operária. O marxismo-leninismo foi interpretado de maneiras diversas após a morte de Lenin. Nikolai Ivanovitch Bukharin preconizou uma concepção revisionista e Trotski desenvolveu os aspectos revolucionários da doutrina. Stalin simplificou os postulados do marxismo-leninismo, formulou a teoria do socialismo em um só país, contra a tese trotskista, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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que preconizava a internacionalização da revolução, e defendeu a possibilidade de um desenvolvimento auto-suficiente da economia soviética, sem relação com o mundo capitalista. A partir do marxismo-leninismo, o líder comunista chinês Mao Zedong elaborou uma doutrina original, o maoísmo, adaptada ao desenvolvimento da revolução na China e às características milenares da cultura chinesa: é maoísta, por exemplo, o princípio segundo o qual os estudantes jamais devem ser orientados para a competição, mas exclusivamente para a cooperação. O marxismo teve teóricos de grande expressão no mundo das idéias, como Antonio Gramsci, György Lukács, Theodor W. Adorno, Karl Korsch e Louis Althusser. Depois da segunda guerra mundial, surgiram
interpretações
não
dogmáticas
do
marxismo,
com
a
incorporação de filosofias como as de Edmund Husserl e Martin Heidegger e de idéias de teóricos de outras áreas, como Sigmund Freud. Economistas,
historiadores
antropólogos,
sociólogos,
psicólogos,
estudiosos da moral e das artes, incorporaram a metodologia marxista sem necessariamente aderir à filosofia política e à prática revolucionária do marxismo. A queda dos regimes comunistas nos países do leste europeu e a dissolução da União Soviética levaram ao questionamento dos postulados doutrinários marxistas. Permaneceram, porém, o respeito e a admiração pelo rigor científico, originalidade, coerência interna e abrangência da obra de Marx e Engels. Socialismo O sonho de uma sociedade igualitária, na qual todos tenham franco acesso à distribuição e à produção de riquezas, alimenta os ideais A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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socialistas desde seu nascimento, no século XVIII, na sociedade que brotou da revolução industrial e dos anseios de "liberdade, igualdade e fraternidade" expressos pela revolução francesa. Socialismo é a denominação genérica de um conjunto de teorias socioeconômicas, ideologias e práticas políticas que postulam a abolição das desigualdades entre as classes sociais. Incluem-se nessa denominação desde o socialismo utópico e a social-democracia até o comunismo e o anarquismo. As múltiplas variantes de socialismo partilham uma
base
comum que é a transformação do ordenamento jurídico e econômico, baseado na propriedade privada dos meios de produção, numa nova e diferente ordem social. Para caracterizar uma sociedade socialista, é necessário que estejam presentes os seguintes elementos fundamentais: limitação do direito à propriedade privada, controle dos principais recursos econômicos pelas classes trabalhadoras e a intervenção dos poderes públicos na gestão desses recursos econômicos, com a finalidade de promover a igualdade social, política e jurídica. Para muitos teóricos socialistas contemporâneos, é fundamental também que o socialismo se implante pela vontade livremente expressa de todos os cidadãos, mediante práticas democráticas. A revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha na segunda metade do século XVIII estabeleceu um novo tipo de sociedade dividida em duas classes fundamentais sobre as quais se sustentava o sistema econômico capitalista: a burguesia e o proletariado. A burguesia, formada pelos proprietários dos meios de produção, conquistou o poder político primeiro na França, com a revolução de 1789, e depois em vários países. O poder econômico da burguesia se afirmou com base nos princípios do liberalismo: liberdade econômica, propriedade privada e A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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igualdade perante a lei. A grande massa da população proletária, no entanto, permaneceu inicialmente excluída do cenário político. Logo ficou claro que a igualdade jurídica não era suficiente para equilibrar uma situação de profunda desigualdade econômica e social, na qual uma classe reduzida, a burguesia, possuía os meios de produção enquanto a maioria da população era impedida de conquistar a propriedade. As diferentes teorias socialistas surgiram como reação contra esse quadro, com a proposta de buscar uma nova harmonia social por meio de drásticas mudanças, como a transferência dos meios de produção de uma única classe para toda a coletividade. Uma conseqüência dessa transformação seria o fim do trabalho assalariado e a substituição da liberdade de ação econômica dos proprietários por uma gestão socializada ou planejada, com o objetivo de adequar a produção econômica às necessidades da população, ao invés de se reger por critérios de lucro. Tais mudanças exigiriam necessariamente uma transformação radical do sistema político. Alguns teóricos postularam a revolução violenta como único meio de alcançar a nova sociedade. Outros, como os social-democratas, consideraram que as transformações políticas deveriam se realizar de forma progressiva, sem ruptura do regime democrático, e dentro do sistema da economia capitalista ou de mercado. Precursores e socialistas utópicos. Embora o socialismo seja um fenômeno específico da era industrial, distinguem-se precursores da luta pela emancipação social e igualdade em várias doutrinas e movimentos sociais do passado. Assim, as teorias de Platão em A república, as utopias renascentistas, como a de Thomas More, as rebeliões de escravos na Roma antiga, como a que foi liderada por Espártaco, o cristianismo comunitário primitivo e os movimentos A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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camponeses da Idade Média e dos séculos XVI e XVII, como o dos seguidores de Jan Hus, são freqüentemente mencionados como antecedentes da luta pela igualdade social. Esse movimento começou a ser chamado de socialismo apenas no século XIX. O primeiro precursor autêntico do socialismo moderno foi o revolucionário francês François-Noël Babeuf, que, inspirado nas idéias de Jean-Jacques Rousseau, tentou em 1796 subverter a nova ordem burguesa na França, por meio de um levante popular. Foi preso e condenado à morte na guilhotina. A crescente degradação das condições de vida da classe operária motivou o surgimento dos diversos teóricos do chamado socialismo utópico, alguns dos quais tentaram, sem sucesso, criar comunidades e unidades econômicas baseadas em princípios socialistas de inspiração humanitária e religiosa. Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon, afirmou que a aplicação do conhecimento científico e tecnológico à indústria inauguraria uma nova sociedade semelhante a uma fábrica gigantesca, na qual a exploração do homem pelo homem seria substituída pela administração coletiva. Considerava a propriedade privada incompatível com o novo sistema industrial, mas admitia certa desigualdade entre as classes e defendia uma reforma do cristianismo como forma de atingir a sociedade perfeita. Outro teórico francês importante foi François-Marie-Charles Fourier, que tentou acabar com a coerção, a exploração e a monotonia do trabalho por meio da criação de falanstérios, pequenas comunidades igualitárias
que
não chegaram
a prosperar.
Da
mesma
forma,
fracassaram as comunidades fundadas pelo socialista escocês Robert Owen. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Marxismo e anarquismo. O papel do proletariado como força revolucionária foi reconhecido pela primeira vez por Louis-Auguste Blanqui e Moses Hess. Na metade do século XIX, separaram-se as duas vertentes do movimento socialista que polarizaram as discussões ideológicas: o marxismo e o anarquismo. Ao mesmo tempo, o movimento operário começava a adquirir força no Reino Unido, França e em outros países onde a industrialização progredia. Contra as formas utópicas, humanitárias ou religiosas do socialismo, Karl Marx e Friedrich Engels propuseram o estabelecimento de bases científicas para a transformação da sociedade: o mundo nunca seria modificado somente por idéias e sentimentos generosos, mas sim por ação da história, movida pela luta de classes. Com base numa síntese entre a filosofia de Hegel, a economia clássica britânica e o socialismo francês, defenderam o uso da violência como único meio de estabelecer a ditadura do proletariado e assim atingir uma sociedade justa, igualitária e solidária. No Manifesto comunista, de 1848, os dois autores apresentaram o materialismo dialético com o qual diagnosticavam a decadência inevitável do sistema capitalista e prognosticavam a inexorável marcha dos acontecimentos rumo à revolução socialista. As tendências anarquistas surgiram das graves dissensões internas
da
Associação
Internacional
dos
Trabalhadores,
ou
I
Internacional, fundada por Marx. Grupos pequeno-burgueses liderados por Pierre-Joseph Proudhon e anarquistas seguidores de Mikhail Bakunin não aceitaram a autoridade centralizadora de Marx. Dividida, a I Internacional dissolveu-se em 1872, após o fracasso da Comuna de Paris, primeira tentativa revolucionária de implantação do socialismo. O anarquismo contou com diversos teóricos de diferentes tendências, mas nunca se converteu num corpo dogmático de idéias, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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como o de Marx. Proudhon combateu o conceito de propriedade privada e afirmou que os bens adquiridos mediante a exploração da força de trabalho constituíam um roubo. Bakunin negou os próprios fundamentos do estado e da religião e criticou o autoritarismo do pensamento marxista. Piotr Kropotkin via na dissolução das instituições opressoras e na solidariedade o caminho para o que chamou de comunismo libertário. II Internacional e a social-democracia. Depois da dissolução da I Internacional, os socialistas começaram a buscar vias legais para sua atuação política. Com base no incipiente movimento sindicalista de Berlim e da Saxônia, o pensador alemão Ferdinand Lassalle participou da fundação da União Geral Alemã de Operários, núcleo do que seria o primeiro dos partidos social-democratas que se espalharam depois por toda a Europa. Proibido em 1878, o Partido Social Democrata alemão suportou 12 anos de repressão e só voltou a disputar eleições em 1890. Em 1889, os partidos social-democratas europeus se reuniram para fundar a II Internacional Socialista. No ano seguinte, o 1º de maio foi proclamado dia internacional do trabalho, como parte da campanha pela jornada de oito horas. Eduard Bernstein foi o principal ideólogo da corrente revisionista, que se opôs aos princípios marxistas do Programa de Erfurt adotado pelo Partido Social Democrata alemão em 1890. Bernstein repudiou os métodos revolucionários e negou a possibilidade da falência iminente do sistema capitalista prevista por Marx. O Partido Social Democrata alemão cresceu extraordinariamente com essa política revisionista, e em 1911 já era a maior força política do país. A ala marxista revolucionária do socialismo alemão, representada por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, manteve-se minoritária até a divisão em 1918, que deu origem ao Partido Comunista Alemão. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Na França, o socialismo também se desenvolveu entre duas tendências opostas: a marxista revolucionária de Jules Guesde e a idealista radical de Jean Jaurès, que rejeitava o materialismo histórico de Marx. Em 1905 as duas correntes se unificaram na Seção Francesa da Internacional Operária e entraram em conflito com a linha anarcosindicalista de Georges Sorel e com os líderes parlamentares que defendiam alianças com partidos burgueses. No Reino Unido, a orientação do movimento socialista foi ditada pela tradição do sindicalismo, mais antiga. Os sindicatos foram reconhecidos em 1875 e cinco anos depois surgiu o primeiro grupo de ideologia socialista, a Sociedade Fabiana. Em 1893, fundou-se o Partido Trabalhista, que logo se converteu em importante força política, em contraposição a conservadores e liberais. Na Rússia czarista, o Partido Social Democrata foi fundado em 1898, na clandestinidade, mas dividiu-se em 1903 entre o setor marxista revolucionário, dos bolcheviques, e o setor moderado, dos mencheviques. Liderados por Vladimir Lenin, os bolcheviques chegaram ao poder com a revolução de 1917. Os partidos socialistas e social-democratas europeus foram os maiores responsáveis pela conquista de importantes direitos para a classe dos trabalhadores, como a redução da jornada de trabalho, a melhoria nas condições de vida e de trabalho e o sufrágio universal. A II Internacional, no entanto, não resistiu à divisão promovida pela primeira guerra mundial e foi dissolvida. O Partido Social Democrata alemão, por exemplo, demonstrou dar mais importância ao nacionalismo do que aos interesses internacionalistas ao votar no Parlamento a favor dos créditos pedidos pelo governo para a guerra.
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Dois fatores causaram a gradual redução do apoio popular ao socialismo nas décadas de 1920 e 1930: o sucesso da revolução russa, que fortaleceu o movimento comunista e atraiu numerosos trabalhadores em todo o mundo, e a implantação dos regimes fascista, na Itália, e nazista, na Alemanha. Em 1945, depois da segunda guerra mundial, os partidos socialistas e social-democratas restabeleceram a II Internacional
e
abandonaram
progressivamente
os
princípios
do
marxismo. Em diversos países europeus, como Bélgica, Países Baixos, Suécia, Noruega, República Federal da Alemanha, Áustria, Reino Unido, França e Espanha, os partidos socialistas chegaram a ter grande força política. Muitos deles passaram a se alternar no poder com partidos conservadores e a pôr em prática reformas sociais moderadas. Essa política tornou-se conhecida como welfare state, o estado de bem-estar, no qual as classes podem coexistir em harmonia e sem graves distorções sociais. As idéias socialistas tiveram bastante aceitação em diversos países das áreas menos industrializadas do planeta. Na maioria dos casos, porém, o socialismo da periferia capitalista adotou práticas políticas muito afastadas do modelo europeu, com forte conteúdo nacionalista. Em alguns países árabes e africanos, os socialistas chegaram mesmo a se aliar a governos militares ou totalitários que adotavam um discurso nacionalista. Na América Latina, o movimento ganhou dimensão maior com a vitória da revolução de Cuba em 1959, mas o exemplo não se repetiu em outros países. No Chile, um violento golpe militar derrubou o governo socialista democrático de Salvador Allende em 1973. Fim do "socialismo real". Na última década do século XX chegou ao fim, de forma inesperada, abrupta e inexorável, o modelo A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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socialista criado pela União Soviética. O próprio país, herdeiro do antigo império russo, deixou de existir. Nos anos que se seguiram, cientistas políticos das mais diversas tendências se dedicaram a estudar as causas e conseqüências de um fato histórico e político de tanta relevância. Dentre os fatores explicativos do fim do chamado "socialismo real" da União Soviética destacam-se a incapacidade do país de acompanhar a revolução tecnológica contemporânea, especialmente na área da informática, a ausência de práticas democráticas e a frustração das expectativas de progresso material da população. As explicações sobre o colapso da União Soviética abrangem os demais países do leste europeu que, apesar de suas especificidades, partilharam das mesmas carências. A crise econômica mundial das duas últimas décadas do século XX, que teve papel preponderante no colapso da União Soviética, afetou também os países europeus de governo socialista ou socialdemocrata. Na França, Suécia, Itália e Espanha os partidos socialistas e social-democratas foram responsabilizados pelo aumento do desemprego e do custo de vida. Políticos e ideólogos neoliberais conservadores apressaram-se em declarar a morte do socialismo, enquanto os líderes socialistas tentavam redefinir suas linhas de atuação e encontrar caminhos alternativos para a execução das idéias socialistas e a preservação do estado de bem-estar social. Socialismo no Brasil. Há evidências documentais de difusão de idéias socialistas no Brasil desde a primeira metade do século XIX. Essas posições, porém, se manifestavam sempre a partir de iniciativas individuais, sem agregar grupos capazes de formar associações com militância política. O primeiro partido socialista brasileiro foi fundado em 1902, em São Paulo, sob a direção do imigrante italiano Alcebíades Bertollotti, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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que dirigia o jornal Avanti, vinculado ao Partido Socialista Italiano. No mesmo ano, fundou-se no Rio de Janeiro o Partido Socialista Coletivista, dirigido por Vicente de Sousa, professor do Colégio Pedro II, e Gustavo Lacerda, jornalista e fundador da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Em 1906, foi criado o Partido Operário Independente, que chegou a fundar uma universidade popular, com a participação de Rocha Pombo, Manuel Bonfim, Pedro do Couto, Elísio de Carvalho, Domingos Ribeiro Filho, Frota Pessoa e José Veríssimo. A circulação de idéias socialistas aumentou com a primeira guerra mundial, mas ainda era grande o isolamento dos grupos de esquerda. Em junho de 1916, Francisco Vieira da Silva, Toledo de Loiola, Alonso Costa e Mariano Garcia lançaram o manifesto do Partido Socialista Brasileiro. Em 1º de maio do ano seguinte, lançava-se o manifesto do Partido Socialista do Brasil, assinado por Nestor Peixoto de Oliveira, Isaac Izeckson e Murilo Araújo. Esse grupo defendeu a candidatura de Evaristo de Morais à Câmara dos Deputados e publicou dois jornais, Folha Nova e Tempos Novos, ambos de vida efêmera. Em dezembro de 1919 surgiu no Rio de Janeiro a Liga Socialista, cujos membros passaram a publicar em 1921 a revista Clarté, com o apoio de Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Nicanor do Nascimento, Agripino Nazaré, Leônidas de Resende, Pontes de Miranda e outros. O grupo estenderia sua influência a São Paulo, com Nereu Rangel Pestana, e a Recife, com Joaquim Pimenta. Em 1925 foi fundado um novo Partido Socialista do Brasil, também integrado pelo grupo de Evaristo de Morais. A fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, e seu rápido crescimento sufocaram as dezenas de organizações anarquistas que na década anterior chegaram a realizar greves importantes. Pouco A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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antes da revolução de 1930, Maurício de Lacerda organizou a Frente Unida das Esquerdas, de vida curta. Uma de suas finalidades foi a redação de um projeto de constituição socialista para o Brasil. Proibida a atividade político-partidária durante a ditadura Vargas, o socialismo voltou a se desenvolver em 1945, com a criação da Esquerda Democrática, que em agosto de 1947 foi registrada na justiça eleitoral com o nome de Partido Socialista Brasileiro. Foi presidido por João Mangabeira, que se tornou ministro da Justiça na primeira metade da década de 1960, no governo de João Goulart. Com o golpe militar de 1964, todos os partidos políticos foram dissolvidos e as organizações socialistas puderam atuar apenas na clandestinidade. A criação do bipartidarismo em 1965 permitiu que os políticos de esquerda moderada se abrigassem na legenda do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida ao regime militar, ao lado de conservadores e liberais. Na segunda metade da década de 1960 e ao longo da década de 1970, os socialistas, ao lado de outros setores de oposição ao regime militar, sofreram implacável perseguição. Professavam idéias socialistas a imensa maioria dos militantes de organizações armadas que deram combate ao regime militar. O lento processo de redemocratização iniciado pelo general Ernesto Geisel na segunda metade da década de 1970 deu seus primeiros frutos na década seguinte, quando os partidos socialistas puderam mais uma vez se organizar livremente e apresentar seus próprios candidatos a cargos eletivos. Comunismo "Todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e dividiam o preço entre todos, segundo A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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as necessidades de cada um." Essa descrição das primeiras comunidades cristãs, contida nos Atos dos Apóstolos, revela o conceito de comunismo no sentido mais amplo: um regime social no qual vigoram a propriedade comum de todos os bens e a distribuição equitativa da riqueza. De acordo com a formulação de Karl Marx, o comunismo moderno seria a fase superior da evolução histórica da sociedade, altamente organizada, formada por trabalhadores livres e conscientes que teriam a posse coletiva dos meios de produção. O advento dessa sociedade determinaria o desaparecimento do estado. As nações se aproximariam cada vez mais umas das outras e suas fronteiras desapareceriam. A organização social, fundamentada no modo de produção comunista, garantiria o completo desenvolvimento de cada ser humano e a utilização de todo seu talento e capacidade, com maior proveito para si e para a sociedade. O livre desenvolvimento de cada um levaria ao livre desenvolvimento de todos e assim se tornariam finalmente harmônicas as relações entre o indivíduo e a sociedade. Comunismo primitivo. Baseado nas pesquisas antropológicas de seu tempo, Marx supôs a existência de uma espécie de comunismo nas sociedades primitivas. A sobrevivência da comunidade dependeria do trabalho coletivo e a inviabilidade técnica de produzir excedente eliminaria a possibilidade de propriedade privada. Por não haver riquezas a apropriar, não existiriam também as relações de dominação e a organização social seria muito simples, com base na família. As relações de produção se dariam a partir da propriedade comum dos meios de produção -- terra, instrumentos de trabalho e habitações. A propriedade privada se limitaria às armas, roupas e utensílios domésticos. O trabalho coletivo seria uma necessidade, na paz e na guerra.
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No plano teórico, costuma-se citar como antecedentes filosóficos
do
comunismo
as
idéias
do
filósofo
grego
Platão,
especialmente as expostas em A república. Para ele, a restauração do estado dependia da restauração da harmonia, que a democracia não conseguira implantar, por meio da comunidade de bens. Entretanto, a base do estado ideal de Platão é o trabalho escravo e seu sistema, uma idealização do sistema egípcio de castas. Socialismo utópico. No Renascimento, período em que ressurgiram as idéias platônicas, Thomas More publicou Utopia, em que se encontram os primeiros elementos do socialismo utópico. Até meados do século XIX sucederam-se os socialistas utópicos e foram tentadas várias experiências românticas de sociedades comunais. Entre os principais utópicos destacam-se Jacob Andreae, Francis Bacon, Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier. Os partidários das teorias de Owen organizaram núcleos comunistas nos Estados Unidos e Inglaterra. Comunismo marxista. A filosofia marxista nasceu na Europa na década de 1840, época em que estava consolidado o capitalismo inglês e a industrialização agravara as desigualdades sociais. Para o marxismo, no sistema capitalista impera a ditadura da burguesia, a qual, na etapa do socialismo seria substituída pela ditadura do proletariado. A propriedade social dos meios de produção no socialismo levaria à extinção gradual das classes e à evolução para o comunismo. A filosofia marxista, ou materialismo dialético, aplicada à história constitui o materialismo histórico, segundo o qual a história progride pela luta de classes. O Manifesto comunista, de 1848, escrito por Marx e Engels, é o primeiro documento do comunismo científico, expressão usada pelos autores para diferenciá-lo do comunismo utópico, afirmando que o A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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socialismo decorre do capitalismo de maneira necessária, historicamente determinada, da mesma forma como o capitalismo sucedeu ao modo de produção feudal. Fases do comunismo. Na Crítica ao programa de Gotha (1875), Marx afirma que entre o fim da sociedade capitalista e o advento da sociedade comunista transcorreria um longo período de transição, que ele denominou socialismo. Estabelecidas as condições políticas (ditadura do proletariado) e econômicas (socialização dos meios de produção), sobreviveriam ainda na sociedade socialista elementos fundamentais da velha sociedade: relações econômicas, sociais, jurídicas, éticas etc. Permaneceria a oposição entre trabalho intelectual e manual e o grau insuficiente de desenvolvimento das forças produtivas determinaria a distribuição dos bens e serviços segundo a quantidade e qualidade do trabalho de cada um. Cumprido o período de transição socialista, seria instaurada a sociedade comunista, com a posse coletiva da totalidade dos meios de produção, desaparecimento definitivo das classes, das diferenças entre a cidade e o campo e entre trabalho intelectual e manual. O estado, instrumento de dominação de uma classe sobre outras, desapareceria e, nas palavras de Marx, o governo dos homens seria substituído pela administração das coisas. Uma vez superada a ordem jurídica burguesa, a sociedade poderia "escrever em suas bandeiras: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade". Movimento
comunista.
O
sistema
filosófico
marxista
estabelece uma ligação indissolúvel entre teoria e prática, e Marx e Engels, coerentes com esse princípio, trataram de ligar-se à classe operária. Para isso viajaram a Bruxelas, Paris e Londres, onde entraram em contato com as organizações proletárias e democráticas a fim de A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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convencer seus líderes do papel revolucionário da classe operária. Em 1847 seus partidários fundaram a Liga dos Comunistas, cujo programa, redigido por Marx, levou o título de Manifesto comunista e foi publicado em Londres no ano seguinte. O próprio Marx propôs a dissolução da Liga, cinco anos após sua criação, devido às perseguições da polícia prussiana e ao processo dos comunistas na cidade de Colônia, após o fracasso da revolução de 1848 na Alemanha. Em 1864, Marx participou da criação da Associação Internacional
dos
Trabalhadores,
que
ficou
conhecida
como
I
Internacional. Redigiu seus estatutos e procurou orientá-la para o socialismo científico. As adesões se multiplicaram até 1870, quando o anarquista russo Mikhail Bakunin começou a ter grande influência sobre o proletariado, criticando o comunismo por sua "mania de organização e disciplina". A luta entre as duas tendências se agravou com o fracasso da Comuna de Paris, em 1871. Em 1876, decide-se extinguir a I Internacional. Socialistas de 23 países reunidos em Paris para comemorar o centenário da queda da Bastilha, em 1889, lançaram as bases da II Internacional, cuja fundação se consumou em 1891, em Bruxelas, sob o nome de Internacional Operária, que congregava representantes de várias tendências. No congresso de 1893 decidiu-se expulsar os anarquistas. As divergências internas exacerbaram-se com o fracasso da revolução de 1905 na Rússia, mas, apesar disso, em 1912 a II Internacional contava com 12 milhões de sindicalizados e 7,5 milhões de cooperados. A iminência de uma guerra mundial levou os parlamentares social-democratas alemães, franceses e ingleses a apoiar os governos nacionais, numa posição incompatível com o internacionalismo proletário. A II Internacional foi então abandonada pelos marxistas. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Leninismo.
O
marxista
russo
Vladimir
Ilitch
Ulianov,
conhecido pelo pseudônimo de Lenin, publicou em 1902 o livro intitulado Chto dielat? (Que fazer?), no qual expôs suas teses sobre a organização do partido revolucionário. No II Congresso do Partido Social Democrata Russo, realizado em 1903, operou-se a cisão entre bolcheviques, fração majoritária, e mencheviques, fração moderada minoritária do partido. Em outubro de 1917, eclodiu na Rússia a revolução bolchevique, inspirada nas teses leninistas sobre a luta armada pelo poder. A III Internacional foi fundada em Moscou, em 1919, e em seu II Congresso, realizado no ano seguinte, tomou o nome de Internacional Comunista e estabeleceu programa e direção precisos. Lenin enunciou então as 21 condições de admissão dos partidos à organização.
Os
que
foram
aceitos
adotaram
explicitamente
a
denominação de partido comunista e assumiram como um de seus principais objetivos a defesa da "pátria do socialismo". O Partido Operário Social-Democrata da Rússia, encabeçado por Lenin, transformou-se no Partido Comunista de Todas as Rússias, nome mudado em 1925 para Partido Comunista da União (ao criar-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e, finalmente, em 1952, para Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Desde a vitória da revolução, em 1917, a história desse partido confundiu-se com a do próprio país. Stalinismo. A morte de Lenin, em 1924, abriu o problema sucessório. Assumiu o governo a troika (triunvirato), formada por Lev Kamenev, Grigori Zinoviev e Josef Stalin, este último secretário-geral do partido desde 1922 e em decidida marcha para o poder total. Defensor da teoria do "socialismo em um só país", entrou em choque com a tese da "revolução permanente", de Leon Trotski. Em 1925, Stalin já era o dirigente único da União Soviética e líder supremo do movimento A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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comunista internacional, posições referendadas pela III Internacional e pelo XIV Congresso do Partido Comunista. Em 1928, o primeiro plano qüinqüenal de Stalin pôs fim à nova política econômica (NEP) de Lenin, em vigor desde 1920, que protegia o direito à pequena propriedade. Inicia-se o programa de industrialização rápida e socialização forçada para assegurar a defesa da União Soviética contra a ameaça capitalista. Stalin soube tirar partido da onda de "patriotismo soviético" para efetivar profundas modificações econômicas no país e desencadear a eliminação em massa de dissidentes. No plano internacional, rompendo o pacto de não-agressão que assinara com a Alemanha hitlerista, participou ativamente da segunda guerra mundial contra o nazi-fascismo. Ao final da guerra, com a intervenção do Exército Vermelho, os soviéticos impuseram governos comunistas na Hungria, Polônia, Romênia, Bulgária e Tchecoslováquia. Na Iugoslávia, Josip Broz Tito, herói da resistência antinazista, instaurou um governo pró-soviético. Todos esses países, mais líderes comunistas da França e Itália, uniram-se à União Soviética para criar, em 1947, o Bureau de Informação Comunista (Cominform), do qual a Iugoslávia foi expulsa no ano seguinte pela posição independente de Tito. Em 1949, os comunistas chineses liderados por Mao Zedong (Mao Tsé-tung) criaram a República Popular da China. Com a morte de Stalin, em 1953, Nikita Khrutchev assumiu o controle do partido e denunciou os erros do antecessor. Em 1956, o XX Congresso do PCUS adotou a política de coexistência pacífica com os governos ocidentais. Embora abrandado o terror interno, as revoltas anticomunistas na Hungria e Tchecoslováquia foram reprimidas com rigor, o que manifestou as profundas divergências no interior do governo soviético. Em 1964, Khrutchev foi afastado do poder e teve início a direção colegiada do partido, com Leonid Brejnev. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Aprofundaram-se as divergências ideológicas com a China, que passou a acusar o PCUS de abandono da luta revolucionária e adoção de uma política reformista, como concessão à coexistência pacífica. Os governos dos países capitalistas fecharam o cerco contra a expansão comunista, criaram uma frente contra a "exportação" do socialismo e, na América Latina, apoiaram golpes de estado contra governos democráticos na Argentina, Brasil, Uruguai e, mais tarde, no Chile. As tensões se agravaram com o alinhamento de Cuba junto ao bloco comunista depois da revolução cubana de 1959. Desintegração do comunismo. A invasão do Afeganistão em 1979, última operação intervencionista da União Soviética, provocou um imenso desgaste militar e político que culminou com a retirada, dez anos mais tarde, por força do clamor internacional. Já em 1985, ao assumir o poder, Mikhail Gorbatchev deixara clara sua intenção de mudança: a perestroika (reestruturação administrativa de empresas e órgãos do governo) e a glasnost (transparência das atividades governamentais, baseada na liberdade de informação) foram as duas linhas de força no desmonte da estrutura de poder montada pelo partido, que levara ao surgimento
da
nomenklatura
(classe
privilegiada
de
burocratas),
corrupção desmedida e atraso tecnológico. O fim do confronto com o Ocidente e a democratização permitiram a independência dos países que formavam a "cortina de ferro" (expressão criada por Winston Churchill para designar o conjunto de países formado por Tchecoslováquia, Hungria, Polônia e Bulgária), a queda de ditaduras tão corruptas quanto sangrentas, como as da Romênia e Albânia, e a reunificação da Alemanha. As
repúblicas
que
constituíam
a
União
Soviética
se
separaram e fundaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI), A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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preservando sua autonomia. A secessão mergulhou a Iugoslávia numa luta sangrenta entre nacionalidades. O Iêmen do Sul e o do Norte se reunificaram. Em Angola, Moçambique e Etiópia, os governos socialistas foram substituídos ou mudaram de orientação. Em todo o Ocidente, ocorreu
uma
radical
transformação
dos
partidos
comunistas,
principalmente os de maior representatividade, como o italiano, o francês e o espanhol. Ao iniciar-se a última década do século XX, apenas a China, o Vietnam e Cuba mantinham governos declaradamente comunistas. A ideologia marxista, em todo o mundo, sofreu uma queda drástica de popularidade. Comunismo no Brasil. Até a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, a ideologia predominante no movimento operário brasileiro era o anarco-sindicalismo. O Manifesto comunista somente apareceu em livro no Brasil em 1924, ou seja, 76 anos após sua primeira edição na Europa. Três meses depois de sua fundação, o partido foi posto na ilegalidade e assim permaneceu até 1985, com breves períodos em que pôde atuar livremente. Em 1930, Luís Carlos Prestes, que se notabilizara por liderar a oposição ao governo Artur Bernardes, na famosa Coluna Prestes, aderiu ao comunismo. A Aliança Nacional Libertadora, criada pelo PCB no início de 1935, procurava pôr em prática nas condições brasileiras a tática das frentes únicas e frentes populares, preconizadas então pelo comunismo internacional. A ela aderiram tenentistas, militares e civis. Como resultado da combinação do tenentismo com o comunismo, eclodiu em 1935 um fracassado levante militar, a chamada intentona comunista, no Rio Grande do Norte, Recife e, posteriormente, no Rio de Janeiro. Com a redemocratização do país, em 1945, o PCB viveu seu maior período de legalidade, sob a liderança de Prestes, que A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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celebrou uma aliança com Getúlio Vargas. Defendiam então os ideólogos do partido a tese da "burguesia progressista", de caráter nacionalista. O PCB conseguiu eleger um senador e 22 deputados para a Constituinte de 1946 e passou a editar um jornal, a Tribuna Popular. Mas já no ano seguinte, o Tribunal Superior Eleitoral anulou o registro do partido e o Congresso cassou os mandatos de seus deputados. Dessa época até 1960, os comunistas brasileiros viveram na ilegalidade e fiéis à linha ditada por Moscou. Em 1957, insatisfeito com a obediência cega à orientação soviética, um grupo liderado por Agildo Barata deixou o partido. Em 1962, já com o nome de Partido Comunista Brasileiro, sofreu uma cisão liderada por João Amazonas e Maurício Grabois, que fundaram o Partido Comunista do Brasil (PC do B). Em 1967, durante o regime militar, alguns integrantes foram expulsos por defender a luta armada contra a ditadura. Carlos Marighela fundou então a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que se empenharam na organização de guerrilhas urbanas e rurais, logo desbaratadas pela repressão. Em 1980 Prestes deixou o partido, juntamente com Gregório Bezerra. Em 1985, com a redemocratização do país, todos os partidos voltaram à legalidade, mas a derrocada do comunismo na União Soviética e na Europa oriental, a par do crescimento do Partido dos Trabalhadores (PT) -- de ideário esquerdista e bases sindicais não comprometidas diretamente com as antigas lideranças comunistas -acarretaram um crescente desprestígio para a ideologia marxista. O PCB transformou-se, em 1992, no Partido Popular Socialista, liderado por Roberto Freire. As demais legendas perderam-se num amontoado de siglas sem representatividade, que viviam na periferia dos grandes A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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partidos de centro-esquerda, como o PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Anarquismo Freqüentemente identificado com a violência indiscriminada e com a negação de todos os valores estabelecidos, o anarquismo, para além dos excessos que possam ter gerado essa caricatura, é no entanto um capítulo de grande importância na história política e social do Ocidente, desde o fim do século XVIII. Como concepção vital, o anarquismo (do grego ánarkhos, "sem governo") afirma que tudo o que limita a liberdade do ser humano deve ser suprimido. Como movimento político e social, pretende destruir os freios -- religião, estado, propriedade privada, lei -- que, segundo suas teorias, se interpõem entre o indivíduo e sua liberdade, para assim possibilitar a construção de uma vida comunitária livre e solidária. História. O primeiro teórico moderno do anarquismo talvez tenha sido o inglês William Godwin, que em seu ensaio Enquiry Concerning Political Justice (1793; Indagação relativa à justiça política) antecipou muitas das questões ideológicas que tomariam forma anos mais tarde. Outro antecedente do movimento
anarquista foi a
"conspiração dos iguais", dirigida por Gracchus Babeuf, pouco depois da revolução francesa. Foi a primeira tentativa de colocar a igualdade real dos cidadãos acima da igualdade política consagrada pela revolução. O desenvolvimento do anarquismo ao longo da primeira metade do século XIX foi paralelo ao do movimento socialista. Durante muitos anos houve momentos de ação comum entre anarquistas e socialistas, até que os dois campos ideológicos se desvinculassem claramente. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Em 1840, o francês Pierre-Joseph Proudhon publicou Qu'estce que la propriété? (Que é a propriedade?), em que aparecia a conhecida frase: "A propriedade é um roubo." Cinco anos mais tarde, o alemão Max Stirner divulgava Der Einzige und sein Eigentum (O indivíduo e sua propriedade), no qual desenvolvia idéias muito semelhantes às de Proudhon. Depois da morte deste, em 1865, o principal representante do anarquismo foi o russo Mikhail Bakunin, que integrou o movimento à Associação Internacional de Trabalhadores, ou Primeira Internacional Operária, fundada em 1864. A cisão dessa entidade, no Congresso de Haia de 1872, deixou em mãos anarquistas o controle das organizações de trabalhadores em diversos países: Bélgica, Países Baixos, Reino Unido, Estados Unidos e, especialmente, Espanha e Itália, onde só o advento do fascismo foi capaz de destruir a influência anarquista sobre as massas operárias. Apesar de um aparente ressurgimento nos últimos anos da década de 1960, o movimento anarquista, como organização de massas, não sobreviveu à segunda guerra mundial. Porém muitas de suas teses, como a de que o estado se interpõe entre o ser humano e sua realização pessoal, chegaram a tornar-se triviais entre numerosos pensadores de todo o mundo. Ideologia anarquista. Segundo o anarquismo, todos os tipos de autoridade -- política, religiosa etc. -- são contrários à liberdade individual e devem por isso ser repelidos e eliminados. Um contrato individual livremente aceito pelos homens asseguraria a justiça e a ordem. Dessa forma, uma infinidade de contratos livremente consentidos geraria um sistema em equilíbrio dinâmico, um sistema federal, em que a
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solidariedade seria muito superior à obtida nos sistemas baseados na autoridade e na coerção. Denúncia da falsa democracia. O estado moderno -- afirma o anarquismo -- encontra sua legitimação na ficção democrática do sufrágio universal, que consiste em atribuir a cada cidadão o direito de um voto. Isso cria a ilusão de que o povo governa a si mesmo, quando, na verdade, as múltiplas manipulações do sistema levam à preservação da desigualdade entre ricos e pobres, entre poderosos e usurpados, apesar das aparências de igualdade jurídica. Por isso, o militante anarquista sempre se absteve de votar nas eleições, em cujas virtudes não crê. Propriedade, liberdade, solidariedade. No início, alguns pensadores
anarquistas
consideravam
a
propriedade
privada
indispensável à liberdade do indivíduo. Mas na evolução das idéias anarquistas chegou um momento, no fim do século XIX, em que triunfou a concepção oposta, sustentada pelo russo Piotr Kropotkin. Segundo ele, a supressão do estado e das instituições opressoras do homem acarretaria
também
o
desaparecimento
das
desigualdades
e
o
nascimento de uma sociedade nova, na qual -- de acordo com o princípio de Marx -- cada um daria segundo suas capacidades e receberia segundo suas necessidades. Portanto, a liberdade e a solidariedade constituem dois aspectos inseparáveis do mesmo fenômeno humano. São as duas faces de uma mesma moeda e uma não pode existir sem a outra. Na segunda metade do século XX, contudo, houve um renascimento ideológico do anarquismo libertário, que defendia a propriedade privada, em autores como o americano Robert Nozick. Aperfeiçoamento individual. Os anarquistas têm uma ética muito característica. A convicção de que a sociedade não vai melhorar A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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por ação do estado ou de qualquer outra instituição, e de que na consecução da nova sociedade cabe ao indivíduo um papel primordial, tem como resultado a formação de um forte sentido moral, de um permanente esforço de superação de si mesmo. Não foi por acaso que os movimentos anarquistas do começo do século XX se fizeram acompanhar da criação de ateneus, sociedades culturais e todo tipo de iniciativa para o aperfeiçoamento intelectual dos indivíduos. Anarquismo na Espanha e na América Latina. Como foi dito, a cisão da Primeira Internacional em 1872 deixou o movimento operário espanhol sob o controle das tendências anarquistas. Seguiram-se anos de intensa atividade política, marcada por episódios de terrorismo e de pressão, particularmente na Catalunha e na Andaluzia. Durante a ditadura de Miguel Primo de Rivera (1923-1930), a Confederação
Nacional
do
Trabalho
(CNT),
organização
sindical
anarquista, foi posta fora da lei. Ressurgiu com força no decorrer da segunda república e sua participação nas eleições de fevereiro de 1936, contrariando a tradição abstencionista do anarquismo, foi determinante para o triunfo da Frente Popular. Durante a guerra civil a CNT passou a fazer parte do governo republicano. Em muitas indústrias catalães e, particularmente, entre os camponeses do baixo Aragão, criaram-se comunas de inspiração anarquista, que constituíram a experiência de maior alcance entre as ensaiadas na Europa ocidental. A rivalidade com os comunistas e a posterior derrota militar da república acarretaram o esmagamento quase total do movimento anarquista. Na América Latina o anarquismo apareceu no fim do século XIX, vinculado sobretudo à imigração européia, especialmente a espanhola e a italiana. No Peru, na Bolívia e no Chile o movimento
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anarquista se fortaleceu nas primeiras décadas do século XX, nos setores mineiro e portuário. Em 1879 apareceram na Argentina as primeiras publicações de caráter anarquista. Com a chegada do italiano Enrico Malatesta, em 1885, e de outros ativistas europeus, o anarquismo recebeu um impulso decisivo. Em 1901 fundou-se a Federação Operária Regional Argentina (FORA), que no ano seguinte ficou sob o controle anarquista e cresceu consideravelmente mais tarde. Mas, assim como no resto dos países latino-americanos, o anarco-sindicalismo viria progressivamente a perder sua influência no movimento operário, primeiro para os socialistas e mais tarde para os comunistas. Em 1910 os irmãos Ricardo, Enrique e Jesús Flores Magón criaram no México, em torno do periódico Regeneración (editado em Los Angeles, Estados Unidos), um movimento de ideologia anarquista que, embora tenha sido precursor da revolução mexicana, perdeu sua influência com a vitória e a institucionalização desta. Em Cuba, o movimento operário anarquista, já presente nos anos da luta pela independência, chegou a ser majoritário na Federação Cubana do Trabalho até 1925. Anarquismo no Brasil. A primeira tentativa de proselitismo anarquista no Brasil data provavelmente da criação em 1889 da colônia Cecília, no município de Palmeira PR, por iniciativa do jornalista e agrônomo italiano Giovanni Rossi, que havia pleiteado ao governo do império o estabelecimento de uma colônia experimental que fosse o núcleo inicial de uma "sociedade nova". Rossi e seus companheiros, que se intitulavam "filósofos ácratas" chegaram, porém, ao Brasil depois de instaurada a república, e tiveram por isso de enfrentar as maiores
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dificuldades, de vez que o novo regime não reconhecia as concessões de terras antes outorgadas pela monarquia aos estrangeiros. Natural de Pisa, onde nasceu em 1860, e editor de um periódico em Brescia, Il Sperimentale (O Experimental), Rossi conhecera Carlos Gomes em Milão, por volta de 1888, e foi o músico brasileiro que o animou a dirigir-se a D. Pedro II. Depois de três anos no interior do Paraná, Rossi acabou desistindo da sua experiência, no sentido de instaurar uma comunidade baseada no trabalho livre, na vida livre e no amor livre. Em 1893 abandonou a colônia Cecília para lecionar agronomia em Taquari RS. Transferiu-se depois para Santa Catarina, onde dirigiu a estação agronômica do estado, retornando à Itália em 1907, para retomar sua atividade profissional como vitivinicultor. Foi, contudo, em São Paulo que surgiram os primeiros anarquistas revolucionários, à época do impulso de industrialização dos primeiros anos da república. Em 1893 eram presos agitadores que se proclamavam partidários dos ideais libertários. E em 1898 registrou-se a morte de um deles, Polinice Pattei, em choque com a polícia. A imprensa anarquista teve início no mesmo ano, com a publicação de Il Risveglio (O Despertar), em língua italiana, dirigido por Alfredo Mari. Em 1904, apareceu O Amigo do Povo, periódico do jornalista português Nazianzeno Vasconcelos, cujo nome de guerra, Neno Vasco, se tornaria conhecido nos círculos proletários por sua longa pregação doutrinária. Do mesmo ano de 1904 é La Battaglia (A Batalha), semanário e, durante certo período, diário, sob a direção de Oreste Ristori, de origem italiana, o mais ativo e tenaz porta-voz do anarquismo nessa fase inicial do movimento (1904-1912), preso e deportado repetidas vezes, a última em 1935, quando se refugiou na Espanha, vindo a morrer como combatente na revolução. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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O anarquismo predominou na luta pelas reivindicações operárias até a formação do Partido Comunista (1922), que se organizou com a cisão do bloco libertário, após o malogro do Partido Comunista Anarquista (1919). As grandes greves de 1917 (São Paulo), 1918 (Rio de Janeiro) e 1919 (Rio de Janeiro e São Paulo) obedeceram ao comando de comitês constituídos por uniões, federações e resistências de hegemonia anarquista, com a simpatia e até o apoio de intelectuais libertários, como Lima Barreto e Fábio Luz, entre outros. No Rio de Janeiro, destacou-se sobretudo José Oiticica, que se manteve sempre fiel a suas idéias, à frente do periódico Ação Direta, que circulou pela primeira vez em 1929 e de 1946 a 1958, mesmo depois do falecimento do fundador, embora com uma ou outra interrupção. Além de Oiticica, o anarquismo brasileiro teve dois outros militantes de largo prestígio: Edgard Leuenroth e Everardo Dias, que foram os principais articuladores das greves de 1917, 1918 e 1919. Feminismo Na vasta gama de discriminações que existem entre os seres humanos, uma das mais antigas é a sofrida pelas mulheres. Desde o século XVIII diversos movimentos que se propõem a modificar esse estado de coisas. Feminismo é o movimento social que defende igualdade de direitos e status entre homens e mulheres, que devem ter garantida liberdade de decisão sobre suas próprias carreiras e padrões de vida. Origens do feminismo. Embora ao longo da história, diversas correntes filosóficas e religiosas, a exemplo do cristianismo primitivo, tenham defendido a dignidade e os direitos da mulher, o movimento feminista remonta mais propriamente à revolução francesa. A convulsão A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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desencadeada em 1789, além de pôr em cheque o sistema político e social então vigente na França e no resto do Ocidente, encorajou as mulheres a denunciar a sujeição em que eram mantidas e que se manifestava em todas as esferas da existência: jurídica, política, econômica, educacional etc. Enquanto os revolucionários proclamavam uma declaração dos direitos do homem e do cidadão, a escritora e militante Olympe de Gouges redigia um projeto de declaração dos direitos da mulher, inspirada nas idéias poéticas e filosóficas do marquês de Condorcet, que integrava a Assembléia. Desde o início da revolução, as francesas participaram ativamente da vida política e criaram inúmeros clubes de ativistas femininas. Em 1792, uma delegação encabeçada por Etta Palm foi até a Assembléia para exigir que as mulheres tivessem acesso ao serviço público e às forças armadas. Essa exigência não foi atendida e o movimento feminino foi suprimido pelo Terror. Robespierre proibiu que as mulheres se associassem a clubes, e o projeto de igualdade política de ambos os sexos foi arquivado. Mesmo assim, a revolução deu ímpeto a uma campanha que se prolongaria nos séculos seguintes. O feminismo francês ressurgiu em 1836, com a Gazette des Femmes, jornal animado por Mme. Herbinot de Mauchamps, que tinha por plataforma a igualdade jurídica dos homens e das mulheres. Em 1848, a França conheceu nova revolução e, como a anterior, sacudiu as bases da ordem estabelecida. Mais uma vez os clubes femininos proliferaram no país. As mulheres agora reivindicavam não só a igualdade jurídica e o direito a voto, mas também a equiparação de salários. Essas novas exigências se explicavam pelas transformações da sociedade européia da época. Com a crescente industrialização, as A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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mulheres dos meados do século XIX foram cada vez mais abandonando seus lares para empregar-se como assalariadas nas indústrias e oficinas. Entraram, assim, em contato com as duras realidades do mercado de trabalho: se os operários da época já eram mal pagos, elas recebiam menos ainda. Conseqüentemente, era mais vantajoso dar emprego às mulheres que aos homens, e, assim, estes últimos viram-se envolvidos em uma penosa concorrência com o outro sexo. Irromperam até mesmo movimentos de oposição ao trabalho feminino. Nesse
confuso
panorama,
emergiram
dois
fenômenos
significativos. A partir do momento em que as mulheres se mostraram capazes de contribuir para o sustento de suas famílias, não foi mais possível tratá-las apenas como donas-de-casa ou objetos de prazer. As difíceis condições de trabalho impostas às mulheres conduziram-nas a reivindicações que coincidiam com as da classe operária em geral. É, pois, dessa época que data a estreita relação do feminismo com os movimentos de esquerda. Em 1868, surgiu na França o primeiro movimento feminista, de organização ainda incipiente, cujo órgão era Le Droit des Femmes, jornal editado por Marie Deraismes e Léon Richer. O movimento, de agitação e propaganda em favor das reivindicações femininas, passou por vicissitudes, mas possibilitou a organização de um primeiro congresso internacional de mulheres. Entrementes, o movimento socialista incluiu entre suas reivindicações também a das mulheres. Surgiu, então, a sociedade Le Suffrage des Femmes (O Voto das Mulheres), fundada por Hubertine Auclert. Em 1882, diversas organizações femininas realizaram um segundo congresso, que contou com o apoio de grandes figuras da vida cultural francesa, como Victor Hugo e Alexandre Dumas, criador do A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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termo feminismo. As mulheres francesas conquistaram o direito de voto em 1949. Feminismo nos Estados Unidos e no Reino Unido. Os Estados Unidos e o Reino Unido também se notabilizaram por vigorosos movimentos feministas, surgidos já em princípios do século XIX. Em 1837, fundou-se nos Estados Unidos a universidade feminina de Holyoke e, nesse mesmo ano, realizou-se em Nova York uma convenção de mulheres
que
se
opunham
à
escravidão.
O
abolicionismo
foi,
efetivamente, um dos temas centrais do desenvolvimento e consolidação do movimento feminista americano. Uma segunda
convenção, reservada exclusivamente a
mulheres, reuniu-se em Seneca Falls e em Rochester, no estado de Nova York, em 1848. Suas principais animadoras, Elizabeth Cady Stanton e Lucretia
Mott,
apresentaram,
então,
um
projeto
de
emenda
constitucional que, se aprovado pelo Congresso, teria representado a equiparação jurídica de homens e mulheres. Tal como na França e nos outros países, as americanas tiveram de esperar o século seguinte para conquistar o direito de voto. Em 1869, existiam no país duas associações feministas: a National Woman Suffrage Association (Associação Nacional do Sufrágio Feminino), dirigida por Harriet Stanton e Susan B. Anthony, e a American Woman
Suffrage
Association
(Associação
Americana
do
Sufrágio
Feminino), liderada por Lucy Stone, que perseveraram na luta, não raro recorrendo à violência, até 1920, quando as mulheres americanas alcançaram seu direito ao voto. No Reino Unido, Mary Wollstonecraft publicou A Vindication of the Rights of Women (1792; Reivindicação dos direitos das mulheres), obra em que exigia para as mulheres as mesmas oportunidades de que A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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gozavam os homens na educação, no trabalho e na política. Mas foi somente em meados do século XIX, graças aos esforços conjuntos de Barbara Leigh Smith e do filósofo e economista John Stuart Mill, que se criou um comitê do sufrágio feminino. Em 1866, esse comitê apresentou ao Parlamento um projeto igualitário, que foi rejeitado. Apesar
dos
êxitos
parciais
alcançados,
o
movimento
sufragista britânico teve de esperar também o século XX para ver coroados seus esforços. Em 1903, sob a direção de Emmeline Pankhurst, a organização Women's Social and Political Union (União Social e Política das Mulheres) empreendeu uma intensa campanha. As suffragettes inglesas não hesitaram em recorrer a métodos violentos: atacaram estações ferroviárias, incendiaram edifícios, quebraram vitrinas e fizeram ruidosas manifestações nas ruas. Proscrita a entidade em 1913, Pankhurst e outras numerosas ativistas foram julgadas e condenadas à prisão. Depois da primeira guerra mundial, em que o feminismo britânico se viu desmobilizado, as britânicas, já em 1919, conseguiram o direito parcial de voto. Essa vitória consolidou-se em 1928, quando finalmente elas conseguiram acesso irrestrito às urnas e ao Parlamento. Feminismo no Brasil. Como em outros países, foi longa a luta das mulheres por seus direitos. José Bonifácio e Manuel Alves Branco, visconde de Caravelas, apresentaram um projeto que concedia o direito de voto a mulheres viúvas ou separadas do marido. Na constituinte de 1890-1891, foi aprovado em primeira discussão o projeto do deputado paulista Costa Machado, favorável ao voto feminino, mas prevaleceu a opinião dos positivistas, de que a atividade política não era honrosa para a mulher.
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O movimento feminista brasileiro teve como sua principal líder a bióloga e zoóloga Berta Lutz, que fundou, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Essa organização tinha entre suas reivindicações o direito de voto, o de escolha de domicílio e o de trabalho, independentemente da autorização do marido. Outra líder feminina, Nuta Bartlett James, participou das lutas políticas do país na década de 1930 e foi uma das fundadoras da União Democrática Nacional (UDN). O direito de voto só foi concedido às mulheres brasileiras pelo código eleitoral de 1933. Na constituição de 1934 estabeleceu-se a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de sexo, e a proibição de trabalho de mulheres em indústrias insalubres. Feminismo no século XX. Desde o início do século XX, a situação mudou rapidamente pelo mundo inteiro. A revolução russa de 1917 concedeu o direito de voto às mulheres e, em 1930, elas já votavam na Nova Zelândia (1893), na Austrália (1902), na Finlândia (1906), na Noruega (1913) e no Equador (1929). Por volta de 1950, a lista compreendia mais de cem nações. Na Espanha, onde Concepción Arenal defendera já no século XIX o direito feminino à educação e reivindicara proteção do estado para o trabalho das mulheres, surgiram em 1920 entidades femininas como a Asociación Nacional de Mujeres Españolas, em Madri, ou a Mujer del Porvenir e a Progresiva Femenina, em Barcelona. Durante a ditadura de Miguel Primo de Rivera mulheres galgaram postos legislativos, mas só na república de 1931-1936 obtiveram o sufrágio e até chegaram a participar do governo. Também
na América Latina surgiram
organizações
feministas no século XX, como a Sociedad Protectora de La Mujer, fundada no México em 1904. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Após a segunda guerra mundial, o feminismo ressurgiu com vigor redobrado, sob a influência de obras como Le Deuxième Sexe (1949; O segundo sexo), da francesa Simone de Beauvoir, e The Feminine Mystique (1963; A mística feminina), da americana Betty Friedan. No Reino Unido destacou-se Germaine Greer, australiana de nascimento, autora de The Female Eunuch (1971; A mulher eunuco), considerado o manifesto mais realista do women's liberation movimento (movimento de libertação da mulher), mundialmente conhecido como women's lib. Agora já não se tratava mais de conquistar direitos civis para as mulheres, mas antes de descrever sua condição de oprimida pela cultura masculina, de revelar os mecanismos psicológicos e psicossociais dessa marginalização e de projetar estratégias capazes de proporcionar às mulheres uma liberação integral, que incluísse também o corpo e os desejos. Além disso, contam-se entre as reivindicações do moderno movimento feminista a interrupção voluntária da gravidez, a radical igualdade nos salários e o acesso a postos de responsabilidade. O ano de 1975 foi declarado ano internacional da mulher pelas Nações Unidas e culminou com uma grande concentração feminina na Cidade do México. Em seu transcurso foi aprovado um plano de ação para promover a ascensão social e pessoal da mulher em todo o mundo. O
objetivo
de
plena
igualdade,
nunca
radicalmente
alcançado, realizou-se de forma muito desigual nos diversos países. Entre os principais obstáculos, os de índole cultural são de grande importância. Assim, por exemplo, sobrevivem em grande parte do continente africano resíduos da organização tribal. Em outra esfera, as peculiaridades culturais do mundo islâmico redundam em dificuldades e atrasos na consecução das reivindicações feministas.
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Estado Em todas as sociedades humanas, a convivência pacífica só é possível graças à existência de um poder político instituído acima dos interesses e vontades individuais. O estado, organização que monopoliza esse poder nas civilizações desenvolvidas, tem alcançado o bem comum ao longo da história pelo emprego de formas diferentes de governo. Conceito geral Estado é a organização política de um país, ou seja, a estrutura de poder instituída sobre determinado território ou população. Poder, território e povo (ou nação) são, conseqüentemente, os elementos componentes do conceito de estado, que com eles deve estar identificado. Poder é a capacidade que o aparelho institucional tem para impor à sociedade o cumprimento e a aceitação das decisões do governo ou órgão executivo do estado. O território, espaço físico em que se exerce o poder, está claramente delimitado com relação ao de outros estados e coincide com os limites da soberania. A nação ou povo sobre o qual atua o estado é uma comunidade humana que possui elementos culturais, vínculos econômicos, tradições e histórias comuns. Isso configura um espírito solidário que geralmente é anterior à formação da organização política. Dessa forma, o estado e a nação nem sempre coincidem: há estados plurinacionais (com várias nacionalidades) - como a Espanha, a Suíça e o Canadá - e nações repartidas entre vários estados - como no caso do povo árabe. O aparelho de estado é composto de três elementos básicos de organização: a administração, as forças armadas e a fazenda. A administração é a organização encarregada de tomar as decisões políticas e de fazer com que elas sejam cumpridas por intermédio de uma A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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série de órgãos ou departamentos (governo, ministérios, governos territoriais ou regionais, polícia, previdência social etc.). A função das forças armadas é defender o estado. A manutenção de todo o aparelho estatal exige a arrecadação de fundos mediante a contribuição dos membros da sociedade, função que corresponde à fazenda. Nenhum poder político pode manter-se durante muito tempo pelo uso exclusivo da força. O que legitima o poder do estado é o direito, ordem jurídica que regula o funcionamento das instituições e o cumprimento das leis pelas quais deve reger-se a coletividade. Ao mesmo tempo em que legitima o estado, o direito limita sua ação, pois os valores
que
orientam
o corpo
jurídico
emanam,
direta
ou
indiretamente, do conjunto da sociedade. As normas consuetudinárias, os códigos de leis e, modernamente, as constituições definem os direitos e deveres dos cidadãos, além das funções e limites do estado. Nos estados liberais e democráticos, as leis são elaboradas e aprovadas pelos corpos legislativos, cujos membros, eleitos pelos cidadãos, representam a soberania nacional. A lei está acima de todos os indivíduos, grupos e instituições. Esse é o significado da expressão "império da lei". O julgamento sobre o cumprimento ou não-cumprimento das leis e o estabelecimento das penas previstas para punir os criminosos compete ao poder judiciário, exercido nos tribunais. Evolução histórica do estado Origem do estado. Nas sociedades matriarcais, anteriores ao surgimento da família monogâmica e da propriedade privada, o poder social era distribuído de forma hierarquizada, a partir dos conselhos de anciãos e das estruturas tribais. As relações entre os membros das sociedades eram de tipo pessoal e a coesão do grupo se baseava em práticas religiosas e ritos sociais de tipo tradicional. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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O surgimento da agricultura e a conseqüente distribuição de terras entre os membros da sociedade favoreceu a criação da propriedade privada, dos direitos hereditários e, por conseguinte, da família patriarcal. Nela, a descendência devia ser assegurada por meio de um sólido vínculo matrimonial de caráter monogâmico (a mulher só podia ter um marido). Os primeiros estados, no Egito, na Mesopotâmia, na China, na Índia, na América Central, nos Andes etc. surgiram como uma delegação do poder social, numa estrutura política capaz de assegurar o direito de propriedade frente a inimigos internos (ladrões) ou externos (invasores). Tiveram origem ainda como organização destinada a tornar possível a realização dos trabalhos coletivos (construção de canais, barragens, aquedutos etc.) necessários para a comunidade. Esses primeiros estados se caracterizaram por exercer um poder absoluto e teocrático, no qual os monarcas se identificavam com uma divindade. O poder se justificava por sua natureza divina e era a crença religiosa dos súditos que o sustentava. A primeira
experiência
política importante
no
mundo
ocidental foi realizada na Grécia por volta do século V a.C. A unidade política grega era a polis, ou cidade-estado, cujo governo foi, em alguns momentos, democrático. Os habitantes que alcançavam a condição de cidadãos - da qual estavam excluídos os escravos - participavam das instituições políticas. Essa democracia direta teve sua expressão mais genuína em Atenas. Para os filósofos gregos, o núcleo do conceito de estado se achava representado pela idéia de poder e de submissão. Platão, em A república e As leis, afirmou que a soberania política devia submeter-se à lei. Para ele, somente um estado em que a lei fosse o soberano absoluto, acima dos governantes, poderia tornar os cidadãos felizes e virtuosos. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Platão esboçou o modelo de uma cidade-estado ideal, na qual a lei exercia uma função educadora tanto dos cidadãos como do estado. Aristóteles distinguiu várias formas de governo e de constituição, mas admitiu limites ao exercício do poder por intermédio do direito e da justiça. A organização política de Roma foi, no início, semelhante à grega. A civitas (cidade) era o centro de um território reduzido, onde todos os cidadãos participavam do governo. Com a expansão do império e das leis gerais promulgadas por Roma, respeitaram-se as leis específicas dos povos dominados. Marco Túlio Cícero, orador e filósofo romano, afirmou que a justiça é um princípio natural e tem a missão de limitar o exercício do poder. Os arquétipos políticos gregos e as idéias de Cícero exerceram influência decisiva sobre santo Agostinho e em todos os seguidores de sua doutrina. Para santo Agostinho, o estado é uma comunidade de homens unida pela igualdade de direitos e pela comunhão de interesses: não pode existir estado sem justiça. Apenas a igreja, modelo da cidade celeste, pode orientar a ação do estado na direção da paz e da justiça. Na Idade Média, a teoria de que o poder emanava do conjunto da comunidade surgiu como elemento novo. O rei ou o imperador, portanto, deviam ser eleitos ou aceitos como tais por seus súditos, para que sua soberania fosse legítima. O enfoque de que o poder terreno era autônomo com relação à ordem divina permitiu o surgimento da doutrina de um "pacto" que devia ser realizado entre soberano e súditos, em que eram estabelecidas as condições do exercício do poder e as obrigações mútuas para alcançar o bem comum. A lei
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humana, reflexo da lei divina, devia apoiar-se na razão. Santo Tomás de Aquino expõe essa concepção do poder na Summa theologica. Desenvolvimento
do
estado
moderno.
A
concepção
antropocêntrica do mundo adotada pelos renascentistas levou à secularização da política. Maquiavel, em O príncipe, defendeu um estado secular forte, capaz de fazer frente ao poder temporal do papado. Segundo Maquiavel, o estado tem sua própria razão como guia: a razão de estado, independente da religião e da moral. O estado renascentista tinha as seguintes características: existência de um poder independente, com um exército, uma fazenda e uma burocracia a seu serviço; superação da atomização política medieval; base territorial ampla; e separação entre o estado e a sociedade. No século XVI, Jean Bodin incorporou a noção de soberania à idéia de independência do poder político: o estado é soberano e não tem que reconhecer na ordem temporal nenhuma autoridade superior que lhe dê consistência jurídica. A esse conteúdo racional, trazido pelo Renascimento, se deve a aparição do estado moderno, que se distingue por ser constituído de uma população ampla, que normalmente reúne características nacionais, estabelecida num território definido e regida por um poder soberano. A partir do século XVI, o estado conheceu as seguintes configurações: estado autoritário, estado absoluto, estado liberal, estado socialista ou comunista, estado fascista e estado democrático. A primeira fase do estado moderno se caracterizou pelo fortalecimento do poder real, embora seus meios de ação política tenham sido limitados pela privatização dos cargos públicos. O exemplo mais conhecido de estado autoritário foi o império hispânico de Filipe II. No processo de secularização e racionalização do poder, o absolutismo A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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(séculos XVII e XVIII) promoveu a desvinculação definitiva do estado com relação tanto aos poderes do império e do papado, quanto da nobreza e das corporações urbanas. A soberania, capacidade de criar o direito e de impor a obediência às leis, ficou concentrada no estado, identificado com o monarca absoluto. Luís XIV da França foi o expoente máximo do absolutismo monárquico. A ascensão econômica da burguesia criou, na segunda metade do século XVIII, a necessidade de encontrar fórmulas políticas que abrangessem as propostas burguesas sobre a configuração da sociedade e do estado: participação, igualdade jurídica, liberdades individuais e direito de propriedade. Novas teorias políticas contribuíram para compor a ideologia da burguesia revolucionária. Thomas Hobbes, defensor do estado absolutista, introduziu o individualismo radical no pensamento político e estabeleceu as bases teóricas do conceito moderno de contrato social, que seria desenvolvido, posteriormente, por Jean-Jacques Rousseau. John Locke afirmou o caráter natural do direito à vida e à propriedade e defendeu uma divisão de poderes voltada para combater a centralização absolutista. Montesquieu definiu a configuração clássica dessa divisão de poderes em executivo, legislativo e judiciário. Estados contemporâneos. A revolução francesa teve como conseqüência a criação de uma nova estrutura política adaptada às transformações econômicas que a sociedade estava experimentando com o desenvolvimento do capitalismo. Para garantir as liberdades individuais, a igualdade jurídica e o direito de propriedade, foram limitadas as prerrogativas reais e a atuação estatal foi submetida à lei. Com o precedente das constituições americana e francesa, logo começaram a surgir, nos países europeus e americanos, textos constitucionais em que se consagrava o fracionamento do poder como garantia efetiva dos A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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direitos do indivíduo. A missão principal do estado liberal se baseava na proteção das liberdades individuais e na manutenção de uma ordem jurídica que permitisse o livre jogo das forças sociais e econômicas. Para cumprir essa missão, o estado se valia dos meios legais estabelecidos pela constituição. O crescimento do proletariado industrial e os conflitos imperialistas entre as potências européias favoreceram a deterioração e o descrédito dos regimes liberais a partir do final do século XIX. O socialismo utópico e, depois, o anarquismo e o marxismo negaram a legitimidade do estado liberal e propuseram novos modelos de sociedade nos quais o homem poderia desenvolver plenamente suas capacidades. O anarquismo criticou diretamente o estado por considerá-lo um instrumento de opressão dos indivíduos. Os anarquistas sustentavam que todo o poder era desnecessário e nocivo. Propunham a substituição das relações de dominação estabelecidas pelas instituições estatais por uma colaboração livre entre indivíduos e coletividades. Max Stirner, Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin foram importantes representantes das diferentes correntes anarquistas. Para Karl Marx, Friedrich Engels e os marxistas que vieram depois, a igualdade jurídica e as declarações formais de liberdade nos estados liberais encobriam a desigualdade econômica e a situação de exploração de determinadas classes sociais por outras. O estado capitalista era o meio de opressão da burguesia sobre o proletariado e as demais classes populares. Segundo a teoria do materialismo histórico, o próprio desenvolvimento do capitalismo e o crescimento do proletariado desembocariam na destruição do estado burguês e em sua substituição por um estado transitório, a ditadura do proletariado. Essa finalmente se extinguiria para dar lugar à sociedade sem classes. A revolução russa e, A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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posteriormente, a chinesa, a cubana e outras procuraram colocar em prática o estado socialista, ou comunista, da ditadura proletária em suas diferentes interpretações. Na primeira metade do século XX, a crítica ao estado liberal se desenvolveu também a partir das ideologias fascistas, baseadas em uma concepção radical do nacionalismo. Tanto o fascismo italiano quanto o nacional-socialismo alemão defenderam os interesses da nação sobre a liberdade dos indivíduos. O estado, encarnação do espírito nacional, devia concentrar todas as energias individuais a fim de atingir seus objetivos
últimos
e
transcendentes.
Historicamente,
o
fascismo
representou uma reação contra o auge do movimento operário e o comunismo internacional depois da revolução russa. Também significou uma justificativa ideológica para o imperialismo de dois estados que haviam ficado fora da divisão do mundo promovida pelas outras potências ocidentais. Depois da segunda guerra mundial, dois sistemas políticos e econômicos disputaram o poder sobre o planeta. No bloco socialista, os estados mantiveram suas características totalitárias, baseadas no poder absoluto de um partido único considerado porta-voz dos interesses da classe trabalhadora. No bloco ocidental, o estado liberal se consolidou mediante a adoção, desde o início do século, de diversos princípios democráticos e sociais: sufrágio universal (antes o voto era censitário, ou seja, só para as classes ricas), voto feminino, desenvolvimento dos serviços públicos e sociais, intervenção estatal na economia etc. A tradicional divisão de poderes se manteve formalmente, mas o fortalecimento do poder executivo se generalizou em quase todos os países.
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A partir de 1990, a reunificação dos dois estados alemães, o esfacelamento da União Soviética e a derrocada dos regimes comunistas representaram não só o fim da divisão do mundo em dois blocos antagônicos, como também a abertura política e econômica dos países do leste e o acirramento de movimentos nacionalistas. Sob intensas disputas, os mapas políticos da Europa e da antiga União Soviética foram redefinidos, de tal forma que os limites territoriais dos estados passaram a coincidir, na maioria dos casos, com as fronteiras nacionais. A perspectiva de unificação européia poderia representar uma alteração no equilíbrio de forças da nova ordem mundial na virada do século. Nicolau Maquiavel Gênio da ciência política, Maquiavel inaugurou a astúcia inescrupulosa como método de governo, por detectar e sistematizar pioneiramente a amoralidade peculiar à conquista e ao exercício do poder. Patriota florentino, no exílio de San Casciano contou, em carta, que de dia fazia excursões no campo e, de noite, pesquisava, em livros da antiguidade romana, "como se conquista o poder, como se mantém o poder e como se perde o poder". O estadista e escritor Nicolau Maquiavel (em italiano, Niccolò Machiavelli) nasceu em Florença em 3 de maio de 1469. A partir de 1498 serviu como chanceler e, mais tarde, secretário das Relações Exteriores da República de Florença. Tais cargos, apesar dos títulos, eram modestos e
limitavam-se
a
funções
de
redação
de
documentos
oficiais.
Ofereceram-lhe, porém, a oportunidade de vivenciar os bastidores da atividade política. Ocasionalmente, Maquiavel desempenhou missões no exterior (França, Suíça, Alemanha) e em 1502-1503 passou cinco meses
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como embaixador junto a César Borgia, filho do papa Alexandre VI, cuja política enérgica e sem escrúpulos o encheu de admiração. Em 1512, no entanto, quando os Medici derrubaram a república e retomaram o governo de Florença, Maquiavel foi destituído de seu posto e preso. Exilado na propriedade de San Casciano, perto de Florença, ali escreveu Il principe (1513-1516; O príncipe), em que expôs a teoria política que lhe deu fama. Em 1519, anistiado, voltou a Florença para exercer funções político-militares. Durante o exílio, escreveu também L'arte della guerra -- em que preconiza a extinção das forças armadas permanentes, por ameaçarem a república, e a criação de milícias populares -- e os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio (Comentários sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio), em que analisa as vicissitudes da história romana e compara-as com as de seu próprio tempo. As duas obras são indispensáveis à correta interpretação do pensamento que percorre as páginas de Il principe. Entre 1519 e 1520, Maquiavel escreveu a maior comédia da literatura
italiana,
La
mandragola
(1524;
A
mandrágora), como
"divertimento em tempos tristes". Peça de alto teor erótico e humor sarcástico, dela se disse que "é a comédia da sociedade de que Il principe é a tragédia". Em 1520 Maquiavel tornou-se historiador oficial da república e começou a escrever as Istorie fiorentini (1520-1525; Histórias de Florença), tratado em estilo clássico, consagrado como primeira obra da historiografia moderna. O príncipe. Foi, porém, com o pequeno livro Il principe que Maquiavel revolucionou a teoria do estado e criou as bases da ciência política. Homem do Renascimento, ao romper com a moral cristã medieval, estudou com objetividade os meios e fins da ação política, com base na observação estrita de sua realidade. Elaborou assim uma A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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teoria política realista e sistemática, em que pela primeira vez se separava a moral dos indivíduos da moral (ou razão) de estado. Maquiavel foi, desse modo, o primeiro teórico moderno, o primeiro técnico da política. Indignado com a decadência política e moral de sua terra, o autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, retrato algo fantasioso de César Borgia, para conquistar o poder absoluto, acabar com as dissensões internas e expulsar os "bárbaros" estrangeiros do país. Prosador admirável, de estilo um tanto latinizante e seco, embora irônico, recomenda todos os meios, inclusive a mentira, a fraude e a violência. No complexo de sugestões apresentadas ao príncipe originaram-se as práticas políticas conhecidas como maquiavelismo. É necessário, porém, distinguir
entre
essa
noção
vulgar
que
se
passou
a
ter
de
"maquiavelismo" e a teoria de Maquiavel. Nesta, o que sobressai é o realismo iniludível de quem se pautou pelos fatos, documentos e experiências, não nas idéias ou ideais filosóficos. Desde a antiguidade o poder foi freqüentemente tomado, mantido ou perdido segundo os meios apontados por Maquiavel, mas antes dele ninguém tomou consciência real e prática das características inerentes ao fenômeno político e suas manifestações. De seu trabalho se depreende o princípio segundo o qual, em política, os fins justificam os meios e a ética do estado é a do bem público: em sua obra, o príncipe tudo pode, e tudo deve fazer, se tiver por meta a felicidade de seu povo. Caso aja de outra forma, é derrotado por outro príncipe. Em 1527, o saque de Roma pelo imperador Carlos V, do Sacro Império Romano-Germânico, restabeleceu a república em Florença. Maquiavel, visto como favorito dos Medici, foi excluído de toda atividade
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política. Pobre, desiludido e amargurado, morreu na cidade natal em 22 de junho de 1527. Política O choque de interesses entre indivíduos e grupos na sociedade provoca a luta pelo poder e seu exercício em diferentes configurações institucionais. Ao longo de séculos, grandes pensadores tentaram estabelecer os elementos universais de uma ordem justa nos negócios humanos, o que deu origem a teorias políticas numerosas e, freqüentemente, contraditórias. Política, em sentido estrito, é a arte de governar a polis, ou cidade-estado, e deriva do adjetivo politikós, que significa tudo o que se relaciona à cidade, isto é, tudo o que é urbano, público, civil e social. Em acepção ampla, política é o estudo do fenômeno do poder, entendido como a capacidade que um indivíduo ou grupo organizado tem de exercer controle imperativo sobre a população de um território, mesmo quando é necessário o uso da força. O conceito de política é estreitamente vinculado ao de poder em três esferas básicas: (1) a luta pelo poder; (2) o conjunto de instituições por meio das quais esse poder se exerce; (3) e a reflexão teórica sobre a origem, estrutura e razão de ser do poder. O poder político se caracteriza pela exclusividade do direito do uso da força em relação ao conjunto da sociedade, que lhe confere a legitimidade desse uso. O exercício do poder se justifica como a solução para regular e equilibrar a ordem e a justiça na sociedade; e o uso da força, inerente a todo poder político, indica a presença de interesses antagônicos e conflitos no corpo social que devem ser controlados para preservar a ordem social ou buscar o bem comum. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Ciência política. Disciplina recente, a ciência política surgiu da necessidade de formar gestores públicos e oferecer uma estrutura de reflexão sobre as questões públicas. Seu objetivo é estudar o poder político, suas formas concretas de manifestação e tendências evolutivas. Cabe assim à ciência política explicar os motivos das relações que existem entre os poderes políticos e a sociedade, as diversas formas de organização do estado e sua dominação por classes ou grupos, a formação da vontade política do povo e as diferentes teorias relativas à prática política. A ciência política utiliza métodos de ciências empíricas, como a física e a biologia, e metodologias e especificidades de outros ramos do conhecimento, como filosofia, história, direito, sociologia e economia, e sua finalidade é descrever aquilo que é e não o que deveria ser. Nesse sentido, distingue-se da filosofia política, área normativa voltada para conceitos como direito e justiça; da antropologia política, que estuda o fenômeno político como uma constante em todas as sociedades humanas ao longo de sua história; e da sociologia política, que estuda os fenômenos sociais a partir de uma visão política. Luta pelo poder. A história humana é basicamente uma história da política, isto é, das lutas travadas por indivíduos, grupos ou nações para conquistar, manter ou ampliar o poder político. Essas lutas podem ser violentas, na forma de assassínio de dirigentes, guerras, revoluções e golpes de estado, ou pacíficas, por meio de eleições e plebiscitos. A luta violenta é uma das formas mais primitivas de conquista e manutenção do poder, embora ainda seja adotada em algumas nações modernas. São numerosos os exemplos, ao longo da história das nações, de assassínios de dirigentes por uma pessoa ou um A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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grupo de pessoas para a tomada do poder; e de insurreições e revoluções populares, uma forma de luta política violenta que visa não só conquistar o poder mas transformar de modo radical as condições sociais ou a organização do estado. Nesses casos, a violência se manifesta também na defesa daqueles que detêm o poder e querem manter a situação social tradicional. As revoluções francesa e russa mudaram a história do mundo moderno. A mudança de um regime político pode se dar ainda pelo golpe de estado, forma de ação política violenta comum na história das nações da América Latina. As guerras são o modo mais extremo e violento da luta política, já que o objetivo é destruir o adversário, e podem ser externas, entre duas ou mais nações, ou internas ou civis, entre facções de uma nação. Os meios pacíficos de luta pelo poder indicam estado avançado de civilização e a racionalidade das concepções políticas. As formas básicas de luta pacífica, própria dos sistemas democráticos, são as eleições e plebiscitos. Nas democracias, reconhece-se que a soberania popular é o princípio de legitimação do poder e portanto a direção do estado cabe à facção ou partido que obtiver a maioria dos votos livremente expressos pelo povo. Trata-se de um procedimento racional, que pressupõe a igualdade dos cidadãos perante a lei e que tende a harmonizar os conflitos de interesse, embora eles continuem a existir e muitas vezes se manifestem de forma violenta. Instituições políticas. Órgãos permanentes por meio dos quais se exerce o poder político, as instituições políticas evoluíram de acordo com o grau de racionalidade alcançado pelos homens. Nas antigas civilizações orientais, em Roma e na Europa medieval, os sistemas políticos tinham como característica comum a personalização do A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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poder, justificada por instâncias mágicas, religiosas ou carismáticas. Faraó egípcio, imperador romano ou rei cristão, o detentor do poder se confundia com o próprio poder. Sua justificativa era a força, traduzida pelo poder militar, poder de curar ou poder sobre as forças da natureza. Constantemente desafiado por aqueles que se julgavam possuidores das mesmas credenciais, o poder personalizado gerou a instabilidade política e o uso da violência como forma de solução de conflitos. No final da Idade Média, mudanças políticas, econômicas e sociais determinaram o surgimento de novas concepções sobre o estado. O progresso da burguesia e da economia favoreceu a centralização do poder nas monarquias absolutas. O estado tornou-se racional e suas estruturas se institucionalizaram, de acordo com as novas necessidades sociais. A vitória da burguesia sobre a sociedade feudal, na revolução francesa, desmistificou o poder por direito divino e consagrou o princípio da soberania popular. O povo, única fonte de poder, podia transferir seu exercício a representantes por ele eleitos. Os sistemas liberais, cuja representatividade era inicialmente restrita, aperfeiçoaram os mecanismos democráticos e, ao incorporarem o sufrágio universal, reconheceram de forma plena a igualdade de todos os cidadãos perante a lei. A institucionalização do poder exigiu a adoção de constituições que, como expressão da vontade popular, devem reger a ação do estado. Nos sistemas democráticos, a legitimidade do poder deriva de sua origem na vontade popular e de seu exercício de acordo com a lei. A doutrina da clássica divisão do poder político, elaborada por Montesquieu, é comum a quase todos os sistemas políticos dos estados modernos. O poder legislativo, formado por parlamentares eleitos pelo povo, elabora as leis e controla os atos do poder executivo; o A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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executivo, também eleito pelo povo, executa a lei e administra o estado; o judiciário interpreta e aplica as leis e atua como juiz nos conflitos entre os outros poderes. A divisão de poderes ajuda a evitar o abuso de poder por meio do controle recíproco dos vários órgãos do estado. Nas modernas sociedades democráticas, além dos poderes institucionalizados existem organizações que participam do poder ou nele influem: partidos políticos, sindicatos de classe, grupos de interesse, associações profissionais, imprensa, freqüentemente chamada de quarto poder, e outras. Nos regimes totalitários, a existência de um partido único no poder diminui as chances de participação da sociedade nos assuntos políticos nacionais. História das idéias políticas Além de lutar pelo poder e de criar instituições para exercêlo, o homem também examina sua origem, natureza e significado. Dessas reflexões resultaram diferentes doutrinas e teorias políticas. Antiguidade. São escassas as referências a doutrinas políticas dos grandes impérios orientais. Admitiam como única forma de governo a monarquia absoluta e sua concepção de liberdade era diferente da visão grega, que a civilização ocidental incorporou -- mesmo quando submetidos
ao
despotismo
de
um
chefe
absoluto,
seus
povos
consideravam-se livres se o soberano fosse de sua raça e religião. As cidades da Grécia não se uniram sob um poder imperial centralizador e conservaram sua autonomia. Suas leis emanavam da vontade dos cidadãos e seu principal órgão de governo era a assembléia de todos os cidadãos, responsáveis pela defesa das leis fundamentais e da ordem pública. A necessidade da educação política dos cidadãos tornou-se, assim, tema de pensadores políticos como Platão e Aristóteles.
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Em suas obras, das quais a mais importante é A república, Platão define a democracia como o estado no qual reina a liberdade e descreve
uma
sociedade
utópica
dirigida
pelos
filósofos,
únicos
conhecedores da autêntica realidade, que ocupariam o lugar dos reis, tiranos e oligarcas. Para Platão, a virtude fundamental da polis é a justiça, pela qual se alcança a harmonia entre os indivíduos e o estado. No sistema de Platão, o governo seria entregue aos sábios, a defesa aos guerreiros e a produção a uma terceira classe, privada de direitos políticos. Aristóteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o Grande, deixou a obra política mais influente na antiguidade clássica e na Idade Média. Em Política, o primeiro tratado conhecido sobre a natureza, funções e divisão do estado e as várias formas de governo, defendeu como Platão equilíbrio e moderação na prática do poder. Empírico, considerou impraticáveis muitos dos conceitos de Platão e viu a arte política como parte da biologia e da ética. Para Aristóteles, a polis é o ambiente adequado ao desenvolvimento das aptidões humanas. Como o homem é, por natureza, um animal político, a associação é natural e não convencional. Na busca do bem, o homem forma a comunidade, que se organiza pela distribuição das tarefas especializadas. Como Platão, Aristóteles admitiu a escravidão e sustentou que os homens são senhores ou escravos por natureza. Concebeu três formas de governo: a monarquia, governo de um só, a aristocracia, governo de uma elite, e a democracia, governo do povo. A corrupção dessas formas daria lugar, respectivamente, à tirania, à oligarquia e à demagogia. Considerou que o melhor regime seria uma forma mista, no qual as virtudes das três formas se complementariam e se equilibrariam. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Os romanos, herdeiros da cultura grega, criaram a república, o império e o corpo de direito civil, mas não elaboraram uma teoria geral do estado ou de direito. Entre os intérpretes da política romana destacam-se o grego Políbio e Cícero, que pouco acrescentaram à filosofia política dos gregos. Idade Média. O cristianismo introduziu, nos últimos séculos do Império Romano, a idéia da igualdade entre todos os homens, filhos do mesmo Deus, uma noção que contestava implicitamente a escravidão, fundamento social econômico do mundo antigo. Ao tornar-se religião oficial, o cristianismo aliou-se ao poder temporal e admitiu a organização social existente, inclusive a escravidão. Santo Agostinho, a quem se atribui a fundação da filosofia da história, afirma que os cristãos, embora voltados para a vida eterna, não deixam de viver a vida efêmera do mundo real. Moram em cidades temporais mas, como cristãos, são também habitantes da "cidade de Deus" e, portanto, um só povo. Santo Agostinho não formulou uma doutrina política, mas a teocracia está implícita em seu pensamento. A solução dos problemas sociais e políticos é de ordem moral e religiosa e todo bom cristão será, por isso mesmo, bom cidadão. O regime político não importa ao cristão, desde que não o obrigue a contrariar a lei de Deus. Considera, pois, um dever a obediência aos governantes, desde que se concilie com o serviço divino. Testemunha da dissolução do Império Romano, contemporâneo da conversão de Constantino ao cristianismo, santo Agostinho justifica a escravidão como um castigo do pecado. Introduzida por Deus, "seria insurgir-se contra Sua vontade querer suprimi-la". No século XIII, santo Tomás de Aquino, o grande pensador político do cristianismo medieval, definiu em linhas gerais a teocracia. Retomou os conceitos de Aristóteles e os adaptou às condições da A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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sociedade cristã. Afirmou que a ação política é ética e a lei um mecanismo regulador que promove a felicidade. Como Aristóteles, considerou ideal um regime político misto com as virtudes das três formas de governo, monarquia, aristocracia e democracia. Na Summa teologica, justifica a escravidão, que considera natural. Em relação ao senhor, o escravo "é instrumento, pois entre o senhor e o escravo há um direito especial de dominação". Renascimento.
Os
teóricos
políticos
do
período
caracterizaram-se pela reflexão crítica sobre o poder e o estado. Em O príncipe, Maquiavel secularizou a filosofia política e separou o exercício do poder da moral cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e realista, defende a constituição de um estado forte e aconselha o governante a preocupar-se apenas em conservar a própria vida e o estado, pois na política o que vale é o resultado. O príncipe deve buscar o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel surgiram os primeiros contornos da doutrina da razão de estado, segundo a qual a segurança do estado tem tal importância que, para garanti-la, o governante pode violar qualquer norma jurídica, moral, política e econômica. Maquiavel foi o primeiro pensador a fazer distinção entre a moral pública e a moral particular. Thomas Hobbes, autor de Leviatã, considera a monarquia absoluta o melhor regime político e afirma que o estado surge da necessidade de controlar a violência dos homens entre si. Como Maquiavel, não confia no homem, que considera depravado e anti-social por natureza. É o poder que gera a lei e não o contrário; a lei só prevalece se os cidadãos concordarem em transferir seu poder individual a um governante, o Leviatã, mediante um contrato que pode ser revogado a qualquer momento. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Baruch de Spinoza prega a tolerância e a liberdade intelectual. Temeroso dos dogmas metafísicos e religiosos, justifica o poder político unicamente por sua utilidade e considera justa a rebelião se o poder se torna tirânico. Em seu Tratado teológico-político, afirma que os governantes devem cuidar para que os membros da sociedade desenvolvam ao máximo as suas capacidades intelectuais e humanas. Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau destacam-se como teóricos da democracia moderna. Montesquieu exerceu influência duradoura com O espírito das leis, no qual estabeleceu a doutrina da divisão dos poderes, base dos regimes constitucionais modernos. Rousseau sustenta, no Contrato social, que a soberania pertence ao povo, que livremente transfere seu exercício ao governante. Suas idéias democráticas inspiraram os líderes da revolução francesa e contribuíram para a queda da monarquia absoluta, a extinção dos privilégios da nobreza e do clero e a tomada do poder pela burguesia. Pensamento contemporâneo. No século XIX, uma das correntes do pensamento político foi o utilitarismo, segundo o qual se deve avaliar a ação do governo pela felicidade que proporciona aos cidadãos. Jeremy Bentham, primeiro divulgador das idéias utilitaristas e seguidor das doutrinas econômicas de Adam Smith e David Ricardo, teóricos do laissez-faire (liberalismo econômico), considera que o governo deve limitar-se a garantir a liberdade individual e o livre jogo das forças de mercado, que geram prosperidade. Em oposição ao liberalismo político, surgiram as teorias socialistas em suas duas vertentes, a utópica e a científica. Robert Owen, Pierre-Joseph Proudhon e Henri de Saint-Simon foram alguns dos teóricos do socialismo utópico. Owen e Proudhon denunciaram a A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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organização institucional, econômica e educacional de seus países e defendem a criação de sociedades cooperativas de produção, ao passo que Saint-Simon preconizou a industrialização e a dissolução do estado. Karl Marx e Friedrich Engels desenvolvem a teoria do socialismo científico, que deixou marcas profundas e duradouras na evolução das idéias políticas. Seu socialismo não é um ideal a que a sociedade deva adaptar-se, mas "o movimento real que suprime o atual estado de coisas", e "cujas condições decorrem de pressupostos já existentes". O socialismo sucederia ao capitalismo assim como o capitalismo sucedeu ao feudalismo e será a solução das contradições do capitalismo. Assim, sua realização não seria utópica, mas resultaria de uma exigência objetiva do processo histórico em determinada fase de seu
desenvolvimento.
O
estado,
expressão
política
da
classe
economicamente dominante, desapareceria numa sociedade sem classes. Depois da primeira guerra mundial, surgiram novas doutrinas baseadas nas correntes políticas do século XIX. O liberalismo político, associado nem sempre legitimamente ao liberalismo econômico, pareceu entrar em dissolução, confirmada pela depressão econômica de 1929, e predominaram as visões totalitárias do poder. A partir do marxismo, Lenin elaborou uma teoria do estado comunista e comandou na Rússia a primeira revolução operária contra o sistema capitalista. Sobre a base marxista-leninista, Stalin organizou o estado totalitário para estruturar a ditadura do proletariado e alcançar o comunismo. Entre os pensadores marxistas que discordaram de Stalin e acreditaram na diversidade de vias para atingir o mesmo fim destacamse Trotski, Tito e Mao Zedong (Mao Tsé-tung). A outra vertente do totalitarismo foi o fascismo, baseado na crítica aos abusos do capitalismo e do comunismo. Formadas por A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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elementos heterogêneos e muitas vezes incoerentes, as ideologias fascistas deram fundamento intelectual aos regimes que tendiam a sobrepor o poder absoluto do estado aos indivíduos, como o fascismo na Itália de Benito Mussolini e o nacional-socialismo na Alemanha de Adolf Hitler. Após a segunda guerra mundial, a democracia liberal, já dissociada do liberalismo econômico, ressurgiu em diversos países europeus
e
americanos.
Em
suas
instituições,
as
democracias
acrescentaram os direitos sociais, como o direito ao trabalho e ao bemestar, aos direitos individuais. No final da década de 1980, a dissolução da União Soviética levou ao desaparecimento dos regimes comunistas no leste europeu e ao predomínio da democracia liberal. Poder político no Brasil O absolutismo foi a base das concepções políticas que vigoraram no Brasil colonial, regido pelas leis e o sistema político de Portugal. Ao longo do século XVIII, ocorreram movimentos autonomistas com fundo republicano e liberal, inspirados nos modelos das repúblicas veneziana e americana. As idéias que inspiraram a revolução francesa disseminaram-se pela colônia nas obras de Voltaire, Rousseau e Montesquieu mas o liberalismo só se manifestou de modo mais concreto nos episódios da inconfidência mineira, que evidenciaram as contradições entre a crescente burguesia e as classes agrárias dominantes. O processo separatista ganhou consistência com a chegada de D. João VI em 1808 e culminou com a independência. A primeira constituição brasileira, outorgada pelo imperador D. Pedro I, baseou-se no despotismo esclarecido e inovou na doutrina da divisão de poderes, ao incluir o poder moderador do monarca ao lado dos clássicos poderes executivo, legislativo e judiciário. A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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As elites brasileiras, compostas de grandes senhores agrários e comerciantes, instalaram-se no poder e competiram com o imperador pelo controle da nação. O cunho liberal da constituição foi amenizado pela adoção de mecanismos como o voto censitário, que excluiu a maioria da população do processo eleitoral, e a vitaliciedade dos senadores e dos membros do Conselho de Estado, que assegurou a permanência das elites no poder. O confronto permanente entre essas elites e o imperador e a oposição dos liberais radicais, que se ressentiam da centralização excessiva do poder e defendiam o federalismo, culminaram na abdicação do soberano em favor de D. Pedro II, então menor de idade. O período da regência foi marcado pela pressão permanente das aristocracias locais, que exigiam maior autonomia de ação política, e por conflitos entre liberais e conservadores, que se traduziram em rebeliões regionais e levantes populares, em alguns casos de inspiração separatista e republicana. Pouco depois de assumir o trono, D. Pedro II estabeleceu o regime parlamentarista e abriu mão de seus poderes executivos, transferidos para um primeiro-ministro escolhido entre os membros do partido majoritário nas eleições. Preservou, porém, o poder moderador, o que na prática manteve o governo sob seu controle. Os primeiros anos do governo do segundo reinado foram marcados por revoltas regionais e, ao mesmo tempo, pela consolidação das instituições nacionais e pelo aprofundamento do sentimento de nacionalidade em todo o território brasileiro. Os liberais, que se alternaram com os conservadores no governo ao longo do segundo reinado, pertenciam também às classes dominantes e esqueciam seu radicalismo assim que assumiam o poder. As elites agrárias e comerciais mantinham-se como a única força política e dominavam o cenário A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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nacional. Entretanto, os grandes temas da república e da abolição da escravatura ganhavam espaço e apoio crescentes, principalmente na burguesia urbana, que se ressentia das dificuldades de implantação plena do capitalismo numa economia atrasada, que buscava se modernizar. Republicanos e abolicionistas inauguraram um estilo novo na política brasileira e convocaram as populações das cidades à defesa de suas idéias. Apesar dessa mobilização, a república foi instaurada pela elite, sem participação popular. A abolição da escravatura em 1888 marcou o fim do império brasileiro e o início da república, instalada permaneceu
o
autoritarismo
do
poder
no ano seguinte, mas central,
profundamente
entranhado na cultura política nacional. A constituição liberal de 1891 estabeleceu um presidencialismo forte e centralizado, que não resolveu as contradições políticas herdadas do império nem excluiu do poder as elites, acrescidas então de novas forças econômicas, como os produtores de café, que determinavam os caminhos da nação. Na fase que se seguiu, conhecida como República Velha, predominaram as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, os estados economicamente mais avançados. Durante a primeira guerra mundial, o país conheceu notável expansão industrial, mas o poder político continuou dominado pelos interesses
das
oligarquias
rurais
e
da
burguesia
mercantil.
As
contradições entre uma economia que se modernizava e um modelo político retrógrado geraram inquietações políticas que se expressaram em movimentos como o tenentismo. O processo eleitoral, marcado pela fraude e a exclusão de vasta parcela da população, mostrou-se incapaz de solucionar as distorções do sistema, agravadas por dificuldades financeiras e do comércio exterior que a crise mundial de 1929 A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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aprofundou, com a queda drástica das exportações de produtos primários. Com a revolução de 1930, a burguesia industrial teve maior participação no poder, mas as contradições do regime não foram solucionadas. Conflitos entre as oligarquias e os tenentistas e a ausência de mudanças estruturais necessárias levaram à implantação da ditadura do Estado Novo, que se prolongou até 1945. A constituição de 1946 deu início a um período de crescimento
econômico
e
aprofundamento
dos
mecanismos
democráticos. Houve mudanças no sistema eleitoral e participação efetiva do povo no processo político. Os partidos políticos se fortaleceram e representaram efetivamente os diversos segmentos políticos e ideológicos da nação. O modelo econômico e social, porém, não se alterou, especialmente na estrutura agrária dominada pelas elites obsoletas. O choque entre avanços políticos e econômicos e a manutenção de um modelo social ultrapassado levaram setores progressistas e conservadores à radicalização. A instabilidade política agravou-se no governo João Goulart. Em 1964 um golpe militar encerrou o período da democracia representativa e instalou-se um regime de exceção. A partir de 1979, os militares no poder instauraram um modelo de abertura que culminou com a eleição indireta de um presidente civil em 1985 e maior participação popular no processo político. A constituição de 1988 devolveu a soberania ao povo e marcou a retomada definitiva do processo democrático, consolidado com as eleições diretas para todos os níveis em 1989 e 1994. BIBLIOGRAFIA A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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Boudon, R., organizador. Tratado de sociologia, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1996. Obra de consulta composta de 14 artigos selecionados dentro da abordagem conhecida como "sociologia de ação". Miceli, S., organizador. História das ciências sociais no Brasil. São Paulo, Sumaré, 1995. 2 v. Ensaios sobre diferentes aspectos das ciências sociais no Brasil, aborda temas diversos como a escola paulista de sociologia e o apoio de entidades estrangeiras à pesquisa sociológica. Ianni, Otávio. Teorias da globalização, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995. Um dos mais respeitados sociólogos brasileiros, do grupo integrado também por Florestan Fernandes e Fernado Henrique Cardoso, discute os movimentos ecológicos, feministas e étnicos como manifestações de uma sociedade civil mundial em que os problemas sociais seriam pensados independentemente de fronteiras. Esboça o conceito de neo-socialismo, próprio da sociedade planetária, em contraposição ao de neoliberalismo. Singer, Paul. A formação da classe operária. Rio de Janeiro, Atual, 1993. Estudo sobre as condições históricas e sociais que deram origem ao proletariado urbano brasileiro. Prado Jr., C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo, Brasiliense, 1992. Clássico da bibliografia de ciências sociais, este livro estuda o Brasil como colônia e e logo como periferia do capitalismo internacional. Benevides, M. V. M. A cidadania ativa. São Paulo, Ática, 1991. Obra que promove um feliz encontro, embora pouco freqüente na literatura das ciências sociais no Brasil, entre a análise política e os princípios que norteiam a legislação. Cardoso, F. H. A construção da democracia. São Paulo, Siciliano, 1993. Coletânea de ensaios que ajudam a compreender a A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)
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sociedade brasileira que resultou do período de governos autoritários implantados em 1964. Furet, F. O passado de uma ilusão: ensaios sobre a idéia comunista no século XX. Rio de Janeiro, Siciliano, 1995. O autor, especialista em revolução francesa e ex-diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da Universidade de Paris, estuda a influência do marxismo sobre o pensamento sociológico moderno. Analisa também supostas semelhanças entre comunismo e fascismo, traduzida pelo desprezo pelo direito como disfarce formal de dominação e a apologia da violência como parteira da história. Fernandes, F. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo, Ática, 1978. 2 v. Neste que é um dos principais livros de Florestan Fernandes, mentor de uma geração de intelectuais e homens públicos brasileiros, estuda-se o colapso da escravatura no Brasil e a transformação dos negros em proletários. Chauí, M. Repressão sexual: essa nova (des)conhecida. São Paulo, Brasiliense, 1987. A autora, professora de filosofia especialmente dedicada ao estudo de problemas sociais contemporâneos, aborda as múltiplas maneiras pelas quais a repressão sexual se manifesta.
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