Coral é Coisa Séria

Page 1





Réges Marth

1° edição 2009


Coral é Coisa Séria Por Réges Marth Copyright 2009 Copyright 2008 por Réges Marth Todos os direitos reservados na língua portuguesa para Réges Marth Salvo menção em contrário, as referências bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Edição Contemporânea ISBN - 978-85-909828-0-7

Organização e Revisão:

Verônica Bareicha e Mirian Duarte Santana Weige Marth

Revisão Final: Mirian Marth

Projeto gráfico, capa e diagramação: Ruth Pimentel




Índice

A g ra d e c imentos ............................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 D e d ica tór ia ................................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 3 I ntr od u çã o .................................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 7

1. C omo Tu d o co m e ço u .............. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 1 2. O q u e é l ou vo r? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3. V i agen s, fe sta s, eve ntos, a m igos e af i n s . . . . . 4 3 4. O E n sai o... ............................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 7 5. Rep ertór i o - A influ ê n c ia d a mú s i ca. . . . . . . . . . . 9 3 6. O formato d o se u Co ra l.......... . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0 9 7. O M aest ro, a p e le .................. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 4 5 8. A O ração bê b a d a .................. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 6 3 B i bliog r a fia ................................. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 7 5

7



Agradecimentos

G

ostaria de agradecer ao tempo. Foi ele quem me possibilitou passar

dias à frente de diferentes corais como; o Jovem de Novo Hamburgo, da Igreja da Floresta em Porto Alegre; o Coral Jovem do UNASP C2, do Centro Universitário Adventista de São Paulo - Campus 2; o Coral Jovem do IABC, do Instituto Adventista Brasil Central. Também as diferentes escolas que atuei com professor de música e regente de seus corais. Destas escolas tive o privilégio de formar 12 corais que estão em funcionamento até o presente momento da publicação deste livro. Em especial ao Coral Jovem do Rio que atualmente dedico, com muito prazer, o meu tempo ao seu ministério. Gostaria de agradecer também aos erros. Foram eles que, apesar de todo o constrangimento e preocupação, causaram a reação necessária para superação das adversidades, sem contar que grande parte das experiências deste livro, foram escritas com base neles. Não posso deixar de mencionar os projetos. Seus desafios e adrenalina foram o combustível deste livro também. Preciso mencionar algumas pessoas. Aos mestres Vandir Schäffer e Ellen Boger Stencel por seus conselhos e suporte profissional e acadêmico. Ao Pastor Eliezer Vargas por me ter convidado e confiado o primeiro coral. Ao Pastor Elton Bravo por ser inspiração em fazer música sem ser músico. Ao casal Isaias e Marta Manhaes, nos conhecemos a pouco, mas nossa amizade tem sido solida em meio as desafios. Obrigado pelo apoio. Quero ainda agradecer ao Elias Barreiro, presidente do Coral Jovem do Rio e sua família. E um grande amigo e apoiador deste projeto. Sinto que preciso agradecer a mais pessoas deste querido coral, porém 9


os números se estenderia muito, e sei que ainda viveremos muita coisa juntos. A minha revisora Verônica Bareicha, seu talento e motivação tornaram este escritor corajoso o suficiente para terminar este livro. E ainda, a Ruth Pimentel que diagramou este livro minuciosamente. Quero ainda agradecer a Silvana D. Marth (in memória) que a mais de uma década atrás me inspirou a anotar as dificuldades e necessidades que passam os Corais, bem como sugestões e atitudes tomadas para se manter um Coral, pois um dia elas seriam úteis. Ela estava certa e hoje estão escritas na forma de um livro. Obrigado. Por fim, como sendo o Alfa e o Omega, a Deus meu agradecimento por cada fôlego.

10




Dedico este livro...

A

meus pais, Vilson e Esmeralda. Quem nasceu numa cidade pequena

há pouco mais de 30 anos atrás, onde a principal atividade é a agricultura, sabe que pra se ser alguém é preciso tornar-se médico ou continuar trabalhando com os pais. Contudo, meus pais nunca viram a vida dessa maneira. A sabedoria consiste em saber o que fazer com o conhecimento, e vocês me ensinaram a ser livre. Livre pra fazer. Livre pra pensar. Livre! As desvantagens às vezes são enormes, mas em todas elas vocês foram presentes em amor, em ajuda, em consolo e em conselho. O que mais desejo é honrá-los por toda a minha vida. Sinto-me orgulhoso por meus pais serem as pessoas mais sábias que conheço. Amo vocês. Aos meus irmãos, Rogério e Márcio. Sempre precisei de apoio para construir a minha autoestima, e ainda mais nesse novo caminho como escritor. Me impressiona o fato de vocês nunca deixarem de dizer que daria certo, e sempre me erguerem em todos os momentos. Vocês são os meus melhores amigos e isso, pra mim, é um privilégio. Amo vocês. Ao primogênito, Henry. Somente Deus é testemunha de quantas vezes você me manteve vivo. Por tudo que já passamos juntos você é a pessoa mais forte do mundo. É o meu grandão! Te amo. Ao caçula, Heitor. Você é o reencontro com a alegria. A casa cheia. Ainda não consegue nem entender estas palavras, mas quando isso acontecer, saberá que o tom de alegria deste livro, foi inspirado por você. Te amo. A minha bela, Daisy. Eu já havia desistido de muita coisa, e uma delas era de amar. As palavras somem... Ficam pequenas quando penso em você. Mais do que uma declaração de amor é um agradecimento por 13


aceitar ser minha enquanto sou seu. Te amo. Ao meu Deus. És único. És aquele que excede os meus sonhos. Deténs o curso de minha vida, e neste, já por vezes me assombrei. Mas hoje, louvo grandemente Teu nome por este livro, minha família aqui apresentada, e especialmente por minha vida. Aceite Senhor minha gratidão. Abençoe estas páginas. Te amo.

14




Introdução

M

inha intenção é partilhar com você algumas reflexões, sugestões

e as experiências vividas com a música, principalmente música Coral. Meu objetivo é introduzir conceitos, dar informações, compartilhar fatos que aprendi e julgo importantes para a formação de um Coral. Para se ler Coral é Coisa Séria não é necessário conhecimento teórico de música nem experiência. Esta não é uma leitura técnica. Embora, você vá encontrar em suas linhas assuntos relacionados com a psicologia, neurologia e neurofisiologia, regência, técnica vocal e arte. Analiso também um pouco de filosofia e teologia, e compartilho uma leve experiência sobre como pensar como compositor e arranjador. Apresento uma visão geral de um corista, regente e comunidade religiosa. Penso que com esses elementos, podemos criar objetivos reais que mostrem para onde estará indo o louvor a Deus. E por que quero compartilhar essas coisas com você? Sinceramente acredito que qualquer ser humano, por mais débil e fraco que se apresente, em nome de Jesus é capaz de vencer a Lúcifer através do louvor. Não posso concordar com afirmações do tipo: “Lúcifer era músico no céu e por isso ele sabe como distorcer a música”. Esse tipo de declaração nos leva a uma posição defensiva. Para mim, isso é comodismo, uma forma de nos acuar e fazer com que deixemos de louvar a Deus. Para tanto, é necessário que se valorize o seu conhecimento e a sua cultura, não somente a minha. Será com a ciência que temos de Deus e de nós mesmos que chegaremos a uma conclusão dos fatos que nos cercam. 17


Tenho certeza que, após esta leitura, entrar em uma igreja, sentar-se e ouvir um Coral cantando será uma experiência espiritual com sobriedade emotiva, razão e fé, e será melhor ainda se você estiver fazendo parte do coro.

18




Lembro de pegar minha “Ficha de inscrição” e ao preenchê-

la ficar pensando no motivo de se querer tanto cantar em um Coral. Me questionei se valia a pena todo o nervosismo e sofrimento pelo qual estávamos passando. Enquanto aguardava a minha vez de entrar na pequena sala para ser testado vocalmente, ouvi as histórias mais incríveis e mirabolantes...



Como Tudo Começou

“C

oral é só pra gurizada se juntar e se divertir”, disse Gabriel, “pelo

menos, na minha igreja é assim”. Eu não quis, naquele momento, discordar dele. Mas essa não era a minha realidade. Para mim, Coral era coisa séria. Muito séria. Veja bem, nasci na pequena e pacata cidade de Camaquã, no inte-

rior do estado do Rio Grande do Sul. Uma bucólica cidade a pouco mais de 100 km da capital, Porto Alegre. Como muitos adventistas, ‘nasci na igreja’. Lembro de meu pai contando lindas histórias sobre meu bisavô, um pioneiro naquela região. Também conhecia a história de como ele conhecera a minha mãe, que viera de uma família tradicional batista. Certo dia, ouvi meus pais falando que haviam comprado um órgão eletrônico para a igreja. Eu não sabia ao certo o que era. Meu conhecimento em música se restringia aos cultos familiares onde minha mãe tocava gaita (acordeão) e, com sua voz de contralto, despretensiosamente feliz, cantava melodias cristãs, apoiada pelo 2° tenor quase rouco e suave de meu pai. A conversa sobre o órgão eletrônico foi mais longe ainda, tanto que depois de algum tempo, por várias sextas-feiras à noite me entreguei ao sono nos bancos da pequena igreja. Como uma criança após um dia inteiro no parque de diversões, mas em um ensaio, ao som do órgão elétrico e das quatro vozes do Coral. Quando tinha meus 10 anos, criaram um grupo infantil maravilhoso! Nós não tínhamos playback e nem órgão para nos acompanhar. Mas um 23


24

I Coral é Coisa Séria I

violão! Aquilo era demais, e o ápice daquela experiência foi uma viagem que fizemos até Porto Alegre para a FAMG1 , para participar de um congresso. Isso foi inesquecível! Mais tarde, eu e meu irmão mais velho fomos para o colégio interno, o IACS (Instituto Adventista Cruzeiro do Sul), e lá, Coral era outra história. Poucos lugares no mundo possuem o luxo de ter admiradores tão antagônicos como os internatos. Alguns dizem que: “mudaram a sua vida para sempre”, ou “foi a melhor coisa que me aconteceu”, e ainda “um lar”, “uma oportunidade que eu agarrei”. Outros não conseguem olhar com tamanho entusiasmo: “Só perdi tempo na minha vida”, “Hitler se inspirou nos internatos para montar seus campos de concentração”, “se pudesse colocaria uma bomba nessa escola”. Independente da opinião, a verdade é que esse é um período extremamente marcante. Ele marca por muitos motivos, e um deles é a música. Não importa a cidade de onde vim ou nasci. Não importa o meu gosto musical, nem a minha cultura. Nem minha religião e o quanto eu conheço a respeito de Deus, todos podem cantar. Indiscutivelmente, todos querem entrar no Coral. No caso citado, o Coral Jubal. Hoje, Coral Jovem do IACS. Qual a razão? Os alunos querem fazer parte do Coral para ficar juntos; amigos, namorados, futuros amigos, futuros namorados. Também para viajar, para ser admirado no internato como o ‘cara que passou no teste do Coral’. Aliás, isso faz destes, quase que cantor ‘profissional’. Outro fato interessante é que no início do ano, ao voltar para o Coral, os veteranos contam histórias mirabolantes, como se fosse um livro ‘best seller’ de aventura nunca escrito. Com tudo isso em jogo, fomos lá, eu e meu irmão, fazer o teste. Todavia, os objetivos dos alunos eram muito diferentes dos meus... 1  FAMG - Federação Adventista da Mocidade Gaúcha.


I Coral é Coisa Séria I

25

O Primeiro Teste: Naquele ano, 1989, o teste estava sendo realizado no pavilhão de esportes. Um prédio retangular onde havia arquibancadas laterais e no centro uma quadra de vôlei que nas olimpíadas estudantis era a grande atração. Lá também aconteciam os programas dos Grêmios Masculino e Feminino, sendo que nessas ocasiões colocavam cadeiras sobre a quadra em dois blocos longinquamente separados: a da direita de quem entra no pavilhão era para os rapazes e a da esquerda, consequentemente, para as moças. O pavilhão possuía um palco, não muito grande, mas alto o suficiente para que todos, mesmo os que estivessem ao fundo, pudessem ver perfeitamente o que se passava lá em cima. Em cada lado do palco, parecendo colunas, havia duas salas. A da direita estava ocupada por um piano e pelo Maestro Vandir Schäffer. Era lá e com ele o meu teste. A fila para o teste vocal era enorme, lembrava em muito as filas do INSS. Como em internato a idade média é de adolescentes, dá para se ter uma ideia das diferentes reações que se pode observar. Confesso que só penso nelas agora que sou um adulto. A grande maioria na fila se conhecia somente por ter se esbarrado em algum lugar do campus, ou eram colegas de quarto. A verdade é que em um internato no início do ano quase ninguém se conhece, o que dava vantagem para os cantadores do ‘já ganhei’ aparecerem sem ser questionados. “Cantava em um grupo muito bom em minha igreja, por isso acho que não terei dificuldades em passar no teste vocal”. -Disse um à frente na fila. “Já fiz solos difíceis em muitas igrejas importantes”. Retrucou outro, com um pouco de arrogância. “Eu estudo música há dois anos”. - Ouvi uma moça dizer a uma colega da fila, enquanto olhava para todos com muita admiração.


26

I Coral é Coisa Séria I

“Tão confiantes”, pensava eu. Logo atrás das autoafirmações vinham as sessões de terror. “O cara é um carrasco”. - Amedrontavam alguns veteranos que não precisavam fazer o teste. “Ele é um Maestro muito competente, só passa se for muito bom”. Atrás de mim ouvi o comentário de que “alguém já desmaiara fazendo o teste com ele...” e também; “o que mais acontece é de as ‘gurias’ saírem chorando”. Como se fosse uma profecia de cumprimento imediato saiu da pequena sala uma moça chorando, e foi aí que conheci a face do carrasco: Professor Vandir Schäffer. Um alemão – como eu. Não colocava muito medo. Devia ter entre 1,75m a 1,80m de altura, cabelos lisos impecavelmente penteados para o lado e um bigode. “Próximo!” - Disse ele sem nenhum sorriso. “Só o que faltava era sorrir depois de fazer alguém chorar” - murmurei. Quem estava do meu lado, cochichou: “Com essa calma, ninguém desconfia que lá dentro daquela sala, ele acaba com qualquer um”. Depois de alguns minutos, lembro de pegar minha “Ficha de Inscrição” e ao preenchê-la ficar pensando no porquê daqueles adolescentes quererem tanto o Coral. “Vale a pena todo o sofrimento?” Enquanto divagava em questões, ouvi mais uma vez o Prof. Vandir Schäffer: “Próximo!” Observei o rosto do rapaz que saía da sala de tortura vocal e estava confiante. “Será que ele passou? Mas o resultado não é daqui a uma semana?” - Indaguei.


I Coral é Coisa Séria I

27

Isto foi num Sábado à tarde. Meu irmão mais velho, Rogério, estava comigo na fila de espera. Ele era o próximo e já havia escolhido e treinado o seu hino. Eu também: “Jesus Sempre Te Amo”, n° 290 do hinário Cantai ao Senhor, em Fá Maior. “É... Esse não é muito grave e ninguém o escolheu ainda”. – pensei em voz alta. Acho incrível que em todos os testes vocais que fiz e presenciei, os hinos são sempre os mesmos. Naquele dia, com aquela escolha diferente, esperava conquistar um pouco a simpatia do ‘meu’ carrasco musical. “Próximo!” E lá se foi o meu irmão. O meu nervosismo por ele era grande, quase tanto quanto por mim mesmo. Quando ele saiu não tive coragem de olhá-lo e fui direto para a sala. Afinal de contas, não poderia me deixar abalar por nada. A sala era improvisada. O professor entrou fechando a porta, deixando trancada a vontade de fugir daquele confronto entre a voz e o ouvido. Nós nos cumprimentamos e falamos sobre coisas que não me lembro, talvez pela minha ansiedade em terminar logo o teste. Comecei a cantar. A voz falhou: “Será que devo dizer que estou rouco? Já sei; gripado!... Ou talvez, estivesse sofrendo de laringite crônica momentânea, que provavelmente passaria depois de alguns segundos, talvez até mesmo após o teste?” Antes que eu abrisse a boca, ele disse calmamente: “Acalme-se meu jovem, é um simples teste de voz, não precisa ficar nervoso, você está indo bem”. Certo. Eu estava nervoso. Nenhuma desculpa daria certo, pois estava na cara, ou melhor, na minha voz o meu nervosismo. Cantei afinado. Fiz o teste de percepção. Sem problemas.


28

I Coral é Coisa Séria I

Começou o teste de extensão... Que fracasso! Eu já deveria ter imaginado; com 13 anos a voz não amadureceu ainda. Naquele momento eu soube: não ia conseguir! “Muito bem, meu jovem, tudo certo... Você está mudando de voz e ainda não tem condições de cantar no Coral Jubal”. As palavras do Professor Vandir Schäffer soaram com uma frieza profissional tamanha que tive a sensação de estar me congelando. “Tente no próximo ano”. - Ordenou o professor com seu cabelo impecável, já me conduzindo até a porta de saída. “Próximo!” Tive a sensação de estar saindo de uma sauna seca finlandesa a 60Co. Também não sentia os meus pés. Meu irmão me esperava logo abaixo das escadarias do palco. Rapidamente percebi que para ele a resposta do teste não fora diferente da minha. Num gesto de defesa, afirmei para mim mesmo: “Quero esquecer isso. Cantar não é uma coisa somente para profissionais, principalmente quando se canta para Deus”. Essa foi a minha primeira frustração musical.




A maravilha de se conhecer a Deus envolve crescimento.

Muitos pensam que a Palavra de Deus, revelação Dele para nós, é mera coincidência. No entanto, se pensarmos assim, estaremos limitando a inteligência divina. Com o passar do tempo, Deus foi melhorando o louvor do homem, mostrando que este é mais do que ruídos, mais do que ações e gestos corporais. Até mesmo mais do que música!



O que é louvor?

J

á faz um bom tempo que me preocupo com a forma como algumas

pessoas encaram os corais de nossas igrejas. Já presenciei, por exemplo, a liderança de um Coral mais preocupada com a disciplina do que com a música. Ou, os líderes estarem mais interessados no sucesso musical do que na espiritualidade. Ou ainda, mais apreensivos com a música do que com as pessoas. Penso que se faz necessário pensar no melhor para o todo, ou seja, no melhor para as pessoas do Coral da igreja. Infelizmente, é comum encontrar pessoas que defendem o seu gosto musical, e se esquecem de apoiar o convívio saudável entre os coristas. Aliás, a escassez de pessoas que apoiem esse tipo de trabalho é cada vez maior. Estamos envoltos num forte redemoinho de certezas e convicções em nada fundamentados e totalmente irrelevantes para Deus. Ao ponto de alguns entenderem que é melhor acabar com um Coral, grupo, ou músico e suas músicas, do que se sujeitar a ação calma e amorosa do Espírito Santo. Prospera o falso argumento de que música na igreja é algo muito complicado, que gera muitos conflitos e quebra princípios. A minha primeira experiência com Coral foi bem conflitante, porém, com o tempo pude notar que as coisas não soam assim tão simples como a afirmação comum: “o objetivo é louvar a Deus em primeiro lugar, e Ele não nos exige um louvor perfeito, com afinação e técnica perfeita!” Não é errado pensar assim, mas soa mais como uma desculpa para não 33


34

I Coral é Coisa Séria I

encarar as questões técnicas musicais do que, como um assunto de espiritualidade no louvor. Na verdade, digo que soa como desculpa porque eu mesmo já usei essa frase, com esta finalidade. No 8° Encontro de Músicos realizados no UNASP c2, assisti a uma palestra com o Professor Valdecir Lima. Quem o conhece, sabe de seus talentos e conhecimentos sobre música e poesia. Já tive o privilégio de ter aulas com ele, e admiro muito o seu conhecimento e capacidade. O assunto daquela noite foi “O que é Louvor”. “Bem, é um assunto muito fácil” pensei, “ele não deve ter muito sobre o que falar! Afinal a Bíblia diz no Salmo 150.6: ‘Todo ser que respira louve ao Senhor’ e em quase todos os demais capítulos do livro de Salmos há uma forte relação de louvor com o cântico, ou com o tocar instrumentos. Enfim... Louvar tem a ver com música e pronto!” Mas logo no começo da palestra, o Professor Valdecir começou a despejar passagens bíblicas e textos do Espírito de Profecia que apresentavam uma visão mais profunda e precisa do louvor. O palestrante verteu também uma frase que talvez seja lugar comum, mas que mexeu comigo e nunca me esqueço de sua profundidade: “Nós louvamos a Deus com a nossa vida!” Essa simples afirmação fez borbulhar diversas perguntas, dentro de mim. E comecei a procurar respostas para elas. No Dicionário Aurélio, da língua Portuguesa, a palavra louvor ou louvar tem a ver com exaltar, glorificar, bendizer, avaliar, elogiar. Na Bíblia, no Antigo Testamento aparecem as seguintes palavras que significam louvor: Hãlal: está relacionada com “fazer ruído”; Yãdhã: associado a ações ou gestos corporais que acompanham o louvor; e Zãmar: refere-se à música cantada ou tocada.


I Coral é Coisa Séria I

35

No Novo Testamento a palavra Eucharistein quer dizer literalmente agradecer e é usada numa forma íntima, pessoal. Já Eulogein quer dizer bendizer e, é usado para um tratamento formal. Outra coisa que observei foi que na Bíblia em quase todas as referências encontradas sobre louvor; Deus aparece para ser louvado pelo seu poder, supremacia, criação, bondade, perdão, milagres e maravilhas. Se você tirar um tempo e ler as menções sobre louvor ficará assustado ao saber que o louvor não significa apenas cantar. Você pode me dizer: “Ah, eu já sabia...” Acontece que muitos pensam que o louvor só é expresso com a música, com a voz. Então, eu pergunto: “desde quando trovões e ondas do mar têm voz?” Respondo: “eles fazem Hãlal – ruído – o vento também louva a Deus embalando as folhas das árvores suave ou ferozmente: Yãdhã – ações ou gestos corporais – e o ser humano pode somente Zamãr? Não”. A maravilha de se conhecer a Deus envolve crescimento. Muitos pensam que a Palavra de Deus é uma coincidência. No entanto, se pensarmos assim, estaremos limitando a inteligência divina. Com o passar do tempo, Deus foi melhorando o louvor do homem, mostrando que este é mais do que ruídos, mais do que ações e gestos corporais. É mais do que música! É bendizer – Eulogein - em um culto formal em nossa igreja e agradecer - Eucharistein - em oração pessoal, onde você abre o coração a Deus como a um amigo. Existem dois relatos bíblicos sobre louvor que sempre me emocionam. O primeiro é quando o povo de Israel liberto da escravidão atravessa o Mar Vermelho, e após o milagre, as mulheres louvam a Deus. Naquela ocasião, Miriã e Moisés compuseram um cântico de louvor (Êxodo 15). O segundo é sobre Paulo e Silas na prisão (Atos 16.19-40). Apesar


36

I Coral é Coisa Séria I

de encarcerados, louvaram a Deus. Isto resultou em um terremoto e na conversão do carcereiro. Por isso, durante muito tempo acreditei que louvar a Deus estivesse relacionado com música. Contudo, louvor não é somente isso. Observe esses dois relatos, e raciocine comigo; qual era condição física do local em que aquelas pessoas se encontravam? Os instrumentos musicais diferenciaram esses eventos? E as condições eram boas ou más para aquelas pessoas louvarem? Qual é o porquê desses louvores? E os seus frutos? Quero falar um pouco mais sobre a palestra que ouvi do Professor Valdecir. Ele abordou a história relatada no livro de Mateus, capítulo 21. Você se lembra? Jesus entra triunfalmente em Jerusalém, e depois expulsa do templo os cambistas. Acontecendo isso, as crianças começaram a exclamar: “Hosana ao filho de Davi” (verso 15), e então os sacerdotes e escribas se indignaram. Prevendo um tumulto popular e político, disseram: “Estás ouvindo o que estão a dizer?” (verso 16) e Jesus então responde: “Sim. Nunca lestes que: ‘Da boca dos pequeninos e das criancinhas de peito tiraste o perfeito louvor’?” O professor Valdecir discorreu muito, naquela noite, sobre este texto. E você pode conferir mais sobre a opinião dele, em um de seus poemas que o Maestro Lineu Soares criou a canção e o Quarteto Arautos do Rei interpretou e gravou. A frase final de seu poema é “por isso louvo com minha vida; o meu louvor é ser feliz”.

Perguntas difíceis Eu gostaria de lembrar um pouco do que você leu antes de chegar até aqui. No primeiro capítulo nos deparamos com uma realidade: alguns corais nos transparecem ser mais um clube social do que um


I Coral é Coisa Séria I

37

Coral. Só bagunça, conversa, e há alguns coristas não querendo que o ensaio termine, porque se isso acontecer, eles terão de ir mais cedo para casa e não poderão continuar a tão deliciosa conversa, ou o flerte, ou a programação de sábado à noite. Ou... E os motivos são numerosos. Contudo, sinceramente acredito que poucas coisas irritam mais um regente do que o desinteresse. Esse é o Coral ‘clube de amigos’. Por outro lado, temos o Coral ‘perfeito’. Ensaios técnicos, coristas sérios em seus objetivos, afinação, pontualidade e etc. Nesse tipo de Coral é possível ouvir uma agulha cair no chão, não porque o regente quer, mas porque a música é a coisa mais sagrada. Sem dúvida esse é o tipo de Coral ideal para regentes estressados. Tudo bem, sejamos coerentes. Não existem apenas estes dois tipos de Coral. Contudo, é grande o número de pessoas que enxergam apenas estas ‘filosofias’ de Coral. Quer ver? Mencione o nome de um Coral que tenha, em sua maioria, componentes da 3° idade e que gosta muito de cantar músicas como “A minha esperança está no Senhor”. Você conhece algum com esse perfil? Então cite qual Coral, hoje, onde a idade média é entre 15 a 26 anos vibra energicamente cantando “99 ovelhas”? Vamos tentar mais uma vez: será que você conhece um Coral em que a idade dos coristas está entre 13 e 65 anos? E nesse Coral, os ensaios são silenciosos ou mais barulhentos? Exatamente isso que você está pensando; Coral é coisa séria. Estas perguntas precisam ser respondidas com muito cuidado, para evitar conclusões generalizadas como a de Gabriel e frustrações como a minha em meu primeiro teste que levava a crer que para Deus não importa a qualidade musical. Iremos avaliar no próximo capítulo algumas coisas que ajudarão a chegar a um equilíbrio, mas antes disso o Coral precisa entender bem o seu objetivo: louvar a Deus.


38

I Coral é Coisa Séria I

Compartilhando: O Coral está vivo, isto é louvor! O ensaio transcorreu normalmente. Eu havia chegado ao meu objetivo daquela noite e ainda me sobrava um tempinho para conversar com o grupo. Pedi para que todos se sentassem nos degraus do estrado e comecei a falar sobre a importância de expressarmos o louvor a Deus com todo o nosso corpo - Yãdhã. “As pessoas quando olham para vocês não querem ver o diafragma trabalhando de forma correta na respiração. Elas talvez nem consigam distinguir a sua voz, da voz do companheiro ao lado. Quem dirá saber se o seu timbre é bonito ou se você está cantando afinado”. Respirei um pouquinho e rapidamente passei o olhar para ver se não estava começando a falar demais, prossegui: “As pessoas querem, consciente ou inconscientemente, ver você vibrando com o Deus da música que você canta. Não precisamos de muito pra isso, precisamos de duas coisas...” dei mais uma pausa rápida e percebi que alguns me olhavam intrigados. “Primeiro: precisamos perder a timidez, a vergonha. Precisamos olhar nos olhos das pessoas que estão nos escutando. E segundo: Deus”. Antes de poder dizer alguma palavra para continuar, uma corista me interrompeu e disse: “Mas Réges, é só ler a letra, ouvir a música que não tem como não se empolgar. As nossas músicas são uma declaração direta de amor a Deus!” Com essa interrupção percebi que não somente os olhares, mas as mentes estavam se voltando de uma maneira mais sensível para o assunto. Aos poucos foram surgindo mais opiniões e sugestões de como fazer para que o Coral melhorasse a sua expressão e a necessidade de isso ser algo espontâneo. Mas foi no finalzinho dessa pequena conversa que surgiu uma opinião que conseguiu terminar com o assunto.


I Coral é Coisa Séria I

39

Alguém disse: “Não adianta tentar expressar o louvor a Deus se o coração não tem nada dEle, se não temos comunhão; não temos o que oferecer”. Percebi que a afirmação daquela pessoa era para atingir coristas que aparentemente não tinham nenhuma comunhão com Deus, que não liam a Bíblia e muitas vezes vinham à igreja só porque o Coral iria cantar. Alguns integrantes de nosso Coral saiam à noite para festas em boates, bebiam e se envolviam com as coisas do mundo de maneira perigosa. Contudo, a afirmação me pareceu uma verdade; não podemos louvar a Deus sem nada dEle no coração. Fiquei atordoado com a frase e percebi que para alguns, essa verdade soava como uma acusação. Não me lembro direito o que fiz em seguida, mas quis terminar rapidamente o assunto... Onde poderíamos chegar com tudo aquilo? Depois da oração final e de algumas despedidas fui direto para o carro. Estava sozinho, e como de costume liguei o som. Sai da garagem onde estava e peguei a primeira rua à esquerda até a sinaleira (os gaúchos chamam assim o semáforo). Fiquei ali aguardando o sinal ficar verde. Bem na esquina, do outro lado da rua, havia uma concessionária Mercedes Benz. Não pude deixar de pensar: “que carros lindos!” Quem me conhece sabe que não sou do tipo ‘quero o carro do ano’, mas quem não gostaria de andar em uma Mercedes novinha em folha? Quem não quer ter potência, conforto, tecnologia, segurança...? Sonhei por alguns segundos “ah, uma Mercedes, essa sim tem muito a oferecer”. O sinal abriu, e eu segui até entrar na próxima à direita e seguir por uma avenida. E foi aí que me ocorreu um pensamento: “Uma Mercedes tem o que oferecer porque a fábrica que a projetou pensou nos mínimos detalhes. Mas... E se alguém ganhar uma Mercedes e não cuidar dela, em pouco tempo não passará de um carro com cara de velho e mal cuidado. E Deus? Ele não me criou pensando nos mínimos


40

I Coral é Coisa Séria I

detalhes? Não me deu o direito de ser o dono da minha vida? E por mais que eu não cuide da minha vida, por maior que seja a irresponsabilidade comigo mesmo, e acabe parecendo um ‘carro velho e mal cuidado’ eu ainda sou criação dEle. Ainda assim tenho algo para oferecer a Deus: a minha vida!” Essa ideia me deu uma nova perspectiva de louvor. “Nós louvamos a Deus com a nossa vida”, ratificou o Professor Valdecir Lima. Pense comigo: nós expressamos melhor nossa música louvando com o que temos, seja isso bom ou não para os homens. Mas para Deus é louvor, e é isso que ele quer. Se um dia eu despedaçar a minha vida, arruiná-la ao último fio, como o ladrão na cruz, e não tiver nada para Deus, ainda assim Ele me olha e diz: “você está vivo e isso é louvor!” O mesmo se aplica ao Coral, não é diferente. O Coral está vivo e isso é louvor! Podemos visitar asilos, orfanatos, arrecadar alimentos, realizar vigílias, jejuar, pregar e uma infinidade de atividades... Você pode acrescentar ou retirar o que quiser desta lista, mas jamais esquecer que um Coral vive para louvar. Esta é sua missão. Este é o objetivo. Antes de ensaiar, louve! Antes de cantar, louve! Antes de realizar algum projeto comunitário, louve! Antes de uma atividade social, louve! Qualquer coisa que o Coral venha a fazer, antes, deve louvar. Um dito popular reza assim: “Quem não sabe para onde navega qualquer porto pode ser o seu cais”. Qualquer Coral que não saiba com profundidade o seu objetivo; louvar a Deus; com certeza irá se apegar a outras pequenas coisas que darão a aparência de se estar indo para o porto certo. Eu mesmo já cometi esse erro, até alvo de batismo coloquei em um dos corais que regi. Na verdade, Coral nenhum converte ou anima a sociedade J.A ou Escola Sabatina e, não é fazendo trabalho missionário que dará a certeza de se estar indo para o porto certo. Acredito que a função mais próxima do Coral na igreja seja semear, e a mais precisa seja preparar o terreno para a semente.


I Coral é Coisa Séria I

41

Acho que alguns ficarão um pouco chocados com essa afirmação por isso gostaria que você refletisse comigo: Antes do Mar Vermelho se abrir, o povo de Israel estava louvando? Não. Acho que eles estavam apavorados. Agora, logo após a vitória, eles louvaram a Deus. Por quê? A reposta parece um tanto óbvia, mas será que o louvor deles não estava mais para uma festa? Exatamente. Deus quer que vivamos, e quando estamos alegres com as bênçãos que Ele nos dá, temos mais é que comemorar! Quando Paulo e Silas estavam na prisão cantando, à conversão do carcereiro se deu pelos hinos dos apóstolos? Claro que não. E seu Coral quer converter alguém pelos hinos? Não parece um pouco presunçoso? O que realmente converteu o carcereiro foi o Espírito Santo que se manifestou na prisão porque eles estavam ligados a Deus e motivados pelo sacrifício de Cristo louvando, ou foi a música? O Coral não tem que cantar para ‘converter’ mas para ‘convencer’. Não importa o motivo, a vitória ou a derrota, a paz ou a guerra, o trabalho ou as férias, o Coral precisa convencer que a nossa vida está ligada a Deus pelo sacrifício de Cristo. Assim, o Espírito Santo estará pronto para operar maravilhas. Façamos disso o nosso louvor. Façamos da nossa vida; música.



Existem muitos motivos para as pessoas cantarem em

corais. Bom seria para o Maestro que todos fossem músicos. Bom seria para o pastor que todos fossem missionários. Seria ótimo para a igreja que todos fossem zelosos e fiéis a congregação. A prefeitura seria beneficiada diante do batalhão de pessoas que se disporiam a ajudar os mais carentes. Os pais e nós, jovens, estaríamos seguros por estar numa festa sem brigas e bebidas alcoólicas. Felizmente, jamais será assim. Por isso, quanto mais diversos forem os motivos pelos quais as pessoas procuram o Coral, melhor...



Viagens, festas, eventos, amigos e afins...

I

magine um lugar onde não se escuta o barulho de motores. Sem

buzinas ou horário de ‘rush’. Sem semáforos nem policiais de trânsito. Imaginou? Talvez você conheça uma porção de pequenas cidades, ou até vilarejos assim. Mas recentemente eu conheci a ilha de Paquetá, localizada a apenas 15 quilômetros do centro da cidade do Rio de Janeiro. Em minha opinião, o Rio de Janeiro é a cidade mais linda do Brasil. Há muitos pontos turísticos e o povo carioca é de uma simpatia incomparável! Lembro-me de quando cheguei à cidade. Certo dia, estava indo para o trabalho e fiquei na dúvida sobre o melhor caminho e pedi informação a um cidadão. Qual não foi minha surpresa ao ele se oferecer, por cortesia, para entrar no carro e me conduzir até o destino. Veja bem, eu estava esperto, o senhor que entrou em meu carro deveria ter um pouco mais de 60 anos, não tinha nada nas mãos e estava fazendo uma caminhada. Em qualquer lugar do mundo, aceitar um desconhecido em seu carro numa cidade que você não conhece, é perigoso, sei disso. Contudo, quero apenas demonstrar como é a índole do morador comum, do Rio de Janeiro. Outra vantagem, que percebo em morar aqui, é me sentir em férias o ano inteiro. Para mim, casar uma cidade grande com muitas belezas naturais é um privilégio raro! Aliás, este capítulo e muitas outras partes 45


46

I Coral é Coisa Séria I

deste livro foram escritos sob a paisagem das praias de Copacabana e Barra da Tijuca. Agora, se você conhece ou não o Rio de Janeiro, vindo pra cá, não perca o passeio para a ilha de Paquetá. A ilha de Paquetá fica na Baia de Guanabara. Pra se chegar até lá, só utilizando um barco. O local de embarque fica bem no centro da cidade e, se você tiver um tempinho de sobra, aproveite pra conhecer os museus e as igrejas que ficam nessa região próxima ao porto de embarque. No caminho para a ilha passamos por debaixo da ponte Rio-Niterói. Cruzar a ponte de carro é muito interessante. Ver as cidade do Rio de Janeiro e Niterói sobre a Baia de Guanabara é algo estonteante. Agora, quando passei por debaixo da ponte foi que percebi o grande conhecimento desprendido para erguê-la. Não é tarefa simples manter esta ponte em pé. São treze quilômetros de extensão, fora a largura, suspensos no ar. Pra você ter uma ideia, o vão central está fixo sobre gigantescas boias, o que permite um leve movimento da ponte para que ela seja capaz de sofrer rajadas de vento sem danificar a sua estrutura. Aliás, a ponte é muito alta, ao ponto de os carros, caminhões e ônibus parecerem pequenas miniaturas, - quando vistos de baixo - como se fossem brinquedos da ‘Hot Wells’. Passar por debaixo da ponte foi algo que me fez prender o fôlego. Chegando à ilha, você enxerga um estacionamento de bicicletas, táxis puxados por bicicletas; e charretes, muitas charretes. A primeira informação que se tem, quando se chega a Paquetá é que os carros não transitam por lá. A ilha é pequena, mas de uma beleza única. Por exemplo; existem muitas pedras que parecem ter sido arremessadas ao mar, pequenas enseadas com apenas pequenos barcos de pescadores locais ancorados, areias finas, águas calmas e muitas crianças. Com quase cinco mil habitantes, a ilha é um refúgio do barulho sem estar longe de uma cidade grande.


I Coral é Coisa Séria I

47

Você pode estar dizendo: “Réges, vamos voltar ao livro?” Claro, mas se você não percebeu, acabei de deixar uma boa dica de viagem para o seu Coral. O objetivo deste capítulo é conversar um pouco sobre os motivos que levam as pessoas a participar de um Coral. Existem algumas razões que me induzem a pensar que seria melhor essa pessoa ficar em casa, mas na verdade, se bem compreendido, cada motivo pode ser uma oportunidade de amizade, de testemunho e até mesmo de resgate para Cristo. Quero abordar apenas aqueles motivos mais comuns, e vamos começar com o mais cotado, a amizade.

Amigos – A história de Rossano Era um sábado à tarde, quente, de verão sulista. Lá estava eu, recomeçando os testes. A fila era imensa, e essa situação me empolgava, por isso, ‘mandava ver’ na seleção das vozes. Em alguns testes me lembrava de meu primeiro e do quanto ele me incomodou, conforme descrevi no primeiro capítulo. Minha intenção nunca foi de que as pessoas tivessem a mesma sensação ruim que um dia sentira. Contudo, cada teste realizado é uma prova de que quanto mais direto e sincero eu for, melhor será para quem está sendo avaliado. Talvez uma pequena conversa antes do teste deixe a pessoa mais a vontade. Assim ela pode ficar mais tranquila, se isso for possível. Em suma, entendi que a maneira como o professor Vandir realizou o meu teste foi a melhor, pois colocou a minha real situação vocal, com sinceridade. No final de cada teste sempre me via na mesma situação, a pessoa saindo aliviada da ‘sessão tortura’ e eu, na porta, chamando: “Próximo!” Foi num desses ‘próximo’ que conheci o Rossano. Minha primeira im-


48

I Coral é Coisa Séria I

pressão dele foi chocante: um jovem de cabelos compridos - bem abaixo dos ombros -, com roupas folgadas e estilo rebelde, jeans, mascando chiclete, e olhando como se estivesse com sono ou desconfiado. Sua primeira palavra: “E aeeee!?” Confesso a você que meu primeiro pensamento foi: “E aeee? Cai fora!” Tentei ser o mais polido possível, mas acho que fui falso mesmo. Não consegui ser cordial. Olhei para ele e respondi com um tom de quem não esta acreditando no que vê: “É você o próximo?” “Sim”. - Respondeu Rossano. “Ok! Então, vamos ao teste”. Para mim, aquela história de conversar com a pessoa antes do teste se tornou rapidamente em papo furado, tendo a minha frente o Rossano. A primeira impressão que tive dele foi muito ruim e não consegui lidar com ela. Em algum lugar dentro de mim, tinha certeza que aquele perfil de cantor de rock era fachada e ele não teria condição de entrar no Coral, reprovando já nas primeiras notas. “Muito bem Rossano, o que você gostaria de cantar pra começarmos o teste?” - Perguntei. “Olha só, faz tempo que não venho à igreja então... Não sei nada desses hinos aí”... “Você conhece Deus é tão bom?” – Assim que falei, percebi que tinha deixado escapar uma oportunidade de descartá-lo do Coral. “Acho que sim, pra falar a verdade os caras me ensinaram ali fora essa ‘musiquinha’, daí pode ser...” – ele me disse com ar despreocupado. Aquela frase me deixou muito irritado: “os caras me ensinaram”, como se o teste fosse a coisa mais banal, como se eu fosse insignificante. O meu cérebro já havia maquinado tudo e o ‘momento da vin-


I Coral é Coisa Séria I

49

gança’ estava apenas começando. Hoje tenho vergonha do preconceito que tive naquela ocasião. Ser alguém que possui um conhecimento mais profundo das verdades divinas não me permite desejar e agir mal contra um filho de Deus, aliás, um irmão meu. Sem dica nenhuma do momento de começar a cantar, fazendo uma introdução esquisita, olhei pra ele esperando seu erro. Mas fui surpreendido! Ele era afinado. O pior só estava começando. Ele se manteve afinado em toda a música. Eu até tentei, mudei de tom e depois ainda abaixei misteriosamente a tonalidade, mas ele era afinando e minha estratégia não deu certo. Terminando o teste, conversei mais um pouco. “Muito bem Rossano, você é afinado. Onde você aprendeu a cantar? Já estudou música?” “Ah! Sim! Eu tenho uma banda de rock e toco guitarra”. Isso era um ultraje! Um roqueiro? “Por que você está aqui fazendo teste para o Coral, então?” - Perguntei como se não fosse possível ter uma banda de rock e condições de cantar em um Coral. “Meus amigos me chamaram. Quando criança era Adventista, e daí eles falaram que o Coral ‘tava legal’, daí eu vim ver no que é que dá!” Respondeu como se não tivesse interesse nenhum no assunto. “‘Tá’ bom. Vamos a segunda parte do teste, percepção e extensão”. Respondi contrariado com o que ouvira. Eu teria que dar um jeito de reprová-lo aí, mas nada feito! Rossano era um ótimo tenor e estaria sendo totalmente desonesto se o reprovasse. Não havia o menor motivo, e ele mesmo sabia que cantava bem. Foi então que me ocorreu uma ideia perfeita pra tirá-lo do caminho, e melhor, sem precisar ser o culpado. “Rossano, olhe só. Sua voz é muito boa e você canta tenor, mas temos


50

I Coral é Coisa Séria I

um probleminha”. Olhei com ar de quem já ganhou e disse: “Você precisa cortar o cabelo. O ensaio é na próxima sexta-feira e você precisa estar com o cabelo cortado, ok?” “ ‘Vixe’... Preciso mesmo?” - Questionou ele. “É uma norma da igreja”. - Respondi me esquivando da responsabilidade, mas por dentro cantando vitória. Fui me colocando em pé, já indo na direção da porta para chamar o próximo. Apertei a mão dele e disse até logo. “Próximo!” Terminei os testes. A semana passou e chegou o primeiro ensaio. Todos estavam eufóricos, pois o Coral contava com um bom número de coristas e os planos para o ano eram muito promissores. Enquanto as pessoas entravam para o ensaio, fiz questão de cumprimentar o máximo possível de coristas. Foi quando percebi uma pessoa diferente junto dos tenores. Rapidamente perguntei para a secretária. “Escute, quem é aquele lá no meio dos tenores com a cabeça quase raspada?” “Não lembra?” – Ela me respondeu como se já estivesse esperando a pergunta. “Não!” – Respondi impaciente. “É o Rossano, só que ele cortou o cabelo. Eu nem acredito que ele fez isso. Na verdade, ninguém sabe por que ele está aqui, já que está desligado das coisas da igreja”. Mas eu soube. Deus tocara o seu coração, e ele estava atendendo a um convite divino. Confesso mais uma vez, que tenho aversão de mim mesmo ao lembrar minha atitude com Rossano. Ele nem imagina que isso aconteceu.


I Coral é Coisa Séria I

51

Possivelmente, deverá ficar surpreso ao ler parte de sua história pelos meus olhos. Contudo, Deus estava trabalhando comigo também, pois durante toda a minha vida Ele tem me quebrado e mostrado que o seu amor não condena e nem separa, simplesmente ama. A Bíblia fala que se eu digo ‘estou na luz e não amo meu irmão, estou, na verdade, em trevas’ (I João 2.9-11). Só a Deus compete julgar. Alguns meses juntos no Coral fez com que, eu e Rossano, nos tornássemos bons amigos. Muitas vezes conversamos sobre música e ele me contou algumas coisas de sua vida pessoal. Nunca esqueci uma vez em que marcamos um pequeno ensaio em meu apartamento, pois sua guitarra e violão que antes tocavam música rock, agora tocavam para o Coral. Durante esse ensaio, ele me disse que nunca se esquecera do meu pedido para que cortasse o cabelo como condição de ingresso no Coral. Porém não fora eu que o motivara a fazer, mas Deus. Em seu coração, Rossano sabia que não bastava aceitar o convite e continuar como estava. Por isso, gradativamente, Deus o transformou e foi dando instruções de como ser uma nova criatura. E por mais ‘doidas’ e difíceis que fossem as mudanças, ele estava atendendo e seguindo. De modo algum quero dizer que cabelos longos refletem alguma coisa negativa ou falha no caráter de alguém. Tenho minhas convicções sobre o assunto. Porém, era regra para entrar no Coral, e ainda se costuma pedir aos membros da IASD para cortar o cabelo, assim como em algumas áreas profissionais exige-se certas posturas, principalmente naquelas onde a seriedade na aparência tem muito valor. Três anos mais tarde, Rossano pôde dar um grande testemunho juntamente com o Coral. O Jornal Zero Hora, de Porto Alegre (RS), estava preparando uma matéria que tratava dos jovens e a religião. O Coral Jovem de Novo Hamburgo foi escolhido como uma das fontes de pesquisa para o argumento da matéria.


52

I Coral é Coisa Séria I

A jornalista responsável acompanhou o Coral em uma excursão para a cidade de Caxias do Sul e ficou impressionada com a nossa alegria e resolveu entrevistar várias pessoas do grupo, entre elas, o Rossano. A matéria saiu na edição dominical de 03 de janeiro de 1999. Nela havia algumas fotos, e uma delas era do Rossano segurando uma Bíblia. Para mim, é emocionante ler sua entrevista e ela servirá de testemunho também para este livro. Vou transcrevê-la integralmente para você: “Quem conhece Rossano de vista não imagina as revoluções que a religião vem causando em sua vida. Tímido, ele fala pouco, mas observa bastante. Toda essa sensibilidade lhe rendeu uma descoberta que mudou por completo sua visão de mundo. Os dias que antes eram só para diversão são hoje dias de muitas outras atividades. - Eu passava a semana inteira ocioso. Só pensava em festa e saía toda a noite para beber e gastar dinheiro. Nossa! Eu gastava cerca de R$ 50,00 numa noite. Hoje eu penso no futuro – conta. Estudante de comércio exterior na Unissinos, Rossano Torman, 20 anos, começou a frequentar o grupo da juventude Adventista por mera curiosidade. Mesmo diante das orientações baseadas em princípios Bíblicos, que podem até parecerem rígidas para quem está de fora, não desanimou. Os jovens adventistas devem guardar os sábados para a adoração a Deus. Nada de estudo, trabalho ou festas. As meninas são aconselhadas a não usarem joias, e nem maquiagem. Os meninos procuram não deixar os cabelos compridos. Tanto era a alegria da garotada que ele logo se enturmou e descobriu aquilo que tanto necessitava: amizade. Com o tempo, o desejo de conviver com esses meninos e meninas foi deixando-o mais perto de quem a religião tanto falava: Deus. - Deus pra mim, agora, é todo o motivo da minha felicidade – diz, com um enorme sorriso no rosto. Um dia desses, Rossano encontrou os antigos amigos e aceitou as-


I Coral é Coisa Séria I

53

sistir uma partida de futebol na casa de um deles. Não imaginava a distância que os separava. Não tinham mais o que conversar. Ao ver a caixa de cerveja e os cigarros de maconha em cima da mesa, inventou uma desculpa e se mandou. - Eles já estavam me tirando para careta – queixa-se. Felizmente a relação com os pais melhorou muito. Apesar de descrença inicial na perseverança do filho, eles o apoiaram. Rossano é tenor no Coral Jovem Adventista de Novo Hamburgo e orgulha-se disto. O canto foi uma paixão que adquiriu no coral. Foi através das apresentações que começou a conviver mais com os jovens cantores. Fazer jantares na casa de alguém e jogar Imagem e Ação até tarde foram alegrias simples proporcionadas pelo grupo e que o deixam com os olhos marejados só de lembrar. (Edição do dia 03 de janeiro de 1999). Rossano é um forte exemplo da influência de um Coral na vida dos jovens, e uma lição para que busquemos incessantemente por amigos que estão fora da igreja. Contudo, não podemos sair por aí buscando pessoas para o Coral como se fosse uma ‘sangria desatada’. É necessário que se fale de todas as responsabilidades para com a igreja, e uma conversa aberta servirá de divisor entre os que sinceramente querem se voltar a Deus, apoiados pelo Coral, e os que estão querendo somente passar um tempo. No Manual da Igreja Adventista do 7° Dia, na página 73, encontramos um comentário importante ao qual à liderança da igreja precisa estar atenta: “... Os membros do coro ocupam uma posição relevante (ou seja, saliente, proeminente, ressaltada) nos cultos da igreja. A capacidade de cantar é apenas uma das qualificações que devem possuir. Devem ser


54

I Coral é Coisa Séria I

membros da igreja, ou da Escola Sabatina ou da Sociedade dos Jovens Adventistas e, em sua aparência pessoal e em sua maneira de vestir e decoro. Pessoas de consagração duvidosa ou de caráter questionável, ou as que não se vistam convenientemente, não devem ter permissão para participar das atividades musicais dos cultos” (grifo meu). Para mim, é muito linda a história do Rossano. Note que ele não escolheu somente cantar no Coral, mas cantar para Jesus também. Ele aceitou as orientações que foram desde a sua aparência pessoal até a sua responsabilidade espiritual. Não podemos esquecer que assim como o Espírito Santo moveu o coração de um filho para que voltasse ao lar, o arqui-inimigo também usará pessoas para tirar da igreja e do Coral, jovens que são tementes a Deus. A Bíblia aconselha: “Filho meu, se os pecadores querem seduzir-te, não o consintas. (...) Porque os seus pés correm para o mal e se apressam a derramar sangue” (Provérbios 1.10 e 16). Em The Youth’s Instructor, 5 de Julho de 1894, o Espírito de Profecia mais uma vez adverte: “Não é seguro para o professo cristão associar-se aos descuidosos e negligentes; pois fácil é vir e considerar as coisas com eles, e perder todo o senso do que significa ser seguidor de Jesus. Guardem-se particularmente neste ponto – não ser influenciados e desviados por aqueles que, vocês tem razão de conhecer por suas palavras e obras, não estão em ligação com Deus”. Um constante alerta. Um delicado dom. A amizade nas mãos do inimigo será o início de um trágico tempo de escuridão. Solidão e depressão são os conselheiros desse tipo de convívio. Porém, a amizade nas mãos de Deus é ponto de união. Um espírito de simpatia e alegria dominará os ensaios e apresentações e muitas pessoas sentirão vontade de participar do convívio social desse grupo que atrai não somente pela


I Coral é Coisa Séria I

55

música, mas também pelo “amor de Cristo que a cada dia mais brilha, e chegará ao dia em que será dia perfeito” (I Pedro 1.19). Com isso, termino este tópico dizendo que, a amizade dentro do Coral pode ser a mola propulsora do trabalho missionário. “Os que experimentam o amor de Cristo não podem ficar ociosos na vinha do mestre. Verão oportunidades para ajudar aos outros a se aproximarem de Cristo. Participando do amor de Cristo, trabalharão pela salvação de outros. Que toda a pessoa imite o Modelo, e se tornem todos missionários no mais alto sentido, ganhando pessoas para Jesus” (The Youth’s Instructor, 20 de Outubro de 1892). “Vós sois minhas testemunhas” (Isaías 43.10).

Viagens, festas, eventos... Na introdução deste capítulo, apresentei a ilha de Paquetá como sendo um lugar diferente no Rio de Janeiro, onde você pode levar o seu Coral. Durante o período em que trabalhei no UNASP c2 como regente do Coral Jovem, tive o privilégio de realizar uma viagem para a região sul do país, no mês de junho, onde faz muito frio nessa época. Nossa primeira parada foi na cidade de Curitiba (PR). E me recordo de uma corista que veio de Rondônia – estado que tem como característica climática o oposto da região sul – e teve dificuldade de encarar as constantes chuvas e frio, pois nunca enfrentara temperaturas tão baixas em sua vida. Eu acho fascinante experimentar sensações, ir a lugares diferentes, provar sabores novos! Apesar de este mundo ser contaminado pelo pecado, ele ainda possui coisas muito bonitas! Logo após estarmos em Curitiba, fomos para Porto Alegre, serra gaúcha e por fim Florianópolis. Dentre as coisas mais divertidas que existem num Coral, as viagens e


56

I Coral é Coisa Séria I

passeios são as mais empolgantes. Em 1999, o Coral Jovem de Novo Hamburgo esteve em Jurerê, Florianópolis (SC), para participar do 1º Campori de jovens da União Sul Brasileira, cantando. Foi uma alegria só do começo ao fim! Desse evento, temos um fato muito inspirador da manifestação do Espírito Santo. No sábado à tarde, o Coral foi convidado a participar dos projetos comunitários do evento com uma apresentação no Shopping Beira-Mar. Enquanto nos preparávamos para o miniconcerto, uma das coristas estava se arrumando no banheiro – pelo jeito as mulheres nunca se cansarão do espelho; e dentro do banheiro dava pra escutar o Coral aquecendo a voz e passando o som. - Ao lado da corista havia uma mulher escutando quieta a música. De repente, ela começou a perguntar coisas sobre o Coral e sobre a letra das canções, sem mais nem menos a emoção daquela mulher se manifestou em forma de lágrimas. Ela questionou sobre quem e de onde era o Coral, e qual era o objetivo da mensagem que estávamos cantando. Instantes depois, a corista levou-a para junto do Coral e apresentou a nova amiga ao Pastor Eliezer Vargas, que mais tarde iniciou uma série de estudos bíblicos com ela. Perceba; de um evento podem surgir grandes experiências espirituais que fortalecerão todo o grupo. Lembro ainda de outra viagem que fiz com o Coral de Novo Hamburgo, ao país vizinho, Uruguai. Foi maravilhoso conhecer outra cultura e ver como vivem nossos irmãos de lá. Foi marcante para mim, e creio que para o Coral também, ver a empolgação e alegria com que os alunos do IAU – Instituto Adventista del Uruguay – aplaudiram e se emocionaram com as músicas. Recentemente, fui surpreendido na festa que o Coral Jovem do Rio faz para recepcionar os novatos no início do ano. A alegria, as brincadeiras, o Karaokê, o jantar vegetariano, as imitações, enfim... Muitas coisas


I Coral é Coisa Séria I

57

deliciosas e divertidas. Eu era um dos novatos... E no começo da festa já me senti muito à vontade. Preciso abrir um parêntese quanto a este hábito do Coral Jovem do Rio, as festas e eventos sociais que eles realizam são excelentes! Um Coral com atividades sociais intensas proporciona grandes resultados que se manifestam nas apresentações, pois, normalmente não nos sentimos inibidos em cantar ao lado de alguém que temos proximidade. O clima de descontração e naturalidade para cantar, aumenta. É certo que muitos entram no Coral por causa dessas atividades. Então, é preciso viver e sentir as experiências de viagens, eventos, festas e muito mais, com Cristo e com nossos colegas de coro.

O Maestro Quando pensei neste item, não fazia ideia de que tantas pessoas prestavam atenção a ele. Talvez, por ser músico e apaixonado por minha profissão, não tenha percebido isso acontecer comigo, mas conversando com alguns amigos eles me contaram de coristas que estavam dispostos a tudo para se aproximar de um Maestro e poder dizer: “canto em tal Coral, o meu Maestro é ‘fulano de tal’”. Já mencionei que trabalhei no UNASP c2, e vou contar mais uma experiência desse período. Estudei naquela instituição em 1993, e tenho ótimas lembranças da Universidade. Entretanto, naquela época a música ainda estava engatinhando, assim como toda a instituição. Porém, no ano de 2000 tudo já era diferente, inclusive no aspecto musical. Uma das diferenças era que o Maestro Lineu Soares já estava trabalhando no UNASP c2. Como sabemos, ele é conhecido como compositor e produtor. Para minha surpresa, em 2000, tive o privilégio de ser convidado para reger o Coral Jovem. Vi que alguns alunos do Ensino Médio esta-


58

I Coral é Coisa Séria I

vam na expectativa de poder participar do Coral regido pelo Lineu; o Coral para os universitários. Admito que fiquei um pouco frustrado. No fundo, eu gostaria de ter recebido o mesmo interesse pelo Coral que iria reger. Mas eu sabia que, o Lineu Soares é um músico de altíssima qualidade e competência. Eu mesmo, se fosse aluno, teria me esforçado ao máximo para participar do seu Coral. Logicamente, participar de um Coral com um Maestro de maior qualificação e competência é muito interessante. Se alguém escolhe um Coral por esse motivo, deve pensar em aprender ao máximo. ‘Sugar’ cada palavra dita para o crescimento vocal e também musical. Aprender como dominar um grupo. Como resolver situações difíceis e quais as características positivas para auxiliar o Maestro e seus colegas de Coral. Pode acontecer de você ir para algum lugar e lá precisarem de ajuda na formação, ou melhoria de um Coral. Assim, você terá experiência e dicas para dar, contribuindo de forma significativa. Agora, cuidado! Essa atitude pode estar ligada a vaidade, e tal característica é egocentrismo. Com o tempo, você poderá estar vivendo em um ambiente falso, ou ganhando um rótulo de ser exibido. É sempre bom refletir sobre nossas escolhas para que possamos tirar o melhor de cada momento e em hora oportuna estar à disposição para partilhar o que se aprendeu.

Gravações – CD, DVD... Está na moda gravar CD. E agora, os DVD’s. Sabe se lá, onde vamos parar quanto à forma de registrar música nos dias tecnológicos em que vivemos... Muitos se incomodam quando alguém aparece com este assunto. Afinal, o que há de especial em gravar? Muita coisa. Como estamos falando mais especificamente de Coral de igreja, sem sombra de


I Coral é Coisa Séria I

59

dúvida, gravar significa testemunhar. Se eu fosse parar para contar relatos de pessoas que foram abençoadas por escutar alguma música gravada, o número de folhas deste livro seria multiplicado grandemente. A força da música vai além daquilo que podemos mensurar, e aliadas ao rádio e a TV rompem fronteiras! Só para ilustrar, recebi recentemente uma mensagem de um irmão do Peru. Ele foi motivado a aceitar Jesus, pela influência de uma composição que Deus me deu. Eu jamais sonhei que teria algum dia, uma música minha sendo cantada ou tocada, em outro país. No entanto, um CD não se resume a apenas isso. Pode se ganhar muito em relacionamento com músicos, crescimento técnico, unidade, repertório, conhecimento musical e, principalmente, divulgação da filosofia do Coral. Em 1999, o Coral de Novo Hamburgo gravou o seu primeiro CD. Tenho vivo na memória os ensaios extras que marcamos para as terças, sextas, sábados e alguns domingos pela manhã. Os ensaios estavam sempre cheios. Talvez você questione: “por quê? Poderia um Coral cantar para Deus com interesse apenas na gravação de um CD?” Vamos pensar nestas questões olhando outros aspectos. O período de gravação do CD é um bom momento para a direção e o Maestro desenvolverem o espírito de grupo e aumentar a qualidade do Coral. É uma ótima ocasião para aumentar o número de ensaios, cobrar pontualidade e dedicação. Se houver sabedoria, cada estágio do processo de gravação será um elemento de união para o grupo e superação de desafios. Os primeiros ensaios com o playback, as primeiras horas dentro de estúdio gravando o vocal... Com aquelas inúmeras repetições, do tipo; “alguém respirou na hora errada”. Até a primeira música estar gravada e a empolgação contagiante de cada corista com o resultado final. Por vezes, se tem problemas com alguém que vive achando que poderia ser diferente, ou que, seria melhor do outro jeito; o arranjo não ficou


60

I Coral é Coisa Séria I

bom. Entretanto, não se preocupe com isso, sempre haverá alguém para criticar o seu trabalho. Assim como sempre existiu o ‘sabe tudo’. Há algo que poderá ajudar no processo de gravação de um CD; se você não é produtor ou arranjador, peça ajuda a um. Diminuirá em muito a sua dor de cabeça e suas ideias serão melhoradas. Pela experiência que esse profissional tem, ele só enriquecerá o seu projeto. Ao se fazer um projeto desses, um grande problema é o custo. Tive experiências dolorosas com patrocinadores e colaboradores que se ausentaram no momento prometido. Muito cuidado! Planeje-se, organize estratégias para buscar os fundos necessários para uma gravação de qualidade e não permita que a falta de planejamento financeiro transforme um projeto de bênçãos, em uma dor de cabeça contínua. O Coral Jovem do Rio também adotou uma estratégia interessante na confecção do seu primeiro DVD – Sonhos. Com o aumento maciço no número de ensaios e tendo a obrigação de saber todas as músicas na ponta da língua, porque não dá pra ‘voltar’ uma imagem errada, foi adotado um percentual de presença obrigatório. Lembro-me de que o Coral tinha no começo do ano 120 coristas, mas somente 78 alcançaram o mínimo de presença nos ensaios para participar da gravação do DVD. Também a unidade que se formou, causada pelo excesso de reuniões e pela grandiosidade que significou este projeto, foi extremamente positiva. Contudo, não faltaram as desavenças e queixas durante todo o processo. E é importante que isso aconteça, porque talvez, em alguma dessas queixas se perceba um erro que será solucionado há seu tempo. Tudo isso é normal. E se as críticas forem feitas com ética, tornam-se até necessárias. Se você quer deixar o trabalho de seu grupo registrado, seja audacioso! Olhe além! Planeje e execute o projeto com perfeição nas datas e nos prazos. Meu desejo é que Deus abençoe o seu projeto.


I Coral é Coisa Séria I

61

Autoridade, vitrines e egos Agora o assunto vai ficar pesado. Existem pessoas que tem um verdadeiro fascínio por liderança, outras querem apenas o ‘poder’. Explico a minha afirmação. O verdadeiro líder é aquele que sabe motivar as pessoas. É aquele que orienta. Une. Vê o grupo. O verdadeiro líder acha difícil ser líder. Erra e assume. O nome dele vem por último, contudo é o mais lembrado. Temos, de maneira antagônica, outro tipo de líder, onde a bandeira identifica claramente todas as atitudes a serem seguidas. Ele está certo sempre. Seus objetivos são mais nobres do que as pessoas. É eficaz, mas não funciona muito bem num Coral. Nos diferentes corais em que trabalhei, a cada ano alguns membros da liderança eram trocados. E isso sempre é positivo, apesar de mudanças gerarem atrito. Os anos mais positivos foram aqueles onde o líder tinha a visão do grupo. É preciso procurar por líderes assim. Nas inúmeras formações de diretoria que pude acompanhar, a que melhor funciona é aquela que o corista escolhe. Aconteceu comigo. Talvez, por falta de ambiente em outras áreas da igreja, um grupo de pessoas que nunca vestiu a camisa do Coral, resolveu entrar na diretoria. A opinião do Coral era maciça para que não se permitisse a participação dessas pessoas na direção. Sabendo disso, essas pessoas mudaram o que sempre fora costume naquele Coral, onde o diretor e demais membros da diretoria eram indicados pelos coristas e a comissão da igreja fazia a devida análise para aprovar ou não. É incrível onde pode chegar o ser humano para se sentir melhor que os outros. Houve manipulação da comissão da igreja, e a opinião dos coristas foi rejeitada. O desconforto foi tão grande do Coral com a sua igreja, que por um bom tempo não houve um clima saudável en-


62

I Coral é Coisa Séria I

tre irmãos. Eu também não consegui suportar o transtorno que essa divergência causou dentro do Coral, e por consequência, me afastei do mesmo. Quando essas pessoas perceberam o que fizeram, também não assumiram o Coral, e tudo ficou largado a mercê de quem quisesse. Por que isso? Por uma simples questão de ser alguém o diretor, e não estar numa diretoria. Mas Deus é incrível! Se Ele quer alguma coisa, não há homem que o impeça. Da mesma forma é quando Ele não quer. Este Coral permanece firme com seu trabalho. E até onde eu saiba tais pessoas nunca entraram na diretoria. Outro aspecto que quero abordar é que nunca haverá unidade numa diretoria. Embora seja ambivalente, essa falta de unidade é saudável. Contudo, quando você tem uma diretoria que trabalha todo o tempo em lado oposto ao do Coral, o desgaste é imenso e poderá ser destruidor também. Veja; o líder não trabalha a partir das suas dificuldades, e sim, pelas suas qualidades em agregar as pessoas e ser audacioso com o Coral. Uma boa dica pra saber quem no seu Coral tem esse perfil é lembrar o que Lao Tsé disse sobre liderança: "O sábio não se exibe, e vejam como é notado. Renuncia a si mesmo e jamais será esquecido”. Então pense: o seu líder, ou você, é mais falado ou mais lembrado?

Não somente cantar O primeiro, e maior motivo que leva alguém a escolher um Coral é o canto. Na verdade, o canto não é opção. Coral vive de cantar. Atualmente, tenho pensado em expandir a parte artística do Coral. Ir além do canto. Estou desenvolvendo duas ideias e quero partilhá-las como uma sugestão para você.


I Coral é Coisa Séria I

63

A primeira é desenvolver um Ministério de louvor durante o recital. Misturar o canto técnico com o congregacional. É interessante ver a participação efetiva do público. Quem sai ganhado é o Coral pela aproximação da plateia com o artista. A segunda é misturar arte cênica com o canto. Me chamou atenção uma peça na internet que era executada em cima de uma canção. Minha esposa também assistiu e sugeriu: “Por que não fazer uma versão para o Coral cantar e acharmos entre os coristas, pessoas que gostem de interpretar? Ao invés de usar um playback, cantaríamos e encenaríamos tudo!” Fizemos e deu certo. Ou melhor, ficou muito bom! Tenho uma composição que compara a nossa vida com uma tela de pintura. Penso em encontrar um artista plástico bom, para que, enquanto a música estiver sendo executada, o rosto de Jesus seja pintado. Terminada a música, a tela estará pronta. Creio que é importante ter essa visão de crescimento artístico.

Desenvolva os dons Existem mais motivos que levam as pessoas a cantar em corais. Bom seria para o Maestro que todos fossem músicos. Bom seria para o Pastor que todos fossem missionários. Seria ótimo para a igreja que todos fossem zelosos e fiéis a congregação. A prefeitura seria beneficiada diante do batalhão de pessoas que se dispõem a ajudar os mais carentes. Os pais e nós jovens; por pouco tempo mais posso ainda me incluir nessa categoria; estaríamos seguros por estar numa festa sem brigas e bebidas alcoólicas. Felizmente, jamais será assim. Quanto mais diversos forem os motivos porque as pessoas procuram o Coral, melhor. É indispensável, no entanto, que se procurem as diferentes áreas e os diferentes dons para ampliar a extensão de alcance do


64

I Coral é Coisa Séria I

seu projeto. Não limite seu Coral a música. Evite focalizar uma estratégia somente. Desenvolva os dons. Seja uma luz e não a esconda dentro de uma igreja, coloque-a no alto do monte. Que Deus dê sabedoria para você reger a sinfonia de talentos que estão à disposição em seu Coral.




Oito ensaios para saber uma música é pouco? Seria o ner-

vosismo, ou a expectativa o causador do esquecimento da letra e da música? O que eu, como Maestro, poderia fazer nos ensaios e durante a apresentação para ter resultados mais eficientes? Porque os ensaios são frustrantes mas tudo dá certo na apresentação? Qual o problema com o meu ensaio? Como ensaiar um Coral?



O Ensaio

A

expectativa só era menor que o medo. Seria o 1º Festival de Corais

das Escolas Adventistas do Rio Grande do Sul, e eu estaria participando dele como regente do recém formado Coral da Escola Adventista de Canudos. Escola esta, localizada na cidade de Novo Hamburgo. O Centro de Convenções da PUC em Porto Alegre era o palco do evento. Uma emissora de TV local transmitiria ‘flashes’ da programação. Tudo parecia muito grande. Havia um grande número de corais representando suas escolas e eu estava preocupadíssimo com o meu. Havíamos trocado a música que apresentaríamos, apenas duas semanas antes. Tivemos oito ensaios e isto me pareceu pouco. Havia coristas manifestando pequenos erros frequentemente, ou melhor, esquecimentos de letra, harmonia e etc. Para amenizar o meu excesso de preocupação, reuni o Coral atrás do ônibus e dei uma ‘passadinha’ na canção. “‘Vixe’! A gente ensaia, ensaia e ensaia e parece que vocês não apren-

dem? Sempre erram na mesma hora e no mesmo lugar!” – explodi irritado. Mas não sei porquê, nessas horas de maior irritação aparecem aquelas criançinhas obedientes da pré-escola com um sorriso lindo e digno de pena, e puxam você pela calça, perguntando: “Tio, eu posso ir ao banheiro?” Que raiva! Eu estava a ponto de estourar de tanta ansiedade! 69


70

I Coral é Coisa Séria I

Tudo bem que era música nova, mas havíamos ensaiado, estávamos exaustos de repetir e ainda assim alguns estavam mais perdidos do que ‘ratos em queijaria’. Chegou a nossa vez de cantar. O Coral subiu no palco. Cantou sem erros. Tive o privilégio de colher os frutos do esforço através do reconhecimento de colegas e demais profissionais que estavam no evento, mas... Eu estava extenuado. O desgaste nas duas semanas que anteviram o evento fora muito grande, principalmente os instantes antes da programação. Isso me fez refletir sobre o problema. Surgiram perguntas que precisavam urgente de respostas: “será que eles não gostaram da música? Porque não decoraram? Porque demoraram a aprender? Oito ensaios para saber uma música seria pouco? Seria o nervosismo, ou a expectativa o causador do esquecimento? O que eu, como Maestro, poderia fazer nos ensaios e durante a apresentação para ter resultados mais eficientes? Porque deu certo na apresentação? Qual o problema com o meu ensaio?” Na verdade, a pergunta que resumiria todas é a seguinte: “como ensaiar um Coral?” Não foi fácil para mim, responder a esta pergunta. Este assunto é importantíssimo para os músicos; especialmente os regentes; e existe pouco material com comentários ou estudos. Cheguei à conclusão de que ainda existe muita coisa a se aprender sobre como ensaiar. Então, tive que percorrer um caminho extenso, onde a leitura me roubou um longo tempo, todavia compensador. Nessa ‘viagem’ em busca de respostas, naveguei por ‘águas diferentes da música’ que, ajudaram muito na elaboração dos ensaios. Adentrei por conhecimentos tais como neurofisiologia, pedagogia, gestão de pessoas e propaganda. À medida que ia aprendendo alguns conceitos básicos dessas áreas, traduzia-os para a música e tentava aplicá-los aos ensaios.


I Coral é Coisa Séria I

71

Admito que as sequências de frustrações foram muitas, durante esse processo. No entanto, percebi coisas positivas, pequenos detalhes que foram se somando e mostrando como ensinar um Coral a cantar com o mínimo possível de estresse e o máximo de competência. Quero compartilhar minhas descobertas com você. Porém, tome cuidado ao ler sobre estas pequenas dicas, todas elas precisam ser inseridas dentro da realidade do Coral e do regente. Saber ensinar nos ensaios não significa saber fazer um Coral cantar ou dar qualidade musical. São pequenas ferramentas para serem utilizadas na memorização e no envolvimento racional e emocional do corista. Qualidade e repertório são assuntos para os próximos capítulos. Nas próximas linhas, quero primeiramente, apresentar-lhe alguns conhecimentos retirados da neurofisiologia. Gostaria de falar com você sobre a memória, de como aprendemos e algumas curiosidades de como funciona o nosso cérebro. Neurofisiologia “O pensamento é o resultado da estimulação de diferentes partes do córtex ao mesmo tempo”. 1 Minha pesquisa teve início baseando-se na ideia de que o pensamento deveria ocorrer de maneira frenética durante o ensaio. Porém, mais tarde, analisando o córtex, descobri que a memória é mais importante e que esta se assemelha em muito com o pensamento. De qualquer forma, tanto o pensamento como a memorização das músicas, ocorrem no córtex. Para ser mais prático, podemos descrever que o córtex é ‘constituído pelas camadas de neurônios situados imediatamente abaixo do osso do crânio, formando um arco que sai logo por trás da testa, abrange o topo e os lados, e termina onde a cabeça e a nuca se juntam, conforme você 1  Oliviera, Maria Aparecida Domingues de. Neurofisiologia do Comportamento. Pág. 102; Editora da Ulbra; 1999.


72

I Coral é Coisa Séria I

pode ver na ilustração:

O córtex constitui cerca de 80% do cérebro humano e possui regiões especializadas para determinadas funções, como a associação de palavras com objetos ou a formação de relações e a reflexão sobre elas’2. É com uma das regiões do córtex – o córtex auditivo – que ouvimos e interpretamos os diferentes sons e processos de comunicação, como a música. Outra estrutura importantíssima que precisamos conhecer são os neurônios, já que são eles que ‘trabalham’. Eles possuem prolongamentos, às vezes, com vários centímetros, chamados de Dendritos, como você pode ver:

2  Ratey, Dr. John J. O Cérebro. Um Guia Para o Usuário. Pág.32 e 33; Editora Objetiva; 2001.


I Coral é Coisa Séria I

73

São através dos Dendritos que se formam as redes de comunicações com outros neurônios. A transferência de informação é feita por substâncias químicas produzidas nas pontas (terminações) dos axônios, denominadas de Neurotransmissores. Na verdade, a comunicação em si acontece ai, onde um axônio entra em comunicação (neurotransmissores) com Dendritos de outro axônio, e a isso chamamos de Sinapse. É possível aos neurônios conseguirem se comunicar com muitos outros neurônios, às vezes 10.000 (dez mil) a 100.000 (cem mil)3. Para nós é importantíssima essa comunicação entre os neurônios, pois na prática isso é o nosso pensamento, a nossa memória, a nossa existência, pois ‘se penso logo existo’, ou seja, se há Sinapse, logo tenho noção do que está acontecendo comigo e a minha volta. Então, quando um neurônio do córtex auditivo é acionado ele precisa saber o que vem a significar essa informação. Para tanto, procura outros neurônios e pergunta se ‘alguém’ reconhece – Sinapse. Sendo a reposta positiva; a interpretação é feita. Às vezes, vários neurônios respondem a pergunta e isso geralmente acontece quando a pessoa detém muito conhecimento, seja em área específica ou não, podendo assim dar vários significados a primeira informação. É dessa maneira que se diferem as pessoas que leem, pesquisam e estudam, pois há uma gama de informações registradas entre essa rede de neurônios. É assim que o indivíduo é capaz de produzir várias respostas, e essas respostas podem ser chamadas ou percebidas na forma de pensamentos, ideias, criações, planejamento, inteligência e sucesso. Achei muito interessante quando descobri que com a idade e a busca do conhecimento, o córtex vai ficando mais espesso pela formação de novas estruturas nessa rede de comunicações, e o contrário acontece quando ele não é utilizado; o córtex se atrofia. Bem, tudo isso é muito interessante e importante, mas não nos servirá 3  Izquierdo, Ivan. Memória. Págs. 12 à 15; Editora Artmed; 2002.


74

I Coral é Coisa Séria I

em nada se não soubermos a respeito da memória. A definição mais explicativa e sucinta que achei, está no livro Memória, do Dr. Iván Izquierdo. Veja só: “Memória é a aquisição, a formação, a conservação e a evocação de informações. A aquisição é também chamada de aprendizagem. Só se grava aquilo que for aprendido. A evocação é também chamada de recordação, lembrança e recuperação. Só lembramos aquilo que gravamos, aquilo que foi aprendido” (grifo meu). “Podemos afirmar que somos aquilo que recordamos”. Destaco também outra frase interessante para você pensar e pesquisar mais tarde: “Também podemos dizer que somos aquilo que esquecemos”. Existem vários tipos de memória. Porém, quero destacar somente aquelas que envolvem uma função que está relacionada com o nosso assunto, e a primeira delas é a Memória do Trabalho. A Memória do Trabalho é diferente das demais porque não deixa traços e ‘não produz arquivos’. Ela é breve e fugaz, serve para ‘gerenciar a realidade’. Também avalia se vale a pena ou não registrar um evento, ou se este já ocorreu4. Ela é imediata. Dura de poucos segundos a no máximo três minutos. A principal função é analisar as informações que chegam ao cérebro e compará-las com as demais memórias, Declarativas, Procedurais, as de Curta e Longa duração5. Um exemplo interessante é quando um regente mostra uma nova frase de aquecimento vocal que você nunca escutou antes, e você repete. Essa capacidade de reagir ao novo conhecimento é função da Memória do Trabalho. O que os regentes esperam é que você escolha armazenar a informação em uma memória mais longa. Outro tipo de memória é a Memória Declarativa que serve para registrar fatos, eventos ou conhecimento. É Declarativa porque podemos 4  Izquierdo, Ivan. Memória.Págs. 19; Editora Artmed; 2002. 5  Izquierdo, Ivan. Memória.Págs. 51; Editora Artmed; 2002.


I Coral é Coisa Séria I

75

declarar e relatar algo. Elas podem ser Memórias Declarativas Episódicas – referentes a eventos como um recital do Coral – ou Memórias Declarativas Semânticas – referentes a conhecimentos gerais. Ainda existem as Memórias Procedurais, ou seja, a memória dos procedimentos. Envolvem as memórias de capacidades ou habilidades motoras ou sensoriais. É o que chamamos de hábito. Os exemplos são: andar de bicicleta, nadar, ou tocar piano6. Em resumo, a Memória de Trabalho é ‘on-line’. Usa poucas vias nervosas e varia de instante em instante. Já as memórias Declarativas e Procedurais envolvem mais as emoções, ansiedade e estado de ânimo. Um recurso muito importante que o corista pode fazer uso é a memória ‘priming’, a memória que trabalha por meio de ‘dicas’. Ela é muito usada pelos músicos. Acontece quando um fragmento de uma imagem, de uma poesia, de gestos, de cheiro, de som, nos faz lembrar toda uma obra7. Um último assunto sobre memória que temos de tratar são as memórias de curta e longa duração que, pelos seus nomes já podemos deduzir como funcionam. A memória denominada de curta duração estende-se desde os primeiros segundos ou minutos seguintes ao aprendizado, entre 3 e 6 horas; quer dizer, o tempo que a memória de longa duração leva para ser efetivamente construída8. Ou seja, ela é o abrigo temporário, a cópia, para que haja condições de reposta do indivíduo enquanto a memória de longa duração se forma. A memória de longa duração se assemelha em muito com a de curta duração, porém, hoje podemos afirmar que as duas não são iguais, ocorrendo de modo paralelo e independente. A memória de longa duração pode levar horas, dias, meses e até anos para ser esquecida, porém se nessa memória se formar um ‘enagrama’9 , que é a modificação permanente de uma estru6  Izquierdo, Ivan. Memória.Págs. 22 à 24; Editora Artmed; 2002. 7  Izquierdo, Ivan. Memória.Págs. 25; Editora Artmed; 2002. 8  Izquierdo, Ivan. Memória.Págs. 53; Editora Artmed; 2002. 9  Oliviera, Maria Aparecida Domingues de. Neurofisiologia do Comportamento. Pág. 124 e 125; Editora da Ulbra; 1999.


76

I Coral é Coisa Séria I

tura dos neurônios, essa consolidação será para sempre. Digamos que as memórias de um trauma, um acidente, podem deixar marcas que nunca mais sairão, apenas lá no céu, quando Cristo enxugará todas as nossas lágrimas, ou poderíamos dizer, apagará todos os nossos traumas. Mas veja, Cristo não mencionou nada sobre apagar as nossas boas recordações, como o primeiro beijo, o nascimento de um filho e outras marcas gostosas de nossa vida. Estudos psicológicos também demonstram que a repetição da mesma informação, como por exemplo, o processo educativo; acelera e potencializa a transformação da memória de curta para a memória de longa duração10. As experiências indicam que a repetição por 5 a 10 minutos do mesmo tipo de informação geram uma consolidação mínima. Se a repetição acontecer durante uma hora ou mais ela evolui para a consolidação máxima. Sendo assim, nossa memória ‘curta’ guarda as informações por até 6 horas, porque se acontecer de a memória de longa duração não conseguir ‘gravar’, ela pode recorrer à memória de curta duração para terminar o processo.

Uma dica Vamos imaginar que a música que vamos aprender é “Deus é tão bom”. Vamos ensinar as quatro vozes tradicionais. Por onde começar? Pela voz mais fácil. No caso, eu começaria com as Sopranos. É preciso lembrar que se quero acionar a memória de longa duração eu preciso fazer com que a melodia fique gravada na memória de curta duração por até 6 horas. Por isso teremos que repetir até obter o som mais homogêneo e seguro de se ouvir. Depois passo para outra voz que podem ser as Contraltos. 10  Oliviera, Maria Aparecida Domingues de. Neurofisiologia do Comportamento. Pág. 123; Editora da Ulbra; 1999.


I Coral é Coisa Séria I

77

Porém, se você demorar muito com as Contraltos poderá ter um problema de esquecimento por parte das Sopranos. Vale a pena, pedir a atenção de todas as vozes ao mesmo tempo, mesmo aquelas que não estejam sendo ensaiadas no momento, por dois motivos: 1°. As vozes seguem uma lógica melódica e rítmica. E se, eu tenho noção da melodia e do ritmo, aprender a minha voz será mais fácil. A última voz que aprender deverá ter uma aprendizagem mais rápida do que a primeira. 2°. Os processos da memória ‘priming’ poderão estar sendo treinados enquanto outra voz ensaia. É importantíssimo usar frases curtas para ensinar, evitando os trechos longos. Só a primeira frase ‘Deus é Tão Bom’ será o suficiente. Frases longas cansam quem está esperando a vez e isso pode gerar conversas, desânimo ou esquecimento por substituição de informação. Terminado as Contraltos e Sopranos passe para os Tenores. Eles aprendendo, passe o trio e depois vá para o Baixo. Se eles estiverem prestando a atenção desde o começo, será preciso poucas passadas para fixar. Então, antes de passar para a próxima frase, passe com todo o Coral. Uma dica muito legal também, é você ir ensinando as vozes com a dinâmica da música desde a primeira vez. Isso resulta em uma interpretação mais natural com o decorrer da música. Eu ainda tinha uma dúvida com relação à neurofisiologia: “porque os coristas esqueciam?” De acordo com a neurofisiologia, se não houver interesse ou necessidade por parte do indivíduo em aprender, é quase certo a não fixação, ou consolidação do conhecimento em qualquer uma das memórias. É com esse problema que saímos da neurofisiologia e passamos para a pedagogia.


78

I Coral é Coisa Séria I

Pedagogia Há um pensamento muito difundido no meio educacional que diz: “aprende-se melhor aquilo que se ama”. Deste ponto de vista a solução torna-se bem prática. Devemos, - como dirigentes, maestros, líderes de coro, - fazer o máximo para que o maior número possível de coristas ame o Coral. Como regente, é necessário fazer com que cada corista ame seu repertório. Mas como? Repito; tratarei sobre repertório nos próximos capítulos. Neste momento, quero falar sobre amar o que se aprende. Em nosso caso, não é apenas uma canção ou repertório, nem a estrutura do Coral, mas sim, amar o ensaio. É preciso valorizar o ensaio desde os 15 minutos antes de começar até meia hora após o término. É de responsabilidade da direção do Coral, em especial do regente, pensar em conforto, organização, partituras, integração, estrutura, instrumentos, som. Enfim... Tudo o que for pertinente ao momento do ensaio para que o corista se sinta envolvido. Ele precisa perceber que há um interesse em sua pessoa e não somente em seu trabalho como cantor. Essa é uma das funções da pedagogia nas escolas: criar um ambiente que propicie o aprendizado; e os ensaios precisam ser pensados assim também. Como regente e diretor do Coral atuamos de maneira semelhante à de professores e pedagogos. Já trabalhei um bom tempo como professor em sala de aula, - e pelo jeito não sairei dela tão cedo -, por isso, sei o quanto são chatos e enjoativos aqueles debates sobre educação, avaliação, disciplina e outros elementos importantes que envolvem o assunto aprendizado. Porém, ao ler sobre a Filosofia da Educação Adventista não há como ficar parado, sem reagir as suas palavras. Ela é totalmente prática, pois


I Coral é Coisa Séria I

79

poderíamos resumi-la em duas palavras: Redenção e restauração. Dessa perspectiva, os objetivos educacionais cristãos são mais amplos do que os da educação secular. A educação cristã busca preparar os jovens para o mundo presente e o mundo porvir11. Devemos pensar sobre o princípio: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”; como tônica para a construção do ambiente de aprendizado das canções. Assim como cada aluno, o corista – sendo o aluno do regente – deve saber que Deus quer restaurar não somente o mundo, mas a vida de cada ser humano. Ele deve se sentir seguro e amado por Deus, podendo sim, usar a música para manifestar essa grande obra divina. Você não imagina por quanto tempo, eu levei os ensaios achando que essa era apenas uma teoria com palavras bonitas.

Compartilhando: Eu escolhi Jesus Lembro-me de um encontro de músicos do qual participei no estado de Santa Catarina. Uma de minhas responsabilidades era ensaiar o Coral do encontro. Durante os ensaios, me esforcei para dar o máximo de dicas e técnicas para os participantes. De repente, comecei a comentar sobre a letra da música, mais especificamente o coro que diz o seguinte: “Nosso Louvor (a Deus) por sempre estar ao nosso redor. A gratidão por tanto amor e proteção Por Seu poder mudar nossa vida Eu escolhi viver com Jesus”. (Eu Escolhi Jesus. Letra e música: Réges Marth. Copyright Março de 2000). “Você sente que Deus está ao seu redor?” – perguntei 11  Knight, George R.; Filosofia e Educação. Uma introdução da Perspectiva Cristã; pág. 256 e 257 Imprensa Universitária Adventista. Centro Universitário Adventistas de São Paulo; 2001.


80

I Coral é Coisa Séria I

As pessoas balançaram a cabeça positivamente. Eu comentei que era extremamente grato pela proteção dEle, e então pedi um testemunho de alguém que sentiu o amor de Deus mudar a sua vida. Estas palavras; o amor de Deus, parecem mágicas. Alguns minutos em silêncio, e lembro que não foi preciso testemunho algum. Pude perceber que todos queriam falar alguma coisa, porém nos olhávamos sem precisar falar. A linguagem naquele momento era a dos sentidos; dos bons sentimentos. Eliezer Vargas que liderava o encontro comentou comigo que foram poucos os momentos de sua vida em que havia presenciado o movimento de Deus, de forma tão clara, entre as pessoas. E completou: “só faltou tirarmos os nossos sapatos...” Deus estava ali, ardendo em nossos corações. O ambiente que Deus criou foi de que todos estavam sendo transformados por Ele. Era claro aos nossos olhos, e para mim, na pele também. Inclusive, enquanto escrevo, relembro bem do 'arrepio que senti em meu braço'. Deus estava ali, naquela hora, dizendo: “Estou ao redor de vocês. Eu os amo e os protejo. Vou mudar a vida de vocês até a perfeição do céu!” Então, não perdi mais tempo e perguntei: “Quem quer mais uma vez escolher viver com Jesus? Por favor, cante essa música com essa escolha no coração”. Sabe o que aconteceu? É lógico que ao cantarmos, todos estavam mais empolgados. Assim, teve mais volume, mais concentração, mais dinâmica. A música sem dúvida foi executada muito melhor em todos os aspectos, porém, quem não estava cantando àquela hora – era o meu caso, apenas regi – percebeu a escolha de cada um. E lhe garanto: foi fantástico! Uma vez criado um ambiente de amor e segurança para o cantor, devemos pôr em prática o elemento externo mais importante para o aprendizado:...


I Coral é Coisa Séria I

81

A Curiosidade “A curiosidade é a fonte da motivação da mente.” “A curiosidade é o princípio da inteligência.” Eu diria mais, a curiosidade deve ser a linha tema de cada ensaio. Como? Preste a atenção nestes números e depois quero dar mais alguns exemplos práticos. Estudos revelam que nós conseguimos reter em média 10% do que lemos; 20% do que ouvimos; 30% do que vemos; 50% do que ouvimos e vemos; 70% do que ouvimos dizer e logo discutimos; e 90% do que ouvimos dizer e logo praticamos. E ainda mais, aprendemos muito usando nossos sentidos, sendo que 83% através da vista, 11% através do ouvido; 3,5% através do olfato; 1,5% através do tato e 1% através do paladar. Sabe-se ainda que em média as pessoas que estão sendo ensinadas por um método oral e visual (necessariamente os dois métodos juntos se não os valores seriam alterados) retêm 85% do que aprenderam durante 3 horas e após três dias ainda estarão gravadas em sua memória 65% daquilo que foram ensinadas12. Avaliando como funcionamos internamente; a memória - como aprendemos, e a curiosidade – fica fácil melhorar o ensaio. Um regente é obrigado a ensinar pelo método oral, e é fácil acrescentar um método visual, como por exemplo, o uso da partitura; a expressão corporal do regente e a do corista com a música. Este item implica em além de ativar o córtex visual, a interatividade e a cinesiologia, o movimento. Levando o indivíduo a praticar e ver o que aprendeu; tecnologias de comunicação em áudio visual, pondo a partitura em uma tela, usando vídeo clipes para ilustrar uma dinâmica. É importante que os coristas vejam a articulação vocal e a respiração do regente. Deixe que eles vejam também o ritmo da música no seu corpo; nas mãos, nos 12  Marks, Sikberto R. Ruptura da Mente; pág. 174, 1998.


82

I Coral é Coisa Séria I

pés, ou até em outros movimentos maiores. Uma dica muito importante da medicina é que após 45 minutos de estudo a pessoa precisa desopilar, especialmente com o corpo. Por isso é interessante organizar ‘o momento do abraço’, ou outra dinâmica de grupo após 30 minutos de ensaio, ou após um objetivo alcançado. Experimente também, começar a ensaiar a música pelo coro, ou pelos acordes finais. Comece com os Baixos, e depois com os Contraltos. Deixeos apreensivamente curiosos a respeito do que vai acontecer no ensaio. Certamente, tudo isso vai demandar um líder para o grupo. Ou como dizem, um ‘gestor de pessoal’. A liderança em muitas pessoas é nata. Outras adquirem pela necessidade do ambiente ou profissão. No entanto, a liderança de um Coral de igreja é diferente da convencional se assemelhando em muito com a de Jesus. Trata-se de uma causa sem recompensa, aparentemente. Temos em Cristo o nosso melhor exemplo em gestão de pessoas, suas ideias não culminavam em uma igreja ou ação missionária, mas sim, na própria morte, na salvação. Ou seja, o Coral não tem como objetivo um recital ou a gravação de um DVD, mas sim, participar ativamente no ministério de Cristo, mostrando o caminho da salvação.

Liderança e Disciplina Liderança e disciplina são dois assuntos que andam juntos, embora sejam diferentes. Já ouvi alguém dizer que se você tem liderança e disciplina você tem poder. Mas não é bem assim. O doutor em Psicologia, Dr. Belizário Marques declarou que: “... dinheiro não compra amor, nem a força conquista o afeto. Não é domínio que vai despertar o carinho. Não é imposição que provoca a simpatia e muito menos a ternura. Uma pessoa não pode ter amor e respeito daquele a quem subjuga”13. 13  Marques Belisário. Revista Vida e Saúde; Ano 68, N° 11; Novembro de 2006


I Coral é Coisa Séria I

83

Acho que é uma boa hora para você pensar, refletir sobre como anda a sua liderança e disciplina. Existem várias maneiras de uma pessoa conseguir a liderança de um grupo. No caso do regente, a liderança passa a ser do tipo ‘especialista’. Essa liderança é conferida ao regente por que ele é o especialista, o profissional que detém o conhecimento e a habilidade de conduzir o Coral a interpretação de uma peça musical. Esse tipo de liderança tem a vantagem de ser democrática, mas é preciso esforço para conquistá-la. Conheço corais onde o pianista ou mesmo os coristas poderiam reger melhor que o Maestro. Mas a capacidade de liderança dele sobre o grupo fala mais alto do que a sua qualidade musical. Por quê? Simples... Ele conquistou a confiança do grupo. Às vezes uso esta frase nos ensaios: “Se eu errar, errem comigo!” Tenha certeza do que você está fazendo. Estude música. Treine a regência. Decore a letra e as dinâmicas. Peça ajuda para quem tem mais experiência e, principalmente: seja humilde. Se for preciso, peça desculpas. Essa liderança pega o coração das pessoas e você ganha de brinde a disciplina do Coral. Falando em disciplina... Este assunto costuma ‘dar muito pano pra manga’... Alguns colegas de trabalho fazem ensaio sem nenhum ‘piu’. Sinceramente, eu não sei como eles conseguem. Não faço o tipo que gosta de bagunça no ensaio. Contudo, não consigo entender porque exagerar no silêncio, se os cantores não recebem nada para estar ali. Alguns estão vindo de casa, ou direto do trabalho ou da escola, e precisam ficar parados como se estivessem na mira de um carrasco? O melhor exemplo de disciplina e liderança de ensaio que presenciei não foi de um músico. E confesso... Tenho lutado para realizar ensaios com a qualidade do trabalho que vi. Lembro com carinho, a primeira vez que assisti o Coral Jovem da Igre-


84

I Coral é Coisa Séria I

ja da Floresta, na cidade de Porto Alegre (RS). Eles são muito divertidos e empolgados. O regente, na época, era o Pastor Élton Bravo. Eu imaginava que os ensaios deveriam ser a maior bagunça, mas estava profundamente enganado. Tive o privilégio de assistir a um ensaio, com o Pastor Elton, do começo ao fim. E digo pra você que até este momento, foi o melhor ensaio que já presenciei. Mais parecia um culto de louvor. O clima do começo ao fim era de alegria, e o bom humor era contagiante. A qualquer momento ele parava o ensaio e todo mundo começava a se abraçar. Amigos. Depois, dava uma ‘dura’ no pessoal para todos se concentrar no que estavam cantando por que Deus não se agradaria de qualquer coisa cantada e aí começava a orar. No ensaio a que assisti, depois da oração, o ensaio recomeçou e eles passaram uma música já pronta. Ela ficou muito boa, todos gostaram e se empolgaram. Foi então que aconteceu o mais impressionante: o Pastor aproveitou o momento de euforia e pediu que todos se abraçassem e começou a orar novamente. Lembro de algumas de suas palavras: “Bom Deus não somos nada, somos pó, e Tu estás habitando no meio dessa galera. Obrigado! Obrigado pela música que cantamos agora, aqueceu o nosso coração. Nos alegramos, e queremos com essa oração devolver toda a nossa gratidão pela Tua salvação conquistada na cruz. Perdoa nosso coração pecador e aceite o nosso louvor. Obrigado Pai, em Nome de Jesus, amém”. Entendi que ensaios assim, não geram problemas de disciplina e muito menos de liderança. A razão é porque quem lidera é o Senhor Jesus!

Uma dica: Agilidade e Dinamismo Você pode aproveitar algumas destas dicas para não deixar o ensaio com um ‘buraco’, um tempo ocioso. Se o ensaio para, torna-se ma-


I Coral é Coisa Séria I

85

çante e as conversas vão surgindo. Se isso está acontecendo em seu Coral, haja rápido. É questão de dois ou três ensaios para as pessoas não virem mais. Outro ponto importante é não perder a paciência durante o ensaio. É normal alguns dias, o Coral não estar concentrado e consequentemente não rendendo. Não se desgaste. Esteja pronto para mudar o ritmo do ensaio ou talvez até a música. Em dias assim, já usei a estratégia de conversar com eles sobre os projetos, assuntos espirituais, traçar novos planos, orar por alguém e até ouvir ou relatar testemunhos. Preste atenção ao que você promete. Nunca cometa o erro de não cumprir com o que fala. Se o Coral sentir que você não é de confiança, jamais será o líder e a indisciplina virá mais rápido do que espera. Mas talvez você tenha um problema maior ainda. Uma pessoa ou duas, talvez mais; não param de atrapalhar o ensaio. O que fazer? Quando se trabalha em escola ou em internatos, a gente lida mais fácil com esse problema por que é só pedir para que essas pessoas se retirem. Mas com um irmão de nossa igreja não é tão simples assim. Lembro-me de ter um corista que sempre estava pronto para conversar na pior hora. Também, ele sempre era do contra. Sabe aquela pessoa que adoraria estar mandando naquilo que você está fazendo e sem medir escrúpulos faz de tudo para que as coisas não andem? Pois é. Esse era o meu problema. Tive a mesma dúvida sobre o que fazer, e foi então que pedi ajuda ao Pastor da igreja. O conselho que recebi não foi muito ‘gostoso’, mas resolveu: conversa franca. Recordo que após o ensaio chamei para uma conversa o ‘meu problema’, e depois de alguns minutos o ‘meu problema’ tornou-se meu amigo. Graças a Deus! O ser humano é carente por natureza, e alguns não conseguem se controlar. Por isso, a direção do Coral e o regente devem estar atentos para ouvir, não no meio do ensaio, mas em outros momentos. A


86

I Coral é Coisa Séria I

liderança precisa estar pronta para agir com transparência, mansidão e sinceridade. A melhor dica que eu poderia dar é: torne o ensaio dinâmico e ágil para que ninguém fique parado. Deixe tempo para abraços, recados, aniversários, comemorações. Chegue mais cedo e não tenha pressa para sair. Assim, você terá tempo para ouvir a todos e transformar problemas em amigos. E não se esqueça, mude o seu ensaio para um culto de louvor que a disciplina será como a de Cristo. Quando Pedro o negou: somente um olhar e a frase: “apascenta as minhas ovelhas” (João 21. 15 - 25). A melhor liderança é a de Cristo; ela se baseia em amor. Siga o exemplo. E no amor dele, conquiste as pessoas.

Marketing Mas a pergunta persiste: “como ensaiar um Coral?” Parece mais fácil realizar os ensaios sabendo do potencial da mente humana, como ela aprende e memoriza as informações através da repetição e o que precisamos fazer para que ela fique o maior tempo possível na nossa memória. Também verificamos que o interesse, a curiosidade, é uma ferramenta que impulsiona e motiva o nosso aprendizado. Além disso, se o ambiente for de amor conseguiremos fazer com que, as pessoas ajam sobre aquilo que estão aprendendo. Para tanto, ouvir as pessoas e conquistá-las passam a ser as maiores armas para termos um Coral que responda as nossas expectativas. Você pode me perguntar: “isso dá certo em todos os ensaios? Em todos os corais?” Respondo: “se não se tornar uma rotina, dá certo sim”. A primeira vez que li sobre marketing imaginei que compreendesse apenas propaganda, mas não. O marketing pesquisa a opinião das pessoas, forma a imagem do produto, descobre erros e acertos, ajuda a es-


I Coral é Coisa Séria I

87

tabelecer o caminho para se chegar ao objetivo que se estipulou, busca recursos. Marketing é estratégia. Sei de um Coral que afixou a sua logomarca no ônibus que os conduzia a um evento. As pessoas ficaram curiosas e perguntavam se o ônibus era do Coral. Veja; uma ideia tão pequena com respostas visuais positivas. O marketing bem pensado é uma saída para evitar a monotonia que às vezes acomete os corais. É preciso pensar que um Coral de igreja não tem um rodízio de coristas. As trocas são mínimas e se, o Coral tem cinco anos é provável que a maioria das pessoas que esteve no primeiro ensaio, ainda esteja hoje no Coral. Então, começam as perguntas sobre como fazer o trabalho. E talvez, a mais dura delas seja: “o que vou fazer de diferente?” Respondo: “vamos fazer marketing!”

Como praticar marketing no ensaio? À medida que você for realizando os ensaios, faça análises do seu trabalho e peça para a direção ajudar. Esteja aberto a críticas e mudanças. Coloque objetivos bem definidos e que possam ser alcançados. Não sonhe muito para que não ocorra de as pessoas se desanimarem rápido. Mas não seja medíocre também. Conheça bem os pontos fortes do Coral e os aperfeiçoe. Seja realista quanto aos pontos fracos e busque a melhor saída. Invista nas pessoas, na estrutura do trabalho. Seja essa estrutura de som, ou estrado, becas, e etc. É preciso criar uma ‘mania’ pelo Coral com camisetas, chaveiros, bonés, canetas, coisas baratas e de fácil acesso. Realize uma ‘pesquisa de mercado’ com seus coristas e a sua igreja; descubra se eles estão gostando do repertório, do ensaio, dos projetos, das viagens. Peça a sugestão deles. Faça constantes encontros sociais. Sua equipe precisa estar unida, coesa, e relacionamentos se


88

I Coral é Coisa Séria I

constroem com relacionamentos. Inove. Seja criativo. Não tenha medo e seja ousado! Estas dicas e outras mais, eu já li em livros e ouvi em várias palestras. Imagino que também não sejam novidades para você. Eu já experimentei várias e elas têm me ajudado muito a não cair no problema dos ensaios enfadonhos e do repertório nostálgico. Use e abuse delas e tenha certeza de que farão muito bem a você e ao Coral. Mas agora, gostaria que você observasse esta prática abaixo.

Reflita... Quero usar a ideia do escritor Max Lucado, em seu livro Moldado por Deus. Ali ele fala sobre o marketing de Jesus. “O movimento de Jesus estava destinado a falhar desde o início. Para começar, só participavam 12 homens. Incrivelmente poucos, quando levamos em consideração que o país deles tinha uma população de quatro milhões. Além disso, a maioria era ignorante e pobre. Trabalhadores braçais, incultos demais para iniciar um motim que pudesse mudar alguma coisa. Poucos, se é que alguns haviam viajado para além das fronteiras de seu país. Não tinham experiência nem cultura. Sua nação se encontrava dominado por outros. O povo estava cansado. O governo cheio de corrupção. Sua religião era praticamente superficial. A estratégia do movimento foi sem dúvida desastrosa. Não estabeleceram uma sede. Ninguém fez uma pesquisa em nível profissional. Os planos foram todos impulsivos. Os líderes nem sequer conseguiam concordar com a definição exata da sua missão. Além de tudo o movimento não era prático, mas sim desanimado,


I Coral é Coisa Séria I

89

extremo e absurdo. Ele exigia demasiado, cedo demais. Faltava-lhes trato. Não tinham paciência com as tradições. Queriam uma inversão das classes sociais. Davam vantagens em excesso às mulheres e a grupos minoritários. O movimento estava destinado a falhar. Mas isso não aconteceu. Ele não só teve sucesso como ultrapassou qualquer outro movimento na história mundial. Num período de 30 anos a mensagem de Jesus Cristo entrara em cada porto, cidade e pátio do globo. Era contagioso. Era um organismo em movimento. Pessoas chegaram a morrer para vê-lo continuar. Embora devesse ter falhado, teve sucesso. E continua sendo bem sucedido. O movimento de Deus jamais cessa”14. O seu Coral é um movimento de Deus?

Uma dica: o ensaio na prática Na realidade, há muita coisa ainda a ser discutida sobre o ensaio. Mas se você prestar atenção nestas primeiras dicas, com certeza, estará começando o seu ensaio com a perspectiva de qualidade musical e de espiritualidade. Gostaria de deixar ainda, últimas sugestões sobre a prática do ensaio na forma de um roteiro de ensaio. Logicamente que não será uma regra a seguir, pois como mencionamos, é importante fazer com que cada ensaio seja diferente do outro. Sexta feira - Ensaio do coral Horário de início: 20h 19h45m - Regente e direção do Coral chegam para uma rápida con14  Lucado Max; Moldado por Deus; pág. 141 e 142; Editora Vida Cristã; 2000.


90

I Coral é Coisa Séria I

versa sobre alguma possível novidade e recebem os coristas. 20h - Pontualmente começa o culto que deve durar no máximo 10 minutos. Poderá começar com um cântico com os coristas e depois 5 minutos de meditação e uma mensagem musical. É finalizado com uma oração. 20h10m - O regente passa a programação de objetivos do ensaio, e já começa o aquecimento vocal. 20h20m - Ensaio. Hora de colocar em prática o que foi preparado para o Coral. 20h50m - Pausa para alguma dinâmica de grupo, comunicados por parte da direção do Coral, aniversariantes. Um momento para descontrair o ensaio. 21h - Retomada do ensaio com a repetição do que foi ensinado anteriormente. 21h30m - Preparar o Coral para o término do ensaio. Pode ser a execução do que foi feito durante todo o ensaio, ou a recapitulação de músicas do repertório que já são dominadas pelo Coral. Criar um clima espiritual para encerrar. 21h40m - Oração Final. É interessante incluir um momento para pedidos e agradecimentos. Orar com todo o Coral. 21h45m - Regente e direção ficam a disposição para atender a coris-


I Coral é Coisa Séria I

tas e também discutir algum item que tenha surgido. Que Deus abençoe o seu trabalho. E, bom ensaio!

91



É importante que o Coral, mas principalmente os músicos,

saiba que seu papel em um recital é conduzir a igreja para o louvor. Não é mostrar o que sabe ou o que gosta. Por isso, o seu gosto pessoal e o gosto do Coral estão em terceiro plano, pois, o segundo pertence à igreja onde você vai cantar e o primeiro a Deus.



Repertório - A influência da Música

C

onvido você para neste momento refletir junto comigo. Certamente,

você já ouviu muitas discussões sobre música. Por vezes, até torna-se in-

teressante ouvir argumentações e repostas sobre os temas polêmicos que sempre levam a viagens musicais delirantes, como se qualquer música tivesse todas as intenções maléficas ou benéficas que as pessoas dizem ter. Durante muito tempo, me peguei sendo ‘abduzido’ pela música e por suas influências positivas ou negativas. Eu me perguntava: “Será que é isso mesmo? Como será que as pessoas conseguem ver tanto problema e tanta bênção nisso?” O engraçado é que com o tempo, essas polêmicas tornaram-se sem valor para mim. De tudo que já escutei e pesquisei sobre música, tenho como fato: ela não é neutra. Assim como cada ser humano também não o é. É difícil pensar que os compositores, os arranjadores e os produtores fazem música sem sofrer influência alguma. Se for o caso, pensar em nada já é uma posição. Vamos conversar, neste capítulo, um pouco sobre o repertório. Você sabe o porquê e quanto do seu repertório influência o Coral? E o público que o assiste? Você já parou para escutar com entendimento as músicas que canta? Se sim, está percorrendo o primeiro e mais importante caminho da escolha de repertório. Se não, prepare-se para excluir muita coisa que já escolheu. 95


96

I Coral é Coisa Séria I

Preste atenção aos detalhes Quando escuto música, me torno uma pessoa que gosta de imaginar. Por proteção? Talvez, mas a verdade é que passo a ‘viajar’! Gosto de pensar que a intenção das pessoas que criaram a música, e do intérprete, foi mostrar que a música possui um encanto, certa magia. Essas pessoas; e me incluo entre os diversos compositores, arranjadores, produtores e intérpretes; querem conquistar a nossa atenção, emoção, razão... Capturar todos os nossos sentidos para aprisionar a nossa mente aos sons. Por isso, quero saber e sentir tudo o que uma canção oferece e a razão de ela existir. Quando passei a fazer dessa forma de escuta um hábito, descobri muita coisa pobre na música. Algumas coisas até simples e banais, todavia não nos damos conta do que estamos cantando. Como por exemplo: “Atirei o pau no gato-to-to...” Já pensou nisso? Que selvageria! Outras vezes, a letra que utilizamos tem posturas machistas: “Quando a mãe diz; venha cá, quem que corre? Quem que corre?” Você já ouviu a versão dessa canção com o pai? “Quando o pai diz; venha cá...” Pois é... Nem eu. Então cabe a pergunta: “Será por que a presença dos pais não é bem vinda na educação espiritual das crianças?” Talvez seja por isso que, me olhavam de maneira estranha quando eu entrava na ‘escolinha’ com os meus filhos. Sei que existem questões impressas na letra de uma canção como a liberdade poética, as expressões, as gírias, os elementos culturais da fala de um povo, e estas, entram na música sem pedir licença e têm o seu valor. Por isso pergunto: “a letra, ou melhor, a poesia do seu repertório é bela? É profunda? Tem conteúdo e é coerente com a fé e as doutrinas que você professa?” E lhe peço: “Por favor, releia com atenção o seu texto musicado”.


I Coral é Coisa Séria I

97

Contudo, não é somente na letra que encontramos erros e problemas. Infelizmente. Existem pessoas que conseguem escutar hinos que do começo ao fim possuem somente dois acordes, - não são poucos os hinos que conseguem ter no máximo três acordes. Isso não quer dizer que seja algo ruim, mas particularmente, penso que são musicalmente pobres. Falando em pobreza na música, acho insuportável ouvir alguns duetos tradicionais (ou seria melhor usar o termo ‘antigos’?) do meio cristão onde tudo se canta em terça1. Nem o gênero sertanejo que venera essa forma musical, consegue ser tão fiel a ela. E já que agora estamos falando em fidelidade, admiro aquelas pessoas que conseguem escutar hinos com quatro estrofes onde a melodia é sempre a mesma. Explico: são aqueles hinos que as estrofes têm duas frases e uma linha melódica para cada frase. Depois começa o coro com a primeira frase melódica diferente, porém o fim, ou seja, a resposta a frase inicial do coro, é igual à primeira frase da música. A coisa é até difícil de explicar, mas o fato é que sua melodia é muito repetitiva. É cansativa. Vou dar como exemplo o hino “Assentado aos pés de Cristo”. Falamos em poesia, harmonia e melodia, e como esquecer o ritmo? É muito difícil perceber diferentes ritmos em nossos cultos. Quero esclarecer que não me refiro a estilos musicais como rock, samba, valsa. Parece que o ritmo na igreja se define como sendo lento, mais ou menos lento e rápido. Se for lento é solene. Se rápido, é utilizado apenas para os jovens. Se for mais ou menos lento dá para ser usado para adultos e jovens. 1  Terça se refere ao intervalo de terça. Na teoria musical, intervalo é a diferença de altura entre os sons ou a relação existente entre duas alturas. Em outras palavras, o espaço que separa um som do outro. No caso do exemplo citado, o intervalo é formado por notas simultâneas, chamado de intervalo harmônico. E refere-se à terça por conter três notas dentro deste intervalo. Cabe lembrar que o gênero musical sertanejo em seu início se valia muito deste tipo de harmonia. Atualmente, este estilo já se distanciou e muito de sua forma original.


98

I Coral é Coisa Séria I

Mas meu amigo; música é muito mais que isso. Pense comigo; nada do que Deus criou é simples. Pegue a folha de uma árvore e você terá uma infinidade de pequenos detalhes, compondo o todo. Detalhes invisíveis ao olho humano, mas trabalhados harmoniosamente por um criador poderoso. Vou além... O nosso corpo, a nossa mente está repleta desses detalhes. Já pensou em quantas habilidades você tem? Em quantas coisas pode fazer? Por exemplo: dirigir e cantar ao mesmo tempo. Isso sem falar nos talentos como pintar, escrever, interpretar e tantos outros. O que quero dizer é que somos criaturas inteligentes, ricas e complexas. Então, como podemos fazer música de forma pobre, repetitiva, comum? Querido amigo, se o repertório do seu Coral se encontra dentro destas características e conceitos, é preciso uma revisão de ideias, urgentemente! Mas chega de ver as coisas somente do ponto de vista negativo, vamos à prática.

Porque detalhes técnicos são importantes A música que você escolheu, ou está para escolher, é pobre nos elementos de harmonia, melodia, ritmo e poesia? Se for, a minha primeira sugestão não é jogá-la fora, e sim, reescrever ou dar um novo arranjo, uma nova cara para ela. Porém, se não tiver conserto, aí sim, jogue fora. “Mas por quê? A falta de ‘qualidade’ nesses elementos musicais atrapalha?” Na verdade, não. A questão vai além do gosto musical. Estamos falando que a falta de elementos musicais mais trabalhados, mais pensados, deixa a capacidade de ‘influência musical’ do seu repertório, severamente prejudicada. Uma prova disso é que existem músicas simples que fazem sucesso, porém foram muito bem pensadas. Tiveram uma


I Coral é Coisa Séria I

99

razão em seus detalhes mais comuns, deixando para nós uma música que impregna a mente e o coração. Essa é a magia da música! E é exatamente aí que, descobrimos que ela não é neutra. Os bons músicos correm atrás desse tipo de música. Outro cuidado que precisamos ter é o bom senso. Algo raro. Se o domínio técnico fosse tão eficiente, todos iriam se encantar com a música erudita. Mas é na busca pela qualidade que ouvimos muitos desastres musicais.

Respeite a capacidade musical dos seus cantores Imagine que estamos dando início a um projeto musical. Temos em torno de 30 coristas e uma pianista que consegue tocar as ‘23 peças fáceis de Bach’. Destes, diria que em torno de 10% possuem conhecimento significativo em música. Com esses dados prontos, vamos à escolha do repertório. Estamos pensando com muito carinho para que tenhamos uma qualidade boa em nossa seleção, e chegamos a primeira sugestão que é a música “Verdade” do Cd “Testemunhar” do UNASP C2. Que música ótima! Lindíssima, porém, uma péssima escolha para o nosso projeto. Um grande problema na escolha do repertório é a capacidade que o seu Coral tem de interpretar uma música. Observe sim, com carinho, para que seja uma música rica, mas veja se o arranjo não está muito agudo ou grave; se a harmonia não é muito complexa para o seu grupo. Se você possui, ou é possível, utilizar mais vozes além do Soprano, Contralto, Tenor e Baixo. Enfim, o Coral dá conta de interpretar? Porque se não der, você corre o risco de as pessoas não estarem a fim de ‘pagar mico’, e logo o número de coristas se reduzirá, tornando a sua vida ainda mais complicada.


100

I Coral é Coisa Séria I

O que fazer então? Existem duas saídas simples: 1°) Procure mais, pesquise até encontrar o ideal. 2°) Invista no arranjo. A música “Verdade”, a pouco mencionada, pode ser cantada por um Coral pequeno e inexperiente, contanto que se faça um arranjo próprio para esse grupo. Com certeza, a atenção a esse ponto tornará possível a interpretação dessa música, o que resultará em coristas motivados a novos desafios, e inclusive, novos cantores.

Tenha sensibilidade para ver além da música Acredito que a observação destes pequenos pontos poderá ajudá-lo, em muito, na escolha de boas músicas. Logicamente que cada música representa um desafio. Mesmo em um pequeno grupo de 30 pessoas você terá opiniões diferentes. Até porque, ‘gosto cada um tem o seu, e não se discute’. Quero dizer que talvez a música seja perfeita, mas o Coral não goste. E aí? Calma. Saiba que você não irá agradar a todos, mas será importantíssimo que todos do Coral cantem seu repertório como se fossem apaixonados por cada música. Para que isso ocorra, você precisa ser sensível a eles também. Por isso: pergunte! Procure se aproximar dos coristas para ouvir deles as músicas que eles escutam em casa e quais eles mais gostam. Procure escolher o seu repertório em torno dessas informações. Também, o perfil do seu Coral já lhe dirá muita coisa. Por exemplo: Coral infantil precisa de músicas com temas leves, mais simples nos arranjos vocais, e de um ritmo inocente, ‘cantabile’. Agora, se você está envolvido num Coral da 3° idade, músicas tradicionais, com temas profundos e racionais que englobem uma maturidade melódica e harmonia


I Coral é Coisa Séria I

101

tradicional, serão mais fáceis para a aceitação e interpretação do grupo. Procure mostrar ‘a cara do Coral’ no repertório. Tenha o cuidado para não ser repetitivo na escolha, porque o seu recital poderá se tornar enfadonho. É importante inovar um pouco, mas com cautela. Uma música inovadora que não foi aceita pelo grupo poderá pôr em dúvida todo o seu repertório, trazendo o foco para si e não para o grupo, e isso é algo muito negativo. Em corais com características mais jovens, músicas ‘picantes’ sempre são bem-vindas. Porém, tempero demais é intragável! O público não digerirá muito bem esse excesso. E com o tempo, os coristas também não. Recentemente, tive que enfrentar um problema diferente do que eu estava acostumado com relação ao repertório. “Deus espera por você” é uma canção que compus num estilo ‘reggae’. Ela tem uma história em torno de sua criação, pois não sou um admirador deste estilo. Certa vez, eu estava em um ônibus e entrou uma garota acompanhada por sua mãe. A mulher descarregou um acervo completo de adjetivos diminutivos pejorativos sobre a filha. A cena toda foi tão intensa que, a menina chegou ao ponto de não estar nem disposta a reagir. Resumindo, a mãe desceu do ônibus, que seguiu viagem, e nossa personagem ficou sozinha, sentada na poltrona com música ‘rolando’ nos fones de ouvido. Eu estava algumas poltronas atrás dela, e curioso, sobre o que aconteceria. De repente, meus ouvidos perceberam a música que soava: era um ‘reggae’. Esticando-me mais um pouco, pude perceber que ela estava chorando. Sem ter o que fazer, e nem dizer, peguei um papel e caneta e comecei a escrever esta canção. Contei sucintamente o como da composição porque essa canção tem levado muitos a pensar em como realmente Deus está esperando por todos nós, e como Ele faz tudo para alcançar o nosso coração.


102

I Coral é Coisa Séria I

Entretanto, ao ensaiá-la, alguns membros do Coral, a princípio, não gostaram do ‘reggae’. Os argumentos tanto a favor como contra são ‘alfinetantes’. Todavia, um deles me levou a pensar: “Maestro, temos uma grande maioria de pessoas no Coral que não se sente confortável em cantar esta música. Eles estão pedindo que você a retire da programação!” – Foi o que o porta-voz dos ‘incomodados’ me falou. “Opa! Que ‘legal’!” – pensei. Imagine você; minutos antes de começar a apresentação chega ao seu conhecimento esta importante informação. A pergunta a seguir é: “se eu não der a importância devida e agir como planejei, terei um motim?” Enquanto ele continuava a dar informações sobre o problema, rapidamente busquei na memória a reação dos coristas nos ensaios anteriores, e não conseguia perceber a ‘grande maioria’ descontente. Sinceramente, nem a minoria. Resolvi tomar uma atitude drástica. Chamei o Coral, coloquei a situação e perguntei: “Coral! Gostaria de propor um voto para uma música. O que vocês acham: 'Deus espera por você' deve sair ou não do repertório?” Eu sabia que se a resposta fosse para retirar a música do repertório, com todo o pesar teria de fazê-lo. Agora, se fosse ao contrário, ninguém mais poderia reclamar dela. Para minha alegria, somente duas pessoas levantaram a mão se manifestando contrariamente, e a música ficou. A ferramenta mais importante é o bom senso. Tenha humildade para acatar qualquer escolha. Tenha claro, em sua mente, o seu gosto musical. Contudo, seja inteligente para escolher um repertório que agrade ao coro e ao público também. Aliás, o público é outro elemento importante


I Coral é Coisa Séria I

103

na hora da sua escolha. Todas às vezes que vou apresentar uma música numa igreja que não conheço, procuro escolher músicas que estão no meio termo dos gostos extremos. Com isso consigo uma ‘aceitação geral’. Procuro ter uma conversa com o Pastor, ou o ancião local, para me colocar mais a par daquilo que a igreja como um todo gosta de ouvir. Muitos músicos cometem o erro de cantar aquilo que eles gostam ou estão acostumados. Mas se você não for de outro país com uma cultura diferente, o máximo que conseguirá é uma minoria que acha interessante o seu projeto, e uma grande maioria aborrecida. É importante que o Coral, mas principalmente os músicos, saibam que seu papel num recital é o de conduzir a igreja para o louvor. Não o de mostrar o que sabe e o que gosta. Por isso, o seu gosto pessoal e o gosto do Coral estão em terceiro plano, pois o segundo pertence à igreja que você vai cantar e o primeiro a Deus. Claro que existem igrejas que são mais preocupadas com uma música que fuja daquilo que lhes parece ser mais correto, e há outras que são ecléticas em seu estilo. Salomão afirma que há um tempo para tudo debaixo do sol (Eclesiastes 3). Então, você não precisa ter pressa. Creia; Deus vai abrir as portas do tempo para tudo.

A sensibilidade divina Ao escolher um repertório, você precisa levar em consideração a qualidade da poesia, da melodia, da harmonia, do ritmo; da capacidade do grupo em interpretar e conseguir executar a música; do gosto do Coral; do gosto do público; mas e Deus? Perceba que o início de tudo parte de um princípio importantíssimo! É terrível achar que a música que escolhemos para cantar é uma


104

I Coral é Coisa Séria I

música que Deus irá aceitar. “Que é o homem para que tanto o estimes, e ponha nele a tua atenção?” (Jó 7.17) “Somos nada, somos pó” (Salmo 103.14). Muitas vezes, subimos ao púlpito de nossas igrejas para ministrar o louvor e achamos que Deus está aceitando. “Mas, será?” “Como saber?” “Por um acaso não estamos enojando a Deus com a nossa busca pela qualidade?” “Deus precisa do nosso louvor?” Essas perguntas sempre me soaram muito difíceis. Tornam-me um nada, mas é o que sou e o que tenho. Nada. Quando partimos do princípio que, somos nós que precisamos de Deus, somos nós quem precisamos do louvor, somos nós quem temos de conhecer uma nova música, somos nós quem precisamos ouvir e obedecer, fazemos uma grande descoberta. É o nosso contato com Deus que poderá nos fornecer o repertório que precisamos para cantar. E este virá com toda a qualidade musical, com toda a aprovação do Coral e do público. E claro, com todo o poder de Deus. É diferente quando o Senhor escolhe o repertório, pois Ele capacita o músico nessa escolha e as músicas passam a ter uma influência positiva sem limites para quem procura adorar a Deus através do louvor. Recentemente, tive o privilégio de estrear como regente de um dos corais de referência no Brasil. Como era a primeira apresentação do ano, procurei preparar o Coral com o maior esmero técnico possível porque sei que, Deus é um Deus perfeito e gosta que façamos tudo conforme as nossas forças. Planejei e procurei pôr em prática o quê a experiência me ensinou. Mas... As coisas não estavam dando muito certo. Meu planejamento foi ruindo... Primeiro; a banda que iria acompanhar o Coral, não o fez. Segundo; a pianista oficial teve que viajar e tivemos que substituí-la, e em cima da hora nunca é bom. O terceiro ponto é que era início de semana de oração e não tivemos como organizar a posição do Coral à frente da igreja e nem como passar o som.


I Coral é Coisa Séria I

105

Em outros tempos, com essa ‘pequena crise’ eu estaria quase surtando. Contudo, sabia que Deus não estava preocupado com nada daquilo. Meu coração me dizia que Ele estava vendo o melhor de cada corista e o meu melhor também. Mas confesso; eu estava ansioso. Porém, Deus não queria que me preocupasse, e na verdade Ele nunca nos quer preocupados e ansiosos; pois o louvor pertence a Ele, e quem precisa louvar sou eu. Lembro-me de que instantes antes de cantar, o Coral se reuniu, fizemos o aquecimento vocal, passamos as músicas ‘acapella’, e conversamos um pouco sobre o louvor, oramos e nos entregamos a Deus. Meu ouvido de músico percebeu alguns erros durante a apresentação. Mas sabe, o meu coração estava tão aquecido e feliz por estar louvando que pude sentir a aprovação e a presença do Senhor. E não só isso, os coristas estavam vibrantes, alegres, e acredito que como eu, sentiram o ‘mover de Deus’. De repente, um som me surpreende. Será que eu estava ouvindo aquilo mesmo? Espere aí, a igreja onde estávamos cantando não era do tipo conservador. Na verdade, ela sempre apoiou o nosso Ministério. Porém, eu bem sabia que eles não estavam acostumados a se manifestar após uma música, mas algo diferente aconteceu. Sinceramente, creio que foi um trabalho do Espírito Santo. Bem ali, no meio da música, enquanto o Coral declarava que Deus é santo, a igreja inteira se manifestou: ‘amém!’ Não foi um simples amém. Nem tão pouco um amém forte, mas foi o momento de entrega de diferentes corações em seu louvor a Deus. Lembre-se: somos nós quem precisamos louvar ao Senhor! É Deus quem precisa escolher o repertório do seu Coral. Será Deus quem moverá as pessoas que estão escutando, tornando o seu Coral um veículo da atuação do Espírito Santo. Deus dará diferentes respostas para cada música que você ensaiar, mas se estiver atento, sa-


106

I Coral é Coisa Séria I

berá se a música é a certa para o seu repertório. Ore. Escute outras opiniões. Procure conselhos de músicos, pastores, irmãos e de seus coristas. Seja sensível a resposta do público. Procure sempre o melhor para Deus, e acredite-me; o seu repertório será um repertório de sucesso!




Que formato o seu Coral vai ter? E a liderança? Quem esco-

lher e por quê? Organização e planejamento. Duas palavrinhas importantes para o trabalho de um Coral alcançar sucesso. Desde as fichas para o teste vocal até as vocalizes no ensaio, tudo deve ser preparado com carinho e antecedência.



O formato do seu Coral

D

epois de conversarmos a respeito de aspectos teóricos, com exem-

plos práticos, analisaremos agora, alguns passos necessários para dar início às atividades do Coral, ou o recomeço do trabalho em mais um ano. O primeiro passo, logicamente, é montar a diretoria do Coral.

O começo de tudo – Diretoria e planejamento Basicamente o que se precisa é de um diretor, secretário, tesoureiro, líder espiritual e líder social, o apoio do Pastor e um Maestro. Quanto maior o Coral, igualmente maior será o número de líderes para abastecer as necessidades que a estrutura carece. Em contrapartida, se para o Coral, ter um número maior de pessoas envolvidas com o seu funcionamento é melhor, para a diretoria é pior; resulta naquela situação que comumente dizemos: ‘muito cacique para uma tribo só’. Quando estamos escolhendo uma diretoria de Coral é importante levar em consideração alguns detalhes. Por exemplo: O líder em questão tem espírito de liderança? Ele se identifica com a função e com o Coral? É capaz de montar uma equipe ou conseguirá envolver o Coral? E o Coral, aceitará positivamente o líder? O líder tem opinião pessoal ou fica em cima do muro? Ou seja, ele agrega valores com boas ideias, realização de atividades, 111


112

I Coral é Coisa Séria I

é um formador de opinião e trabalha para a unidade do Coral? Nessa busca por nomes, devemos descartar motivos como: “Ele precisa se envolver”, ou ainda, “está se afastando da igreja, e isso pode ser um começo, ou um retorno”, e também; “ele é amigo dos outros líderes do Coral”. Ou seja, se os motivos para a escolha são baseados em; “estamos com pena do rapaz...” “queremos integrá-lo a igreja, via Coral” ou “queremos aproximá-lo das coisas do céu”; dará errado. Apesar da nobreza desses motivos, eles só levarão a futuras decepções. Como alguém vai ajudar um grupo de pessoas se é ele quem precisa da ajuda desse grupo? Diretoria boa é aquela onde reina a ética. Ela possui opiniões divergentes, contudo a unidade é restabelecida nas decisões tomadas em consenso pela maioria; onde persiste a autonomia e há respaldo da diretoria para tal. Se você está em posição de líder, saiba cobrar resultados e valorizar os pontos positivos. E, dos pontos negativos, valorize apenas os comentários sobre as soluções. Então, com a diretoria escolhida, faça reuniões que definam os objetivos do Coral a curto, médio e longo prazo. Os objetivos em curto prazo envolvem os testes, seleção dos novatos, agenda de pelo menos um semestre e as primeiras músicas do repertório. Os de médio prazo têm haver com eventos sociais, viagens e agenda; a ser cumpridas as datas especiais do Coral e do calendário; bem como o repertório para essas ocasiões. Em longo prazo, soam os projetos como grandes viagens, gravações e qualquer outra ideia que envolva custos altos, tempo e repertório específico. Além disso, é imprescindível discutir sobre as regras que serão usadas principalmente pela secretaria e tesouraria do Coral. Regras como número de faltas permitidas em ensaios e apresentações; após quanto tempo de atraso será considerado falta. Se houver mensalidade, a razão


I Coral é Coisa Séria I

113

dela existir. Por exemplo, o custo ou a despesa com fotocópias das partituras. E havendo mensalidade, qual o valor e a data limite para o pagamento da mesma. Também é importante definir já nas primeiras reuniões um projeto mais arrojado e apresentá-lo ao Coral. O objetivo não é motivar, pois todo o início ou recomeço, já tem motivação por si só, mas sim, aplicar esse projeto em dois ou três meses após o início do trabalho. Quando recomecei as atividades do Coral Jovem do IABC, lancei o desafio de uma viagem meses após o primeiro ensaio. Loucura! No entanto, sabia que era possível, pois eu tinha uma estratégia. A razão é porque nos dois primeiros meses geralmente trabalhamos duro na construção do repertório do Coral. Depois desse tempo são realizadas somente pequenas apresentações nas proximidades. É normal, por essas razões, uma queda no rendimento e na motivação. E, uma boa viagem pode ser o motivador para todo o semestre. E quer saber? Deu certo. Então, sugiro a você: construa um projeto que seja possível realizar. Um projeto que motive o corista a investir tempo, dinheiro e paciência. Bem como os mantenha animados nos demais projetos, em todo o tempo.

Teste Vocal O teste vocal geralmente é uma comédia. É só falar em teste que todo o mundo estremece. Você já se perguntou o por quê? Você pode pensar que o motivo é porquê a voz está sendo analisada. E, na verdade a resposta está quase correta. O maior problema não está evidente; é algo quase inconsciente. O ato de cantar é um ato de exposição daquilo que temos e somos interiormente. Ele revela muita coisa do ‘eu’, como se nos deixasse nus.


114

I Coral é Coisa Séria I

Obviamente, aqueles que já estão acostumados a cantar tendem a estar mais calmos no teste, por uma questão de segurança pessoal. Contudo, quem nunca cantou terá medo. Quem já foi reprovado, possivelmente terá um trauma. Independente do histórico, quando cantamos estamos expondo nosso interior, nossa arte, e além do medo de alguns acharem que nossa arte é feia, estamos mostrando nosso estilo musical, o gosto pela letra e ainda, mostramos que escolhemos estar ali. Em outras palavras, estamos nos expondo. Em primeira instância, o teste dá uma ‘pista’ de como será o comportamento das pessoas no Coral. E ainda, se você avaliar o perfil dos testes, terá uma boa dica da melhor direção a tomar para a escolha do repertório. É vital para o regente realizar o teste vocal para conhecer as vozes com as quais trabalhará. No teste, também descobrimos qual a voz do corista, quantos têm dificuldades em aprender e quem tem dificuldade na afinação. Conhecemos também os possíveis solistas, e principalmente, a extensão vocal do coro e sua capacidade musical para a realização dos arranjos e construção do repertório. Na verdade, estou mais preocupado com aqueles que acham que não conseguem realizar o teste. Enquanto escrevo, penso principalmente no leitor que gostaria de ter um Coral e talvez, faça parte de uma pequena congregação. E tenha o interesse de cantar com seus irmãos, contudo não possui experiência alguma, ou ainda, não sabe tocar ou ler as notas musicais. Minha primeira dica seria: estude. Procure ajuda de um profissional da música e consiga ao menos aprender a localizar as notas em uma escala musical no piano ou violão. É importante você ter no mínimo, esta referência. Além disso, para você realizar um teste vocal que atinja os seus ob-


I Coral é Coisa Séria I

115

jetivos, é necessário saber qual é o perfil do seu Coral. Por exemplo: o primeiro Coral de igreja que trabalhei, o teste vocal era somente para conhecer o corista e determinar a voz que cantaria. Contudo, nos corais de internato, a realização do teste era baseada na escolha da voz pela qualidade. E acreditem-me, dava ‘dó’ ver os alunos nervosos, no momento do teste. Não foram poucos os testes que pararam em virtude do nervosismo. As pessoas precisam respirar, tomar água, se acalmar. É um fato real; existem avaliações que nos dão pavor e desespero. O que geralmente acontece nas igrejas é que os novos corais estão sendo formados não para ser uma referência musical, mas sim uma opção de convívio entre os amigos e irmãos, onde a música é o elo. De um modo geral, as pessoas têm medo de ser reprovadas. E vamos confessar; quem não tem? Então, preste atenção a um detalhe quando você anunciar o teste vocal. Explique o que de fato você vai fazer, e para quem é o teste. A filosofia do seu Coral terá como base a qualidade vocal, ou idade, ou escolaridade, ou lugar e etc... Uma vez definido o público alvo, as pessoas automaticamente se colocarão a disposição ou não da sua avaliação.

Ficha teste – Modelos e explicações Agora que você já sabe a importância do teste vocal, vamos executá-lo. Você vai precisar que alguém distribua e explique como preencher a ficha teste. Também terá que escolher qual o critério de ordem, se será de chegada ou numérico. Nessa hora é normal surgir algum alvoroço, mas não se preocupe porque é apenas ansiedade. As coisas tendem a se acalmar assim que a primeira pessoa estiver pronta para o teste. Então, é só encaminhá-la, com a ficha devidamente preenchida, à sala onde o teste acontecerá. Dentro da sala é importante ter privacidade. Mesmo que alguém


116

I Coral é Coisa Séria I

queira ser acompanhado, é melhor que cada candidato venha sozinho. O teste não deve ser assistido ou ouvido por ninguém. A não ser você. Falando nisso, alguns maestros optam por montar uma bancada, e nela estariam: o diretor do Coral, algum músico convidado para auxiliar na avaliação; o pianista e o Maestro. Essa é uma boa opção para quem não tem experiência no assunto, ou quer mais uma opinião. Deixo, abaixo, duas sugestões de ficha de inscrição e teste vocal. Você pode acrescentar ou retirar itens de acordo com o perfil do Coral que vai trabalhar. Coloquei também uma rápida explicação a respeito de cada item. No primeiro modelo estamos trabalhando com um teste vocal que mostre melhor as qualidades da voz do indivíduo. Na segunda tabela, o modelo tem como objetivo dar informações que mostrem as qualidades das vozes sem muita experiência. Então, vamos lá:

1° Tabela: Objetivo: selecionar vozes com mais experiência musical:

Ficha de Inscrição e Teste Vocal Nome: _______________RG:_________ SSP:______ CPF: _____________ Nacionalidade:___________Naturalidade:__________ Data de Nascimento:__/__/__ Estado Civil: _________ Cônjuge:___________Filho(s): __________________ Filiação: Pai______________ Mãe________________ Endereço:__________________________________ Complemento:___________Bairro: ______________ Cidade: _____________________ UF: ___________ Tel. Res.:______________ Tel. Cel.: ______________ E-mail: ____________________________________ Escolaridade:________________________________ Religião: ____________________ Batizado:________ Igreja que frequenta: __________________________


I Coral é Coisa Séria I

117

Este primeiro item pode parecer minucioso demais, contudo, se você recolher estes dados agora, quando precisar de alguma autorização de cada corista - uma viagem, uma gravação, por exemplo -, você já terá os dados pessoais e como entrar em contato com cada um deles. Já estudou música?____ Com quem?_________ Que instrumento?______ Quanto tempo?____ Estuda música?____ Com quem? _________ Que instrumento?_______ Quanto tempo? _____ Domina algum instrumento? ____ Qual? _________ Já cantou um solo? __________________ Já participou de algum Coral?_____ Qual? _______________ Cantou qual voz?____________ Assistiu algum concerto ou evento musical nos últimos quatro meses?___ Qual? ____________ Que estilos de música você ouve e gosta? ________________________________________ Dê exemplos do seu gosto musical:_____________________________________________ Por que você quer cantar neste Coral? __________________________________________ O que gostaria que acontecesse neste ano no Coral? ________________________________

Aos veteranos: O que mais lhe marcou neste Coral no ano anterior? ________________________________ Qual a música que você mais gosta do repertório? Por quê? ___________________________ Que sugestão você daria para melhorar o trabalho do Coral? __________________________

Estas perguntas são fundamentais para descobrir o que eles pensam e querem. Com certeza, também, ajudarão durante os ensaios, pois apontarão, por exemplo, nomes para formar uma banda para o Coral. Ou ainda a capacidade para ter a primeira linha diretiva quanto ao estilo de música que a maioria do grupo prefere. E também, obter informações preciosas dos pontos positivos e negativos do passado que, analisados com sabedoria resultarão em mais acertos e menos erros.


118

I Coral é Coisa Séria I

Nestes itens estão as suas anotações com relação ao potencial de cada voz. Escute calmamente cada um. Seja atencioso e gentil procurando deixar a pessoa o mais à vontade possível. Gosto de separar o teste em duas partes; na primeira, a pessoa escolhe uma canção para interpretá-la. Sempre aconselho que a música escolhida seja conhecida, assim poderei acompanhá-la ao piano, mesmo que tocando ‘de ouvido’; ou que ela traga a partitura. Qual a razão para isso? Quando acompanho ao piano, sinto que as pessoas ficam um pouco mais seguras quanto à afinação melódica, e com isso posso alterar a tonalidade, variar o ritmo, mudar a harmonia e outras ferramentas que me possibilitam perceber a sensibilidade e a reação dela em relação a esses elementos musicais. Avalio a interpretação como um todo, e o quanto a voz foi clara e qual a impressão que me causou. No segundo momento, passo para a parte técnica. E avalio da seguinte forma: Timbre - começo vendo qual é o seu real alcance, e se este se mantém da mesma forma como cantou a música. Imediatamente faço anotações quanto a suas características, se é uma voz rouca – timbre que tem muito ar junto com o som -, ou nasal – timbre característico por emitir som ‘pelo nariz, uma voz mais estridente -, ou lisa – timbre sem vibrato, com voz limpa -, enfim, os detalhes e estilos de cada voz. Percepção - toco no piano cinco ou seis notas aleatórias e peço para que a pessoa reproduza o som ‘acapella’. Se ela conseguir, vou dificultando um pouco mais, até conhecer o seu limite. Comparando os testes vocais com o desempenho dos coristas, constatei que as pessoas com capacidade de cantar o maior número de notas aleatórias com intervalos de meios tons tendem a ter facilidade não somente no aprendizado, mas também em decorar a melodia de sua voz. Além de se manterem afinadas enquanto aprendem uma música. Já


I Coral é Coisa Séria I

119

observei casos de pessoas que cantaram afinadas a música no teste, no entanto, não conseguiram fazer o teste de percepção. Essa característica geralmente pertence àqueles cantores com pouca experiência vocal. Os famosos ‘cantores de chuveiro’. Pessoas amantes da música, mas que por algum motivo não costumam cantar. Não me lembro de algum destes causar problemas de afinação para o Coral, a não ser o fato de demorarem um pouco mais no aprendizado e terem dificuldade de se manter afinados ao lado de uma voz diferente, enquanto aprendem a sua voz. Cabe aí, uma pequena observação para o posicionamento destes, nos ensaios e nas apresentações; é melhor que estejam sempre no meio do seu naipe, e nunca ao lado de uma voz diferente. No teste de percepção, também é possível perceber o senso de afinação das notas. É bem diferente cantar uma canção, afinado do que notas aleatórias afinadas. Depois, defina qual o tipo de voz da pessoa. Nesta sugestão de teste você tem a sugestão de seis vozes, e dependendo de suas ambições musicais fique à vontade para acrescentar mais vozes, ou até mesmo mudar os nomes, se preferir. Eu ainda deixo em aberto o item solista. Se a voz me interessar neste aspecto, faço as devidas anotações. O item observações, eu uso se ouvi alguma coisa interessante ou diferente na voz, ou se alguém precisa de alguma atenção específica. Por último, o resultado. Preencha este item após a pessoa sair da sala, para evitar que alguém veja. Qualquer resposta previamente dita, ou espiada, poderá ser comentada com alguém que ainda não fez o teste, e isso pode alterar a expectativa das pessoas quanto ao mesmo. Quero lembrá-lo de que um teste bem aplicado apresenta elementos suficientes para dar início à escolha de repertório, objetivos musicais e também a escolher os projetos que necessite do perfil do Coral. Se você juntar as duas etapas do teste e fizer um comparativo de suas notas, e elas forem boas, poderá trabalhar energicamente em busca de


120

I Coral é Coisa Séria I

qualidade musical com o Coral que está se formando.

2° Tabela: Objetivo de selecionar vozes iniciantes:

Ficha de Inscrição e Teste Vocal Nome:______________RG:________ SSP:______ CPF: _____________ Nacionalidade:__________Naturalidade: ________ Data de Nascimento:__/__/__ Estado Civil: _______ Cônjuge:________Filho(s): __________________ Filiação: Pai: _____________ Mãe_____________ Endereço:________________________________ Complemento:_____________Bairro: __________ Cidade: _____________________ UF: ________ Tel. Res.:____________ Tel. Cel.: _____________ E-mail: _________________________________ Escolaridade: _____________________________ Religião: __________________ Batizado: _______ Igreja que frequenta:________________________

Este item segue igual ao anterior em todas as questões, pela importância futura dela, previamente explicado.

Da mesma forma que no modelo anterior, a resposta a estas perguntas me darão ótimas diretrizes para o trabalho.


I Coral é Coisa Séria I

121

A alteração acontece aí, não somente por suprimirmos alguns itens, mas também pela forma como executamos este teste. Dependendo do caso, acompanhar alguém ao piano mais atrapalha do que ajuda. Se este preferir cantar ‘acapella’, deixo que ele fique à vontade. Quanto à execução, presto atenção na cor do timbre e como soou toda a música, não sendo muito criterioso. Na segunda etapa, faço o teste de extensão para identificação da voz e já a defino. Contudo, se aparecer a possibilidade de ser um solista, me detenho um pouco mais, e uso elementos da outra tabela para identificar melhor as qualidades da voz da pessoa. Faço as observações e a anotação do resultado da mesma forma que no teste anterior. Bem, são exemplos simples para você conseguir por a ‘mão na massa’ e dar início ao seu Coral.

Separação dos naipes vocais Um problema que pode ser previsto no teste vocal é o equilíbrio do volume das vozes. Eu prefiro trabalhar com muito mais mulheres a ho-


122

I Coral é Coisa Séria I

mens. Por exemplo, num Coral de 100 vozes procuro ter 35 sopranos, 30 contraltos, 20 tenores e 15 baixos. Mas, não é uma regra. Aliás, uma regra que sempre funcionou comigo é durante o teste, marcar em uma folha separada, as pessoas que passaram no teste, anotando na sua voz se a afinação é ótima ou média – colocando os não tão afinados como avaliação média. E por quê? Porque assim consigo visualizar e consequentemente equilibrar os resultados, e ainda, trabalhar com a “compensação de qualidade”, ou seja, se já tenho um número bom de baixos, no entanto eles são fracos, surgindo baixos de qualidade eu aumento o número para tentar equilibrar os extremos. Gosto também de aproveitar as vozes Mezzo e Barítono para equilibrar um pouco mais, já que estas vozes são versáteis e no estilo gospel, do momento, são muito adaptáveis.

A extensão vocal dos naipes Outro assunto que ‘dá pano pra manga’ quando se conversa com profissionais de música, na área de Canto, é sobre a definição das vozes. Não são poucos os casos em que ao chegar num Coral, após os testes vocais, foi preciso trocar uma pessoa de voz. Se usarmos a ideia das vozes mezzo e barítono como ‘coringas’, isso não seria praticamente um problema. Contudo, às vezes acontecem erros drásticos. As tabelas que se tem na música formal também não ajudam muito. Só para exemplificar, nós conhecemos 1° tenor e 2° tenor. Na verdade, deveríamos conhecer no mínimo os seguintes tenores: contra tenor, tenor ligeiro, tenor lírico e tenor dramático. São em torno de 25 tipos de classificação de voz. Por isso, às vezes, a gente ‘bate a cabeça’ ao tentar definir quem canta o quê. Complicado não é? Então, os padrões de extensão vocal que estou habituado a usar são os seguintes:


I Coral é Coisa Séria I

123

Soprano: Lá3 (A3) ao Dó5 (C5) natural até o Lá5(A5) com falsete ou voz de cabeça. SOPRANOS

Mezzo: Sol3 (G3) ao Si4 (B4) natural até o Fá5 (F5) com falsete ou voz de cabeça. MEZZO

Contralto: Mi3 (E3) ao Lá4 (A4) natural até o Mi (E5) com falsete ou voz de cabeça. CONTRALTO

Tenor: Lá2 (A2) ao Lá4 (A4) natural até o Dó4(C4) com falsete ou voz de cabeça. TENOR

Barítono: Fá2 (F2) ao Sol4 (G4) natural até o Dó4 (C4) com falsete ou voz de cabeça.

BARITONO

Baixo: Mib2 (Eb2) ao Mi4 (E4) natural até o Sol4 (G4) com falsete ou voz de cabeça. BAIXO


124

I Coral é Coisa Séria I

Como não estamos tratando de técnica vocal, estamos deixando de lado alguns padrões técnicos. Só para explicar; a extensão vocal abrange itens como a forma e volume das cavidades de ressonância; o comprimento e espessura das pregas vocais; o timbre; características morfológicas; capacidade respiratória, e etc... Quero apenas sugerir que você olhe e perceba o que precisa para criar um padrão para seleção de vozes do Coral. E creio que esta tabela nos fornece uma boa linha de pensamento. Saliento somente o uso das palavras ‘natural’ e ‘falsete’ ou ‘voz de cabeça’. Chamamos de voz natural aquela que não sofre alteração no seu timbre tanto na região grave como na aguda. A voz falsete é a que substitui a voz que passa do limite da extensão natural substituindo o som natural por um som ‘falso’ que é mais suave. A voz de cabeça é aquela intermediária, sendo ela um pouco mais suave que a natural e, ao contrário, mais forte do que a falsete. Logicamente que para dominar essas formas de timbre é necessário estudar a técnica em uma aula de canto, e este não é o nosso foco. Estas informações são apenas o começo de sua pesquisa. É importante prestar atenção ao seguinte: a passagem da voz natural para o falsete ou a voz de cabeça, nos homens, é bem perceptível. Porém, acontece ao contrário com as mulheres. Não são raros os casos de mulheres que tem a habilidade de deixar a voz natural quase igual ao falsete ou a voz de cabeça. Preste atenção nas notas limites entre uma e outra voz. Nos homens essa qualidade é bem mais perceptível, pois a diferença básica dessas duas vozes é a seguinte: a voz de cabeça tem mais força, sendo mais semelhante à voz natural. A voz falsete soa leve, e em muitos casos, falsa. Essa qualidade de força é muito boa nos homens para explorar agudos em uníssonos com as mulheres, principalmente nos barítonos e 2° tenores, por darem ‘peso’ ao som.


I Coral é Coisa Séria I

125

Discutir sobre este assunto, por vezes é mais complexo do que se imagina, pois cada voz possui o seu DNA. É única. Sendo assim, cada indivíduo deve ser motivado a cantar sempre da melhor maneira possível. Tendo estes dados em mãos, você estará pronto para escolher os seus coristas e começar, ou recomeçar, com o ‘pé direito’. Não se esqueça de valorizar o resultado do teste. Exponha a lista de aprovados em um lugar bem visível, divulgue na internet, faça um ‘barulho’! Igualmente é interessante você ter contato pessoal com os aprovados, talvez com um cartão, ou uma carta, contendo o nome e a voz de cada um. Se quiser, deixe mais atraente o material, coloque a foto do corista como se fosse uma carteirinha; valorize o material humano que você tem!

Técnica vocal e aquecimento Está aí um assunto que aprendi a dar valor quando eu comecei a cantar de novo. No começo do livro, mencionei rapidamente meu momento como cantor. Na verdade, não foi rápido não, foi só aquele momento mesmo. Cantava na igreja de minha cidade natal quando criança, e depois, nunca mais! Você pode me perguntar: “por quê?” Porque sou tímido e escuto a minha voz. Em outras palavras, tenho ‘desconfiômetro’. Há um dito popular que diz: “Nunca diga nunca!” E um dia, por ‘falta de material humano’ acabei voltando a cantar com um trio. Foi uma experiência extremamente prazerosa e nela percebi a importância do aquecimento vocal e a repetição de exercícios e posicionamentos do corpo como um todo para a melhora do som produzido. Não podemos esquecer que antes de ser um timbre bonito, ou não, a voz é a expressão do indivíduo. E como tal, podemos dizer que a maneira como a pessoa fala, se porta, pronuncia, respira, interage com outros


126

I Coral é Coisa Séria I

através da voz, diz muito sobre quem é ela. “A voz é a expressão sonora da personalidade do indivíduo e o reflexo de seu estado psicológico”1. Acredito que o maior desafio da técnica vocal em corais não seja o aquecimento da voz, mas a expressão dela. É muito complicado esse processo, por isso sugiro a seguinte estratégia: comece aquecendo a voz com diferentes vocalizes, pois sabemos que um atleta que não faz aquecimento muscular antes de entrar para a competição, corre um sério risco de lesão muscular. O mesmo acontece com um ‘atleta da voz’. O aquecimento diminui a índices relevantes os problemas de rouquidão, dores e calos nas pregas vocais. É importante fazer um simples e famoso vocalize: ‘lá, lá, lá’.

Dicas: No ensaio, você precisa trabalhar com no mínimo quatro elementos técnicos. Relaxamento e alongamento, postura, respiração e dicção. Vamos tratar cada um deles. Relaxamento e alongamento - independente do horário do ensaio vivemos em dias que a qualquer momento sofremos tensões. Por isso, relaxe os coristas com um abraço. Lembro que incidentalmente surgiu o momento do abraço, afetuosamente chamado de momento do ‘upa’, em um dos corais que trabalhei. O abraço é recheado de benefícios, entre eles o relaxamento e a sociabilização. Cuide para que esse abraço não seja muito demorado, porque um momento para interação e relaxamento, poderá virar um ‘happy hour’. Na sequência, lembre-se de alguns exercícios das aulas de Educação Física para alongar a coluna, pescoço e os ombros. Lembre também que a importância do alongamento é ‘liberar’ alguns músculos que estão tensos. Ocorrendo isso, é possível fazer com que o corpo inspire e expire mais solto. 1  Coelho, Helens W. Técnica Vocal para Coros; Pag. 13; Editora Sinodal; 4° Edição, 1999.


I Coral é Coisa Séria I

127

Postura - se durante o aquecimento vocal ou até mesmo durante o ensaio, o corista ficar sentado de qualquer jeito, ou quando em pé, escorado, ou ainda com os ombros caídos, desleixado, enfim; se a postura for descompromissada e sem motivação, será exatamente isso que ele mostrará quando o Coral cantar. A postura correta seja sentada ou em pé, deixa a região abdominal livre, ajuda a reagir melhor aos comandos e pedidos do Maestro, sem contar que tal postura evita bocejar, esmorecer e ainda os mantêm mais alerta. Tome cuidado para não deixar o Coral com cara de ‘soldadinhos’. Uma postura correta não significa uma postura reta. Até porque nossa coluna é torta, semelhante a um ‘S’. Uma boa postura para cantar deve ser sempre com a planta do pé inteira no chão. Se estiver sentado, a melhor maneira é pedir que o corista jogue o peso do corpo sobre o ‘bumbum’; não nas coxas como é o costume. Também que levante levemente os ombros e mantenha o olhar e a cabeça à altura do Maestro, olhando para o horizonte. Da mesma forma devemos estar quando em pé, modificando apenas o lugar em que colocamos o peso do corpo que agora apesar de estar com todo o pé no chão, deverá ser colocado nos calcanhares, e os pés na posição de ‘dez para as duas’. Lembrando sempre que as posturas corretas ao cantar seguem essas diretrizes, porém a máxima sempre deverá ser o equilíbrio e a liberdade. Acontecem apresentações onde o palco é pequeno para que o Coral possa ter liberdade e equilíbrio. Percebo que quando isso acontece, a afinação e a vibração do Coral são prejudicadas. Respiração - esta é a grande vilã da afinação. Uma má respiração implica diretamente em queda na afinação, perda de clareza e qualidade do som. É importantíssimo este item para o Coral. Existem três formas usuais de respiração no cantar. Resumidamente são: 1 – Respiração Clavicular: Percebemos quando há movimentos nos


128

I Coral é Coisa Séria I

ombros, tórax, e clavícula. Esse movimento também faz com que o diafragma seja levemente pressionado para dentro. Não é uma boa opção por limitar a quantidade de ar a ser inspirado e diminui a capacidade de controle de saída do ar. 2 – Respiração Diafragmática: É quando ‘enchemos a barriga’ de ar, estamos empurrando o diafragma para baixo e consequentemente usando somente o abdômen para a respiração. 3 – Respiração Intercostal Diafragmática: Ela é, basicamente, a junção das duas formas de respiração, evitando apenas o movimento da clavícula. Essa é melhor maneira de se respirar no momento de cantar. Devemos, então, entendê-la. Nessa respiração, você inspira usando toda a capacidade muscular do tórax e do abdômen, e controla o processo de esvaziamento com o músculo diafragma. Explicar a respiração intercostal diafragmática é fundamental, mas não adianta saber na teoria, é preciso prática. Tenho percebido que muitas pessoas sabem de tudo sobre a respiração intercostal diafragmática, porém nunca sentiram o próprio diafragma trabalhando. O problema é que apesar de o diafragma ser um músculo passivo de controle, ele faz parte do sistema nervoso parassimpático. Ou seja, ele sofre influência mais do sistema nervoso que trabalha automaticamente, como por exemplo, o coração. Porém, até certo ponto, podemos manipulá-lo, assim como manipulamos nossa respiração. Querendo parar de respirar conscientemente podemos fazê-lo, porém na hora em que faltar o ar querendo ou não, o sistema nervoso parassimpático ordena a respiração. Por esse motivo a respiração diafragmática é um pouco difícil de acontecer. Mas não se desespere; preste a atenção em alguns exercícios que o ajudarão em muito, e mãos à obra. Em primeiro lugar vamos localizar e sentir o diafragma. Vou tentar dar


I Coral é Coisa Séria I

129

algumas dicas para isso. Comece inspirando levemente, e depois com o som de ‘S’, expire. À medida que o ar for acabando, você perceberá sua caixa torácica encolher e o abdômen diminuir até chegar à sensação de que acabou o ar, mas não pare aí! Segure o fôlego e não respire. Tente empurrar mais ar ainda para fora do seu corpo. É nesse momento que podemos sentir uma força centralizada, quatro dedos abaixo do osso esterno no tórax, como se fosse um cinto em volta do abdômen, esse é o diafragma. Outro exemplo bacana é o susto. Na realidade, o susto e o grito são exemplos de atuação direta do diafragma. Mas acredito que gritar durante o ensaio provocará no mínimo um desconforto para os ouvidos, então é melhor optar pelo susto. Geralmente conto uma história apavorante e na hora do grito peço para todos imitarem os movimentos de susto e antes de gritarem todos ficam como ‘estátua’. Só então, após alguns segundos, com a força de um grito liberamos o ar com o som do ‘S’. Analise seu corpo e os músculos que estão envolvidos nessas duas situações, e rapidamente perceberá o seu músculo diafragmático. Outro problema que abrange a respiração é o habito de inspirar e expirar erroneamente. Há quem defenda a ideia de que é preciso inspirar pelo nariz e expirar pela boca. Realmente esse processo é o melhor, mas talvez não o seja na hora de cantar. Precisamos de ar quando cantamos, e alguém que apresente um desvio de septo nasal, não conseguirá inspirar adequadamente pelo nariz. As pregas vocais precisam vibrar, portanto na hora de cantar, inspire como e com o que for possível, da melhor maneira. Uma boa capacidade respiratória não significa ficar um bom tempo segurando o som de uma mesma nota, mas sim terminar esse som da mesma forma que se começou. Para tanto, é necessário aprender a controlar a saída de ar.


130

I Coral é Coisa Séria I

Um bom e tradicional exercício que funciona é deitado, coloque um livro sobre o peito e outro sobre o abdômen. Inspire e cuide para que não haja movimento do tórax, mas somente o do abdômen. Logo após alguns segundos, elimine lentamente o ar com o som de ‘S’ ainda cuidando que haja somente movimentos abdominais. Repita esse exercício várias vezes aumentando o seu tempo de execução, pois é um dos mais eficazes exercícios para sentir o trabalho do músculo diafragma e de outros músculos do abdômen. A maior necessidade na respiração é treinar o tempo e a quantidade de ar que precisamos eliminar durante o canto. Faça o seguinte: toque a nota Mi bemol, e num determinado pulso conte até nove com a mesma respiração. Fácil, não é? Agora aumente para a nota Mi e conte até 12. Ficou um pouco mais difícil, mas está tranquilo. Tente então a nota Fá e conte num pulso um pouco mais lento até 15, e será bem provável que o ar fique exprimido. Veja o exemplo abaixo: Veja o exemplo abaixo:

Exercício de Respiração

1

1

2

2

3

3

4

4

5

5

6

6

7

7

8

8

9

9

1

10 11 12

2

3

13 14 15

4

5

6

7

8

9

10 11 12

1

2

3

4

5

6


1

2

3

4

5

6

7

8

9

10 11 12

13 14 15

1

2

3

4

5

I Coral é Coisa Séria I

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

6

131

18

Repita o mesmo exercício, e você verá que dessa vez não houve problema. O que este exercício nos mostra não é caso inspire melhor, conseguirá realizar o exercício. Na verdade, o nosso cérebro, após a primeira experiência, calcula o tempo e a quantidade de ar de que precisa para realizar o exercício completo. Isso revela a importância de definir no ensaio, os momentos de respiração nas frases musicais, e enfatizá-los. Porque dessa forma, o cérebro estará decorando o quanto de ar será preciso inspirar, e o quanto e como será expirado. Outro exemplo prático é pegar um verso Bíblico e colocar ritmo nas palavras. Todos irão recitar o verso sem pausa para respirar. Com o passar do tempo vão aumentando a intensidade do exercício deixando o ritmo das palavras mais lento. Os famosos exercícios de ‘tsi’ também são bem-vindos. Faça sequências rítmicas, como no exemplo abaixo:

'Tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'

'tsi'


132

I Coral é Coisa Séria I

Logo em seguida termine com longas e calmas inspirações e expirações. Articulação e ressonância (dicção) – Imagine comigo brasileiros de diversos pontos do país, conversando: “Más que Barbaridade, tchê!” “Vamuxx falarrr sobre dicção no Brasil?” “PoRquê é estranho, né? Sô...” “Isso que nóis nem falamo dus miner q num termin as palavr”. Em um país com dimensões continentais como é o Brasil, torna-se difícil falar sobre este assunto. É só você imaginar como a palavra ‘porta’ seria falada por um gaúcho, um paulista, e um carioca. Só em pensar já começo a rir sozinho. Vamos lá então: Gaúcho – Com um ‘r’ só, bem destacado e puxado. Paulista – (do interior, principalmente de Piracicaba) – PoRta (aquele som de caipira). Carioca – Porrta. Agora misture tudo e tente imaginar cariocas tentando imitar paulistas, e paulistas a gaúchos, e estes, os cariocas. Parece que temos três dialetos. A música tende a disfarçar os sotaques. Ou exibi-los como nas músicas regionalistas, como as Romarias Nordestinas, por exemplo. Os maiores problemas que temos são em relação aos ‘s’, ‘l’, ‘r’ e algumas vogais. Existem outras dificuldades que estão se tornado cada vez mais comuns, tanto que já aconteceu comigo com a palavra ‘espera’, quando percebi o Coral estava cantando ‘ispera’, sem contar as frases ‘meu ar’ soando ‘meu a’. Isso são reflexos vindos de culturas, gírias, modismos linguísticos que ficam gravadas na própria fisiologia da pessoa. Por isso, em algumas regiões é fácil sonorizar o ‘r’ e em outras não.


I Coral é Coisa Séria I

133

Esses ‘modismos’ por vezes ajudam. A palavra ‘digno’ por exemplo, em finais de frase com sustentação, soa melhor como ‘dignu’, mas não ocorre o mesmo se juntar com outras palavras e executá-la rapidamente, como ‘digno é o Senhor’. Dentre os exercícios que podemos utilizar para melhorar a dicção estão o ‘prrr’ e o ‘brrr’. Aliás, estes dois exemplos são bons para aquecer e desaquecer a voz. Peça também para pronunciar exageradamente o ‘a,e,i,o,u’, forçando a abertura da mandíbula, o que permitirá o alongamento dos músculos. Sobre as vogais é importante saber que o ‘a’ é executado de maneira simples, somente abrindo a boca. Já o ‘é’, ‘e’, ‘i’ soam sob a influência da língua, e ‘ó’, ‘o’, ‘u’ com os lábios em movimento. Agora, se você tem problemas com a pronúncia do seu Coral e não tem uma fonoaudióloga para lhe assessorar, uma boa maneira é a leitura em voz alta da letra das músicas. Faça com calma, pedindo que todos articulem ao máximo cada sílaba, e toda a vez que ouvir um som com problema, volte e mostre como deve ser pronunciado e cantado. Dentro deste assunto cabe falarmos sobre ressonância. Quando Deus nos criou, Ele deixou em nossa face vários ossos que são ‘ocos’ para usarmos como ‘amplificadores’ e ‘caixa de som’. Vou explicar melhor: Quando cantamos, todo o corpo vibra, principalmente os ossos da face, do crânio e do peito. Alguns ossos possuem sulcos que acabam amplificando a vibração do som produzida pelas pregas vocais. Esses ossos ocos, ou sulcos, são os chamados ‘Seios da Face’. Quando estamos articulando claramente e emitindo o som da maneira correta, os seios da face vibram e ressoam as frequências ampliando a sua vibração, tornando possível aumentar o volume do som sem grande esforço vocal. A habilidade de cantar usando os ressonadores da face, com a respiração Intercostal Diafragmática é a famosa voz empostada. A maioria das pessoas leigas no canto, nem imaginam como fazer isso.


134

I Coral é Coisa Séria I

Comece então a demonstrar como usar os ressonadores da seguinte maneira: 1° - Tranque o nariz com a mão e peça pra falarem as vogais. À medida que pronunciam, diferentes partes da face vão vibrar, e cada um deverá identificar as vogais que mais salientam o som nasal. Depois, peça para movimentar a mandíbula e a língua de maneira diferente em cada vogal prestando atenção no movimento que o som faz em cada situação. 2° - Com os dentes cerrados e a língua presa ao fundo da boca, repetir o nome das vogais e perceber o movimento que o som faz na face. 3° - Deixando a mandíbula solta (mole e caída) diga as vogais e peça para cada um analisar o seu som. 4° - Com a mandíbula ainda solta repita o exercício anterior, porém com a cabeça bem inclinada para frente e depois para trás. Esse será o primeiro contato de alguns com o som da própria face. Aproveite a oportunidade para falar novamente sobre a importância da postura e da respiração correta, da clareza na articulação das palavras e do aquecimento vocal.

Após o aquecimento – Para que servem os exercícios técnicos Agora começa o trabalho técnico. Me diverti muito assistindo aos filmes Mudança de Hábito I e II. A versão da canção Happy Day então, nem se fala, virou uma ‘febre’, uma ‘paixão’! Lembra dessa cena? O Coral de alunos ‘rebeldes’, agora comportados, cantando com timidez e vergonha, ainda mais o solista. Foi quando de repente, a maestrina (interpretada por Woopy Goldberg) interrompe o curso normal da música e começa um movimento muito usado nos aquecimentos: Lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, lá, e o Coral repetiu.


I Coral é Coisa Séria I

135

Lembra? Ao começarem a segunda estrofe o som, o clima, a postura de todos melhorou e surge então à hilariante e inesperada nota agudíssima do tenor. Nossa! Muito legal! O que funcionou no filme foi o aquecimento? Deixando o filme de lado, vamos falar sobre vocalizes. O aquecimento vocal só é completo se ele abranger toda a extensão das pregas vocais. Quando cantamos notas agudas, às pregas se fecham mais, deixando uma pequena parte vibrando, e acontece o contrário com as notas graves. Funciona mais ou menos como o violão, quanto mais grave a nota, mais longa é a corda. Quanto mais aguda, mais curta a corda. Este princípio rege todos os instrumentos. Quanto mais longo o tubo, mais grave o som. Como você pode ver na tuba, no trombone. E quanto mais curto, mais agudo. Como é o caso da Flauta Transversal e do Flautim. Quem toca qualquer instrumento sabe que, para começar a tocá-lo é necessário o aquecimento do mesmo. Se afiná-lo sem aquecê-lo, logo nos primeiros movimentos, o instrumento mudará sua afinação devido à dilatação do metal. Em lugares onde o inverno é mais rigoroso, por vezes é necessário parar o concerto para que os instrumentos sejam afinados novamente. Com a nossa voz é quase a mesma coisa. Encare o ‘aquecimento do instrumento’ como a ‘limpeza da voz’. Isso mesmo, limpeza. Quando estamos falando não usamos extensões extremas da voz, isso significa que somente uma parte das pregas vocais está sendo usada. Assim, as extremidades ficam mais lubrificadas. Essa lubrificação, que serve para evitar o ressecamento e proteger, acaba absorvendo diferentes substâncias e ficando muito espessa, prejudicando a vibração limpa da voz. É geralmente quando tentamos cantar com as pregas nesse estado que em seguida acontece a vontade de tossir. Aliás, evite tossir ou arranhar a garganta. Apesar de limpar as cordas, esse movimento machuca a musculatura e resseca as pregas, podendo com o


136

I Coral é Coisa Séria I

tempo inflamar. As pregas ficam avermelhadas; ou até se formam ‘calos’, que nada mais são do que a falta de capacidade de fechar a passagem de ar para a vibração correta do som. Outro fator que aumenta a concentração desse líquido são alguns alimentos contendo açúcar e gordura em excesso (chocolate, doces em geral, alimentos gordurosos), e líquidos com temperaturas muito quentes ou frias, por causa do choque térmico. Com isso, movimentos de notas que começam na região grave e vão para o agudo, e vice-versa, são ótimos para limpeza da voz, mas não devem ser feitos de qualquer jeito. Se você não domina a questão do aquecimento vocal, é melhor começar com uma melodia não muito aguda e nem muito grave e ir aumentando a tonalidade aos poucos, do que sair cantando vocalizes; podendo assim machucar as pregas vocais. Além do mais, o trabalho de técnica vocal deve ser voltado a atacar as dificuldades do Coral como um todo ou em cada música. Não esquecendo que a primeira dificuldade sempre será a limpeza e aquecimento da voz. Se for necessário melhorar a extensão vocal, faça trabalhos que envolvam alternâncias de notas agudas e graves. Se faltar volume, trabalhe com sons que mecham com os ressonadores da face. Se o problema for percepção e afinação, exercícios que envolvam distâncias de meio tom e saltos, e assim por diante.

Exemplos de exercícios técnicos Vou deixar alguns exercícios para trabalhar algumas dessas dificuldades. 1. O famoso Lá, Lá, Lá. Deverá ser executado com auxílio do piano, subindo e descendo tonalidades de meio em meio tom. Para trabalho de


I Coral é Coisa Séria I

137

percepção é interessante você saltar para diferentes tonalidades, como por exemplo, de Dó maior pra Fá sustenido maior. La, la, la.

La,

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

Piano

Piano

La

la

la

la

la

la

la

la

la

la continua...

2. Trabalho com vogais. Segue a mesma ideia do exemplo anterior, ficando a articulação e o posicionamento.

A

e

u

i

o

o

i

u

e

o

a

i

e

Piano

a

Piano

A

A

e

i

o

u

e

o

i

o

i continua...

3. Trabalho com vogais e percepção de vozes femininas e masculinas: segue a mesma ideia do anterior, porém os homens começam na região aguda e as mulheres normalmente. A inversão também pode acorrer..


138

I Coral é Coisa Séria I

A

e

u

i

o

o

i

u

e

o

i

a

e

a

Piano

Piano

A

A

e

i

o

u

e

o

i

o

i continua...

4. Percepção de intervalos longos: com este exercício desenvolveremos o salto de uma 8°. Tenha cuidado na afinação desta nota, lembrando que não tem como você subir e descer a tonalidade tanto quanto nos exercícios anteriores.

La,

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

Piano

Piano

La

la

la

la

la

la continua...

5. Percepção de intervalos longos em tom menor: idem ao anterior, porém com a alteração do 3° grau da escola. Prestar atenção no salto e no meio tom.

La,

la

la

la

la

la

la

Piano

la


I Coral é Coisa Séria I

La,

la

la

la

la

la

la

Piano

139

la

6. Meio tom: um exercício simples e muito útil. Cuide para que seja executado lentamente e o mais afinado possível. la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

la

Piano

la

la

la

la

La

la

Piano

la

la

Piano

la

La

la

la

la

La

la

la

la

la

la continua...

la

la

la

la

la continua...

7. Vi, vi, vi: trabalha com o som mais nasal. Deve ser executado rapidamente.

Vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

Piano

8. Mâ, mi: Nasal e aberto.

vi

Piano

Vi

Vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi

vi continua...


140

I Coral é Coisa Séria I

Ma

mi

ma

ma

mi

mi

ma

ma

mi

mi

ma

ma

mi

ma

Piano

Piano

Ma

Ma

mi

ma

mi

ma

mi

mi

ma

mi

ma continua...

9. Brem, prim: ajuda a sentir a vibração na face. Além disso, sua sequência ascendente de notas vai até a quarta, reforçando um trabalho de percepção.

Brem prim brem prim brem prim brem prim brem

brem prim brem prim brem

Piano

Piano

Brem prim brem prim

Brem prim brem prim brem prim brem continua...

10. Zi-u zi-u: trabalhamos com os sons de ‘z’, é importante cuidar no som do ‘i’ neste exercício.

Zi

u

zi

u

zi

u

zi

u

zi

Piano

Zi

u

zi

u


I Coral é Coisa Séria I

Zi

u

zi

u

zi

u

zi

u

zi

Piano

Zi

u

zi

141

u

11. Na-o: trabalha com a abertura do ‘a’ para o movimento labial. zi

u

Na

o

na

zi

u

na

o

o

na

zi

na

o

Piano

o

na

na

o

Zi

na

u

zi

u

Piano

Piano

Na

o

na

o

zi

u

zi continua...

Na

o

na

na

o

nacontinua...

o

12. Escala: com este exercício estamos desenvolvendo a extensão vocal do Coral.

sol

mi

si

sol

si

Piano

Piano

mi

sol

mi

si continua...


142

I Coral é Coisa Séria I

O único cuidado que você precisa ter é não exigir demais das vozes. Geralmente, os corais de igreja são feitos de pessoas que não são cantores profissionais e a falta de cuidado no aquecimento e trabalho técnico vocal poderá prejudicar imensamente a voz dos cantores, refletindo em rouquidão, ou efeitos como voz ‘rachada’ e cansada. Peça também para que os coristas façam uso abundante de água, e inclusive, levem uma garrafinha com água para o ensaio.

Anime-se! Com a diretoria afinada no discurso; o Coral motivado nos projetos; o ensaio sendo pensado e preparado do começo ao fim; o repertório escolhido levando em consideração os objetivos e limitações do Coral... Só falta acontecer o primeiro ensaio. Valorize também esse momento. Torne o primeiro ensaio inesquecível para o corista. Escolha alguém que possa deixar uma mensagem inspiradora, geralmente um Pastor ou músico da admiração dos coristas são os que mais agradam. Encontre um vídeo motivador. Se possível, faça um vídeo dos melhores momentos do ano anterior. Comece com uma música nova. Deixe um momento para os novatos. Diferentes brincadeiras podem aproximar os novatos dos veteranos. Lembro de já ter feito ‘torta na cara’ com perguntas que somente veteranos sabiam a resposta. Também criamos um juramento para os novatos sendo uma cláusula ‘dever fidelidade ao veterano’. Divertido. Em algum momento do ensaio é interessante uma pausa para oração em dupla, orientando que seja um veterano com um novato, e ainda, que eles conversem um pouco e orem juntos pelo Coral. Ao terminar, repita rapidamente as orientações para o próximo en-


I Coral é Coisa Séria I

143

saio, e peça que a diretoria fique para conversar sobre o feedback deles com relação ao Coral, nesse primeiro ensaio. Anime-se. É o começo, ou recomeço, de um ano certamente, repleto de bênçãos!



Maestro, você é a pele do seu Coral! Maestro, coloque-se

na situação de pele! Seja o elemento de união entre os órgãos para uma forma estética bela. Ouça todo o Coral, suas queixas, seus elogios. Transpire, proteja, sinta!



O Maestro, a pele

T

alvez você já tenha reparado que procuro começar cada assunto com

uma experiência ou um fato para introduzir a ideia e situá-lo melhor no conteúdo, mas desta vez, quero fugir a regra. E como... “Assim como carne, intestinos e vasos sanguíneos estão encerrados em uma pele que torna a visão do homem suportável, também as agi-

tações e paixões da alma estão envolvidas pela vaidade, ela é a pele da alma” (Nietzche). Não se incomode em ler de novo e refletir. Já falamos muito sobre as diferentes estruturas que tornam o Coral um ‘organismo vivo’. Dissecamos cada órgão, mas ainda falta um que protege, envolve e modela todos os demais. Não é que seja o mais importante, e jamais o será, porém é o que mantém todos unidos e estabelece a forma que o Coral terá. Assim como a pele protege e envolve os órgãos, ela também é responsável pelo tato, transpiração e manutenção do calor dentre suas principais funções. Uma pele enrugada, manchada, com cravos e espinhas, doente, representa muito mal o organismo que a compõe. Da mesma forma, ela deve ser coerente com seu organismo. E não adiantam plásticas, maquiagens, roupas lindas e de grife, tratamentos de embelezamento da pele que essas formas de ‘disfarces estéticos’ sempre são revelados pelo tempo e pela ‘saúde dos outros órgãos’. Qual é o seu tipo de pele? Que sinais existem na sua pele? De tra147


148

I Coral é Coisa Séria I

balho? Se você comparar a pele de minhas mãos com as de meu pai, descobrirá que as dele são mais ásperas e grossas que as minhas. Porém, me orgulho das mãos de meu pai. São elas que testificam o zelo e cuidado que teve pela minha família e por mim. Não quero dizer que calos signifiquem trabalho, mas cada pele justifica o trabalho que tem, seja ela por excesso de desgaste ou de cuidados. Falando em pai o que dizer então da pele de Jesus? E as cicatrizes dos pregos, dos açoites? Com certeza não acharemos feia, pelo contrário, nos levará a comoção. Maestro, você é a pele do seu Coral! Maestro, coloque-se na situação de pele! Seja o elemento de união entre os órgãos para uma forma estética bela. Ouça todo o Coral, suas agitações e paixões, suas queixas, seus elogios. Transpire, proteja, sinta! Encha o coral de orgulho.

Maestro como pele ressecada Fico incomodado quando vejo um Coral acuado pelo Maestro. Já participei de cursos e encontro de músicos em que os maestros se impõem com grosseria para provar que estão lá porque merecem. Qualquer um que discorde ou questione as ordens do Maestro deverá ser humilhado até ser colocado em seu ‘devido lugar’. Já ouvi respostas do tipo: “quer reger no meu lugar?” “Estudei tantos anos e fiz tais cursos e tal coisa pra um fulaninho como você vir aqui e duvidar do que estou fazendo, que audácia!” “Você sabe com quem está falando? Então é melhor se colocar no seu devido lugar!” Sinceramente, eu não perco meu tempo em participar de um ambiente com problemas de estima mal resolvidos e autoafirmação de ego. Sabe, o resultado final dessas atitudes são falta de diálogo, desgaste e frieza. É sentir as coisas somente na mente e nunca no coração. É uma


I Coral é Coisa Séria I

149

pele ressecada, fria e pálida que com o tempo, o organismo que a compõe adoecerá com manchas e feridas de ressentimentos. Sabe, as pessoas hoje não reagem mais como há 10 anos. Ninguém mais quer participar de ambientes com atitudes tão autoritárias e autoafirmativas. Maestro, seja pele! Domine as suas vaidades da alma e as do seu Coral também. Mas não uma pele que não sabe se impor! Ser como o exemplo anterior é ruim, mas ser o inverso é pior ainda. A insegurança deixa exposto o corpo.

Maestro como pele frágil Um amigo Maestro perdeu o seu emprego, e conversando um pouco com ele, percebi rapidamente o problema. Ele afirmava que tentava levar os ensaios na maior democracia, perguntando quase tudo aos coristas ou membros da direção. Essa postura leva a situações embaraçosas, por isso, evite perguntas ao Coral como: “escuta, está muito agudo?” “Querem mudar a nota?” “Então, qual a música que vamos cantar agora?” Nem afirme: “Eu não sei por que foi escrito assim esse arranjo!” “Não fui eu quem escolhi!” “Não aprendi ainda essa música”. “Não gosto dessa música”. Colocações dessa natureza resultam em comentários como: “ele é o Maestro e não sabe nada?” “Se ele não sabe do arranjo, o que vai ser de nós?” “Como ele escolhe um repertório que não gosta?” E mais, logo chegará o dia em que um corista porá em dúvida alguma situação ou arranjo, e se não souber responder, nem resolver o problema, resultará em um mal-estar horrível! As agitações da alma, a vaidade... Você como Maestro precisa estar atento a isso para ser pele. Se você estiver passando por uma situação assim, saiba que a solução é simples. Vá para o ensaio sabendo o que irá fazer. Algumas coisas você


150

I Coral é Coisa Séria I

pode colocar em discussão porque realmente é importante a participação de todos, mas tenha o cuidado de expô-las com limites, pois você é o responsável e, teoricamente, o que sabe do assunto. Se outros decidirem por você, e lá na frente algo sair errado, o culpado será o Maestro, e não seus coristas. Quando ficar na dúvida de que música cantar, por exemplo, rapidamente faça uma escolha por voto, vence a maioria: “quem quer tal música, levanta a mão!” Conte e faça o mesmo com a outra. A maioria vence. Se mesmo assim, continuarem as dúvidas, escolha você e pronto. As pessoas poderão até se incomodar de não terem cantado a música que gostariam, mas não terão a chance de dizer que houve falta de oportunidade. Um erro comum é achar que nesses casos, não ouvir o corista resolve. Na verdade, a solução acontece fazendo exatamente ao contrário. É você ouvindo e estando preparado para responder a tudo, pois você sabe o que quer e para onde está indo. Jamais um Maestro deverá perguntar ao Coral algo que ele tem dúvida. “Pessoal ficou bom?” “Gostaram assim?” “Querem que mude o arranjo?” Perguntas assim, deixam um ar de insegurança e podem comprometer sua influência sobre o grupo. Escute o que você está fazendo. Se alguns não gostaram, mas você alcançou o seu objetivo com o Coral, tudo ficará bem e assunto encerrado. Todavia, se você mesmo não gostou, seja sincero com o Coral e pense na solução. Podendo ser feita na hora, ótimo, se não, leve pra casa e traga a solução no próximo ensaio.

Algumas situações embaraçosas Agora, em todos os corais existem aqueles que sabem mais que o Maestro – e não há problema algum nisso – mas parece que alguns desses querem provar isso para o Coral inteiro. Então, seja mais esperto. Deixe a pessoa fazer a observação que ela acha importante e depois


I Coral é Coisa Séria I

151

com calma, diga que prefere fazer do seu modo, que vai seguir como está ensinando por tal e tal motivo. Depois, continue o ensaio como você planejou. Trabalhei num Coral onde um corista tinha este perfil. Adorava me questionar e provocar com conversas extremamente ruidosas, polêmicas. Eu o observei. Percebi que sua intenção era uma repreensão em público. Todavia, fiz exatamente o contrário. Não dei valor às coisas que fazia e dizia. Quando tinha alguma observação, eu o escutava com muita atenção e respondia calmamente, explicando que sabia o que estava fazendo e onde queria chegar. Imediatamente seguia o planejado. Por fim, ele desistiu. Escolheu sair do Coral e isso aconteceu naturalmente, sem termos tido nenhuma discussão. O mais importante é saber o que se está fazendo. Para isso: preparese! Estude! Chegue ao ensaio antes e esteja atento a tudo! Porém, algumas circunstâncias precisam de um pulso um pouco mais firme. Vivi um caso em que trabalhando na renovação de um repertório, um corista questionava todas as mudanças, a tal ponto que foi preciso me impor mais. Veja, só me impus porque sabia que a diretoria e o Coral já estavam fartos com as interrupções e questionamentos que ele fazia. A história que relato a seguir, não é motivo de jactância. É apenas um exemplo de uma situação extrema em que tive que tomar uma postura enérgica. Em um dos ensaios, esse corista argumentou arrogantemente: “Réges, olha só, nosso Maestro anterior fazia de outra maneira nessa música porque ficava melhor”. O sangue me subiu a cabeça e não me contive: “Réges, é para os íntimos. Aqui sou o seu Maestro. E, por favor, o Maestro anterior está em tal cidade trabalhando com tal Coral. Com certeza, você será bem recebido lá. Agora, estando aqui, será conforme


152

I Coral é Coisa Séria I

a partitura que está em suas mãos”. Bem, ele saiu do Coral e nunca se mudou de cidade. Acho até que minha experiência parece final de filme americano onde o bandido bate, bate, e no final o mocinho dá um ‘tapinha’ ganhando a luta. Graças a Deus, nem sempre é preciso agir assim. Agora estou contando os louros dessas situações, porém, passei por muitas outras, extremamente desastrosas por não saber me impor e nem conduzir as diferentes situações. Sobre este assunto, temos sempre o que aprender, e por enquanto o que aprendi foi que se tivesse ouvido sempre os coristas nas suas dúvidas, inclusive os ‘chatos’, me posicionando claramente e mostrando meus objetivos com calma e respeito, teria evitado muitos desgastes. Uma pele flácida e sensível a doenças e inflamações, precisa de muita roupa para cobri-la e protegê-la por ser muito sensível, ficando ainda exposta a vaidade de coristas. Maestro com este perfil tem pouco tempo de vida no Coral. “Mas então, o ideal é o meio termo?” Sim e não. Eu estava participando da primeira reunião de diretoria do Coral, quando o Maestro anterior chegou para me passar algumas dicas. Todas preciosas, mas uma em especial, chamou a minha atenção: “Réges, cuidado com o fulano. Ele é o problema de disciplina no Coral”. Fiquei preocupado e anotei o nome da pessoa, e confesso que me frustrei. A pessoa a quem o Maestro se referiu era conhecido no Coral pelo seu apelido e eu não sabia. Passaram-se seis meses até que eu descobrisse que o ‘problema disciplinar’ era meu amigo. Mas por que isso? Simples. Todo o ser humano gera empatia e antipatia já no primeiro contato visual. Por algum motivo esse ‘problema disciplinar’ teve antipatia com os maestros anteriores. Mas comigo não e, nem eu com ele. Da mesma forma que tive problemas de antipatia com


I Coral é Coisa Séria I

153

coristas que não tiveram a mesma sensação com outros maestros. Já ouvi pessoas me dizerem que preferem outro Maestro a mim, não por causa da minha competência ou não, mas simplesmente por que gostavam mais do outro. Simples assim. Nem Jesus agradou a todos, não acha um objetivo muito grande querer que o Coral o respeite em cem por cento? O meio termo procura o equilíbrio. Neste caso, o Maestro ideal é aquele que protege, transpira, aquece e modela o Coral, que tem seus objetivos bem claros e definidos, independente se isso desagrada a alguns. Se você quer ter sucesso como Maestro, faça isso; proteja cada coristas dando a eles segurança na sua regência, certeza na voz que estão cantando, sendo aberto a dúvidas de coristas e firme na criação artística da música mostrando claramente qual o objetivo. Um Maestro que transpira carregando o estrado (tablado), o som, ajudando na organização dos departamentos, trabalhando de ‘sol a sol’, e por fim, estando sempre alegre e motivado. Essas duas últimas atitudes, principalmente, mantêm o Coral aquecido. Um bom Maestro sabe dar não a sua ‘cara’ ao Coral, mas a ‘cara’ dos coristas. É claro que o estilo musical de cada Maestro aparece, mas quando falamos de modelar o Coral e oferecer beleza, estamos falando de segurança e identidade. Um Coral que gosta do som que a união produz e tem a cara do Maestro.

A regência: Técnica básica “Ei Réges, você sabe que nosso Coral ficou sem Maestro?” – Abordou-me uma jovem senhora. “Ah é? Não sabia, não. Por quê?” - Perguntei. “A pessoa que estava regendo se desentendeu com a diretoria. No último ensaio disse para todo o Coral que ficar lá na frente ‘balançando as mãos’ qualquer um faz, que ele queria ser mais, e a diretoria do Coral


154

I Coral é Coisa Séria I

não deixava. Queria liberdade total nas decisões do Coral, e como isso não era possível, optou por sair!” – Respondeu-me. Fiquei indignado! Não sei quanto a você, mas em todos os corais que participei como corista, o Maestro ‘balançava as mãos’ e fazia toda a diferença. Aliás, quando cantávamos sem ele, nunca saía com a mesma qualidade. Qualquer um pode ‘balançar as mãos’ na frente do Coral, menos aqueles que sabem o que significa isso. Não há outra maneira de fazer o seu coro cantar conforme o ensaio se você não souber lembrálos na apresentação. No terceiro capítulo falamos da memória ‘priming’. Você lembra? Aquela que acontece com uma dica, seja de algumas notas na partitura, seja algumas palavras num poema. Pois é, a memória ‘priming’ pode ser o gesto do Maestro também. Por diversas vezes, tive de reger o Coral estando ao piano. Não é igual. Falta garra no cantar, exatidão nos cortes, a dinâmica é quase nula e a tensão é muito maior. Na verdade, quando se está regendo fazemos muito mais do que marcar o andamento e os cortes corretamente. É importante que saibamos de algumas atribuições do Maestro a começar pelo gestual. Essa movimentação acontece com o corpo todo, por isso vou começar falando sobre o trabalho sem as mãos. Postura - tecnicamente, os pés devem estar levemente afastados. Quando um pé fica a frente do outro pode demonstrar insegurança, mas há controvérsias nessa postura, pois ela também pode ser de tranquilidade. Particularmente altero a posição dos pés de acordo com a música. Quando for alguma música de grande dificuldade, mantenhome alinhado com os pés levemente afastados. Em peças mais simples, ritmadas, fico mais a vontade como se quisesse ‘combinar’ com o estilo da música. O corpo deve ficar ereto transparecendo um porte elegante. Tenha cuidado para a sua postura não acabar sendo diferente da do Coral. Um


I Coral é Coisa Séria I

155

porte elegante é acima de tudo condizente com o ambiente. A formalidade ou informalidade de um concerto não deve ditar a sua postura, mas sim, as características do seu Coral. Juntamente com um porte elegante, está o vestuário. Perceba o seguinte: sempre é bom que o Maestro faça regência de terno, e este preferencialmente, preto. Mas você está em um programa jovem, seus coristas estão usando a camiseta com a logomarca do Coral. Em consequência disso, qual seria o seu traje? Sugiro que você se vista como eles. E qual deveria ser a melhor postura? A cabeça deve estar erguida. É preciso ver seus coristas nos olhos. Esse olhar dará ao Coral confiança ou não, em você. Além disso, possibilita que todos o enxerguem pelos seus olhos. Poderá acontecer de você perceber o nervosismo dos coristas momentos antes de cantar, nesse caso, não perca tempo e converse rapidamente com eles. Descontraia. Peça concentração no que eles estão fazendo e que olhem para você. Tome com seus olhos a responsabilidade do momento, depositando neles a sua confiança. Já comentei anteriormente sobre uma frase que costumo usar: “se eu errar, errem comigo!” Nós estávamos nos apresentando em uma vigília e havíamos terminado de cantar a primeira música. Olhei para o pianista e pedi a nota sol, pois na próxima música o Coral cantaria um compasso ‘acapella’ e depois a banda entraria. Ele deu a nota. Eu olhei para o Coral. Fiz o movimento de ‘respirar’ e dei a entrada. Todos entraram. Marquei a entrada do piano, e na sequência olhei para a banda que também entrou. Tudo certo. Foi aí que eu vi algo muito estranho: o que o trio que iria interpretar a música juntamente com o Coral estava fazendo no meio dos coristas? Já era para eles terem pegado os microfones! Foi quando eu me ‘toquei’. Eu não dera tempo para que eles saíssem


156

I Coral é Coisa Séria I

da posição no meio do Coral e já começara a música. Na verdade, o Coral inteiro não estava entendendo nada, mas erraram comigo, e me senti orgulhoso deste erro. Parei a música. Esperei que todos se posicionassem e então recomeçamos. A postura influência em muito na confiança do corista em seu Maestro. Nunca se envergonha de um erro. Erros existem para descobrir o caminho da vitória. Parafraseando, eu nunca tive tanto orgulho de um erro como esse, pois todos confiaram em mim, e erraram comigo. Tive orgulho de ser o culpado. O gestual Em qualquer curso de regência básica que você for, começará aprendendo os movimentos dos braços nos compassos binários, ternário, quaternário e composto. As formas básicas de gestos ainda são as mesmas, o que atualmente tem se diferido é o papel do Maestro quanto aos seus gestos e algumas mudanças por causa do excesso de contratempo que a música atual possui, alterando assim a questão do ponto de cada tempo para um centro. Confira nas figuras abaixo: Binário:

1

2

Ternário:

1

2

3


I Coral é Coisa Séria I

157

Quaternário:

1

2

3

4

Composto Binário:

1

e

e

2

e

e

Composto Quaternário:

1ee2ee3ee4ee

De um modo geral seus gestos devem indicar claramente o andamento da música, bem como seus pontos de entrada, cortes e dinâmica. Seja discreto. O seu braço direito deve atuar como o metrônomo e o esquerdo indicador de todos os demais detalhes.


158

I Coral é Coisa Séria I

Cuide para que seus gestos sejam discretos tanto para o público como para o Coral. Não há mérito em grandes movimentos. Por essa razão a batuta é indicada nos casos onde o Coral é muito grande, e fica difícil para todos perceberem os movimentos do Maestro. A batuta torna-se uma extensão do braço, evitando assim movimentos bruscos. Outro detalhe: evite conversar com o Coral durante a música. A fala deverá ser o último recurso. O cantar junto pode ajudar na questão da letra, principalmente em músicas que os coristas não estão totalmente seguros no texto. Porém, ao cantar junto, você não conseguirá ouvir as outras vozes, portanto, limite o uso do canto. Piano, Banda e Orquestra - a relação do Maestro com outros músicos instrumentistas é por vezes muito melindrosa. Volta e meia existem pequenas resistências por gostos pessoais em relação ao arranjo, andamento e até mesmo na dinâmica. Acontece muito de o pianista saber mais que o Maestro. Sendo assim, geralmente é ele quem dita o andamento, o clima da música e dependendo da maneira como toca, influência na dinâmica também. Quando a situação é inversa, gera problema com o desempenho do Maestro que acaba se preocupando muito com o piano e pouco com o Coral. Em qualquer situação a conversa sempre é o melhor caminho. O Maestro deve procurar a solução. Uma sugestão é definir as funções e limites de atuação de cada um, nunca com arrogância ou autoridade, mas com respeito ao colega de profissão. Um pouco diferente é a relação do Maestro com uma banda, pois geralmente os instrumentistas não recebem nada por este trabalho, seja do tamanho ou da forma que for. Como várias pessoas se dispõem a acompanhar o Coral , é importante que o Maestro saiba valorizar seus músicos tratando-os de forma diferente. Não estou falando de criar uma sessão de privilegiados do Maestro, mas sim, do próprio Coral ter um


I Coral é Coisa Séria I

159

grupo específico de pessoas que auxiliem os músicos no processo de montar, desmontar e carregar os instrumentos. Responsabilizar pessoas que possam buscar e levar, bem como resolver alguns problemas de deslocamento de certos instrumentos grandes ou pesados que precisam de cuidado especial para o transporte. É importantíssimo o Coral entender e ver à dificuldade que é encontrar instrumentistas dispostos a assumir tal compromisso; reunir um grupo de pessoas específicas com condições de ser uma banda. Consequentemente, é preciso se dar muito valor ao que significa ter músicos tocando para o Coral.

Quando você é chamado... A primeira vez que ouvi o The Brooklyn Tabernacle Choir não me ocorreu nem de longe a possibilidade de sua história ser tão miraculosa. Esse Coral, como qualquer Coral de grande porte tem suas regras de ensaio. A presença e a participação são muito rígidas. Sua agenda é recheada de grandes eventos, porém a maioria deles acontece em sua própria igreja. Fazer parte deste Coral é um privilégio, porém, requer muita responsabilidade. Imagine então o Maestro? Estar nessa função, nesse Coral, deve ser no mínimo desafiador para um músico. O Brooklyn é um bairro que tem representação étnica de todo o mundo. Contudo, é um bairro pobre e violento. Quando os ouvi, deduzi o mesmo que todos deduzem a respeito dos americanos; “eles têm muito dinheiro e são muito competentes no que fazem”. Isso justificaria o motivo pelo qual o Coral do Brooklyn é um Coral grande e de prestígio. Mas foi assim, pelo menos não no começo. Jim Cymbala é o Pastor da igreja do Brooklyn. E Carol, sua esposa, a Maestrina do coro. Quando chegaram ao Brooklyn à igreja estava aban-


160

I Coral é Coisa Séria I

donada e não existia um Coral. Jim possuía pouca experiência como Pastor, Carol era muito tímida e sabia somente o básico de música. Carol Cymbala nunca havia sonhado em dirigir um Coral, e sabia que não tinha condições técnicas para fazê-lo. Ela não fazia ideia de que um dia, possuiria qualidades de compositora e teria postura de liderança perante 220 coristas. O The Brooklyn Tabernacle Choir é hoje uma referência mundial na música gospel com Carol Cymbala sendo a Maestrina. O que eu quero dizer com esta história? No começo do capítulo anterior comentei que estava preocupado com aqueles que não possuem experiência ou conhecimento em música e estão dispostos a começar um Coral em sua igreja. É uma grande responsabilidade ser maestro. Porém, observe o exemplo de Carol Cymbala. Quando Deus chama, Deus capacita. Se você está com medo de aceitar o desafio de ser Maestro de um Coral, mas Deus não o está deixando em paz, não se preocupe, Ele proverá todas as coisas. Faça a sua parte. Estude. Ore. Trabalhe. Seja humilde. Não desanime. Corra atrás. E acredite: Deus fará maravilhas por e com você. Agora, não se deixe levar pelo pensamento de que o Maestro só ‘balança as mãos’ na frente do Coral. Isso é limitar o próprio Coral. Preparar repertório, ensaio, recital, pianista, banda, solistas, não me parecem pouca coisa também. Um ditado antigo muito usado pelos gregos reza assim: “Deixai-me fazer as canções de uma nação, que pouco me importa quem faz as suas leis”1. Reflita na sua condição de Maestro. De tudo que se foi falado neste livro, à pessoa que mais tem poder de influência sobre o Coral é o Maestro. Cabe então, uma reflexão do tamanho desta responsabilidade. E... Mãos à obra, Maestro! 1  Grout, Donal J e Palisca, Claude V. Historia da Música Ocidental; Pág 21; Editora Gradiva




“Todo o ato, toda a ação de justiça, misericórdia e be-

nevolência, produz música no céu”. (Ellen White)



A oração bêbada

“A

música faz parte do culto a Deus nas cortes celestiais, e devemos

esforçar-nos, em nossos cânticos de louvor, por nos aproximar tanto quanto possível da harmonia dos coros celestiais. O devido treino da voz é um aspecto importante da educação, e não deve ser negligen-

ciado. O cântico como parte do culto religioso, é um ato de adoração, da mesma forma que a prece. O coração deve sentir o espírito do cântico, a fim de dar-lhe a expressão correta” (Patriarcas e Profetas, página 594). Ler este parágrafo me torna pequeno para continuar o trabalho. Sinto isso porquê, se a música faz parte do culto a Deus lá no seu trono de glória, todo o meu esforço somado com o do Coral, será ínfimo. Esse esforço sequer será lembrado como humanos que tentaram se aproximar do coro dos anjos. Por quê? Elementar: Deus é perfeito. Os anjos são perfeitos. A música no céu é perfeita. A mesma escritora explica que numa de suas visões ela não gostaria de voltar a terra porque era escura e fria. Ela comenta brevemente que a voz do homem tem um som áspero e desafinado a ponto de não poder compará-la com as vozes que se escutam no céu. (Testemunhos vol. I p. 146). Você me permite compartilhar algo que pode ser interpretado como uma utopia? Sempre sonhei muitas coisas maravilhosas com a música. Antes mes165


166

I Coral é Coisa Séria I

mo de saber tocar piano, já me imaginava tocando hinos e ministrando louvores, e esse sonho comecei a perseguir. Lembro-me da primeira composição, o primeiro grupo e do primeiro Coral. Tudo estava em harmonia, pois sonhava fazer essas coisas na causa de Deus. Até que certo dia, ousei pensar diferente e perguntei: “como será que Deus vê a nossa música e o modo como nós cantamos? O que será que O agrada? Qual tipo de trabalho musical Deus valoriza?” A resposta era para ser simples, mas não foi. E confesso; ainda procuro outras repostas a perguntas que derivaram a destas. Durante as páginas deste livro, procurei enfatizar a importância de se buscar louvor, de ele ser o objetivo do Coral. Logo no começo apresentei algumas palavras usadas na Bíblia para representar o louvor, e como elas evoluíram no seu sentido com o decorrer do tempo. O louvor seria uma reposta? Não. Como já falamos; louvor não é apenas música. Então, pensei que poderia ser algo semelhante à inauguração do templo de Israel por Salomão. Muitos instrumentos, grandes corais, músicos preparadíssimos. Certamente, houve aprovação divina. Mas como ficariam então as pequenas igrejas, os pequenos grupos, os cultos de família? Eles não têm como ter uma superprodução ao seu dispor para agradar a Deus. Então o louvor deles não é aceito? Sinceramente, eu estava pensando muito nisto; “o que seria música para Deus? Como Deus usa a música?” Então me disseram: “pelos seus frutos o conhecereis.” Quanto mais eu desenvolvia meu trabalho, mais frutos eu colhia, e isso me levava à conclusão de que estava no caminho certo. Era evangelismo e qualidade musical, a resposta. Quando via alguém se emocionando, abrindo o coração a Deus ao escutar o Coral cantando, mais seguro me sentia de que a música divina era a música que levava a entrega do coração a Deus. Até que um dia, descobri que alguns dos meus hinos prediletos eram de origem ‘mundana’. Inclusive, um


I Coral é Coisa Séria I

167

compositor de uma dessas canções, se intitulava o ‘Cristo reencarnado’. Então orei, e me aquietei. Há alguns anos atrás, reencontrei um querido amigo que já tinha sido meu corista. Foi muito bom esse momento porque relembramos muita coisa boa que passamos juntos, no Coral. Foi quando ele me surpreendeu, com uma revelação que trouxe algumas das respostas que estava procurando. “Réges, não sei se você vai lembrar, mas um dia você me pediu pra fazer uma oração no Coral. Eu achei aquilo muito esquisito, e pensei: ‘O quê? Eu? O Maestro tá ficando maluco? Nunca pediu pra que eu fizesse oração? Logo hoje?” – Ele me contou. “Claro que não lembro”. – respondi achando graça. Afinal, era apenas uma oração. “Pois é, amigo. O seu pedido me pegou de surpresa mesmo! Eu não tinha condições nenhuma de orar. Orei com vergonha dos amigos, do Coral, e principalmente de Deus”. – Continuou o comentário mudando o tom de voz. – “Naquele dia, eu havia saído direto da balada para a igreja, para cantar com o Coral... E ‘tava’ com a cara cheia de cerveja”. – Desabafou. Os instantes seguintes foram de silêncio. Em minha cabeça surgiam muitas indagações e algumas acusações. Pensamentos que se mostravam perdidos diante daquela revelação. Como pode alguém ter a capacidade de entrar na igreja e representar a Deus, bêbado? Que ultraje! Lembrei do Rossano, de meus preconceitos, e ao mesmo tempo veio a minha mente quem era esse jovem e, como sempre fora sincero com as coisas de Deus, nunca escondendo que na época estava pisando em terreno perigoso, longe das coisas sagradas. Ele seguiu com a sua história. “Amigo... Não gosto de lembrar. Mas confesso que ali, naquela ora-


168

I Coral é Coisa Séria I

ção, minha mente e meu coração ficaram desordenados. E depois, enquanto o Coral entrava para cantar, uma grande batalha aconteceu dentro de mim. Quase não consegui cantar as músicas porque cada palavra da poesia era um convite para que eu saísse de cima do muro e escolhesse a vida”. – Relatou. E continuou: “Não foi de um dia pro outro, mas a mudança aconteceu. Eu tenho meus defeitos ainda, mas sinto que Deus fala comigo sempre com amor. Aprendi que Deus não condena, mas faz de tudo pra que a gente ande por onde Ele nos faça feliz. Ele quer que a gente se salve!” – ele concluiu tranquilamente. Nossa conversa se estendeu em muito ainda, mas ficou comigo uma frase: “Deus faz de tudo para que a gente ande por onde Ele nos faça feliz, para que a gente se salve”. Querido leitor, desculpe se vou desapontá-lo... Mas nós valorizamos demais a música. Por vezes, confundimos as emoções que sentimos ao ouvi-la ou cantá-la como sendo algo divino. Vou explicar melhor: Deus é amante do belo. Lembro-me da primeira vez que subi ao Corcovado, no Cristo Redentor. O que se vê é lindo! O mar, a floresta da Tijuca, a lagoa Rodrigo de Freitas, as praias, o Pão de Açúcar, a ponte Rio-Niterói. Não há quem fique de boca fechada diante da cena. O queixo cai mesmo diante da beleza do cenário. É notável como todos são afetados pela beleza do lugar. As pessoas se alegram, tiram fotos, se abraçam, falam alto, pulam. A beleza nos comove. Deus nos fez amantes do belo. Deus fez a música. Não há nada de errado em se envolver com a beleza do Cristo Redentor, assim como não há nada de errado em se envolver com a beleza de um hino. Deus criou essas coisas para nós! Davi cantou no salmo 121: “Olho para os montes e pergunto de onde vem o meu socorro. O meu socorro vem de Deus que fez o céu e a terra”.


I Coral é Coisa Séria I

169

Quando olho a natureza e sua beleza eu reconheço que há um Deus, e Ele faz todo o possível para me salvar. Quando uso a música para louvar a Deus, descubro que Ele faz tudo para me salvar! E quando olho para a música, a pura música, descubro que ela faz parte de todo um contexto dos planos de Deus. E com que intenção? Única e exclusivamente para me salvar. E como sei disso? A oração ‘bêbada’ me confirma esta ideia. Meu amigo, existe muitas coisas disputando a nossa atenção. Há os argumentos materiais como carros, computadores, móveis, roupas e muito mais. Existem ainda outros, como viagens, estudos, negócios e investimentos. Não podemos esquecer a família, os amigos e a igreja. Há muito mais ainda, porém, em cada caso temos influências que querem nos conquistar para algum exército na batalha espiritual, onde todos estão envolvidos. É lógico que a música é terreno perigosíssimo, pois o seu poder está além de nosso controle consciente. Tenho estudado muito sobre a influência da música, e sei que ela não é neutra e nem inocente. Além disso, creio que a música é a maior ferramenta para a globalização. Atualmente, fica difícil saber a que religião pertence alguns gêneros e cantores, e ao que vemos em algumas igrejas é o certo se misturar com o errado, aliás, o que é certo e errado em música? Logicamente que estou muito polêmico neste capítulo, mas a minha intenção é que você reflita sobre seus próprios conceitos a respeito de música. Qual é o valor que a música tem em seu coração? “Quando permitimos que a música tome o lugar da devoção e oração, isto é uma maldição terrível”1. A música tem muito poder. Pode afugentar o inimigo, acalmar o coração, desviar a tentação, unir, divertir. Pode mudar uma nação, como foi aqui no Brasil com o movimento ‘Tropicália’, onde ‘somos todos iguais 1  White, Ellen – Testemunies Vol. 1 pág 506. Casa Publicadora Brasileira


170

I Coral é Coisa Séria I

braços dados ou não’. Mas detendo o poder da música nas mãos, Deus quer que você a use para a salvação. Fica fácil perder o primeiro amor e colocar os seus pés no caminho dos palcos, da fama, do estrelato! O maior aliado do músico, membro da diretoria do Coral, Pastor, corista é a música. Com tudo, também é o seu maior inimigo. Transforme cada ato da sua vida em um ato para a salvação de alguém. Aprendi que Deus fez um mundo perfeito e deu de presente para o homem, e este mundo era lindo. Aprendi que Deus dá o mesmo valor à música do que dá a todas as outras coisas que ele criou. Aprendi também que, após a queda de Adão e Eva, os esforços divinos estão todos voltados para a salvação de cada um de nós, pois Ele não quer que nenhum de nós se perca. E Deus quer que, eu aprenda que tudo o que está ao meu redor é para a minha salvação e para a salvação de outros. Cada palavra escrita na Bíblia é para a nossa salvação. Cada tijolo, cada banco, cada microfone de uma igreja são para a nossa salvação. Cada departamento da igreja é para a nossa salvação. Cada Coral é para a nossa salvação. Cada música é para a nossa salvação. Perceba que existe um todo, e este é a nossa salvação. Olhe para a sua vida em todos os aspectos, exclua a música e você perceberá que Deus ainda está tentando salvá-lo. Exclua o Coral, e Deus ainda continuará com inúmeros projetos atuando em conjunto para a nossa salvação. Olhando desta forma, percebi que somente uma coisa mais me interessava. “Senhor, quero produzir a música do céu aqui na terra! Quero canções que ajudem mais pessoas a se decidir por Cristo. Quero um Coral que sai-


I Coral é Coisa Séria I

171

ba ser semeador da salvação em qualquer terreno. Senhor, me ensina!” Eu estava preparando uma palestra sobre louvor para a igreja de Botafogo, no Rio de Janeiro, e procurava alguma coisa para ilustrar o ato de louvar como sendo parte de uma vida, não somente música. E deparei-me com essa citação de Ellen White: “Todo o ato, toda a ação de justiça, misericórdia e benevolência, produz música no céu”2. A música no céu é diferente da que produzimos aqui na terra. Faça seu melhor no Coral, independente se na posição de corista ou diretoria, de Maestro ou conselheiro, faça o seu melhor. Trate a todos com justiça, misericórdia e benevolência. Tenha atitude. Faça música no céu! Quando Cristo nos desenhou do barro, colocou em nós todas as possibilidades para desenvolver a mente, os sentidos. Nos deu uma curiosidade sem fronteiras. Não houve limites para a felicidade, o amor, e a vida. Tudo era possível. Tudo era um sonho. Mas nós o perdemos. Contudo, Deus sente dor e saudade pela nossa ausência e por nossas escolhas. Então, Cristo veio. Viveu o nosso pesadelo. Morreu a nossa morte. E se vivemos hoje, vivemos pela dor de suas pisaduras. Agora temos de novo um sonho. Abre-se através da história momentos e vidas que reclamam um novo céu e uma nova terra. Clamamos: “Justiça, Senhor! Misericórdia, Deus! Seja bondoso conosco em nossas lutas. Louvamos com nossas vidas. Cantamos a nossa salvação. Adoramos o Teu nome, Deus”. Como sendo as últimas palavras deste livro, gostaria que você motivasse seu coração para atentar para as coisas do céu. Fazer parte de um Coral é estar envolto nas intenções divinas de preparar você para o céu. Cada conselho, cada dica, cada experiência aqui narrados são pequenos 2  White, Ellen –Serviço Cristão. Pág. 100. Casa Publicadora Brasileira


172

I Coral é Coisa Séria I

pingos de chuva em terra seca, ou gotas de um manancial que é ou será o vida do seu Coral. Seja quais forem as suas escolhas perante os desafios de um Coral, custe o que custar, leve o tempo que for, todos nós temos de novo o sonho. Meu desejo é que a nossa vida, aqui, produza músicas lindíssimas no céu, para quando lá estivermos, formarmos todos, um Grande Coral tendo como Maestro o nosso Senhor Jesus Cristo. Isso não é utopia, é um fato! Deus o abençoe! Amém.




Bibliografia Autores diversos – Música na Igreja Veículo de Adoração e Louvor – DSA Ministério da Música. CARPEAUX, Otto Maria – O Livro de Ouro da História da Música – Ediouro. CHAMPLIN, R. N. e BENTES, J. M. – Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia – Candeia. COELHO, Helena Wöhl – Técnica Vocal para Coros – Editora Sinodal. CYMBALA, Carol; com Ann Spangler – Tu és fiel Senhor – Editora Vida. DAVIDSON, F. – O Novo Comentário da Bíblia; Edição em 1 Volume – Edições Vida Nova. DOUGLAS, J.D. – O Novo Dicionário da Bíblia; Edição em 1 Volume – Edições Vida Nova. GROUT, Donald J. – História da Música Ocidental – Gradiva. HUNTER, James C. – O monge e o Executivo; Uma História Sobre a Essência da Liderança – Editora Sextante. IZQUIERDO, Ivan – Memória – Editora Artmed. JOURDAIN, Robert – Musica Cérebro e Êxtase – Editora Objetiva. KNIGHT, George R. – Filosofia e Educação. Uma introdução da Perspectiva Cristã – Imprensa Universitária Adventista. LIESCH, Barry – Nova Adoração – Editora Eclésia. LUCADO, Max – Moldado por Deus – Editora Vida Cristã. MAIS, Domenico De – Criatividade e Grupos Criativos. Fantasia e Concretude. Volume 1 – Editora Sextante. MAIS, Domenico De – Criatividade e Grupos Criativos. Fantasia e Concretude. Volume 2 – Editora Sextante. 175


176

I Coral é Coisa Séria I

MARKS, S. R. – Ruptura da Mente – Editora Pallotti. MARQUES, Belisário. - Revista Vida e Saúde; Ano 68, N° 11; Novembro de 2006 – Casa Publicadora Brasileira. MARTINEZ, Emannuel – Regência Coral: Princípios Básicos – Editora Dom Bosco. MED, Bohumil – Teoria da Música, 4° Edição – Editora Musimed. MURADAS, Atilano – A Música Dentro e Fora da Igreja – Edirora Vida. OLIVEIRA, Maria Aparecida Domingues de – Neurofisiologia do Comportamento – Editora da Ulbra. RATEY, John J. – O Cérebro. Um Guia para o Usuário – Editora Objetiva. RUSCHEL, Agostinho – Manual do Corista – Casa Publicadora Concérdia S.A. WHITE, Ellen – Música. Sua Influência na vida do Cristão – Casa Publicadora Brasileira. WHITE, Ellen – Serviço Cristão - Casa Publicadora Brasileira. WHITE, Ellen –Testemunies Vol. 1 – Casa Publicadora Brasileira. WISNIK, José Miguel – O Som é o Sentido – Companhia das Letras. WITT, Marcos – O Que Fazemos com Estes Músicos? – Editora W4 Endonet. ZSCHECH, Darlene – Adoração Extravagante – Editora Atos.



Amplie e compartilhe suas experiências com 'Coral é Coisa Séria' visitando o site do autor:

www.regesmarth.com.br •

Conte suas impressões sobre o livro;

Leia o que os outros comentaram;

Fale de suas idéias e discuta com outros leitores no Fórum do site;

Entre em contato com o autor e leia seu Blog;

Descubra outras pessoas que também levam Coral a sério;

Adquira musicas, partituras e outros materiais.

De uma coisa estou convicto, quando todos os interessados se unirem para desenvolver o Ministério da Música, nossas igrejas estarão repletas de pessoas sendo influenciadas pelo poder do Amor de Deus, e movidas pelo Espírito Santo entregarão suas vidas a Jesus Cristo, nosso Salvador. Talvez uma visita ao nosso site seja o primeiro passo para esta revolução.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.