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Opinião de Joana Faria: Enquadramento do sector florestal
from Gazeta Rural nº 388
by Gazeta Rural
opinião
Enquadramento do sector florestal
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(indicadores económicos e principais fileiras) *
A floresta é o principal uso do solo a nível nacional. Cerca de 36% do território é composto por floresta, fazendo de Portugal um dos países com maior área florestal na Europa.
Portugal não dispõe apenas de uma grande área ocupada por floresta, é também um dos países com maior diversidade em termos de espécies. azinheira, carvalho cerquinho, carvalho negral, castanheiro, eucalipto glóbulos pinheiro bravo, pinheiro manso e sobreiro, são algumas das espécies que compõem os nossos espaços florestais.
Mas vamos a factos! Quão representativa é cada uma destas espécies para Portugal, e que características especificas apresentam?
Os montados, sejam eles compostos por sobreiro ou azinheira, são a principal ocupação florestal em Portugal. 1/3 do que é considerado floresta, é assim composto por sobreirais e azinhais, numa área de cerca de 1 milhão de hectares. Para quem não está tão ciente destas medidas, costumamos muitas vezes fazer a comparação entre um hectare e a dimensão de um campo de futebol. conseguem imaginar 1 milhão de estádios cobertos com estes magníficos exemplares?
Os montados estão muito associados à produção de cortiça, no entanto a pastorícia ou a produção de cereais, são alguns dos outros usos destes espaços.
Portugal é também detentor de extensas áreas de eucalipto, mais concretamente eucalipto glóbulos. São cerca de oitocentos e cinquenta mil hectares de floresta associados a esta espécie, que é a chave para o desenvolvimento da indústria da pasta e do papel. De seguida, surge o pinheiro-bravo, uma espécie autóctone que ocupava, em 2015, setecentos e treze mil hectares. carvalhos, castanheiros e outras folhosas, contam com uma área mais restrita, cerca de 320 mil hectares, no entanto, são também importantes formações, assim como o pinheiro-manso, que ocupa cento e noventa e quatro mil hectares. Mas, quando falamos de floresta não falamos apenas de espécies florestais. A floresta é o local de abrigo de muitas espécies de fauna e flora, ou seja, existem muitos animais e plantas que dependem da floresta para viver. É por isso que é tão importante cuidar das nossas florestas, para não colocar em risco esses animais e plantas. na verdade, muitos deles estão já ameaçados ou são tão raros, que precisam de protecção. Portugal conta com alguns mecanismos de protecção destas espécies. Rede de Áreas Protegidas, Áreas de
Protecção Especial, entre outras ferramentas que perfazem cerca de 21% do território, e que nos permitem salvaguardar estes valores ambientais.
E se esse valor ambiental deve ser reconhecido, também a importância da floresta em termos socioeconómicos não se deve perder. Anual-
mente, a floresta gera em Portugal mais de 1500 milhões de euros, e é responsável por mais de 100 mil empregos directos.
Falar de floresta, é falar de impactos, de benefícios e de muitas potencialidades, tema que em seguida vamos especificar.
Potencialidades da fileira do pinho
das indústrias de base florestal. Serração, postes e varas, painéis, pasta e papel, pellets e biomassa são as principais indústrias que dependem do pinheiro-bravo como matéria-prima, num total de consumo de madeira que ronda os 4,5 mil milhões de m3/ano. apesar de ser um valor expressivo, estima-se que o défice de madeira de pinho represente mais de 60% do consumo industrial, tornando-se fundamental a revitalização dos pinhais. Outro importante produto associado ao pinhal bravo é a resina. Portugal foi já o segundo maior produtor mundial de resina, e apesar de atualmente países como a china e o Brasil liderarem o mercado, conO pinheiro-bravo é a terceira espécie em Portugal e o maior
tinuamos a manter o nosso potencial nesta actividade, especialmente reservatório de Carbono da nossa floresta, o que lhe dá um
pela qualidade dos componentes da resina nacional, tão apreciados papel muito importante no combate às alterações climáticas.
na indústria farmacêutica. O nome desta espécie, “bravo”, não é um mero acaso: é a única
A fileira do pinho tem assim muitas potencialidades, sendo parte árvore que consegue crescer em situações muito difíceis como
importante para a revitalização do sector florestal nacional, contridunas ou montanhas com solos pobres e rochosos. Em algumas
buindo para a manutenção de milhares de postos de trabalho e para regiões do mundo, esta espécie é usada apenas para funções
o aumento das exportações, uma vez que produz bens transacionáde proteção do solo, da água e da biodiversidade. Em Portugal,
veis. Apostar nesta fileira estratégica, permite-nos também tornar o pinheiro-bravo também é usado há séculos para conservação
a nossa floresta mais resiliente, já que o pinheiro-bravo tem séculos da natureza, mas a sua importância social e económica é cada
de história com prova da sua “bravura” a defender o nosso territóvez maior. apesar disso, os pinhais-bravos têm visto a sua área
rio da erosão e da seca.
decrescer nos últimos vinte anos. Entre 1995 e 2015, perdeu-se cerca de 27% da área de pinhal-bravo, especialmente associado ao impacto dos incêndios florestais, que atingem pinhais jovens ainda Potencialidades da fileira do eucalipto sem semente suficiente para rearborizar o pinhal de forma natural.
O facto de a maioria dos pinhais pertencerem a proprietários pri- O género eucalipto inclui mais de 700 espécies, quase todas vados, associados à fragmentação e à pequena dimensão da proprie- provenientes da austrália. Em Portugal, os primeiros exempladade são um desafio à sua gestão activa: 69% da área de pinheiro- res de Eucalyptus foram plantados entre 1820 e 1830, como -bravo encontra-se em manchas de dimensão inferior a 10 hectares. árvores ornamentais nos principais Parques e Jardins, devido Outros desafios são as invasoras lenhosas e as pragas e doenças, das à diversidade de porte, folhas, cascas, flores, frutos e aromas. quais a mais conhecida é o nemátodo da Madeira do Pinheiro. no actualmente, o eucalipto glóbulos é a espécie com maior entanto, apesar de todas estas condicionantes, 94% dos povoamentos expressão no país, ocupando cerca de 26% da área florestal, apresentam uma mortalidade baixa ou nula, confirmando a resiliência e serve essencialmente a indústria da pasta e papel. no endesta espécie autóctone. A gestão florestal activa é a chave para todos tanto, existem outras utilizações secundárias da espécie e as estes desafios e a certificação da gestão pode ser um caminho para lá suas folhas podem inclusivamente ser também aproveitadas chegar. em chá, arranjos florais ou para a produção de óleo essena importância da Fileira do pinho é notória, representando 81% dos cial, muitas vezes utilizado no tratamento de gripe, rinite, postos de trabalho, 88% das empresas e 44% do volume de negócios asma e dor muscular.
A produção de fibras para a indústria têxtil começa igualmente a ganhar relevo, através do uso de fibras sustentáveis de celulose, conhecida como viscose, em peças de vestuário.
Já aqui referimos que a floresta funciona como sumidouro de carbono e só a fileira de eucalipto pode contribuir com mais de 30 milhões de toneladas de cO2 armazenado em 10 anos. Por outro lado, o papel e o cartão, são uma excelente alternativa aos plásticos de utilização única. De facto, temos na nossa floresta, um verdadeiro aliado contra as alterações climáticas e para um mundo mais sustentável.
O eucalipto é actualmente uma das espécies mais relevantes da floresta portuguesa. Ainda assim, a fileira importa o equivalente a 180 milhões de euros de madeira, o que reflecte a sua importância.
O desenvolvimento desta fileira tem sido também essencial enquanto fonte de rendimento para os proprietários, o que pode permitir alavancar o investimento em outras espécies, uma vez que os proprietários passam a ter mais capacidade para investir.
Sabemos que as plantações, e em particular as associadas ao eucalipto, são muitas vezes acompanhadas de alguma polémica, mas sem dúvida que devemos reconhecer o seu papel, para atingirmos um equilíbrio no ecossistema. As florestas de produção, permitem-nos retirar “pressão” sobre as áreas de conservação ou florestas nativas que não devem ser exploradas. A verdade é que num mundo industrializado como o que vivemos, precisamos de bens de origem florestal, muito deles essenciais, como papel higiénico, embalagens e até produtos de protecção hospitalar, como máscaras, tão faladas nestes últimos tempos.
Acima de tudo, é importante garantir que a exploração desses produtos não compromete valores ambientais e sociais, facto que pode ser assegurado através dos processos de certificação florestal.
Mas quando falamos de eucalipto, não falamos apenas de produção. talvez não saiba, mas na Mata nacional de Vale de canas, às portas de coimbra, existe um extraordinário exemplar de eucalipto que, com 140 anos e mais de 72 metros de altura (equivalentes a um prédio de 24 andares), que já foi identificado como a maior árvore de toda a Europa. Potencialidades da fileira do montado e da cortiça
O montado é um ecossistema muito particular, e pode ser compostos por sobreiros e/ou azinheiras. Característico da Bacia do Mediterrâneo, e por isso presente na Península ibérica, argélia e Marrocos, é em Portugal que tem a sua maior expressão, com cerca de 33% da área mundial. a nível nacional, os montados de sobro e azinho contam com cerca de 1 milhão de hectares, e representam aproximadamente 1/3 da nossa área florestal. como referido anteriormente, o montado é um ecossistema único, e está classificado com um dos 36 hotspots de biodiversidade do mundo. isto significa que é uma das áreas mais ricas em termos de fauna e flora. Águia-de-bonelli, águia-imperial-ibérica, cegonha-preta ou mesmo o lince-ibérico, são alguns dos animais que dependem dos montados para sobreviver. a sua relevância em termos ambientais passa também por desempenhar importantes funções de conservação do solo, na qualidade da água e na produção de oxigénio e sequestro de carbono, em suma, os chamados bens e serviços dos ecossistemas. Em termos socioeconómicos, estas áreas são igualmente relevantes. Portugal é o principal exportador mundial de cortiça, e mais concretamente de rolhas, rondando os 900 milhões de euros anuais. Esta é a única actividade económica em que o nosso país é líder mundial, e da qual dependem mercados como o dos Estados Unidos, que abastece cerca de 80% do seu consumo de cortiça em Portugal, França ou Itália, em que 90% das exportações de rolha são geridas pelo nosso país. no caso dos montados de azinho, destacamos a produção de bolota, não só porque permite uma valorização do território, como pelas suas propriedades benéficas para a saúde. Talvez não saiba, mas a bolota é rica em muitos nutrientes, o que faz dela um superalimento que já foi muito utilizado no passado e que volta agora a ter procura devido ao seu elevado potencial para a nossa dieta. Do montado associado à extracção de cortiça, é igualmente significativa a interação entre as pessoas e a natureza, criando trabalho e rendimento para centenas de comunidades locais, quer pela actividade directa de extração de cortiça, quer por actividades complementares como a apicultura, a produção de cogumelos ou o ecoturismo, permitindo desta forma o combate ao êxodo rural. A importância destas áreas reflectem-se ainda no seu estatuto legal.
O montado é legalmente protegido, não sendo permitida a sua reconversão, e o sobreiro foi em 2011 consagrado Árvore nacional de
Portugal.
Mas nem tudo são boas notícias, na última década temos assistido à degradação das áreas de montado, resultado de políticas incorretas e de gestão inadequada. A certificação florestal pode ter aqui um papel importante, não só pela implementação de boas práticas no terreno, mas por contribuir para o reforço da sustentabilidade na economia da cortiça ao abrir novas oportunidades de mercado.
Para terminar, deixamos-lhe uma curiosidade sobre o tema. Sabia que um sobreiro pode viver mais de 200 anos e que ao ser explorado de 9 em 9 anos, um único sobreiro pode produzir cerca de 34.000 rolhas durante toda a sua vida? * Joana Faria - FSc Portugal