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União Europeia “não pode travar as novas técnicas genómicas”

Conclusões do webinar promovido pelo CiB e a CAP

união europeia

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“não pode travar as novas técnicas genómicas”

O Pacto ecológico e o PePAC não podem ignorar a biotecnologia. esta foi uma das principais conclusões do webinar que o Centro de informação de Biotecnologia (CiB) e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP).

Neste encontro debateu-se a importância da biotecnologia para o cumprimento das metas definidas na estratégia do Prado ao Prato e questionou-se se o Pacto ecológico e o Plano estratégico da Política Agrícola Comum refletem essa importância.

Com uma população mundial em crescimento, a que se juntam todos os grandes desafios que se adivinham para a agricultura nos próximos anos, nomeadamente as alterações climáticas, pragas e doenças emergentes, eventos de pandemia e guerra, será que as grandes estratégias europeias permitirão manter a segurança alimentar? Será que a União Europeia poderá menosprezar, tal como fez no passado, o papel das novas ferramentas biotecnológicas na produção mais eficiente e sustentável de alimentos? Neste encontro virtual, a resposta foi consensual: não. Numa breve nota inicial, o diretor-geral da CropLife Europe destacou o “princípio fundamental” de que “a sustentabilidade, a biodiversidade e a agricultura podem e devem coexistir” e que

“a modificação genética é parte da solução”. Olivier de Matos diz que os agricultores precisam de soluções variadas e inovadoras para enfrentar os desafios atuais. “A biotecnologia deve fazer parte da caixa de ferramentas dos agricultores europeus para promover um abastecimento alimentar mais sustentável e resiliente”, salientou.

Mas, ao contrário do que acontece noutros países fora da Europa, onde as novas tecnologias estão a ser rapidamente desenvolvidas e adotadas, as regras atuais da União Europeia dificultam o desenvolvimento e a disponibilidade dos produtos obtidos pelas Novas

Técnicas Genómicas (NGT) aos agricultores europeus, Olivier de Matos enfatizou que “essa situação tem um impacto na inovação e na competitividade do continente europeu”.

Referindo-se à dependência da UE das importações das culturas ricas em proteínas para alimentação animal, o diretor-geral da CropLi-

fe Europe afirmou que a guerra na Ucrânia tornou uma vez mais evidente a importância do fornecimento de matérias-primas para alimentação animal que, devido aos atuais atrasos no processo de autorização de importação de algumas culturas GM, continuam a criar barreiras desnecessárias ao comércio e incertezas na cadeia de valor.

“A europa, em 2022, está a usar tecnologias de melhoramento de plantas com mais de 50 anos”

tipo de variedades”, afirma a sub-diretora da DGAV, Ana Paula Garcia, adiantando que se prevê que “a Comissão apresente no segundo trimestre deste ano uma proposta de regulamento que venha efetivamente dizer como é que as novas técnicas (mutagénese e cisgénese) devem ser enquadradas em termos de avaliação de risco na legislação comunitária”. Para a sub-diretora da DGAV, é inquestionável a necessidade de ter “variedades mais resistentes a pragas e doenças e que possam apoiar os agricultores na transição que a Comissão pretende que se faça no âmbito da estratégia

O investigador e professor da Universidade de Coimbra e Farm to Fork”. também presidente do CiB, Jorge Canhoto, lamentou o facto de a Europa, em 2022, estar a usar tecnologias de melhora- “Sem melhoramento teria havido uma perda mento de plantas com mais de 50 anos, tendo disponível tec- de 20% da produção agrícola na europa” nologias recentes que permitem modificar as plantas de uma forma muito mais objectiva face ao objectivo que pretendemos. “O que continuamos a fazer é basicamente cruzamentos e sele- O presidente da ANSEME, António Sevinate Pinto, ção, o que não faz muito sentido”, referiu Jorge Canhoto. destacou os resultados de um estudo da Eurocid que

Se o potencial das NGT é imenso, porque são então alvo de demonstra a importância do melhoramento das plantas. contestação? A explicação de Jorge Canhoto é que “tudo o que Realizado em praticamente todos os países e versando envolve DNA assusta as pessoas” e as campanhas contra, dos uma dezena de culturas importantes, como os cereais, movimentos ecologistas, reforçam esse medo. Também a decisão a beterraba, o milho, a colza, o girassol, entre outras, do Tribunal de Justiça Europeu, em 2018, de submeter as NGT o estudo mostra que “sem melhoramento teria havido à regulamentação dos OGM “não favorece a aceitação” destas uma perda de 20% da produção agrícola na Europa”. tecnologias. Jorge Canhoto salientou, no entanto, o avanço dado Para conseguir atingir os objetivos definidos nas espela Comissão Europeia no sentido de alterar esta legislação, refe- tratégias europeias, António Sevinate Pinto assegurou rindo ao estudo da CE publicado em Abril de 2021 que reconhece que “não podemos dispensar a biotecnologia, em parque a legislação dos OGM não é adequada às NGT e que por isso ticular as novas técnicas de melhoramento”. Para isso é importante refletir sobre uma alteração legislativa para que estas “há que encorajar e não dificultar o investimento nos novas tecnologias possam mais facilmente ser disponibilizadas aos melhoradores, reforçar a investigação de bases feita agricultores europeus. pelas universidades, apoiar as campanhas de sensibi-

“Há muitos anos que se discutem, a nível da UE, as novas técni- lização para combater a desinformação e promover cas de melhoramento. São sete ou oito técnicas de melhoramento a clarificação de conceitos e uma regulamentação que têm vindo a ser discutidas em grupos de trabalho, existindo já clara que permita que toda a atividade seja transpainúmeros documentos produzidos sobre esta matéria. No entanto, a rente e acima de tudo ser compreendida”, defendeu Comissão nunca apresentou, efectivamente, uma proposta legislativa António Sevinate Pinto. para podermos ter alguma certeza jurídica que diga respeito a este Quem não tem dúvidas que a aceitação da bio-

tecnologia vai acontecer é o presidente da CAP. Para Eduardo Oliveira e Sousa, a questão que se coloca é quando “a velocidade com que vai acontecer vai depender ou da força das circunstâncias (veja o exemplo da vacina para o vírus da Covid) ou da introdução de alguma razoabilidade na forma como as pessoas começam a entender estes assuntos”.

Eduardo Oliveira e Sousa lamentou que tenha sido a guerra na Ucrânia a obrigar a fazer uma reflexão acerca dos objetivos que estão na base do Pacto Ecológico Europeu. “A Estratégia Farm to Fork, a Estratégia para a Biodiversidade, a meta de alcançar 25% do território em agricultura biológica, etc., tem de estar agora em stand by enquanto não percebermos o que é que vai acontecer ao mundo. Penso que um bocadinho de excesso de cautela na fase em que estamos é capaz de ser sensato, porque a crise alimentar é muito rápida a aparecer. Assim que começar, assim que os barcos não conseguirem circular, os contingentes de matérias-primas e de bens alimentares a ficarem retidos nas suas origens, a concorrência dos poderosos a deitarem mão ao pouco que venha a circular, nós passamos a ficar sujeitos a uma crise que pode ganhar dimensões muito preocupantes. Por isso convém pensar na forma de ir ultrapassando isto”.

Respondendo à pergunta do webinar, o presidente da CAP foi peremptório, ao afirmar que “o Pacto Ecológico e o PEPAC não podem ignorar a biotecnologia. A UE não pode travar as NGT. A força das circunstâncias vai levar a que os processos ganhem outra dinâmica”. Da parte dos agricultores, assegura, existe recetividade para acolher as novas técnicas de melhoramento de plantas.

“em 2022 ninguém é capaz de apontar um único problema ambiental e de saúde pública relativo aos OGm”

Outra questão abordada no evento foi a comunicação. Será que o público está a ser bem informado sobre as Novas Técnicas Genómicas? O que podem os cientistas fazer para comunicar melhor os benefícios da biotecnologia na produção de alimentos?

Jorge Canhoto acentuou que é na Europa que a resistência se manifesta mais. O investigador afirma que a oposição, muito incentivada por grupos ambientalistas, não faz sentido face às evidências científicas. “Desde 1996 já foram produzidos milhões e milhões de toneladas de OGM, os animais já comeram OGM, nós já comemos OGM, e em 2022 ninguém é capaz de apontar um único problema ambiental e de saúde pública relativo aos OGM. Isto mostra que são seguros dentro daquilo que podemos dizer que uma coisa é segura. Temos que confiar nos organismos que regulam a produção destes alimentos – a EFSA, na Europa, e a FDA, nos EUA.

Não obstante, como referiu Jorge Canhoto, um inquérito mostra que de 2010 a 2019 a perceção das pessoas relativamente à biotecnologia tem melhorado, especialmente nos países da Europa Central (Alemanha, Áustria e países nórdicos). “Acho que a pouco e pouco as pessoas vão-se apercebendo que estas tecnologias, para além de não serem prejudiciais em termos de saúde pública e ambientais, têm um papel importante nesses aspetos. Ou seja, atualmente é possível produzir alimentos que são enriquecidos com determinados componentes, como por exemplo o arroz dourado que é produzido com betacaroteno e pode suprir simultaneamente deficiências alimentares e resolver problemas relativos à visão em algumas populações do globo. Por outro lado, é inequívoco que este conjunto de técnicas podem ser extremamente importantes face às alterações climáticas que estamos a viver e ao aparecimento de novas pragas e doenças nas culturas”. Ainda no que respeita à comunicação de biotecnologia, Ana Paula Garcia salienta que é importante haver coerência da parte das entidades públicas com responsabilidade na aprovação de OGM e de produtos fitofarmacêuticos nesta matéria. “Temos que ser coerentes. Se aprovamos é porque consideramos seguro e temos que defender essa ideia. Isso tem falhado em Portugal e em praticamente todos os países da União Europeia”. Eduardo Oliveira e Sousa acrescentou que “a solução está no conhecimento” e este “tem de ser reconhecido, em primeiro lugar pelos organismos oficiais”. A encerrar o evento, o secretário-geral da CAP, Luis Mira, considerou que a Europa está a enfrentar, do ponto de vista alimentar, o maior desafio depois da Segunda Guerra Mundial e que a questão que se coloca objetivamente é se a Política Agrícola responde às necessidades dos cidadãos europeus. Para Luís Mira, a resposta é não. Referindo-se à lentidão de toda a estrutura europeia em adaptar-se à mudança radical de circunstâncias como aquela que estamos a viver, Luís Mira afirmou que “talvez seja uma oportunidade para se rever as posições sobre a biotecnologia”. “Estas novas técnicas genómicas são instrumentos vitais para apoiar a reprodução vegetal e o setor agrícola como um todo. Não vejo como é que se poderá passar sem elas, como é que se poderá desperdiçar esta oportunidade. E se a Europa continuar a teimar em não permitir na sua plenitude a utilização destas técnicas, nós vamos ficar cada vez mais atrasados face a outros países que estão a utilizar esta tecnologia e depois exportam para cá os produtos que nós precisamos. É altura de a Europa acordar, esperemos que essa seja uma das vantagens das circunstâncias que estamos a viver”, acrescentou Luis Mira.

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