N.º 213
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Saúde I Natureza I História I Sociedade I Ciência I Tecnologia I Ambiente I Comportamento
Mensal Portugal (Continente)
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Janeiro 2016
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TESTE Qual é o seu nível de ansiedade?
Como vencer o
STRESS Futurologia Antropologia Ambiente Brinquedos Porque nunca O novo primo Defender Os bons, os maus acertamos? do homem as sementes e os outros
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SUPER
Interessante
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A R A P RES Ó S O ADO V O N N O I C C E COL
25 ANOS DO
HUBBLE
REVELADOS OS SEGREDOS DO UNIVERSO NAS BANCAS A 18 DE DEZEMBRO
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Viver com o stress
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referência ao livro Admirável Mundo Novo, na secção Sociedade Digital desta edição, fez-me regressar aos 12 anos, altura em que o li pela primeira vez, e ao fascínio que então senti por Shakespeare, que praticamente desconhecia mas é abundantemente citado por Aldous Huxley. Ficou-me especialmente gravada na memória uma passagem de Hamlet (o próprio título, Brave New World, é uma citação de A Tempestade): “Há mais coisas no céu e na Terra, Horatio, do que as sonhadas pela tua filosofia.” Podemos transplantar a tirada do bardo para a atualidade, para este mundo novo que diariamente desbravamos, e pensar no ritmo alucinante a que temos de nos habituar às coisas que vão surgindo no céu, na Terra e nos ambientes virtuais em que cada vez mais se passa a nossa vida. A ansiedade gerada por tanta novidade quase nos faz esquecer, como diz a letra de um fado de Camané, “a razão por que corremos”. É disso que se trata: só vale a pena correr enquanto soubermos por que corremos. Regressando a Shakespeare, quando a nossa filosofia se esgota no economês obrigatório de qualquer comentador televisivo que se preze, estamos provavelmente a ignorar outras dimensões da vida: talvez a dimensão política, talvez a dimensão social, talvez a dimensão ética. Talvez se prestássemos mais atenção a essas outras dimensões pudéssemos conviver melhor uns com os outros, com menos stress. Consideremos isto como uma ideia a contemplar durante o ano que agora entra: há mais coisas no céu e na Terra... Eu, por mim, vou tratar de reler o Admirável Mundo Novo (e o 1984, já agora). C.M.
TECNOLOGIA
Rolls-Royce em altura HISTÓRIA
Superstição anual CIÊNCIA
Previsões falhadas MEDICINA
Curados por acidente ANTROPOLOGIA
O Homo naledi
AIRBUS
MARK THIESSEN / NATIONAL GEOGRAPHICMAGAZINE
DOCUMENTO
Vencer o stress PSICOLOGIA
O segredo dos brinquedos FÍSICA
A evolução do universo ASTROFÍSICA
Em busca das origens Primo distante Numa parte quase inacessível de uma gruta sul-africana, foi descoberto o Homo naledi, mais uma linhagem inesperada do género humano. Pág. 44 Brincar com coisas sérias Para as crianças, Natal é tempo de brinquedos. Para alguns pais, é fonte de novas preocupações. Um brinquedo tem mesmo de ser “educativo”? Pág. 62
Assi e c Saúde I Natureza
u c ique!
amento ia I Ambiente I Comport e I Ciência I Tecnolog I História I Sociedad N.º 213 00213
A força da lei Na sua busca incessante de mais conhecimento, os cientistas deparam-se com limites impostos pelas leis naturais. Como contorná-las? Com métodos “ilegais”... Pág. 72
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ESO / G. HÜDEPOHL
CORBIS
Mundo em movimento É um dos grandes dilemas do nosso tempo: toda a gente quer viajar, mas os aviões são responsáveis por uma grande parte da poluição. Solução: motores mais eicientes, como o Rolls-Royce Trent XWB. Pág. 22
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FÍSICA
Janeiro 2016
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Os limites da natureza ANIMAIS
Rastrear as aves AMBIENTE
As novas arcas de Noé ARTE
Um mergulho na cidade
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SECÇÕES Observatório
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O Lado Escuro do Universo
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Motor
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Super Portugueses
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Histórias do Tejo
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Caçadores de Estrelas
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Sociedade Digital
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Flash
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Marcas & Produtos
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Observatório
Em cima, à esquerda, o enólogo Chuck Gergley analisa a sua última produção. À esquerda e à direita, Christopher Nicolson, da companhia Red Hook Winery, provando um branco diretamente do barril e mexendo as uvas. Em cima, cepas da Rooftop Reds plantadas no terraço dos antigos estaleiros militares de Brooklyn Navy Yard. Em baixo, Chuck Gergley, Luigi Picotti e Jacqueline Dresser nas instalações da Brooklyn Winery.
Vinhateiros de Nova Iorque
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s tarefas de Chuck Gergley, enólogo da Brooklyn Winery, incluem plantar as cepas, prensar as uvas e elaborar o tinto da sua autoria, mas também atravessar o cruzamento e fazer parar o denso trânsito nova-iorquino para permitir a manobra do camião que distribui os seus produtos. Com outros amantes do vinho, Chuck faz parte de um florescente movimento de enologia urbana que já inclui oito produtores
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em Nova Iorque. Embora parte das uvas venha de outras zonas do estado, algumas das adegas, como a Brooklyn Winery e a Red Hook, em Brooklyn, ou a City Winery, em Manhattan, fazem todo o processo na grande metrópole, nos terraços ou em espaços livres junto ao rio, por exemplo. Cabernet sauvignon, merlot, malbec e petit verdot são as castas mais usadas pelos entusiastas do tinto e do branco made in NY.
O Lado Escuro do Universo
Depois dos WIMPs, os SIMPs
FOTOS: BRYAN THOMAS/THE NEW YORK TIMES
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s neutralinos, enquanto paradigma quase-canónico do que deve ser a massa escura, são simultaneamente amados e odiados. Se vierem a ser descobertos, conheceremos finalmente parte da natureza escura do universo e ao mesmo tempo provar-se-á a existência da supersimetria. Ficará, porém, o ónus de termos de encontrar futuramente a panóplia de parceiros fermiónicos e bosónicos de todas as partículas que já conhecemos até hoje. Quem já desistiu de encontrar a Susy (como lhe chamam enternecidamente os seus adeptos) vê com bons olhos teorias alternativas aos neutralinos, que são partículas massivas de interação fraca, ou WIMPs na sigla inglesa. Entre essas teorias alternativas mais recentes estão os SIMPs, que interagem fortemente entre si (daí a sua sigla inglesa), ao contrário dos neutralinos. O amor aos WIMPs resulta por começar por explicar porque são as galáxias compactas, em vez de deixarem perder quase todas as suas estrelas para o espaço intergaláctico. No universo primitivo, mais quente e denso, haveria muito mais WIMPs do que hoje. Ao colidirem entre si, aniquilavam-se mutuamente, produzindo duas partículas “normais” – ocorrendo cada vez menos colisões (do tipo 2 para 2) à medida que o universo arrefeceu e se expandiu. Tendo em conta ainda a intensidade da interação nuclear fraca, sobraram apenas os WIMPs que constituem a massa escura de hoje – ou seja, cerca de cinco vezes mais do que a matéria “normal”, precisamente como requerido pelas observações que implicam a necessária existência da massa escura. Esta “coincidência” numérica, ou o “milagre” dos WIMPs, tornou-os muito populares – continuando, porém, sem dar sinais de vida categóricos. Além disso, interagindo fracamente entre si, as simulações cosmológicas com WIMPs apontam para a existência de muito mais galáxias anãs do que as descobertas até hoje – e com densidades centrais muito elevadas em contraste com as observações astronómicas. Nada obriga tais simulações, porém, a assumir que a massa escura praticamente não interage entre si – e é aqui que entram os SIMPs, com massas bem mais baixas (cerca de 1/10 da massa do protão) do que os WIMPs, que poderiam chegar mesmo a mil vezes a massa do protão. As interações fortes dos SIMPs entre si aplanariam os picos de densidade previstos para os WIMPs, mas não observados. Para que possa igualmente acontecer o “milagre dos SIMPs”, para que produzam a quantidade necessária de massa escura no universo, as suas reações de aniquilação terão de obedecer a um delicado equilíbrio,
sendo mais do tipo 3 para 2, em que apenas sobrevivem dois SIMPs na interação inicial de três. Com menor frequência, poderão também aniquilar-se em reações do tipo 2 para 2 (como os WIMPs), produzindo, portanto duas partículas normais. A interação dos SIMPs entre si será tão forte como a dos quarks nos nucleões, mas apenas terão interação muito fraca com a matéria “normal” (essencialmente, com trocas de calor). Outros argumentam que coisas mais simples, como gás aquecido nos centros gravíticos das galáxias, podem explicar a menor densidade central das galáxias anãs, sem ser necessário invocar ideias novas como os SIMPs. Para já, trata-se essencialmente de reanalisar o paradigma dos WIMPs, mostrando que podem existir classes de partículas com propriedades totalmente diferentes. Por exemplo, as supostas colisões de WIMPs com matéria normal e subsequentes recuos nucleares serão para esquecer – naquilo que é a essência de uma vasta maioria de experiencias criogénicas escuras (em que também eu cheguei a trabalhar durante algum tempo). Os SIMPs, menos maciços, não conseguem dar tais “pancadas” nos núcleos, devendo sim procurar-se sinais das suas interações com eletrões – numa modiicação de paradigma experimental a esse nível. Com algum sentido de humor, podemos então perguntar que tipos de “simpsões” serão de esperar nesta nova classe de partículas. Homer, até hoje o mais famoso dos Simpsons, numa crise de meia-idade em que resolveu enveredar por menos donuts e mais ciência, terá estado perto de calcular a massa do bosão de Higgs, num dos episódios mais antigos, que tinha físicos e matemáticos entre os guionistas. Não precisaremos de esperar por novos episódios dos Simpsons, pois os piões escuros aí estão como grande candidato a SIMP. Os piões e os kaões são mesões, portanto compostos por quarks e antiquarks. Tendo a física dos piões escuros algumas semelhanças com o que acontece, por exemplo, na aniquilação de dois kaões para três piões, os piões escuros terão quarks escuros e gluões escuros, mas diferentes dos quarks e gluões “normais”. Com menos massa do que os WIMPs, será mais fácil aos aceleradores de partículas testar a existência destes SIMPs. PAULO AFONSO Astrofísico
N.R. – Paulo Afonso escreve segundo o novo acordo ortográico, embora sob protesto.
Interessante
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Observatório
Os olhos de Magalhães
O GTM, com um espelho primário de 24,5 metros de diâmetro, será o maior telescópio ótico do mundo. A primeira luz está prevista para 2021.
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CREDITO
oi iniciada no deserto chileno de Atacama, um dos melhores locais do planeta para o estudo do cosmos, devido à sua atmosfera seca e à altitude, a construção do maior telescópio do mundo. Batizado como Telescópio Gigante Magalhães, ficará situado no observatório astronómico de Las Campanas, que é controlado pela Instituição Carnegie para a Ciência (Estados Unidos). Quando estiver terminado, terá um enorme espelho primário de 24,5 metros de diâmetro e 12,5 toneladas de peso. Se a construção se desenrolar como previsto, estará completo em 2024. A partir desse momento, crê-se que poderá obter imagens dez vezes mais nítidas do que as do telescópio espacial Hubble. Para consegui-lo, cada um dos sete segmentos que formarão o espelho tem de ser polido com uma precisão extraordinária: o erro não pode ser superior a 25 nanómetros (25 milionésimos de milímetro), mais ou menos o tamanho de um vírus. O custo do instrumento será proporcional às suas dimensões: mais de mil milhões de dólares. Dessa verba, o consórcio que ergue o telescópio, e que agrega diversos centros de investigação e universidades dos Estados Unidos, da Austrália, do Brasil e da Coreia do Sul, já conseguiu 500 milhões. Com um dos segmentos do espelho já construído e mais três em execução, espera-se que possa fazer as primeiras observações em 2021.
A OPINIÃO DO LEITOR Primeira BD portuguesa No artigo O Génio da Sátira [SUPER 211], sou várias vezes referido, sendo sublinhada alguma investigação que tenho feito nestas matérias, bem como o comissariado da exposição A Criança na BD no Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora deste ano, e ainda a reedição da fase inicial e mais importante de Quim e Manecas, na Tinta da China. Em termos gerais, parece-me um trabalho cuidado e abrangente sobre Stuart, salvo um ou outro lapso (Rafael Bordalo Pinheiro morreu em 1905 e não 1904, o último Quim e Manecas é de 1953 e não 1954, referir “aquelas pequenas pranchas” em relação à fase inicial do Quim e Manecas n’O Século Cómico dá uma ideia errada, pois o formato era sensivelmente
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SUPER
tabloide...). É em relação à “caixa”, em que se fala da primeira BD portuguesa, que não posso deixar de vir fazer uma correção importante. Sublinho ser importante, pois de outra forma quem no presente e no futuro ler a peça em causa poderá legitimamente pensar que o que é airmado corresponde ao meu pensamento sobre esse assunto, o que não é exato. Sublinho que este lapso pode ter resultado de algum resumo ou comentário não suicientemente pormenorizado, mas é importante. Eu não defendo que a primeira BD portuguesa seja o álbum Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro Sobre a Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa. Basta consultar o livro de que sou coautor com Carlos Bandeiras Pinheiro, Das Conferências do Casino à Filosoia de Ponta (Bedeteca de Lisboa, 2000), para se perceber
que mesmo que se considere Bordalo o primeiro autor de BD português, a obra para que remete o título é anterior. O meu (nosso) pensamento ica bem resumido na página 14 desse livro, em que – e não falando em obras mais antigas – se evocam as primeiras BD em meados do século XIX e os pioneiros Nogueira da Silva e Manuel de Macedo. Depois, sim, destaca-se a grande igura que foi Rafael Bordalo Pinheiro, e que a sétima folha de A Berlinda, Conferências Democráticas, de 1871, “é considerada pela maior parte dos investigadores como a sua primeira banda desenhada indiscutível. Segue-se, em 1872, o primeiro álbum português de BD”, já referido. João Paulo de Paiva Boléo N.R. – Fica o esclarecimento, com o nosso pedido de desculpas aos leitores e ao autor.
Escreva para superinteressante@motorpress.pt. Não podemos publicar todas as cartas, e as que publicarmos serão editadas.
Motor
Raio X
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O robô chamado Ruth
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perceção de qualidade dentro de um automóvel é uma área a que os consumidores dão cada vez mais importância mas que tem uma componente subjetiva muito grande. Longe vão os tempos em que um botão fazia o barulho decorrente do seu funcionamento. Hoje, tudo é passível de ser afinado e ajustado à medida dos gostos da maioria dos clientes. Com uma amostra representativa de clientes, é possível a uma marca de automóveis determinar qual o som e o tato preferidos para cada botão do interior, a textura e a dureza preferidas para um revestimento ou até a rigidez mais apreciada para a pele que forra um banco. A dificuldade está em transformar estas sensações em dados matemáticos que possam ser facilmente reproduzidos. Para resolver esta equação, a Ford tomou a iniciativa de conceber um robô chamado Ruth (Robotized Unit for Tactility and Haptics), que tem um braço com seis articulações e a faculdade de “sentir” e gravar
CARRO DO MÊS
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Opel Astra 1.6 CDTI
esponder às críticas mais frequentes e resolver a maior das limitações do anterior modelo foi o principal objetivo da Opel, ao lançar o novo Astra. Com a introdução de uma nova plataforma, designada internamente como Delta 2, o Astra reduziu o peso total e passou a estar equiparado aos principais rivais do segmento. Isto permitiu entrar numa espiral virtuosa, em que a redução de pesos permitiu reduzir a dimensão de outros componentes, nomeadamente a nível de motores. Para o mercado português, a versão mais procurada espera-se que seja a que utiliza o motor Diesel 1.6 CDTI, que está disponível com dois níveis de
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SUPER
a pressão e o som de tudo aquilo em que os seus sensores tocam, no interior do habitáculo de um automóvel. Os sensores do Ruth permitem também analisar a textura de um material, como os plásticos ou os tapetes, e definir se é aquela de que os clientes mais gostam, cruzando o que “sente” com a informação recolhida pelos técnicos da marca em estudos de preferências de clientes. As articulações do robô permitem-lhe tocar em todos os pontos do habitáculo da mesma maneira como um condutor ou passageiro o faz, tornando assim mais realista a recolha de informação, durante a fase de projeto. Por fim, a possibilidade de gravar todo o tipo de sons gerados no interior do automóvel permite também trabalhar a acústica da maneira mais apreciada pelos compradores: por exemplo, o som do fechar de uma porta, visto por tantos automobilistas como o cartão de visita da qualidade de um carro. O Ruth permite acelerar a calibração de vários dos componentes presentes num automóvel.
potência: 110 e 136 cavalos. Ao volante da versão menos potente, rapidamente se percebe que cumpre muito bem as exigências que se colocam a um familiar compacto, seja em termos de prestações, em que se mostra muito à vontade, seja nos consumos, registando valores abaixo da média do segmento. A condução ficou também mais fácil porque a direção de assistência elétrica tem uma calibração que a deixou mais leve, sem perder em precisão, e a caixa manual de seis relações é fácil de usar. O comportamento em estrada ficou também mais dinâmico, notando-se que o ganho em peso tornou o Astra mais preciso e ágil. Por fim,
Lexus RX 450h
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Lexus acaba de lançar a quarta geração do seu SUV híbrido, o RX 450h. Este modelo de topo representa um terço das vendas da marca a nível global, com especial incidência no mercado dos Estados Unidos. Vejamos alguns dos seus pormenores mais interessantes. 1 – Motor de injeção direta a gasolina, V6 com 3,5 litros de cilindrada, 24 válvulas e variador de fase duplo. Debita 262 cavalos às 6000 rotações por minuto e 335 newtons-metro às 4600 rpm. 2 – Acoplado ao motor V6 a gasolina, está um motor elétrico síncrono que debita 167 cv e 335 Nm, responsável pelo arranque do carro, em modo 100% elétrico, e sobretudo
Opinião
A força dos Estados Unidos
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tem uma função de apoio ao motor a gasolina, em praticamente todas as situações de condução. Em travagens e desacelerações, funciona como um gerador, transformando a inércia do veículo em energia elétrica que é armazenada nas baterias. 3 – Motor elétrico traseiro com 68 cv e 139 Nm. Tem por missão mover as rodas traseiras, alimentado pelas baterias, fornecendo assim tração às quatro rodas. 4 – As baterias estão colocadas sob o banco traseiro. São de hidreto metálico de níquel, compostas por 240 células individuais. Funcionam a uma tensão nominal de 288 volts. 5 – A suspensão tem, em opção, amortecedores de controlo eletrónico e individual, que variam
o amortecimento consoante o piso. Também como opção, há um sistema de barras estabilizadoras ativas, que são desativadas em reta, para melhorar o conforto, e acopladas em curva, para reduzir a inclinação lateral. A Lexus chama ao efeito combinado de ambos os sistemas “o princípio Skyhook”, como se o veículo estivesse pendurado de um gancho. 6 – Cabos de alta voltagem são a única ligação entre as partes dianteira e traseira do RX 450h, não existindo um veio de transmissão. Combinando os três motores, o V6 a gasolina e os dois elétricos, a potência máxima é de 313 cv e o consumo combinado anunciado de 5,2 litros aos 100 quilómetros.
o espaço nos lugares do banco traseiro mostra-se generoso, sobretudo em comprimento. O tablier e a consola central foram muito simplificados, face ao modelo anterior, e a lista de equipamento opcional passou a incluir escolhas pouco comuns no segmento, como os faróis de matriz de LED ou o sistema OnStar, que permite chamadas para um centro de informação e emergência. Os preços, para o 1.6 CDTI, começam nos 24 270 euros.
Lexus foi criada em 1989 como a marca de luxo da Toyota, para rivalizar com as marcas alemãs, sobretudo no mercado dos Estados Unidos. O resultado dificilmente poderia ter sido melhor, com os primeiros modelos lançados do outro lado do Atlântico a registarem sucessos de vendas e a convencerem os críticos mais exigentes. Na altura, a berlina LS chegou a ser considerada por alguns observadores como um melhor automóvel do que o Mercedes-Benz mais luxuoso da altura, o Classe S, mas, de uma certa forma, o sucesso norte-americano tornou a marca refém desse mercado. Quando tomou a decisão estratégica de apostar forte nas motorizações híbridas e deixar de ter versões com motores Diesel, deu clara prioridade ao mercado dos Estados Unidos, em relação ao europeu, onde os motores a gasóleo têm um domínio claro, sobretudo nos segmentos mais caros, precisamente aqueles em que a Lexus opera. Para a Europa, a estratégia passou a ser a de passar a mensagem aos consumidores de que a tecnologia híbrida tinha vantagens sobre os Diesel, algo que não deixou satisfeitos os concessionários, que estão no terreno e têm de lidar com a pergunta diária de alguns potenciais clientes: “Mas então a Lexus não tem Diesel?!” Ainda assim, resultado da entrada da marca em segmentos mais baratos, a Lexus tem conseguido aumentar as vendas na Europa, passando das 53 mil unidades em 2014 para as 60 mil, este ano, e com projeções que apontam para as 70 mil, no próximo ano. O objetivo para 2020 é chegar às 100 mil unidades. O maior SUV da marca, o RX, já vendeu 2,2 milhões de unidades, desde que foi lançado em 1998, precisamente nos Estados Unidos, sendo um pilar fundamental das vendas da marca, que, em 2014, atingiu as 582 mil unidades, em todo o mundo. É por isso um modelo importante, existindo em alguns mercados versões bem mais acessíveis do que a híbrida RX 450h, a única que vai estar disponível em Portugal, e cujo preço da versão mais acessível é de 82 mil euros. FRANCISCO MOTA Diretor técnico do Auto Hoje
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SUPER Portugueses
O rei pelicano Chamam-lhe “Príncipe Perfeito”. É um exagero, mas não há dúvida de que foi um dos governantes mais inteligentes que Portugal teve – e, possivelmente, terá.
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orquê “rei pelicano”? Por duas razões: primeira, é essa a “empresa” (tam bém se lhe pode cha mar emblema) de D. João II: um pelicano, ave que, segundo a lenda, fere o próprio peito para alimentar os filhos com o seu sangue. Segunda razão: esta imagem simboliza clara mente o governo do soberano. Uma monar quia autoritária, mas paternalista, toda votada à lei e à grei, como, aliás, reza a divisa que acompanha o pelicano: “Pola lei e pola grei”. Comecemos pela lenda: D. João II não foi um salvador da pátria, porque o seu pai e antecessor, D. Afonso V, também não foi o tonto que a historiografia romântica pintou e não deitou Portugal a perder. Aliás, nunca houve conflito entre os dois. Foi com o seu herdeiro, então com 16 anos, que D. Afonso V tomou Arzila e Tânger em 1471 e, três anos mais tarde, entregoulhe a direção da política atlântica, o que incluía as navegações e o des cobrimento de novas terras. Por outro lado, se D. João se fez aclamar rei em 1477, em San tarém, estando o seu pai ausente em França, foi porque recebeu uma ordem assinada por D. Afonso V. Quando este regressou, semanas depois, insistiu em devolverlhe o trono. Ah, mas conservou o poder efetivo, dirseá; é ver dade, só que podia ter conservado também a dignidade real, que o pai não pretendia. Outro esclarecimento: sob o ponto de vista pessoal, humano, o Príncipe Perfeito não é, de todo, uma figura simpática. “Mais rigoroso e severo que piedoso”; “foi havido por seco de condição e não humano”. São palavras do cronista Rui de Pina. Um só exemplo: o tra tamento dado por D. João II aos judeus que, expulsos de Castela, se refugiaram em Por tugal, é não só repugnante como, também, desleal, já que o rei não cumpriu as garantias
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que lhes dera. Neste aspeto, D. Afonso V énos bastante mais simpático. Garcia de Resende, cronista e admirador de D. João II, refere que, pouco antes de morrer, em Alvor, o rei, vergado enfim por muitos e vários remorsos, disse: “Não me conforteis, que eu sou tão mau bicho que nunca me ace navam que não mordesse.” Mordedura não raro fatal: aqueles que se lhe opunham tinham por hábito morrer; mesmo se não estavam, legalmente, condenados à morte; mesmo que estivessem em Castela ou em França ou em qualquer outra parte. Finalmente, para terminar com a parte len dária, digase que, ao contrário do que muita gente ainda hoje gosta de pensar, D. João II não foi infalível. Insistiu no perigoso erro – também cometido pelo pai e pelo sucessor, D. Manuel I – de tentar uma unidade ibérica sob alçada portuguesa; um erro e uma agressão semelhantes apontamos nós muitas vezes aos castelhanos e depois aos espanhóis, justifica damente, mas convém lembrarnos de que caí mos na mesma tentação. Outra possível falha: é quase certo que o rei já sabia da existência da terra que é hoje o Brasil, mas se assim foi preferiu concentrar toda a sua atenção no caminho marítimo para a Índia.
LÚCIDO E FRIO Segundo parece, as suas cóleras metiam medo. Deviam, porém, ser raras. D. João II era extremamente lúcido e extremamente frio. Não lhe faltava coragem física – logo aos 16 anos, deu muito boa conta de si no norte de África, e quando assumiu a regência, por ocasião da guerra com Castela, pôs também à prova as suas excelentes capacidades militares, além das administrativas. Foi justamente nessa guerra que ele deu uma primeira mostra do seu
raciocínio frio e calculista, embora as aparências fossem contrárias. Em janeiro de 1476, entrou em Castela com a sua hoste para reforçar o exército do pai; a 2 de março travavase a bata lha de Toro: enquanto a ala comandada por D. Afonso V era derrotada, as tropas de D. João varriam o inimigo. Então, o príncipe herdeiro declarou que, como vencedor, ficaria durante três dias no campo de batalha… Era um costume medieval, já em desuso. Bravata de jovem vencedor? Nem tanto. O prín cipe saberia que o resultado final da batalha não era claro – e, para ele, o que contava era o significado político da campanha; daí ter escolhido esta forma de proclamar vitória. Arriscavase a ser atacado e cercado logo que o exército castelhano se reconstituísse, porém terá considerado que valia a pena correr esse risco. Enfim, deixou que o arcebispo de Toledo – que defendia o partido de D. Afonso V – o convencesse a ficar, simboli ca mente, três horas apenas.
D. JOÃO II (1455–1495)
Com os anos, D. João II aprendeu, além do cálculo político, a astúcia. Ao saber da viagem de Co lom bo, reivindicou imediatamen te a posse da terra descoberta, o que conduziu a cerradas negociações com os Reis Católicos, Fernando e Isabel; ora, durante uma embaixada que ele enviou a Medina del Campo, os repre sentantes portugueses, quando leram as ins truções que o seu rei lhes enviara, perceberam que ele conhecia na perfeição tudo o que se passava na chancelaria castelhana e quais as intenções e a estratégia de Fernando e Isabel. Em suma: D. João II comprara informadores bem colocados, que pagava no maior segredo. Para os pro te ger, ofe re cia, publicamente, valiosos presentes a vários grandes senhores castelhanos – que estavam inocentes de traição, mas que assim se tornavam suspeitos aos olhos dos Reis Católicos. Outro exemplo: contase que, no âmbito da sua política do mare clausum (v. adiante), mandou para a costa africana, nas proximidades da Guiné, navios redondos,
A empresa e a divisa de D. João II.
A irmã santa
com carga, que eram deixados, desfeitos, para mostrar que embarcações daquele tipo não podiam vencer as correntes na viagem de regresso à Europa; ao mesmo tempo, proibia a venda de caravelas a estrangeiros. No entanto, o mais notável neste governante será, talvez, a sua capacidade de trabalho. É impossível referir, em espaço reduzido, tudo aquilo que fez num reinado que não foi além de catorze anos – e, como se sabe, a sua ação repercutiuse para lá desse período, pois que a célebre viagem de Vasco da Gama estava já planeada e preparada no tempo de D. João II. Julgase que duas razões impediram o rei de a mandar concretizar: uma, a morte (em 1491) do príncipe herdeiro D. Afonso, aos 16 anos, que destroçou o espírito do monarca; outra, a questão suscitada pela viagem de Colombo, realizada no ano seguinte, que obrigou o rei a pôr de lado o desânimo e a lançarse num cerrado jogo de ameaças e diplomacia. Aliás, tendo em conta a época, é quase alucinante o ritmo que D. João II imprimiu à sua ação: Colombo faz a viagem de descobrimento em 1492; regressa no ano seguinte e, em 1494, já Portugal e Castela assinam o Tratado de Tordesilhas, no termo de complicadíssimas negociações. Mais uma vez, o rei de Portugal mostrou a sua afinidade com o espírito da raposa: o tratado dálhe o domínio do Atlân tico Sul, essencial para garantir a exclusividade do acesso marítimo à Índia – e tam bém, para futuros usos, os direitos sobre o Brasil, ainda não oficialmente descoberto. É histori camente contestável este último argumento sobre a astúcia de D. João II, porque não há documentos que provem o seu conhecimento
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princesa Santa Joana tem, por si mesma, uma estatura tal que muitas vezes não a associamos à figura do seu irmão D. João II. No entanto, interveio na política do tempo: foi regente em 1471, quando D. Afonso V partiu em expedição ao norte de África, levando consigo D. João. Logo que pôde, D. Joana recolheu-se a um convento – primeira causa de atrito entre ela e o irmão. Não sabemos se D. João II amava a irmã; respeitava-a, certamente, mas exasperava-o a sua vocação religiosa. Quando ela se instalou no convento dominicano de Aveiro e tomou o hábito de noviça, ainda em vida do pai, D. João ameaçou-a de lhe arrancar o hábito se professasse – e nisto era apoiado pelos procuradores das vilas e cidades do reino; ainal de contas, a princesa estava na linha da sucessão ao trono. Outra fonte de irritação foram as repetidas e obstinadas recusas de D. Joana aos pedidos de casamento: Luís IX de França queria dá-la ao duque de Orleães; o imperador da Alemanha queria casá-la com o seu ilho Maximiliano de Áustria; vários outros príncipes pediram a sua mão. Recusou sempre. D. João II ameaçou-a – mas, ainal, eram da mesma raça: igualmente teimosos e corajosos. Em todo o caso, é signiicativo que o rei tenha escolhido a sua irmã para educar D. Jorge, o seu ilho bastardo, de quem ele quis, em vão, fazer seu sucessor depois da morte do príncipe D. Afonso.
Interessante
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SUPER Portugueses Logo no início do seu reinado, D. João II mandou construir o forte de S. Jorge da Mina. A cidade chama-se hoje Elmina e é uma atração turística do Gana.
O caso do papagaio
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rei D. João II era (podia e sabia sê-lo) inflexível em tudo quanto se relacionasse com a defesa dos direitos de Portugal. Como ficou dito, teve o cuidado de estreitar relações com a França, ao tempo governada por Carlos VIII, que o tinha em grande consideração. Isto não impediu que o rei português tomasse medidas extremas quando, “já pelos anos de 1492”, como relata António Caetano de Sousa (História Genealógica da Casa Real Portuguesa), navios corsários franceses tomaram uma caravela portuguesa que vinha da Mina, carregada de ouro. Os conselheiros e ministros de D. João II aconselharam-no a protestar junto de Carlos VIII antes de tomar qualquer medida, mas o rei repreendeu-os e ordenou o embargo imediato de todos os navios franceses que estivessem nos portos do reino – só em Lisboa, encontravam-se dez naus francesas, além de outras embarcações. Pormenor curioso: um dos executores desta decisão foi Vasco da Gama, o futuro herói da Índia, que se encarregou de aplicar o embargo em Setúbal e no Algarve. Calcula-se a consternação dos armadores franceses e das suas tripulações. O rei de França, a quem recorreram, não hesitou em ordenar a devolução da caravela e a punição dos responsáveis, além do que escreveu a D. João II uma carta com desculpas e protestos de amizade. Estes os factos históricos, aliás relatados por Garcia de Resende na sua crónica, mas Caetano de Sousa refere ainda que contam alguns autores, “não só portugueses, mas franceses”, que na restituição da carga roubada faltava um papagaio e que o rei avisou que só levantaria o embargo sobre os navios franceses quando fosse devolvido o papagaio – e este foi devolvido.
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Afonso II não esteve presente n a batalha de Navas de Tolosa, mas enviou as melhores tropas.
da existência de um continente no Atlântico Sul, além da África, mas, se faltam as provas materiais, são abundantes as circunstanciais, entre elas a delimitação das áreas de influência portuguesa e castelhana estabelecida no Tra tado de Tordesilhas.
CENTRALIZAÇÃO E EXPANSÃO
É justo recordar também a sua po lítica interna, que não se limitou à concentração de poderes na pessoa do rei. Em termos do que hoje se poderá chamar assistência social, o casal D. João II – D. Leonor teve uma ação que não deve ser ignorada: ela, ao criar – com o indispensável apoio do marido – as Misericór dias e o primeiro hospital termal da Europa, nas Caldas da Rainha; ele, ao lançar um plano de reorganização hos pi talar de que saiu a criação de um notável estabelecimento: o Hospital Real de Todos os Santos, também chamado Hospital dos Po bres. Sim: nesse tempo havia uma preocupação com a saúde dos pobres… Não nos iludamos: D. João II com bateu o poder da nobreza, mas não por espírito
democráti co, bem pelo contrário. O seu reinado não é o de um rei absoluto, porém marca o princípio da centralização que viria a afirmarse com o absolutismo; não foram somente os nobres a sofrer, mas também as liberdades municipais. A luta contra a nobreza foi bre ve mas violenta: começou em 1481, com a segunda aclamação, e ce rca de três anos mais tarde o rei tinha mandado executar o duque de Bragança, abatendo assim a casa mais poderosa do reino, fi ze ra executar, assassinar, prender ou exilar um considerável número de nobres e seus apoiantes e, pelas suas próprias mãos, matara o duque de Viseu – caso que, paradoxalmente, não demonstra a sua crueldade pessoal, antes o seu sentido político: o duque era irmão da rainha D. Leonor e era seu primo. Fazêlo executar na pra ça pública, como sucedera a D. Fernando de Bra gança e a muitos outros, seria uma afronta à mulher e punha um membro da família real no cadafalso. Portanto, resolveu o assunto em casa – mas mandou que fossem lavrados autos sobre a ocorrência. No seu espírito, agiu legalmente, como juiz supremo e executor
D. JOÃO II (1455–1495)
As novas armas
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eve-se a D. João II uma alteração importante das armas de Portugal, baseada nas regras heráldicas da época. De facto, desde o reinado de D. João I que as armas reais ostentavam os florões da cruz verde da Ordem de Avis – mas esse era um elemento exclusivamente pessoal do brasão de João I, que fora mestre de Avis. A sua conservação nos escudos dos sucessores, D. Duarte I e D. Afonso V, não se justificava. Seria já um sinal da nossa conhecida tendência para “facilitar”? De qualquer modo, D. João II pôs fim a isso, retirando os florões. A outra alteração incidiu sobre um elemento que vinha já desde os primeiros reis portugueses: os escudetes laterais com as quinas, que sempre se apresentavam deitados, foram endireitados. Razão: segundo os princípios heráldicos do tempo de D. João II, os escudetes deitados significavam ter o dono do brasão sofrido uma derrota militar – “o que não era”, como diz o cronista Rui de Pina.
supremo. Discutível à luz dos nossos valores, mas não à luz dos seus valores. Olhando, num relance, a história deste reinado, o que sobressai é, evidentemente, a expansão marítima, o impulso na direção da Índia, contornando a África. Como já foi referido, D. João II ocupavase desta matéria desde o tempo em que era ainda príncipe her deiro e foi nesse período que lançou a política do mare clausum (“mar fechado”). O con ceito não era novo – Génova e Veneza, entre outras potências, já o haviam proclamado –, mas o rei de Portugal terlheá dado uma nova dimensão ao aplicálo a mares não euro peus: de início, em relação, so bretudo, ao golfo da Guiné, de modo a assegurar a exclu sividade nas atividades comerciais e nas rotas que levariam à Índia. Quando D. João II foi aclamado, limitouse a prosseguir a política ultramarina que já traçara enquanto príncipe, com a tácita aprovação do pai. É impossível descrever, aqui, a longa lista de realizações, mas bastará citar: a construção do forte de S. Jorge da Mina – costa do Gana –, ordenada logo em 1481; as navegações de
Diogo Cão, que implantou padrões ao longo da costa ocidental da África; a primeira passa gem do Cabo das Tormentas (Boa Esperança), por Bartolomeu Dias; a viagem de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva. É de notar que, em todas as etapas das nave gações na direção do sul da África, a orienta ção dada pelo rei não foi propriamente de con quista militar – apesar de ter adotado o título de “Rei de Portugal e dos Algarves de Aquém e AlémMar em África, Se nhor da Gui né”. A política habitual consistia em estabelecer relações diplomáticas e alianças – foi assim com potentados do golfo da Guiné e, sobre tudo, com a monarquia congolesa – usando a Igreja, a conversão missionária, como via de aproximação.
DIPLOMACIA E PRESTÍGIO D. João II também não descurou a atividade diplomática na Europa. Ficou célebre a sua embaixada ao papa Inocêncio VIII, chefiada por Vasco de Lucena, em 1485. As relações com a França e a Inglaterra foram também acaute ladas. Quanto a Castela, o vizinho eternamente
inimigoaliado, o rei português soube, como poucos, manter uma paz baseada em respeito mútuo e nunca em concessões gratuitas. É conhecida, de resto, a opinião que Isabel, a Católica, tinha sobre este seu incómodo primo (a mãe da rainha era portuguesa). Quando um dia alguns cortesãos lhe disseram mal do rei de Portugal, ela respondeu: “Prouvesse a Deus que tais fossem meus filhos como ele é.” Há ainda a sua cé le bre fra se, ao saber do falecimento de D. João II: “Agora morreu o homem que eu em tanta estima tinha.” Tam bém Carlos VIII de França manifestava por ele grande admiração, apesar de o seu aliado português não ser propriamente cordato nem fácil de contentar. Caberá, em remate, repetir o que foi dito no início: D. João II não é uma figura simpática, mas impõese, mesmo com os seus erros (e alguns crimes, vamos lá…). Impõese ao respeito e tem um lugar muito especial na nossa história. JOÃO AGUIAR Este artigo foi publicado originalmente na SUPER 123. João Aguiar faleceu em 2010.
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Histórias do Tejo
Os remadores das galeotas Nos séculos XVIII e XIX, a Coroa possuía 200 remadores profissionais, para passeios no Tejo. Eram escolhidos os melhores: os robustos pescadores algarvios. Com a responsabilidade, vinha um conjunto de regalias raras.
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no de 1818. Uma fragata portu‑ guesa tinha sido enviada a Livorno, no norte de Itália, para recolher a jovem Maria Leopoldina de Habs‑ burgo‑Lorena, noiva de Pedro IV de Portugal e primeiro imperador do Brasil (tecnicamente, a austríaca já era mulher do rei, tendo casado por procuração ainda em Viena). O objetivo era levá‑la para o Rio de Janeiro, onde Pedro a esperava. A certa altura, enquanto o navio se encontrava ancorado no porto da cidade, os oficiais e os tripulantes do navio discutiram ferozmente entre si por causa de umas falha‑ das promessas de pagamento. Sem acordo à vista, os marinheiros rasos ameaçaram aban‑ donar a fragata e regressar a Portugal em vez de levar a rainha para o Brasil. Os gradua‑ dos riram‑se. Como é que umas dezenas de homens iletrados, perdidos num país estranho e com uma língua desconhecida, pensavam voltar a casa, a quase dois mil quilómetros de distância? Os homens nem pestanejaram. Jun‑ taram o pouco dinheiro que tinham, compra‑ ram um velho mas decente escaler, algumas provisões e remos para todos – e fizeram‑se ao mar. Poucas semanas mais tarde, chegaram a Faro. Estes marinheiros pertenciam a uma classe de homens do mar conhecidos pela alcunha de “algarves”. Os algarves eram uma elite de remadores sem paralelo na Europa, nativos, como o nome deixa adivinhar, do Algarve. Homens robustos, altos, duros, fortes, ganharam fama entre comandantes de navios, portugueses e estran‑ geiros, que queriam ter sempre meia dúzia a bordo para lhes servirem de tripulação para os seus barcos salva‑vidas pessoais. Nas docas dos países do Mediterrâneo, havia igualmente uma
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enorme procura por estes homens, para fazerem o desembarque de burgueses e fidalgos. Na colónia britânica de Gibraltar, todas as embar‑ cações públicas contavam com a força dos seus braços. Não é de surpreender que as principais instituições portuguesas também lutassem pelos seus serviços, com a realeza à cabeça. Desde o início do século XVIII que os ber‑ gantins reais do Tejo estavam nas mãos destes remadores. A glória de servir reis e rainhas nos seus passeios de galeota pelo rio dava direito a recompensa à altura, além de um prestígio entre a população pouco comum para homens do povo. Os algarves mudavam‑se para Lisboa com casa e comida asseguradas, pagas pela Coroa, enxoval para todas as suas filhas e até carreira garantida para os primogénitos na mesma profissão, contando que os filhos her‑ dassem o mesmo poder de braços e a impres‑ sionante compleição física. Os marinheiros viviam num bairro próprio, na Junqueira, lado a lado com os mais nobres de Lisboa, que ali tinham as suas casas de férias. Ainda hoje, a Travessa das Galeotas e a Travessa dos Algarves, perpendiculares à Rua da Junqueira, recordam a sua presença na zona, durante duas centenas de anos. Poucos vestígios sobram, fora um pedaço de mármore pertencente à entrada de uma das casas dos algarves, que naquela altura era tocada pelo rio, na maré cheia. Os remadores reais envergavam uniformes à altura das suas funções: elegantes sapatos pretos, de cerimónia; calças brancas, com fai‑ xas verticais douradas de cima a baixo; uma cinta grená; impecável camisa branca, com enormes colarinhos de cetim azul e um longo lenço preto ao pescoço; colete vermelho
debruado a ouro e finalizado com punhos de cetim azul a condizer com os colarinhos; tudo rematado com um barrete grená, encimado por motivos dourados e uma placa de prata maciça com as armas reais.
UM EXEMPLAR SUBLIME A extravagante indumentária não chocava com os vestidos espampanantes das rainhas e das suas damas de companhia, e muito menos com os bergantins reais que lhes serviam de local de trabalho. Sobretudo com a sublime galeota de D. Maria I, mandada construir em 1780 pela rainha que lhe deu o nome. O con‑ ceituado mestre naval Torquato José Calvino recebeu a honrosa tarefa, e fez jus aos seus créditos. A galeota, de madeira escura, está coberta de talhas douradas, fabricadas à mão pelo artista Manuel Vieira, com pinácu‑ los e baixos‑relevos de ouro escurecido na popa. A cabina real segue o mesmo estilo: dourada, coberta por um veludo vermelho e ladeada por vidros venezianos. Aos 40 remos da embarcação, iam 80 aprumados algarves, além do patrão e do cabo de proa. Assumindo o lugar‑comum, basta dizer que a galeota de D. Maria I é considerada o mais magnífico barco do género alguma vez construído. O bergantim real e as suas várias gerações de remadores atravessaram – e ajudaram a protagonizar – alguns episódios importantes da história portuguesa. O primeiro, e para o qual Maria I o encomendou, foi o casamento do filho e herdeiro da Coroa, o príncipe D. João (que governaria com o título de D. João VI) com a castelhana Carlota Joaquina de Bour‑ bon, em 1784. Logo no mesmo ano, voltou a navegar para transportar os convidados do
Este artigo é uma adaptação de um dos capítulos do livro Histórias do Tejo, de Luís Ribeiro (A Esfera dos Livros, 2013) http://bit.ly/1hrY8Zc
Princesa travessa
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A galeota de D. Maria I, no Museu da Marinha.
casamento de outro filho da rainha, o infante Gabriel, com a espanhola Maria Ana Vitória. A própria D. Maria I usaria o bergantim para embarcar, à pressa, no navio que a levaria para o Rio de Janeiro, quando o exército de Junot se aproximava de Lisboa para tentar capturar a família real, na Primeira Invasão Francesa. D. João VI, entretanto proclamado regente por incapacidade mental da mãe, fez na galeota o caminho contrário, ao regressar do Brasil, em 1821. A galeota teve o papel mais relevante da sua existência três anos depois, no calor da Abri‑ lada. O absolutista D. Miguel, filho de D. João VI, revoltou‑se contra o pai e cercou o Palácio da Bemposta, onde o rei se encontrava. Após difíceis negociações, o infante mandou retirar as tropas, mas D. João VI continuava refém – qualquer medida em desfavor de D. Miguel levaria o filho a rebelar‑se novamente, e dessa vez com resultado mais drástico. O rei engen‑ drou, então, um plano, com o bergantim como disfarce perfeito: com a justificação de que ia fazer um simples passeio matinal no Tejo, para respirar os seus ares saudáveis, entrou no barco e, a meio da viagem, ordenou aos algarves que se dirigissem ao navio britânico Windsor Castle, ancorado no centro do rio. Daí, protegido pelos canhões dos aliados ingleses, assinou a demissão de D. Miguel do cargo de chefe máximo do exército português, a detenção dos seus apoiantes e a libertação dos presos políticos. De seguida, ordenou que o filho sublevado fosse trazido a bordo e, à sua frente, assinou a ordem de exílio. Quatro anos depois da missão secreta, em 1828, o formoso bergantim real voltou a recolher os olhares curiosos da população da
capital, ao transportar para terra a pequena D. Maria II, na altura com nove anos – a neta de D. João VI nascera no Rio de Janeiro e nunca tinha visto Lisboa, nem Lisboa a ela. Em meados do século, encaminharam o seu filho, D. Pedro V, para o navio que o levaria à sua viagem inaugural ao estrangeiro e, no dia 17 de maio de 1858, foram buscar à corveta Bartolomeu Dias D. Estefânia, com quem D. Pedro V se casara por procuração, e desembarcaram‑na no Terreiro do Paço. Em 1880, os algarves e a sua embarcação carregaram a urna com os ossos de Vasco da Gama (trasladados primeiro de Goa, onde morrera, e de seguida da vila alentejana da Vidigueira), que seriam depo‑ sitados no Mosteiro dos Jerónimos, junto à sepultura de Luís de Camões. Nos últimos anos de monarquia, principal‑ mente após o ultimato inglês de 1890, a con‑ testação à família real aumentou, obrigando a uma maior discrição na exposição pública de luxos – e a deslumbrante galeota passou a estar reservada para cerimónias com chefes de estado estrangeiros. Deu boleia ao rei britâ‑ nico Eduardo VII em 1903, ao kaiser da Prússia Guilherme II (último monarca alemão) em 1905 e ao presidente francês Émile Loubet em 1906 – visita que espicaçou ainda mais os sentimen‑ tos republicanos. Com a implantação da República, os algar‑ ves perderam definitivamente o emprego, aca‑ bando‑se uma tradição de séculos. Já o ber‑ gantim passou 47 anos a ganhar pó, num arma‑ zém, até ser usado para transportar a rainha Isabel II e o marido, na sua visita a Lisboa. O dia 18 de fevereiro de 1957 ficou na história como a derradeira vez que a galeota de Maria I sentiu o sabor do Tejo.
o contrário da maior parte dos barcos antigos, que acabavam des‑ mantelados ou afundados, o bergantim real sobreviveu até aos nossos dias. Em 1963, foi levado para as oicinas do Mu‑ seu da Marinha e sujeito a um intenso trabalho de recuperação e conservação. O brilhante restauro granjeou vários galardões internacionais ao museu, in‑ cluindo, em 1997, o prestigiado Prémio de Herança Marítima, do World Ship Trust (que também condecoraria, dois anos depois, a fragata D. Fernando II e Glória). Hoje, a galeota de D. Maria I está exposta no Museu da Marinha, a os‑ tentar todo o seu velho charme. Na mes‑ ma sala, encontra‑se a galeota de Carlota Joaquina, conhecida por “saveira doura‑ da”, construída em 1790 para lhe servir de bergantim privado nos passeios pelo Tejo. Mais pequena, com apenas 14 re‑ madores, a galeota pouco icava a dever em beleza à sua congénere real, e faz‑se acompanhar por histórias não menos interessantes (à sua maneira…), causa‑ das pela endiabrada Carlota Joaquina, mulher do príncipe herdeiro, futuro D. João VI, e nora de D. Maria I. A mais desaforada das travessuras aconteceu em 1797: durante um passeio, a futura rainha consorte atirou à água um saco de lantejoulas, que a acompanhava sempre, e escondeu‑se; o pobre frei Diogo de Assunção, nomeado por D. Maria I guardião pessoal de Carlota, icou em pânico, quando viu o saco a lutuar no rio; desesperado, em lágrimas, o frade – que ainda por cima tinha pavor da água – debruçou‑se na borda da galeota, à procura da dama; longos minutos se pas‑ saram até um dos algarves a encontrar atrás de um barril. Por estas e por outras, D. Maria I ordenou que uma segunda galeota acompanhasse sempre o bergan‑ tim de Carlota Joaquina.
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Caçadores de Estrelas
ESA
O Trace Gas Orbiter (TGO), da ESA, chegará a Marte em outubro, para detetar vestígios da atmosfera do planeta vermelho. Será um dos dois componentes da missão Exomars a lançar em 2016. Em 2018, a Agência Espacial Europeia pretende pousar no planeta um rover capaz de perfurar o solo até aos 2 metros de profundidade.
2016 astronómico
E
m ano pobre em eventos astronómicos previsíveis, espera-se que as mais importantes notícias resultem das missões espaciais em curso, quer nas proximidades da Terra quer aquelas baseadas em naves e equipamentos que se dirigem já para os confins do Sistema Solar. Com efeito, excluindo as expectativas que sempre se estabelecem sobre as regulares “chuvas de meteoros” (em particular as Perseidas, em agosto, as Leónidas, em novembro, e as Gemínidas, em dezembro), o maior espetáculo natural é proporcionado, sem dúvida, pelos eclipses da Lua ou do Sol, muito especialmente estes últimos. Só que, dos quatro que vão ocorrer em 2016, os dois da Lua são de penumbra e, por isso, de difícil observação, enquanto os do Sol – um anular e outro total – não serão visíveis a partir de Portugal, pois ocorrerão a horas em que no nosso país é noite, para além de que a sombra da Lua se projetará sobre a Terra em regiões com latitudes e
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longitudes muito diferentes das do território nacional. Observadores atentos do céu poderão acompanhar, até aos últimos dias de abril, o fim da retrogradação que Júpiter está a efetuar em frente de estrelas da constelação do Leão e – embora de menor amplitude e menos espetacular – a de Saturno, que se iniciará no princípio de abril e decorrerá até aos primeiros dias de agosto, levando o “planeta dos anéis” a “divagar”, muito lentamente, pela constelação de Ofíuco. O planeta Marte continuará a motivar o imaginário coletivo, pois, para além de semelhanças dinâmicas com os seus companheiros, no deambular pela esfera celeste (percorrerá as constelações da Virgem, da Balança e do Escorpião, acabando por retrogradar sobre as duas últimas), terá ao seu encontro uma nave da Agência Espacial Europeia (ESA) – com lançamento previsto para o mês de março –, constituída por dois módulos principais que fazem parte da missão ExoMars, que inclui uma segunda
fase a implementar em 2018. Se tudo correr bem, este ano de 2016 será palco da aproximação ao planeta vermelho do conjunto formado pelo TGO (acrónimo do que, em português, designaríamos por “módulo orbital detetor de vestígios de gases”) e pelo Schiaparelli, módulo que, em outubro, descerá na superfície marciana. Então, o TGO – em cooperação com outros satélites artificiais que atualmente orbitam Marte – recolherá dados transmitidos do Schiaparelli relativos a condições ambientais na superfície do planeta. Dos objetivos principais faz parte a determinação de quantidades e variedades de gases atmosféricos, em particular a abundância e distribuição de metano e a eventual dedução se a sua existência é devida a causas geológicas ou … a atividade biológica! É quase certo que não será já em 2016 que ficaremos esclarecidos quanto à existência (ou não) de vida marciana, mas existe a convicção de que a ExoMars acrescentará bons conhecimentos para a resolução do enigma.
O céu de janeiro
Enquanto continua a enviar lentamente as imagens de Plutão e Caronte que obteve ao passar pelo sistema em julho, a New Horizons dirige-se agora para a “cintura de Kuiper”, onde já tem encontro marcado. Esta imagem, um mosaico da complexa superfície de Plutão, foi divulgada no início de dezembro.
Entretanto, enquanto este projeto se desenvolve, a New Horizons prossegue a sua viagem em direção ao exterior do Sistema Solar. Depois de passar por Júpiter e aproveitar o seu impulso gravitacional para se dirigir a Plutão, sobrevoou o pequeno planeta gelado em julho de 2015, ocasião em que o fotografou de perto, a apenas 12 500 quilómetros da sua superfície. Agora, a New Horizons dirige-se para a “cintura de Kuiper” – uma região que circunda a parte central do Sistema Solar onde circulam milhares de pequenos corpos gelados como Plutão, tendo já encontro programado com o objeto designado por 2014UM69. Teremos, certamente, um ano de 2016 repleto de bons motivos para contemplar belezas que os olhos podem ver no céu e “sonhar” com outras de que naves e equipamentos lançados nas profundezas do espaço nos vão dando notícias. MÁXIMO FERREIRA
NASA/JHUAPL/SWRI
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odos os anos se repete, por esta ocasião, o cenário celeste de que faz parte o “triângulo de inverno”, figura geométrica que se pode imaginar constituída pelas três estrelas mais brilhantes das constelações Orionte, Cão Menor e Cão Maior. Por volta das vinte horas – momento a que se refere o mapa das páginas seguintes –, já a estrela Sírio (Cão Maior) se avista consideravelmente acima do horizonte, situando-se Prócion (Cão Menor) ligeiramente à esquerda e mais elevada, ao passo que Betelgeuse (Orionte) ocupa uma posição bem mais acima, destacando-se no vértice superior esquerdo do retângulo que parecem desenhar as quatro estrelas mais notáveis do “gigante” que os nossos antepassados ali imaginaram. Naturalmente, o outro triângulo muitas vezes citado como “triângulo de verão” é constituído por outras estrelas e, como a própria designação sugere, só é visível – ao princípio das noites – por ocasião do verão. Com duas iguras geométricas no céu – o “quadrado do Pégaso” e o “triângulo de inverno” –, um observador voltado a sul facilmente percebe o movimento aparente da esfera celeste (como resultado da rotação da Terra em sentido contrário), que arrastará consigo todas as estrelas, fazendo descer para o horizonte, a oeste, as que ultrapassam o “meridiano do lugar” (a direção de sul) e elevando todas as que se aproximam da referida direção. Passadas cerca de quatro horas, ou seja, por volta da meia-noite, o “quadrado do Pégaso” já está parcialmente mergulhado no horizonte, encontrando-se então o “triângulo de inverno” praticamente no meridiano. Nessa ocasião, já terá surgido, a este, o notável Júpiter, bem evidente por ser o astro mais brilhante naquela direção do céu.
Repetindo as observações ao longo do mês – sempre à mesma hora e de costas voltadas para norte –, perceberá que toda a esfera celeste se apresentará ligeiramente deslocada para oeste. Trata-se, obviamente, de uma consequência do segundo movimento mais importante da Terra – a translação em volta do Sol –, de que resultam as alterações conhecidas no céu, observável a uma mesma hora, e que conduzem à designação de constelações de inverno, de primavera, de verão e de outono. Por isso, neste mês de janeiro, verá a Lua evoluir de Lua Nova para Quarto Crescente, atravessando as constelações do Capricórnio e do Aquário, alcançando a dos Peixes ao chegar a Quarto Crescente. Nesta ocasião (dia 16 de janeiro), a Lua situar-se-á um pouco à direita de Alrisha, a estrela mais brilhante da constelação dos Peixes, um ponto razoavelmente brilhante e que, na verdade, corresponde a duas estrelas que orbitam em torno de um ponto comum. Devido ao referido “deslocamento” da esfera celeste para oeste – consequência da translação da Terra –, a evolução da Lua desde a fase de Lua Nova até Quarto Crescente (ou quaisquer outras fases que se considerem) ocorrerá na direção de constelações que se situam à esquerda daquelas que ela percorre neste mês. Uma observação do céu visível a norte permitirá veriicar que a Ursa Maior já se avista completamente – a partir das vinte horas –, facilitando assim a aplicação das sugestões dos tempos de escola para utilizar o alinhamento deinido pelas “guardas da Ursa” (as estrelas Dubhe e Merak) e prolongar, cinco vezes, a “distância” entre elas para “chegar” à Estrela Polar, ou “estrela do norte”, tornando-se então fácil determinar todos os pontos cardeais e mesmo direções intermédias.
Diretor do Centro Ciência Viva de Constância
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Mapa do Céu Como usar Vire-se para sul e coloque a revista sobre a cabeça, de modo que a seta ique apontada para norte. Se se voltar em qualquer das outras direções (norte, este, oeste), pode rodar a revista, de modo a facilitar a leitura, desde que mantenha a seta apontada para norte. Os planetas e a Lua estarão sempre perto da eclíptica. O céu representado no mapa (no que se refere às estrelas) corresponde às 20h do dia 5. A alteração que se veriica ao longo do mês, à mesma hora, não é muito importante. No entanto, com o decorrer da noite, as estrelas mais a oeste irão mergulhando no horizonte, enquanto do lado este vão surgindo outras, inicialmente não visíveis.
As fases da Lua
Quarto Minguante Lua Nova Quarto Crescente Lua Cheia
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Dia 2 às 05h30 Dia 10 às 01h31 Dia 16 às 23h26 Dia 24 às 01h46
NORTE
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Sociedade Digital
A distopia mais “científica” No mundo pós-moderno, há duas distopias recorrentes no discurso acerca dos efeitos sociais e políticos das novas tecnologias de informação e comunicação: 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. A primeira é mais vezes citada, mas a segunda pode ser aquela que está mais perto da realidade.
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urante a Guerra Fria, o 1984 de George Orwell era muitas vezes usado, no discurso político, como uma metáfora para o então regime soviético, conhecido por um estrito controlo dos cidadãos e pela utilização dos mass media como instrumentos de propaganda, mas, nos anos de transformação das tecnologias de informação de comunicação digitais – e particularmente depois das revelações de Edward Snowden –, a metáfora de Orwell surge muitas vezes citada como exemplo do que pode ser uma sociedade totalitária em que a abundância de instrumentos de comunicação digitais está ao serviço de alguma forma de controlo.
“BIG BROTHER IS YOU, WATCHING!” O primeiro receio, obviamente, é que os governos e as empresas usem a abundância de informação sobre os indivíduos e a facilidade de implementação de mecanismos automáticos de controlo para limitarem a sua liberdade ou privacidade, mais uma vez, como Snowden denunciou. No entanto, a ameaça mais assustadora vem da perspetiva de que sejam os próprios cidadãos, munidos por toda a parte de instrumentos de registo digitais, e consciente ou inadvertidamente, a controlarem-se uns aos outros. Mark Milller, da Universidade de Nova Iorque, evocou essa irónica inversão de perspetiva ao “desconstruir” a célebre frase de Orwell, “Big Brother is watching you” (provavelmente uma das frases mais conhecidas do mundo), apresentando-a na versão moderna como “Big Brother is you, watching”! O que essa inversão dá a entender é que o verdadeiro potencial de vigilância sugerido pela generalização das modernas tecnologias de comunicação e informação digitais não é
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externo à sociedade; é interno a ela. Não será imposto de fora para dentro; será imposto de dentro para fora! O “Big Brother”, realmente, se alguma vez existir (porque às vezes esquecemo-nos de que as distopias são tão credíveis como as utopias...), será o conjunto dos cidadãos a controlarem o conjunto dos cidadãos.
UMA DISTOPIA “CIENTÍFICA” Daí que, distopia por distopia, talvez Admirável Mundo Novo seja uma melhor metáfora para compreender a realidade do que 1984. Enquanto 1984 parece feito de fora para dentro (um escritor olha para a sociedade e recobre-a com a sua visão distópica), Admirável Mundo Novo parece feito de dentro para fora: a distopia é cuidadosamente enredada no próprio tecido da sociedade. De certo modo, 1984 parece mais um objeto literário e Admirável Mundo Novo parece mesmo um objeto científico. Neil Postman, um humanista e um teórico dos media, notou estas diferenças ainda antes da generalização da internet. Em Amusing Ourselves to Death, ele sublinhou que, enquanto Orwell temia que os livros fossem banidos, Huxley temia que não houvesse razão para banir os livros porque, no futuro, ninguém quereria lê-los. Enquanto Orwell receava que o poder controlasse os indivíduos privando-os de informação, Huxley receava que viéssemos a viver tão inundados em informação que seríamos por ela reduzidos à passividade. Em 1984, concluía ele, as pessoas eram controladas pela inflexão de dor, mas em Admirável Mundo Novo elas eram controladas pela inflexão de prazer! Ou seja, Orwell temia que o nosso medo nos destruísse como seres humanos livres; Huxley receava que fossem afinal os nos-
sos desejos e a nossa busca de prazer a fazê-lo. Em parte, as premonições de Huxley parecem assentar como uma luva a muito do que foi a evolução das tecnologias de informação e comunicação depois dele. De facto, vivemos inundados em informação; de facto, misturamos frequentemente (e cada vez mais) a verdade com a ficção e o real com o virtual; de facto, somos incrivelmente hedonistas e imediatistas nas escolhas culturais e informativas que fazemos. No entanto, essa é apenas uma (pequena) parte da questão. A função das distopias (assim como das utopias) é fornecer-nos uma visão deliberadamente simplificada do futuro. O que envolve dois problemas. Em primeiro lugar, é uma visão “simplificada”. A realidade será de certeza mais complexa. Em segundo lugar, é uma visão do futuro com os “olhos” do presente (ou do passado, neste caso). O problema com a realidade é que ela não será utópica nem distópica; ela será apenas a realidade, com toda a sua complexidade! Há uns meses, numa conferência realizada na Europa, alguém perguntou a Tim Berners-Lee, o “pai” da World Wide Web, como se resolvia o problema da ameaça à privacidade resultante da generalização das tecnologias
Opinião
Novo paradigma de iscalização
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O 1984 de George Orwell é a mais conhecida distopia sobre o controlo dos indivíduos na era moderna, mas o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley é a mais “credível”.
de comunicação e informação digitais. Ele lembrou um facto simples mas muitas vezes esquecido: nós, nas sociedades ocidentais, vivemos sob o primado da lei; é permitido ou não permitido aquilo que a lei determina que o seja, e a lei é uma produção humana, ou seja, expressa a nossa vontade coletiva. Lembrou outro facto também não suficientemente sublinhado: quando alguém desenvolve um software como o do Facebook, por exemplo, está a produzir um ato sociotécnico, ou seja, com implicações técnicas, mas também sociais. O que resulta daqui é que, se querem regular eficientemente um fenómeno sociotécnico como a internet, as nossas leis devem ser mais “técnicas” e as nossas técnicas devem ser mais “sociais”, no sentido em que os efeitos sociais das tecnologias não podem nem devem ser ignorados por quem as produz.
FISCALIZAÇÃO DIGITAL
À medida que os nossos fluxos de informação e comunicação se tornam maioritariamente digitais, cresce a insuficiência dos meios e instrumentos analógicos para os regularem. Embora provavelmente não tenha sido isso que Tim Berners-Lee tinha em mente ao produzir
a afirmação acima, a decorrência lógica da mesma é esta: se as violações de privacidade, por exemplo, acontecem ao nível da conceção do código das plataformas digitais nas quais os indivíduos interagem, esse código deve poder ser monitorizado também de forma digital. Ou seja, se os robôs da Google podem monitorizar o nosso comportamento online, dir-se-ia que devia haver robôs capazes de fiscalizar os robôs da Google para verificar se eles cumprem as regras de privacidade dos indivíduos. Ora, isso transporta-nos para uma sociedade muito mais do tipo Admirável Mundo Novo do que para uma sociedade estilo 1984. Uma sociedade na qual os mecanismos de exercício da vida social passam cada vez mais pelo digital e portanto os mecanismos de controlo social também. O que não sabemos nem podemos saber é que mecanismos de controlo serão esses! O que sabemos, pela magnitude das transformações em causa, é que não serão os mesmos que nos serviram durante décadas. Sabemos também que, quaisquer que sejam, serão escolhidos por nós enquanto comunidade, ou seja, serão uma escolha e não uma imposição. Por isso é que devemos ser cidadãos atentos e interventivos nestas matérias.
epois das denúncias de Edward Snowden sobre a vigilância maciça levada a cabo pela NSA nos Estados Unidos, o mundo acordou, literalmente, para os perigos do controlo dos cidadãos na era digital. Entrámos em pânico e assustámo-nos com a facilidade com que os governos podiam recolher informação sobre nós, mas esquecemos que, apesar de tudo, existiu um Edward Snowden! O mesmo em relação ao Wikileaks: ficámos tão surpreendidos com algumas das revelações que quase esquecemos que, apesar de tudo, tinham existido mecanismos que permitiram essas denúncias. Ou seja, podemos dizer que neste mundo digital ficou mais fácil fiscalizar e controlar os indivíduos, mas também podemos dizer (e pelas mesmas razões!) que ficou mais fácil denunciar e expor essa fiscalização. Hoje em dia, quase todas as nossas comunicações são digitais e boa parte da nossa documentação também. Ora, quando é digital, uma informação assume certas características: “vive” dentro de computadores, pode ser facilmente partilhada e copiada, “está” em qualquer local do mundo onde exista um computador e é ininitamente manipulável. Mais: qualquer aparelho computorizado pode recolher, processar e emitir áudio, vídeo e texto. O que signiica, também, que qualquer deles pode ser “capturado” por entidades de iscalização como a NSA sem o conhecimento dos envolvidos. É isso que torna a ideia tão assustadora. Assusta-nos a ideia de que alguém possa estar a ler os nossos e-mails ou a ouvir as nossas conversas no Skype. Assustamo-nos tanto com essa ideia que esquecemos que os iscalizadores também são iscalizáveis precisamente da mesma maneira. Há uns anos, a NSA seria incapaz de fazer a espionagem maciça (e computorizada) que Snowden denunciou, mas, há uns anos, Snowden também não teria tido acesso a toda a informação que recolheu, nem teria podido torná-la pública como fez. Ou seja, existe de facto um novo paradigma (assustador!) de iscalização, mas existe também um novo paradigma de controlo e denúncia dessa iscalização. JOSÉ MORENO Mestre em Comunicação e Tecnologias de Informação jmoreno@motorpress.pt
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Tecnologia
Impressionante. O motor Trent XWB montado num Airbus A380, no qual foram feitos os testes de voo que permitiram a sua certiicação.
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AIRBUS
Vem aí um novo motor
Rolls-Royce em ALTURA O poderoso motor Rolls-Royce Trent XWB equipará os Airbus A350, destinados a revolucionar a aviação comercial. Interessante
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Super-aspirador O Trent XWB tem um ventilador na parte frontal capaz de “chupar” 1,3 toneladas de ar por segundo.
É o motor de fuselagem larga com menos emissões de sempre
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FOTOS: TOM STOCKILL / THE SUNDAY TIMES. NEWS SYNDICATION
A todo o vapor A Rolls-Royce adotou técnicas de fabrico da NASA e de construtores japonesas de automóveis que lhe permitem terminar um motor de 20 mil peças em 17 dias.
E
m janeiro de 2015, entraram ao serviço os novos Airbus A350, uma família de aviões comerciais a reação de fuselagem larga. Trata-se das primeiras aeronaves desenhadas pela Airbus nas quais tanto a fuselagem como as estruturas da asa são formadas por materiais compostos. Os A350 podem transportar entre 280 e 366 passageiros, dependendo da configuração, e todos são propulsados por motores Trent XWB, a sexta geração da família Trent, fabricada pela Rolls-Royce. A divisão de turbinas da Rolls-Royce é a mais importante da mítica marca britânica automobilística e aeronáutica fundada por Henry Royce e Charles Stewart Rolls em 1904. A nova joia da casa, sediada na localidade inglesa de Derby, é o citado Trent XWB, concebido especificamente para os Airbus A350. Os engenheiros da Rolls-Royce começaram a trabalhar nele em 2005. No programa do Trent XWB estão envolvidas 16 fábricas, onze instalações de desenho, engenharia e testes, doze firmas de engenharia associadas e 75 fornecedores de todo o mundo. O Trent XWB tem três metros de diâmetro e uma potência de mais de 42 mil quilogramas-força. Entre as companhias que já encomendaram Airbus A350, contam-se a Finnair, a Qatar Airways e a Singapore Airlines. L.O.
Mais leve O novo motor caracteriza-se por um desenho em trĂŞs eixos que permite reduzir o peso total, e portanto as emissĂľes poluentes.
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História O mistério da astrologia
Superstição ANUAL
A
13 de maio passado, a revista Comprehensive Psychology publicou um artigo polémico. Nele, o sociólogo Mark Hamilton, da Universidade do Connecticut, sugere que certas características da personalidade dependem da estação do ano em que se nasceu. Para chegar a essa conclusão, analisou a biografia de 300 personalidades que se destacaram no campo da política, da cultura, dos desportos e da ciência, e descobriu que as celebridades vêm geralmente ao mundo entre dezembro e março. Outros estudos já revelaram que as pessoas mais criativas nascem habitualmente em janeiro e fevereiro, tal como as que têm mais probabilidade de desenvolver esquizofrenia; ou que aqueles que nascem em meses ímpares tendem a ser mais extrovertidos. A descoberta, que ainda está por confirmar, não passaria de uma curiosidade estatística se o seu autor não a tivesse associado à astrologia: “Os psicólogos tendem a subestimar as correlações astrológicas, mas há efeitos sazonais que requerem uma explicação”, indica Hamilton, que está a estudar, para aprofundar a sua hipótese, mais 85 mil personalidades, desde pessoas vivas a outras que viveram há 5000 anos. Na realidade, o sociólogo não está a afirmar que a causa para o fenómeno reside nos céus,
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mas que os aspetos astrológicos refletem uma forma que o homem tem de recordar os padrões que descobre na natureza. Muitos astrólogos partilham o argumento. Na sua opinião, a posição dos planetas no céu astrológico (algo que nada tem a ver com o verdadeiro firmamento e que descreveria, em parte, a nossa personalidade) revela a existência de uma certa “sincronicidade”. O termo, criado pelo psicanalista Carl Gustav Jung, define “uma coincidência temporal de dois ou mais factos, relacionados entre si de modo não causal, cujo conteúdo significativo seja igual ou semelhante”. Para os críticos da astrologia, o trabalho de Hamilton recorda o denominado “efeito Marte”, anunciado pelo psicólogo Michel Gauquelin em 1955, o qual defendia que os melhores atletas nasciam, em geral, quando o planeta vermelho se encontrava em determinada posição, o que nunca foi demonstrado.
OBJEÇÕES ASTRONÓMICAS Curiosamente, cumpriram-se agora 40 anos sobre a assinatura do manifesto Objections to Astrology, texto inicialmente subscrito por 183 investigadores, incluindo dezoito galardoados com o Prémio Nobel, para denunciar o que consideravam ser uma fraude, aos quais se jun-
ILUSTRAÇÕES: EUGENE IVANOV / SHUTTERSTOCK
Há milhares de anos que o homem perscruta os céus em busca de sinais que lhe proporcionem pistas sobre o seu destino. Mesmo em pleno século XXI, quando é possível avistar sistemas planetários a anos-luz, ainda persiste essa forma de adivinhação. No início de cada novo ano, lá vem mais uma fornada de disparates, sempre, claro, pagos a bom preço.
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Adaptam a mensagem às suas necessidades taram inúmeros membros das comunidades científicas de muitos países. Como é possível, porém, que tantos astrónomos se tenham lançado na arena de uma polémica estéril, pelo que seriam, também, duramente criticados pelos astrólogos? Para compreendê-lo, devemos tomar em consideração a época em que surgiu. O mundo do paranormal viveu a sua própria idade de ouro entre meados dos anos 70 e finais dos 90, quando os ovnis e os “dobradores de colheres” pululavam mesmo nos mais sisudos programas de televisão. Nesse cenário, a astrologia (que defende que as posições dos planetas influenciam ou determinam o nosso destino, o dos estados ou o da bolsa de valores) pretendia consolidar-se como a “mancia” mais científica: nas palavras dos seus defensores, utilizava o computador e as tabelas de posições astronómicas da NASA. Queria ser a ciência das pseudociências. Para isso contribuía o escasso conhecimento que se tinha (e ainda se tem) do assunto: poucas pessoas sabiam algo mais do que os doze signos do zodíaco e, possivelmente, o que era um mapa astral. Na década de 70, um em cada dez mil europeus e norte-americanos praticava ou estudava astrologia de gabinete, a mesma percentagem que existia em psicologia. Mais de cem revistas sobre o tema eram editadas em todo o mundo e, desde 1960, o volume de livros publicados duplicava a cada dez anos, sem incluir os almanaques e os que explicavam as características de cada signo.
200 METROS DE PRATELEIRAS A astrologia considerada séria é, seguramente, um assunto complexo. O ex-astrólogo Geoffrey Dean, hoje muito crítico da prática, assinala que “é necessário, pelo menos, um ano para se familiarizar com a teoria astrológica e o seu exercício”. Segundo Dean, o material imprescindível (disperso, confuso e difícil de encontrar nas livrarias normais) ocupa cerca de 200 metros de prateleiras. Sem isso, diz ele, elaborar um mapa astral, o suprassumo da prática astrológica, torna-se uma tarefa impossível. Com efeito, Dean adverte que o mapa inclui, no mínimo, quarenta fatores básicos (planetas, signos, casas...), cada qual com o seu significado individual, e todos relevantes para se poder fazer uma interpretação. Contudo, podem chegar a ser centenas ou mesmo milhares. Como demonstrou, em 1956, George A. Miller, psicólogo da Universidade de Harvard (Estados
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Unidos), a nossa memória a curto prazo não consegue lidar com mais de nove fragmentos de informação em simultâneo. A que um mapa astral contém excede a nossa capacidade. Como é que um astrólogo ultrapassa tal inconveniente? Através de uma manobra denominada “síntese do mapa”, que lhe permite decidir os fatores mais importantes. Como não existe consenso sobre quais são, o mapa astral de um indivíduo pode variar por completo consoante o astrólogo que o elabore, o que também lhe serve para justificar qualquer coisa. Assim, em 1982, David Hamblin, que chegaria a tornar-se presidente da Associação Astrológica do Reino Unido, publicou na revista Astrological Journal o seguinte texto: “Se encontro uma pessoa pacífica com cinco planetas em Carneiro, relacionado com a agressão, posso argumentar que o seu ascendente é Peixe, ou que o Sol está em conjunção com Saturno, ou que tem o seu regente na duodécima casa, o que justificaria tal fenómeno. Se nenhum destes argumentos for possível, diria que ainda não desenvolveu o seu potencial de Carneiro... Porém, se se tratar de um indivíduo
agressivo, indico que isso se deve à referida configuração.” O que Hamlin está a dizer de forma tão crua é que os astrólogos possuem uma inesgotável reserva de pretextos; podem, literalmente, obter o mapa que desejam com base em determinada disposição dos planetas.
RESULTADO SURPREENDENTE A fim de testar essa ideia, o já referido psicólogo e estatístico francês Michel Gauquelin desenvolveu um importante estudo em 1967. Enviou a data, o lugar e a hora de nascimento à empresa Ordinastral, que elaborava estudos psicológicos com base nos mapas astrais. Depois, colocou um anúncio no jornal Ici Paris no qual oferecia gratuitamente o mapa personalizado a quem o quisesse, acompanhado de um pequeno questionário em que pedia ao voluntário para responder se se reconhecia no perfil astrológico recebido, se este acertara no que se refere a problemas pessoais e se algum familiar ou amigo concordava com a avaliação. Sem o saberem, todos os que o pediram receberam o mesmo mapa astral encomendado à Ordinastral. O resultado foi surpreendente: 94 por cento
Guia celeste do agricultor ingénuo
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os últimos anos, a astrologia encontrou um novo nicho para se poder desenvolver e transformar num lucrativo negócio: a agricultura biodinâmica. Uma das empresas responsáveis por atribuir essa certificação é a alemã Demeter International, a qual a define como sendo uma técnica agrícola ecológica que consiste “na elaboração de compost, utilização de estrumes fermentados, purinos [...] e associações de cultivos, cercas vivas, espaços para a vida da flora e da fauna nativas integrados nas áreas de produção, cobertura do solo, sistemas mistos agrícola-pecuários”. Dito assim, não parece muito esotérico, mas as coisas mudam de aspeto quando se descobre que, na sua opinião, as posições dos planetas e da Lua definem cada processo agrícola, e que é preciso enfiar determinados preparados num chifre de vaca e enterrá-lo para adubar um campo, não esquecendo que deve ficar bem orientado para recolher as energias cósmicas. O criador da agricultura biodinâmica foi
Rudolf Steiner, um austríaco do princípio do século XX que nunca tocou numa enxada. Steiner era um místico convencido de que compreendera a autêntica natureza do Tempo, o que lhe abrira a porta à clarividência. Foi membro da Sociedade Teosóica, um movimento esotérico fundado por Helena Blavatsky, ocultista russa que alegava manter contactos sobrenaturais com uma misteriosa sociedade de sábios nos Himalaias, e que estes lhe teriam revelado a história do planeta. Steiner foi beber a essas fontes e, depois, fundou a Sociedade Antroposóica. Segundo airmava, o seu conhecimento vinha, não da investigação e do estudo, mas da inspiração espiritual. Quando um grupo de agricultores lhe pediu, em 1925, para lhes revelar os segredos para melhorar os cultivos, o ocultista ofereceu-lhes uma série de conselhos para pôr do seu lado os “seres não físicos e as forças elementares”. Dado que utilizar a biodinâmica em cultivos extensos é complicado, pois o vo-
lume que se pode produzir com técnicas pseudoagrícolas é muito baixo, o sistema iniltrou-se num campo onde a quantidade não é o mais importante: a produção de vinho. É aqui que a astrologia obtém os seus maiores êxitos. Existem mesmo as denominadas “provas biodinâmicas”: o vinho tem de ser apreciado a certas horas e dias do ano. Num mundo como o da degustação de vinhos, terrivelmente subjetivo, o aparecimento deste fenómeno está a ser um sucesso. Os vinhos biodinâmicos começam a igurar entre os melhores do mundo. Contudo, será que isso se deve ao facto de a Lua estar em Carneiro? Talvez a resposta resida no comentário de um astrofísico: “Se um vitivinicultor consegue fazer a vindima às 4h17 da madrugada, pois é esse o momento determinado pelo calendário biodinâmico, isso é prova de que trata o seu produto com esmero. Quando se faz as coisas com esse grau de mimo, o produto obtido tem de ser magníico.”
Os defensores da agricultura biodinâmica creem que a posição da Lua e dos planetas inlui na produção.
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Nenhum astrólogo previu a queda do muro de Berlim das pessoas asseguraram que o mapa descrevia perfeitamente a sua personalidade; 80%, que acertara no alvo quanto aos problemas pessoais; 90% afirmaram que familiares e amigos concordavam com a descrição. Contudo, o mais interessante não foi o facto de um mapa astral pessoal servir para tão grande quantidade de pessoas, mas que os dados que Gauquelin enviara à Ordinastral não eram os seus, mas os de Marcel Petiot, um dos maiores assassinos em série franceses de todos os tempos. Os astrólogos da Ordinastral não conseguiram observar no mapa algo tão singular como o caráter do criminoso. Pior ainda: poder-se-ia pensar que os que responderam ao anúncio de Gauquelin se teriam sentido plenamente identificados com a suposta personalidade astrológica de Petiot. Em 1961, o psicólogo Vernon Clark já tinha denunciado, através de uma experiência, que mesmo os mais reputados astrólogos do mundo não conseguiam relacionar os mapas astrais de alguns doentes com as suas histórias clínicas. Desde então, surgiram pelo menos dez estudos científicos a reafirmar essa falta de critério. Um dos mais conhecidos foi apresentado em 1986, quando uma equipa de psicólogos alemães analisou um ensaio feito com 178 astrólogos, entre 1952 e 1955, por um centro dedicado à investigação em parapsicologia, o Instituto para as Áreas Fronteiriças em Psicologia, de Hans Bender. A organização consagrada ao paranormal nunca publicou as conclusões da sua iniciativa, e não é difícil perceber porquê: após estudar uma média de cinco mapas, os astrólogos nunca chegaram a acordo sobre as suas interpretações.
Em 1978, o Serviço Geológico dos Estados Unidos convidou a população a enviar os seus prognósticos sobre a possibilidade de ocorrer um sismo, como parte de um estudo sobre diferentes sistemas de previsão. Cerca de 30 astrólogos enviaram 240 vaticínios, e o certo é que o número de vezes que acertaram foi menor do que o que se obteria ao acaso. No ano seguinte, os astrónomos Roger Culver e Philip Ianna analisaram mais de 3000 previsões publicadas em revistas astrológicas, como a American Astrology. Descobriram que apenas 11% estavam corretas. “Além disso, muitos desses vaticínios podiam ser atribuídos a astutas adivinhações, do tipo ‘a tensão Leste-Oeste prosseguirá’, a acontecimentos vagos, como ‘uma tragédia irá comover os Estados Unidos na primavera’, ou a informações superficiais, do estilo ‘a estrela A vai casar com o realizador B’ ”, explica Dean. O exemplo mais claro da incapacidade dos astrólogos para ver o futuro é que nenhum antecipou a queda do Muro de Berlim ou os atentados do 11 de Setembro. Um dos maiores fiascos deve-se, provavelmente, a André Barbault, um especialista francês em astrologia política do século XX, que vaticou por onze vezes o fim da guerra franco-argelina. Claro que, no final, acertou. Porém, as asneiras que disse sobre alguns líderes mundiais foram colossais. Assim, vaticinou que o presidente norte-americano John F. Kennedy seria reeleito em 1964, quando foi assassinado um ano antes, e que o dirigente soviético Nikita Kruschev permaneceria no poder até 1966, quando seria deposto em 1964.
POLÍCIAS E LADRÕES
Qual a reação dos astrólogos a todos os estudos que deitam por terra qualquer pretensão à credibilidade do seu ramo? A maior parte fica calada e assobia para o lado. Alguns procuram encontrar motivos que defendem os seus interesses. Assim, alegam que os astrólogos referidos nos estudos não são bons, que as amostras não são suficientemente extensas para garantir uma avaliação clara ou, simplesmente, que a astrologia é tão complexa que se torna impossível comprovar a sua fiabilidade de um ponto de vista científico. Porém, se os astrólogos, tal como demonstrou Dean, não conseguem prever algo em princípio tão simples como a maior ou menor introversão de uma pessoa, como podem afirmar que conseguem aprofundar os aspetos mais subtis da personalidade? A prova mais evidente da arbitrariedade desta pseudociência pode ser encontrada quando se analisam as supostas influências que Neptuno ou o deposto Plutão exercem sobre nós. O caso do segundo é o mais curioso. Os astró-
No entanto, a investigação mais completa sobre a fiabilidade da astrologia foi a desenvolvida por Gauquelin, entre 1949 e 1991. O psicólogo francês utilizou amostragens de, por vezes, mais de cem mil pessoas, nas quais se tomava nota da hora, lugar e data de nascimento. O seu trabalho, que deu como fruto vários livros e quase 150 artigos científicos, lançou luz sobre as afirmações astrológicas. Gauquelin também as colocou à prova no chamado “ensaio de destinos opostos”: forneceu aos astrólogos as datas de nascimento de vinte delinquentes e de igual número de cidadãos cumpridores. Nenhum conseguiu diferenciá-los com base no seu mapa astral. Em 1983, escreveu: “Os astrólogos falham nestas provas e, por vezes, sentem-se tão dececionados que me acusam de falsificar os resultados.” Contudo, o que acontece com as previsões públicas que anunciam? Os astrólogos afirmam que conseguem prever o futuro político e económico de países e empresas. Será verdade?
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DESCULPAS ESFARRAPADAS
logos incluíram-no nos seus horóscopos porque os astrónomos afirmaram que se tratava de um planeta, mas já não é considerado como tal, sendo classificado como um planeta anão. O que acontece agora? O que se passa em relação a outros objetos semelhantes descobertos nos últimos anos? Os áugures dos céus atribuíram propriedades astrológicas aos principais corpos do Sistema Solar, e isso apesar de Nep-
Críticas ancestrais
A
astrologia foi criticada ao longo dos séculos, mesmo quando se encontrava em períodos de apogeu. Assim, o filósofo e médico grego Sextus Empiricus, que viveu nos séculos I e II, indica na obra Contra os Professores que não pode estar certa, a menos que tudo esteja predestinado. Além disso, defende que o conceito astrológico “de cima a baixo” não faz sentido, e que, seja como for, a previsão dos eventos que se produzirão de certeza é inútil, pois não se podem evitar. Porém, também seria inútil a daqueles que poderão ocorrer, precisamente porque se poderiam impedir. Empiricus questiona por que motivo a astrologia se baseia no momento do nascimento e não no da conceção. Argumenta que a hora de vir ao mundo é incerta, pois trata-se de um processo moroso, e que embora muita gente o tenha feito no mesmo instante e na mesma zona do que Platão ou Alexandre, o Grande, por exemplo, ninguém foi como eles. O contrário também se verifica: as pessoas que morrem numa batalha nasceram em momentos e lugares distintos...
tuno ter apenas completado, há quatro anos, a sua primeira órbita desde que foi descoberto. Por sua vez, Plutão, que demora 248 anos a dar a volta ao Sol, foi detetado em 1930, pelo que percorreu uma pequena parte da sua trajetória desde então. “Os astrólogos dizem que é o regente de Escorpião, embora ainda não tenha entrado nele desde que foi descoberto”, argumentam Culver e Ianna. Se a astrologia é
uma ciência empírica, como os seus defensores mantêm, como se pode conhecer o efeito de um planeta num signo antes de passar por ele?
ESTUDOS DISTORCIDOS A fim de demonstrar a autenticidade da sua convicção, os astrólogos agarram-se a qualquer coisa que soe a influências cósmicas. Foi o que aconteceu com um estudo da Universi-
dade Vanderbilt (Estados Unidos), publicado em 2010 na revista Nature Neuroscience: mostrava como as estações tinham influência nos relógios biológicos dos mamíferos, um fenómeno que poderia explicar por que razão os nascidos no inverno correm maior risco de sofrer certos distúrbios neurológicos. A investigação foi feita com um grupo de ratos recém-nascidos, mantidos sob uma iluminação solar artificial semelhante à luminosidade invernal, e com outro grupo criado sob uma luz de verão. Os primeiros manifestaram uma reação muito exagerada à mudança de estação, à semelhança dos doentes com desordem afetiva sazonal ou depressão de inverno. Claro que isto nada tem a ver com Saturno a derrapar por Balança, mas, em diferentes notícias astrológicas, o estudo foi distorcido. Chegou-se a afirmar, no NaturalNews, que “a posição dos planetas – que poderia ser designada pela estação em que se nasceu – produz alterações na fisiologia do cérebro”. A questão é que os astrólogos não têm qualquer intenção de provar a fiabilidade do seu ramo. Dão-no por válido porque funciona para eles e para os seus clientes. A verdade é que a astrologia não precisa de acertar para muita gente acreditar nela; baste que seja reconfortante e psicologicamente satisfatória, e que o dinheiro vá continuando a mudar de bolsos. M.A.S.
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Ciência Porque se enganam os peritos?
Previsões FALHADAS
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Nem inferno, nem paraíso Historiadores, analistas políticos, economistas e demógrafos de prestigio vaticinam hecatombes ou tempos de felicidade e bonança, mas o mais provável é estarem errados. A sua bola de cristal não é melhor do que a dos adivinhos de feira.
Crises económicas, conflitos políticos, guerras, avanços revolucionários... Embora os especialistas raramente consigam antecipar o que se avizinha, continuamos a confiar neles e nos seus vaticínios. Será mesmo impossível prognosticar o futuro?
J
á se vê luz ao fundo do túnel.” “É a guerra que acabará com todas as guerras.” “Um conflito com a União Soviética é tão certo como qualquer outra coisa neste mundo.” Ao longo da história, os especialistas vaticinaram o que nos espera, e nós, simples mortais, escutámo-los com reverência. O problema é que, se olharmos com atenção, descobriremos que quase todos falharam tanto na pontaria como uma espingarda de feira. Nenhum dos acontecimentos mais importantes dos últimos cem anos, quer se trate de guerras, crises ou mudanças radicais na política de um país, foi previsto por qualquer perito tertuliano. Encontramos um exemplo claríssimo no que ocorreu há pouco mais de um século. Em agosto de 1914, produziu-se algo que todos os especialistas garantiam não poder vir a acontecer. H.N. Norman, analista político britânico, proclamara, no início desse ano, no jornal Manchester Guardian: “Tanto quanto algo pode ser certo em política, as fronteiras dos estados modernos já estão traçadas. Creio que não haverá mais guerras entre as seis grandes potências.” Três anos antes, G.P. Gooch, com a sua credibilidade de prestigiado historiador, escrevera o seguinte: “Os conflitos bélicos entre nações civilizadas tornaram-se algo tão antiquado como os duelos.” Com a Primeira Guerra Mundial já em marcha, o otimismo não diminuiu: o escritor H.G. Wells vaticinou que ia ser “a guerra que acabará com todas as guerras”, e o semanário The Economist opinou que “seria impossível manter as hostiliades durante muitos meses”, por motivos económicos e financeiros.
SHUTTERSTOCK / TRATAMENTO DIGITAL: JOSÉ ANTONIO PEÑAS
OCIDENTE CONDENADO Derrotada a Alemanha, e apesar da embriaguez da vitória, as mentes mais esclarecidas voltaram a perorar, mas desta vez dominadas pelo pessimismo. Basta referir o best-seller do pensador alemão Oswald Spengler, A Decadência do Ocidente (publicado entre 1918 e 1923), ou citar o que disse o médico e humanista Albert Schweitzer em 1922: “É evidente para qualquer pessoa que está em marcha o suicídio da humanidade.” Contudo, estava-se nos alegres anos 20. Após a Segunda Guerra Mundial, as projeções
dos especialistas também não eram risonhas, o que talvez seja lógico. Albert Einstein advertiu: “Apenas a criação de um governo global pode impedir a autodestruição da humanidade.” Na mesma linha pessimista, H.G. Wells, novamente, escreveu o seguinte: “O fim de tudo o que chamamos vida está ao alcance da mão e não podemos evitá-lo.” Essa época ficou conhecida como “era da ansiedade”, uma altura em que as previsões já não eram pessimistas, mas catastróficas. Todavia, o nível de vida alcançara patamares inusitados. O medo de uma inevitável guerra nuclear confundiu as vozes mais autorizadas. Ninguém foi capaz de vislumbrar o aumento da taxa de natalidade ou o tremendo dinamismo que impulsionou as economias ocidentais. De facto, estavam convencidos do contrário: receavam que a desmoblização militar fosse seguida de um aumento exponencial do desemprego.
CATÁSTROFE ALIMENTAR Exemplo diáfano da duvidosa clarividência dos especialistas é a demografia, um dos campos mais fáceis, a priori, de antecipar. Entre os prognósticos mais errados, encontramos o de Paul Ehrlich, um entomologista que ainda trabalha na Universidade de Stanford (Estados Unidos). Em 1967, publicou o livro A Explosão Demográfica, no qual afirmava: “Perdemos a batalha para alimentar a humanidade. Na década de 70, centenas de milhões de pessoas morrerão de fome, mesmo que comecemos a aplicar programas de choque desde já.” No mesmo ano, William e Paul Paddock publicavam Fome 1975!, cujo título diz tudo. Numa recensão publicada na revista Science, o biólogo James Bonner escrevia: “Todos os estudiosos sérios concordam que é inevitável uma crise de fome nas nações subdesenvolvidas.” Na realidade, aconteceu o contrário: a revolução verde (o aumento da produtividade agrícola devido a diversos avanços tecnológicos) não só deu de comer a toda a população mundial como pecou por excesso. Entre 1961 e 2000, a quantidade de calorias consumidas por indivíduo e por dia aumentou, em média, 24 por cento. Na Índia, subiu 20%; em Itália, 26%; na Indonésia, 69%. A China, que sofreu uma crise de fome entre 1959 e 1961, viu a sua ingestão Interessante
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calórica aumentar uns surpreendentes 73% nos 40 anos seguintes. E a insistência em vaticinar a evolução do preço do petróleo? Pode parecer simples, pois é apenas necessário basear-se na lei da oferta e da procura. Erro crasso. Em 1977, o presidente norte-americano, Jimmy Carter, pronunciou um emocionante discurso em que afirmava que a crise energética obrigava os Estados Unidos a enfrentar “um equivalente moral da guerra”. A economia nacional tinha de se afastar do ouro negro, pois a procura iria ultrapassar amplamente a produção, e os preços iriam, inevitavelmente, disparar. Carter não fez mais do que verbalizar o que todos os peritos pensavam nos anos 70: o valor pecuniário do crude iria experimentar um aumento constante e perpétuo. Oito anos depois, a cotação do barril de petróleo caiu a pique. Como afirma cinicamente o diplomata norte-americano James E. Akins, “os que tentaram adivinhar o preço do petróleo só fizeram um pouco melhor do que os que anunciam terramotos ou a segunda vinda do Messias”. A verdade é que a economia é um atoleiro de areias movediças. Apesar disso, consultores de investimentos, agências financeiras e outros especialistas não se inibem e continuam a lançar prognósticos como quem atira dados em Las Vegas, sabendo que, como acontece com os astrólogos e as suas “previsões” para o ano seguinte, ninguém irá verificá-los passado doze meses.
ERRO REPETIDO Por exemplo, a revista norte-americana Businessweek publicou, em dezembro de 2007, as apostas de 54 prestigiados analistas para o ano que chegava: todos concordavam que a economia norte-americana não iria entrar em recessão e que 2008 seria um ano “estável, embora pouco espetacular”. O mais surpreendente não é que não soubessem de que lado soprava o vento, mas que, no final desse ano terrível em que a economia desabou, a revista tenha voltado a ouvir os mesmíssimos especialistas sobre o ano de 2009... Nem sequer lhes ocorreu refletir sobre o fiasco anterior! As crises seguem uma regra simples: se um economista vaticinar uma, não acontecerá; se existe consenso de que tudo correrá bem, é melhor apertar o cinto de segurança. Em 1987, o livro A Grande Depressão de 1990, do economista Ravi Batra, foi uma das obras
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A epidemia de fome foi evitada pelo sucesso da revolução verde
mais vendidas nos Estados Unidos. Ninguém deu por qualquer desastre. No mesmo ano, Jacques Attali, antigo assessor do presidente francês François Mitterrand, publicava Milénio, no qual anunciava grandes alterações para o ano 2000. Segundo Attali, os Estados Unidos e a URSS iriam perder o seu estatuto de superpotências e ser substituídos pela Europa e pelo Japão, enquanto a China e a Índia teriam grande dificuldade em ultrapassar a sua situação de pobreza. Apenas um milagre conseguiria colocar esses dois países no xadrez mundial. Sem comentários. Nem os galardoados com o Prémio Nobel da Economia estão a salvo da asneira. Em 1997, quando os países do leste asiático estavam asfixiados por uma tremenda crise, Paul Krugman, colunista do New York Times (e, atualmente, da Visão) e vencedor do Nobel em 2008, avisava: se não agissem rapidamente, enfrentariam um cenário desolador. A solução que propunha? Um controlo estrito da moeda. Ninguém fez caso e a Ásia regressou ao Olimpo económico em menos de dois anos. Que dizer de Irving Fisher quando afirmou, a 17 de outubro de 1929, perante um grupo de investidores preocupados: “A Bolsa continuará a ser um bom negócio; pelo menos, nos próximos meses.” Todos sabemos o que aconteceu na semana seguinte. Poderíamos citar também o lendário John Maynard Keynes: “Não vai haver consequências sérias, na Grã-Bretanha, do que sucedeu em Wall Street.”
Passado pouco tempo, o Reino Unido mergulhava na Grande Depressão. Não se pode, também, confiar nos cientistas quando se põem a imaginar que caminhos serão percorridos pelas suas disciplinas nos tempos que se seguem. Os membros do RAND, um laboratório norte-americano de ideias no qual se analisa a evolução da tecnologia, afirmavam em meados do século XX que haveria, no ano 2000, quintas submarinas onde mergulhadores cuidariam dos peixes como se faz com o gado em terra, e que o homem já teria chegado a Marte.
FÉ CEGA NOS ANALISTAS Por sua vez, Herman Kahn, fundador do Hudson Institute, escreveu, em 1967, que as bombas nucleares seriam utilizadas na exploração mineira, que luas artificiais iriam iluminar as noites e que haveria colónias nas profundezas oceânicas. Contudo, ninguém previu o aparecimento da internet ou a extraordinária miniaturização dos dispositivos eletrónicos. Deveríamos estar convencidos de que o futuro é incognoscível, mas continuamos a pensar que não é assim. Encontramos um exemplo dessa confiança cega na revista Time. A 7 de dezembro de 2009, escrevia que o início do século XXI tinha constituído uma “década infernal”: o 11 de Setembro, a guerra no Iraque, o furacão Katrina, a crise financeira de 2008... Contudo, não hesitava em afirmar que, nos próximos anos, a situação iria melhorar.
Desculpas clássicas
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Bendito arroz. Em 1967, o biólogo Paul Ehrlich pintou um cenário terrível, mas os avanços tecnológicos na agricultura izeram disparar a produção em países como a Índia (na foto).
“Se a década anterior foi tão terrível e inesperada, o que faz a revista Time crer que a próxima não o será?”, perguntava, apropriadamente, o psicólogo Dan Gardner. Artigos jornalísticos, blogs, debates, programas de opinião na rádio e na televisão... Milhares de especialistas adiantam os seus fundamentados prognósticos sobre quem irá vencer as próximas eleições, que país vai declarar guerra a outro, se o preço das casas vai subir ou baixar... Parece que não nos importamos muito quando metem o pé na argola: continuamos a pedir a sua opinião. J. Scott Armstrong, especialista em marketing da Universidade da Pensilvânia, estabeleceu uma teoria sobre o absorvedor de vaticínios: “Por mais provas que haja de que os áugures não existem, o absorvedor estará sempre disposto a pagar para eles continuarem a existir.” De onde vem essa fé recalcitrante? Em parte, da nossa aversão à incerteza. Admitir que não sabemos o que vai acontecer (ou, pior ainda, que não podemos saber) causa inquietação e, em muitos casos, angústia. É por isso que muitos recorrem a videntes, para questões da sua vida privada, e consultam especialistas, no que diz respeito à pública. Podemos encontrar, entre eles, pessoas com doutoramentos, detentores de prémios, outras com cargos universitários ou em grandes empresas... Acreditamos porque, como dizia o detetive Mulder em Ficheiros Secretos, queremos acreditar. Obviamente, os exemplos anteriores não
provam que os gurus se enganam sempre. Uma das previsões mais espetaculares foi a adiantada por Amory Lovins, perito energético, quando anunciou, em 1981, que se produziria, algures entre 1995 e 2005, o “colapso efetivo da URSS por pressões políticas internas”. O que interessa não é o número de vaticínios certos ou errados, mas a taxa de erro. Se verificássemos que os sábios se enganam 95% das vezes, talvez fosse mais sensato confiar nos bolinhos da sorte.
ESTUDO SISTEMÁTICO Para isso, seria necessário um estudo sistemático, à semelhança do que fez, em 1984, a revista The Economist, quando pediu a 16 pessoas para efetuarem uma projeção a dez anos sobre o ritmo de crescimento económico, as taxas de inflação, o preço do petróleo... Entre os consultados, havia ex-ministros, presidentes de multinacionais, estudantes de economia e quatro cidadãos comuns. Passado uma década, os editores analisaram os vaticínios e descobriram que tinham sido, para não dizer pior, completamente inúteis. O mais interessante é que os leigos na matéria e os administradores das multinacionais foram os que melhor se saíram, enquanto os antigos ministros da Economia se revelaram péssimos adivinhos. Noutra ocasião, a já desaparecida revista Brill’s Content comparou as previsões de comentadores televisivos com as de um chimpanzé chamado Chippy, que escolhia cartas ao acaso. O símio portou-se melhor.
anto faz a magnitude do erro: os especialistas têm quase sempre à mão uma justificação. Eis as quatro mais habituais. “Quase acertei” – O caso mais paradigmático é o do biólogo Paul Ehrlich, já referido, que publicou, em 1967, um livro no qual antecipava uma fome generalizada que fustigaria a humanidade. Em 2009, reconhecia que a obra “subestimara o impacto da revolução verde”. Porém, prosseguia, as suas teses continuavam válidas, em linhas gerais. Trata-se de uma postura habitual: não admitem que se enganaram; quando muito, concedem que há pormenores incorretos. “Teria acontecido, se não fosse aquele fator imprevisível” – Se quisermos ir ainda mais longe, a sua clarividência ajudou a evitar o que ia acontecer. Foi a desculpa dos profetas do célebre “efeito 2000”. Informáticos de todo o mundo vaticinaram as situações mais horríveis quando surgisse nos computadores a fatídica data de 1/1/2000. Depois, os especialistas alegaram que o desastre não se produzira graças às suas profecias. “Vamos esperar para ver” – Se o previsto não se concretizou, é porque ainda não chegou a altura, mas irá certamente acontecer. Se foi dado um prazo para ocorrer, a justificação será que isso é um pormenor irrelevante. Dar o dito por não dito – Consiste em transformar a previsão que se fez em algo mais elástico: não é que fosse inevitável acontecer, mas poderia ter sucedido. Tal atitude reflete uma máxima dos astrólogos, segundo a qual “as estrelas propiciam mas não obrigam”. Assim, nunca podem falhar...
A prova definitiva do escasso valor dos vaticínios formulados por nomes de prestígio foi um estudo iniciado em 1984 e dirigido pelo psicólogo Philip Tetlock, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Nessa altura, o mundo vivia momentos de tensão: a Administração Reagan acumulava arsenal militar, enquanto o exército soviético enfrentava os guerrilheiros afegãos apoiados pela CIA. A Academia Nacional de Ciências criou uma comissão de especialistas para procurar formas de evitar uma guerra nuclear. Tetlock era um deles, e começou a entrevistar analistas para darem a sua opinião sobre o que poderia acontecer. Pouco depois, em março de 1985, Mikhail Gorbachov tornou-se presidente da URSS e deu luz verde a uma liberalização sem precedentes: ninguém Interessante
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Ninguém poderia ter antecipado a extraordinária cadeia de acontecimentos que conduziu à tragédia do Concorde, em 2000.
Explosão de borracha. A muito baixas temperaturas, muito materiais comportam-se de forma estranha. A borracha, por exemplo, torna-se tão quebradiça como o vidro
O improvável é imprevisível
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inguém consegue prever o inesperado, aquilo que Nassim Nicholas Taleb, professor do Instituto Politécnico da Universidade de Nova Iorque, designou por “cisne negro”. Exemplo meridiano dessa impossibilidade foi o desastre do Concorde, ocorrido a 25 de julho de 2000. Foi provocado por um pequeno pedaço
de titânio que se soltou de um DC 10 que descolara, pouco antes, do Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. O fragmento de metal fez rebentar uma das rodas do avião supersónico, e um pedaço de borracha atingiu, por sua vez, um dos depósitos de combustível. As ondas mecânicas criadas pelo impacto fizeram saltar uma das
Os especialistas tendem a ver apenas o seu lado da questão o tinha intuído. Além disso, todos puxavam a brasa à sua sardinha: os conservadores estavam convencidos de que a política de Reagan forçara os soviéticos a democratizar-se, enquanto os progressistas consideravam que os comunistas se tinham apercebido dos seus problemas económicos e estavam a mudar, embora Reagan dificultasse o processo.
MOEDAS AO AR Desconcertado, Tetlock decidiu fazer uma experiência. Recrutou 284 politólogos, economistas e jornalistas conhecidos pelo seu trabalho como consultores. Como é óbvio, garantiu-lhes o anonimato, para não correrem o risco de passar por incompetentes. Durante anos, o grupo respondeu às perguntas que o psicólogo lhes colocava, e ele reuniu 27 450 previsões. Exigia, naturalmente, que fossem precisos nas suas respostas: não podiam dizer “é muito provável”, mas deviam adiantar uma percen-
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tagem, à semelhança dos meteorologistas quando afirmam que há 80% de probabilidades de chover no fim de semana. A análise dos dados conduziu à seguinte conclusão: as previsões dos especialistas não teriam acertado mais se tivessem sido feitas atirando moedas ao ar. Contudo, não era isso que interessava Tetlock, pois queria saber se existia algum tipo de especialista mais credível do que outros. Assim, descobriu que se podiam dividir em três grandes grupos: aqueles que estavam totalmente alheios ao mundo real, os que se mostravam ligeiramente despistados e uns poucos que percebiam para que lado sopravam os ventos. Surpreendentemente, o que os distinguia não era a ideologia política, ou que fossem otimistas ou pessimistas relativamente ao futuro, nem sequer o facto de terem um doutoramento, vasta experiência profissional ou acesso a informação confidencial. A diferença
válvulas de combustível, o que provocou uma fuga de querosene. Este incendiou-se devido às faíscas dos cabos que tinham ficado soltos e, por fim, as chamas atingiram o motor número 2. Esta acumulação de acasos é verdadeiramente imprevisível e não é vulgar mesmo no nosso acidentado mundo.
fundamental residia na sua forma de pensar. Tetlock comprovou que aqueles que se portavam pior não lidavam bem com a complexidade e a incerteza: reduziam o problema a uma estrutura teórica conhecida, como se fosse um molde. Os bons vaticinadores, pelo contrário, não tinham ideias pré-concebidas, mas procuravam obter informação de diferentes fontes para poderem sintetizá-la. Adotavam também a autocrítica e questionavam as suas certezas. Tetlock chamou-lhes “raposas” e “ouriços”, numa alusão a um poema grego segundo o qual as primeiras sabem muitas coisas pequenas, e os segundos uma única grande coisa. No grupo dos ouriços, os mais extremistas eram os piores áugures. Além disso, quando faziam apostas sobre um tema da sua especialidade, os resultados pioravam. Como mostram grande confiança em si próprios, são precisamente aqueles que povoam os artigos de opinião dos jornais e os comentários televisivos. Em resumo, o trabalho de Philip Tetlock demonstra o que um consultor inspirado afirmou certa vez: “Os videntes deitam cartas; nós usamos o PowerPoint.” M.A.S.
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Medicina Não acredito! O medicamento mais lucrativo de sempre é o Viagra, descoberto por investigadores durante estudos clínicos de um remédio para a angina de peito.
Previsões que ninguém fez
Curados por ACIDENTE Alguns dos medicamentos e das técnicas cirúrgicas mais comuns são produto do acaso. A história da medicina é rica em descobertas acidentais que salvaram a vida de milhões de pessoas.
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aconteceu com o primeiro comprimido para tratar a ejaculação precoce: o Priligy. O seu desenvolvimento foi casual, depois de alguns pacientes que tomavam antidepressivos da mesma família da dapoxetina, o seu princípio ativo, constatarem que o tratamento atrasava a ejaculação.
FAÇANHAS DA MEDICINA
O fármaco, publicitado em 2009 como “o Viagra contra a ejaculação precoce”, acabou por se revelar menos útil do que se esperava, mas outros medicamentos e técnicas, cuja aplicação clínica foi descoberta por acaso, representaram verdadeiras façanhas da medicina. É o caso dos raios X. A 8 de novembro de 1895, o médico alemão Wilhelm Röntgen descobriu, ao trabalhar com um tubo de raios catódicos, que este emitia, quando era ligado, raios invisíveis que atravessavam materiais como a madeira ou o vidro. Em experiências posteriores, observou que objetos de diferente espessura interpostos na trajetória dos raios mostravam diversos graus de transparência quando eram registados numa placa fotográfica. O mesmo acontecia com as pessoas, como comprovou com a sua própria mulher. Segundo narra Clifford A. Pickover em O Livro da Medicina, ela “guinchou, aterrorizada”, perante a descoberta de Röntgen. A descoberta tornou-se rapidamente conhecida e suscitou reações apaixonadas. Alguns céticos disseram que os raios X iriam destruir a espécie humana, enquanto os mais entusiastas lhes atribuíram o poder de devolver a vista aos cegos. Alguns sonharam usá-los para “fazer
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icar curado de uma doença ou agir na sua prevenção depende, na maioria dos casos, dos milhares de horas de investigação que estão por detrás de um fármaco ou de uma tecnologia; noutros, do olho clínico do médico. Com maior frequência do que se pensa, também está relacionado com o acaso. As farmácias vendem muitos medicamentos criados para um problema que mostraram ser eficazes para tratar outro, de forma completamente imprevista. Tais surpresas surgem após observar os efeitos secundários nos pacientes, ou quando alguém recebe um tratamento para uma doença que acaba por curar outra, diferente. Foi o que aconteceu com a amantadina, um antiviral receitado nos anos 50 e 60. Joan Ramon Laporte, especialista em farmacologia e assessor da Organização Mundial de Saúde (OMS), explica: “Não se revelou eficaz contra a gripe, mas os doentes de Parkinson que o tomavam sofriam menos de tremuras, pelo que foi investigado como tratamento para essa doença.” Os dois princípios ativos mais comuns para tratar a alopecia, a finasterida e o minoxidil (o primeiro é comercializado na forma de comprimidos; o segundo, em loções), começaram a ser utilizados para a hiperplasia benigna da próstata e a hipertensão arterial, respetivamente. Muitos dos pacientes que os tomaram falavam de um efeito inesperado: fazia o cabelo crescer. Tratava-se apenas de uma penugem, mas foi o suficiente para pegar no fio da meada e realizar os ensaios que conduziram à sua atual aplicação. Algo de semelhante
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O tratamento contra a alopecia começou por ser contra a hipertensão diagramas chegar diretamente ao cérebro dos estudantes”, escreve Pickover. Os benefícios dos raios X foram inquestionáveis, mas tinham um aspeto mais obscuro. Em 1926, o biólogo norte-americano Hermann Muller demonstrou que a sobreexposição a esse tipo de radiação eletromagnética pode produzir mutações celulares.
ESFREGAÇO SALVADOR
Explosivo para o coração
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uitos medicamentos para contolar a pressão arterial tiveram origem numa substância destrutiva: a nitroglicerina, o composto utilizado por Alfred Nobel para inventar a dinamite, em 1867. Os seus efeitos vasodilatadores foram descobertos numa fábrica de Nobel que produzia nitroglicerina, cujos trabalhadores, para surpresa do médico que os tratava, não sofriam de hipertensão. O surpreendente efeito estava relacionado com o produto que inalavam acidentalmente e que os seus corpos absorviam diariamente. Hoje, continua a ser utilizada para controlar a tensão e para tratar problemas como o enfarte agudo do miocárdio e a insuficiência cardíaca.
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Outra descoberta fortuita (desta vez, sem efeito adverso) foi a de um exame eficaz para detetar o cancro do colo do útero. A citologia vaginal, ou exame de Papanicolau, é dos testes clínicos mais baratos e que mais vidas femininas salvaram; permitiu a prevenção e deteção, em fases precoces, do cancro do colo do útero. Antes de o seu uso se generalizar, o normal era deparar com tumores já incuráveis. O médico que deu nome à técnica, Georgios Papanicolau, desenvolveu-a há quase cem anos enquanto estudava o efeito do álcool em cobaias e nas suas crias. A tarefa exigia a análise de grande quantidade de óvulos na fase que antecedia a ovulação e, nessa época, a única forma de obtê-los era sacrificando muitas fêmeas. Para evitá-lo, decidiu aproveitar os óvulos da hemorragia vaginal periódica dos roedores. Como? Com recurso a um esfregaço vaginal realizado com a ajuda de um pequeno espéculo. Ao observar as amostras ao microscópio, ficou fascinado com a variedade de formas celulares que apareciam, pelo que decidiu aplicar o teste em seres humanos. A sua mulher, Maria, foi a primeira a ser submetida a uma citologia vaginal. Em 1924, Papanicolau efetuou o mesmo exame a uma paciente que desenvolvera cancro do útero, e descobriu células neoplásicas que não observara em exames anteriores. Encontrara, por acaso, uma técnica de diagnóstico que iria ser de enorme utilidade no campo da ginecologia. Um século antes desse avanço, na década de 1820, chegara-se à conclusão sobre como realizar, com alguma segurança (embora a mortalidade ainda fosse muito elevada), uma cesariana. A primeira cirurgia deste género que constituiu um êxito para a mãe e o bebé ocorreu por volta de 1500; conhecidos os pormenores do caso, os atuais ginecologistas concordam que só acabou bem por sorte... Quem a executou foi um criador de porcos suíço chamado Jacob Nufer. Desesperado com
a situação da mulher, há dias em trabalho de parto, conseguiu autorização das autoridades para um ato temerário. Uma das facas que utilizava no seu ofício serviu para abrir o ventre da mulher e tirar o bebé. Sobreviveram ambos e o casal teve mais cinco filhos. Segundo os especialistas, tudo correu bem porque se produziu o acaso de a gravidez ser ectópica, isto é, o feto tinha-se desenvolvido fora do útero. Se tivesse sido uma gestação normal, a mãe teria morrido de hemorragia. Este êxito constitui uma exceção. Os fármacos e técnicas cujos efeitos foram descobertos por acaso provêm, na sua maioria, de investigadores cujo trabalho foi compensado pela sorte, muitas vezes depois de uma vida inteira de esforço. Trata-se sempre de pessoas com uma capacidade científica fora do vulgar.
HEMORRAGIA IMPARÁVEL Frank Schofield, um veterinário inglês, mostrou possuir essas qualidades ao determinar, em 1921, a causa das graves hemorragias que matavam vacas e ovelhas no Canadá, onde vivia. Após eliminar a hipótese de um agente infeccioso, observou as plantas que o gado comia e concluiu que o responsável pelas mortes era o trevo-doce, uma herbácea introdu-
Sorte e trabalho. Estudos sobre o efeito do álcool em cobaias levaram o médico grego Georgios Papanicolau a descobrir um teste para o cancro do colo do útero.
zida pelos criadores na dieta dos animais para substituir o milho, afetado por uma praga. Em experiências com bezerros, Schofield comprovou que os exemplares alimentados com trevo-doce fermentado em silos eram vítimas de hemorragias incontroláveis ao serem castrados, o que não acontecia aos que comiam outros vegetais. Ao analisar o sangue dos espécimes, observou que o dos bezerros mortos demorava mais do que o normal a coagular, devido a alguma substância que o impedia. Seria identificada, em 1939, pelo investigador Harold Campbell, da Universidade do Wisconsin, que conseguiu isolá-la e lhe atribuiu o nome de dicumarol. A descoberta era demasiado importante para se retringir a uma aplicação veterinária; em 1941, a revista Mayo Clinic Proceedings publicou a primeira referência à utilização do anticoagulante em seres humanos. Cerca de três por cento da população é hoje tratada com medicamentos semelhantes. Alexander Fleming é, para muitos, o maior exemplo de uma vida consagrada à investigação. Em 1928, o cientista escocês descobriu a penicilina enquanto estudava o vírus da gripe. Quando ia desfazer-se das placas de Petri em que cultivara a bactéria Staphylococcus aureus,
observou que se depositara bolor na sua superfície e que as bactérias tinham deixado de se desenvolver à sua volta. Deduziu que o bolor segregava alguma substância que inibia esse crescimento. Começou a cultivar bolor puro e estabeleceu que era do género Penicillium. A descoberta não recebeu muita atenção até que, em vésperas da Segunda Guerra Mundial, os químicos Ernst Boris Chain e Walter Florey reataram a investigação e desenvolveram as primeiras aplicações clínicas da penicilina: era o princípio da era dos antibióticos, que eliminaram males ancestrais como a tuberculose ou a sífilis, e permitiram tratar os feridos em batalha. Quando foi galardoado com o Prémio Nobel da Medicina, em 1945, juntamente com Florey e Chain, Fleming afirmou com modéstia: “O meu único mérito foi não ignorar aquela sugestiva camada de bolor. Por vezes, encontra-se aquilo de que não se estava à procura.”
MEU QUERIDO COMPRIMIDO! O que a Pfizer descobriu quando estudava os efeitos do citrato de sildenafilo era, também, muito diferente do que procurava. Os testes para encontrar um princípio ativo que aumentasse o fluxo de sangue no coração para tratar a angina de peito estavam a revelar-se
dececionantes. Todavia, quando o estudo terminou, os homens que tinham participado no ensaio clínico não se mostravam dispostos a devolver os comprimidos que tinham sobrado do medicamento. A razão era que, depois de tomá-los, o sangue fluía abundantemente ao pénis, com a consequente ereção. No laboratório, viram logo a oportunidade de negócio: a disfunção erétil é frequente, e não havia tratamento. Escolheram cuidadosamente a forma, a cor e o nome da pílula, o qual devia ser curto, fácil de recordar e positivo. A fim de sublinhar esta última característica, misturaram a palavra “vigor”, que era o que o comprimido proporcionava, com o nome “Niagara”, que evoca a força das cataratas. Uma grande campanha de marketing acompanhou o lançamento do Viagra, em 1998. O dinheiro que os ensaios clínicos e a publicidade tinham custado foi o melhor investimento da história da indústria farmacêutica, pois é o medicamento mais rentável até à data. O negócio da Pfizer poderá ser ainda maior se se confirmar a utilidade do sildenafilo para emagrecer, efeito que está a ser estudado no Instituto de Farmacologia e Toxicologia da Universidade de Bona. O seu diretor, Alexander Pfeifer, falou há dois anos em “efeitos incríveis” Interessante
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Drogas multiuso Ansiolíticos, anticoagulantes, anti-inflamatórios... Em qualquer farmácia caseira, existem medicamentos surgidos de estudos que procuravam solução para uma doença específica e acabaram por descobrir substâncias eficazes contra problemas muito diferentes. Sildenailo Ibuprofeno Ácido zoledrónico Finasterida Inibidores de recaptação da serotonina Metilfenidato Bexaroteno Ácido acetilsalicílico Amantadina Minoxidil
Outras indicações
Uso original Insuiciência cardíaca Anti-inlamatório Oncologia Hiperplasia benigna da próstata Antidepressivo Antidepressivo Linfomas cutâneos Antissético Gripe Tensão arterial
Disfunção erétil/obesidade Cancro da pele Remineralização óssea e dentária Alopecia Ejaculação precoce Déice de atenção e hiperatividade Osteoporose Analgésico Parkinson Alopecia
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Princípio ativo
O primeiro antipsicótico era para ser um anestésico ao referir-se aos resultados das experiências com ratos. Segundo explicou, o fármaco que devolveu a potência sexual a milhões de homens poderia “derreter o tecido adiposo na cintura”. Aparentemente, o sildenafilo inibe a degradação do mensageiro molecular GMP cíclico, que determina como o corpo armazena a gordura: na forma de gordura castanha, mais saudável, ou branca, mais prejudicial. A equipa verificou que o mesmo mensageiro molecular controla a pressão arterial e impede a produção de hormonas inflamatórias. Pfeifer proferiu estas declarações depois de comprovar os efeitos em ratos que tinham estado apenas uma semana em tratamento, sem esperar pelos resultados de estudos mais prolongados. Será por acaso que se investigam os efeitos do sildenafilo na obesidade, o problema de saúde mais comum no mundo desenvolvido? A mesma pergunta poderia ser colocada em relação a outras substâncias que estão a ser testadas para tratar doenças que afetam milhões de pessoas e potenciais clientes.
ESTRATÉGIA COMERCIAL Laporte não duvida de que “a utilização de muitos medicamentos em indicações em que a sua eficácia não foi demonstrada tornou-se uma estratégia comercial das companhias farmacêuticas”. As autoridades têm consciência disso e já cobraram elevadas multas por tais práticas. A poderosa GlaxoSmithKline pagou 2380 milhões de euros, em 2012, depois de o Departamento de Justiça norte-americano ter considerado demonstrada a comercialização fraudulenta dos seus antidepressivos Paxil e Wellbutrin para fins não autorizados. Por vezes, a eficácia do fármaco acaba por se revelar nula em certos casos. Laporte cita o caso da fluoxetina (Prozac): “É eficaz contra a depressão grave, mas pouco na moderada; e,
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quando a pessoa está apenas triste, não serve.” Contudo, grande parte dos lucros que proporciona provém do seu consumo por parte de quem não ganha em tomá-lo. O primeiro antipsicótico, a clorpromazina, foi sintetizado pelo químico francês Paul Charpentier e usado, pela primeira vez, pelo cirurgião Henri Laborit, o qual se apercebeu de que, além do efeito anestésico, eliminava a ansiedade nos pacientes. Falou nisso num estudo lido pelos psiquiatras Pierre Deniker e Jean Delay, os quais decidiram testar o fármaco em doentes graves. Os resultados foram tais que a sua utilização foi aprovada em 1954. Nos anos 60, já era tomado por cinquenta milhões de pessoas. Igual importância teve um dispositivo médico, o pacemaker implantável. O seu inventor, o sueco Rune Elmqvist, não procurava um mecanismo para tratar as arritmias do coração, mas um sistema para gravar os seus sons. Porém, acabou por criar um aparelho que gera impulsos que estimulam o músculo cardíaco através de elétrodos. Não menos curiosa é a origem do estetoscópio, o sistema de auscultação para escutar os ruídos produzidos pelo corpo. O primeiro era muito diferente dos atuais e nasceu na forma de um simples canudo de papel. René Laënnec, o médico francês que o concebeu em 1816, improvisou-o para examinar uma jovem. Porque não encostou o ouvido ao seu peito, como era habitual? Ao que parece, a jovem era tão atraente que Laënnec não se atreveu a recorrer a esse método de exploração manual. Assim, fez um pequeno canudo com um jornal e ficou atónito ao comprovar que escutava o bater do coração amplificado. Perante esse resultado, fabricou outro com um tubo de madeira, que acabava em forma de trombeta, a fim de poder apoiá-lo no peito ou nas costas. F.C.
Alucinar por acaso
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químico suíço Albert Hofmann sintetizou o LSD (dietilamida de ácido lisérgico) em 1938, quando estudava substâncias vegetais para possíveis utilizações em fármacos. Testou-o em animais como estimulante do sistema respiratório e circulatório, com poucos resultados. Contudo, observou que os espécimes se mostravam muito inquietos sob os seus efeitos. Segundo narrou, um pressentimento levou-a a voltar a estudar a descoberta, em 1943. Um dia, saiu do laboratório afetado por “uma assinalável inquietação e um leve enjoo”. Já em casa, caiu “num estado semelhante ao da embriaguez, não desagradável”, e depois observou, de olhos fechados, “imagens fantásticas e formas extraordinárias de cores intensas”. A experiência prolongou-se por duas horas e Hofmann atribuiu-a à absorção acidental, por via cutânea, de algumas gotas de LSD.
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Antropologia
Traços de família. O paleoartista John Gurche recriou o possível aspeto do Homo naledi, a partir dos fósseis descobertos no sistema Rising Star.
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Reencontrado um primo distante
O Homo NALEDI
A descoberta, em magnífico estado de conservação, de numerosos vestígios desta antiga espécie humana, até agora desconhecida, poderá obrigar os paleoantropólogos a reescrever a história da nossa estirpe.
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Joanesburgo. Rising Star é um local muito frequentado por adeptos da exploração cárstica desde os anos 60, e as suas cavernas são bem conhecidas. Todavia, Tucker e Hunter tinham esperança de encontrar uma passagem pouco acessível e menos estudada.
FENDAS NUNCA ANTES NAVEGADAS
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Nas profundezas da terra, os espeleólogos deslocavam-se com esforço através de uma gateira denominada Superman’s Crawl (que poderíamos traduzir por “o rastejo do Super-
MARK THIESSEN / NATIONAL GEOGRAPHICMAGAZINE)
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ão é exagerado dizer que estamos a viver os tempos mais auspiciosos da paleoantropologia. Numerosas equipas de investigadores esquadrinham por todo o mundo promissoras jazidas com ossos de antigos homininos (isto é, hominídeos bípedes, que caminhavam de pé). Melhores protocolos de estudo e o conhecimento acumulado durante muitas décadas permitem, atualmente, encontrar fósseis espetaculares. Assim, vão surgindo novas espécies de australopitecos, esses fascinantes primos direitos de baixa estatura, cabeça pequena e aspeto semelhante ao de um chimpanzé. Por outro lado, e isso interessa-nos sobremaneira, também se encontram vestígios de indivíduos que já podem ser classificados como humanos, pois possuem cérebros maiores, uma dentadura menor e, em geral, maior estatura do que os seus antecessores. Esses antepassados da nossa estirpe estão incluídos no género Homo, isto é, atribuímos-lhes a categoria de seres humanos, e os seus ossos, de valor incalculável, são os remanescentes mais remotos do nosso património comum. A origem e a evolução dos Homo são, por conseguinte, o que mais nos interessa. Agora, uma descoberta ocorrida na África do Sul volta a surpreender-nos. Essencialmente, foi encontrada uma extensa coleção de fósseis humanos, mas que não se parecem com os que conhecíamos até agora. São tão singulares que os paleoantropólogos os atribuíram a uma nova espécie, denominada Homo naledi (naledi significa ”estrela” em sesotho, uma língua sul-africana). A epopeia da descoberta começou a 13 de setembro de 2013, quando os espeleólogos Steven Tucker e Rick Hunter estavam a explorar o sistema de grutas Rising Star, a cerca de 50 quilómetros de
Um record. A coleção de ossos de Homo naledi recuperados provém de pelo menos 15 indivíduos, com a maioria dos elementos repetidos vários vezes. É a maior quantidade de fósseis de uma única espécie de hominino jamais encontrada em África.
-homem”). O trecho, com menos de vinte e cinco centímetros de altura, tem de ser percorrido com um braço firmemente apertado contra o corpo e o outro estendido sobre a cabeça, mais ou menos na posição adotada em voo pelo herói da banda desenhada. Em seguida, é necessário subir um promontório irregular conhecido pelo nome de “dorso do Dragão”, coroado por uma pequena cavidade com estalactites suspensas. O lugar era suficientemente pitoresco para Hunter pegar na câmara de vídeo. Tucker afastou-se da zona que estava a ser filmada e, ao distanciar-se, encontrou uma fenda no chão. A diminuta abertura não tinha mais de 18 cm de largura e parecia descer em declive. Lentamente, foram descendo pelo estreita cavidade. O túnel vertical, à prova de nervos e de claustrofobia, era, afinal, um abismo com cerca de doze metros que conduzia a um espaço aberto, contíguo a outro, cheio do que pareciam ser ossos humanos. Tucker entrou em contato com Pedro Boshoff, geólogo, espeleólogo e antigo aluno de Lee Berger, paleoantropólogo e professor da Universidade de Witwatersrand. Quando mostraram a este último as fotografias obtidas em Rising Star, deduziu que os restos não pertenciam a seres humanos modernos. Algumas características dos dentes e das mandíbulas pareciam muito primitivas. As imagens também mostravam que havia um crânio parcialmente enterrado e muitos ossos que poderiam representar um esqueleto completo. Uma descoberta assim deixa atónito qualquer especialista. Na mente de Berger, acumulou-se um monte de incógnitas: que género de ser humano estava ali meio enterrado? Como chegara a um local tão inacessível? Qual a sua antiguidade?... Interessante
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H. sapiens
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Homo naledi A. africanus
H. heidelbergensis H. erectus
H. rudolfensis H. habilis
A. garhi
A. prometheus A. aferensis
H. neanderthalensis
H. floresiensis
A. sediba
P. robustus
P. boisei
P. aethiopicus
HOMO A. anamensis
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JOSÉ ANTONIO PEÑAS
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Hoje
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A 7 milhões de anos
A. kadabba
tugenensis Sahelantropus tchadensis
Espécie deslocada. Ainda não se consguiu determinar a antiguidade do Homo naledi. Se for de menos de um milhão de anos, a sua descoberta demonstraria que no sul de África conviveram diferentes espécies humanas. Em cima, a linhagem do género Homo e dos seus parentes.
Um estranho tórax
O
s peritos do Laboratório de Morfologia Virtual do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid utilizam técnicas informáticas para abordar aspetos da morfologia anatómica em 3D. Dois dos investigadores, Markus Bastir (à direita, na foto) e Daniel García Martínez (à esquerda), estão atualmente a estudar, com base em fragmentos de vértebras e costelas, como seria a caixa torácica do Homo naledi. Não é frequente encontrar costelas em jazidas de hominídeos porque, dada a sua fragilidade, é raro fossilizarem. Assim, os vestígios de Dinaledi proporcionam novas pistas para podermos conhecer a biologia dos nossos antepassados. O primeiro fator que chama a atenção é que as vértebras dos naledi parecem modernas, mas as costelas são primitivas, e a sua morfologia recorda a do Australopithecus afarensis. Será que a caixa torácica possui alguma semelhança com a do menino de Turkana, um esqueleto de Homo erectus ou ergaster, com 1,6 milhões de anos, encontrado no Quénia? Segundo Bastir, as costelas inferiores têm, efetivamente, alguma semelhança quando se observam em 3D, o que poderá suscitar dúvidas em relação à suposta modernidade do Homo naledi. “Estamos a analisar a evolução dessas estruturas, e mesmo da cavidade nasal, como parte da evolução do aparelho respiratório e do seu efeito sobre o organismo”, explica Bastir. O facto é que a respiração dos naledi poderá ter sido diferente da nossa.
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A anatomia do Homo naledi tem traços antigos e modernos Era preciso organizar imediatamente um projeto de investigação. Contudo, na altura, o especialista estava muito ocupado a estudar o material fóssil de Malapa, também na África do Sul, uma jazida que ele próprio encontrara e lhe permitira definir uma nova espécie de hominídeo, o Australopithecus sediba. Berger não dispunha de tempo para novos estudos e, além disso, como o espaço estava localizado num lugar praticamente inacessível, nem ele (dada a sua corpulência) nem a maior parte dos especialistas que poderia contactar conseguiriam ali chegar. Tinha de procurar outros cientistas que se envolvessem no projeto, e arranjar financiamento. Este viria pela mão da National Geographic Society, na qual Berger detém o cargo de “explorador residente”.
AVENTURA PARA MAGROS A fim de localizar peritos que pudessem aventurar-se nas profundezas de Rising Star, Berger anunciou no Facebook, no Twitter e no LinkedIn que precisava de arqueólogos e paleontólogos com experiência em espeleologia e escavações. Era também essencial que as pessoas fossem muito magras e estivessem em excelente forma física. Depois de examinar os candidatos, escolheu seis jovens cientistas do sexo feminino. A cavidade onde os fósseis repousam chama-se Dinaledi (“sala das estrelas”), e descer até ali está longe de constituir um passeio. O precipício é irregular, com grandes dentes de rocha que se destacam no interior. Enquanto se transita pelo espaço apertado, é preciso procurar sítios para colocar as mãos e os pés, abrindo lentamente passagem. Alguns investigadores chegaram a interrogar-se sobre se não
teria sido melhor alargar o buraco, utilizando explosivos de forma controlada. O impedimento deve-se ao facto de o local ser Património da Humanidade, pelo que os trabalhos de escavação devem preservar os contornos das cavernas tal como se encontram, no estado natural. Nesse sentido, não só se tornava prioritário não alterar o meio, como tinha de se conceber uma forma de evitar que os fragmentos de rocha criados pelas detonações danificassem os ossos. Apesar do árduo itinerário, recorreu-se às mais avançadas tecnologias para otimizar as escavações e o estudo in situ. Graças ao eficaz trabalho dos membros do Clube de Exploração Espeleológica da Província de Gauteng, foi possível introduzir em Dinaledi cerca de dois quilómetros de cabo para abastecimento elétrico e comunicações. Assim, instalados num centro de controlo à superfície, Berger e a sua equipa podiam monitorizar e supervisionar, através de câmaras, a recolha dos valiosos restos. Além disso, foi erguida uma aldeia de tendas de campanha para provisões e para pernoitar, e outra de grande tamanho para o material científico, que denominaram Tenda da Ciência.
UM VERDADEIRO TESOURO Quando as câmaras de vídeo que as investigadoras transportavam mostraram, finalmente, o chão lamacento de Dinaledi, ficou claro que os ossos estavam em magnífico estado de conservação. Havia uma enorme quantidade, e muitos elementos do esqueleto repetidos. Em breve se tornou evidente que pertenciam a vários indivíduos, tantos que era difícil fazer uma ideia do número exato no posto à superfície. A equipa de escavadoras precisou de qua-
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tro semanas para extrair todos os fósseis de uma pequena área de um metro quadrado. Era um verdadeiro tesouro paleoantropológico, recolhido com precisão, paciência e tenacidade. A limpeza, a classificação e a etiquetagem do material decorreram na Tenda da Ciência. As duas campanhas efetuadas proporcionaram 1550 peças ósseas que pertencem, pelo menos, a quinze indivíduos, entre adultos, jovens e crianças. Há várias calotas (a parte superior do crânio) e mandíbulas, uma mão e um pé quase completos, costelas, ossos compridos e 190 dentes. Estão tão bem preservadas que se conseguiu mesmo recuperar ossinhos do ouvido interno.
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Tipos finos. O paleoantropólogo Lee Berger, que dirigiu a escavação, mostra o cránio de um naledi. Esta espécie rondava os 1,45 m de altura e os 50 kg de peso, e tinha uma capacidade craniana de até 560 centímetros cúbicos, como a dos australopitecos (um terço da nossa). A morfologia da mandíbula e a dentadura recordam outros Homo antigos.
Reservado. Acesso à rede de galerias Rising Star, onde foram encontrados os restos. Devido à sua importância, agora não se admitem visitas não autorizadas.
ABORDAGEM INOVADORA A fase seguinte consistia em analisar e comparar os exemplares com outras espécies, uma tarefa hercúlea se considerarmos a quantidade de elementos a estudar. Assim, Berger lançou outro apelo pelas redes sociais. Desta vez, recrutou mais de trinta jovens cientistas para participarem num workshop que se realizaria, em maio de 2014, na Universidade de Witwatersrand. Esta abordagem inoInteressante
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FOTOS: WITS UNIVERSITY/NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY
Sensações irrepetíveis
A
arqueóloga norte-americana Becca Peixotto é uma das seis cientistas que efetuaram escavações e extraíram os restos humanos do Homo naledi. Embora tenha obtido, recentemente, um mestrado em antropologia pela Universidade Americana de Washington, dedica-se por completo ao estudo da fabulosa jazida de Dinaledi. As condições de trabalho foram extremamente duras para ela e para as suas companheiras. Pedimos-lhe que nos explicasse como enfrentaram semelhante desafio. Usaram computadores, focos e ligações por vídeo numa gruta muito pequena. Imagino que deve ter sido difícil instalar todos esses dispositivos. Como se arranjaram? Foram introduzidos na caverna cerca de dois quilómetros de cabos, desde a entrada até à sala Dinaledi, para termos eletricidade e garantir as comunicações com a superfície. Os responsáveis por essa tarefa foram Rick Hunter e Steven Tucker, que tinham descoberto a jazida, e voluntários do Clube de Exploração Espeleológica de Gauteng. Por vezes,
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Becca Peixotto, as seis magníicas (Becca é a primeira à esquerda) e as diicílimas condições de trabalho dentro da gruta.
os cabos aproveitavam minúsculas fendas laterais para alcançar de forma mais direta o espaço com os fósseis, pelo que seguiam uma rota diferente da nossa. Conseguir passar os cabos foi um trabalho colossal, e admiro e agradeço às pessoas que disponibilizaram o seu tempo. Conseguiram seguir os métodos tradicionais de descrição arqueológica, como cartografar os ossos num mapa reticulado ou desenhar a zona de escavações? Na realidade, não eram exequíveis na gruta. Por exemplo, não era possível instalar uma estação total, um dispositivo que se fixa num tripé e permite, entre outras coisas, calcular as coordenadas das escavações. A abertura da cavidade era demasiado pequena. Tornava-se mesmo difícil conseguir enfiar um computador e um scanner convencional, pelo que utilizámos um scanner Artec 3D portátil. Colocámos marcadores em redor da gruta para fazer de pontos com cotas conhecidas e, de cada vez que digitalizávamos um fóssil, incluíamos um ou mais dos marcadores no
varrimento. À superfície, a estudante de doutoramento Ashley Kruger conseguiu sobrepor as imagens utilizando os marcadores como pontos de referência. Fizemos um par de esboços, mas recorremos sobretudo à fotografia e ao scanner para documentar. Trabalharam descalças, para evitar pisar os ossos. Pode ter sido bom para os vestígios, mas não para os vossos pés... Como correu? É verdade. Seguimos o que é conhecido por “protocolo de pés descalços”, a fim de proteger os fósseis. Tirando um dedo inchado após ter tropeçado, não houve lesões. Claro que nos sujávamos, mas era muito mais cómodo escavar num espaço reduzido sem calçar pesadas botas. Estávamos muitas vezes de joelhos ou de cócoras. Foi algo muito especial sentir os sedimentos sob os pés, a ligação com a jazida. Estabelecemos uma espécie de zona de aterragem na base da gruta, num espaço a pouca distância da sala Dinaledi. Era ali que tirávamos as botas, comíamos alguma coisa e armazenávamos o equipamento que não estávamos a usar.
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Telecomando. Lee Berger acompanhou e dirigiu a escavação à superfície, graças a 2 km de cabos estendidos pelo interior da gruta. A sua compleição física nunca lhe permitiria chegar lá.
Não foi possível, até agora estabelecer a sua antiguidade
Como extraíram os espécimes? Com luvas, à mão...? Isso poderia afetar de algum modo o processo de preservação do ADN? Não usámos luvas, e os investigadores da equipa principal que catalogaram os fósseis à superfície também não. Agora que já foram descritos, estão a ser preparados diversos tipos de testes invasivos, incluindo uma tentativa de análise do ADN. Esse trabalho será desenvolvido em vários laboratórios de todo o mundo e levará algum tempo. Como se deve interpretar a descoberta de Dinaledi? Não podemos esquecer que a descoberta foi feita num local situado perto de outras jazidas paleontológicas, numa gruta muito visitada. Na realidade, demonstra como ainda temos muito que aprender sobre o nosso passado comum. Nesse sentido, a necessidade de explorar e a curiosidade são muito importantes. Dinaledi mostra-nos que, embora haja sempre coisas novas a estudar nas jazidas que já conhecemos bem, olhar em redor destes lugares pode revelar partes da história que nem sequer conseguimos imaginar.
vadora distanciava-se da ortodoxia paleoantropológica, e alguns colegas pensaram que se tratava de um número mediático. Contudo, funcionou. Berger ganhou assim a alcunha de “Sr. Paleodemocracia”, pois criou um espaço de livre acesso em que os fósseis são de imediato colocados à disposição da comunidade científica, em vez de permanecerem encerrados em caixas-fortes à espera de que uma elite de académicos os esquadrinhe durante anos. Segundo Markus Bastir, do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid, “foi muito generoso da parte dos autores da descoberta da jazida abrir a investigação a paleoantropólogos de todo o mundo; conseguiram criar uma equipa multidisciplinar, que integra, além disso, investigadores jovens que têm, muitas vezes, sérias dificuldades para iniciar as suas carreiras científicas”.
DE ONDE VEIO O NALEDI? A análise preliminar, publicada na revista eLIFE, desenha assim os Homo naledi: de estatura baixa ou mediana, pernas compridas, pés de aspeto humano e caixa torácica e ombros de aparência primitiva. A configuração das mãos é também nitidamente humana, embora os dedos estejam curvados, como aptos para trepar. No seu conjunto, parecem criaturas que podiam caminhar com desenvoltura na postura bípede, mas que se teriam sentido igualmente confortáveis em cima das árvores. Essa amálgama de características primitivas e humanas é um indicador de que teriam evoluído a um ritmo diferente. Os naledi são
morfologicamente semelhantes aos primeiros representantes do nosso género, como o Homo habilis e o Homo erectus, mas os seus restos exibem pormenores que sugerem outros parentescos. O registo fóssil demonstra que a estirpe Homo é muito complexa e que incluiu seres humanos com características mistas que não correspondem a uma simples linha evolutiva a ligar o mais primitivo ao mais moderno. No caso do Homo naledi, as coisas complicam-se ainda mais, pois não foi possível, até agora, estabelecer a sua antiguidade. Ao contrário do que acontece noutras jazidas, os fósseis não surgem associados a vestígios de outros animais, o que facilitaria a datação. De facto, esse estranho pormenor faz parte do mistério que rodeia a descoberta: como foram os corpos ali parar? A ausência de ossos de animais e de marcas de mordidelas nos fósseis sugere que Dinaledi não serviu de refúgio a grandes predadores. Até à data, também não foram encontrados utensílios ou vestígios de alimentos para indicar que o local foi ocupado. Tudo permaneceu enterrado por processos naturais de erosão, pelo que não há indícios de que se trate de uma sepultura ritual, como assinala Rick Potts, diretor do Programa de Origens Humanas do Museu Smithsoniano de Washington. Embora se possa inferir que o espaço nunca esteve aberto ao exterior, talvez tenha havido outro acesso no passado. Para descobrir como teria o Homo naledi alcançado aquele lugar, será necessário um laborioso estudo. M.G.B.
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Uma doença fatal Três em cada cinco portugueses sofrem de stress laboral, um mal que, seja qual for a sua causa, pode provocar sequelas graves, como o cancro ou a depressão. Porém, nem tudo são más notícias: há estratégias muito eficazes para combater as crises.
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VENCER O STRESS A caminho do inferno As jornadas longas. com mĂşltiplas tarefas, tĂŁo frequentes hoje em dia, arrasam o corpo e a mente.
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E
m julho, a nave New Horizons, da NASA, passou rente a Plutão, o corpo espacial recentemente despromovido à categoria de planeta anão. Numa das conferências de imprensa convocadas para comunicar os resultados da missão, o diretor da equipa de investigadores pediu a intervenção de um dos astrónomos que participara no projeto. Para surpresa de muitos, era Brian May, guitarrista do mítico grupo britânico Queen. São muitas as pessoas que alcançaram a fama em determinada atividade e que possuem uma vocação paralela igualmente importante para elas, uma via de escape que lhes permite ultrapassar o stress causado pelas suas profissões e tarefas. Se Brian May considera que não é menos astrofísico do que músico, Woody Allen afirma que o seu maior prazer é tocar clarinete: de facto, preferiu uma atuação com a sua banda de jazz a comparecer na cerimónia de entrega dos Oscars de 1978, em que ganhou uma estatueta com o filme Annie Hall. Albert Einstein adorava música e era um bom violinista e compositor. O autor da teoria da relatividade chegou a afirmar: “Penso sempre na música, e a música enche os meus sonhos diurnos. Consigo ver a minha vida em termos de música, e é dela que retiro grande parte da minha alegria.” Uma frase como esta permite-nos descobrir o motivo pelo qual a dupla vocação é um fenómeno tão generalizado entre os que conheceram o êxito. Possuir outro mundo mental alternativo ajuda a desligar. Interromper, de vez em quando, o fluxo de atenção e desviá-lo da área de pensamento em que estamos concentrados é essencial para não ser vítima de stress. Somos mais eficazes no trabalho quando não estamos stressados. Para isso, precisamos de desligar: ter um interesse completamente diferente do nosso mundo laboral é a melhor forma de consegui-lo
DADOS SURPREENDENTES Enquanto a nave New Horizons fazia a sua tangente a Plutão, cientistas da Universidade de Stanford (Estados Unidos) publicavam os surpreendentes dados do estudo que acabavam de completar. A conclusão a que tinham chegado era que o stress laboral possui consequências tão prejudiciais para a saúde como ser fumador passivo, um dos maiores problemas sanitários no âmbito laboral. Os números, obtidos de centenas de investigações anteriores, mostravam que a tensão profissional aumenta em 35 por cento as probabilidades de adoecer, e em 20% as de morte prematura. A má notícia é que o stress pode produzir consequências devastadoras para o organismo. A boa é que a quantidade de efeitos secundários físicos depende, em grande medida, da forma como enfrentamos o esforço
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Perder a tramontana. O stress feio é aquele que nos leva ao limite e nos incita a ter comportamentos e gestos agressivos e desagradáveis com os que nos rodeiam
excessivo que o mundo atual nos exige. Richard Lazarus, psicólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley, foi pioneiro no estudo dessas estatégias cognitivas de minimização do stress. A sua investigação fê-lo chegar à conclusão de que é mais importante a avaliação feita pelo indivíduo da situação do que as características objetivas desta. O stress surge em consequência da ativação de determinados processos mentais. Se interpretarmos o que está a acontecer como perigoso, ou considerarmos que não temos meios suficientes para enfrentá-lo, acionaremos os mecanismos de alarme. Caso contrário, permaneceremos estáveis. Os problemas surgem, segundo Lazarus, quando existe “uma relação concreta entre a pessoa e o ambiente que é avaliado pelo indivíduo como impositivo, ou que ultrapassa os seus recursos e coloca em perigo o seu bem-estar”. De facto, na opinião deste investigador, a tendência para uma determinada forma de reagir é constante. A uma certa idade (em geral, na adolescência), produz-se um ponto de inflexão a partir do
qual o estilo psicológico de confronto do stress se torna automático. Quando acionamos o nosso mecanismo mental de alarme, reagimos de forma idiossincrática: cada um à sua maneira. Há indivíduos que aprendem desde jovens a confrontar o que lhes produz stress. Outros distanciam-se emocionalmente. Há quem recorra a mecanismos de autodomínio, quem procure apoio social e quem acione estratégias de fuga para evitar o estímulo.
RESULTADOS INDESEJÁVEIS Estes estratagemas tornam-se adaptativos, em certas ocasiões, mas podem conduzir, noutras, a resultados indesejáveis, como os referidos. Quando as consequências são excessivas, podemos alterar o nosso estilo de confrontar o stress se soubermos fazê-lo de forma consciente. Para decidir se queremos diversificar a estratégia com que reagimos às tensões, temos de avaliar se a nossa forma inconsciente de responder às exigências nos deixa satisfeitos. O atual modelo propõe, para realizar o teste, dividir as sensações internas em
VENCER O STRESS Porém, o que acontece nos momentos de maior vulnerabilidade, como em caso de doença de uma pessoa próxima, ou de uma promoção laboral que depende da sorte ou de uma cunha? Nestas circunstâncias, o indivíduo é vítima de distress. Além disso, descarrega geralmente a frustração nas pessoas que o rodeiam, aumentando assim o stress feio.
NÃO HÁ TÉCNICA UNIVERSAL
MUDAR DE ESTILO
COMPORTAMENTOS TÓXICOS
Para podermos decidir se nos convém prosseguir esse estilo de confronto, devemos tomar em consideração os três tipos de stress. Por exemplo: há pessoas mais impulsivas que tendem a procurar resolver de imediato todos os problemas, numa tentativa para tomar as rédeas da situação. São aquelas que, quando sentem que têm de fazer algo, vão em frente, mesmo que essa estratégia não seja a mais aconselhável. Este estilo de confronto funciona bem, geralmente, nas ocasiões em que o indivíduo tem possibilidade de controlar a situação. Nesse caso, sente eustress: enfrenta o perigo e põe mãos à obra. No final, sente-se satisfeito.
No trabalho, nas relações pessoais e nas atividades de diversão, as pessoas com um padrão de personalidade de tipo A tendem a ver o meio circundante como hostil aos seus objetivos vitais e ameaçador para a sua autoestima. Não chegam a avaliar se vale a pena travar uma batalha: entram sempre em todas e isso provoca uma ativação permanente. Desde então, muitos estudos descobriram uma correlação entre pessoas muito competitivas, stress e riscos cardíacos. Uma vez estabelecida a associação, os especialistas procuraram determinar qual é o fator que leva as pessoas com este padrão de personalidade a sofrer mais problemas físicos do que as restantes.
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dade emocional: choramos ou gritamos com facilidade, comunicamos pior, distraímo-nos... Este comportamento enquadra-se no que poderíamos denominar “stress feio” ou “exo stress”, pois afeta as pessoas de que gostamos e afasta-as de nós. É feio no sentido de que nos envergonhamos, depois, dos nossos atos.
A eficácia da nossa maneira de lutar contra esse fenómeno tão atual varia: não existe uma técnica universal, uma estratégia de confronto que funcione durante toda a vida e em qualquer circunstância. O pior que podemos fazer é sermos excessivamente confiantes: a reação de alarme do organismo inclui mecanismos para evitar que nos sintamos mal. É por isso que demoramos tanto a perceber que estamos stressados: são as pessoas que nos rodeiam que se apercebem primeiro. No entanto, há algumas regras que qualquer forma de reação ao stress deve cumprir. Os especialistas destacam três, uma espécie de tríade básica fundamental. Em primeiro lugar, devemos escolher que batalhas é conveniente travar, e quando é melhor permanecer quieto. Em finais dos anos 50 do século passado, dois cardiologistas de San Francisco (Estados Unidos), Meyer Friedman e Ray H. Rosenman, alertaram para uma relação entre o risco de doença cardíaca e o padrão de comportamento de certos indivíduos. Com base nos seus estudos, desenvolveram um modelo do padrão de personalidade (de tipo A) que causa uma predisposição para sofrer problemas cardíacos. Tais indivíduos manifestam um elevado sentido de urgência e são muito impacientes. Movem-se, andam e comem rapidamente; falam depressa e explosivamente e possuem uma acentuada consciência do tempo, isto é, gostam de estabelecer prazos e cumpri-los. O fator mais importante de todos talvez seja que são extremamente competitivos e procuram sempre ganhar.
dois tipos: o stress bom, ou eustress, e o stress mau, ou distress. O primeiro produzir-se-ia quando os nossos estados de alarme são acompanhados pela impressão de que o esforço excessivo é voluntário (escolhido) e de que possuímos recursos (aptidões, capacidade psicológica, etc.) para enfrentá-lo. Um exame numa disciplina que escolhemos por vocação e sabemos conseguir passar se estudarmos seria um bom exemplo de eustress. Por sua vez, o distress surge quando nos sentimos obrigados a enfrentar um estado de alarme (por conseguinte, sem sentido para nós), ou quando acreditamos estar indefesos perante uma circunstância angustiante. Prosseguindo o exemplo já referido, os estudos provocam distress se estivermos a aprender matérias que não escolhemos, ou se forem tão difíceis que achamos que vamos reprovar no exame Além de sensações internas, há consequências externas da sobreativação. Nos momentos de alarme, temos tendência para ficar mais suscetíveis, para reagir com grande instabili-
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Documento Redford B. Williams, neurologista da Universidade Duke (Carolina do Norte), é um dos especialistas que mais estudaram a questão. A conclusão a que chegou é que as pessoas de tipo A têm maior propensão para sofrer ataques cardíacos por duas razões. A primeira, os hábitos: entre outros comportamentos tóxicos, fumam mais, dormem menos, tomam mais bebidas com cafeína e comem de forma menos saudável. A segunda razão é que o seu temperamento contribui diretamente para a doença. Os indivíduos com esse padrão, afirma Williams, estão constantemente a produzir uma grande quantidade de hormonas do stress, pelo que a pressão arterial e a pulsação sobem frequentemente ao longo do dia. Os estudos deste professor mostram que os dois fatores agravam os problemas de saúde e o distress que os afeta. Contudo, Williams também descobriu que reagem com maior agressividade e têm uma permanente sensação de irritação. Essa emoção está diretamente ligada ao exostress: estes indivíduos estão sempre em conflito com as pessoas que os rodeiam. Um estudo recente da Universidade do Michigan mostrou, por exemplo, que as pessoas que se encolerizam com frequência correm três vezes mais risco de morrer prematuramente. Por isso, muitos investigadores aconselham que se abandone essa perceção subjetiva de estar constantemente a lutar contra o mundo. Os indivíduos que mostram maior tolerância ao stress possuem regras simples (“Diz-me respeito?” “Posso mesmo fazer algo?” “O resultado compensa?”) para decidir que problemas resolver e quais abandonar.
Não admito! O stress pode derivar em violência. Em setembro, o parlamento japonês assistiu a um tenso debate que acabou a murro e pontapé.
TOMAR AS RÉDEAS A segunda recomendação para se livrar do stress é tomar as rédeas da própria vida. Em finais dos anos 60, os psiquiatras Thomas Holmes e Richard Rahe, da Universidade de Washington em Seattle, elaboraram uma lista com dezenas de acontecimentos indutores de stress que poderiam ter ocorrido no último ano (a caixa da página seguinte inclui os 25 mais difíceis da escala) e atribuíram uma pontuação a cada circunstância. Procuravam, assim, mostrar o verdadeiro peso das situações, variáveis que os seres humanos tendem a desvalorizar. Em situações de tensão, é bom saber o que estamos a enfrentar. A proposta dos psiquiatras era simples: com base em análises estatísticas, estimaram que o risco de stress é mínimo se a soma de todas as situações de stress ficar abaixo do limiar de 150 pontos. Se se situar entre 150 e 300 pontos, a probabilidade de ser vítima da síndrome nos próximos meses aumenta 50%. Se ultrapassar os 300, as circunstâncias são críticas, pois a probabilidade de ser vítima de stress sobe, então, para 90%.
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Desde essa altura, o teste de Holmes-Rahe é usado como primeira abordagem para saber se a pessoa viveu situações objetivamente stressantes no último ano. Todavia, comprovou-se que as circunstâncias externas não explicam a perceção subjetiva: muitas pessoas que não as experimentaram sentem stress e, ao invés, há indivíduos com pontuações acima dos 300 que se sentem tranquilos. Um fator que poderá explicar estas diferenças que muitos especialistas encontraram nos seus estudos é a sensação de controlo. Michael Scheier, professor da Universidade Carnegie Mellon (Estados Unidos), é um dos investigadores que mais aprofundaram o assunto. Recorda que as pessoas que sofreram alterações radicais nas suas vidas, conflitos ou mesmo catástrofes e acontecimentos traumáticos apenas sentem distress quando os consideram incontroláveis. Há numerosos estudos a demonstrar o peso desta variável. Um deles, talvez o mais conhecido, é aquele que mostrou que os idosos que
vivem num lar e têm pouca perceção de controlo sobre as suas atividades (ritmo de vida, toma de medicamentos, etc.) tendem a deteriorar-se mais rapidamente e morrem antes do que os que ainda conseguem tomar as rédeas da sua existência.
DESLIGAR, DESLIGAR, DESLIGAR Experiências como esta levam os investigadores a sugerir como positiva qualquer estratégia de confronto que aumente a sensação de controlo do indivíduo. É a razão pela qual, por exemplo, as rotinas e a recuperação dos ritmos vitais (alimentação, sono, higiene) ajudam a combater o distress: fazem-nos recuperar o domínio do nosso tempo. É também importante, em situações-limite, concentrar-se naquilo que pode ser feito, mesmo que pareça ser apenas uma pequena parte da solução. Como recorda Stanley C. Allyn: “Não faz sentido preocupar-se com coisas que não se pode controlar. Quando se controla, a pessoa pode fazer algo a esse respeito em vez de preocupar-se.”
VENCER O STRESS
As 25 situações mais stressantes
REUTERS
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Há um terceiro e último lema contra a angústia vital: descontraia-se e desligue. Nesse sentido, uma singular investigação da Universidade Witten-Herdecke (Alemanha) mostrou um efeito que todos suspeitávamos existir: quando se pede às pessoas para arrastarem os pés enquanto andam, mostrando cansaço (ombros caídos, ausência de gestos), o seu estado de espírito piora. Os autores do estudo explicam o fenómeno por associação. Relacionamos essa forma de andar com preocupações, exaustão, distress e tensão insuportável. Ao caminhar dessa forma, ativamos recordações de alturas em que sentimos tais sensações. Os especialistas testaram a hipótese com uma experiência oposta; quando pediam às pessoas que se mantivessem de pé, descontraídas, durante algum tempo, o seu ânimo melhorava. Talvez por isso, milhares de estudos mostram que as atividades que descontraem o corpo também diminuem o stress negativo e o externo. Um dos exemplos mais citados é o
do exercício. David Watson, psicólogo da Universidade do Iowa, reuniu no livro Mood and Temperament (“Estado de espírito e temperamento”) experiências que mostram que o exercício proporciona uma mudança de humor “imediata e substancial”.
AVALIAÇÃO REVOGÁVEL As razões, segundo diz, são físicas (por exemplo, o exercício físico fortalece o coração, ao aumentar o fluxo sanguíneo e diminuir o arterial, o que se traduz numa melhor reação ao stress) e psicológicos (comprovou-se que o exercício aumenta determinadas capacidades cognitivas, como a memória). Porém, Watson reúne sobretudo dados que confirmam que o desporto descontrai os músculos e faz certas pessoas desligarem-se dos problemas, dois dos fenómenos mais associados à tolerância ao stress. A primeira questão, o relaxamento, está em muitas das estratégias de confronto que utilizamos inconscientemente para aliviar o stress.
ão incontáveis os acontecimentos da vida que podem alterar-nos. Para os psicólogos Thomas Holmes e Richard Rahe, estas são as circunstâncias mais difíceis de ultrapassar: • Morte do cônjuge • Divórcio • Separação conjugal • Prisão • Morte de familiar próximo • Doença grave • Estabelecimento de casal estável • Perda do emprego • Reconciliação conjugal • Passagem à reforma • Alterações na saúde de um familiar • Gravidez • Diiculdades sexuais • Nascimento de um ilho • Alterações na situação inanceira • Morte de um amigo íntimo • Alteração no tipo de trabalho • Aumento das discussões familiares • Desembolso importante de dinheiro • Vencimento de hipoteca ou empréstimo • Problemas com a lei • Triunfo pessoal importante • Cônjuge que inicia ou termina carreira proissional • Mudanças nos hábitos pessoais • Problemas com superiores hierárquicos
O ioga, as técnicas de respiração ou as massagens são exemplos de métodos que reduzem o tónus do nosso sistema nervoso autónomo, uma intervenção necessária no mundo atual, com os seus estímulos permanentes. A segunda, desligar-se dos problemas, está também presente em muitas estratégias. Atividades como dançar, praticar mindfulness, aderir aos videojogos ou seguir uma série televisiva contribuem para isso. Outra forma de evitar a obsessão com determinado assunto é deixar-se obcecar por outro, o tipo de “vida dupla” de que falávamos no início. O imperador romano Marco Aurélio, numa época que o stress ainda não era uma epidemia, afirmou nas suas Meditações: “Se te sentires angustiado por qualquer coisa externa, a dor não se deve à coisa em si, mas à avaliação da mesma, e isso pode ser revogado em qualquer altura.” São palavras que ainda fazem sentido hoje em dia: o stress existe, mas também a nossa capacidade de enfrentá-lo. L.M.
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Anatomia de um criminoso O nosso organismo não está preparado para permanecer em constante estado de alerta, mas a vida moderna impõe uma atividade incessante que nos pode fazer adoecer. Será o stress crónico o preço a pagar pelo êxito evolutivo do Homo sapiens?
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VENCER O STRESS
Apertado para render. O stress pode ser uma poderosa ferramenta adaptativa. Investigadores da Universidade do Estado da Pensilv창nia estudaram o seu efeito em ratos adolescentes e descobriram que, se for frequente, os prepara para solucionar problemas (fugir a predadores, procurar alimento...) e resolver tarefas na idade adulta. Os cientistas esperam que o seu trabalho ajude a estudar o impacto do stress nos jovens humanos.
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magine que é uma zebra. A sua vida consiste em pastar tranquilamente, mastigando erva e bebendo água. Esses dois alimentos são fáceis de encontrar no seu habitat, pelo que apenas dedica as primeiras horas da manhã e o entardecer à ingestão de nutrientes. Quando o calor aperta, descansa à sombra e toma refrescantes banhos de lodo. No meio dessa existência descontraída, o único sobressalto é a ameaça de algum predador. Se, por exemplo, um leão o perseguisse, teria de se lançar numa corrida e sofrer stress pontual; se o leão o alcançasse, deixaria de senti-lo, pois “quem morre descansa”, segundo a sabedoria popular. Se sobrevivesse, voltaria à vida sossegada e bucólica. Agora, imagine que é um atarefado trabalhador no mundo atual. Não terá, seguramente, de fazer um grande esforço. Vir-lhe-á à mente uma jornada de trabalho que inclui habitualmente interrupções constantes provocadas pelo tecnostress (telefonemas, pilhas de e-mails, atualizações nas redes sociais...), tensões com chefes e colegas, dificuldade em lidar com vários projetos laborais simultâneos, conciliação com a vida privada, problemas para se concentrar no trabalho real enquanto tem de lidar com assuntos laterais, conflitos com uma tecnologia empenhada numa aceleração da obsolescência programada … Já não se trata de um esforço efémero, com princípio, meio e fim, mas de um stress interminável. O neurologista Robert Sapolsky, da Universidade de Stanford (Estados Unidos), afirma que a evolução está a conduzir-nos para uma constante acumulação de tensão. No livro Porque É que as Zebras Não Têm Úlceras?, recorda que somos a única espécie, a par dos babuínos (com um estilo de vida semelhante), que desenvolve úlceras gástricas, em grande medida causadas pelo stress.
O CONCEITO IDÍLICO DE PROGRESSO Num congresso da Associação norte-americana para o Avanço da Ciência, Sapolsky explicava porquê: “Por serem mais inteligentes, os primatas resolvem em menos tempo as suas necessidades básicas e dispõem de mais tempo livre. Em vez de estarem continuamente pendentes de fatores vitais, como a alimentação ou fugir do inimigo, estão submetidos, em muito maior medida, a fatores de stress decorrentes das relações sociais. O problema é que esse tipo de respostas surge perante temores mais indefinidos e complexos e, além disso, preparam-se com maior antecedência. Os três fatores fazem passar do stress pontual ao stress global, e o nosso organismo está menos preparado para enfrentá-lo.” Atualmente, uma corrente de cientistas e ensaístas questiona o conceito idílico de evolução para melhor que se utilizava até agora
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para narrar a história da humanidade. Fomos educados com livros que afirmam que determinados acontecimentos (a revolução neolítica, a revolução industrial, etc.) implicaram um grande progresso nas condições de vida do ser humano. Nesses textos, argumenta-se que o aumento da esperança de vida, o desenvolvimento das artes e o hedonismo da vida moderna se devem a tais saltos para a frente. Poderemos realmente dizê-lo? O biólogo Jared Diamond, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, é um dos que questionam a noção de evolução para melhor. Nos seus livros, cita estudos que fazem duvidar, por exemplo, do êxito da revolução neolítica. Ao contrário do que nos foi dito, há trabalhos que mostram que os seres humanos com uma forma de vida de tipo caçador-recoletor (ou seja, não transformados em sedentários criadores de gado e agricultores) têm uma alimentação saudável, sofrem menos doenças infecciosas, vivem em sociedades com menos
divisões de classe e dispõem de mais tempo livre. Isto é, correm menos risco de stress.
REVOLUÇÃO PARA PIOR A questão é evidente para alguns investigadores, como o historiador Yuval Harari, da Universidade Hebraica de Jerusalém, que define o Neolítico como “o maior logro da história” num livro provocador, De Animais a Deuses – Uma Breve História da Humanidade. Outros autores têm a mesma perspetiva sobre a revolução industrial (responsável pelo prolongamento da jornada laboral) ou sobre a atual revolução digital (responsável por criar um novo demónio: o tecnostress). Não é, pois, de estranhar que tenha sido divulgada nas redes sociais uma montagem que parodia o avanço rumo ao Homo sapiens, na qual se vê os nossos antepassados a caminhar em fila até que um homem moderno, a andar em sentido contrário, lhes diz: “Comecemos de novo. Lixámos tudo.” Evidentemente, é impossível resolver a polé-
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VENCER O STRESS A pesada fatura da tensão crónica
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uando o stress se transforma em algo quotidiano, aos danos psicológicos juntam-se consequências físicas como estas, nefastas a médio e longo prazo. • Aumenta o ritmo cardíaco e, com ele, o risco de enfartes e arritmias. A função respiratória enfraquece. • O stress constante afeta a concentração e a memória, causa cefaleias, altera o sono e pode conduzir à depressão. • A subida da pressão arterial reforça a probabilidade de sofrer acidentes vasculares cerebrais. • Diarreias, úlceras, alterações metabólicas, ardores... O stress também pode levar a comer alimentos que prejudicam o sistema digestivo. • A ansiedade torna os músculos tensos. Se for habitual, provoca contraturas, dores e problemas crónicos.
Coisas de família. Os babuínos mostram sinais de stress muito semelhantes aos dos humanos. Será a inteligência superior dos primatas a razão do nosso mal-estar?
mica em termos científicos. Todas as mudanças na história da humanidade nos levaram a otimizar determinados fatores e a descuidar outras variáveis. Consoante os critérios, os ganhos terão sido mais importantes do que as perdas, ou o contrário. No que os investigadores parecem estar de acordo é que as sucessivas revoluções aumentaram o nosso nível de stress. Um exemplo desta constatação é proporcionado pelos estudos que demonstram que a crise tornou uma grande percentagem da população vítima dessa síndrome. As preocupações que provocam tensão (problemas económicos, medo de perder o emprego, sobrecarga laboral...) são uma prova do medo líquido que caracteriza o mundo atual, para usar uma expressão do sociólogo Zygmunt Bauman. Enfrentamos infinitas preocupações, constantes motivos de uma ansiedade muito diferente do stress pontual da zebra. O stress é a reação que permite aos seres vivos adaptarem-se aos acontecimentos que
exigem um esforço excessivo. Para enfrentá-los, ativamos mecanismos bioquímicos que nos ajudam a obter a energia de que necessitamos. Perante um agente de stress, o hipotálamo alerta o sistema nervoso autónomo e ativa a hipófise e a tiroide, glândulas que se encarregam de segregar adrenalina e noradrenalina para reagirmos à situação perturbadora, quer enfrentando-a, quer fugindo.
EM BUSCA DA ORIGEM O conceito remonta à década de 1930. Naquela época, um jovem estudante de medicina de origem austro-húngara, Hans Selye, observou que muitos pacientes apresentavam sintomas comuns. Além da doença que os afetava, sentiam-se cansados e sem apetite e tinham insónia e astenia. Já médico, Selye desenvolveu na Faculdade de Medicina da Universidade McGill (Canadá) uma série de experiências para tentar perceber o que acontecia. Os resultados mostraram que os
ratos de laboratório submetidos a exercício físico extenuante acabavam por apresentar um nível elevado de hormonas suprarrenais (ACTH, adrenalina e noradrenalina), sofriam de atrofia do sistema linfático e tinham um maior número de úlceras gástricas. O médico chamou a esse conjunto de alterações “stress biológico”. As mudanças não ocorrem de forma repentina, segundo Selye, mas em três fases. Primeiro, produz-se o alarme. Quando se enfrenta uma situação difícil, o cérebro analisa os novos elementos, compara-os com anteriores e, se achar que não dispõe de energia para reagir, envia ordens para o organismo produzir adrenalina. O corpo responde: aumentamos a frequência cardíaca, ficamos com os músculos tensos e as artérias encarregadas de transportar sangue dão prioridade aos órgãos indispensáveis para a ação: coração, pulmões e músculos. Depois, surge a fase da resistência. O corpo permanece ativo enquanto durar a estimulação e, apesar do aparecimento dos primeiros sintomas de cansaço, continua a reagir bem. Quando termina a situação de stress, o organismo regressa à normalidade. Todavia, se os estímulos e as exigências não diminuírem, o nível de resistência acaba por se esgotar, surgindo novamente a fase de alarme. O problema da atual civilização é que esse ciclo de repetição é o mais habitual. Os agentes de stress mantêm-se após alguns momentos Interessante
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Qual o seu nível de stress?
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ste teste poderá dar-lhe uma ideia do seu grau de stress em três níveis: eustress ou stress positivo, distress ou stress negativo e exostress ou stress externo. Para saber a sua pontuação nas três variáveis, baseie-se no último mês e responda às seguintes perguntas com um “sim” ou um “não”. 1. Houve algum desaio que achou estimulante? 2. Perdeu o apetite? 3. Sentiu que os outros não compreendiam as suas preocupações? 4. Teve a sensação de controlar os acontecimentos da sua vida? 5. Sentiu-se várias vezes inquieto e preocupado sem motivo aparente? 6. Teve problemas de sono: insónias, pesadelos, etc.? 7. Sentiu vontade de que lhe acontecesse algo inesperado? 8. Houve substâncias (por exemplo, álcool ou drogas) ou situações (por exemplo, o jogo) das quais não conseguiu prescindir? 9. Teve diiculdade em relacionar-se com os outros? 10. Houve pelo menos um desaio que achou estimulante? 11. Tem tido mais diiculdade em concentrar-se do que é habitual? 12. Sentiu-se muitas vezes aborrecido quando estava com outras pessoas? 13. Pensou que a vida é uma série de oportunidades para aprender e divertir-se? 14. Disseram-lhe que tem problemas de peso? 15. Deixou de gostar de atividades que, antes, considerava agradáveis? 16. Sente esperança no futuro? 17. Teve problemas (costas, ombros…) devido à tensão muscular? 18. Discutiu com pessoas com as quais não era habitual aborrecer-se? 19. Teve muita vontade de falar de projetos de vida com os outros? 20. Sofreu repentinos e injustiicados ataques de pânico? 21. Teve tendência para dar muita importância ao negativo e esquecer o positivo? 22. Sentiu que vivia a sua vida com intensidade? 23. Por vezes, não conseguia parar de fazer coisas? 24. Teve problemas porque “gente estúpida” o fez perder tempo?
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25. Gosta da sua vida? 26. Pensou que lhe falta capacidade ou vontade para enfrentar determinados problemas? 27. Desconcentrou-se enquanto falava com outras pessoas? 28. Sente que as coisas estão a correr como queria? 29. Teve a impressão de que as suas diiculdades não têm im? 30. Sentiu muitas vezes que os outros o dececionavam? Resultado Some dez pontos por cada resposta airmativa nas perguntas 1, 4, 7, 10, 13, 16, 19, 22, 25 e 28. A pontuação obtida será a sua percentagem de eustress, isto é, de stress positivo. Por exemplo, uma pontuação de 80 signiica 80 por cento de eustress, o que implica que o último mês esteve cheio de desaios que achou cansativos mas estimulantes; 30 pontos correspondem a 30%: uma vida serena, mas talvez com poucos fatores aliciantes. Some dez pontos por cada resposta airmativa nas perguntas 2, 5, 8, 11, 14, 17, 20, 23, 26 e 29. A pontuação obtida será a sua percentagem de distress, isto é, stress negativo. Por exemplo: 80 pontos signiicam 80%, e corresponderiam a um mês excessivamente agitado e que deveria inspirar-lhe uma certa preocupação. Some dez pontos por cada resposta airmativa nas perguntas 3, 6, 9, 12, 15, 18, 21, 24, 27 e 30. A pontuação obtida será a sua percentagem de exostress, isto é, stress externo. Por exemplo: 80 pontos signiicam 80%, o que quer dizer que está a transmitir uma grande quantidade de angústia a quem o rodeia. Isso pode ser perigoso para as suas relações.
de descontração: continuamos preocupados com os mesmos problemas conjugais, laborais, familiares e pessoais durante anos. O esgotamento físico é o preço a pagar. Não somos zebras com um stress pontual que se resolve.
PROBLEMAS CONSTANTES Os seres humanos do século XXI são trabalhadores, casais e cuidadores com problemas constantes que demoram semanas, meses ou anos a resolver. Todas as reações selecionadas adaptativamente para enfrentar perigos fugazes acabam por se tornar tóxicas quando a sensação de alarme não termina ao fim de alguns minutos. A tensão muscular necessária para lutar fisicamente com um inimigo transforma-se em contraturas e dores de costas se mantivermos a rigidez durante meses. A interrupção momentânea da digestão, uma função desnecessária em momentos de alarme, transforma-se num problema quando o estado de alerta se repete cem vezes por dia. A explosão de energia, algo que nos permitia enfrentar um perigo, converte-se em ansiedade (excesso de energia latente) acumulada,
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Discussões perigosas Os estudos mostram que, após uma grande zanga conjugal, icamos mais propensos a adoecer.
pois os riscos no mundo moderno não se combatem à pancada. É esta a razão pela qual surgem cada vez mais estudos a falar de problemas psicofisiológicos relacionados com o stress. São conflitos biológicos reais, como os que causam hipertensão, cefaleias, problemas gástricos, problemas musculares e diminuição da função renal, relacionados com esse contínuo esforço excessivo que a vida atual nos exige. A neurologista Esther M. Sternberg, da Universidade do Arizona, é um exemplo dos especialistas que aprofundam tal relação. Em livros como O Equilíbrio Interior – A Ciência que Liga Saúde e Emoções, reúne experiências que mostram a influência dos sistemas neurológico e endócrino (os mais associados ao stress) sobre o sistema imunológico. Este último é um mecanismo de vigilância que defende o organismo do ataque de vírus, bactérias e outras substâncias estranhas. Os seus soldados (caso dos linfócitos e macrófagos) perseguem, caçam, isolam e destroem o que nos pode prejudicar. A atividade destes agentes depende do seu comandante: o sistema imunológico troca
informação com o cérebro (sistema neurológico) e com as partes do organismo que segregam hormonas (sistema endócrino). Em situações de alerta, desviamos a energia para os músculos e para o cérebro e moblizamos o corpo para a ação, o que nos faz retirar combustível ao sistema que combate as doenças, tornando-nos mais vulneráveis.
INDEFESOS PERANTE O MUNDO Sternberg refere nos seus livros estudos que mostram que o sistema imunitário reduz a sua eficácia no momento em que os astronautas reentram na atmosfera, enfraquece após uma discussão conjugal e torna-se mais lento em épocas de exames, ao ponto de as feridas dos estudantes demorarem mais a sarar. Conclusão: “Na realidade, o stress não nos faz adoecer, mas limita o funcionamento imunológico, e isso torna-nos mais indefesos perante invasores do exterior”, afirma. Herdámos a tendência para nos ativarmos, em determinadas situações, de antepassados que sobreviveram por serem suscetíveis aos estados de alerta. Autores como Steven Burns,
que assina Como Sobreviver a um Stress Insuportável, analisaram as questões bioquímicas envolvidas nessa herança. De acordo com a hipótese que apresenta, há pessoas que têm muito pouca tolerância ao stress por possuírem baixos níveis de certas substâncias, necessárias para resistir ao estado de ativação geral do organismo. A serotonina, neurotransmissor que conduz ao sono e regula o relógio interno, a adrenalina e a noradrenalina, responsáveis pela mobilização de açúcares para obter elevados níveis de energia, e a dopamina, que intervém no mecanismo da dor e dirige o centro do prazer, são exemplos de agentes biológicos que nos transmitiram a tendência para uma ativação rápida, fator que já foi adaptativo. No mundo atual, esse estado de alerta possui correlações fisiológicas quase sempre inúteis. Esculpimos um mundo em que as nossas reações se tornaram pouco adaptativas. Enganámo-nos no caminho ou teremos, simplesmente, de esperar que a seleção natural aja e transforme os seres humanos em criaturas menos propensas ao stress? L.M.
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Psicologia
Porque são tão importantes para as crianças?
O segredo dos BRINQUEDOS Presentes em todas as épocas e culturas, os brinquedos são uma ferramenta indispensável para o desenvolvimento intelectual e emocional das crianças. Porém, serão todos igualmente bons? 62 SUPER
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egundo os analistas, estas são algumas das tendências que poderão dominar o setor dos brinquedos este Natal. • Ícones da geração dos anos 80 (Monopólio, Barbies...), convenientemente modernizados. • Brinquedos personalizáveis em função dos gostos da criança. • Os animaizinhos tradicionais continuam presentes, mas também surgem híbridos de vários animais e monstrinhos que se podem treinar. • Dado o êxito de séries e ilmes com temática fantástica ou de terror, há uma grande procura de zombies e de outras criaturas sinistras, com os complementos que eles utilizam para se defender. • Carros, naves, robôs, drones e outros engenhos com comando à distância. • Produtos com apps para dispositivos móveis que diversiicam a experiência.
MIREYA ACIERTO / GETTY IMAGES
Querido Pai Natal
Alguns pais alucinam com as etiquetas “educativo”
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época natalícia é um período de stress para os pais, de expectativa para as crianças e de fundadas esperanças para o comércio de brinquedos, que concentra nas últimas semanas do ano uma grande percentagem das vendas anuais. Apesar da feroz concorrência da diversão eletrónica (videojogos, aplicações para dispositivos móveis, gadgets adaptados ao mercado infantil…), o objeto tridimensional e manejável de sempre continua a açambarcar grande parte do espaço sob o pinheiro. De onde provém a necessidade de vestir uma boneca, dar chutos numa bola ou viver aventuras intergalácticas com figurinhas de plástico? O filósofo holandês Johan Huizinga (1872– –1945) definiu o ser humano como Homo ludens, pela sua capacidade única para brincar; porém, na realidade, não se trata de um comportamento exclusivo da nossa espécie, nem pouco mais ou menos. Numerosos animais brincam: desde as aranhas juvenis, que simulam uma cópula para aperfeiçoar as suas aptidões sexuais na fase adulta, às crias de golfinhos, que se divertem a formar bolhas. Um caso especial entre os mamíferos é o dos cães, que continuam a comportar-se como cachorros quando já estão em idade para procriar. Todos conhecemos pessoas com idade para ter juízo e que partilham essa predisposição tardia para a brincadeira... Do ponto de vista da neurociência, as ativi-
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dades lúdicas fortalecem duas áreas da massa cinzenta: o cerebelo, que coordena os movimentos, e o lóbulo frontal, associado à tomada de decisões e ao controlo dos impulsos.
PAPEL ESSENCIAL NA APRENDIZAGEM O brinquedo, como já foi comprovado experimentalmente, desempenha um papel essencial nesses processos de desenvolvimento, pois permite às crianças mais pequenas aprender a relação causa-efeito (“se empurrar o carrinho, ele move-se”) e exercitar o cálculo de probabilidades através de tentativas e erros. Por outro lado, os brinquedos permitem desenvolver aptidões como a atenção, a abstração, a memória, a representação, a simbolização e a resolução de problemas. No âmbito da psicopedagogia, ainda se segue a pés juntos a classificação elaborada, há décadas, por Jean Piaget (1896–1980). Para o influente teórico suíço, há três modalidades de brinquedos, de acordo com a evolução mental das crianças: até aos dois anos, rocas, espelhos e brinquedos com música estimulam os sentidos e a motricidade; dos dois aos seis, surgem as máscaras, as cozinhas de brincar ou os jogos de construção, que promovem a memória, o autocontrolo e a imaginação; a partir dos seis, as crianças submetem-se aos regulamentos complexos de desportos, jogos de mesa ou atividades como saltar à corda ou jogar à macaca. Iniciam-se assim no impie-
doso mundo da competitividade humana. Dada a importância que os brinquedos têm no desenvolvimento intelectual dos cérebros mais jovens, como já sublinhámos, alguns pais chegam a ficar obcecados com o rótulo “educativo”. Segundo a socióloga francesa Sandrine Vincent, isso acontece sobretudo nas famílias mais abastadas e entre casais com profissões liberais, nos quais é bem vista a preocupação de conseguir que as crianças aprendam enquanto brincam, delegando nos avós os presentes mais divertidos. Todavia, muitos consideram que esta dicotomia não faz sentido, e que qualquer coisa que sirva para desenvolver as capacidades cognitivas também educa. Catherine Tamis-LeMonda, professora de psicologia aplicada na Universidade de Nova Iorque e autora de vários estudos sobre a aprendizagem na infância, exprimiu-o sem rodeios: “São oportunidades para brincar, jogar e socializar. Se o brinquedo educativo servir para isso, ótimo. Se um objeto vulgar o conseguir, o efeito é o mesmo.” A verdade é que, muitas vezes, se prefere o que é mais simples, como ilustrava um anúncio em que um miúdo abria um presente e gritava, excitadíssimo: “Um pau!” Outra reconhecida especialista na matéria, a psicóloga Kathy Hirsh-Pasek, autora do livro Einstein Nunca Memorizou, Aprendeu a Brincar, defende esse tipo de objetos sem estrutura definida, que favorecem a liberdade de ação, como a clássica caixa de cartão. Uma experiência muitas vezes referida na literatura académica chamou a atenção para o potencial dos objetos do quotidiano. Os especialistas deixaram várias crianças de três
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Legomania e Legoterapia
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que têm em comum muitos freaks, psicólogos e Brad Pitt? Ficam doidos com o brinquedo mais bem-sucedido da história: o Lego. Como indicava recentemente o Financial Times, poucos produtos suportaram melhor os embates da crise do que as pequenas peças de plástico dinamarquesas: já se venderam 94 por cada habitante do planeta! O entusiasmo é partilhado pelos especialistas da mente, que elogiam a facilidade de utilização (permite criar desde muito cedo ordem a partir do caos) e o seu potencial como ferramenta de socialização. Numa experiência de 2011, cientistas da Universidade de Aarhus (Dinamarca) comprovaram que os alunos que montavam juntos as peças coloridas sincronizavam mesmo os seus ritmos cardíacos. Além disso, muitos terapeutas (como os membros da associação International LEGO Therapy Advocacy for Autistic Kids) utilizam-nos para fomentar as relações interpessoais nas crianças autistas.
e quatro anos mexerem em guardanapos, chaves de parafusos (foi nos anos setenta!), paus e clips de escritório. Noutro grupo, os miúdos limitavam-se a ver como os adultos os utilizavam. Depois, quando lhes perguntaram pelos possíveis usos dos utensílios, os primeiros mostraram-se muito mais engenhosos: o contacto físico, experimentar com as próprias mãos, despertara a sua imaginação. Seja como for, se há fenómeno que tem intrigado pais, educadores e investigadores nos últimos anos é o dos estereótipos sexuais. Dá a impressão de que a catalogação é cada vez mais acentuada, ao contrário do que acontece na sociedade. A socióloga Elizabeth Sweet, da Universidade da Califórnia em Davis, denunciou isso mesmo no New York Times: “Temos feito grandes avanços em direção à igualdade de género no último meio século, mas o mundo dos brinquedos parece pertencer mais à década de 1950.” Haverá razões inatas para as meninas assumirem papeis maternais, domésticos ou sociais, e para os meninos optarem pelo movimento, pelas lutas ou pelo desporto? Vários estudos parecem dar razão aos que consideram que, efetivamente, existe uma certa predisposição biológica. Os primatólogos comprovaram que os machos dos cercopitecos verdes e dos macacos rhesus preferem brincar com camiões, enquanto as fêmeas desses símios escolhem as bonecas. Em 2010, uma investigação publicada na revista Current Biology assinalava que as crias de chimpanzé do Parque Nacional Kibale (Uganda) adotavam espontaneamente paus vulgares e tratavam-nos como se fossem bebés ou bonecas.
ESTIGMATIZAÇÃO DE GÉNERO
Ao que parece, até aos três ou quatro anos, meninos e meninas partilham frequentemente os brinquedos, mas, a partir de então, começam a divergir. O fenómeno é mais acentuado no caso dos rapazes, que enfrentam a estigmatização quando os seus companheiros os apanham com algum objeto alegadamente feminino. Contudo, a cultura serve, precisamente, para nos emancipar da rígida distribuição de papéis que a evolução inscreveu nos genes dos nossos antepassados. Por isso, estão a surgir em vários países iniciativas de cidadãos contra o preconceito sexista no campo dos brinquedos. Uma das mais ativas é a associação britânica Let Toys Be Toys, que convenceu doze grandes distribuidores (incluindo a Toys ‘R’ Us e a Marks & Spencer) a ordenarem os seus artigos por temas ou interesses, e não em categorias de meninos e meninas. Antes, em 2011, a neurocientista Laura Nelson conseguira que a célebre loja de brinquedos Hamleys, em Londres, abolisse a distinção por géneros nos seus diversos pisos. A verdade é que, objetivamente, os estereótipos não desapareceram, longe disso, apesar de estarmos em pleno século XXI. Investigadores analisaram 595 anúncios televisivos nas campanhas natalícias de 2009 e 2011 e chegaram à conclusão de que induziam, predominantemente, “à aprendizagem de valores como a diversão e a competição, o risco e a agressividade, no caso dos rapazes, e a beleza e a aparência, o cuidar dos outros ou as tarefas domésticas, no das meninas”. Além de inculcar valores igualitários, o facto é que trocar de papel acarreta inquestionáveis
benefícios psicológicos: enquanto os jogos de construção fazem crescer o interesse das raparigas pela tecnologia e pela engenharia, cozinhar favorece a veia criativa dos miúdos, por exemplo. Outro motivo de preocupação contemporâneo é a eclosão dos ecrãs táteis. Mesmo não falando do censurável hábito de alguns pais comodistas, que deixam os filhos brincar com os telemóveis como uma espécie de roca virtual para que os deixem em paz, os especialistas estão divididos quanto às suas vantagens ou inconvenientes relativamente ao brinquedo convencional. Alguns, como o psicólogo uruguaio Roberto Balaguer, consideram que os dispositivos móveis estão “mais perto da simulação” e que os videojogos ajudam “a manejar grandes fluxos de informação, a lidar com o erro e o engano de uma maneira mais saudável; a perder”. Outros, embora reconheçam que ainda não há suficiente investigação, suspeitam que não favorecem precisamente a dimensão social do indivíduo e podem provocar problemas de comportamento, sobretudo em menores de três anos. Rahil Briggs, psicóloga infantil no Montefiore Medical Center, de Nova Iorque, chegou mesmo a sugerir que atrasam a aquisição da linguagem. É verdade que há aplicações muito interativas e gratificantes, mas computadores e telemóveis transformam-se, com frequência, numa espécie de televisores portáteis para ver desenhos animados. Dependerá dos pais fomentar uma boa utilização, pois não se pode (nem convém) fechar a porta à tecnologia. P.C.
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Física As leis da natureza estão a mudar
A evolução do UNIVERSO Os princípios básicos que regulam tudo o que existe modificam-se com o tempo, o único fator da nossa descrição da natureza que permanece imutável. É o que defende Lee Smolin, cujas teorias radicais dinamitam as próprias bases da cosmologia.
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tempo não é essa quimera teórica da física mais avançada, mas uma magnitude muito real que afeta as leis do universo, alterando-as. Se a biologia se transformou quando começou a entender as espécies como produto da evolução, a cosmologia também terá de o fazer, a confirmar-se a hipótese de que o cosmos possui uma história evolutiva semelhante. Esta é uma das polémicas ideias do físico teórico Lee Smolin, nascido em Nova Iorque, em 1955, e um dos fundadores do Perimeter Institute for Theoretical Physics, de Wellington (Ontário, Canadá), onde ensina. Publicou livros como Time Reborn (“O Renascer do Tempo”), e acaba de lançar The Singular Universe and the Reality of Time (“O Universo Singular e a Realidade do Rempo”), escrito em conjunto com o filósofo brasileiro Roberto Mangabeira Unger, obra em que ciência e filosofia se unem para explorar a derradeira realidade das coisas. Afirma que a matemática constitui uma excelente ferramenta para conhecer o cosmos, mas que nos pode confundir, como acontece quando nos leva a colocar a hipótese da existência de outros universos. A matemática é a ferramenta mais útil para os físicos e outros cientistas, mas não passa disso: uma ferramenta. O mundo não é matemático por natureza. A ciência é uma tentativa de ordenar a nossa compreensão das coisas, mas a matemática não é profética. Nesse caso, Galileu estava errado quando
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defendia que a natureza estava escrita em símbolos matemáticos? Embora não concorde com ele nesse ponto, Galileu foi um extraordinário cientista, e teve grande êxito. Em certo sentido, queremos responder à pergunta sobre a razão por que triunfou a sua maneira de entender a matemática. Ele explorava a natureza de um ponto de vista que visava a simplificação, tomando em consideração algumas variáveis que se podem relacionar para formar leis matemáticas simples. Assim, fenómenos físicos como o movimento transformam-se em algo fácil de compreender.
CRIAÇÃO CONSTANTE
Uma das principais ideias do seu livro Time Reborn é que as leis do universo evoluem. Como se pode comprovar empiricamente essa tese? É muito mais contrastável do que a teoria oposta. Exige que se estude a hipótese sobre como essas leis mudam e que irregularidades regem semelhante evolução. Para isso, voltamo-nos para o passado do cosmos, que podemos estudar observando o universo mais longínquo. Isso permite que a hipótese a que me referi seja comprovável. Um bom exemplo desta tese é a seleção natural cosmológica [segundo esta antiga hipótese de Smolin, os buracos negros podem dar origem a outros cosmos; a seleção natural consistiria em que os tipos de universo com maior quantidade de estrelas e buracos negros criariam outros cosmos, enquanto os que tivessem menos produzi-
Ditadura do relógio. No seu novo livro, The Singular Universe and the Reality of Time, Smolin defende que tudo muda com o tempo, incluindo as leis fundamentais do cosmos, tradicionalmente consideradas eternas.
riam linhagens condenadas a desaparecer]. Surgiram várias previsões relacionadas com essa ideia desde 1992 e, até agora, resistiram a todas as observações. Um exemplo: de acordo com o modelo, não pode haver estrelas de neutrões com o dobro do peso da massa do Sol. Nenhuma observação eliminou tal conjetura. Diria que o universo é criativo? Eu não usaria a palavra “criatividade”, mas creio que não é controverso afirmar que vão surgindo novas propriedades e leis na natureza. A evolução dos seres vivos é um exemplo de que há formas em que a matéria se organiza que não tinham existido anteriormente na história do universo. Segundo Stephen Hawking, “a filosofia está morta”. No entanto, acaba de publicar um livro em conjunto com um filósofo. O que diria a Hawking para convencê-lo da importância de pensar filosoficamente a realidade? Hawking tem tanta confiança nas suas próprias ideias que eu não perderia tempo a tentar
Contra o multiverso
FOTO: WRITERS FEST / ILUSTRAÇÃO: SHUTTERSTOCK
A
corrigi-lo. Não creio que ele saiba o que é a filosofia, nem que alguma vez a tenha estudado de forma séria. Não tentaria persuadi-lo, pois tenho a certeza de que não me ouviria.
GERAÇÃO PRAGMÁTICA Contudo, a opinião de Hawking é partilhada por muitos cientistas... Há diferentes tipos de físicos e formas distintas de entender a metodologia científica. Nos períodos em que se ambiciona uma revolução do paradigma, os investigadores acham útil procurar na história da ciência inspiração sobre noções fundamentais, como o espaço, o tempo, o movimento e a matéria. Se quisermos analisar os fundamentos de novas ideias e teorias, temos interesse em abranger todo o panorama presente e passado e ter uma visão de longo prazo. Para dar um salto em frente, é preciso primeiro recuar e olhar para a história da física, e ela (estou novamente a pensar em conceitos como o espaço, o tempo ou a matéria) está muito
ligada à da filosofia. Newton era um pensador filosófico muito sério, e também Galileu. No século XX, Einstein, Bohr e Heisenberg, por exemplo, estavam intimamente familiarizados com o desenvolvimento do pensamento. Contudo, os mais práticos já não se interessam por essas questões. Existiu uma época pragmática na física, mais ou menos na altura da Segunda Guerra Mundial, a que pertenceram especialistas tão notáveis como Richard Feynman e Freeman Dyson, entre outros. Não se interessavam pela história nem pela filosofia. No seu livro O Cientista Rebelde, Dyson explica, numa maravilhosa reflexão, que, na geração de físicos anterior à sua, as pessoas mais velhas consideravam os jovens revolucionários. Porém, na sua, os revolucionários eram os mais velhos, pois mostravam uma constante preocupação com os fundamentos da teoria quântica. A nova geração, a que ele pertencia, conduzia-se de forma utilitária e conservadora. Os fundamentos da sua ciência não os inquietavam. Feynman
tualmente, Smolin mostra-se crítico em relação à teoria do multiverso, a qual defende que as flutuações quânticas poderiam dar origem a novos cosmos, e que o nosso seria apenas um entre muitos outros, com os quais não teria qualquer ligação. Segundo Smolin, a hipótese não é científica, pois implicaria a existência de universos sem relação causal com o que habitamos, algo incompatível com o princípio da razão suficiente. Este estabelece que tudo o que acontece tem de ser explicado por algo que ocorreu no passado. A nova tese difere do modelo da seleção natural cosmológica que o próprio Smolin propôs há anos, segundo a qual um universo poderia, efetivamente, dar origem a outros. Agora, Smolin afirma que, como os outros cosmos estariam desligados da natureza que observamos, não afetariam as propriedades do nosso. Trata-se, definitivamente, de uma nova forma de abordar o problema do ajuste fino, o qual defende que, se os valores e parâmetros do universo não fossem o que são, talvez a vida não tivesse surgido. No multiverso, teria acontecido por acaso. Segundo a tese de Smolin, surgiria pela própria evolução dos cosmos existentes.
e Dyson foram os melhores cientistas do seu tempo, e escolheram de forma consciente uma filosofia pouco sofisticada. Contudo, a geração seguinte de cientistas, educada por essa escola pragmática, não teve formação filosófica, pelo que se sente intimidada perante um património de conhecimentos que não possui. É o que acontece, por exemplo, com físicos como Lawrence Krauss ou Stephen Hawking. A sua teoria parece não deixar qualquer espaço para uma divindade. Não falei de religião nos meus textos. Contudo, preocupa-me que cientistas religiosos ou com ideias metafísicas possam contaminar o pensamento científico. Tenho as minhas ideias pessoais sobre a religião, mas acredito na tolerância. Em democracia, é preciso aceitar as convicções religiosas ou metafísicas dos outros, desde que não interfiram com a felicidade e a procura de sentido alheia. Não tenho qualquer problema com pensadores religiosos cujas crenças não se oponham a descobertas da ciência, como a evolução ou a seleção natural, mas com os que acreditam que a sua fé lhes permite ignorar factos demonstrados. O mundo está cheio de mistérios. A ciência é muito poderosa, embora haja limites para o que podemos entender. No futuro, talvez se consiga ultrapassar tais fronteiras, mas não sabemos. R.C.
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Astrofísica Caçadora de buracos negros
Em busca das ORIGENS A astrofísica brasileira Thaisa Storchi Bergmann recebeu o Prémio L’Oréal-Unesco pelo seu contributo para a ciência em geral e para a compreensão de como se formam e evoluem, nas galáxias, os objetos cósmicos mais formidáveis.
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massa estelar, que se formam quando estrelas moribundas ficam sem combustível nos seus núcleos. O resultado é uma explosão autodestrutiva e extraordinariamente luminosa de supernova, que deixa um buraco negro onde previamente existiu a estrela. O que levou Storchi Bergmann a estudar esses obscuros sumidouros cósmicos foi a sua relação com as chamadas “galáxias ativas”, também compostas, por sua vez, por milhares de milhões de estrelas.
UM FENÓMENO COMUM “Quando estava a estudar, chamaram-me a atenção essas galáxias ativas, que escondem um buraco negro supermassivo no coração. Sabemos agora que, na realidade, é comum à maioria das galáxias”, afirma. Isso deve-se à sua investigação: “De facto, nas galáxias não-ativas, o buraco negro supermassivo está a morrer de inanição, por falta de massa. As ativas, pelo contrário, alimentam-se da matéria presente.” Ou seja, nas segundas, os buracos negros supermassivos e famintos conseguem capturar massa para se nutrir. Storchi Bergmann chegou a estas conclusões após passar anos a observar a emissão de gás nas proximidades dos superburacos negros com recurso à espectroscopia, técnica que permite analisar a interação entre matéria e radiação eletromagnética. A astrofísica brasileira não só investiga como o gás flui para dentro a fim de alimentar esses negros ogres como também observa as consequências do crescimento da sua massa depois do festim de matéria.
BRIGITTE LACOMBE / L'ORÉAL-UNESCO
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muito provável que a maior parte das pessoas não saiba o que são exatamente os buracos negros. De facto, a própria ciência ainda não tem uma perspetiva clara. Continuamos sem conhecer a fundo essas regiões esféricas do espaço, tão densas e com uma força gravitacional tão potente que nem sequer a luz consegue escapar delas. A verdade é que ainda não se confirmou com absoluta certeza a sua existência, mas dispomos de provas indiretas. Graças a cientistas como Thaisa Storchi Bergmann, também sabemos que, ao contrário da luz, a matéria, sim, consegue escapulir-se desses sumidouros cósmicos. É uma das razões pelas quais esta astrónoma e professora catedrática brasileira recebeu, em 2015, o Prémio L’Oréal-Unesco para as Mulheres na Ciência pela América Latina, na categoria de física e astronomia. Nascida em Caxias do Sul, em 1955, a astrofísica estuda os enigmáticos buracos negros desde 1987, quando o seu orientador de doutoramento a contagiou com a paixão pelo estudo das galáxias. Em concreto, centrou-se nos buracos negros supermassivos que habitam o interior destas. Trata-se de um dos dois grandes tipos em que são classificados estes corpos, com vários milhares de milhões de vezes a massa do Sol (o que equivale a multiplicar a massa da Terra por 333 mil e, depois, somar-lhe alguns milhares de milhões). Os astrofísicos pensam que todas as galáxias, incluindo a Via Láctea, contêm buracos supermassivos no seu centro. O outro tipo de buracos negros é o dos de
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Ciência galáctica. A atividade nuclear nas galáxias é a especialidade desta astrofísica formada nas universidades do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.
Os buracos negros nasceram com as galáxias mais antigas O resultado é, por um lado, “a formação de um disco em redor do buraco negro supermassivo, que se mantém em órbita antes de se precipitar no seu interior”, e, por outro, “a emissão de radiação e de ventos de partículas vindos do disco que rodeia o buraco, impelindo o gás das proximidades”. Isto é, produz-se uma espécie de retroalimentação, pois o buraco negro supermassivo “vomita” uma pequena parte do gás ingerido. É a forma que os buracos têm de regular a evolução das galáxias, “evitando que cresçam excessivamente”, sublinha a cientista. Neste processo, observou algo mais: “Descobri a luz emitida dos discos que orbitam em torno dos buracos negros supermassivos numa galáxia que estava inativa e se tornou ativa”, explica. Assim, ao distinguir o movimento orbital da matéria em redor de um desses corpos supermassivos no centro de uma
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galáxia próxima, deu um passo importante no avanço da nossa compreensão da sua evolução e do seu comportamento e, sobretudo, na descoberta de que os referidos buracos também estão presentes em galáxias não-ativas.
COMPREENDER O MUNDO Porque é isto tão importante? “Conhecer a origem do universo, a sua evolução e o seu futuro é fundamental para compreender o mundo em que vivemos. Há muito mais lá fora do que o que vemos na Terra”, assinala a astrofísica. Nesse sentido, chama ao estudo do universo “arqueologia cósmica”, pois, à medida que o observamos a distâncias mais remotas, viajamos cada vez mais para trás no tempo: “Se observarmos uma galáxia situada a dez mil milhões de anos-luz, o que estamos a ver, na realidade, é como ela era há dez mil milhões de anos”, afirma: “Os futuros instru-
mentos astronómicos de projeção que estão a ser desenvolvidos, como o telescópio espacial James Webb, serão capazes de estudar as primeiras galáxias, que se formaram há quase 13 mil milhões de anos.” Esses agrupamentos de estrelas foram criados muito cedo, quando o universo, cuja idade é de 13 700 milhões de anos, tinha apenas algumas centenas de milhões de anos. Storchi Bergmann explica: “Sabemos, agora, que os buracos negros supermassivos se formaram ao mesmo tempo e evoluíram com elas. Ou seja, se um modelo que prevê como o cosmos e as galáxias se desenvolveram não incluir a presença de buracos negros supermassivos no seu centro, estará errado. Sem esses sumidouros que regulam o seu crescimento, os agrupamentos de estrelas seriam ainda muito maiores.” Os buracos compensam a acumulação de matéria nas galáxias quando se transformam em ativas, pois reduzem a sua massa através do efeito de retroalimentação, no qual expulsam gás: “Tal regulação ocorre várias vezes durante a vida galáctica, embora os buracos
História obscura
BRIGITTE LACOMBE / L'ORÉAL-UNESCO LA CIENCIA
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supermassivos estejam em repouso a maior parte do tempo”, acrescenta a astrónoma. Convencida do interesse das seus estudos para o conhecimento humano, Storchi Bergmann continua a investigar o fenómeno. “Observo igualmente a rotação dos discos de acreção em redor dos buracos negros e a forma como variam as suas emissões ao longo do tempo. Descobri, por exemplo, que estão presentes na maior parte desses discos pontos e braços em espiral semelhantes aos que surgem nos discos das galáxias.” A carreira de Thaisa Storchi Bergmann não cabe num único artigo. São muitos os seus contributos para o conhecimento do cosmos e, por conseguinte, do nosso mundo. Se a professora catedrática brasileira foi galardoada com o Prémio L’Oréal-Unesco, não foi exclusivamente pela sua condição feminina, mas por ser uma grande astrofísica. “A seleção é feita entre pares de elevado nível científico. O nome e a obra da investigadora selecionada devem ser conhecidos em todo o mundo, através dos artigos publicados”, explica. O seu historial de estudos e de referências aos seus
esde que se colocou, pela primeira vez, a possibilidade da sua existência, no século XVIII, os buracos negros ainda não deixaram de constituir um quebra-cabeças para os físicos. Stephen Hawking explica em Uma Breve História do Tempo (1988) que foi o cientista norte-americano John Wheeler que criou, em 1969 , o conceito de buracos negros “como descrição gráica de uma ideia que nasceu, no mínimo, há duzentos anos”. O astrofísico inglês refere-se ao facto de a sua existência ter sido casualmente (segundo se crê) concebida, em paralelo e separadamente, por dois cientistas do século XVIII: John Michell e Pierre-Simon Laplace. Antes, pensava-se que as partículas de luz viajavam a velocidade ininita e que a gravidade não podia travá-las. Todavia, quando se descobriu que a força gravitacional podia, efetivamente, exercer um efeito considerável sobre a luz, Michell, um clérigo e ilósofo britânico pioneiro em campos como o da ótica e da astronomia, expôs a sua teoria sobre a presença de buracos negros no espaço. O então professor catedrático da Universidade de Cambridge escreveu, em 1783, um artigo no qual airmava que uma estrela que fosse suicientemente massiva e compacta teria um campo gravitacional tão intenso que a luz não conseguiria escapar: a luz emitida da superfície da estrela seria arrastada de volta ao centro pela atração gravitacional do astro antes de
artigos (mais de 8000), as suas funções numa dezena de mestrados e em programas de doutoramento, assim como outros contributos, como a criação de uma nova disciplina universitária que já tem mais de duzentos alunos por semestre, teve muito a ver com a sua escolha.
REFERÊNCIA E EXEMPLO A cientista também participou em várias comissões, como a do projeto do Observatório Gemini, dotado de dois grandes telescópios óticos e infravermelhos gémeos (com 8,1 metros de diâmetro), que garantem o acesso a todo o firmamento graças à privilegiada localização em zonas montanhosas do Hawai e do Chile, dois dos melhores lugares de observação do planeta. Além disso, colaborou com o telescópio espacial Hubble e é consultora de muitas publicações especializadas, como a Astronomical and Astrophysical Journal e a Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. Storchi Bergmann constitui uma referência e um exemplo a seguir para outras investigadoras, não apenas no Brasil e na América Latina como em todo o mundo. Ela própria
poder chegar muito longe. Uma sugestão semelhante foi feita, poucos anos depois, pelo cientista francês Pierre-Simon Laplace. Hawking dedica ao tema vários capítulos, incluindo o sétimo, intitulado “Os buracos negros não são assim tão negros”, no qual escreve: “Os cálculos conirmam que um buraco negro deveria emitir partículas e radiação como se fosse um corpo quente.” Também ainda não se sabe ao certo se tais fenómenos cósmicos serão como pensávamos até agora. Foi o que assegurou o próprio Hawking, num artigo de janeiro de 2014 intitulado Preservação da Informação e Previsão Meteorológica para os Buracos Negros. Essa airmação está relacionada com a igura do chamado “horizonte de eventos”: a fronteira invisível de um buraco negro, traçada pelos caminhos dos raios luminosos que estão prestes a conseguir escapar mas não o conseguem. Vinte e seis anos depois de Uma Breve História do Tempo, Hawking contradizia as suas ideias anteriores ao escrever no referido artigo, publicado na revista Nature, que o horizonte de eventos é, na realidade, uma aparência: “Segundo a teoria clássica, não se pode escapar de um buraco negro, mas a teoria quântica, pelo contrário, permite que a energia e a informação o façam.” Conseguirá haisa Storchi Bergmann, um dia, resolver os inúmeros enigmas sobre o papel destes seres no universo?
considera que é muito importante as instituições encorajarem as jovens a optarem por carreiras científicas ou tecnológicas: “Precisamos de cientistas de ambos os sexos, mas fazem falta mais mulheres, pois apenas representamos, atualmente, 30 por cento dos profissionais. Esse número tem de aproximar-se cada vez mais dos 50%, considera. A astrofísica acredita que galardões como o Prémio L’Oréal-Unesco contribuem para o reforço do papel feminino: “Este tipo de prémios promove a visibilidade profissional das mulheres, acrescenta valor ao seu trabalho e proporciona glamour à ciência, o que ajuda a atrair as jovens. Os meios de comunicação social e os reitores e professores de universidades e institutos são também cruciais para incentivar as jovens a tornar-se cientistas.” A investigadora brasileira espera que os seus estudos sobre os buracos negros e a forma como alteram o curso da história das galáxias possam contribuir para promover a astrofísica como uma profissão aliciante e divertida, tanto para homens como para mulheres. E.P.
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ESO / G. HÜDEPOHL
Física As experiências mais radicais
Os limites da NATUREZA
Estrela artificial. Um feixe laser projetado pelo telescópio Yepun, no deserto de Atacama (Chile), forma um ponto luminoso a 90 km de altitude. Este serve de referência para corrigir a distorção provocada pela atmosfera nas observações astronómicas.
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Equipas de cientistas de todo o mundo procuram ecos de longínquas explosões cósmicas, partículas desprovidas de massa, estados ultrafrios da matéria. Eis cinco dos ensaios mais ambiciosos da física, concebidos para... contornar as leis naturais.
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uando a luz atravessa a nossa atmosfera, produzem-se perturbações que condenam os observatórios terrestres à miopia. As imagens ficam, por assim dizer, turvas, independentemente do tamanho do telescópio ou da perfeição dos seus espelhos. “A turbulência altera a propagação das frentes de onda, o que provoca problemas de definição”, explica Rafael Rebolo, diretor do Instituto Astrofísico das Canárias. Contudo, uma técnica conhecida por “ótica adaptativa” permite corrigir o fenómeno. “Essa distorção pode ser determinada e resolvida através de sensores que captam rapidamente a frente de onda, algo que é possível conseguir com detetores de alta sensibilidade”, acrescenta Rebolo. Para isso, projeta-se, em primeiro lugar, um feixe laser na mesosfera, o que estimula
os átomos de sódio ali presentes, fazendo-os brilhar. Cria-se, assim, no céu, a cerca de 90 quilómetros de altura, um ponto luminoso, o qual funciona como um astro artificial que os cientistas irão usar como referência. “Com base na informação que nos proporciona, podemos determinar a distorção da frente de onda”, indica Rebolo. Os dados assim obtidos são processados por um computador que controla um conjunto de espelhos deformáveis instalados no telescópio para compensar, em tempo real, as perturbações provocadas pela atmosfera. Fundamentalmente, a ótica adaptativa aumenta a resolução das instalações terrestres (já permitiu observar um exoplaneta situado perto de uma estrela brilhante), que conseguem obter imagens quase tão nítidas como as captadas por algumas sondas espaciais.
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PD / USGOV / NASA
As naves da missão LISA formarão um grande triângulo no espaço, com lados de um milhão de quilómetros.
Caçador espacial de ondas gravitacionais
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ão há dúvida. O nosso planeta treme. Os sismos, os micro-abalos e as vibrações que percorrem continuamente o globo provocam um ruído sísmico que está sempre presente, embora se torne, em geral, impercetível. É criado pelas rochas que se desprendem da encosta de uma montanha, por um comboio que chega a uma estação a centenas de quilómetros de distância, por uma vaga a embater na costa... Podem parecer fenómenos inócuos, mas complicam muito a vida aos cientistas que estudam as ondas gravitacionais. No seu caso, um pequeno tremor na superfície terrestre pode ser suficiente para arruinar os cálculos de medidas destinados a procurar variações inferiores ao tamanho de um átomo. A im de resolver o problema, a ESA tem planos para instalar um interferómetro no espaço nas próximas décadas. A missão, denominada eLISA, utilizaria três naves ligadas por um laser que desenharia um triângulo equilátero de um milhão de quilómetros de lado. Muito diferente dos vaivém terrestres, o eLISA será extremamente sensível, a im de detetar os movimentos subtis causados por eventuais ondas gravitacionaias que passem pelos três veículos. No início de dezembro, foi lançada a missão LISA Path inder, cujo objetivo é demonstrar o funcionamento da tecnologia que irá ser utilizada no eLISA. Atualmente, as previsões apontam para que a missão seja lançada em 2034.
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Isolamento total. Os espelhos usados pelos interferómetros do LIGO estão imersos num ambiente a salvo de correntes e oscilações.
Pretende-se medir distâncias inferiores ao diâmetro atómico VIBRAÇÕES DO RUÍDO QUÂNTICO
Segundo a teoria da relatividade formulada por Albert Einstein, uma massa em aceleração emite ondas que alteram o tecido do espaço-tempo: interagem com os objetos, modificando as suas dimensões, esticando-os perpendicularmente no sentido da largura e comprimindo-os longitudinalmente. Deduz-se, assim, que deveria haver um constante murmúrio de ondas gravitacionais a remexer a textura do espaço-tempo, como pequenas ondas a massajar a costa num dia de mar calmo. Se conseguíssemos escutar esse eco, poderíamos ganhar um novo sentido para captar o que nos diz o universo. Porém, as ondas gravitacionais são praticamente impercetíveis. Da superfície da Terra, apenas podemos aspirar detetar, por enquanto, as que emanam de verdadeiros cataclismos cósmicos, como a fusão de dois buracos negros supermassivos ou uma colisão num sistema binário de estrelas de neutrões. Mesmo assim, seria necessário recorrer a interferómetros de grande precisão. É o caso da experiência LIGO (sigla inglesa de Observatório de Interferometria Laser de Ondas Gravitacionais), que utiliza duas enormes instalações, nos estados norte-americanos da
Luisiana e de Washington. Cada uma possui dois enormes braços em forma de L, de comprimento igual e com vários quilómetros de extensão, nos quais se dispõem espelhos suspensos no vácuo sobre os quais se faz incidir um raio laser. Um desses espelhos, situado no vértice do sistema interferométrico, faz o feixe bifurcar-se e percorrer, simultaneamente, os dois braços. Ao chegar às extremidades, a radiação é refletida noutro espelho e regressa ao vértice. No caso de se produzir alguma perturbação criada por uma onda gravitacional, os feixes que percorrem o interferómetro deixariam de estar sincronizados e a sua fase seria alterada. Para consegui-lo, é preciso captar alterações de comprimento inferiores ao diâmetro de um átomo. Perante tais dimensões, é muito fácil confundir um erro de medida com o sinal procurado. Uma equipa de investigadores coordenada pelo físico Morgan Mitchell realizou uma experiência que, embora não esteja diretamente ligada ao estudo das ondas gravitacionais, toma em consideração os fenómenos quânticos para aumentar de forma considerável a precisão das medidas obtidas pelos interferómetros. “A interferometria é uma técnica que se aplica ao estudo de diferentes fenómenos, como medir e monitorizar o estado de um con-
ESA / AOES MEDIALAB
junto de átomos”, explica Mitchell. “O procedimento que concebemos consiste em introduzir fotões num sistema com duas saídas; em função da fase dos fotões que se encontram no aparelho, varia o número dos que escolhem uma saída ou outra.” Devemos ter em mente, para entender o processo, que os fotões num laser emanam da fonte de forma aleatória, de modo que apenas se pode estabelecer aproximadamente quantos existem no sistema a dada altura. Este desconhecimento provoca incerteza tanto na estimativa da fase das ondas como nos sensores que recolhem os dados. As imprecisões decorrentes dessa aleatoriedade na emissão dos fotões são conhecidas por “limite de ruído de disparo” ou “limite quântico padrão”. “Se conseguirmos organizar melhor os fotões quando são emitidos, os cálculos tornam-se muito mais precisos, é possível observar efeitos menores e o detetor torna-se mais sensível”, afirma Mitchell. Com um feixe que permita estabelecer quantos fotões há exatamente em cada momento, os dados obtidos ultrapassam o limite do ruído de disparo e aproximam-se do denominado “limite de Heisenberg”. Trata-se de uma barreira intransponível que estabelece a impossibilidade de conhecer com precisão as variáveis físicas. Segundo Mitchell, a metodologia, conhecida por “compressão da luz”, poderia permitir a alguns interferómetros, como o GEO600 alemão, detetar ondas gravitacionais muito em breve.
ESA / PLANCK
ADVANCED LIGO
Quentes e frios. A sonda Planck (em cima) revelou a maior estrutura cósmica conhecida (em baixo). Através da análise da distribuição das temperaturas na radiação de fundo de micro-ondas, os cientistas podem intuir o que se passou no início do universo.
EM BUSCA DA ORIGEM DO UNIVERSO Os astrofísicos chamam “fundo cósmico de micro-ondas” (CMB, na sigla inglesa) à radiação primordial que teve origem cerca de 380 mil anos depois do Big Bang. Após a grande explosão, o cosmos era constituído por um plasma quente que capturava os fotões. Quando o universo arrefeceu, surgiram os primeiros clarões de luz, formando a radiação cósmica de fundo de micro-ondas. Em 1965, duas equipas de investigadores dos Laboratórios Bell e da Universidade de Princeton (Estados Unidos) conseguiram captar essa radiação de fundo, o que foi um autêntico feito científico. Contudo, a descoberta também estabeleceu uma barreira intransponível: antes desse momento, não havia radiação, pelo que se torna impossível, em princípio, conseguir obter informação sobre os primeiros instantes do universo. “O fundo cósmico de micro-ondas é opaco a todas as formas de radiação eletromagnética”, indica o astrónomo David Galadi. Fundamentalmente, é como uma cortina que oculta o
que existe por detrás, “do mesmo modo que a superfície do mar, observada do ar, não permite ver o fundo”, explica. Apesar disso, se o CMB for estudado atentamente, é possível averiguar algo do que aconteceu antes. “Seria como efetuar uma dedução sobre o relevo marinho estudando as correntes e as ondas. Por exemplo, o seu comportamento nas zonas menos profundas pode proporcionar-nos muitos dados sobre ele”, sublinha Galadi. No caso da CMB, é possível inferir, com base na polarização da luz ou nas anisotropias (as diferenças de temperatura) que se podem observar no cosmos, o que ocorreu nos instantes prévios à sua formação. Todavia, existe uma alternativa. Até agora, a maior parte dos astrofísicos concentrou-se em captar as radiações eletromagnéticas. Contudo, se fosse possível estudar outros aspetos (como as ondas gravitacionais, no caso de serem descobertas), os especialistas poderiam ultrapassar a barreira do CMB e conseguir mesmo escutar o balbuciar incipiente de um universo recém-nascido. Interessante
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JOHN D. & CATHERINE T. / MACARTHUR FOUNDATION
Muito frio. O projeto CUORE conseguiu arrefecer uma massa de cobre a –273,144 ºC, apenas milésimos acima do zero absoluto.
Um novo estado da matéria s eletrões, os quarks e, em geral, todas as partículas englobadas pela designação de “fermiões” e que constituem a matéria ordinária repelem-se mutuamente quando se encontram no mesmo estado quântico. Esta aversão é conhecida por “princípio de exclusão de Pauli” e impede, por exemplo, que dois eletrões idênticos de um átomo possam ocupar o mesmo espaço orbital, isto é, a zona em redor do núcleo na qual há mais probabilidades de encontrar um eletrão. Se pensarmos num átomo como se fosse um hotel, o princípio de exclusão seria o equivalente a uma norma que impedisse, por exemplo, que pessoas do mesmo sexo se hospedassem no mesmo piso. Os eletrões só podem ocupar o mesmo nível energético no caso de terem spins opostos; caso contrário, veem-se obrigados a alojar-se em níveis energéticos superiores. Este princípio também funciona como componente estrutural. À semelhança das vigas de um edifício, ajuda a perceber por que motivo os átomos conseguem resistir a elevadas pressões, como as que se produzem no interior das estrelas anãs brancas, sem colapsar. Em 2003, investigadores da Universidade do Colorado em Boulder, coordenados por Deborah Jin (na foto), conseguiram obter um novo estado da matéria no qual este princípio não se verifica. Os cientistas capturaram um grupo de átomos de potássio em campos magnéticos e arrefeceram-nos até alcançar quase o zero absoluto. Observaram que os eletrões iam ocupando os níveis de menor energia até se aglomerarem nos níveis quânticos mais baixos, como se a sua associabilidade tivesse desaparecido. Esse estado da matéria é conhecido por “condensado fermiónico” e estuda-se, atualmente, a forma de aproveitá-lo para o desenvolvimento de materiais supercondutores.
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CUORE / INFN
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Uma experiência na Alemanha ultrapassou o zero absoluto TEMPERATURAS NEGATIVAS Se considerarmos que a temperatura é uma variável que depende da energia e da velocidade das moléculas de uma substância, quanto mais depressa estas se deslocarem, mais elevada deveria ser. As baixas temperaturas, pelo contrário, são associadas a uma maior lentidão das partículas. Concretamente, no zero absoluto (–273,15 ºC, graus Celsius, ou 0 K, que se lê zero Kelvin), as moléculas encontram-se totalmente imóveis. Em princípio, não se pode alcançar ou ir além de 0 K. Diferentes equipas de investigadores criaram experiências que se aproximam desse limite. Contudo, será que se trata verdadeiramente de uma barreira intransponível? O certo é que se revelou exequível obter temperaturas negativas, isto é, abaixo de 0 K, algo que pode parecer surpreendente. Foi o que demonstrou, no início de 2013, um grupo da Universidade de Munique (Alemanha), coordenado por Ulrich Schneider. Quando se aquece um líquido ou um gás, algumas das suas moléculas deslocam-se mais depressa. Contudo, apenas algumas alcançam uma grande velocidade; esta é, pelo contrário, reduzida entre a maioria. Com isso em mente, Schneider e os seus colaboradores utilizaram
feixes laser e campos magnéticos para conseguir que a distribuição energética se invertesse num gás quântico de átomos de potássio ultra-arrefecido. Embora o sistema tenha adquirido energia e aquecido, a temperatura desceu abaixo do zero absoluto, num aparente contrassenso esclarecido pelo especialista Morgan Mitchell: “Há sistemas que perdem entropia quando adquirem energia; possuem temperatura negativa. Imaginemos um conjunto de átomos, cada um com apenas dois estados possíveis: um excitado, com mais energia, e outro fundamental, com menos. Suponhamos que 90 por cento dos átomos se encontram num estado de excitação, e os restantes no fundamental. Ora não sabemos quais são, isto é, desconhecemos o estado exato dos átomos; existe uma desordem. É evidente que, se acrescentarmos energia, descobriremos que temos mais átomos em situação de excitação. Por outras palavras, ao fazê-lo, estamos a contribuir para reduzir essa desordem. Em consequência, a razão entre o aumento de energia e o aumento de entropia é negativa, pois esta experimenta, na realidade, uma perda. É por isso que se diz que o sistema possui temperatura negativa.”
MAX PLANCK INSTITUTE FOR BIOPHYSICAL CHEMISTRY
FOTOGRAFAR O INVISÍVEL
CHMYROV & HELL / MPIBC
Ao vivo e a cores. Com o sistema de visualização concebido por Sefan Hell (à direita, na foto), é possível avistar moléculas individuais. A nanoscopia ótica permite, por exemplo, observar a proteína queratina em células cancerígenas (em baixo)
A máxima resolução que os microscópios podem alcançar com a lente mais polida e perfeita é de 0,2 micrómetros. Essa fronteira, que deixa o nanomundo na penumbra, é conhecida por “limite de Abbe” e é causada pela difração da luz, mais ou menos como aconteceria se quiséssemos olhar através do buraco de uma fechadura demasiado pequena. Tudo mudou no ano 2000, quando o investigador Stefan Hell, que dirige o Instituto Max Planck de Química Biofísica (Alemanha), desenvolveu uma técnica que permite ir mais longe e captar imagens, por exemplo, da atividade neuronal de ratos. Hell foi galardoado com o Prémio Nobel da Química, em 2014, por esse espetacular avanço, denominado “nanoscopia”. O método de Hell é conhecido por “redução estimulada de emissões” (STED) e consiste em lançar um raio laser sobre uma amostra fluorescente para excitar as suas moléculas. Através de um segundo feixe, elimina-se a emissão de fluorescência, exceto a das estruturas de tamanho nanométrico, de forma que apenas estas se tornam visíveis. A amostra vai sendo assim analisada, o que permite obter uma imagem completa extremamente precisa. R.C.
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Amarelo saudável O chamariz (Serinus serinus), também conhecido, conforme a região do país, por amarelinha, azegrino, bico-curto, bilheirinha, canário-bravo, cereginho, cerezino, cerijo, cerzinho, chereginho, milheira, melheira-feia, milheiriça, milheirinha, milheiro-grande, nabinheira, papo-amarelo, patim, pintassilga-feia, riscada, serenito, sereno, serezina, serino, serzino e zerzino, é uma das aves mais comuns em Portugal e tem por hábito empoleirar-se no topo das árvores, postes ou antenas, a cantar freneticamente. Distingue-se facilmente pelo dorso e pelos lancos fortemente riscados, as asas escuras e os padrões amarelados na cabeça, que se estendem até ao peito, sendo mais visíveis nos machos. Um estudo desenvolvido por investigadores portugueses e recentemente publicado na revista Behavioural Ecology and Sociobiology mostrou que a coloração amarela, resultante da disponibilidade de carotenoides (betacaroteno) na dieta alimentar deste passeriforme, é, ainal, mais do que um aspeto estético, estando associada à seleção sexual: os machos que exibem uma plumagem de coloração mais saturada são preferencialmente escolhidos pelas fêmeas. Isto acontece porque o amarelo intenso está associado a melhor condição física e estado de saúde, pois o aumento da concentração de carotenoides no plasma melhora a resposta imunitária. Foto: Jorge Nunes.
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Animais Anilhagem científica em Portugal
Rastrear as AVES Os pássaros são, provavelmente, os animais que mais nos fascinam. Assim, não é de estranhar que existam milhares de ornitólogos amadores de olho neles. Alguns, porém, não se limitam a contemplá-los através de binóculos e telescópios, mas capturam-nos e anilham-nos, de modo a poder estudá-los com mais pormenor.
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chuvas nasceram em França ou na Bélgica, a mais de 1500 quilómetros de distância. Como existem, pelo menos, cinco espécies de tordos registadas na avifauna portuguesa, convém precisar que estamos a falar do tordo-comum (Turdus philomelos). Embora este passeriforme se reproduza no norte do país, vê o seu efetivo populacional aumentar consideravelmente após o mês de outubro, com a chegada de um grande número de indivíduos invernantes, oriundos do centro e do leste da Europa.
POPULAÇÃO EM DECLÍNIO
O tordo-comum é pouco mais pequeno do que um melro, caracterizando-se pela plumagem dorsal acastanhada e pela ventral branca, sarapintada de castanho. Alimenta-se de azeitonas, sobretudo, e está entre as aves mais abatidas pelos caçadores portugueses. Nos restaurantes, cada exemplar é vendido por cerca de três euros. Todavia, não sabemos até quando, pois, segundo a Federação Portuguesa de Caçadores, “a presença dos tordos em Portugal tem vindo a diminuir, nos últimos anos”. Outros viajantes aéreos selvagens, vindos do estrangeiro, sobrevivem aos tiros, mas acabam por morrer em território nacional. Por exemplo, uma toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapila) nascida na Bélgica foi morta por um gato no Algarve. Como sabemos isto? Através da pequena anilha que trazia no tarso: foi apli-
FOTOS: JORGE NUNES
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que responderia se alguém lhe perguntasse de onde vêm os tordos que fazem as delícias dos caçadores lusos, nos meses de novembro a fevereiro? Ou qual é a ave selvagem com maior longevidade, em Portugal? Ou, ainda, qual foi a maior distância percorrida por um pássaro nascido no nosso país? Provavelmente, não saberia o que responder, contudo os ornitólogos têm resposta pronta para estas e outras questões. Como é que eles sabem estas coisas? Porque não se limitam a observar as aves através de binóculos ou telescópios: capturam-nas, medem-nas, pesam-nas, marcam-nas, libertam-nas e ficam, pacientemente, à espera de notícias. Este método de investigação chama-se “anilhagem científica” e baseia-se na colocação de anilhas numeradas nas aves, de modo a obter dados sobre os seus movimentos e a sua distribuição geográfica. As placas de metal, aplicadas na forma de anilhas, possuem um código alfanumérico único que funciona como bilhete de identidade ou cartão de cidadão das aves. Assim, a partir do momento em que são anilhados, os seres alados e emplumados podem ser monitorizados com facilidade, permitindo obter dados preciosos sobre as suas rotas migratórias, dinâmicas populacionais, ecologia, reprodução, etc.. É assim que sabemos, por exemplo, que os tordos que chegam a Portugal com as primeiras
Surpresa. Embora o grupo de anilhagem do Parque Biológico de Gaia já exista há nove anos, e tenha anilhado centenas de aves silvestres, ainda tem surpresas. Foi o que aconteceu no dia em que izemos esta reportagem: capturaram uma poupa pela primeira vez. Esta magníica ave deve o nome vulgar à sua crista pronunciada, orlada de pontas pretas, que faz lembrar um leque.
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Captura científica. As aves apanhadas na rede não se destinam a ser aprisionadas em gaiolas ou a acabar num prato de restaurante: serão medidas, pesadas, marcadas com uma anilha numerada e libertadas
A anilhagem só pode ser feita depois de autorização oficial cada na localidade de Laplaigne/Hainaut (Bélgica), em 28 de setembro de 2011, e recolhida em Santa Bárbara de Nexe (Faro), em 31 de março de 2012. A distância entre os dois pontos, o de anilhagem e o do encontro fatal com o felino, foi de 1534 km. No entanto, é muito provável que este passeriforme tenha viajado muito mais, pois a migração das aves não é propriamente em linha reta. A toutinegra-de-barrete chama-se assim porque exibe um vistoso barrete, preto nos machos e castanho claro nas fêmeas. Tem o corpo acinzentado, mais escuro nas partes superiores, e é uma espécie característica dos parques e jardins urbanos, onde nos delicia com o seu canto melodioso. Foi igualmente através de uma anilha numerada que se descobriu que a ave selvagem com maior longevidade é uma cagarra (Calonectris diomedea), também conhecida por pardela-de-bico-amarelo. Trata-se da maior pardela que ocorre no nosso país, com cerca de meio metro de comprimento, um metro de envergadura de asas e cerca de 800 gramas de peso. É uma espécie facilmente identificada pelo seu bico amarelado, pelas asas brancas bordeadas de castanho nas partes inferiores e arqueadas durante o voo e pelas curvas suaves que descreve no ar, enquanto plana sobre as ondas. O exemplar vencedor foi anilhado na Selvagem
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Grande (Madeira), quando ainda era juvenil, no ninho, em 29/9/1983, e foi recuperado 10 393 dias (28 anos, cinco meses e 14 dias) depois. Aconteceu a 13/3/2012, em Melbourne Beach, na Flórida, a cerca de 6197 km de distância.
MIGRADORAS DE LONGO CURSO Embora a vetusta cagarra tenha sido uma supermaratonista, uma vez que atravessou o oceano Atlântico, sobrevoando mais de 6000 quilómetros de água salgada, não alcançou o título da maior distância percorrida, que foi arrecadado por uma andorinha-do-mar-comum (Sterna hirundo). Esta graciosa ave, também chamada “gaivina-comum”, mede cerca de 35 centímetros de comprimento, 80 cm de envergadura e pesa, em média, 136 gramas. Tem a cabeça negra, o bico vermelho-alaranjado pontiagudo, com a ponta preta, as patas curtas e vermelhas, a parte superior do corpo e as asas acinzentadas e a cauda bifurcada. Também se tratou de um juvenil anilhado no ninho, desta vez na ilha das Flores (Açores), em 24/6/2007, e que foi capturado em Punta Rasa, na Argentina, em 15/2/2012, depois de ter voado mais de 8818 km. Mesmo antes de haver registo da façanha da gaivina açoriana, já se sabia, através da anilhagem científica, que as andorinhas-do-mar eram migradoras de longo curso, detendo o record
da mais longa migração animal. O título está nas mãos (ou melhor: nas asas) da andorinha-do-mar-ártica (Sterna paradisaea), que vive num eterno verão: reproduz-se no Ártico, voa depois até à Antártida, passando pela costa portuguesa, e regressa de novo ao extremo norte para acasalar, numa viagem de quase 71 mil quilómetros, ida e volta. É uma jornada absolutamente épica, se tivermos em conta que falamos de uma pequena ave de aspeto frágil, com cerca de 35 cm de comprimento, 80 cm de envergadura e menos de 125 g de peso, que viaja a pouco mais de 30 km/h. Para os migradores inveterados, mesmo quando a distância percorrida num único ano não é assim tão significativa, as milhas acumuladas ao longo de uma vida podem ser inacreditáveis. É o caso da andorinha-do-mar-comum, que, embora não faça viagens tão longas como a sua congénere ártica, pode atingir um somatório incrível: “mais de 798 mil quilómetros”, diz o ornitólogo David Santos. O biólogo chegou a este valor através da partilha de informações com um colega nórdico, Mark Boorman, que lhe relatou a aventura de uma andorinha-do-mar anilhada no ninho, em Hirvensalo/Turku, na Finlândia, a 13 de julho de 1980, e que foi avistada a 9 de março de 2014, em Walvis Bay/Erondo, na Namíbia. Como se trata de uma ave que migra duas vezes por ano, isto significa que, durante esse tempo, viajou 34 vezes para sul e 33 vezes para norte. Com estes dados, David fez as contas: sessenta e sete vezes 11 920 km, que é a distância entre os dois sítios, dá exatamente 798 640 km, ou
Como tornar-se anilhador
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anilhagem é uma atividade ao alcance de qualquer pessoa, não interessando a profissão, a idade ou o sexo. Ao contrário do que se poderia pensar, não é preciso ser-se licenciado em biologia, nem possuir conhecimentos aprofundados de ornitologia. Basta gostar de aves e acompanhar, com regularidade, um anilhador credenciado nas suas tarefas, aprendendo, no terreno, os segredos do ofício. Nesta arte, como em muitas outras, os saberes adquirem-se com a prática, entre pares, metendo a mão na massa, que é como quem diz: nos pássaros. Porém, não se pense que basta montar uma rede e começar a apanhar os passarinhos, pois a captura de aves selvagens autóctones é uma prática ilegal, segundo a diretiva europeia relativa à conservação das aves, transposta para a legislação nacional. A lei proíbe não apenas o aprisionamento e o abate das aves, mas também a perturbação dos espécimes durante o período de reprodução, de hibernação ou de migração, bem como a destruição ou a recolha de ovos e ninhos, mesmo que vazios. Assim, a atividade de anilhagem só pode realizar-se se for previamente autorizada pelo ICNF/ CNA, estando essa autorização dependente de vários aspetos, como a identiicação das espécies-alvo, a indicação do local de anilhagem e a comprovada experiência do anilhador. O registo de informação relativa à anilhagem obtida em condições deicientes ou por pessoas com pouca preparação e experiência pode comprometer seriamente o valor, a qualidade e a iabilidade dos dados, e consequentemente anular todo o investimento, quer em termos humanos quer materiais. Por esta razão, torna-se fundamental a adequada formação e o treino dos anilhadores, de modo a garantir a segurança das aves e a qualidade da informação recolhida, que só assim poderá ser usada em trabalhos de investigação cientíica e de conservação da natureza. Aqui chegados, percebe-se que não é suiciente aprender o ofício: há necessidade de demonstrar e certiicar a proiciência de todos aqueles que se propõem capturar, medir, pesar e marcar com anilhas a passarada, de modo a acautelar o manuseamento adequado das espécies, garantindo a sua segurança e sobrevivência. Durante o seu processo de formação, realizado, obrigatoriamente, sob a orientação de um anilhador de reconhecida experiência e com autorização do ICNF/CNA, o instruendo poderá obter uma credencial de aprendiz. Para isso, terá de já ter processado, pelo menos, mil aves, referentes a 40 espécies (passeriformes e não passeriformes), comprovadas pela entrega de um relatório anual.
Nesta arte, como em muitas outras, os saberes adquirem-se com a prática, entre pares, metendo a mão na massa, que é como quem diz: nos pássaros.
Findo o percurso formativo (leia-se: dois anos de anilhagem regular, 3000 aves processadas, relativas a 80 espécies), que será tanto ou mais demorado consoante a dedicação à arte e a aptidão demonstrada, o aprendiz pode sujeitar-se a avaliação e certiicação, de modo a obter a credencial de anilhador. Esta já lhe permitirá uma atividade autónoma, em todo o território nacional, e de acordo com o projeto pessoal apresentado ao ICNF/CNA, aquando do pedido de emissão da credencial, que tem a validade de um ano. Aos anilhadores credenciados é ainda permitida a formação de novos anilhadores, sendo responsáveis pelos atos praticados pelos segundos até à conclusão do seu processo formativo e à obtenção da respetiva credenciação. Em alternativa ao processo de formação informal, junto de grupos de anilhagem ou de anilhadores credenciados, podem frequentar-se ações formais, organizadas pelo ICNF/CNA., com três módulos: Introdução à Anilhagem de Aves (oito horas), Desenvolvimento Prático em Anilhagem (80 horas) e Credenciação em Anilhagem (120 horas). Para se ter uma ideia do panorama nacional, reira-se que, em 2014, estavam credenciados 237 anilhadores de todo o país, que capturaram, marcaram e libertaram, nesse ano, quase 40 mil aves, pertencentes a mais de duas centenas de espécies. Segundo Vítor Encarnação, coordenador nacional da CNA, isto acontece porque “em Portugal, nos últimos anos, temos vindo a as-
sistir ao incremento do número de estudos realizados recorrendo ao uso da anilhagem como uma das ferramentas para a sua execução, bem como ao correspondente aumento de anilhadores credenciados”. Ainal, estamos a falar de um processo pouco dispendioso, acessível à maioria das pessoas e sem consequências na dinâmica populacional das espécies em geral, que se encontra organizado e capaz de fornecer informação iável, quer sobre a sua distribuição e os seus movimentos, quer ainda sobre o estado das populações. Assim, conclui o biólogo, a anilhagem “tem representado um papel importantíssimo na monitorização da generalidade das espécies silvestres e na sua conservação”. Os fãs da anilhagem podem tornar-se membros da Associação Portuguesa de Anilhadores de Aves (ver htp://www.apaa. pt), com existência legal desde 2007. Esta entidade visa facilitar a partilha de conhecimentos e informações entre associados e salvaguardar, conservar e desenvolver os valores técnicos e cientíicos da atividade. Quem gosta do contacto com a natureza e com as aves selvagens pode sempre juntar-se a um grupo de anilhagem cientíica, participando, esporadicamente, como voluntário. Por exemplo, no Parque Biológico de Gaia, as sessões decorrem ao longo de todo o ano (caso não chova), nos primeiros e terceiros sábados de cada mês, durante a manhã.
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Cidadania aérea. As placas de metal aplicadas na forma de anilhas possuem um código alfanumérico único que funciona como bilhete de identidade das aves.
O bem-estar das aves silvestres está sempre em primeiro lugar seja, mais do dobro da distância da Terra à Lua, que é de cerca de 384 mil quilómetros. “Uma vez que esta ave marinha se alimenta somente de pequenos peixes, como é possível que ainda se diga que ‘peixe não puxa carroça’?”, graceja David, enquanto recolhe os dados biométricos de um pisco-de-peito-ruivo, que acaba de ser capturado, em mais uma sessão de anilhagem, no Parque Biológico de Gaia.
MONITORIZAÇÃO E DIVULGAÇÃO
O grupo de anilhagem científica de aves sediado no Parque Biológico de Gaia é um dos mais ativos do norte de Portugal, atuando, principalmente, nos distritos do Porto e de Viana do Castelo. Dada a sua longevidade e a atividade permanente ao longo do ano, tem grande importância na monitorização de populações de aves, tanto residentes como migradoras, nesta região do país. Além de se dedicarem à anilhagem e à observação de aves, os membros, todos voluntários, são grandes divulgadores da ornitologia, participando, com regularidade, em iniciativas de divulgação e conservação da natureza e na formação, gratuita, de novos anilhadores. “Ainda ontem, eu e o Pedro fomos dinamizar uma atividade de educação ambiental, numa escola de Vila Pouca de Aguiar”, informa David Santos, que está prestes a terminar o registo do pisco e a devolvê-lo à natureza. Convém
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salientar que as aves são aprisionadas, em sacos de tecido escuro, somente durante o tempo estritamente necessário para serem anilhadas. Depois, são imediatamente libertadas no seu habitat natural. A conversa com David aconteceu numa manhã soalheira de sábado, sob a luz dourada do sol e o azul intenso do céu. Porém, a sessão de anilhagem começara muitas horas antes, ainda de madrugada. Foi nessa altura, a coberto da escuridão, que os anilhadores se dirigiram para os locais predefinidos e montaram estrategicamente as redes de captura. Quando os pássaros acordaram, com o nascer do sol, e iniciaram a sua azáfama, nem imaginavam o que os esperava. “O bem-estar das aves silvestres está sempre em primeiro lugar”, lembra António Pereira, um dos membros fundadores do Grupo de Anilhagem, que opera no Parque Biológico desde 2004. António é engenheiro químico, sendo um bom exemplo de como a ornitologia não é um passatempo apenas para biólogos. Conta-nos que se apaixonou pelos pássaros ainda em criança: “Um dia, o meu pai levou-me à Reserva Natural das Dunas de São Jacinto e comprou-me lá um livrinho, O Meu Primeiro Livro de Aves, que acabou por mudar a minha vida. Com cerca de 11 anos de idade, punha-me na varanda de casa, com os binóculos do meu avô, a identificar as espécies que constavam no guia”, recorda.
“Só muito mais tarde, quando já era estudante universitário, participei pela primeira vez num congresso de ornitologia e conheci outras pessoas ligadas ao estudo das aves.” Após vários anos a observar aves à distância, António descobriu na anilhagem científica uma oportunidade de se aproximar delas e de lhes tocar, literalmente. “Comecei a minha formação de anilhador em 1998, mas só adquiri a credencial em 2001, após três anos de instrução no Alentejo”, conta, à medida que vai observando, medindo e colhendo dados de um chapim-real que segura cuidadosamente com a mão esquerda. Uma breve consulta a um guia de aves ou ao portal Aves de Portugal (http://www.avesdeportugal.info) permite saber que o maior dos chapins portugueses (estão referenciadas seis espécies em Portugal) ostenta uma típica máscara facial, com colar e capuz pretos e faces brancas, e uma lista negra, que se estende da garganta até ao abdómen, sendo mais larga no macho do que na fêmea. O dorso é cinzento-esverdeado, o ventre amarelado e as asas azuladas. Curiosamente, na folha de registo não consta o nome vulgar do chapim-real, mas a sua denominação científica: Parus major. “É para evitar confusões, pois esta ave possui imensos nomes vernáculos, consoante a região do país onde nos encontramos”, esclarece o ornitólogo. Se consultarmos a obra Nomes Portugueses das Aves do Paleártico Ocidental, descobrimos que este pássaro é conhecido por, pelo menos, 55 designações populares diferentes em Portugal, desde “aguça-a-serra” e “caga-
Quem não tem paciência para a anilhagem pode sempre dedicar-se à observação das aves.
Ao alcance de todos
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chim” até “serafim” e “surdivém”, passando por “ferreiro”, “fradisco”, “fura-bugalhos”, “megenra”, “pássaro-do-linho” e “patachim”, entre outras.
AMIGOS DO ALICATE Os anilhadores podem operar de forma individual ou organizar-se em grupos de anilhagem, como aconteceu com António Pereira, que preferiu juntar-se a outros “amigos do alicate”. Esta curiosa expressão advém de este ser um dos instrumentos mais importantes neste método de investigação da avifauna. O alicate de anilhagem difere dos lá de casa, pois tem uma função mais delicada: aplicar na pata da ave silvestre, sem a magoar, uma leve anilha padronizada a nível internacional. Por isso, aperta apenas o necessário, sem afetar o bem-estar do animal. António explica: “A peça de metal fica ali, sem perturbar a vida dos pássaros. Quando a ave for recapturada, por este grupo de anilhagem ou por qualquer outro anilhador, no país ou no estrangeiro, não será confundida com nenhuma outra, podendo dar-nos preciosas informações.” Além do alicate específico, com os tamanhos das várias anilhas que existem, o material do anilhador consiste em réguas, para medir asas e penas, craveiras, para medir bicos e tarsos, uma balança, para determinar o peso, e redes certificadas, utilizadas para a captura dos seres alados, que só podem ser usadas, legalmente, por pessoas credenciadas para a captura de aves para fins científicos. As anilhas são produzidas e distribuídas, anualmente, pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
uem gosta da passarada mas não tem paciência para a anilhagem pode sempre dedicar-se à observação das aves. Trata-se de um passatempo saudável e económico, acessível a qualquer pessoa. Como a maioria das espécies não se deixa aproximar com facilidade, convém adquirir uns binóculos (sendo aconselhados os que têm uma ampliação entre oito e dez vezes e uma abertura ou diâmetro de lente de 30 a 50 milímetros) ou um telescópio, que possibilitará a observação de pormenores difíceis de distinguir com os binóculos. É igualmente essencial ter um guia de campo com desenhos ou fotograias, de modo a identiicar convenientemente as espécies. Se, em princípio, ninguém confundirá um pardal com uma gaivota, já o mesmo não se poderá dizer de um melro-preto (Turdus merula) e de um estorninho-preto (Sturnus unicolor), uma vez que as duas espécies surgem no mesmo habitat (por exemplo, são comuns nos parques e jardins citadinos) e possuem características morfológicas muito idênticas. Neste caso, uma breve leitura do guia poderia ajudar: têm ambos o bico amarelado e o corpo escuro, mas a cauda do estorninho é mais curta, o seu corpo é mais compacto e a sua postura mais ereta. Além disso, o estorninho tem as patas rosadas e apresenta a plumagem com tons esverdeados brilhantes. Os melros podem tornar-se inconfundíveis, se tivermos em conta um pequeno pormenor, que exige um olho bem treinado: possuem uma auréola amarelada em torno do olho. Como se treinam os olhos? Do mesmo modo que se preparam os músculos para determinado exercício físico: com muita prática. A destreza visual e o conhecimento ornitológico adquirem-se com
a experiência, nomeadamente com as sucessivas observações e pesquisas sobre as espécies observadas. Hoje em dia, a internet está recheada de preciosas informações ornitológicas disponibilizadas em páginas e fóruns criados a pensar nos apreciadores de aves: experimente, por exemplo, os portais da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (htp:// www.spea.pt) ou Aves de Portugal. A internet facilita, igualmente, a correspondência com outros ornitólogos, tanto amadores como proissionais, permitindo uma permanente atualização cientíica e a obtenção de informações úteis, como, por exemplo, a ocorrência de espécies migradoras em determinado local ou região do país. Já agora, não basta adestrar apenas os olhos, é conveniente treinar também os ouvidos, pois muitas das observações de aves começam com o escutar de um canto, de um pio ou de um ulular. Amiúde, quando avistamos um bicho, já o havíamos escutado há muito tempo e só o observamos porque dirigimos a nossa atenção para o local de onde partiu o som. Assim, o conhecimento da linguagem dos pássaros constitui um primeiro passo muito importante para os encontrar. Como dizem que recordar é viver, ou melhor, reviver, é conveniente registar as observações num caderno de campo, para mais tarde relembrar os passeios ornitológicos. Além da listagem das espécies observadas, podem anotar-se pormenores como o tamanho, a silhueta e a cor (tanto a coloração geral como os tons de determinadas partes especíicas do corpo: cabeça, bico, patas ou asas) dos espécimes avistados, características dos locais de observação e condições climáticas, entre outras informações.
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Aves que passam
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ortugal é um dos pontos de passagem (e, amiúde, de paragem) obrigatórios nas viagens sazonais das aves entre o norte da Europa e o Atlântico Sul e vice-versa. Este acontecimento, que se repete duas vezes ao ano, de norte para sul, durante o outono/inverno, e em sentido contrário, na primavera/verão, deixa os ornitólogos e anilhadores lusos em alerta total. Estas são janelas temporais ímpares, que permitem avistar espécies que não existem ou são pouco comuns no território nacional. Não se pense, porém, que estamos a falar de meia-dúzia de passarinhos, pois atravessam terras lusas milhares de seres emplumados migrantes, e não apenas sobre a terra, mas também sobre o mar: “Entre Peniche e as Berlengas passaram mais de 300 mil aves em quatro meses”, lia-se no jornal Público em meados de novembro. Embora estes movimentos maciços de avifauna passem, geralmente, despercebidos aos cidadãos comuns, são um acontecimento muito relevante para os ornitólogos e têm um impacto muito importante na ciência e no turismo. O projeto Peniche Seabird Count (htp://www.penicheseabirdcount. com) é um bom exemplo. Juntou em Peniche, entre 15 de agosto e 15 de novembro, especialistas portugueses e da Suécia, do Reino Unido, do Luxemburgo e da Suíça para fazer o recenseamento das aves migratórias que, nos meses de outono, partem das costas de Inglaterra, da Irlanda, da Escandinávia, da Gronelândia e até da tundra russa para paragens mais quentes da costa africana e mesmo do Brasil. Nesse período, foram contabilizados mais de 300 mil seres alados e emplumados, pertencentes a 84 espécies, incluindo aves jovens e adultas, machos e fêmeas. É verdade, os ornitólogos conseguem identiicar todos estes pormenores, através dos seus potentes telescópios e das suas teleobjetivas fotográicas: por exemplo, onde o comum dos mortais vê um singelo ponto negro no céu, os especialistas descobrem um juvenil de ganso-patola. Este, vestido de castanho pintalgado, distingue-se muito bem dos adultos, que possuem o corpo pintado de branco, com as pontas das asas pretas e a cabeça amarelada. No contexto europeu da migração de aves marinhas, Peniche é um dos pontos de controlo mais meridionais (a que se junta a ponta de Sagres), e aquele onde se uniicam as diversas rotas que pros-
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seguem pelo Atlântico. Mais para norte, destacam-se outras estações de observação, como a Estaca de Bares (na Galiza), a ilha de Cape Clear (na Irlanda), a ilha de Skokholm (no Reino Unido) e Falsterbro e Otensby (ambas na Suécia). Finda a contagem de aves, embora ainda haja muito trabalho de análise para fazer, já há alguns dados dignos de registo, como seja a passagem por Peniche de quase 17 mil indivíduos de pardela-balear (Puinus mauretanicus). Embora este número pareça nada ter de especial, se dissermos que a espécie está criticamente ameaçada e que a sua população mundial se estima em apenas 20 mil indivíduos, as coisas mudam de igura: signiica que, em apenas quatro meses, mais de 80 por cento do seu efetivo populacional passou ao largo da costa portuguesa. A pardela-balear é de pequenas dimensões, rechonchuda, de tonalidades castanhas escuras, com o abdómen e as asas pálidas. Vive, principalmente, no Mediterrâneo, deslocando-se, no verão, ao golfo da Biscaia para mudar de penas, e regressando, no outono, às águas amenas do Mare Nostrum, denominação atribuída pelos romanos ao espelho de água salgada compreendido entre a Europa meridional, a Ásia ocidental e a África setentrional (“mediterrâneo” signiica, literalmente, “entre as terras”). Outras raridades dignas de menção, no Peniche Seabird Count, são, por exemplo, três fulmares (Fulmarus glacialis), uma espécie frequente nas águas do norte da Europa, mas muito pouco comum na costa portuguesa; um rabo-de-palha (Phaethon aethereus), que costuma migrar para as Caraíbas e se distingue por ter uma plumagem
essencialmente branca, bico vermelho e longas penas caudais, que lhe conferem um aspeto particularmente gracioso e lhe dão o nome vulgar; e um airo-de-asa-branca (Cepphus grylle), que até à data nunca tinha sido observado na costa portuguesa. Entre as espécies mais frequentes que se viram passar rumo ao sul, estão os gansos-patolas (200 mil) e as cagarras (30 mil). Todavia, não se pense que este projeto é apenas ciência pura ou uma atividade recreativa dos maluquinhos dos pássaros. Na verdade, a ornitologia cruza-se aqui com o turismo e a economia. “A ciência ganha conhecimento que não havia, no domínio da migração das aves marinhas”, airma Hélder Cardoso, um dos ornitólogos responsáveis por esta iniciativa, “mas as aves também são um ótimo barómetro sobre o que se passa dentro do mar”, lembrando que estamos a falar de predadores de topo nos oceanos, ou seja, de organismos que espelham a vitalidade das teias alimentares oceânicas. Ainal, estas aves sustentam-se de peixes que, por sua vez, se alimentam de outros peixes, pelo que o conhecimento sobre as suas migrações ajuda no conhecimento e na gestão dos recursos piscatórios. Atrás das aves, vêm os turistas ornitológicos (e os amantes da natureza em geral), habitualmente pessoas com estudos e poder de compra, que viajam só para poder observar e fotografar pássaros. Além disso, combinam, amiúde, a observação de aves com outras atividades culturais e recreativas. Por exemplo, estima-se que o turista ornitológico espanhol gaste, na região algarvia, aproximadamente cem euros por dia, e que um oriundo de outro país, que vem, geralmente, integrado em programas
especializados, desembolse cerca de mil euros por semana. No entanto, a procura é variada: há desde aqueles que vêm por conta própria até aos que procuram requintes principescos. Apesar de observar aves não ser propriamente como participar num luxuoso safari africano, também não tem de ser, necessariamente, uma atividade repleta de frugalidades. Devido à sua vasta experiência ornitológica, Hélder Cardoso é perentório: “Peniche tem condições para ser um dos maiores centros mundiais de observação de aves, pois o cabo Carvoeiro é o segundo ponto mais ocidental da Europa.” Nas suas rotas migratórias, os bandos voam sempre ao longo da costa, e a maioria passa exatamente pelo corredor de dez quilómetros que medeia entre Peniche e as Berlengas. Como facilmente se percebe, estas palavras são música para os ouvidos de António José Correia, presidente da Câmara Municipal de Peniche, que, depois de ter investido no surf, no mergulho e na pesca, se volta agora para o mercado da observação de aves, que, curiosamente, é um dos seus passatempos preferidos. Tal como aconteceu com a região algarvia, a cidade piscatória de Peniche quer também tornar-se conhecida pelo turismo ornitológico. Com toda a certeza, será uma aposta ganha. Como lembra António Ventura Pina, ex-presidente do Turismo do Algarve, o setor “tem vindo a registar um contínuo acréscimo no índice de procura por parte de especialistas e observadores de aves vindos de todo o mundo, em especial dos países da Europa do Norte”.
Arsenal. Além do alicate especíico, o material do anilhador consiste em réguas, para medir asas e penas, craveiras, para medir bicos e tarsos, uma balança, para determinar o peso, e redes certiicadas.
Antes de anilhar uma ave, é necessário registar os seus dados (ICNF), através da Central Nacional de Anilhagem (CNA). Embora possa parecer apenas um passatempo, a anilhagem científica é um trabalho rigoroso e que requer uma técnica minuciosa. Antes de cada ave ser anilhada, é necessário preencher a sua biografia e registar os seus dados biométricos; idade, sexo, condição corporal (avaliada a nível do músculo e da gordura), comprimento da asa, do bico e do tarso e peso. Estes dados serão inseridos numa base de dados nacional, coordenada pelo ICNF/CNA, e partilhados, posteriormente, com outros parceiros europeus através do EURING – European Union for Bird Ringing (http://www.euring.org), a quem cabe promover e incentivar a cooperação administrativa e científica entre os diversos organismos nacionais. O grupo de anilhagem do Parque Biológico produz registos todos os meses, uma vez que se mantém ativo durante todo o ano, desde 2006. Além de fazer a monitorização da avifauna selvagem do parque, participa no projeto europeu Estações de Esforço Constante, que visa monitorizar as espécies nidificantes, entre 15 de março e 15 de junho. Durante o inverno, participa ainda num projeto nacional de monitorização das aves invernantes, de 15 de dezembro a 15 de fevereiro. Olhando para os registos do dia em que estivemos em Vila Nova de Gaia, verificamos que
correspondem, sobretudo, a aves vulgares, como piscos, chapins, melros, toutinegras e felosas, entre outras. “Ao contrário do que muita gente pensa, é muito importante monitorizar estas espécies comuns, uma vez que são um indicador da qualidade dos ecossistemas e do estado do ambiente”, esclarece António Pereira. “Como são capturadas e recapturadas com frequência, em diversas épocas do ano e ao longo de vários anos, isso permite-nos estudar o seu desenvolvimento e a sua dinâmica populacional ao longo do tempo”, esclarece o anilhador. “Por exemplo, podemos ter a perceção de que há muitos piscos, mas as suas populações invernantes estarem em queda”, conclui António, acrescentando: “Ao vê-los ao longo de todo o ano, temos a perceção de que existem muitos, mas os dados científicos podem indiciar o contrário, ou seja, um decréscimo populacional preocupante.” O contrário também é verdade: “Quando começámos a anilhar, em 2006, a ferreirinha já não era considerada nidificante no Parque Biológico de Gaia, pois sempre foi muito difícil de ver, mas nós começámos a capturá-la, demonstrando que, afinal, ainda existia e nidificava aqui. É esta a grande vantagem da anilhagem: os dados podem ser medidos e comparados, ajudando a esclarecer, com exatidão, os diversos aspetos sobre as populações de aves da região.” J.N.
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Ambiente O papel dos bancos de genes
As novas arcas de NOÉ Quando países e empresas poderosas investiram forte no bunker de Svalbard, na Noruega, percebeu-se que as sementes serão o ouro deste século. Uns guardam o tesouro, outros querem-no livre e acessível a todos.
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m setembro último, em plena crise dos refugiados oriundos da Síria, foi notícia, em todo o mundo, a primeira utilização das sementes guardadas no mais forte e poderoso banco do género, o Seed Vault Svalbard, na Noruega. Em causa estava um pedido de sementes sírias, para substituir outras, destruídas pela guerra. No mundo de hoje, as notícias replicam-se, copiam-se e não são aprofundadas. Se neste caso tivesse havido esse aprofundamento, perceber-se-ia mais claramente como a preservação e a multiplicação das sementes é hoje uma atividade globalizada, de enorme importância para o planeta e de grande interesse para os estados, mas também para empresas e organizações poderosas. No caso das sementes sírias, tratou-se de um pedido do Centro Internacional para a Pesquisa Agrícola em Áreas Secas (ICARDA), para ter de volta algum do material genético fornecido ao banco em 2014, para responder a pedidos de germoplasma provenientes de organizações agrícolas e agricultores de todo o mundo. Na situação em concreto, as sementes seguiriam para Marrocos e para o Líbano. Como se vê por este caso, a preservação das sementes ganhou importância planetária e será, certamente, uma das atividades fundamentais no século XXI. O banco de Svalbard não é único no mundo, e com uma dimensão parecida há mais dois ou três que merecem registo. Depois, há o trabalho feito em casa por cada país, e dentro de cada país diversas
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organizações, algumas delas alternativas, e contestatárias, também assumem a tarefa de proteger os pequenos grãos que são, de facto, a origem da vida.
PERIGO DE EXTINÇÃO
Em causa está, cada vez mais, o velho hábito do agricultor: pegar num tomate, ou num pimento, por exemplo, e extrair-lhe as sementes que, devidamente preparadas e acondicionadas, permitirão nova colheita no ano seguinte. Acredita-se que a agricultura começou por volta de 8000 a.C. , nas montanhas da Mesopotâmia, e logo na altura os agricultores aperceberam-se da necessidade de guardar as sementes para manterem as culturas. Foram descobertas evidências de bancos de sementes datados de 6750 a.C. Trata-se, pois, de uma prática milenar, que gradualmente tem sido colocada em perigo, devido a causas naturais (clima, desastres ambientais, doenças…), ao avanço tecnológico e à industrialização da exploração agrícola. Grande parte dos agricultores passou a comprar as suas sementes, muitas delas importadas, algumas geneticamente modificadas, e isso alterou completamente o cenário. O mercado, como se sabe, tende a selecionar, e selecionar é também anular, colocar de lado. Em resultado disto, muitas espécies de sementes começaram a desaparecer, e algumas extinguiram-se. O biólogo Peter H. Raven, atualmente presidente emérito do Jardim Botânico do Missouri, que dirigiu entre 1971 e 2011, deu o alerta durante
Fortaleza biológica. As sementes guardadas em Svalbard estarão a salvo de guerras, desastres naturais, mudanças climáticas, experiências genéticas e técnicas de agricultura intensiva.
Interessante
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Paixão britânica. O Millennium Seed Bank, situado no Sussex (Inglaterra), pretende albergar, até 2020, um quarto de todas as espécies botânicas do mundo.
o 16.º Congresso Internacional de Botânica, realizado em 1999, nos Estados Unidos: “Das 300 mil espécies que se calcula existirem no mundo, 100 mil poderão ter desaparecido ou correr risco de extinção até meados do século XXI.” Na realidade, em 1949, na China, plantavam-se quase dez mil variedades de trigo: hoje, são menos de mil. Nos Estados Unidos, cerca de 6000 variedades de macieiras desapareceram nos últimos cem anos, e alguns estudos falam do desaparecimento de 95 por cento das variedades de repolho e de 81% das variedades de tomate! Estes números não podem deixar ninguém indiferente, e foi por esta razão que surgiram os bancos de sementes. Em Portugal também, até porque o nosso país é considerado um dos locais com mais espécies prioritárias para conservação. Os esforços estão, nesta área, concentrados no Banco de Sementes do Jardim Botânico, sediado no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, no Banco Português de Germoplasma Vegetal, em Braga, no ISOPlexis Banco de Germoplasma da Universidade da Madeira e no Banco de Sementes do Jardim Botânico do Faial.
PORTUGAL SEM LIVRO VERMELHO O banco do Jardim Botânico de Lisboa foi inaugurado em 2001, sucedendo ao Index Seminum (constituído em 1978), e passou por diversas etapas e dificuldades nesta mis-
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Um terço das espécies botânicas pode desaparecer até 2050 são, mas o seu espólio atual é significativo: conserva 3371 amostras de sementes, pertencentes a 1070 espécies, um valor que abrange metade das espécies protegidas em Portugal continental. A bióloga Maria Amélia Martins-Loução, que dirigiu o Jardim Botânico entre 2003 e 2009 e foi coordenadora do Banco de Sementes até 2014, faz um balanço muito positivo do trabaho realizado: “O banco tem mais de 55% da flora portuguesa ameaçada em conservação a longo prazo, o que significa a 18 graus negativos. No continente, mais nenhuma instituição possui condições de conservação de plantas selvagens como estas, estabelecidas em conformidade com as regras europeias da rede ENSCONET.” Seja como for, é difícil calcular quantas espécies terá perdido o nosso país nos últimos cem anos. A bióloga lamenta que Portugal não tenha ainda um livro vermelho da flora nacional, mas acredita que o país conseguirá cumprir o estipulado na Estratégia Europeia de Conservação de Plantas (EGCP): “Tendo presente o que se conseguiu nos últimos dez anos em termos de conservação, a ideia seria chegar a 2020 com 75% da flora ameaçada em conservação a longo prazo.”
Importante nesta batalha é também o Banco Português de Germoplasma Vegetal (BPGV), hospedado em Braga, com 47 mil amostras de 150 espécies e 90 géneros de cereais, plantas aromáticas e medicinais, fibras, forragens e pastagens, culturas hortícolas e outras. Trata-se de uma instituição pertencente ao Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), que responde perante a FAO (a agência das Nações Unidas para a agricultura e a alimentação), enquanto o banco do Jardim Botânico responde perante Bruxelas e as suas leis de conservação da natureza. A coleção de Braga é única para as cultivares agrícolas (os bancos de germoplasma vegetal destinam-se a conservar uma coleção de sementes, esporos, plantas ou DNA a longo prazo, isto é, por períodos de 50 a 100 anos), e a instituição foi, entretanto, nomeada como Banco Mediterrânico do Milho, conservando duplicados das coleções provenientes de Espanha, França, Grécia, Iémen, Itália, Marrocos e Tunísia. A engenheira agrónoma Ana Maria Barata, responsável pelo Banco de Germoplasma, não tem dúvidas sobre a importância do papel desempenhado pela instituição: “Coordena e participa em projetos que integrem a valoriza-
Sementes... para Marte
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m janeiro de 2015, um grupo de jovens cientistas portugueses, estudantes do mestrado integrado de bioengenharia da Universidade do Porto, ganhou um concurso internacional com um projeto em que se propunham enviar sementes para Marte. O concurso foi organizado pela Mars One, uma fundação privada que pretende construir uma colónia no planeta vermelho, com ocupação a partir de 2025. Tudo isto parece icção cientíica, mas não é. Muito menos a ideia de que, com sementes, se pode contribuir para a construção de uma civilização. O facto de o projeto da equipa Seed (na foto) ter sido aprovado mostra bem como a semente é considerada um tesouro de vida, sobretudo quando o ser humano começa a pensar sobre o futuro e os riscos que corre a biodiversidade. Se tudo correr como esperado, em 2018, quando
ção dos nossos recursos genéticos, associando a conservação on farm [no campo do agricultor] à valorização das variedades tradicionais, através do seu reconhecimento em sistemas de qualidade. São exemplos os produtos do concelho de Arcos de Valdevez inscritos na Arca de Sabores da Slow Food, a broa de milho, o feijão terrestre e, mais recentemente, a valorização de variedades de centeio. A mais-valia do BPGV não se cumpre apenas na missão de salvaguarda da biodiversidade, complementa-se e amplia-se, projetando-se no objetivo mais vasto de garante de um futuro melhor e mais seguro, para as gerações atuais e vindouras.” O banco começou o seu trabalho em 1977, com a instalação da primeira câmara de conservação em frio. “Atualmente”, explica Ana Maria Barata, “o BPGV conserva um acervo de 47 mil acessos, resultado de 126 missões de colheita nacionais e internacionais, e implementou estratégias de conservação diferenciadas e complementares, de acordo com a tipologia de propagação das espécies vegetais. Possui condições de conservação em frio (médio e longo prazo), em coleções de campo, in vitro e em crioconservação.” Desempenhando um papel tão importante, a instituição de Braga tem naturalmente diversas ligações a estruturas análogas na Europa e no mundo: além da FAO, o BPGV pertence à rede European Cooperative Programme for Genetic Resources (ECPGR) que congrega 31 países do
velho continente, e cujo objetivo é a conservação efetiva ex situ e in situ, e a utilização sustentável dos recursos genéticos vegetais.
ILHAS PRESERVAM FLORA ENDÉMICA Aos dois bancos de sementes do continente, Portugal junta, com apoio estatal, mais duas unidades do género nas ilhas: existe, desde 1996, uma unidade de investigação da Universidade da Madeira, o Banco de Germoplasma ISOPlexis, com o objetivo de desenvolver estudos na área dos recursos genéticos e da biotecnologia. Este banco integra a rede da FAO desde 2001, e o Germobanco Agrícola da Macaronésia desde 2003. Tem coleções representativas de germoplasma dos recursos agrícolas da região, para depósito a longo prazo, para conservação, para curto prazo (apoio à investigação e à agricultura) e para o desenvolvimento de novas variedades. Nos Açores, o Banco de Sementes está sediado no Faial, trabalhando desde 2003 para a conservação de espécies da flora endémica do arquipélago. Nesta altura, o banco guarda mais de metade das 75 espécies endémicas consideradas ameaçadas, apresentando viabilidade germinativa. As sementes são acondicionadas em tubos de ensaio com sílica (para absorção da humidade) e guardadas em câmaras de frio com temperaturas a rondar os –15 ºC. Apesar deste comprometimento do estado na preservação das sementes, têm prolife-
a missão Lander for enviada para o planeta vermelho, transportará sementes da planta Arabidopsis thaliana, escolhida por ser a mais estudada do mundo. É uma planta com lor, natural da Europa e da Ásia, a cuja família pertence, por exemplo, a mostarda. Agora que a NASA descobriu que existe ocasionalmente água líquida em Marte, tudo parece fazer mais sentido, e já nem parece tanto icção cientíica…
rado bancos alternativos, sobretudo através de associações ativistas que não se reveem nesta forma “oficial” de catalogar, preservar, até patentear, um património que se crê ser de todos e que, por isso, acreditam estas associações, deve permanecer livre. Foi neste sentido que nasceu, a nível europeu, a Campanha pelas Sementes Livres, que em Portugal tem sido dinamizada pelas organizações Gaia, Campo Aberto, Movimento Pró-Informação para a Cidadania e Ambiente, Plataforma Transgénicos Fora e Quercus. Este movimento incentiva os agricultores a criarem os seus próprios bancos de sementes, a partilharem-nas em encontros regulares, a participarem em formações que lhes permitem um cada vez maior conhecimento sobre a preservação das sementes e a assinarem petições como a que já foi feita contra a Lei das Sementes, pelas sementes livres (150 mil assinaturas a nível europeu). É neste cenário que atuam grupos como a Associação Colher para Semear ou Círculos de Sementes, com uma atividade que apoia a multiplicação de pequenos bancos de sementes, preservando assim o património tradicional e lutando contra o perigo das patentes sobre estes pequenos grãos de vida.
UMA CAVERNA NO ÁRTICO O principal banco de sementes do mundo foi construído no arquipélago norueguês de SvalInteressante
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Da Lei das Sementes ao Seed Act
A
famosa Lei das Sementes é uma das principais preocupações dos agricultores empenhados em preservar a sua soberania alimentar. Trata-se de uma proposta da Comissão Europeia, por enquanto travada no Parlamento Europeu, que pretende obrigar ao registo das sementes, estabelecendo critérios para que possam ser comercializadas. Apresentada em 2008, gerou de imediato diversos protestos. A sua versão inicial chegava a proibir que um agricultor cedesse sementes a outro. Tudo teria de ser registado no Catálogo Nacional de Variedades. Perante os protestos, as diversas versões foram sendo suavizadas, mas não o suficiente para baixar a contestação. Maria Amélia Martins-Loução explica, de uma forma simples, como esta regulamentação pode ter forte impacto: “A lei vem obrigar a patentear todas as sementes colhidas, o que impede a circulação livre de cultivares tradicionais regionais. Para a agricultura, tem um forte impacto, porque os agricultores icam dependentes das grandes empresas internacionais, como a Monsanto ou a Syngenta, que produzem as sementes uniformizando todas as cultivares a nível internacional, e acabando com a diversidade regional que antes existia.” Em março de 2014, o Parlamento Europeu rejeitou, com forte maioria, a proposta da Comissão Europeia; nada que tenha feito desistir a CE, que
não a retirou, encaminhando-a para o Conselho de Ministros, que aceitou o veredicto do Parlamento Europeu. A nova Comissão Europeia, liderada por Jean-Claude Juncker, decidiu não reapresentar a proposta, mas está a estudar uma nova, pelo que a polémica poderá reacender-se em 2016. É neste cenário que surgem diversos movimentos de discussão e contestação, como a Campanha pelas Sementes Livres, o Acampamento Emergência da Semente ou documentários como Seed Act, dirigido pela portuguesa Sara Baga, que tem vindo a ser produzido, desde 2010, com o auxílio de uma campanha de crowdfunding, prevendo-se a sua estreia para outubro de 2016. “Chegámos a um estranho ponto em que aquilo de que mais dependemos está à beira de ser aniquilado, e que o que resta
As sementes do banco de Svalbard poderão durar até 20 mil anos bard, na ilha de Spitsbergen, perto da aldeia de Longyearbyen, a cerca de 1120 quilómetros do Polo Norte. O Banco Mundial de Sementes foi inaugurado, com pompa e circunstância, em 2008, com financiamento do governo norueguês, apoio da FAO e a participação de algumas das personalidades e empresas mais importantes do mundo. Ratificado por 116 países, o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura facilitou a criação deste banco, uma câmara no gelo, com capacidade para guardar 4,5 milhões de amostras de sementes, o equivalente a aproximadamente 2000 milhões de sementes. Neste gigantesco armazém, as sementes são conservadas a –18 ºC, podendo sobreviver assim durante milhares de anos (talvez até 20 mil). Trata-se de um bunker escavado ao longo
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de mais de 120 metros no interior de uma montanha de gelo e arenito, onde se garante que as sementes estarão a salvo de guerras, desastres naturais, alterações climáticas, experiências genéticas e técnicas de agricultura intensiva. Acredita-se que a ilha é segura até do ponto de vista sísmico. Desde 2008 até hoje, acumulou mais de 770 mil variedades de sementes, incluindo as tais oriundas da Síria, de um banco de sementes situado em Alepo. Mesmo assim, e apesar de tão fortes garantias de preservação de um património fundamental para a humanidade, o Banco Mundial não deixa de gerar alguma polémica: a obra foi financiada em parte pela Fundação Bill & Melinda Gates, e esta ligação a entidades poderosas faz desconfiar os mais pobres. Entre outras questões, avulta o facto de estar envolvido na gestão do banco o Global Crop
é controlado e privatizado. À medida que ia ganhando esta perceção, fui conhecendo outras pessoas que partilhavam esta opinião e que estavam a dedicar as suas vidas a defender a liberdade das sementes. É sobre elas que será o Seed Act”, explica a realizadora, que se diz fascinada, desde criança, pelas sementes, esse “pequeno grão que se pode transformar em qualquer coisa viva”. Sara Baga (na foto, a ilmar na Provença, em 2013) já realizara antes um documentário de cariz social (Hortas de Pobreza, sobre as diiculdades da população na Guiné-Bissau) que alertava para o problema da cada vez maior escassez de diversidade, limitativa do ponto de vista nutritivo e económico. Decidiu então fazer um ilme sobre pessoas que agem em prol da soberania alimentar e das sementes. “Acredito que pequenos bancos de sementes devem começar a ser estabelecidos em cada região, e que as pessoas que queiram cultivar devem ter acesso a essas sementes. A maioria dos bancos de genes raramente disponibiliza as suas variedades aos cidadãos comuns”, explica, convicta de que “não há ainda uma sensibilidade suicientemente desperta por parte dos órgãos de governação da maioria dos países”. Seed Act será, assim, uma tentativa de alerta, de mostrar exemplos, trazendo para a tela o trabalho de guardiães como a ONG portuguesa Colher para Semear.
Diversity Trust, uma organização internacional com parceiros como a já referida Fundação Gates, a Fundação Rockefeller, a DuPont, a Syngenta e a CropLife. Desta CropLife, cujo objetivo é “ajudar os agricultores a protegerem-se das pestes e das doenças”, fazem parte também a Syngenta e a DuPont, além da Bayer e da polémica Monsanto. Como foi dito, nem tudo se resume ao banco na Noruega: há 1750 bancos de sementes em todo o mundo, e um dos mais importantes e ambiciosos é o Millenium Seed Bank, situado nos Royal Botanic Gardens, em Ardingly, no Sussex (Inglaterra). Criado em 2009, alberga 10% das plantas mais ameaçadas do planeta, como resultado de uma coleta de nove anos, em colaboração com 54 países! Nele são conservados cerca de 290 milhões de sementes, por 25 botânicos e geneticistas. O objetivo é albergar, até 2020, um quarto de todas as espécies botânicas do mundo, numa ação apaixonada, com um toque britânico, para preservar a biodiversidade mundial. J.S.
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SI 213
Arte
Pinturas urbanas fotorrealistas
Um mergulho na CIDADE Nathan Walsh é um artista britânico que retrata grandes urbes em telas que partem de uma estudada combinação de fotografias e geometria. 94 SUPER
Colónia eslava Nas ruas de Brighton Beach, em Brooklyn (Nova Iorque), corre o vodka e abundam as matrioskas e livrarias repletas de obras de Tolstoi, Tchekov e Dostoievski. Convivem ali tantas pessoas de origem russa e ucraniana que o bairro é conhecido como Little Russia ou Little Odessa.
Arranha-céus ao fundo Deambulando pelas ruas e lojas do Bairro Chinês de San Francisco, o artista deu de caras com uma perspetiva inesperada da Pirâmide Transamérica, inaugurada em 1972, que continua a ser o edifício mais alto da capital californiana: 260 metros de betão, aço e vidro.
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Algumas obras vendem-se por mais de 100 mil euros Encruzilhada de asfalto Um ampla panorâmica capta a vitalidade do cruzamento onde se ergue o edifício Flatiron (do qual apenas se vê o topo mais estreito), um dos arranha-céus mais antigos (1902) e emblemáticos de Nova Iorque.
Top of the Rock É este o nome do miradouro situado no Rockefeller Center, de onde se apreciam vistas deslumbrantes sobre Nova Iorque. O artista passou uma longa temporada na Grande Maçã, a recolher inspiração para as suas obras mais recentes, algumas das quais leva mais de quatro meses a completar.
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Observação cuidadosa. O trabalho de Walsh (à esquerda) é minucioso. Primeiro, percorre a cidade para escolher as cenas a retratar, tirando fotograias. Depois, faz dezenas de esboços antes de chegar ao que pretende. A seguir, cria um rascunho (em cima), baseado em linhas geométricas que lentamente vão tomando corpo até se converterem numa tela colorida.
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Marcas & Produtos
Férias com ciência
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Science4you, empresa portuguesa que se dedica a produzir, desenvolver e comercializar brinquedos educativos em parceria com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, realiza, até 30 de dezembro, a edição de 2015 dos Campos de Férias de Natal. Este campo de férias terá experiências originais e completamente diferentes das outras edições, num ambiente em que a diversão é garantida. Juntar gargalhadas e conhecimento é o objetivo: as crianças, com idades entre os seis e os 12 anos, realizam workshops de biologia, química, física e paleontologia, que incluem experiências únicas, como atividades com óculos 3D, escavações arqueológicas, brincadeiras com neve instantânea, produção dos seus próprios sabonetes e pega-monstros, e ainda muitas outras atividades de descoberta científica. Este ano, haverá igualmente um dia dedi-
cado a experiências caseiras, nas quais os pequenos cientistas aprenderão que a ciência se encontra em todas as dimensões do dia a dia. Para celebrar estes momentos memoráveis, no último dia do campo de férias, organizar-se-á uma festa com entrega de diplomas. Durante as atividades, os cientistas de palmo e meio vão vestir a pele de verdadeiros investi-
gadores, acompanhados pelos coordenadores científicos da Science4you e por animadores com formação específica na área. O custo diário de participação nos Campos de Férias é de €35 e inclui almoço, lanches a meio da manhã e da tarde, assistência médica, mochila, bloco de notas, gorro de Pai Natal e oferta de um brinquedo científico.
Digitais desportivos
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nspirada pela equipa mundial de rally que patrocina, a M-Sport, a Pulsar apresenta os seus novos modelos digitais masculinos, concebidos a pensar no homem aventureiro adepto dos desportos motorizados. A linha é composta por três modelos com caixa em aço de 49 mm (duas versões em preto e uma versão premium em rose gold) e bracelete em poliuretano com uma textura reminiscente dos pneus de competição. Os modelos com caixa em aço preto diferenciam-se por pequenos pormenores a azul e vermelho. Resistentes à água até 10 bars de pressão e com iluminação LED, os relógios apresentam inúmeras funções úteis, como alarme, cronógrafo e contador regressivo, horário mundial, data e calendário. Modelos nas fotos, €149.
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