PARALELOS ENTRE A OBRA DA ESCOLA ALEMÃ E A OBRA DO BRASILEIRO FLÁVIO DE CARVALHO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO PÓS-GRADUAÇÃO EM CENOGRAFIA E FIGURINOS

JOSÉ VICTOR PEREIRA RUANO

CENOGRAFIA E FIGURINOS NO CENTENÁRIO DA BAUHAUS: PARALELOS ENTRE A OBRA DA ESCOLA ALEMÃ E A OBRA DO BRASILEIRO FLÁVIO DE CARVALHO

SÃO PAULO 2019


JOSÉ VICTOR PEREIRA RUANO

CENOGRAFIA E FIGURINOS NO CENTENÁRIO DA BAUHAUS: PARALELOS ENTRE A OBRA DA ESCOLA ALEMÃ E A OBRA DO BRASILEIRO FLÁVIO DE CARVALHO

Artigo Científico apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Especialista no Curso de PósGraduação (Lato Sensu) em Cenografia e Figurinos do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Orientadora: Profa. Dra. Miriam Aby Cohen

SÃO PAULO 2019


FOLHA DE APROVAÇÃO

JOSÉ VICTOR PEREIRA RUANO

CENOGRAFIA E FIGURINOS NO CENTENÁRIO DA BAUHAUS: PARALELOS ENTRE A OBRA DA ESCOLA ALEMÃ E A OBRA DO BRASILEIRO FLÁVIO DE CARVALHO

Artigo Científico apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Especialista no Curso de PósGraduação (Lato Sensu) em Cenografia e Figurinos do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Profa. Dra. Miriam Aby Cohen Orientadora

Professor (a) Convidado (a)

Data da Defesa: São Paulo, 17 de dezembro de 2019


CENOGRAFIA E FIGURINOS NO CENTENÁRIO DA BAUHAUS: PARALELOS ENTRE A OBRA DA ESCOLA ALEMÃ E A OBRA DO BRASILEIRO FLÁVIO DE CARVALHO ALUNO JOSÉ VICTOR PEREIRA RUANO1 ORIENTADORA PROFA. DRA. MIRIAM ABY COHEN2 RESUMO O presente artigo tem como objetivo a análise sobre as obras do artista brasileiro Flávio de Carvalho e sua relação com a escola alemã da Bauhaus, no âmbito da produção de cenografia e figurinos. Esta pesquisa busca comparativos entre algumas obras de Flávio de Carvalho e de alunos e mestres da Bauhaus de forma a contextualizá-las em relação aos respectivos movimentos artísticos do Modernismo e da Bauhaus, referenciando seus teores estéticos e sua materialidade. As obras de autoria de Flávio de Carvalho foram selecionadas por sua similaridade com as produções da Bauhaus. Entre os pontos de aproximação, o principal está na semelhança entre os métodos de produção dos artistas; na busca por soluções criativas, de acordo com as diretrizes estéticas e teóricas de seus respectivos movimentos. Dentro desta análise comparativa, constata-se que existem, também, diferenças estéticas e temáticas presentes entre a obra de Flávio de Carvalho e os artistas da Bauhaus. Ambos buscam criar uma produção autoral significante nos movimentos artísticos de vanguarda nos quais estão inseridos, ainda que o paralelo entre essas produções esteja deslocado em tempo-espaço: a Bauhaus teve seu auge na década de 1920, na Alemanha, e a produção de cenografia e figurinos de Flávio de Carvalho, entre as décadas de 1930 e 1950, no Brasil.

Palavras-chave: Bauhaus. Flávio de Carvalho. Modernismo. Cenografia. Figurinos.

ABSTRACT The following article has the objective to study the work of Brazilian artist Flávio de Carvalho and its relation to the German Bauhaus school, specifically on his Set and Costume Design production. This research seeks to stablish some comparatives between Flávio de Carvalho’s work and Bauhaus’ students and masters. In order to contextualize their production into their respective artistic movements: of the Brazilian Modernism and Bauhaus, regarding their aesthetics and material approach. Flávio de Carvalho’s works were selected by their similarities with the Bauhaus productions. Considering the connection points between the production methods of both artistic schools, searching for creative solutions, according to their aesthetics and theoretical guidelines within this comparative analysis, it appears that there are also thematic and aesthetic differences present between the work of Flávio de Carvalho and the Bauhaus. Both aim to create a significant original production in the avant-garde movements where they are inserted, even if the parallel between these productions is shifted in spacetime, as Bauhaus which peaked in the 1920s in Germany, and the production of set and costume design by Flávio de Carvalho during the 1930s and 1950s, in Brazil.

Keywords: Bauhaus. Flávio de Carvalho. Brazilian Modernism. Set Design. Costume Design. 1

Aluno do Curso de Pós-Graduação em Cenografia e Figurinos do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, formado em Design de Produto pela mesma instituição. E-mail: josevictor.ruano@gmail.com 2

Miriam Aby Cohen, doutora pela Universidade de São Paulo, cenógrafa e designer atuante nas áreas do teatro, exposições e cinema, criando e realizando importantes projetos nacionais e internacionais. Coordenadora do curso de Pós-Graduação em Cenografia e Figurino do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. E-mail: aby.cohen.br@gmail.com 1


1.1 INTRODUÇÃO A Bauhaus foi um dos primeiros movimentos artísticos e de vanguarda, em grande escala, que criou uma metodologia de pesquisa e projeto nas áreas de design, artes e arquitetura. No ano de 2019 a escola completa 100 anos desde sua fundação, sendo comemorada ao redor do mundo devido ao seu marco em toda a história da área criativa. A realização de projetos que explorem diretamente a história da Bauhaus, com ênfase em temas como História da Arte, Design e Arquitetura e áreas correlatas que foram explorados pela escola alemã, como Teatro e Música, fomentam a pesquisa e a busca por novos olhares e interpretações acerca do legado da Bauhaus. O objetivo deste artigo é analisar a produção da Bauhaus na prática de Cenografia e Figurinos e sua influência em outros movimentos artísticos ao redor do mundo, especificamente através da obra do artista modernista brasileiro Flávio de Carvalho. Para contextualizar a Bauhaus em seu momento histórico, foi utilizada a obra de G. Argan, onde é possível compreender o período onde a escola se consolidou, assim como movimentos artísticos que a precederam e foram contemporâneos a sua existência. Dois de seus fundadores, W. Gropius e O. Schlemmer, são as fontes de pesquisa para a metodologia proposta pela Bauhaus, tendo suas obras originais referenciadas, sendo complementados por M. Droste, a responsável pelo acervo da Bauhaus até o presente momento. As obras de M. Batista e W. Zanini são a base para a abordagem do Modernismo brasileiro, também sendo um complemento a obra de Flávio de Carvalho.

2. A BAUHAUS “O que a Bauhaus propôs, na prática, foi uma comunidade de todas as formas de trabalho criativo, e em sua lógica, interdependência de um para com o outro no mundo moderno. [...] um estilo Bauhaus significaria recair no academismo estéril e estagnado, contra o qual precisamente criei a Bauhaus. Nossos esforços visavam a descobrir uma nova postura, que deveria desenvolver uma consciência criadora nos participantes, para finalmente levar a uma nova concepção de vida.” (GROPIUS, 2001)

2.1 O Método Bauhaus A história da Arte e do Design se entrelaçam em diversos momentos da história humana, desde os primórdios da civilização onde, por exemplo, os vasos eram adornados com diversas pinturas representando situações cotidianas ou mitológicas, até a história recente, onde arquitetos, artistas plásticos e designers tem em suas produções uma dinâmica que as faz permear entre diversas áreas de atuação e classificação: arquitetos de formação como Zaha Hadid e Alvar Aalto, cujas carreiras também foram de sucesso com design de produto ou o inverso, como Philippe Starck, formado em Desenho Industrial mas que também se aventurou pelo universo da arquitetura. Durante o início do século XX, houve o surgimento de diversos movimentos artísticos, denominados -ismos, no âmbito da produção plástica, envolvendo principalmente as artes e arquitetura. Em contraste aos avanços científicos e tecnológicos alcançados pela humanidade e os horrores dos grandes conflitos armados, a forma cede o lugar as emoções e intenções de seus autores. Os primeiros grandes movimentos que influenciaram diretamente a arquitetura e produção em design foram a Art Nouveau e a Art Déco, surgidos na França da década de 1890 e 1910, respectivamente. Ditando a forma de suas produções, os movimentos foram responsáveis por um foco na criação estética, permitindo a criação de um movimento dito universal - onde a produção se assemelha bastante, tendo apenas algumas pequenas 2


diferenças e alterações em decorrência de fatores específicos, como a localidade da produção e público alvo. Neste aspecto é possível entender a razão de um prédio Art Déco em Miami, Estados Unidos da América, ser diferente de um prédio Art Déco em Brisbane, Austrália, por exemplo. Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Europa encontrou-se exaurida, não somente pelas perdas humanas, mas também devido ao consequente trauma em face a um dos maiores conflitos da humanidade. Era a oportunidade para uma mudança drástica e radical na concepção dos métodos criativos, aproveitada por aqueles que se tornariam os fundadores de uma das principais escolas de Artes, Arquitetura e Design moderna, a Bauhaus. Fundada na cidade de Weimar, Alemanha em 1919, a Bauhaus tinha como premissa “concretizar uma arquitetura moderna que, como a natureza humana, abrangesse a vida em sua totalidade” (GROPIUS, 2001, p. 30). Com seu corpo docente composto por grandes intelectuais e artistas da época, como seu fundador, Walter Gropius, além de nomes como Hannes Meyer, Mies van der Rohe, Marcel Breuer, Johannes Itten, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Oskar Schlemmer, entre outros (DROSTE, 2019). Conhecido como Estilo Bauhaus ou Estilo Internacional3, a produção da Bauhaus tinha como objetivo a formação de artistas, arquitetos e designers com um forte pensamento projetual, sendo exemplificado por uma célebre frase de Walter Gropius, “simplicidade na multiplicidade”. Por meio de estudos formais e materiais, a Bauhaus permitiu a exploração de novas técnicas, formas e métodos. As soluções propostas eram originais e criativas, fomentadas pela individualidade de seus idealizadores, mas aproximadas por uma estética mais austera (quando comparada aos movimentos anteriores e contemporâneos), característica da Bauhaus. De acordo com Gropius, a ideia de seu “método” não é que o mesmo seja um estilo pronto e acabado mas sim “uma abordagem que permita tratar um problema de acordo com suas condições peculiares” (GROPIUS, 2001), criando dessa forma um ambiente propicio para que o profissional possa resolver os problemas a sua maneira, de acordo com as condições técnicas, econômicas e sociais a ele apresentada, promovendo assim um dos mais importantes métodos de abordagem projetual para design, arquitetura e áreas correlatas – artes visuais, escultura, música e teatro. Tal abordagem permitiu também uma maior aproximação da teoria à técnica, permitindo que os estudantes se aproximassem dos meios e profissionais de produção, resultando em uma maior exploração empírica dos projetos, sendo possível considerar que a Bauhaus está (como vanguarda) para a abordagem e ensino do Desenho Industrial como o Renascimento está, com relação à sua abordagem e importância, para a Arquitetura Ocidental. Durante o período em que ficou em Weimar, a escola adotou um esquema de ensino proposto pelo próprio Gropius, que consistia em uma abordagem sistemática da aplicação do “método Bauhaus” no ensino, como se pode observar no diagrama abaixo:

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A chamada estética universal da Bauhaus era uma tentativa da escola de criar um padrão estético que poderia ser repetido por qualquer artista, em qualquer local do globo, de forma a manter as características defendidas pelo método de projeto: foco na funcionalidade e o uso de formas simplificadas e austeras, sem o uso de adornos desnecessários. 3


Figura 1 – Diagrama do Ensino da Bauhaus em alemão

Figura 2 – Diagrama do Ensino da Bauhaus em português

Fonte: Bauhaus-Archiv

Fonte: ResearchGate

No Diagrama é possível observar a aproximação do estudante com a teoria e a prática, método adotado a partir da observação do Movimento Arts and Crafts, do final do século XIX na Inglaterra, cujo grande expoente foi William Morris. O centro do gráfico é o objetivo a ser atingido pelo estudante. Bau, em alemão (Construção em tradução livre), cuja síntese é a aplicação dos métodos aprendidos em projetos na vida fora da Bauhaus, adequando o conhecimento as necessidades do projeto, dessa forma atingindo o objetivo proposto por Gropius na fundação da escola: o de projetar para uma sociedade moderna e com novos anseios e necessidades (GROPIUS, 2001). Para atingir tal objetivo, o curso consistia em uma pré-formação (Vorlehre) com duração de aproximadamente 06 meses e posteriormente, o curso de 3 anos (representados nos anéis internos), com enfoque nas oficinas e métodos práticos, para além das teorias. A Bauhaus sofreu diversas transformações em seu apogeu, sendo seus períodos divididos entre as cidades onde a escola foi sediada: Weimar (comandada por Gropius, entre 1919-1925), Dassau (comandada por Gropius, Hannes Meyer e posteriormente Mies van der Rohe, entre 1925-1932 – Onde a escola se torna escola de design) e por fim em Berlin (comandada por van der Rohe onde devido as pressões do regime nazista, a escola foi fechada, durando menos de um ano, entre 1932-1933). Mesmo com a ameaça nazista e o fechamento da escola, os professores e estudantes da Bauhaus não se deixaram abater. Muitos se mudaram para outros países, especialmente os Estados Unidos da América, onde mantiveram o legado da escola com suas obras e até mesmo participando da formação universitária, integrando quadros de universidades e cursos, de forma que influenciaram, direta ou indiretamente, os movimentos modernistas (especialmente em arquitetura e design) em diversos países ao redor do mundo. Como resultado, a experiência pedagógica da Bauhaus pode ser observada ao longo da história até os dias atuais. Sua a influência pedagógica no ensino do design pode ser exemplificada em casos como a Escola de Ulm (fundada em 1953) e nas grades atuais de escolas ao redor do mundo, onde a arquitetura e design tem, em parte das suas bases fundamentais de metodologia projetual, os ensinamentos e preceitos da Bauhaus:

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“Em síntese, as experiências na área do aprendizado da Bauhaus foram importantes para o ensino do design, uma vez que aquela escola: 1. Formalizou o ensino das artes e ofícios (do design) levando em consideração uma formação artística e artesanal (prática); 2. Propôs uma reflexão sobre materiais inovadores e sua utilização bem como sobre a sua composição; 3. Sugeriu a utilização de cores e formas simplificadas, que foram adequadas no rompimento da estética vigente então e compatíveis com um menor custo dos produtos industrialmente realizados.” (RIBEIRO e LOURENÇO, 2012)

2.2 O Teatro na Bauhaus A classificação contemporânea do teatro da Bauhaus, de acordo com Magdalena Droste (nascida em 1948, responsável pelo Bauhaus-Archiv e por livros e artigos que relatam toda a trajetória da Bauhaus em sua existência), é possível explanar a experiência teatral da Bauhaus em três momentos: O Teatro na Bauhaus de Weimar, o Teatro na Bauhaus de Dessau e o Teatro no período de Hannes Meyer. Tais períodos contém suas próprias características, algumas em comum com a filosofia em voga da Bauhaus no momento e outras destoantes, mas que elevaram o curso da Bauhaus a um status de prestígio e de vanguarda, quando em comparação a outros movimentos do mesmo período. A ideia da Bauhaus era criar um método projetual e estético baseado em suas ideias para além da arquitetura: “a Bauhaus abraçou todo o escopo das artes visuais arquitetura, planejamento, pintura, escultura, desenho e teatro de palco” (GROPIUS, 2001). Em 1921, o teatro foi inserido na grade curricular do estudo da Bauhaus como uma decisão sem precedentes, de forma a reforçar o intuito inovador da escola. O primeiro professor a assumir o cargo de mestre da oficina de teatro foi Lothar Schreyer: seu método de trabalho focava nas chamadas “elementaridades”, o que estava em sintonia com este primeiro período da Bauhaus em Weimar e que, posteriormente foi resgatado por seu sucessor, Oskar Schlemmer. No entanto, conforme exibido em trabalhos anteriores, Schreyer tinha uma grande pretensão: a de transformar o espaço do palco em um “espelho cósmico da unidade da vida”, onde o objetivo era a “associação da vida natural e sobrenatural” (DROSTE, 2018, p.220, tradução nossa). No entanto, o período de Schreyer foi curto, deixando a Bauhaus após o fiasco de sua peça Moonplay. Suas peças pseudo-religiosas não tiveram nenhum tipo de apoio, nem dos estudantes ou da própria direção da Bahaus. Após sua saída, Schlemmer assumiu informalmente a direção da oficina de teatro, até sua oficialização em abril de 1923. Schlemmer em sua observação, percebeu que o espírito da Bauhaus estava dividido entre o que denominou Culto Indígena, representado por exemplo pelo pensamento mais sobrenatural de Schreyer, e Americanismo, representado pela mecanização e uniformização, sendo este último o que recebia maior apoio dos integrantes da Escola (DROSTE, 2018, p. 221). No caso do Culto Indígena o pensamento focado no sobrenatural era o uso da estética e representação da Bauhaus em favor de temas religiosos e míticos, relacionados ao imaginário humano e sua relação com a fé, dentro de sua própria individualidade. Mesmo antes de sua entrada na Bauhaus, Schreyer já havia proposto peças abordando este tema na década de 1910. Em contraposição, a mecanização e uniformização propostas pelo Americanismo partia para outro pressuposto, como o próprio termo sugere, o de não se abordar a individualidade humana, desde sua representação temática até a visualização de 5


bailarinos e atores no palco, cujos trajes os escondem completamente dos olhos humanos, tornando-os somente formas puras em movimento e ação. Figura 3 – Santa Maria na Lua (Lothar Schreyer)

Figura 4 – Reprodução do Figurino do Ballet Triádico

Fonte: Bauhaus-Archiv

Fonte: Neue Staatsgalerie

O trabalho de maior expoente de Schlemmer foi o Ballet Triádico: uma peça de dança dividida em três atos, com roteiro, melodia, cenário e figurinos baseados na estética e método adotados pela Bauhaus no momento. Nesta obra, “as origens e veículos de expressão não eram mais o corpo humano e seus movimentos, mas sim invenções figurativas específicas” (DROSTE, 2018, p. 222), o que resultava em uma perda da identidade dos atores e bailarinos, substituídos figurativamente por seus figurinos, deixando de existir como seres, mas sim como formas. Seu objetivo era em parte metafísico, o de “alinhar elementos formais básicos ao homem e espaço” (DROSTE, 2018, p. 222). Paralelamente, um grupo de estudantes denominados Grupo B também teve grande importância ao adotar uma solução formal que continha traços da obra de Schlemmer, mas com um conteúdo originalmente próprio. Ambas produções, o Cabaret Mecânico e o Ballet Mecânico estrearam na Bauhaus, onde o objetivo era enfatizar temas contemporâneos à época: mecanização e automação. (DROSTE, 2018, p. 222). Figura 5 – Máscara (Hans Haffenrichter)

Figura 6 – Montagem Ballet Triádico

Fonte: Bauhaus-Archiv

Fonte: Bauhaus-Archiv 6


Oskar Schlemmer também escreveu um livro que se tornaria um objeto de estudo e experimentação, junto com seus colaboradores e colegas do corpo discente da Bauhaus – Lazlo Moholy-Nagy e Farkas Molnar, chamado O Teatro da Bauhaus. Foi criado para expor seu próprio método projetual para o teatro, criando uma espécie de classificação projetual, que era composta por características e necessidades específicas de cada tipo de produção. A exemplo, de acordo com o livro e o diagrama de Schlemmer, temos uma divisão entre palco, culto e entretenimento popular como uma classificação geral e atividades relacionadas a esses universos, classificadas mais detalhadamente, dentro das características de local, pessoa, gênero, discurso, música e dança. Tais categorias permitem a classificação, por exemplo, da seguinte forma (respectivamente): templo, padre, atividade religiosa, sermão, oratória e dervixe, quando se referem a uma atividade religiosa e palco arquitetônico, profeta, teatro, tragédia antiga, ópera precoce e ginastas, para uma representação teatral. Durante o período em que se estabeleceu em Dessau, o curso de teatro sofreu com a crise financeira da Escola e quase foi encerrado. Apesar dessa intercorrência o curso continuou e neste período os estudos e experimentações de Schlemmer mantiveram a normalidade. Seu curso era similar as ideias de Schreyer, mas os resultados obtidos foram profundamente diferentes, sendo que Schlemmer defendia “a exploração dos elementos básicos da criação e design teatrais: espaço, forma, cor, som, movimento e luz” (DROSTE, 2018, p.324). Schlemmer seguiu a tendência da Bauhaus no momento, mas ainda fazendo referência ao trabalho de Schreyer e sua busca da elementarização e análise, sendo a própria filosofia da Bauhaus um estimulante de seu trabalho. “As ferramentas do teatro são formas elementares, cores elementares, movimentos elementares e sons elementares. As formas elementares são os corpos e planos matemáticos. As cores elementares são as cores puras: preto, azul, verde, vermelho, amarelo, branco.” (SCHREYER, citado por DROSTE, 2018, p.220, tradução nossa) [4]

Nestas peças teatrais o homem aparecia não como um meio de expressão individual, mas estandardizado pelo figurino e pelas máscaras, como o protótipo de uma certa atitude em direção a expressão formal do palco, propiciando assim uma espécie de síntese do homem e marionete, ou seja, a comparação e embate entre as expressões antagônicas em um grande leque de expressão. Em um curto espaço de tempo, ele desenvolveu uma série clássica de Danças Bauhaus, sendo elas “Dança da Forma, Dança do Gesto, Dança do Espaço, Dança da Vareta, Dança do Cenário, Dança do bambolê, Peça Modular e a Caixa Passeio” 5 (DROSTE, 2018, p. 334, tradução nossa). A última expressão teatral na Bauhaus se deu após Hannes Meyer assumir a direção da instituição. Schlemmer continuou no posto de mestre do curso de teatro, mesmo com a instituição enfrentando graves problemas financeiros. Durante a direção de Meyer, o curso de teatro tomou um rumo mais político do que almejava Schlemmer. Um grupo de estudantes, denominados Grupo Jovem veio a produzir três peças que mudaram o rumo da produção teatral da Bauhaus, tendo essas peças duas características bem marcantes e que destoaram fortemente da produção defendida por Schlemmer: a produção coletiva e o confronto com as questões da atualidade da época. Além dessas características, outras como a reincorporação do texto falado nas produções e o mínimo “The tools of theatre are elementary forms, elementary colours, elementary movements and elementary sounds. The elementary forms are mathematical bodies and planes. The elementary colours are the pure colours: black, blue, green, red, yellow, white” 5 “Form dance, Gesture dance, Space dance, Stick dance, Scenery dance and Hoop dance, together with the Module Play and Box Promenade.” 7 4


interesse na representação básica defendida (trazendo elementos mais complexos para a cenografia das peças), também demonstram um distanciamento daquilo que Schlemmer defendia. Este período trouxe produções com um toque mais politizado, em consequência do que defendia Meyer (uma ideia de arquitetura social e baseada na sociedade). As peças dos estudantes foram incluídas no tour feito na Alemanha e Suíça, o que fez alavancar a produção da escola em 1929 (que também contou com as produções de Schlemmer), não sem forte resistência do próprio mestre do curso. Com a saída de Schlemmer e os graves problemas financeiros, o curso foi encerrado abruptamente em 1929, não sendo retomado posteriormente, mesmo com a continuidade das atividades da escola até 1933. A Bauhaus surge como um movimento na Alemanha que, após ser perseguido, tem seus expoentes espalhados ao redor do globo, dando continuidade a suas ideias e métodos, influenciando uma geração inteira, além de movimentos posteriores como a Escola de Ulm, na década de 1950 na Alemanha. A Bauhaus não foi o único movimento a questionar o status quo da época, sendo paralelo a outros movimentos na própria Europa como o Dadaísmo, Cubismo e Futurismo e em outros locais do mundo, como o Construtivismo na Rússia, o Regionalismo nos E.U.A e o Modernismo no Brasil, entre as décadas de 1920 e 1940.

2.3 Em paralelo a Bauhaus, no Brasil No Brasil, na década de 1920, em paralelo ao movimento da Bauhaus na Alemanha, um grupo de artistas que atuavam nas mais diversas áreas artísticas (literatura, música e artes visuais) procurava mudar o cenário da produção cultural brasileira daquele momento6. Para eles, estava ocorrendo uma exaustão no modelo artístico que, somada ao período de grandes e rápidas transformações tecnológicas e sociais por onde o país passava, tornava este modelo de arte algo distante da população em geral, tornando a arte nacional defasada em relação a movimentos artísticos europeus e americanos que estavam acontecendo no mesmo período. Aliados a esses pensamentos, também havia o desejo de criar uma arte puramente nacional, que não tivesse laços com a arte europeia, principalmente nos motivos retratados. O denominado Movimento Modernista nasce em São Paulo, uma cidade que estava em pleno desenvolvimento e crescimento, um local perfeito para a tradução da nova vida do homem moderno do início do século XX, ou seja, a vida moderna. O fato da cidade também não ter fortes veias artísticas também auxiliou no surgimento do movimento. Dos encontros entre esses artistas, acontece a Semana de Arte Moderna de 1922, que veio a escandalizar e estabelecer os rumos, objetivos e meios da dita Arte Moderna do Brasil, onde os principais expoentes do grupo modernista puderam expor suas obras ao grande público. No entanto, foi um enorme fiasco devido a tradição cultural de arte acadêmica brasileira, que insistia em não reconhecer a arte moderna como verdadeiramente, arte. Alguns dos grandes expoentes do Modernismo foram Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti del Picchia, na literatura; Heitor Villa-Lobos na música; Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti na pintura e Victor Brecheret na escultura. O ramo da arquitetura e desenho industrial também seria incorporado pelos Modernistas, 6

Desde a Independência (em 1822), passando pela Proclamação da República (1889) até o momento contemporâneo a Bauhaus (década de 1920), a arte brasileira era caracterizada pelo Academicismo, que preservava “a arte acadêmica, baseada em modelos já desgastados, herdados da tradição renascentista” (BATISTA, p. 214, 2012), sendo a Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro (capital do país no momento citado, o ponto central de propagação deste tipo de arte no país.) 8


mas em um momento posterior, quando o movimento tem sua produção mais característica. Abordando temas devidamente relacionados com a vida moderna e o país, os modernistas bebem de fontes europeias para se inspirar tecnicamente e desenvolver uma linguagem visual própria. Movimentos com o Expressionismo alemão, o Cubismo e o Fauvismo são algumas das principais fontes para os artistas plásticos. Um movimento com técnicas e representações variadas, mas com o objetivo comum de exaltar a cultura nacional e de criar uma expressão nacional original, sendo estes objetivos resgatados novamente pelo Tropicalismo, durante a década de 1960. Posteriormente, no final dos anos 1920, a arquitetura e o desenho industrial se tornam áreas também de atuação desse grupo de artistas: Flávio de Carvalho, Grigori Warchavchik, Oscar Niemeyer, Burle Marx e Lina Bo Bardi são apenas alguns dos nomes que começam a ganhar destaque no cenário moderno brasileiro. Alinhados com as técnicas europeias contemporâneas (como o Art Decó e a Bauhaus) a produção desses artistas torna-se única e diferente do que era visto na arquitetura neocolonial do momento. Figura 7 – Exemplo de Arquitetura Neocolonial Brasileira – Pouso Serra do Mar (Victor Dubugras) – Década de 1920.

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural Figura 8 – Proposta do Palácio do Governo do Estado De São Paulo (Flávio de Carvalho) – 1927.

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

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Nos anos finais da 2ª Guerra Mundial, grupos modernos expressivos começam a ficar em evidência em várias capitais do país. No eixo Rio de Janeiro – São Paulo, novos grupos, com novos valores, começam a despontar no cenário moderno, servindo-se de extrema liberdade do expressionismo e alargando a temática das etapas anteriores. Por fim, nos anos de 1950 há um novo país na vanguarda da arte: os Estados Unidos da América – destacando movimentos como o Abstracionismo e o Realismo Social. Movimento este que influenciou o Modernismo brasileiro, em especial com mudança nos temas tratados da arte moderna. As técnicas modernas e a busca pela expressão nacional foram mantidas, mas trouxeram uma arte política, com representação social, buscando as raízes da cultura brasileira, nos índios, negros; nas tradições, crendices, no popular e no primitivo. “O movimento modernista marca na história da arte do Brasil um momento de grande importância, um período com obras de alta qualidade estética. Seus artistas destroem o academismo em nosso meio, atualizam nossa arte, aqui introduzindo a arte moderna.” (BATISTA, 2012, p.235).

3. A OBRA DE FLÁVIO DE CARVALHO Flávio de Carvalho (Rio de Janeiro, 20/08/1899 – São Paulo, 04/06/1973) foi um dos maiores expoentes da segunda geração modernista, no final da década de 1920 e durante a década de 1930. Formado em engenharia na Inglaterra, foi influenciado por diversas vanguardas europeias, especialmente em sua obra de pinturas e desenho, onde o Expressionismo é sua principal referência. Sua obra e legado estão relacionados a multidisciplinariedade do seu campo de atuação: engenheiro, arquiteto, designer, pintor, escritor e roteirista são alguns dos adjetivos relacionados a Flávio durante sua vida. De acordo com Zanini: “O elemento que melhor o distinguia era a polivalência ou o fato de espraiar-se em vários campos de especulação e aplicação. Se devemos levar em consideração as qualidades expressionistas do desenhista e do pintor, acima de tudo nos fica a certeza de que estamos à frente de uma capacidade de percepção da realidade que utiliza diversificado espectro de linguagens. A primeira razão é suficiente para assinalar sua consistente presença em nossa arte, mas coube à segunda configurá-lo profundamente na linha dos movimentos modernos do Brasil e numa posição internacionalista.” (ZANINI, p.615, 1983)

Além de sua gama de atuação, Flávio sempre trouxe um olhar diferente para suas obras, não somente por sua formação como engenheiro (o que viria posteriormente aproximar sua obra arquitetônica a Art Déco) mas também a forte influência do Expressionismo, em especial em sua pintura. “Flávio de Carvalho considerava a cor como o fator mais importante de sua organização plástica, investindo-a de frenéticos acentos e contrastes” (Zanini, p. 617, 1983). Mesmo se tornando um fenômeno isolado após os anos de 1930, Flávio continua com sua ampla gama de atuação, além do desenho, pintura e arquitetura, explorando áreas como a criação de cenários e figurinos de dança, mas também levando suas teses e teorias interdisciplinares de interpretação psicológica e realista da etnografia do mundo a congressos ao redor do globo7. 7

Flávio de Carvalho se mantém ativo até sua morte, em 1973, continuando sua exploração por diversas áreas artísticas. Teve as alcunhas de Revolucionário Romântico e Antropófago Ideal, cunhadas por Le Corbusier e Oswald de Andrade, respectivamente, após encontros com estes, onde apresentou suas ideias e práticas, que continuou a defender e divulgar ao redor do mundo, em congressos e exposições. 10


Sempre desafiador, algumas de suas obras de maior exposição foram uma mistura de experimentos e performances. Em 1931 desafiou uma multidão em procissão ao andar de chapéu e no sentido oposto, observando a reação do público; em 1933 quando estreia sua peça O Bailado do Deus Morto, em seu núcleo teatral CAM que é prontamente fechada pela polícia; em 1956 com o New Look8, onde desfilou pelas ruas de São Paulo trajando um saiote e uma blusa de mangas bufantes, na busca de questionar o padrão de vestimenta masculina na época. Suas obras também têm paralelos com o movimento antropofágico, retomando a contundência de Oswald de Andrade e que, futuramente durante o Tropicalismo na década de 1960, o traria de volta ao centro do cenário artístico brasileiro. De forma a explorar a relação entre o movimento da Bauhaus e a obra deste artista brasileiro, serão propostas análises comparativas entre peças produzidas por ambos. Características estéticas e materiais, assim como os objetivos e indagações de cada obra, serão discutidas de forma a elucidar as semelhanças e diferenças entre elas. As obras propostas para a análise serão: a primeira comparação entre uma proposta de máscara teatral da Bauhaus e algumas das máscaras de Flávio para a peça O Bailado do Deus Morto (escrita pelo próprio artista); posteriormente, como segunda comparação, algumas peças do figurino do Ballet Triádico e algumas peças do figurino do Ballet do 4º Centenário; a terceira comparação será em referência a cenografia, entre o cenário de uma peça produzida pelo grupo jovem da Bauhaus, com a nova direção de Hannes Meyer e o cenário da peça O Bailado do Deus Morto. A escolha dos objetos de comparação se deve ao seu nível de complexidade e por se tratar de algumas das mais importantes obras de seus respectivos artistas e movimentos, cuja importância reside em todo o significado que as peças obtiveram em seu tempo e seu legado até os dias atuais.

3.1 Análise Comparativa: Máscaras A primeira parte da análise comparativa é entre dois objetos, para uso cênico, produzidos pela Bauhaus e por Flávio de Carvalho, respectivamente: as máscaras. Compara-se a proposta em desenho de um estudante para a Bauhaus, no período de Oskar Schlemmer e seu Ballet Triádico com as máscaras de Flávio de Carvalho que foram usadas em sua peça, O Bailado do Deus Morto, em 1933. Figura 9 – Máscara (Hans Haffenrichter)

Figura 10 – Máscaras (Flávio de Carvalho)

Fonte: Bauhaus-Archiv

Fonte: Almeida e Dale Galeria de Arte

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O New Look, ou Experiência nº3 aconteceu em 1956, na cidade de São Paulo. Projetou uma roupa composta por uma blusa bufante, uma saia plissada, meia arrastão e sandálias de couro, de forma a ser uma proposta de libertação do homem tropical do modelo europeu, composto por terno e gravata. 11


Esteticamente, a semelhança das máscaras toma por forma o extenso uso de formas geométricas simples, com formas arredondadas e retangulares. Enquanto a máscara da Bauhaus se assemelha em forma, com uma máscara de origem africana (formato mais retangular, alongado), a máscara de Flávio aproxima-se do modelo tradicional ocidental, de formato mais triangular (queixo fino e testa larga). A máscara da Bauhaus tem uma expressão serena, onde não é possível identificar um sentimento visível, transmitido pela máscara e sua eventual personagem, em contrapartida com as máscaras de Flávio, com grandes orifícios, em formas bem definidas e que já expressam parte do sentimento das personagens. No quesito prático, as máscaras têm um ponto em comum: cobrem completamente o rosto do seu usuário, de forma a se tornarem o próprio personagem, impossibilitando a plateia de ver a real figura que as utilizam. Não é possível dizer qual o material proposto pela máscara da Bauhaus, por ser somente um desenho como registro. As máscaras de Flávio são feitas em alumínio, um material leve e maleável, o que permite um maior conforto para o usuário e uma maior liberdade criativa ao projetista e o artesão que as confeccionaram. Outro ponto é que as máscaras de Flávio possuem aberturas específicas para melhorar a dinâmica e acústica da voz do ator (a máscara na figura à direita possui uma forma cônica, que imita um megafone, para amplificar a voz).

3.2 Análise Comparativa: Figurinos A segunda parte da análise comparativa é entre dois conjuntos de figurinos, para uso em uma peça de dança. Dirigido e desenhado por Oskar Schlemmer, o Ballet Triádico é o produto mais famoso do teatro da Bauhaus, sendo um de seus destaques, seu figurino. Da obra de Flávio de Carvalho, serão analisadas peças do figurino proposto por ele para o Balé do IV Centenário. Duas obras distintas, mas com a mesma finalidade: figurinos para um espetáculo de dança. Figura 11 – Figurino para o Ballet Triádico (Oskar Schlemmer)

Figura 12 – Figurino para o Balé do IV Centenário, (Exposição: Flávio de Carvalho, OCA, Pq. Ibirapuera, 2014)

Fonte: Bauhaus-Archiv

Fonte: Arquivo Pessoal da Orientadora

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A primeira e mais impressionante diferença é a transformação dos usuários em seus respectivos figurinos. Enquanto as peças de Flávio permitem que o performer seja identificado como uma figura humana, com semelhanças visíveis ao corpo humano que não traja as peças, os figurinos da Bauhaus por sua vez têm como objetivo o efeito oposto: destituir toda e qualquer individualidade de seu usuário e o despir das características que o tornam humano, o transformando apenas em uma figura para a peça. O uso de cores fortes e formas mais orgânicas aproxima a obra de Flávio, esteticamente, a sua influência expressionista. O uso de tecidos – leves e que se aproximem dos utilizados pela população em geral – confere, propositalmente, maior dinâmica às peças e maior liberdade de movimentos ao usuário. Essa foi a forma encontrada pelos modernistas para resgatar a identidade artística nacional, não somente nos objetivos retratados, mas nas técnicas e materiais utilizados. Em contrapartida, os figurinos da Bauhaus fazem uso de tecidos pesados e escuros, utilizados como uma espécie de forro, que veste o ator e serve de suporte para os detalhes mais gritantes do figurino. Como forma de exploração técnica e de abordar o chamado Americanismo, são utilizados muitos metais e peças rígidas, de forma a tornar o personagem (e não a pessoa que utiliza o figurino) extremamente marcante e diferente de seus pares de cenas. O movimento também é muito prejudicado pelos trajes, sendo necessário muito esforço físico e uma performance extremamente bem coreografada, para executar a peça com maestria.

3.3 Análise Comparativa: Cenários Por fim, dentro das análises comparativas propostas, aborda-se o cenário em duas produções: da Bauhaus - a peça Os visitantes da cidade para o professor L., executada pelo Grupo Jovem da Bauhaus, sob a direção de Hannes Meyer e, de Flávio de Carvalho - o cenário da sua peça autoral O Bailado do Deus Morto. Ambas se tornaram famosas e símbolos de seus autores ao discutir temas polêmicos e trazer um rumo mais político por sua linguagem e abordagem.

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Figura 13 – Cenário da peça Os visitantes da cidade para o professor L. (Hannes Meyer e o Grupo Jovem da Bauhaus)

Figura 14 – Cenário da peça O Bailado do Deus Morto (Flávio de Carvalho)

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

Fonte: Bauhaus-Archiv

Diferentemente das comparações propostas anteriormente, as situações aqui apresentadas se aproximam bastante, tanto em estética quanto em tema e objetivo. O Grupo Jovem da Bauhaus, apoiado por Hannes Meyer, surge como uma forma de contraposição ao teatro de Oskar Schlemmer, utilizando um discurso de maior crítica a situações contemporâneas com suas performances e assumindo um tom crítico, além de se assemelhar mais com o teatro clássico, o que decretaria o fim da disciplina de Teatro na Bauhaus. Flávio de Carvalho, quando funda o CAM (Clube dos Artistas Modernos em São Paulo) tem como objetivo reunir artistas que possuam uma visão similar a sua, de forma a criar um coletivo com mais força criativa. Assumindo uma postura anticlerical e contra os valores burgueses da época, a peça O Bailado do Deus Morto, uma espécie de teatro-dança, é fechada pela polícia somente após três exibições, devido ao seu teor extremamente polêmico à época e seu tom crítico. Além das semelhanças ideológicas, as peças se aproximam esteticamente em relação ao cenário. Afastando-se da estética de Schlemmer, o Grupo Jovem trouxe um cenário mais tradicional, com elementos cotidianos e que permitissem uma maior interação com os atores. A diferença estava na técnica construtiva e no material utilizado: com as oficinas à disposição, os alunos continuaram utilizando metais, vidros, cerâmicas e madeiras para a composição cenográfica. Mesmo tendo menos elementos, a peça de Flávio contava com um cenário próximo de um cenário de composição tradicional na forma de dispor os elementos espacialmente. Entre eles, está o pelourinho no centro, que permitia a interação com os atores e era peça chave durante a execução da peça. O uso de materiais, como madeira e metal é evidente, assim como na peça alemã. Ambas as performances apresentam, como diferença mais evidente, o seu formato: enquanto os alemães trouxeram de volta um teatro mais tradicional (em contrapartida ao teatro experimental prévio, dirigido por Schlemmer), com a adoção de roteiros mais complexos e a volta do teatro falado, a peça de Flávio era uma performance híbrida, misturando a dramaticidade do teatro com o dinamismo e força da dança, realizando algo considerado inovador na época, comparando com as produções brasileiras que acontecem no mesmo período. 14


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os acontecimentos globais do começo do século XX e as inovações em diversos campos de pesquisa e das artes neste mesmo período, possibilitaram o surgimento da Bauhaus. Após 100 anos da formação da escola, sua influência se mostra extremamente atual e relevante, sendo uma forte fonte de inspiração até os dias atuais, para artistas, arquitetos, designers e outras áreas, como teatro, dança e música. Da mesma forma que a escola influenciou artistas como Flávio de Carvalho, durante século XX, ainda hoje motiva a buscar a ressignificação de conceitos em busca do novo, abordando temas como materialidade e a busca por uma expressão original e verdadeiramente brasileira. Ao propor a criação de um método projetual para aplicação nas áreas estudadas pelo curso, como design, arquitetura, artes e teatro, a Bauhaus se torna uma referência para todos aqueles que são posteriores a ela, a exemplo da produção de Flávio de Carvalho. Sua aproximação à escola alemã acontece por intermédio dessa aplicação de métodos para a criação, de forma a buscar soluções originais, criativas e que estivessem intrinsecamente relacionadas ao seu contexto de aplicação. Contudo, ambos se diferenciam em um aspecto crucial: os valores estéticos. A Bauhaus propunha um conceito internacional, onde visualmente tudo que era produzido era semelhante, devido ao uso de formas, cores e arranjos visuais, de forma a permitir que um projeto feito na Europa não fosse tão diferente de um projeto feito na América ou Ásia, por exemplo. Em contrapartida, Flávio de Carvalho foi defensor e adepto da ideia da criação de um estilo verdadeiramente nacional, algo que fosse caracteristicamente brasileiro e que transmitisse tal ideia de forma direta, de modo a distanciar de forma definitiva uma arte verdadeiramente brasileira da arte brasileira que existia até o momento, extremamente acadêmica e com forte influência da arte europeia ocidental. Ao abordar a obra de Flávio de Carvalho, também há uma revisita à memória nacional. Sendo um artista ainda pouco abordado e explorado, Flávio conta com uma extensa produção que varia desde artes visuais, arquitetura, design, cenografia, literatura e até a produção teatral. Um dos artistas mais versáteis do Modernismo e cujo legado ainda está por ser explorado e estudado. Ambos os objetos analisados, as obras dos artistas da Bauhaus e a obra de Flávio de Carvalho, extrapolam os limites de seu próprio tempo, mostrando tamanha força e importância de forma que seu legado é objeto de estudo até o presente momento, em torno de 100 anos desde a fundação da Bauhaus e o início da produção do artista brasileiro. Suas produções são revisitadas de forma a servir como inspiração e guia para novas criações e soluções, mantendo assim, a importância e contemporaneidade destes temas. Revisitar o passado para buscar inspiração e respostas é um dos hábitos naturais do ser humano, procurando entender seu passado para adquirir o máximo de aprendizado de forma a continuar progredindo, criando e revolucionando. Preservar a memória e obra destes artistas e seus movimentos é um dever, pois se trata de uma memória coletiva e intrínseca ao nosso desenvolvimento cultural, de forma que seja possível manter o ciclo: a inovação de hoje é a inspiração do amanhã.

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REFERÊNCIAS LISTA DE IMAGENS Figura 1 – Diagrama de Ensino da Bauhaus em alemão ....................................................4 Figura 2 – Diagrama de Ensino da Bauhaus em português ................................................4 Figura 3 – Santa Maria na Lua ............................................................................................6 Figura 4 – Reprodução do Figurino do Ballet Triádico ........................................................6 Figura 5 – Máscara ..............................................................................................................6 Figura 6 – Montagem Ballet Triádico....................................................................................6 Figura 7 – Exemplo de Arquitetura Neocolonial Brasileira ..................................................9 Figura 8 – Proposta do Palácio do Governo do Estado de São Paulo ................................9 Figura 9 – Máscara ............................................................................................................11 Figura 10 – Máscaras (Flávio de Carvalho) .......................................................................11 Figura 11 - Figura 11 – Figurino para o Ballet Triádico (Oskar Schlemmer) .....................12 Figura 12 - Figurino para o Balé do IV Centenário ............................................................12 Figura 13 - Cenário da peça Os visitantes da cidade para o professor L. .........................14 Figura 14 - Cenário da peça O Bailado do Deus Morto .....................................................14 BIBLIOGRAFIA ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Editora Schwarcz, 2001. 710 p. ISBN 8571642516. BATISTA, Marta Rossetti. Escritos sobre arte e modernismo brasileiro. São Paulo: [s. n.], 2012. 320 p. ISBN 9788563604019. BAUHAUS 100. Hannes Meyer. [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.bauhaus100.com/the-bauhaus/people/directors/hannes-meyer/. Acesso em: 05 dez. 2019. Acesso em: 05 dez. 2019. BAUHAUS 100. Masters and Teachers. [S. l.], 2019. Disponível em: https://www.bauhaus100.com/the-bauhaus/people/masters-and-teachers/. Acesso em: 05 dez. 2019. BAUHAUS-ARCHIV. Unterricht: Teaching at the Bauhaus. [S. l.], [201-]. Disponível em: https://www.bauhaus.de/en/das_bauhaus/45_unterricht/. Acesso em: 05 dez. 2019. CULTURAL, Enciclopédia Itaú; Ballet IV Centenário. In: São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: < http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo10860/ballet-iv-centenario>. Acesso em: 05 de dez. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN 9788579790607 CULTURAL, Enciclopédia Itaú; Flávio de Carvalho. In: São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: < http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9016/flavio-de-carvalho>. Acesso em: 05 de dez. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN 9788579790607 CULTURAL, Enciclopédia Itaú; Neocolonial. In: São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3809/neocolonial>. Acesso em: 05 de dez. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN 9788579790607

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DROSTE, Magdalena. Bauhaus: 1919-1933. Berlim: Taschen, 2019. 549 p. ISBN 9783836565547. GROPIUS, Walter. Bauhaus: novarquitetura. 6ª. ed. atual. São Paulo: Editora Perspectiva, 2018. 223 p. ISBN 8527301237. RIBEIRO, Sônia Marques; LOURENÇO, Carolina Amorim. Bauhaus: uma pedagogia para o design. Estudos em Design, Rio de Janeiro, v. 20, p. 1-24, 2012. Disponível em: https://estudosemdesign.emnuvens.com.br/design/article/view/87. Acesso em: 05 dez. 2019. SCHLEMMER, Oskar; MOHOLY-NAGY, Laszlo; MOLNÁR, Farkas. The theater of the Bauhaus. 1ª. ed. Estados Unidos da América: Wesleyan University Press, 1961. 109 p. ISBN 0819560200. ZANINI, Walter. História Geral da Arte no Brasil. 1ª. ed. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. v. 2 V.

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