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EDIÇÃO ESPECIAL

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DO BOM JESUS/IELUSC

História que não dá para espantar O que se ouve e se fala 50 anos depois do golpe militar

JOINVILLE, ABRIL DE 2014 - EDIÇÃO 108 - GRATUITO


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Opinião

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

ARTIGO Lição da truculência O confronto protagonizado pela Polícia contra um grupo de estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina, no dia 25 de março, pode ser apenas mais uma de tantas coincidências históricas de mau gosto nestes 50 anos em que se lembra do golpe de 1964. Assim como a reedição da Marcha da Família, ridicularizada por sua própria falta de mobilização, e as manifestações entrincheiradas de poucos conservadores de direita, a invasão ao campus da UFSC e o uso desproporcional da força contra um pequeno grupo de universitários sob a desculpa do combate ao tráfico de drogas soam como resíduos já apodrecidos de um sistema que se pensava morto e enterrado, mas que dá sinais claros de sobrevivência velada. Obviamente, as vozes que se levantam e que têm “saudade dos tempos militares” não avaliam a proporção de tal disparate, ou o fazem sem se dar de conta de que o militarismo foi o período mais cruel, violento e arbitrário em pouco mais de 100 anos de República. No momento em que se ergue a memória de tantas vidas abreviadas pelo regime, como o catarinense Higino Pio, o deputado Rubens Paiva, o jornalista Vladimir Herzog e, tese já aceita, o próprio ex-presidente Juscelino Kubitschek, segundo matéria publicada em 2013 pela revista Carta Capital a partir de investigação da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, o jornalismo brasileiro tem o dever e a obrigação de trazer estes e tantos outros fatos para discussão da sociedade. É preciso destruir qualquer ideia de volta do regime usando para isso os próprios fatos históricos, não apenas por meio do salutar combate ideológico, mas pela práxis que o jornalismo evidencia no coletivo. Não se pode admitir o exagero da repressão militar no campus de uma universidade federal, palco da construção do saber e da democracia crítica, libertária, humanista e plural. Assim como não se pode conceber que a história escrita de forma enviesada e mal ensinada nas escolas brasileiras durante os anos de chumbo prevaleça como um ponto de vista aceitável de um período de exceção, coação e truculência. O jornalismo tem hoje a chance de dar espaço às vozes sufocadas durante a ditadura, não somente a partir da Carta Magna de 1988, mas principalmente pela utopia de se construir um país democrático, igualitário e livre. Como disse Mário de Andrade: o passado é lição para refletir, não para repetir. Sandro Galarça Jornalista e professor responsável pelo Primeira Pauta

EDITORIAL

Sair de casa e comemorar A edição temática do Primeira Pauta surge para marcar os 50 anos do golpe militar no Brasil, a intervenção que mudou os rumos do país e os rumos da turma de Jornal Laborátório. O desafio, proposto na primeira aula, já deixou todos animados e tremendo nas bases. O que se esperava aconteceu: a turma levou muito “não”, enfrentou dificuldades, recorreu aos planos B e a edição saiu. Durante a reunião de pauta, veio a decisão de colocar o pé na estrada. A turma comprou a ideia de enviar dois colegas à capital federal para visitar a Universidade de Brasília e relatar os efeitos da ditadura em um dos principais cenários do período de restrição às liberdades individuais e políticas. Para pagar a aventura, que não teve ajuda institucional por conta do tempo ou de qualquer outro fator, foi preciso quebrar os cofrinhos, promover uma rifa e assumir o compromisso financeiro. Destacamos aqui a grande ajuda do professor da UnB Samuel Pantoja Lima, que recepcionou nossos repórteres, apresentou a universidade, sugeriu os assuntos da pauta e indicou as fontes, confirmando o forte profissionalismo, amizade e incentivo aos estudantes do Bom Jesus/Ielusc, onde já foi coordenador do curso. O pé também foi colocado na estrada para Florianópolis, abordando os trabalhos da Comissão Estadual da Verdade e para Curitiba, contemplando as obras de arte que expressam o período. É impossível não observar o caráter pedagógico da produção desta edição, que fez com que os participantes conhecessem a história do país e aproveitassem as informações e revelações sobre o tema, tão fomentadas nesse marco histórico de 50 anos. E também

fez com que a turma ampliasse a ideia de pauta social, às vezes idealizada de uma forma tão localizada e restrita ao comunitarismo e às famosas matérias de bairro. Não que estas não sejam importantes, mas foi possível observar que entender nossa história, abordar contextos mais amplos e sair de casa também se trata de compromisso social e serviço à comunidade. A primeira edição do PP deste ano também aborda aspectos do comportamento da imprensa regional durante o regime, trazendo uma crítica ao nosso trabalho como jornalistas e tentando entender como profissionais, mesmo contrariados, tiveram de aclamar o militarismo e enaltecer a “revolução gloriosa”. Pensar sobre a economia na ditatura, o famoso “Milagre Econômico” e os efeitos das políticas lançadas a partir da década de 60 também fez parte da produção. E não há como desvalorizar a forma como professores abordam o assunto em escolas pelo país, passando por salas de aula onde a crítica acontece e por espaços onde o professor pede que os alunos risquem dos livros termos como “golpe” e “ditadura”. Apelando para a etimologia da expressão, é preciso comemorar a ditadura militar. Comemorar é memorar com, lembrar com, apesar de não ser o recurso estilístico mais apropriado. É preciso lembrarmos juntos o período, ouvindo pessoas que sentiram na pele o efeito da ditadura, refletirmos juntos sobre os impactos sociais e políticos, questionarmos a postura da imprensa em assuntos delicados e propor-nos a encarar os nãos, as polêmicas e a apresentar não apenas à comunidade acadêmica, mas à comunidade regional, o resultado do trabalho da turma.

Diagramação de Vincent Sesering | Edição de Daniel Filho

EDIÇÃO ESPECIAL

Jornal Laboratório do Curso de Comunicação Social - Jornalismo Associação Educacional Luterana Bom Jesus/Ielusc

EDIÇÃO 108 | Abril 2014

Contato com a redação Endereço: Rua Princesa Isabel, 438 - Centro CEP 89201-270 | Joinville | Santa Catarina Telefone: (47) 3026-8000 - Fax: (47) 3026-8090 E-mail: jornalismoielusc@gmail.com

DIRETOR GERAL DO BOM JESUS/IELUSC Silvio Iung DIRETOR DO ENSINO SUPERIOR Paulo Aires COORDENADOR DO CURSO Sílvio Melatti DISCIPLINA Jornal Laboratório II PROFESSOR RESPONSÁVEL Sandro Galarça EDITOR-CHEFE Daniel Filho EDITORES Ana Paula Bonin, Daniel Filho, Gabrielle Dias Figueiredo, Jean Patrick da Silva, Misael Tibes de Freitas e Miriã Mews DIAGRAMADORES Ana Paula Ponick, Bruna Cardoso, Gabriela Kugelmeier, Priscila Andreza de Souza, Nicole Cristine Eichenberg e Vincent Sesering REPÓRTERES Ana Paula Ponick, Adolfo Bonucci, Eluana Mello, Joel Martins, Mayara Hoffmann, Marcos Pereira, Renata Bomfim, Rita de Cássia Wischral e Rodrigo Guilherme Pereira EQUIPE DIGITAL Andreia Silva, Graziele Maiolini e João Pedro Deschamps FOTO DA CAPA Mayara Hoffmann CHARGE Sandro Luis Schmidt IMPRESSÃO A Notícia TIRAGEM 3 mil exemplares

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Educação

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

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Diagramação de Nicole Eichenberg | Edição de Daniel Filho

Tema ainda confunde estudantes Com aumento de pesquisas sobre o tema, professores e alunos comentam desafio de falar sobre a ditadura em diferentes instituições de ensino no Brasil Renata Bomfim reh.bomfim@hotmail.com

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xplicar o que foi o golpe de 64 não é uma tarefa fácil para quem está à frente de uma turma de estudantes. Fazer com que entendam, em quatro ou cinco aulas – dependendo do plano de ensino –, que esse período foi marcado por vidas perdidas e famílias destruídas é quase impossível. Além da passagem rápida pelo período, o uso de termos como revolução e a ideia de que a intervenção militar foi boa para o Brasil ainda confundem alunos nas escolas distribuídas pelo país. Passados 50 anos do golpe, especialistas ressaltam a importância de uma abordagem crítica sobre o tema nas escolas. Amanda Grisoste Brandão, 19, estudou desde o Ensino Fundamental no Colégio Militar de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Para entrar na escola, precisou prestar concurso porque o pai não era militar. Formada há dois anos no Ensino Médio, ainda há lembranças de como o período de tomada de poder pelos militares foi ensina-

do. “O que me marcou foi que, antes do professor começar a explicar o conteúdo, ele pediu para que abríssemos o livro e riscássemos as palavras ‘golpe’ e ‘ditadura’ todas as vezes que elas apareciam”, relata. Ela lembra que durante os sete anos em que estudou nessa rede de ensino os professores, na maioria militares, evitavam usar esses termos no vocabulário. “O período era tratado como Governo Militar ou Era Militar.” Se pudesse escolher entre aprender Matemática ou História, certamente ela ficaria com a primeira opção. Não é que Amanda não gostasse de História, mas é que os cálculos, para ela, faziam mais sentido. Nunca foi de questionar o que aprendia e, concordando ou não, aceitava o que os professores diziam. O interesse pela disciplina veio mais tarde a fim de estudar os conteúdos para os vestibulares que se aproximavam. Quando aprendeu sobre a ditadura, os professores falavam que o poder e a ordem imperavam. “Nada disso soava como algo aterrorizante. Era quase um motivo de glória, já que estavam acabando com a bagunça”, conta. Depois de dois anos formada, o

pensamento de Amanda sobre esse período mudou. Se antes ela concordava com que aprendeu, hoje a estudante de Engenharia de Produção tem um pensamento mais crítico. “Eu penso muito sobre o assunto, sendo bem sincera. E acredito que podemos estudar e evitar que coisas ruins já aconteceram não se repitam”, confessa.

O que me marcou foi que, antes do professor começar a explicar o conteúdo, ele pediu para que abríssemos o livro e riscássemos as palavras “golpe” e “ditadura” todas as vezes que elas apareciam AMANDA GRISOSTE BRANDÃO Estudante

Nos livros, apostilas e materiais de apoio, é muito comum encontrarmos as palavras golpe, revolução ou ditadura, muitas vezes até no mesmo texto. Cintia Serrano leciona no Colégio Militar de Curitiba há três anos e, para ela, essas palavras são utilizadas de acordo com a linha de pensamenARQUIVO PESSOAL

Amanda Brandão, 19, afirma que não questionava a forma como aprendia sobre a “revolução” em colégio militar no Mato Grosso do Sul

to que o autor busca seguir. “A conotação de revolução vem do fato das mudanças drásticas ocorridas na sociedade e, principalmente, na política do período e não ligada ao fato de que esse foi um movimento de extrema esquerda ou direita, como nesse caso foi”, explica, ao lembrar que o material didático é apenas uma base para o estudo. Segundo ela, outras fontes sempre são utilizadas para que o aluno tenha uma visão mais diversificada do assunto. Já para a professora Elaine Machado, essa diferença dos termos consiste no fato de a História ser uma ciência muito poderosa, que ao mesmo tempo em que cria heróis pode também levar ao esquecimento. “O golpe de 64 é um acontecimento recente e muitos que protagonizaram esse fato ainda circulam pelos cenários das Forças Armadas e pelas esferas políticas, ou seja, ainda estão ou têm acesso ao poder”, afirma. A professora destaca que quem tem o poder no país dita – ou ditava – o que deveria ser escrito na História. Desde 2011, ela não está mais à frente nas salas de aula, mas lecionou durante dez anos nas redes pú-

blicas e particular. Para ela, esse assunto deve ser debatido com os alunos e o debate cria condições para as opiniões serem mudadas e que isso apenas pode ocorrer por meio dos diálogos dentro de sala de aula. Ir além do que é pautado pelo Ministério da Educação (MEC) é indicado como imprescindível por professores. “É muito importante abordar o assunto na educação básica de forma mais séria, pois acredito que existe desejo por parte da direita extremista de uma possível tomada de poder”, diz Eleni Lechinski, que há 17 anos atua na rede estadual de ensino. Quando o assunto é trabalhado, ela lembra que o maior ponto de atenção são os motivos pelos quais as pessoas foram presas, torturadas ou mortas, prendendo a curiosidade nas cenas horríveis e deixando de lado a contextualização. O trabalho de pesquisadores sobre o tema, alimentado ainda mais neste ano por causa da memória dos 50 anos, também é considerado fundamental por especialistas às aulas dos professores em sala de aula.

É preciso haver debate com os alunos, diz especialista Por mais que o golpe militar de 1964 complete os 50 anos, o tema ainda é novo na História do Brasil. E falar sobre isso nos tempos atuais é mexer numa ferida aberta e que deixou – e ainda deixa – cicatrizes profundas. Há quem defenda esse período, mas há também quem discorde. Por isso, o debate é tão importante. Para o professor de Direito e coordenador do Centro dos Direitos Humanos de Joinville, Luiz Gustavo Assad Rupp, o estudo e o debate sobre essa etapa da história é de muita importância. “É preciso recuperar a memória e a verdade para que esses fatos nunca mais se repitam. Importante também é não deixar esses debates restritos à academia”, ressalta. “O conhecimento da história é relevante para os nossos atos presentes.” Durante duas décadas, a ideologia da segurança nacional influenciou significantemente

a educação no Brasil, segundo Rupp. “Um exemplo concreto foi a supressão dos currículos escolares de disciplinas com viés crítico e reflexivo, como Sociologia e Filosofia, e a substituição pelas disciplinas de Educação Moral e Cívica e a Organização Social e Política do Brasil, OSPB”, afirma. “Disciplinas sem qualquer conteúdo crítico e com função de propagandear aquela ordem instituída com o golpe”, conclui. De acordo com a professora do Núcleo de Pesquisa, História e Ensino das Ditaduras, na Universidade Federal do Fluminense, Samantha Viz Quadrat, é preciso levantar questionamentos e estar atualizado durante a contextualização. E arrisca uma pergunta para os professores levantarem diante dos estudantes: Por que a saída autoritária foi tão sedutora para parcelas da sociedade brasileira em 1964?


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Entrevista

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Ana Paula Ponick | Edição de Ana Paula Ponick

“É necessário reescrever a história do país”

SANDRO GALARÇA

Coordenador comenta a importância da Comissão da Verdade Ana Paula Ponick anapaula.ponick@gmail.com Eluana Mello de Souza eluana_mello@hotmail.com

A

dvogado pós-graduado em Direito Empresarial, Anselmo da Silva Livramento Machado é o coordenador da Comissão Estadual da Verdade. Criado por um decreto em março do ano passado, o grupo segue as diretrizes da Comissão Nacional da Verdade, que tem como objetivo apurar os crimes contra os direitos humanos ocorridos por força de motivação política de 18 de setembro de 1946, quando o Partido Comunista se tornou ilegal no país, a 1988, quando da abertura política com a promulgação da nova Constituição. Entre esses crimes, estão os casos de prisões irregulares, sequestros e torturas. Natural de Florianópolis, Anselmo atua também como vice-presidente da Comissão da Verdade da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina e como Assessor de Relações Institucionais da OAB/SC. Em entrevista ao Primeira Pauta, Anselmo explica a atuação e comenta a importância da comissão no levantamento de informações históricas.

Primeira Pauta: Como a comissão vem atuando no estado junto aos torturados e seus familiares?

criada por um decreto e não havia uma dotação orçamentária para que pudéssemos efetuar essas audiências fora de Florianópolis. Isso concentrou muito as audiências na capital, embora a gente tenha feito uma audiência pública em Camboriú e Blumenau. Na Furb (Fundação Universitária Regional de Blumenau) nós ouvimos o pessoal que havia sido preso, ou pelo menos quem compareceu. Outra das grandes dificuldades da Comissão da Verdade é o tempo. Já passamos cinquenta anos, então, se aquele militar ou militante tinha em torno de trinta anos, hoje ele está com oitenta. Com o tempo, as memórias se foram, morreram.

Anselmo Machado: Nós temos uma relação que foi construída ao longo do tempo com pessoas que sofreram violações aos direitos humanos. Na sua grande maioria, são pessoas que resistiram ao regime militar. Esse pessoal é relativamente bem organizado e têm os contatos e os nomes das pessoas que foram presas, desapareceram ou foram mortas naquele período. A relação do Estado tem em torno de 530 nomes levantados. Nós solicitamos às pessoas que estão nessa relação ou aos seus familiares, porque nem todos estão vivos, que venham até à Comissão e prestem o seu depoi- PP: O trabalho da Comissão visa mento, dizendo como foi aquele incentivar as vítimas a relatar suas período, como a pessoa foi presa, situações ou espera-se que a profoi violada, o que efetivamente cura seja voluntária? aconteceu a ela, de que forma e qual a motivação. Como nós temos mais AM: Quando fazemos audiênou menos levancias públicas, tado quem são as nós damos am“O resgate da memória vai pla divulgação pessoas, nós fazedemonstrar para todas as nas mídias local mos algumas audiências públicas pessoas que nenhum tipo e estadual e as fora de Florianóde ditadura é bom e todo pessoas é que polis justamente tipo de ditadura restringe geralmente propara permitir que Nós solio que há de mais precioso curam. pessoas de outras citamos o comna vida: a liberdade.” partes do Estado parecimento, ANSELMO MACHADO consigam dar o mas nem todos Coordenador da CEV seu depoimento. vão. A Comissão Estadual da Verdade não tem PP: Quais tem sido as maiores poder convocatório, mas a Naciodificuldades para o levantamento nal tem. Então, quando se trata de dessas informações? alguma situação mais grave, mais emblemática, que precise chamar AM: A maior dificuldade até o ano a pessoa para depor, nesses casos passado era a questão orçamentá- nós repassamos para a Comissão ria, porque a comissão havia sido Nacional.

Anselmo da Silva Livramento Machado, coordenador na Comissão Estadual da Verdade e vice-presidente da Comissão da Verdade da OAB-SC

PP: Existe algum acompanhamento psicológico para os que prestam depoimentos e demonstram essa necessidade? AM: Nós não temos ainda aqui, mas isso já ocorre em São Paulo, Recife e Rio de Janeiro. É a chamada Clínica do Testemunho, um grupo de psicólogos que trabalham com essas pessoas que foram torturadas para conseguir coletar não apenas mais informações, mas dar, de alguma forma, um tratamento psicológico que, para muitos, não foi dado. PP: Aqui no Estado não existe esse acompanhamento diretamente ligado a vocês, mas é feito um encaminhamento? AM: Não, por enquanto não está sendo feito absolutamente nada. O Conselho Regional de Psicolo-

gia está montando essa Clínica do Testemunho para atuar junto com a Comissão da Verdade.

bora em algumas outras Comissões Estaduais da Verdade isso já tenha acontecido.

PP: Os militares contribuem de alguma forma para o levantamento dessas informações?

PP: Alguma instituição, órgão ou a imprensa tem demonstrado interesse nas informações que têm sido levantadas?

AM: De jeito nenhum. PP: Eles se demonstram resistentes? AM: Muito. PP: Além deles, há algum outro tipo de resistência? AM: As próprias pessoas às vezes têm vergonha, têm medo ou receio de relatar o que aconteceu. Nós, embora tenhamos alguns nomes e saibamos que estão até pelo estado, não conseguimos ainda trazer nenhum dos acusados de tortura, em-

AM: Sim, a imprensa vem constantemente e nós também damos ampla divulgação. Em breve será lançado, junto ao portal da Assembleia Legislativa, um site com todas as informações da Comissão Estadual da Verdade. O objetivo é ter a maior transparência possível. Todos os inquéritos, depoimentos, documentos que a comissão está coletando serão colocados ao público, que poderá fazer uma pesquisa em todo esse material. Provavelmente em torno de 90 dias vai estar disponível, oferecendo um apanhado importantíssimo do ponto de vista histórico.


Entrevista

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

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Diagramação de Ana Paula Ponick | Edição de Ana Paula Ponick SANDRO GALARÇA

PP: Qual a importância da imprensa e da divulgação do trabalho da comissão no prosseguimento dos trabalhos?

são que tinha o problema, sugeriu a criação das estaduais, mas nem todo estado tem a sua. Nós temos aqui um relato bem interessante de um joinvilense militanAM: É fundamental, porque nós te do Partido Comunista que ficou temos uma relação de 530 pesso- alguns anos preso em Curitiba. Ele as e não vamos conseguir atingir tinha ido para Joinville com a estodas. Pode ter muito mais gente, posa para tentar despistar. Os dois inclusive que nós desconhecemos. foram trabalhar, se não me engano Por exemplo, você era militante de na Wetzel, e foi na fábrica que ele esquerda em Urussanga, era uma foi preso. O dono da Wetzel permicélula do Partido Comunista ou tia que a esposa dele saísse uma ou de uma VPR (Vanguarda Popular duas vezes por semana do horário Revolucionária) ou qualquer coisa de trabalho e fosse a Curitiba para nesse sentido e, de repente, caiu nas visitar o marido. Isso na época era mãos do Exército. Descobriram um negócio impensável. Ninguém você e sequestraram, deixaram pre- deixava o funcionário ir e dava o so por dois ou três meses em Curi- apoio, inclusive. Se não me engatiba, incomunicável, torturaram, no, quando voltou ele continuou não obtiveram as informações, ou trabalhando na Wetzel no posto você passou as informações, e li- que ocupava, como se nada tivesse bertaram. Você voltou para Urus- acontecido. sanga e ficou quieto, não voltou à A esposa dele prestou um demilitância, simplesmente esqueceu poimento no evento do dia 11 de e continuou sua vida março, e foi normalmente. Mas muito inte“E, no fundo, o que boa você não tem registro, ressante. Ela parte das vítimas quer porque essas prisões falou o quannão é efetivamente vê-los to sofreu para não eram registradas. atrás das grades (...), mas d e s c o b r i r A importância da dium julgamento moral, ou onde o mavulgação é justamente essa, que as pessoas seja, vai ficar estampado rido estava. que não estão regisNós pegapara o resto da vida que tradas como presas mos o depoiaquele cidadão era um ou torturadas se mamento dele torturador.” nifestem para prestar aqui, mas o ANSELMO MACHADO seus depoimentos ao que desperCoordenador da CEV saber do trabalho da tou a atenção comissão. lá é que sempre ouvimos a pessoa torturada, mas existe uma tortura PP: Quando esteve em Joinville psicológica por trás disso, de toda no dia 11 de março, o sr. Naldi, a família, que sofre por não saber seu antecessor na coordenação da onde a pessoa está. Ela contou a Comissão, comentou a proposta peregrinação dela para descobrir da criação de uma Comissão Mu- onde estava o marido, as pessoas nicipal da Verdade. Quais seriam que não davam crédito, se ela esas medidas necessárias para que tava num lugar, a expulsavam poressa proposta viesse a ser colocada que ela era comunista... A pessoa em prática? era carimbada porque tinha uma ideia diferente. AM: Como ela tem de ser criada como se fosse um órgão, seria a lei PP: Essa proposta de criação da municipal dando condições para Comissão Municipal já foi feita a que ela atue com as pessoas mais outras cidades? próximas. Pessoas de Joinville sabem, conhecem as famílias que AM: Principalmente àqueles mupassaram dificuldades porque o nicípios onde a gente identificou pai foi preso, a mãe foi presa, têm que tem um grande número de essa informação, mas aqui estamos presos políticos, como Itajaí, Joaum pouco alienados. A Comissão çaba, São Francisco do Sul e CriNacional, quando sentiu a dimen- ciúma.

PP: A comissão espera que se faça justiça a partir das informações levantadas ou apenas o esclarecimento para os familiares já é o bastante? AM: O final da nossa missão é justamente apresentar o relatório com todos os depoimentos, documentos e materiais levantados à Comissão Nacional da Verdade, que encaminhará ao Ministério da Justiça para ver o que vai ser feito. A decisão do Supremo Tribunal em relação à questão da Lei da Anistia foi muito emblemática. A anistia assinada em 1979 foi ampla, geral e irrestrita para as duas partes, ou seja, anistiou o militante de esquerda e o militante da Força Armada que de alguma forma cometeu a tortura. A Corte Interamericana dos Direitos Humanos decidiu recentemente que o Brasil deveria, por obrigação, analisar a fundo os crimes cometidos na Guerrilha do Araguaia e levar a julgamento todos os envolvidos. Isso abriu um precedente, inclusive o Ministério Público Federal já iniciou uma série de ações para processar os envolvidos naqueles crimes. Há um recurso da Ordem dos Advogados do Brasil na decisão da Lei de Anistia que está para ser julgado ainda no Supremo Tribunal, um embargo infringente. A esperança da OAB e do Conselho Federal é de que haja uma mudança de posicionamento do Supremo, permitindo que se leve, pelo menos a julgamento, aqueles casos dos crimes continuados, que são os sequestros ou desaparecimentos. Muitas pessoas foram sequestradas e até hoje estão desaparecidas. O entendimento é que o sequestro é um crime continuado, porque até a pessoa aparecer ele ainda existe. Então, não há prescrição da pena. O assassinato tem prescrição, a gente sabe que o Higino Pio morreu, o corpo apareceu, não apurou em 30, 50 anos quem matou, está prescrito. E, no fundo, o que boa parte das vítimas quer não é efetivamente vê-los atrás das grades, até porque ninguém vai colocar um senhor de 70, 80 anos na cadeia, mas eles querem um julgamento moral, ou seja, vai ficar estampado para o resto da vida que aquele cidadão era um torturador. Os filhos e netos saberão

que o pai era alguém que torturava pessoas. PP: Qual a importância do trabalho da Comissão para a construção democrática, inclusive para além dessas fronteiras de culpado e inocente, e para que a gente afaste esses rumores revanchistas de direita de que o Brasil é um país de desordem? Como vocês veem o momento atual? AM: O resgate da memória vai demonstrar para todas as pessoas que nenhum tipo de ditadura é bom e todo tipo de ditadura restringe o que há de mais precioso na vida: a liberdade. Então, se você conseguir, através da História, mostrar o modus operandi, as pessoas que fizeram, forma-se a consciência coletiva para que isso não aconteça mais. Hoje, no Brasil, nas redes sociais existem pessoas fazendo apologia, pedindo a volta dos militares porque o mensalão não foi condenado. São coisas distintas, porque as pessoas não sabem o que ocorreu. PP: Como a informação e a negação dela contribuíram para uma história parcial, paralela com a história real, nos dois casos principais que foram o assassinato do Juscelino e a bomba do Riocentro que explodiu no carro dos militares?

Como a falta da verdade construiu uma história diferente e qual a importância do esclarecimento hoje? AM: Veja que o fato de nós desconhecermos e isso estar vindo à tona agora demonstra que o país poderia ter sido completamente diferente, poderíamos ter uma democracia muito mais cedo. Isso já está sendo admitido até por alguns segmentos dos militares, de que a ditadura se estendeu demais. O objetivo era tirar o Jango naquele primeiro momento, evitar o comunismo e em seguida abrir novamente à volta da democracia, o que não aconteceu. Tomaram o poder, gostaram e permaneceram nele e, o que é pior, trataram de destruir as principais lideranças, o Carlos Lacerda, o caso do Juscelino, o Jango. Há fortes indícios de que o Jango foi envenenado, isso ainda está sendo apurado. Então foi colocada à margem toda uma geração. Há a necessidade de se reescrever a história. Ela foi criada por uma conveniência. Acho que o grande fim da Comissão da Verdade é colocar a memória real na história do Brasil. Porque o julgamento vai ser de quem? De quem está ouvindo. “Puxa vida, não deveria ser assim, deveria ser de forma diferente.” Formar-se uma consciência, uma opinião diferente daquilo que já foi exposto. FOTOS DE SANDRO GALARÇA


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50 anos de Golpe

Joinville - Abril 2013 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Priscila Andreza de Souza| Edição de Ana Paula Bonin

Tensões políticas tiveram papel decisivo Apesar de ter o ápice na noite de 31 de março de 1964, regime de exceção começou a ser orquestrado muito tempo antes pelas forças armadas

Joel Martins sam_scott29@hotmail.com

N

oite de 31 de março de 1964. De Juiz de Fora (MG), o general Olímpio Mourão Filho parte com suas tropas rumo ao Rio de Janeiro. Quando o presidente João Goulart ordena a prisão de Castelo Branco, o também general Armando de Moraes Âncora decide não cumprir a ordem. De imediato, o senador Auro Soares de Moura Andrade declara vago o cargo de chefe da nação. Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, assume provisoriamente o comando do país. O presidente da Câmara dos Deputados, porém, ficou poucas horas no poder. No dia 2 de abril, o autodenominado “Comando Supremo da Revolução”, formado pelo brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), pelo vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e pelo general Artur da Costa e Silva (Exército), governou o Brasil por duas semanas. Depois desse período inicial de indecisões sobre quem comandaria o país, o general Humberto de Alencar Castelo Branco assumiu o poder, no dia 15 de abril de 1964, tornando-se o primeiro presidente da ditadura. Entre tantas outras promessas, o povo esperava as eleições presidenciais prometidas para 1965 e que jamais foram realizadas durante o

ARQUIVO BBC BRASIL

regime. Os militares passaram a eleger os chefes da nação sem voto popular até 1985, quando Tancredo Neves foi eleito – indiretamente – o primeiro presidente civil desde o golpe. É preciso avaliar que a ditadura foi um somatório de diversos fatores políticos e sociais ocorridos ao longo da trajetória brasileira – e que foi planejado e ensaiado por muitos anos. “O clima de Guerra Fria, o anticomunismo presente nas instituições, além das opiniões divididas entre capitalismo e comunismo, tiveram um papel importante na precipitação do golpe”, avalia o historiador José Roberto Severino, professor da Universidade Federal da Bahia. Para ele, João Goulart não representava unanimidade entre a elite conservadora, que promoveu uma estratégia para desestabilizar o governo. Havia, ainda, o comunismo de Cuba, que promovia uma ideologia específica, diferente daquela dos Estados Unidos, na política externa da América Latina. Na verdade, o período pós-1964 deveria ser transitório, mas teve os rumos alterados com o AI-5 depois de 1968. “O golpe dentro do golpe”, afirma Severino. Entender a ditadura somente com o que aconteceu no dia 31 de março implica em algo superficial. É preciso saber o que aconteceu durante quase um século antes do início do militarismo, conhecer a história que a maioria dos livros didáticos usados nas escolas na dé-

Intenção da intervenção militar era manter um governo transitório, o que tomou outro rumo a partir de 1968 com a promulgação do AI-5

cada de 70 não contam e entender os fatores que levaram ao fatídico golpe. O historiador afirma que a ação foi planejada. Muitos militares articularam tomar o poder antes de 1964, sem sucesso. “A presença militar na política brasileira sempre existiu, desde o início do período republicano, passando pela revolução federalista, o tenentismo e tantos outros episódios de insurreição militar”.

A caserna na política A bibliotecária e historiadora Zenilda Moreira Tromm relata que os militares, com o fim da Guerra do Paraguai em 1870, entenderam que apenas o exército brasileiro continuava sem prestígio na sociedade da América Latina.

A pressão exercida pelas Forças Armadas derrubou o regime monárquico no país em 1889, tanto que os dois primeiros presidentes da recém-criada República eram militares: Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, respectivamente. Alguns anos depois, em 1920, de acordo com o pesquisador do Laboratório de História Política e Social, Antônio Gasparetto Junior, eles tornariam a se revoltar contra o governo. Dessa vez, organizaram-se num grupo de contestação política. Porém, os responsáveis pelo movimento pertenciam ao escalão intermediário da hierarquia das Forças Armadas, fato que ficou conhecido como Tenentismo. Nos anos que seguiram-se, os militares continuaram no cenário político. No fim do segundo governo de Getúlio Vargas, que termi-

nou com suicídio do presidente em 1954, os militares planejavam um golpe que acabou não dando certo. “A repercussão da carta-testamento conteve qualquer movimentação e desestabilizou profundamente a estrutura política do país”, salienta Antonio Gasparetto. Logo após, em 22 de novembro de 1955, com o afastamento definitivo de Café Filho, a quem Carlos Luz substituía, a Câmara dos Deputados confirmou o catarinense Nereu Ramos como presidente da República. O único presidente brasileiro nascido em Santa Catarina ficou pouco tempo no poder. Eleito, Juscelino Kubitschek tomou posse em 1956. “Como o governo foi bem aceito pelo povo, JK teve autonomia para chegar até o fim do mandato”, destaca o pesquisador.

O início do movimento que mudou a História O fim do governo Jânio Quadros desestabilizou a política brasileira. Vencedor nas urnas com votação expressiva, ele acreditou que o povo ficaria do seu lado em quaisquer circunstâncias. “Jânio traçou um plano para aumentar seus poderes”, pontua Antonio. “Ele anunciou sua renúncia pelo rádio em 1961.” Jânio pensava que seria procurado para voltar ao poder e não desmantelar o país. Nessas condições, o ex-presidente aceitaria a proposta somente se ele tivesse plenos poderes para governar. Mas o plano de Jânio deu errado. A renúncia foi aceita e nada foi feito para que ele retornasse à presidência. Quem assumiu o comando do Brasil foi o vice, João Goulart. Como Jango se identificava com as ideias

populistas de Getúlio, os políticos de direita não simpatizavam com ele. Quando Jango recebeu a notícia da renúncia de Jânio, ele se encontrava na China comunista. A direita tentou impedir que Jango fosse empossado no retorno ao Brasil, mas Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul na época e cunhado de Jango, apoiou sua volta ao país, garantindo que ele assumisse o cargo de chefe da nação. Ao tomar posse da presidência, Jango enfrentou oposições. A política dele tinha claras influências de esquerda. “O governo do presidente tinha uma forte base popular, como os movimentos sindicalistas”, explica Maikon Duarte, historiador. A solução encontrada pela oposição foi instalar o parlamentarismo no Brasil.

As decisões passaram a ser tomadas pelos ministros, Tancredo Neves, Francisco da Rocha e Hermes Lima. Em 1962, políticos contrários ao sistema de governo realizaram um plebiscito. “Entre presidencialismo e parlamentarismo, a população escolheu à forma de governo presidencial”, destaca o historiador José Severino. De volta ao poder, Jango tentou aliar as reformas com interesses conservadores. “Essas medidas desagradaram à elite que sempre estiveram no comando do país”, esclarece o historiador Eliton de Souza. Houve um descontrole na situação nacional. A inflação cresceu e as medidas econômicas aborreceram os políticos de direita. A imprensa iniciou uma campanha contra o radicalismo ideológico de Jango,

alertando para o caminho escolhido pelo presidente de levar o Brasil para um regime comunista. Estouraram várias revoltas e greves pelas ruas. O estopim que colocaria os militares no poder foi o discurso do presidente Jango e do governador Leonel Brizola feito no dia 13 de março de 1964 na Central do Brasil, Rio de Janeiro. “No pronunciamento, os dois anunciavam reformas de base, plebiscito para nova constituição, reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo”, avalia Severino. Os militares sabiam que o povo apoiaria o projeto. “A principal desculpa para a destituição do presidente Jango foi o comunismo”, revela Eliton Felipe. Segundo o historiador, os golpistas tomaram o poder sob o

argumento de que havia planos para implantar uma ditadura comunista. As Forças Armadas aliaram-se aos políticos da UDN (União Democrática Nacional) e ao governo norte-americano. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade legitimou o golpe contra o que seria a ameaça da esquerda comunista A queda foi inevitável. Jango viajou do Rio de Janeiro para Brasília no dia 1º de abril. Em seguida, foi para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar resistência com apoio de oficiais legalistas. Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria em 1976 para ser enterrado no Brasil. As Forças Armadas permaneceram na presidência de 1964 até 1985.


50 anos de Golpe

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Joinville - Abril 2013 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Priscila Andreza de Souza | Edição de Ana Paula Bonin

O Brasil com e sem o golpe militar de 1964 Se as medidas adotadas pelo presidente João Goulart tivessem continuidade, é bem provável que teríamos um governo cada vez mais participativo e democrático, acompanhado de crescimento econômico e social. “A melhor redistribuição da renda e a reforma agrária intensificariam a organização dos trabalhadores urbanos e rurais”, confirma o historiador Eliton Felipe de Souza. Porém, era imprescindível para os Estado Unidos garantir que governos com medidas consideradas de esquerda fossem afastados do poder para, assim, assegurar a sobrevivência do capitalismo na América Latina. “De um jeito ou de outro, o Brasil estava condenado ao regime ditatorial”, deduz Eliton. Por outro lado, caso a ditadura tivesse resistido ao fracasso da política econômica e às pressões populares, a censura continuaria dentro das redações dos jornais e das emissoras de TV. “A Internet não seria como a conhecemos hoje”, salienta o historiador. O sequestro e a tortura, insti-

tucionalizados durante os governos militares, seriam cada vez mais intensos. “Os casos de corrupção nunca chegariam ao conhecimento da sociedade”, garante Eliton. Para o historiador, a maioria dos políticos que temos hoje, incluindo a presidente Dilma, estariam presos, exilados ou mortos. E com o tempo, as instituições democráticas deixariam de existir. Partidos, sindicatos, grêmios estudantis, centros e diretórios acadêmicos seriam fechados ou banidos. A corrupção e o enriquecimento ilícito, como ocorreram nos 21 anos da ditadura militar, seriam doenças sem cura. “Os órgãos jurídicos estariam subjugados ao governo, condenando e absolvendo sem julgamento”. Eliton avalia que lutas armadas, em forma de focos de guerrilha urbana e rural, espalhariam-se pelo país e o confronto violento faria parte do dia a dia de todos nós. Mas caso os militares não tivessem assumido o comando do país em 1964, outros teriam feito isso. “O Brasil já vivia uma ditadura, só que

joel martins

Na opinião da historiadora Zenilda Moreira Tromm, o Brasil já vivia numa ditadura, mesmo que não tivesse um nome específico

era uma ditadura sem nome”, explica a bibliotecária e historiadora Zenilda Moreira Tromm. Na época, o poder político e econômico estava na mão das classes sociais dominantes. Fazendeiros, donos de indústrias, coronéis e caciques governistas detinham

Diretas Já marca mobilização e retomada do governo civil Em 15 janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil através de voto indireto (o Colégio Eleitoral, composto pelo Congresso Nacional e representantes das assembleias legislativas, era quem tinha direito de escolher o chefe da nação). Mas Tancredo adoeceu gravemente um dia antes da posse, 14 de março. O vice, José Sarney, assumiu o poder. Tancredo Neves faleceu em 21 de abril. Com a Emenda Nacional Dante de Oliveira, publicada no ano de 1983, a população brasileira, em 84, uniu-se num movimento democrático chamado “Diretas Já”, que reivindicava voto popular para presidente da República. As eleições diretas para o cargo da presidência só aconteceriam em 1989, após a Constituição de 88, com vitória de Fernando Collor de Mello nas urnas. Alguns políticos da época apoiaram a causa. Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães, José Serra, Leonel Brizola, Luis Inácio Lula da Silva, entre outros, eram favoráveis à eleição direta. Artistas, jogadores de futebol, cantores, religiosos e o povo em geral, manifestaram-se em passeatas e

o controle do país. “Era a ditadura do capital nacional, donde a chefia passava de uns aos outros, mantendo sempre os mesmos no poder”, observa. Para Zenilda, o risco de um novo golpe militar não existe. “O Brasil de hoje é muito diferen-

te daquele de 64. E não apenas o Brasil, mas o mundo todo.” De acordo com ela, o país está mais organizado e bem estruturado nas conquistas sociais. Conquistas inegáveis que, por si só, inviabilizam qualquer tentativa de golpe. “O Brasil é outro, agora”.

Bomba no Riocentro: documento aponta farsa de militares DIVULGAÇÃO

DIVULGAÇÃO

Historiador Maikon Jean Duarte salienta os fatores que colaboraram para o fim da ditadura

comícios. A exemplo do que ocorreu em junho de 2013, milhares de pessoas foram às ruas. Para o historiador Maikon Jean Duarte, não existe um fator único que determinou o fim da ditadura no Brasil. Mas entre eles, pode-se citar o desgaste político decorrente da oposição sindical crescente, os movimentos das comunidades eclesiais de base (ala da Igreja Católica) e o retorno dos presos políticos com a Lei da Anistia de 1979. A mudança da política externa dos EUA, que em 1964 articulou o golpe, bem como o crescimen-

to eleitoral da oposição no MDB, também foram importantes para o fim da ditadura. “O fortalecimento da pressão popular e o movimento reivindicando os direitos humanos são fatores que também não podemos esquecer”, lembra Maikon. O professor de história, Wilson de Oliveira Neto, afirma que o Regime Militar entrou em colapso a partir da década de 1970, quando o modelo de desenvolvimento econômico entrou em falência. A partir daí, foi dada a largada para o retorno da democracia e dos governos civis.

De acordo com o jornalista Humberto Trezzi, em reportagem publicada pelo jornal Zero Hora em novembro de 2012, os arquivos guardados em casa pelo coronel Julio Miguel Molinas Dias, assassinado aos 78 anos, evidenciam que o aparelho repressivo militar tentou maquiar o cenário do Atentado Riocentro. A ideia era fazer com que a explosão dentro de um carro parecesse obra de guerrilheiros esquerdistas. Humberto também revelou que, em meio aos papéis, há orientações para simular o furto do veículo pertencente ao sargento Guilherme, morto na explosão, no sentido de sumir com pistas que seriam comprometedoras. José Luís Costa, que também assina a reportagem, cita que os documentos contêm medidas de prevenção para segurança de militares, recomendações para não serem fotografados e relação de bombas e artefatos explosivos no paiol do quartel, usados para destruição coletiva e individual. O Atentado do Riocentro foi um ataque à bomba no Centro de Convenções, Rio de Janeiro, na noite de 30 de abril de 1981, quando se realizava no local um show musical em protesto ao regime militar. Guilherme Pereira do Rosário, sargento, e Wilson Luiz Chaves Machado, capitão, eram os agentes supervisores do evento. Os dois foram as únicas vítimas do episódio. Guilherme faleceu e Wilson ficou gravemente ferido.


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Bras

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Gabriela Kug mayara hoffmann

Brasília, 50 anos após o início da ditadura militar no país. A capital, fundada três anos antes do regime ser estabelecido, possui uma das universidades invadidas pelos militares nove dias após a implantação do governo militar no poder

Universidade teve foco de resistência

Logo após o governo militar assumir o poder na capital, a Universidade de Brasília foi invadida pelo Exército, que chegou preparado para o conflito Mayara Hoffmann mayahoffmann@hotmail.com Rodrigo Pereira rodrigo_1402@hotmail.com

L

ongos passos ecoam em um grande corredor cheio de curvas e dúvidas. A estrutura antiga caracteriza o “minhocão”, extensa passarela localizada dentro da Universidade de Brasília (UnB). O caminho até o departamento de comunicação remete lembranças que nem mesmo presenciamos, como conflitos armados entre militares e estudantes prisão aos professores. Com pichações pelo pedido de liberdade, as escadarias levam ao subterrâneo, onde se passaram histórias marcantes que tiveram início em 1964, o ano da primeira invasão. O início da história da Universidade de Brasília se dá no ano de 1962. A data é 21 de abril, um sábado. Esse foi o dia marcado para a inauguração. Havia um projeto de fazer da UnB uma universidade modelo, fundada sob a promessa de reinventar a educação superior, entrelaçar as diversas formas de saber e formar profissionais engajados na transformação do país. A ideia da construção do campus surgiu do cruzamento de três mentes, a do antropólogo Darcy Ribeiro, que definiu as bases da instituição, a do educador Anísio Teixeira, que planejou o

modelo pedagógico, e por fim, a do arquiteto Oscar Niemeyer, que o transformou as ideias em prédios. A universidade foi a primeira instituição do Brasil a ser dividida em institutos centrais e faculdades, criando os chamados cursos-tronco, nos quais os alunos tinham uma formação básica e na sequência estudavam as matérias específicas. Brasília tinha apenas dois anos quando ganhou a sua universidade federal. Seus criadores desejavam unir o que havia de mais moderno em pesquisas tecnológicas com uma produção acadêmica capaz de melhorar a realidade brasileira. Porém, a história da UnB começa a se misturar com a situação política do Brasil nos anos 1960, quando, antes do golpe, a instituição já era tida por setores conservadores com um foco do pensamento esquerdista. O historiador e professor da Universidade de Brasília, Daniel Faria, conta que mesmo com o projeto inicial de fazer da UnB uma universidade democrática, o plano não foi adiante por conta da ditadura que o Brasil passou na década de 1960. “Existia um projeto com uma boa intenção, democratizar a universidade, e hoje, mesmo 50 anos depois do golpe, vivemos a herança da ditadura, temos histórias de professores e alunos que fizeram valer e lutaram para que o conceito de inovação

não se perdesse”. Fartos do clima de instabiliNove dias após os militares as- dade que se instalou, houve reasumirem o poder político, a UnB ção. E 223 dos 305 professores da foi invadida por tropas do exérci- instituição demitiram-se logo em to. Ocorreu invasão nas salas de seguida. Marco Antônio Rodriaula, a biblioteca ficou interditada gues Dias, ex-professor da univere cada vez mais a universidade era sidade, contou que com a crise e vista como foco de resistência. O a baixa qualidade, a UnB teve que movimento estudantil, liderado improvisar professores e contratar por Honestino Guimarães, repre- ex-alunos sem experiência profissentava o centro da luta contra a sional em pedagogia, e outros sem ditadura, já que a universidade qualificação para se manter. Com estava sem sindicatos trabalhistas isso, os estudantes tiveram motiestruturados. vo para se manifestar. Na época, Com grandes nomes no con- houve pessoas em Brasília apoiantrole, a UnB se encondo o fechatrava muito próxima mento da “Pela universidade ser ao poder militar, o que instituição, em Brasília, acaba sendo o que prode certo modo tornou a instituição uma das vocou a muito sensível ao que mais atingidas pela diocorre no governo federal. reação de tadura que se instauórgãos de Hoje em dia é assim.” rou após o golpe de segurança e 1964, levando profesdo ministro MARCO ANTÔNIO sores e universitários das relações Ex-professor a serem perseguidos exteriores. e acusados de subverMarsivos. Daniel Faria relata que no co Antônio disse que pessoas ano seguinte, a universidade en- influentes dentro do governo trou em um ciclo de decadência, queriam uma universidade de “Com professores demitidos sob qualidade, e para isso devia-se alegação de serem os responsáveis contratar professores qualificapelo ‘ambiente de perturbação’, dos. dando a eles uma garantia a universidade passou por uma de que teriam liberdade de ação. grande crise”. Neste ponto, o his- “Não se falou nisso, mas o limite toriador se refere aos 15 professo- era que os professores não se opures demitidos em 1965 pelo então sessem à ordem constituída, que reitor Zeferino Vaz, que justificou não participassem de ações que o as demissões como sendo uma governo considerava subversivas.” “medida disciplinar”. Com a liberdade de ação, os pro-

fessores tinham uma liberdade relativa, mas não um controle direto e imediato. A partir do acordo, era visível professores da área de economia, ciências sociais e comunicação que tinham posições políticas e um histórico contrário ao governo da época atuando em sala de aula. O ex-professor contou que o estudante de comunicação da UnB, na época, poderia ter uma visão crítica do que ocorria dentro do departamento, mas havia limites. Quando algo saía do combinado, era como se houvesse uma confusão. Disse ainda que as crises não foram gerais, mas localizadas nos departamentos de música, desenho, arte e na faculdade de medicina. Em 1976 as contradições do governo militar começaram a se fortalecer. Marco Antônio comenta que pela universidade ser em Brasília, acaba sendo muito sensível ao que ocorre no governo federal. “Hoje em dia é assim, mas na época do regime militar era muito mais”. Segundo ele, quando o ex-presidente Ernesto Geisel assumiu o poder em 1974, anunciou medidas para promover a distensão entre a necessidade de eliminar a censura e outras medidas para criar um novo clima político no país, “o que causou mal-estar já que quando o regime ditatorial quer se reformar, as contradições aparecem.”


sília

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

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gelmeier | Edição de Miriã Mews

Acordo manteve a ordem na instituição A Universidade de Brasília passou por períodos delicados durante o regime militar por conta da sucessão de reitores e do conservadorismo que persistia, algo que só terminou no início da década de 1980, com a nomeação do então professor Cristovam Buarque, eleito pela comunidade universitária para assumir a reitoria. De acordo com o ex-professor e vice-reitor da UnB nos 1970, Marco Antônio Rodrigues Dias, a dinâmica adotada pela universidade nas suas três fases históricas era distinta. “O clima da universidade na época em que fui membro do gabinete era o mesmo desde a sua fundação: uma universidade que ajudaria a construir os rumos da sociedade. A maioria dos que buscavam a UnB sabiam que estava sendo construído um projeto novo de educação”, afirma. Porém, em 1968, um novo elemento passou a atuar no cenário administrativo da universidade, fazendo com que a repressão passasse a funcionar de uma maneira mais estruturada em termos de organização e ideologia. Era a chamada Doutrina de Segurança Nacional. “Essa doutrina foi originada nos EUA e sua aplicação no Brasil teve influência francesa muito grande por conta dos militares franceses da Guerra da Argélia, que desenvolveram teorias para o Estado se manter, e para aqueles que detêm o poder se manterem no Estado. É pre-

ciso identificar os inimigos previamente e combatê-los, como no caso de Brasília, Honestino Guimarães, líder do movimento estudantil, foi identificado e liquidado imediatamente”, explica o professor. Um ponto que Marco Antônio destaca em seu livro “UnB e Comunicação nos Anos 1970” é o denominado ‘Acordo Tácito’, que segundo ele, vigorou na UnB entre 1969 e 1976. Ele explica

“Quanto mais violência havia, mais a juventude estudantial agia no sentido de se opor” MARCO ANTÔNIO DIAS Ex-professor

que o acordo permitia aos professores a liberdade de expressão, a qual avalia como “difícil de ser compreendida pelos que analisavam o movimento militar”. Tal acordo determinava ainda que os professores deveriam recusar-se a participar de movimentos considerados revolucionários pelos militares. No início dos anos 1970, os professores da UnB passaram a ter os salários mais elevados do país, contratações se multiplicaram, a pesquisa foi estimulada e um plano ambicioso de pós-graduação foi lançado. “No entanto, em 1976, a situação política no

país se complicou. Responsáveis pela gestão da Universidade era identificados com grupos radicais do regime, e, a partir daí, o Acordo Tácito deixou de existir. Expulsões arbitrárias de estudantes se multiplicaram e professores que se opunham a estas medidas eram levados à renúncia ou ao desespero”, relata o professor. Em maio de 1976, as maiores reivindicações eram para a melhoria do ensino, professores mais qualificados e contra a censura. À medida que a repressão foi atuando, o movimento radicalizou e passou a ser contra o governo, que adotou medidas com intuito de neutralizar o movimento estudantil, o que na verdade fomentou ainda mais manifestantes. “Quanto mais violência havia, mais a juventude estudantil agia no sentido de se opor, mesmo que inicialmente muitos não fossem contra o regime, mas passaram a atuar contra”, conclui Marco Antônio. Um novo período de obscurantismo total começou a funcionar e durou praticamente dez anos. Um dos impactos indiretos foi a eliminação, na segunda parte dos anos 1970, da presença do curso de comunicação da UnB na definição de políticas nacionais de Comunicação. Veja mais fotos de Brasília e o podcast da entrevista com Marco Antônio Dias no site www.primeirapauta.jor.br

ARQUIVO PESSOAL

Marco Antônio Dias falou direito de París sobre o acordo tácito e a Doutrina de Segurança Nacional ARQUIVO CEDOC

Militares invadem a Universidade de Brasília durante repressão na década de 1970

Sociólogo avalia o curso de comunicação na UnB MAYARA HOFFMANN

O jornalista, sociólogo e professor aposentado da Universidade de Brasília, Venício Artur de Lima, conta que uma das dificuldades de falar sobre a UnB em relação ao governo da época do golpe militar se dá, principalmente, pelo clima de incerteza que havia se instalado. “Quando cheguei na UnB, no segundo semestre de 1970, a universidade já tinha passado por duas crises. Eu entrei na universidade num período em que havia um esforço deliberado por parte da instituição de tentar reconstruir certas áreas. Porque naquela época não havia independência política. Era um governo nomeado. Era um governo militar.” Convidado pelo então professor e vice-reitor da UnB na década de 70, Marco Antônio Rodrigues Dias, para fazer parte do corpo docente da instituição, Venício integrou a equipe num momen-

to em que se tentava recompor a muita fantasia em torno da Faculárea de comunicação. Após duas dade de Comunicação Pompeu crises radicais, uma primeira que de Sousa, já que ela nunca existiu. desmontou inteiramente a uniPompeu de Sousa foi secreversidade com a saída de boa parte tário de imprensa do primeirodo grupo original de professores ministro Tancredo Neves e cone num certo vidado por Darcy sentido, o Ribeiro para “Porque naquela época seu projeto; e ajudar na criação uma segunda não havia independência da Faculdade de que ainda é Comunicação da politica. Era um governo consequênnomeado. Era um governo Universidade de cia da primeiBrasilia, da qual militar” ra, existia um seria professor. clima. Com a instauraVENÍCIO DE LIMA O proção da ditadura, Sociólogo fessor lembra foi demitido. “Eu da atmosfera vim numa época que predominava na instituição em que não existia a Faculdade era de medo, incertezas e dificul- de Comunicação, era um depardades. “Havia um esforço muito tamento ligado à antiga faculdagrande da instituição e muito par- de de Estudos Sociais Aplicados. ticularmente do professor Marco Então fui convidado pelo chefe Antônio, que contava com apoio de departamento, que tinha o da universidade para restaurar a apoio da reitoria, para reconstruir área de comunicação”, conta. Há a área”, destaca o professor.

Venício Artur de Lima, sociólogo e professor aposentado da UnB relata a situação da época


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Presos Políticos

Joinville - Março de 2014 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Bruna Cardoso | Edição de Gabrielle Dias Figueiredo

Joinvilense lembra prisões que sofreu

Depoimento de Edgar Schatzmann, que chegou a ser preso por ter livro com capa vermelha, aponta marcas físicas e psicológicas deixadas pelo regime

divulgação/ditadura reservada

Eluana Mello eluana_mello@hotmail.com

Aos 23 anos, Edgar recebeu o convite para estudar na União Soviética. Deixou o emprego de bancário e permaneceu por dois Ainda hoje, Edgar descreve com anos sendo preparado em uma escarinho o livro de que mais gostava pécie de pré-vestibular para então quando jovem. Por de trás dos ócu- participar do partido comunista. los redondos, os olhos flamejantes e Em 1966, dois anos depois em que orgulhosos revelam uma paixão en- o regime militar havia se instalaquanto declama um trecho da obra do no Brasil, voltou ao país como de Cervantes, envolvida por uma clandestino e para se proteger foi capa vermelha em tom de vinho estudar em Curitiba, local de sua com textura em camurça, que prote- primeira prisão, em 1967. gia a história de um cavaleiro cômico Assim como Dom Quixote, e alegre. O clássico Dom Quixote de que tinha como inspiração a amaLa Mancha era uma das obras que da Dulcinéia del Toboso, a hisEdgar Schatzmann guardava junto tória de Edgar se completa com às lembranças que trouxera da Rús- a de Lúcia. Após o casamento, sia, do período em que esteve na ex- os dois começaram a enfrentar tinta União Soviética (URSS), e que juntos a ditadura. Em solenidaserviu para incriminá-lo em uma das de na Câmara de Vereadores de vezes em que foi preso pelos milita- Joinville, no último 11 de março, res durante a ditadura. o Centro de Direitos Humanos Guerreiro e sonhador, o per- Maria da Graça Brás realizou um sonagem do espanhol Miguel de evento em memória aos 50 anos Cervantes, de certo modo, se pa- do Golpe Militar, no que também recia com o cavaleiro da vida real, comemorava o 35 anos de fundamas esse último, ao invés da arma- ção. Emocionando as autoridades dura velha e do políticas e o público cavalo Rocinante, presente, Lúcia leu munia-se de ideouma carta em agralogia. Não lutava decimento a todos RELEMBRA contra os cavaleique os ajudaram de ros medievais e alguma forma nos Eu chegava na grandes moinhos, momentos difíceis biblioteca e dizia: mas contra uma de perseguição e eu quero um livro ditadura sufocannarrou cada detalhe sobre comunismo te e contra grandes da segunda prisão e as meninas que muros de represde Edgar, em 1971. trabalhavam lá me são. Edgar Shatz​ O casal volta olhavam assustadas mann, 74 anos, foi de bicicleta da feium dos 70 presos ra, quando Lúcia políticos em Joinpercebe que estão ville durante o regime ditatorial, sendo seguidos. Entendendo que entre 1964 e 1985, segundo levan- seria preso, Edgar propõe à Lúcia tamento realizado pelo historiador que vá para casa, enquanto ele joinvilense Maikon Jean Duarte. acompanha os militares. Lúcia ​A trajetória política de Schat- recusa e os dois vão juntos para zmann começou aos 14 anos, na a antiga delegacia, situada na rua época em que ia à biblioteca de Itajaí, onde hoje é o Sindicato dos Joinville assiduamente para ler Bancários de Joinville. Em uma sobre comunismo. “Eu chegava sala sem janelas, o casal passa o na biblioteca e dizia: eu quero dia abraçado, falando apenas por um livro sobre comunismo e as meio de gestos. meninas que trabalhavam lá,me À noite, Lúcia é solta, mas Edolhavam assustadas”, relembra o gar permanece na delegacia até ser aposentado. Já visto como revo- enviado a Florianópolis, e depois lucionário e intitulado comunis- para Curitiba. Neste período, ta, ainda na adolescência teve a Lúcia perde o contato de Edgar primeira conquista social. Edgar e o procura por todos os cantos e os demais colegas do movimen- das três cidades, o que incomoda to estudantil foram responsáveis profundamente os militares. “Se pela criação da primeira escola você não parar de ir atrás do seu pública da cidade voltada para o marido subversivo, vamos dar ensino médio, a Escola Estadual cabo de você”, lembra de uma das Governador Celso Ramos, fun- ameaças que sofreu de um comandada pelo então governador de dante, em uma das vezes que foi mesmo nome. procurar por Edgar.

Edgar Schatzmann, em sua casa, em frente a estante de livros durante a gravação do documentário Ditadura Reservada, em 2010

Relatos de uma ditadura reservada A história de cumplicidade de Edgar e Lúcia chamou a atenção da jornalista Sabrina Elisa Souza e do repórter fotográfico Fabrício Porto, que idealizaram a produção de um curta-metragem para registrar alguns dos relatos do casal Shatzmann. “Estávamos conversando sobre a história do seu Edgar e da dona Lúcia e a ideia era fazer um curta-metragem contando a história dos dois inseridos no contexto de 1964, falando das prisões do senhor Edgar”, conta Fabrício. O projeto acabou ganhando maiores proporções quando pensaram em gravar um documen-

tário a partir das histórias dos presos políticos de Joinville sendo costurado pela história do casal. O registro destas histórias chama-se Ditadura Reservada, gravado em 2010. O documentário foi aprovado no mecenato e é fruto de uma parceria com os historiadores Maikon Jean Duarte e Bruno Silva, que auxiliaram na localização e nas entrevistas dos presos políticos de Joinville. O roteiro perpassa pela história de Edgar e Lúcia e é intercalado com os depoimentos de jornalistas e políticos da época, além de Júlio Serpa, Rosemaire Bittencourt e Osni Rocha, tam-

bém presos políticos durante o período do regime militar, que relatam as perseguições e torturas sofridas nas prisões. Os relatos mostram que os militares de Joinville mantinham-se vigilantes a fim de manter a ordem na maior cidade do Estado, reprimindo qualquer atividade que pudesse parecer suspeita. Por isso, as reuniões dos que eram contrários ao regime militar e dos militantes do Partido Comunista do Brasil, considerado ilegal desde 1946, costumavam acontecer em festas de primeira comunhão, aniversários, casamentos e até em piqueniques. divulgação/ditadura reservada

Lúcia Schatzmann, na varanda de casa durante a gravação do documentário Ditadura Reservada, relembra momentos que viveu na ditadura


Presos Políticos

Joinville - Março 2014 PRIMEIRA PAUTA

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Diagramação de Bruna Cardoso | Edição de Gabrielle Dias Figueiredo

uPesquisa levanta número de presos em Joinville ARQUIVO PESSOAL

O levantamento do número- ditadura militar em Joinville sem de presos políticos em Joinville levar em conta o desenvolvimene região, dos respectivos nomes to socioeconômico, e principale contatos começou em 2008 mente o industrial, durante a com o historiador Maikon Jean década de 70 na cidade. Duarte em conjunto com duas Maikon também contribui colegas do curso de história. Sua com a Comissão Estadual da origem se deu a partir de um tra- Verdade Paul Stuart Wright, balho proposto para consolidar criada há um ano, e tem apurado um ciclo de palestras no Centro os dados e os nomes de todos os de Direitos Humanos (CDH), presos políticos de Joinville e reao qual Maikon é filiado desde gião, que contabilizam 70 pesso2003, e a partir as. O que tordas pesquisas o número “Falamos do golpe militar e na surgiram palesainda mais esquecemos que este golpe expressivo é tras para escolas não foi só militar. Ele teve o a Operação públicas e privadas e movimenapoio civil, de setores da Igreja Barriga Vertos sociais, além de, de 1975. e do empresariado, que é de formação muito evidente em Joinville A ação mopara professores bilizou toda MAIKON JEAN DUARTE sobre a ditadura a força miliHistoriador militar em Jointar de Santa ville. Catarina e “Falamos do golpe militar e prendeu diversas pessoas ligadas esquecemos que esse golpe não ao Partido Comunista do Brasil. foi só militar, ele teve apoio civil, Estima-se que, em todo o Estado, de setores da Igreja e do empre- foram 46 presos. O registro faz sariado, que é muito evidente em parte da série de reportagens do Joinville”, acentua o historiador. jornalista Celso Martins, comPara ele, os aparatos de promo- piladas e publicadas no livro Os ção foram militares, mas o apoio Quatro Cantos do Sol-Operação foi civil, principalmente,dos Barriga Verde. O joinvilense Edgrandes empresários que tiveram gar Schatzmann foi preso pela uma expansão de negócio exorbi- terceira vez, durante a operação. tante na época, como a Fundição A prisão do dia 5 de dezemTupy, citada como exemplo nos bro de 1975 foi a última de Edgar. trabalhos de pesquisa de Mai- Das torturas, lembra de quando kon. Segundo o historiador, não colocavam embaixo da unha dos se pode considerar o período da presos um fio de aço para fazê-los

sentirem dor, cuspindo insformações sobre o Partido Comunista. A comida era estragada ou excessivamente salgada, a qual o faminto comia sem avaliar sabor, depois sem água para beber, se via obrigado a matar a sede com a água da privada. Edgar contribui ucom a Comissão Estadual da Verdade e relatou as tortura sofridas, assim como Júlio Serpa, também preso político Joinvilense, ligado ao Partido Comunista na época. Em Joinville, Lúcia Schatzmann se unia às esposas dos demais presos políticos que já estavam em Florianópolis. Edgar conta que o prefeito em exercício na época, Pedro Ivo Campos, convocou todas as mulheres para uma reunião, onde anunciou que a Prefeitura daria, mensalmente, uma cesta básica para cada esposa, além de disponibilizar uma Kombi para levá-las semanalmente ao DOI- Codi, localizado na ilha , em Canasvieiras, onde estavam presos. Em uma das visitas, Lúcia, acompanhada de Zilma Serpa, esposa de Júlio Serpa, conta que após a chegada na capital, foram lançadas dentro de um camburão com destino à prisão onde estavam os maridos. O veículo era dirigido em alta velocidade e arremessava as duas contra as paredes do carro. Zilma estava grávida na época e por sorte não sofreu nenhuma lesão.

Caso do deputado Rubens Paiva Um dos casos mais emble- rou só ter assumido a culpa por de convivência”, de onde consemáticos do Regime Militar foi o pena da família de Paiva, que há guiam arrancar informações dos desaparecimento e assassinato do anos esperava por notícias do de- torturados, além de induzi-los a deputado e engenheiro civil, Ru- putado. traírem os grupos aos quais perbens Paiva, crime confirmado 40 “Eu só disse que fui eu porque tenciam, trabalhando infiltrados anos depois pela Comissão Na- eu acho uma história muito triste para os militares. Malhães falou cional da Verdade. quando a família diz que leva 38 ainda das sanções que seus famiEm primeianos querendo saber liares passaram a sofrer logo após ro depoimento o paradeiro do cor- as declarações à Comissão. à comissão, o po. JUSTIFICA coronel Paulo Não sou sentiMalhães, primental, não. (Falei) DIVULGAÇÃO Eu só disse que fui eu meiramente, para não começar porque eu acho uma confessou ter se uma guerra para sahistória muito triste... desfeito do Corber onde estava o po do deputado corpo”, justificou o entre 20 e 22 de coronel. janeiro de 1971. Em depoimento Pressionado, com duração de 2 Malhães revelou horas e 11 minutos, detalhes sobre como enterrou o Malhães explicou o funcionacorpo de Paiva e o lançou ao mar. mento da Casa da Morte, centro Em depoimento no dia 25 de de tortura clandestino situado em março, uma semana depois do Petrópolis e utilizado pelos miliprimeiro relato, Malhães negou tares nos anos 1970 que, para ele ter participado do crime e decla- funcionava apenas “como centro Rubens Paiva foi assassinado em janeiro de 1971

Maikon Jean Duarte iniciou levantamento de dados sobre a ditadura militar em Joinville em 2008

Em 1978, Edgar foi solto, visivelmente debilitado pela repressão, mas ainda com vontade de viver, pois a vida lhe presenteava com a chegada da segunda filha, Graciela. Após a abertura política e legalização do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), Edgar, Lúcia e as duas filhas começaram a militar no Partido em Joinville, e Edgar ocupava o posto de presidente, mas aos poucos o entusiasmo esmaeceu à medida que as pessoas mostravamse simpatizantes e não se filiavam a

partido, situaçãocontrária a esperada por Edgar. Três prisões que totalizam três anos e meio. Hoje, o aposentado, amante da liberdade, não enxerga o socialismo nem o capitalismo como solução para os problemas sociais, mas acredita que a junção das duas ideologias podem se completar. “O capitalismo é muito bom em produzir riquezas e o socialismo também é muito bom para distribuí-las, então, acho que os dois, juntos, podem ser a solução.”

A ditadura na região Vítimas de alguma violação dos direitos humanos de 1946 a 1988 530 em Santa Catarina Número de perseguidos na região durante a ditadura 32 em Joinville 23 em São Francisco do Sul 2 em Araquari 1 em Jaraguá do Sul Número de presos em 1964 12 em Joinville * Dados concedidos pelo historiador Maikon Jean Duarte e pela Comissão Estadual da Verdade


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Imprensa

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Ana Paula Ponick | Edição de Jean Patrick da Silva Jean Patrick da silva

Imprensa em Joinville foi obediente Único jornal que resistiu teve diretor, colunista e jornalista detidos. Todos foram levados para Florianópolis, interrogados e liberados horas depois Marcos Pereira marcos.aurelio.pereira@hotmail.com

A

reportagem que você começou ler agora nasceu de uma reunião de pauta. Foi previamente discutida antes de ser executada. Já no primeiro encontro do semestre ficou acertado quem seria o repórter, o fotógrafo e principalmente o foco da matéria. Precisou ser planejada para oferecer ao leitor um material completo e atraente. A rotina de qualquer jornal, impresso ou não, pequeno ou grande requer a reunião de pauta

– termo usado para aquele momento em que jornalistas e editores, mesmo na correria do dia a dia, definem os próximos assuntos que estarão nos jornais. No jornal Extra não era diferente. Na redação, que funcionava na rua Otto Boehm, centro, estavam o editor Adelmo Mueller, o colunista Germano Jacob e o jornalista Ronaldo Cavanake. A reunião de pauta iria começar. Os três estavam no corredor do jornal. Sem que a discussão sobre qualquer tema ao menos iniciasse, o local foi invadido por militares. Adelmo Mueller, que atualmente Marcos Pereira

Adelmo Muller, preso em 1980 dentro do Jornal Extra, se emociona ao falar sobre o regime

mora em São Francisco do Sul, se emociona ao lembrar o que passou naquela tarde de segunda feira, do mês de março, de 1980. “Agarraram-me e disseram: você vai dar uma volta. Olhei para o Germano, para o Cavanake... nos colocaram no camburão e nos levaram para Florianópolis”, recorda. Na capital catarinense começou o interrogatório. Os militares queriam saber quem escreveu a crônica “Entre a cruz e a espada”, que revelaria os mandantes da explosão no Rio Centro, em 1974. Antes de se mudar para Joinville, Mueller trabalhou no Rio de Janeiro como jornalista na década de 70. “Eu tinha certeza que eles (generais Newton Cruz e Otávio Medeiros) mandaram explodir a bomba. Eu estava no episódio”, conta Mueller. O jornalista e radialista José Eli Francisco testemunhou as prisões e transmitiu o episódio pela rádio Cultura AM. Segundo ele, “o Jornal ‘Extra’ diário foi a maior resistência, mesmo após o golpe e, em razão disso, entraram lá e o que viram na frente foram prendendo. Saíram algemados”, diz Chico, como é conhecido nos meios de comunicação.

Horas depois, todos do Extra já estavam soltos. Foi apenas uma detenção, como o próprio Adelmo Mueller se referiu, durante a entrevista, entre um cigarro e outro sentado à sua varanda de uma casa simples. De fato, este foi o único registro de perseguição a integrantes da imprensa em Joinville. Segundo o jornalista e historiador Apolinário Ternes, que passou pelos jornais Extra e AN, a cobertura nesse período final da ditadura, no final de 1970 e começo da década de 80, foi normal. “Foi tranquila. Até porque o fato nacional não era o forte. Naquele momento era menor”. No Jornal A Notícia, o principal da cidade, apenas um repórter cuidava da editoria de Geral. Os fatos que aconteciam em Joinville ocupavam meia página de AN, que tinha o formato gráfico standard. Era uma cobertura limitada pelas condições atuais, como a dificuldade em contratar mais profissionais. Mesmo com pouco espaço a censura tratou de vigiar o conteúdo apurado e publicado pelos jornais. Ternes lembra que um oficial do batalhão ligava para as redações. “Ele dizia: tal assunto

não merece publicação. Não publique nada, vão se incomodar.” Três emissoras de rádio estavam em funcionamento quando eclodiu o golpe, em 31 de março de 1964. A Difusora AM, inaugurada em 1941, a Colon AM, em 1957 e a Cultura AM, em 1959. José Eli Francisco, que era repórter e apresentador, afirma que pior que a censura era a autocensura. “Tive medo de divulgar certas notícias, mesmo sendo liberadas. Poderia vir liberada, como uma arma para te pegar e descobrir se tu eras contra ou a favor do governo”, afirma. Além dos jornalistas, os veículos de comunicação também sabiam que não podiam desobedecer às ordens militares sob pena de sofrer as consequências. Para Apolinário Ternes, não houve censura direta, apenas a telefônica. “Como a imprensa de uma forma geral era obediente, não havia motivo para alguém sair contra a revolução (termo usado pelos militares e imprensa da época). E as matérias políticas (previamente censuradas) nada tinham a ver com os fatos locais. Esta foi a censura que existiu em Joinville”, de acordo com o jornalista e historiador Apolinário Ternes.


Imprensa

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Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Ana Paula Ponick | Edição de Jean Patrick da Silva

Foto s de Jean patri ck da

Manchetes eram de aprovação logo após o golpe

silva

Em poucos minutos no arquivo histórico de Joinville observando os jornais da cidade na época do golpe, é possível perceber que as manchetes e textos colocam o ato do dia 31 de março de 1964 e os próximos passos do governo militar como algo de positivo. O jornal mais próximo dessa data é o A Notícia de 5 de abril de 1964. Uma das manchetes desse dia era: “Comunistas chineses tinham plano para matar Lacerda”, afirmando que o comunismo estava presente no país. Também foi publicada nessa edição uma carta aberta do prefeito joinvilense Helmut Fallgatter, agradecendo aos militares. No mesmo o dia, a questão do comunismo foi destaque em mais uma reportagem. A manchete era a seguinte: “Luta de todas as frentes pela erradicação total do comunismo”. Exatos 20 dias depois, o jornal publicou a manchete: “Somos brasileiros e queremos um Brasil para nós, brasileiros”. Essa era uma frase dita pelo Coronel do 13º BC no discurso de agradecimento ao povo de Joinville pela participação na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. O prefeito Helmut Fallgatter também teve sua carta de agradecimento publicada na mesma edição. Dois meses depois, no dia 26 de junho de 1964, a recuperação da economia do país era destaque no jornal. A mesma linha editorial continuou no ano seguinte. No aniversário de um ano do golpe militar, o Jornal de Joinville publicou uma matéria com a manchete de uma fala do presidente Castelo Branco. “Devemos encarar a revolução como um ideal de tranquilidade, de progresso e realizações”. A pouca resistência por parte dos jornais estava nítida. Um dos jornais que tentavam andar à margem deste contexto foi o “Extra”, só que veiculado alguns anos mais tarde. Na edição de janeiro de 1980, já bem ao fim da ditatura e no começo da abertura política promovido pelo último presidente militar, João Batista Figueiredo, a manchete do “ Extra” era: “O regime não quer eleições”, com forte engajamento político. Em 1981, uma página de opinião falava sobre a crise no governo militar. Durante o regime, e principalmente no início, os jornais de Joinville comungavam do mesmo pensamento que a ditadura pregava. Pelo menos é o que essas manchetes nos falam.

Vladimir Herzog: suposto suicídio Falar do golpe e não citar o mistério envolvendo o jornalista Vladimir Herzog é o mesmo que contar uma história incompleta. Com apenas 38 anos de idade, casado e pai de dois filhos, o diretor de jornalismo da TV Cultura foi encontrado morto nas dependências do 2º Exército, em São Paulo. O jornalista foi preso por oficiais do regime militar em 25 de outubro de 1975. Na época, o comando do Departamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), chegou a divulgar que o jornalista teria se enforcado. Os movimentos sociais contra o ditadura discordaram da versão apresentada pelo Exército e iniciaram vários movimentos. Um deles foi a realização de uma missa ecumênica, uma semana após a morte de Herzog, que reuniu mais de oito mil brasileiros. Todos pediam uma investigação mais apurada sobre o caso. Em 1978, a família ganhou uma indenização do governo, que foi responsabilizado pelas torturas que levaram à morte do jornalista. O caso ficou na história, porque foi o primeiro processo com ganho de causa, de uma série movida por parentes das vítimas do regime militar contra o Estado. Vladimir Herzog era apaixonado pelo jornalismo e cinema. Queria fazer um filme sobre Canudos. O projeto sairia do papel no ano de sua morte. A repressão silenciou um jornalista e calou uma produção cinematográfica.

Jornalista agredido em público Depois das prisões no jornal Extra, outro incidente mobilizou a imprensa, policiais militares e até o então governador do estado, Colombo Salles. Em 1972, Apolinário Ternes, que ainda trabalhava no Jornal A Notícia, foi preso por publicar uma nota, em 19 de novembro, envolvendo um soldado da Polícia Militar. O jornalista conta que foi perseguido e humilhado. “Fui preso pela PM e espancado na rua. O próprio comando mandou que um soldado me perseguisse e me batesse. Fui espancado fortemente. Sofri uma severa surra”. A nota publicada na editoria de Polícia informava que um soldado, já condenado pelo roubo de uma lambreta, ainda estava

exercendo a profissão. O acusado de cometer o crime montou uma campana para agredir o profissional, que foi surpreendido nas imediações do próprio quartel da corporação. O fato teria demonstrado como era o tratamento das autoridades militares com a imprensa na época. Pra Apolinário Ternes, o ocorrido nada tem a ver com a ditadura. “Tem a ver apenas com a arrogância e a prepotência com que as forças militares, inclusive das polícias civil e militar tratavam a imprensa, mesmo quando o assunto não estava vinculado à política. Eles entendiam que jornalistas podiam ser espancados e que nós tínhamos que ter medo deles”. O policial acusado de agredir o

jornalista foi preso e expulso após intervenção do governador, que pediu urgência nas investigações sobre o caso. Salmo Duarte / Agência rbs

Apolinário Ternes, jornalista espancado por soldado próximo ao quartel da PM


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Região

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Nicole Eichenberg | Edição de Jean Patrick da Silva

Exército recebeu apoio de empresas PÂMELA RITZMANN

13º Batalhão de Caçadores de Joinville foi peça fundamental no golpe e durante o regime, aliando-se com o governo e com empresas locais Adolfo Bonucci albonucci@gmail.com

T

udo começa no dia 1º de abril, conhecido popularmente com o Dia da Mentira. Não era uma farsa, não era uma estória, não era uma ilusão, muito menos um sonho. Era a data escolhida pelos militares para implantar no país uma máscara de ferro blindando os olhos, atar os pés e as mãos; foi o dia escolhido para o nascimento de uma ditadura, nomeado por eles de revolução. O presidente João Goulart foi derrubado pelo Exército. O golpe teve o apoio de políticos importantes, como José de Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, governador do antigo estado da Guanabara. Em Joinville, o antigo 13º Batalhão de Caçadores apoiou o movimento militar e político responsável pela renúncia do presidente João Goulart. O apoio do golpe de 64 e ao regime militar foi dado pelas elites sociais da cidade e por diversas instituições públicas e privadas, muitas das quais existem até hoje, o que torna o assunto muito embaraçoso. O comando desta guarnição recebeu diversos telegramas de apoio, assinados por autoridades públicas e instituições privadas. Durante os primeiros dias após o golpe, efetivos do 13º BC foram enviados para proteger lugares estratégicos, como estações de força e saídas da cidade. “Paralelamente, trataram de iniciar uma ‘campanha de esclarecimento’ público sobre o golpe e, naturalmente, recolheram em seu ‘xadrez’ diversas pessoas acusadas de ser comunistas”, explica o professor e pesquisador Wilson de Oliveira Neto. “Os militares ligados ao 13ºBC/62º BI representaram em nível local a principal Arma responsável pela condução do Regime Militar no Brasil: o Exército. Em consequência, desempenharam diversas funções junto à sociedade joinvilense do período.” Oliveira acredita que parte desta mesma sociedade apoiou o regime e se identificava com os discursos e as práticas dos mili-

tares do Batalhão. Em Joinville, a resistência ao Regime Militar ocorreu através da política institucional, via MDB (Movimento Democrático Brasileiro), do movimento estudantil, através dos alunos secundaristas e da antiga FURJ (Fundação de Apoio à Universidade do Rio de Janeiro), e do Partido Comunista, a partir da ilegalidade, que deu vazão às violências cometidas contra eles, durante a Operação Barriga Verde. “A resistência ao Regime Militar em Joinville é um tema instigante, porém pouco abordado”, revela. Oliveira afirmou que durante os meses iniciais do Regime Militar, foram presas diversas pessoas. “Elas foram ‘recolhidas ao xadrez’ do 13º BC, conforme foi registrado na documentação Wilson de Oliveira Neto, mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade, afirma que parte da cidade joinvilense se identificou com discurso do regime produzida pelo próprio batalhão. Pelo que pude constatar, foram mais de trinta pessoas oriundas de outras cidades da reOs militares vigiavam forte- lhaços”, os personagens circenses to do Brasil, as peças passavam gião além de Joinville.” Segundo o pesquisador, na época, o 13‘ mente as ações de civis. A cen- estão em situações cotidianas. por análise de uma comissão BC funcionou como uma espé- sura da cultura e arte foram uma São políticos, religiosos e comu- militar”, explica.O professor cie de local de passagem, pois das ações mais notórias nessa nistas e até parte da plateia es- e produtor cultural Cristovão seus presos eram levados a Flo- época de ferro. A jornalista Tu- tão com os tradicionais narizes Petry disse que a peça não foi rianópolis, onde há uma grande ane Roldão dá voz aos persona- vermelhos, tendo muitas vezes enviada para Brasília, mas sopossibilidade de existência de gens que sofreram e vivenciaram seus discursos abafados ou res- freu a censura de qualquer maInquéritos Policiais-Militares. o período do regime em Joinvil- pondidos em tom de sarcasmo e neira. “Se fosse publicada com certeza seria barrada. Todos os Várias pessoas conhecidas na le em seu livro Acanhado. “A personagens da peça são denocidade foram presas sob a acu- forma como a ditadura e/ou o “A forma como a ditadura minados de palhaços. O públisação de serem comunistas. Para teatro marcou a vida dessas pese/ou o teatro marcou a co também é chamado de pao professor Oliveira, autor do soas ficou muito evidente em lhaço”, explica. “Um treco diz livro “O Exército e a cidade”, nossas conversas, e passar esse vida dessas pessoas ficou juntamente com as historiadoras sentimento pelo meu texto foi muito evidente em nossas que estamos dando início a um espetáculo, cuja finalidade é diSandra Guedes e Marília Gervasi um dos principais desafios que conversas, e passar esse vertir, sem fazer rir, dizer a verOlska, não dá para compreender enfrentei”, revela. A sua maior sentimento pelo meu dade, sem fazer chorar, chamar a história política brasileira sem descoberta foi a peça “Os patexto foi um dos principais as coisas pelo seu verdadeiro compreender a atuação do exér- lhaços”, mas não era uma peça desafios que enfrentei” desconhecida do público joinnome, sem ofender e sem criar cito durante o período. problemas para ninguém e nem “O Exército brasileiro, atra- vilense. “Mesmo que o grupo TUANE ROLDÃO Jornalista para nós.” vés do batalhão, teve ligações fosse amador, o espetáculo teve Petry é coordenador e direcom as grandes empresas locais, uma divulgação surpreendente em particular a Fundição Tupy, nos jornais da época. E foi cen- deboche. Antes mesmo de levar tor do grupo de teatro Abismo. seu texto ao palco da Harmonia Ele criou uma releitura da peça fato público e notório. Hans surado.” Tuane escolheu dedicar um Lyra, Deretti foi aconselhado a “Os Palhaços”. A peça já passou Dieter Schmidt apoiou o Golpe de 64 e, na ocasião, reuniu capítulo inteiro a obra Os Palha- suspender as apresentações para por seis cidades do estado. Em os funcionários da fundição e ços, escrita por Miraci Dereti, evitar problemas com o governo 2008, com recursos do Simdec proferiu um eloquente discurso justamente por abordar a censu- militar. Foram feitas duas ten- (Sistema Municipal de Desencelebrando a rebelião contra o ra, a repressão. Mas havia outras tativas de apresentações: uma volvimento Pela Cultura), Crispresidente Goulart”, diz Oliveira. produções na cidade durante a em agosto de 1968 e outra em tóvão publicou o texto, que até Ao longo do regime militar, diver- ditadura, especialmente nos dez outubro do mesmo ano. “A cen- então tinha uma única cópia sas figuras importante visitaram as últimos anos. “É importante que sura do Miraci foi ‘de boca’, mais mimeógrafa, em mau estado de dependências da Fundição Tupy, as pessoas saibam que houve re- branda. O delegado era amigo conservação. Conforme Petry, como por exemplo o então presi- sistência em Joinville. Essa fama dele, e ligou dizendo para não o livro publicado fala sobre a dente Castelo Branco, em 1966, de cidade pacata e ordeira é um estrear a peça. Ou ele enviaria autocensura que os próprios sendo coerente com a política de mito, não só naquela época, mas os policiais. Mas foi um caso à artistas impõem em suas obras perpetua até hoje.” Em “Os Pa- parte, este de Joinville.No res- por medo da censura. industrialização do país.

Peça “ Os Palhaços” foi censurada


Economia

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

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Diagramação de Gabriela Kugelmeier | Edição de Miriã Mews

“Milagre Econômico” durante a ditadura

Série de políticas institucionais desenvolvidas durante a ditadura militar de 1964 chegou a colocar o Brasil como 8º PIB mundial Mayara Hoffmann mayahoffmann@hotmail.com

A economia durante o governo militar produziu efeitos sociais e culturais com os quais a ditadura não contava. Durante o período de 1964 foram criadas as bases institucionais, seguidas de investimentos que geraram o “Milagre Econômico”, série de políticas institucionais desenvolvimentistas. Durante este período, o Brasil chegou a ser o 8º PIB mundial a partir dos investimentos na construção civil. Contudo, não escapou da dívida externa. O economista José Tavares de Borba ressalta que quando iniciou o militarismo, a economia precisava ser reestruturada. Isso

fez com que o governo investisse em políticas econômicas a curto, médio e longo prazo. Uma dessas políticas foi o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que levaria ao então “Milagre Econômico”. Instituído durante o governo do ex-presidente Emílio Médici, em 1971, o objetivo do PND era trabalhar na infraestrutura para o desenvolvimento do Brasil. Mas as bases para isso, de acordo com Tavares, foram feitas durante o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), elaborado pelos economistas Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, durante o governo do primeiro presidente militar, Castello Branco. O intuito era acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico e aumentar

as taxas tributárias para reduzir o déficit público. Para o sociólogo Daniel Faria, no começo dos anos 1970 houve um crescimento considerável, mas dentro de uma opção econômica que privilegiava um modelo de desenvolvimento restrito. Ele aponta o projeto de transformar o Brasil em uma potência mundial como origem de propostas visando grandeza e gastos. “Assim como a transamazônica”, diz, citando a terceira maior rodovia do Brasil, projetada durante o governo Médici, e que nunca foi concluída. No final dos anos 70, o Brasil parou de crescer, gerando aumento da dívida externa, tendo

como maior parte dos gastos originários de empréstimos feitos no exterior para a infraestrutura do país. No entanto, o economista conta que o país somou isso às dívidas que havia contraído no acordo realizado na Independência, no século XIX. Tavares explica que o empréstimo do mercado externo gera a dívida em dólar, e em virtude da primeira e segunda crise do petróleo,

Petróleo e petrodólares DIVULGAÇÃO

Com a crise econômica decorrente do primeiro choque do Petróleo, após o “Milagre Econômico”, o governo do presidente Ernesto Geisel lança o II Plano Nacional de Desenvolvimento, com o objetivo de estruturar a economia brasileira e solucionar o problema de dívida externa. O II PND passou a depender de financiamento de longo prazo. Esse financiamento foi gerado através dos “petrodólares”, termo criado pelo professor de Economia da Universidade Georgetown, Ibrahim Oweiss, em 1973 para os

Aspectos positivos e negativos do Milagre Econômico POSITIVOS • Crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) quase 10,2% ao ano. Passando de 42º PIB mundial para 8º • Aumento da produção de Petróleo. De 75 mil para 700 mil barris por dia • Investimento em infraestrutura NEGATIVOS • Desigualdade social • Aumento da inflação. Entre 15% e 20% ao ano • Aumento da dívida externa gerados pelos empréstimos para investimentos.

dólares que os países produtores de petróleo recebem pela venda. O economista José Tavares de Borba (foto), professor do Centro Universitário-Católica de Santa Catarina explica que o que impulsionou a execução do II PND foi o empréstimo dos dólares gerados pela produção e venda de petróleo. Esses dólares foram emprestados para o Brasil como forma de planejamento após o plano de metas. Com isso, foram executadas obras de infraestrutura de longo prazo para que o Brasil voltasse ao desenvolvimento.

em 1973 e 1979, em um cenário de alta na inflação, fez as dívidas aumentaram.

REPRODUÇÃO/LEADSACADEMY.FR

Obras realizadas durante o regime militar • Criação da Eletrobras (1962); • Criação da Embratel e Telebras (1965); • Usina Angra I e Angra II (1972); • Construção de usinas: Tucuruí (1979) Ilha Solteira (1973), Jupiá (1974) e Itaipu(1975); • Criação do Banco Central (1964); • Criação Ponte Rio-Niterói (1974); • Criação da Rodovia Transamazônica (1972)

Economia durante o regime No final dos anos 1970, a sociedade passou a se reorganizar, tendo como um dos eixos principais precisamente o sindicalismo, que mobilizava o operariado atuante nos setores mais beneficiados pelo “Milagre”. O sociólogo político e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Jackes Mick, cita que as lideranças sindicais de metalúrgicos, bancários, professores, servidores públicos e de outras categorias se articularam e criaram um novo partido político e uma nova central sindical como forma de compartilhar do crescimento. Em 1981, as taxas do dólar voltam a subir, aumentando a dívida externa do Brasil e influenciando o governo a recorrer ao Fundo

Monetário Internacional (FMI), levando à assinatura de sete cartas de intenções em 24 meses. Em 1987 o governo Sarney declara a suspensão dos pagamentos da dívida externa brasileira. Jackes conta que o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) tiveram atuação política marcante como oposição nas duas décadas críticas de 1980 e 1990, porém, estabeleceram alianças com segmentos conservadores para obter o poder a partir de 2002. O “Milagre” é marcado como um período de criação de 13 milhões de empregos, investimentos em construção civil, criação das empresas como Eletrobras, Embratel e Itaipu, mas também

como o fenômeno que deixou uma dívida externa. Apenas a partir de 1994, com o Plano Real, a economia começa a de estabilizar. Criado durante o governo de Itamar Franco, o programa tinha como objetivo estabilizar a economia brasileira. Neste período, o Plano passou por três frases. O programa de Ação Imediata, que instituiu medidas econômicas para oficializar o Plano Real, a criação da URV (Unidade Real de Valor), que verificou o poder aquisitivo da moeda, e, por fim, a implementação da moeda Real, que mesmo após algumas crises, permanece até hoje. “Portanto, mesmo a história recente do país carrega marcas dos efeitos do milagre”, conclui o sociólogo.


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Cultura

Joinville - Abril 2014 PRIMEIRA PAUTA

Diagramação de Nicole Eichenberg | Edição de Misael Tibes de Freitas

A ditadura militar, o Brasil e as artes

No período negro do regime militar, obras literárias, musicais e teatrais eram censuradas, reprovadas, mutiladas e desapareciam assim como seus autores FOTOS DE CÁSSIa WISCHRAL

Cássia Wischral cassiawischral@ig.com.br

F

Fachada do teatro Guaíra, palco de peças críticas à ditadura

azer música, teatro ou cinema no Brasil a partir de 1964 tornouse uma tarefa difícil para os artistas. Eles não eram pessoas bem vistas pelos militares. A crise política que tomava conta do país começa com a renúncia de Jânio Quadros da presidência, e é intensificada com João Goulart no poder entre 1961 e 1964. Desse momento em diante, toda expressão de arte era monitorada pela censura. As programações de rádio e TV, as publicações de jornais diários, peças de teatro, nada podia ir ao ar sem passar pelo crivo dos censores militares. Aqueles que atuavam no cenário artístico eram perseguidos e vetados. Autores sofreram verdadeiras mutilações em suas obras. Foram ameaçados e, não raramente, vítimas de violência física e psicológica. Toda essa repressão, porém, não conseguiu calar as vozes daqueles que clamavam por democracia. Muitos foram os casos de artistas que conseguiram burlar a avaliação dos censores e transmitir sua mensagem para a grande mídia. Escritores, músicos, poetas e compositores procuravam então inserir nos texto palavras que pudessem inverter significados, como por

Amanhã será um outro dia Tuane Roldão lança livro sobre o teatro durante periodo militar

A obra “Acanhado” relata as memórias de atores joinvilenses

O ator curitibano, diretor e figurinista Paulinho Maia sempre atuou em várias áreas. Entre tantos trabalhos ao longo de sua carreira, está o musical “Rocky Horror Show”, dirigido por Antônio Carlos Kraide. Produzido em 1982, no final da repressão, censura e da ditadura militar, o musical aparece como um espetáculo que quebra as regras de bom comportamento, satirizando a moralidade dos anos 70. “Em anos anteriores, no auge do período negro, havia uma apresentação das peças para os censores, outra para a imprensa e por fim a estreia de fato”, conta ele. O espetáculo teatral envolto em uma atmosfera de ficção científica, criaturas, cientistas e sexo implícito com muito bom humor, marcou época da renovação da democracia em Curitiba.

exemplo na música gravada por Elis Regina, “O Bêbado e o Equilibrista”, letra de Aldir Blanc e João Bosco. Quando diz “choram Marias e Clarices”, Elis canta lembrando as mortes de torturados na ditadura. Maria faz referência às mães que sofreram com o sumiço de seus filhos e Clarice é uma alusão ao nome da esposa do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto na época.

LIBERDADE Toda essa repressão, porém, não conseguiu calar as vozes daqueles que clamavam por democracia Dramaturgos e escritores como Oswald de Andrade, autor de “O Rei da Vela”, um espetáculo aplaudido pela crítica e que aguça o descontentamento dos sensores por ser considerada expressão de rebeldia, surgem com grande força para contribuir com a revolução cultural que se iniciava naquele período. O momento para as artes cênicas, contudo, não era favorável. Os orçamentos diminuíram, os espaços ficaram restritos e o público se tornou escasso. A pressão fomentou o surgimento

das pequenas companhias teatrais. O grande Teatro Guaíra, um dos maiores da América Latina, localizado em Curitiba, serviu de palco para a peça “Memórias Torturadas a Ditadura e o Cárcere no Paraná” que conta a história verídica de quatro presos políticos na “Operação Marumby”, mais um dos capítulos negros da ditadura militar no Paraná. A peça foi encenada dentro de alas dos detentos no Presídio do Ahú, em Curitiba e o público foi informado que poderia levar almofadas, pois todos deveriam sentar no chão. Filmadoras e máquinas fotográficas não seriam permitidas durante o espetáculo e os atores fumavam em cena. “Burocracias com indenizações e outros pormenores jurídicos, juntamente com reportagens que anulam a existência de ditadura no Paraná, abrem a ferida que nunca se fechou”, lamenta Catarina Rielli Vieira, neta do personagem protagonista. No campo do cinema, as coisas também eram complicadas, mas a irreverência de Glauber Rocha, sempre caminhando no sentido inverso da censura, mostrava nas telas a realidade política do Brasil, com cenas chocantes da pobreza e da fome. A abordagem de tais temas o colocou na mira dos censores militares.

Joinvilense conta em livro efeitos da ditadura nas artes O reflexo do militarismo no Brasil é tão marcante, que novos escritores sempre encontram recortes inéditos para suas obras. A jornalista Tuane Roldão lançou no último dia 15 de março seu primeiro livro, que tem como matéria principal a influência da ditadura militar no âmbito das artes cênicas da região de Joinville. “Acanhado” nasceu durante a elaboração do seu projeto experimental desenvolvido para a graduação e instigou a curiosidade da autora. “A falta de materiais sobre o tema me motivou ainda mais, especialmente para esclarecer um período pouco comentado no município e que, quando abordado, costuma trazer apenas a história oficial, pelo lado de quem estava no poder”, afirma. A obra é dividida em três ca-

pítulos que contam a história de Edgard e Lúcia Schatzmann, ele um idealista e ex-preso político, ela uma ex-freira. Uma história real, de um período muito cruel no Brasil. A autora traduz com fidelidade episódios e emoções dos personagens. “A forma como a ditadura e o teatro marcaram a vida dessas pessoas ficou muito evidente em nossas conversa e passar esse sentimento pelo meu texto foi um dos principais desafios que enfrentei”, revela. “Acanhado faz o recorte de um tema que já é bem específico, isso significa que ainda há território a ser explorado, e não é pouca coisa”, afirma Tuane. “Eu acredito que o livro traga, principalmente, o desejo de se falar sobre teatro, sobre a ditadura, sobre a liberdade de expressão”, completa.


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