Caminhos santiago o livro

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Carlos Duarte

caminhos de santiago ano de jubileu 1999



Carlos Duarte

Ano de Jubileu 1999

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ano de jubileu 1999


aminhos de Santiago

CAMINHOS DE SANTIAGO ANO DE JUBILEU 1999

AUTOR Carlos Duarte 2

DATA Setembro 1999 EDIÇÃO / COORDENAÇÃO Carlos Duarte / Jorge Rocha CONCEPÇÃO E DESIGN GRÁFICO Jorge Rocha TIPOGRAFIA Corbel Copperplate Gothic

Esta publicação não pode ser reproduzida no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, sem autorização prévia dos autores


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ÍNDICE Intenção

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Introdução

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Partida

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Dia I

Sintra / Espinho

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Dia II

Matosinhos / Valença do Minho

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Dia III

Valença do Minho / Tui – Redondela

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Dia IV

Redondela / Pontevedra

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Dia V

Pontevedra / Pontecessures

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Dia VI

Pontecessures / Santiago

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Peregrinar a Santiago

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Conselhos para uma Peregrinação a Pé

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Onde Pernoitar

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Anexo

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Santiago

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«Caminhando ao longo do mar da Galileia viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes, “Vinde após Mim e Eu farei de vós pescadores de homens”. E eles, imediatamente deixaram as redes e seguiram-n’O. Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com o seu pai Zebedeu, compunham as redes dentro do barco. Chamou-os, e eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-n’O.» (S. Mateus, 4, 18)


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Assim se referem os Evangelhos ao primeiro encontro de Jesus com João (mais tarde João Evangelista), e um seu irmão, conhecido por Tiago Maior (existia outro Tiago chamado Menor que se diz ter sido um dos irmãos de Jesus). É um dos doze apóstolos e participa em importantes episódios da vida de Jesus. É enviado por Jesus a espalhar a palavra de Deus e passa pela Península Ibérica, onde espalha a Fé e realiza milagres, cativando o coração daquelas gentes. Volta depois a Jerusalém. Por volta do ano 44 d.c., festejava a Páscoa na companhia de Pedro, quando é preso a mando de Herodes Agripa, que o manda executar. Foi o primeiro Apóstolo a ser sacrificado por defender o Senhor. Diz-se que enquanto aguardava a morte, converteu o guarda que o vigiava, e que curou um paralítico quando caminhava para o cadafalso. Foi decapitado, e os seus restos mortais foram, por ordem de Herodes, levados para fora da cidade para serem devorados pelos animais. Todavia, os seus discípulos resgataram o corpo à pressa e meteram-no numa barca sem leme nem velas. Guiados por Anjos, fazem a viagem de regresso à Hispânia. Nos domínios da rainha Lupa, em Iria Flávia, amarraram o barco a uma coluna de pedra, que se diz ser a que hoje se encontra numa Igreja em Padrón. A rainha acabou por converter-se perante a

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evidência de milagres ocorridos. Consta que os discípulos de Santiago derrotaram um dragão com o sinal da cruz, e amansaram touros bravos para utilizar como animais de tiro. A rainha ofertou-lhes várias relíquias, que foram guardadas numa arca de mármore. Foi depois construída uma pequena capela onde tudo foi guardado. Durante séculos não existem relatos relativamente aos restos mortais nem à Arca Marmórica. No século VIII, foi avistada uma luz sobre o bosque de Libredón, que era acompanhada por cânticos celestiais. Descobriram então a capela antiga, onde encontraram as campas de Santiago e de dois discípulos. Reinavam na altura Carlos Magno em França, e Afonso II nas Astúrias. Depois de saber do que se passara em Libredón, Afonso II quis ir ver o local pessoalmente, convertendo-se no primeiro peregrino. A notícia estende-se rapidamente por todo o Ocidente. Encontrara-se o túmulo de Santiago, um dos doze Apóstolos. A partir de então, afluem peregrinos ao local, vindos de toda a parte. Em 844, Santiago aparece milagrosamente a combater os mouros num cavalo branco, ao lado das forças cristãs, na batalha de Clavijo. Por isso passou a ser conhecido como «Santiago Matamouros». Diz-se também que apareceu a Carlos Magno depois de este ter tido uma visão de um caminho de estrelas. Explica-lhe o significado da Via Láctea (nome ainda actual do caminho Francês) e recomenda-lhe que o siga para o libertar do jugo sarraceno. Os restos mortais do santo são transferidos para Compostela, onde o rei peregrina depois de formado o Império Carolíngio. Na hora da sua morte, ao ser julgado pelas mortes que cometera, foi ainda Santiago que salvou Carlos Magno. Trouxe tantas pedras e madeiras das Igrejas que havia construído em nome de Deus, que eram mais que suficientes para equilibrar os pratos da balança da justiça divina. Compostela tornou-se um dos três grandes centros de peregrinação, a par com Roma e Jerusalém. Segundo explica Dante, aquele que ruma a Compostela é o verdadeiro «peregrino».


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A simbologia religiosa da peregrinação é a da passagem do homem pela Terra, cumprindo o seu tempo de provas para, no momento da morte, aceder à Terra Prometida, ao Paraíso Perdido. O termo peregrino designa o homem que se sente estrangeiro no meio onde vive, onde está apenas de passagem, rumo à cidade ideal. Simboliza o carácter transitório de qualquer situação e o desapego interior em relação ao presente, em confronto com a vontade de atingir uma natureza superior. A peregrinação está intimamente ligada às ideias de purificação e expiação. O peregrino, ao dirigir-se aos lugares santos, procura a identificação com Aquele que os santificou. Ele realiza a sua viagem não no luxo, mas na pobreza, e o seu bastão simboliza simultaneamente a prova de resistência e o despojamento. A peregrinação aparenta-se aos ritos iniciáticos: identifica-se com o mestre escolhido. Devemos ao grande Dante, na Vita Nuova, escrita em finais do século XIII, uma límpida definição do peregrino: «..., peregrinos segundo o sentido amplo do vocábulo, pois a palavra peregrino pode entender-se em sentido amplo e em sentido restrito: em sentido amplo, peregrino é todo aquele que está fora da sua pátria; em sentido restrito, só se entende por peregrino quem vai para casa de Santiago ou dela volta. Convém saber que as gentes que caminham para servir o Altíssimo recebem propriamente três nomes: chama-se-lhes palmeiros, se vão ao Ultramar (Jerusalém) de onde muitas vezes trazem a palma; peregrinos, se vão à Galiza, já que Santiago foi sepultado mais longe da sua pátria que nenhum outro apóstolo; romeiros, se vão a Roma, que é onde iam estes a quem chamo peregrinos.»

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Intenção Sintra, 04 de Setembro de 1999

Carta a São Tiago. Apóstolo, Santo e amigo do Senhor Cristo: 9

Sr. Santiago; Percorro este «Caminho» em busca da Luz eterna que todo o Ser possui, mas não sei onde se encontra. - Para que todos os meus amigos tenham uma evolução positiva na vida, com muita saúde e amor, e possam também encontrar o seu Caminho. - Para que na vida e no trabalho, tudo se processe em bem e por bem, e que o futuro nos sorria mais que nos últimos tempos. - Pela minha mulher, a minha Lua, a outra metade sofrida. Que ela possa encontrar Paz no coração, reconforto na alma, alegria de viver, e que eu saiba contribuir para isso.


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- Pelas minhas filhas. Que a tranquilidade, alegria de viver, e capacidade para recomeçar cada dia como se fosse uma nova vida, cheia de oportunidades, seja a melhor herança que lhes possa deixar. - Pela minha família em geral. Que Deus os abençoe como fez comigo ao deixar-me nascer no seu seio. - POR TIMOR, Que aquele povo possa finalmente encontrar a Paz, e que o seu sofrimento possa transformar-se numa grande lição para o mundo, tornando-nos a todos mais solidários.

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- PELA HUMANIDADE, Que possa finalmente ver também um pouco da Luz que eu busco. Que se acabem de uma vez as chacinas, as guerras, a fome. Que aqueles que estão bem, ajudem a maioria que sofre a subir os penosos degraus desta escada que é a vida. Que todos entendam a grande oportunidade que é viver. Somos universos em miniatura, compostos de órgãos, que são constituídos por agrupamentos de células, feitas de milhões de átomos e partículas infinitamente pequenas. Tudo isto à imagem e semelhança do planeta que habitamos. Fazer mal ao planeta, é fazer mal a si próprio. Fazer mal ao próximo é fazer mal a si próprio. A lei de causa e efeito é incontornável. A sociedade, a política, a economia, a ciência, o dinheiro, são criações do homem, que é apenas um organismo de um planeta que é apenas mais uma célula de um Universo abrangente, dentro do Cosmos infinito. Existe um projecto para esse grande corpo, que a humanidade ignora ou desconhece. Só o perceberá quando for capaz de ver com o coração.


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Que o homem pare de agir como o «Cancro da Terra». A história da humanidade está cheia de relatos de grandes civilizações que se extinguiram. A marcha do Universo é imparável. Ou a entendemos e tocamos a música das esferas celestiais, acompanhando o ritmo da evolução, fazendo a viagem alegremente, ou seremos apenas marcos descartáveis, pontos de referência a evitar na marcha das coisas. A semeadura é livre. Mas a colheita é obrigatória. Que um novo horizonte se abra a todos os homens. - Pelo meu filho. Que Deus o proteja onde quer que esteja a sua essência. Que possa sempre sentir o quanto o amo, e que a enorme dor que carrego no meu peito por tê-lo perdido para a vida, possa ser sublimada em amor por todas as criaturas. Que a nuvem negra provocada pela sua partida, que cobre o meu coração, e que teima em aumentar ou diminuir sem que eu a controle, seja dissipada, deixando passar toda a luz que guardo cá dentro, em toda a sua plenitude, e a bem de todos os que me rodeiam. - Por todos os que deixaram esta vida, com a sensação de ter ficado algo por dizer ou por fazer. Que recebam Luz e encontrem o «Caminho». - Por todos aqueles que descobriram a importância de percorrer o «Caminho», mas já não têm forças para caminhar, por doença ou incapacidade, e por aqueles que se arrastam pela vida e nem sequer sabem que é preciso percorrer o caminho primordial da Verdade e da Luz divina. Que as minhas pernas sejam as suas pernas.

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Para mim, nada peço, mas de tudo necessito. Só quero encontrar o meu «Caminho» e cumprir a minha missão. 12

Seja ela qual for. Sei que caminho! Sei que vou, mas não sei para onde vou.


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Introdução A decisão de fazer os Caminhos de Santiago a pé começou a ganhar forma há 3 anos, no último ano de Jubileu. Nessa altura, eu já me havia iniciado na busca do conhecimento superior e da relação com o divino. Na alquimia da vida, que é no fundo a transmutação do nosso eu interior, ao libertar-se das cadeias do ego e do senso comum presentes no dia-a-dia. Consegue-se acelerando o metabolismo energético do “Ser”, e estabelecendo uma sintonia mais estreita com a natureza tangível, bem como com a energia mais etérea... Aumentando a nossa frequência energética através do cultivo de ideais mais sublimes e abrangentes, e indo beber nas inesgotáveis fontes de conhecimento do passado, começamos a descobrir o lado mágico da existência, e a vislumbrar os contornos da divindade. Quando se aprende a escutar a voz interior (a intuição), tomamos decisões inesperadas e imprevisíveis. Há três anos, vinha eu do Alentejo no decurso do meu trabalho, quando oiço falar no Raide do Clube Todo o Terreno a Santiago de Compostela. Na altura eu andava a ler o Diário de um Mago de Paulo Coelho, que fala justamente sobre os caminhos, e, seguindo a pista da coincidência,

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senti uma enorme vontade de fazer aquele passeio, para mais sendo eu um amante da actividade. Era o último dia de inscrições e por isso fui directo inscrever-me a Lisboa. Convidei o meu amigo Jorge Rocha para navegador, e lá fomos na nossa aventura. Eu pouco sabia da lenda de Santiago. Apenas que tinha sido um Apóstolo de Jesus. Sabia acerca da importância das peregrinações, mas tinha como mau exemplo aquilo que via acontecer em Fátima, em que as pessoas se arrastavam penosamente, de joelhos ou a pé, para “pagarem” uma promessa (feita certamente num momento de desespero), por uma graça concedida ou a conceder. A visão estreita do Homem faz com que estabeleça uma espécie de relação privada com Deus, em que existe lugar para uma espécie de intercâmbio em que o sofrimento é a moeda de troca para se obter aquilo que se quer. A postura das várias correntes religiosas também não tem ajudado muito a desfazer este equívoco por parte dos homens. Existe uma força prodigiosa, um movimento organizado e perfeito, que controla e estabelece as normas de funcionamento do Universo cósmico, das galáxias, dos planetas e de todas as criaturas viventes. Existe uma intenção, um sentido a seguir em todo esse processo. Imaginemos o mar como sendo o Universo, e as ondas como sendo o resultado desse movimento imparável. Mesmo que se saiba em que direcção se quer ir e se tenham os meios físicos para lá chegar, para navegar em segurança há que fluir com o oceano. No meio desse mar, o homem tem que entender o movimento das marés, sentir o ritmo das ondas e o sopro livre dos ventos para se poder orientar. Assim é com o resto da natureza cósmica envolvente, e com a essência intrínseca do Homem. Navegar nos mares das nossas emoções e sentimentos, tendo a noção da viagem que simultaneamente fazemos no mar maior que é o Universo, é o que mais necessitamos de aprender.


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Para isso, há que conhecer o eu, o físico, o barco, e a força que o faz fluir, para entender como navegamos e viajamos no mar maior. É esta a essência da minha busca ao percorrer os caminhos, de Santiago e da Vida.

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partida 03 de Setembro de 1999

Quem me dera poder ir também! – exclamou o Padre Carlos quando lhe fui pedir uma carta da Paróquia de Sintra, declarando a minha partida deste local para fazer a peregrinação a Compostela. Até um homem de Deus tem os seus momentos de stress e obrigações diárias que lhe dificultam muitas vezes a introspecção pessoal e o prazer de uma boa caminhada. E lá me passou a declaração.

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Dia I sintra – espinho 04 de Setembro de 1999

Uma manhã calma e amena marca a minha partida e a dos meus amigos. Acompanham-me o Jorge Rocha, amigo de outras caminhadas e o seu irmão Carlitos. Logo à partida tinha o meu tempo limitado a uma semana e por isso decidi fazer uma parte do percurso de carro, outra de bicicleta e a parte final a pé. Nesta altura a intenção era que me acompanhassem ao longo do caminho, fazendo algumas etapas comigo de bicicleta e dando-me o apoio necessário com o carro em pontos do caminho previamente combinados. Deveriam depois apanhar-me no final, para regressar rapidamente. Todavia não foi só isso que se passou como veremos adiante. Deixo para trás os compromissos inadiáveis, a lógica que me amarra à marcha lenta do dia-a-dia, a família, a comemoração de 18 anos de casamento amanhã, e parto com esperança e vontade de encontrar em mim um pouco da essência das coisas divinas, que me harmonize com o Todo.

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Tendo como fundo a Serra de Sintra, inspiradora de escritores e poetas, um olhar sobre o mar ao longe transporta-me no tempo, relembrando-me de outras epopeias, em que homens bem mais intrépidos do que eu partiam em caravelas e naus em busca de outros caminhos e de um mundo desconhecido. A minha viagem é sobretudo interior, mas também espero descobrir alguma coisa. Muitos foram os peregrinos que ao longo dos séculos escolheram a orla costeira para fazer a viagem. A busca de melhores condições climatéricas e o terreno mais plano (que se nota mais no norte do País) faziam desta uma das rotas preferidas. No entanto os relatos de peregrinações existentes são poucos e foram na maior parte escritos por peregrinos franceses e italianos. Partindo de Lisboa, onde existem vários símbolos referentes a Santiago (como a igreja de Santiago de Alfama ou o Castelo de S. Jorge ponto importante na luta contra os sarracenos), os peregrinos seguiam a costa e detinham-se neste local idílico. Hoje em dia, nada há em Sintra que lembre Santiago. Mas a energia que emana da serra frondosa e dos velhos monumentos que observaram o virar de cada página do tempo convidam a que se fique colado a este paraíso. Mas hoje é esta mesma energia que me empurra para a minha jornada. Prosseguindo, passamos por Mafra, onde o monumental convento agora de cara lavada, com os seus 40 km2 de área e 70 metros de altura, nos lembra os grandes descobrimentos e as efémeras grandezas coloniais hoje perdidas no tempo. A passagem pelo Sobreiro torna obrigatório o reabastecimento de pão com chouriço e uma olhada à aldeia em miniatura do Sr. José Franco, autêntico monumento à construção e organização social do «saloio», figura típica da região. A Ericeira, aldeia típica de pescadores, tem um encanto muito especial com as suas casas brancas de barras azuis penduradas na muralha


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que dá para a praia dos pescadores. Diz-se que foi daqui que partiu o último Rei português, D. Manuel II, para o seu exílio no Brasil. Parámos a seguir na Ribeira de Ilhas, o paraíso dos amantes do surf. Apesar de aqui vir com frequência, o facto de passar desta forma, em viagem, realça aos meus olhos a beleza do local. Ao longe um barco apita, procurando o melhor caminho, à espera de uma resposta que o oriente nesta manhã de nevoeiro. Ao avançar, o dia vai clareando e a brisa agradável da manhã enevoada dá lugar a um sol discreto que anuncia um dia quente. A próxima paragem é em Óbidos. A arquitectura deste lugar parece teimar em manter vivo o passado. E não nos admiraria encontrar, numa esquina qualquer, um cavaleiro medieval no seu corcel. A Igreja de Santiago do Castelo encontra-se fechada. E para a visitar é preciso pedir ao Sr. João da loja de artesanato ao lado. A contemplação da paisagem circundante revigora-nos e faz-nos sentir contentes por termos iniciado a viagem. Mas há que retomar o caminho porque não sabemos quanto tempo durará a última parte desta jornada. Parámos em Rio Maior para almoçar e o Sr. Casimiro do restaurante Sanzala atendeu-nos muito bem. Pedimos-lhe que nos carimbasse a declaração e logo nos perguntou porquê, dando isso origem a um bom quarto de hora de conversa, pois era a primeira vez que tal lhe pediam. Passámos a seguir pelas Caldas da Rainha, que deve o seu nome ao facto de ter sido fundada por D. Leonor, mulher de D. João II. Famosa pelas suas termas e pelas faianças, vale a pena uma paragem mais prolongada para repouso e restauro físico dos peregrinos que façam o caminho com tempo. Em Alcobaça, pode testemunhar-se no seu mosteiro a grandeza arquitectónica que na época da sua construção, traduzia os mais nobres sentimentos de quem ordenara a sua edificação. O rei D. Afonso Henri-

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ques, ao passar por ali na sua senda de conquista do território aos mouros, prometeu edificar um mosteiro que doaria aos monges de S. Bernardo (do mosteiro francês de Claraval), intimamente ligados à Ordem dos Templários, que ajudaram muito ao nascimento deste País. Este monumento vem fortalecer a ideia da construção de uma nação, pois Portugal foi, em minha opinião, um país planeado, com missões específicas para bem da humanidade e fortalecimento do cristianismo. Serviu este monumento, na Idade Média, de local de repouso e guarida a gerações de peregrinos que por ali passaram. Estão depositados neste Mosteiro os restos mortais de algumas das figuras mais notáveis da História portuguesa. A carga histórica que ali se sente faz-nos lembrar que este pequeno País à beira- -mar plantado teve um dia uma importância crucial para o desenvolvimento e evolução da civilização ocidental como a conhecemos hoje. 22

A seguir, Tomar. Esta pequena cidade tem um enorme valor cultural. Foi aqui que foi planeada a estratégia dos Descobrimentos. Foi adoptada pelos Templários para a construção do seu maior templo em Portugal, devido à sua localização geográfica e energia própria. Tal como aliás todas as localizações de monumentos desta Ordem, que se espalham pela Península Ibérica, numa interacção geométrica perfeita. Com o reconhecimento oficial do Papa em 1128 e o apoio de S. Bernardo de Claraval, amigo de D. Afonso Henriques, a Ordem dos Templários, fundada em 1119 por Hugues de Pains e Geoffroy de Saint-Omer, depressa se expandiu e encontrou apoiantes. Os nove cavaleiros iniciais (penso que a lenda da Távola Redonda bebe muito na história dos Templários) depressa viram juntar-se-lhes muitos mais. Com regras de uma disciplina muito duras, e uma mentalidade muito aberta e tolerante quanto a estudo e pesquisa, pretendia esta Ordem, no fundo, fazer da humanidade um conjunto coeso.


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Beberam em todas as fontes de sabedoria, das tradicionais e pagãs até às escrituras cristãs dos primeiros tempos e aos conhecimentos islâmicos, às culturas egípcia, grega e fenícia. Ajudaram de forma significativa e determinante na conquista de Santarém e na formação de Portugal. Tomaram a seu cargo a protecção dos caminhos e das principais rotas de peregrinação (Compostela, Roma e Jerusalém). Foram os primeiros banqueiros, guardando os bens ou dinheiro dos viajantes em troca de uma nota de crédito que podiam cambiar ao longo do caminho noutro posto dos Templários, evitando assim os roubos dos assaltantes. Tornaram-se de tal forma peritos em lidar e gerir as economias alheias que muitos foram os que lhas confiaram. Tal facto fez com que a Ordem crescesse imenso. Este poder começou a ser cobiçado por poderes políticos instituídos. Em 1307, o rei francês Filipe o Belo, apoiado pelo papa Clemente V, desfere um golpe decisivo para a eliminação da Ordem. Baseando-se numa interpretação errónea e descabida dos rituais de iniciação de novos cavaleiros acusam-nos de várias heresias e de práticas homossexuais, encetando uma perseguição sem tréguas. Os Templários são aniquilados em quase toda a Europa sem sequer se tentarem defender, o que é no mínimo estranho, pois eram guerreiros poderosos. Isso só prova que o ideal que os movia era muito superior às glórias de uma só vida. E que, se aqueles cujos princípios defendiam e com quem pensavam partilhar os ideais eram quem os condenava, então não valia a pena lutar. Era cedo demais para a humanidade entender uma nova ordem para todas as coisas. Foi em Portugal, precisamente no País que ajudaram a formar, que encontraram abrigo. Em 1319, o Rei D. Dinis consegue do novo papa João XXII autorização para a criação de uma nova ordem: a Ordem de Cristo. Nesta ordem se irão integrar os cavaleiros templários e os seus bens, dando sequência à sua missão de dar novas fronteiras ao mundo. O futuro de Portugal foi desde então planeado cuidadosamente pelo

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Rei e por esta ordem sábia, que ajudou na gestão do País e nas actividades bélicas, bem como nos planos para descobrir outros continentes que sabiam existir pelo estudo de textos antigos. Da famosa plantação do pinhal de Leiria viria a madeira necessária para a construção das caravelas e naus das Descobertas. O impulsionador português dos Descobrimentos, o Infante D. Henrique, viveu em Tomar o tempo suficiente para adquirir conhecimentos de ordem espiritual e técnica que lhe permitissem encetar a sua missão. Impulsionados pelo culto do Espírito Santo (oficialmente instituído pela Rainha Santa Isabel), foram os marinheiros sabiamente conduzidos a uma expansão marítima sem precedentes, alterando a estreita realidade existente na altura. Ainda hoje as Descobertas são consideradas o facto histórico mais importante depois do nascimento de Cristo. Foi em pleno Convento de Cristo que contei estas histórias fascinantes de outros tempos aos meus companheiros de viagem. Depois de terminar, percorremos em silêncio os corredores do monumento, observámos extasiados as técnicas de construção e lapidação da pedra, e tentámos absorver a energia do local. Por momentos, sentado num dos locais onde certamente se reuniam concelhos de homens sábios para tomada de importantes decisões ou para discussão dos valores morais e históricos mais relevantes, senti-me transportado no tempo e imaginei-me a reviver o ambiente de então, rodeado de frades de ar austero mas sereno, discutindo entre si com o maior respeito os princípios em que deve assentar o comportamento humano e a sua relação com todas as coisas da natureza; os conceitos sobre a movimentação dos astros e a sua localização como pontos de referência no caminho, ou a importância da sua asserção mais divina. Como se pôde desvanecer tanta sabedoria? Por que tem o homem embrutecido ao longo do tempo, esquecendo-se da força primordial que o move?


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Por que é que, na sua arrogância, menospreza conhecimentos tão importantes e só se preocupa com o imediato, o fácil e o efémero? Quando acordei desta vigília tinham passado duas horas. Chegámos a Coimbra à hora da missa da tarde. Entrámos numa igreja e ficámos a assistir. Como nada acontece por acaso, o padre na sua homilia falava na necessidade de cada um encontrar o seu caminho. Não amanhã nem depois, mas hoje e agora porque se faz tarde. Porque amanhã será hoje outra vez e a vida não espera. Percorremos as ruas e sentimos o peso das tradições centenárias nas fachadas bem conservadas dos edifícios. Um tocador de flauta enche a praça com a sua música suave, passando, sem parar, de um bolero para uma música clássica e a seguir para um fado. Sintetiza na sua prestação diversos estilos, fazendo-os soar sempre melodiosos. Que dom, esse de poder expressar conceitos tão diferentes com a mesma harmonia. Coimbra era um dos mais importantes lugares de passagem para os peregrinos da Idade Média. As incursões em território muçulmano partiam desta cidade. Fala a tradição do milagre em que Santiago Mata-mouros apareceu a cavalo, combatendo os mouros ao lado dos cristãos na batalha de Clavijo, a 25 de Julho de 844, muito depois da sua morte. Desde então era hábito os reis e os militares escolherem esta data para travar as suas batalhas. Foi o que aconteceu na tomada de Coimbra em 1064. Fomos depois directamente para Espinho, sem mais paragens. Ali pernoitámos depois de um passeio descontraído pela calçada junto ao mar.

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Dia II matosinhos – valença do minho 05 de Setembro de 1999

Acordamos ao som das ondas do mar, num dia de nevoeiro suave mas com uma temperatura agradável. Saindo de Matosinhos de bicicleta, percorremos o caminho ao longo da costa até Esposende, circulando pelas estradas de calçada junto ao mar ou por trilhos de terra. A brisa fresca da manhã e o terreno plano facilitam o esforço da pedalada, e os quilómetros vão ficando para trás rapidamente. Depois, seguindo para o interior em direcção a Barcelos, o cansaço começa a fazer-se sentir após mais de três horas a pedalar. Um almoço reconfortante no restaurante Casa dos Arcos, em Barcelos, repõe-nos a energia para continuar a viagem. Uma das versões da lenda do Galo de Barcelos está também ligada às peregrinações a Compostela. Reza a história que ocorreu um crime de morte, que apesar de todas as investigações efectuadas teria ficado impune. Por essa altura surge na povoação um peregrino que se dirigia a Santiago de Compostela. Sedentos de um bode expiatório, logo alguém alertou as autoridades para o facto, afirmando que ele se encontrava no local do crime quando este ocorreu. O peregrino dizia-se inocente apesar

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das coincidências que o comprometiam. Mas à falta de provas foi preso e condenado à forca. Marcado o dia da execução, rogou como último favor que o levassem à presença do juiz. Este encontrava-se rodeado de convivas prestes a saborear um lauto repasto. Mais uma vez o pobre homem clamou a sua inocência. O juiz respondeu que nada podia fazer, pois a sentença havia sido proferida. Aí, o peregrino apelando a Santiago disse: «Juro que estou tão inocente, como esse galo assado que vos preparais para comer, o qual antes de eu morrer cantará». Todos se riram do que ele disse, mas todos ficaram a olhar para o galo. O homem foi levado para o local da forca. Passado um tempo, o juiz e os convivas já, estavam prestes a devorar o bicho, e eis se não quando viram o galo transformar-se numa ave viva e entoar o seu canto fortemente. Foram a correr e, quando lá chegaram, viram o enforcado vivo, suspenso e com a corda solta. Foi imediatamente libertado e prosseguiu a sua viagem. No regresso, diz-se que em sinal de gratidão mandou erguer um padrão com Cristo crucificado, um galo e Santiago sustentando um enforcado. Esse padrão ainda hoje lá está, perto do museu arqueológico. Daí seguimos directos para Ponte de Lima. É nesta vila museu de paisagens frondosas e magníficas que encontramos as primeiras placas em território nacional com a tradicional vieira, símbolo de Santiago, a indicar o caminho para Compostela. Aí nos misturámos com as gentes locais no seu passeio de Domingo junto ao rio e calcorreámos por entre as tendas da feira mais acima. Tivemos que apressar o passo até Valença do Minho, pois o tempo era curto e faltava a parte mais importante da viagem. Chegados ao fim da tarde, tivemos tempo para um passeio no forte. Lá está a porta de Santiago virada a Compostela. Com o interior transformado em mercado, ouvia-se um burburinho que era uma mistura de português, galego e castelhano, que tornava o ambiente muito peculiar. Numa das praças encontrámos um negro que tocava viola e cantava.


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O seu repertório ia das rumbas aos ritmos africanos, passando por uma versão do «Let it be dos Beatles», cantado num dialecto que classifiquei como «Inglano» (Inglês/Angolano). Ao contrário da maestria do tocador de flauta em Coimbra, este músico era tecnicamente fraco tanto a tocar como a cantar. Mas enquanto o flautista criava uma envolvência suave não tendo espectadores a observá-lo directamente, este africano estava rodeado de gente. Por que seria? Fomos ver de perto para tentar perceber e observámos ao pé dele uma jovem loura, seguramente de outro país. Manuseava habilmente uma marioneta que dançava ao som da música. Tal como todos os outros ficámos presos aos movimentos do boneco. Quando a música parou houve um grande aplauso. Aí eu pensei que aquele negro muito negro era esperto, pois encontrara uma maneira de prender a atenção das pessoas para além dos seus fracos dotes musicais. Foi quando reparei no seu rosto, nos olhos muito grandes e brilhantes e no sorriso franco e aberto, que emanava um bem-estar muito especial. Aí compreendi que a parceria era perfeita e que o conjunto é que era atractivo. Deixámos para trás este quadro pitoresco. Fomos jantar e logo a seguir recolhemos para descansar. Amanhã começaria a jornada mais intensa: a pé até Compostela. Tinha definido com os meus companheiros de viagem que eles me acompanhariam até Valença, dando-me apoio com o jeep para o transporte das bicicletas, pois estava condicionado pelo tempo que tinha para fazer a viagem. O Carlitos acompanhou-me em parte do percurso que fiz de bicicleta e o Jorge conduzia o carro. A partir dali, tencionava seguir sozinho. Todavia, o Carlitos, entusiasmado com a primeira parte da viagem, decidiu acompanhar-me o resto do caminho. Era suposto o Jorge seguir com o jeep para nos resgatar em Compostela. Ao jantar falámos dos motivos que me levaram a esta caminhada. Talvez pelo empolgamento que transmiti na explicação ou por alguma acção vinda do seu subconsciente, o Jorge decidiu ali que também iria a

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pé connosco. Ficámos emocionados com a sintonia que sentíamos enquanto grupo e cheios de vontade de começar a caminhar no dia seguinte. Preparámos as mochilas e fomos dormir.

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Dia III valença do minho/tui – redondela 06 de Setembro de 1999

Apesar de tudo começar a mudar a partir do momento que se tem a vontade de fazer a peregrinação, é na caminhada a pé que as coisas se intensificam. A partir deste momento, mais que o relato de passagem das localidades e a sua história, serão os sentimentos. Emoções e descobertas íntimas e comuns a pautar a descrição. Às sete da manhã estávamos de partida. Mochilas às costas, um cantil para a água, um medidor de passos ajustado para medir as distâncias, calçado e roupa leves e entusiasmo para o caminho. Percorremos a avenida principal em direcção à velha ponte que une Valença a Tui. O Jorge começava já a sentir alguma insegurança em relação à sua decisão: Acho que estou a fazer uma maluqueira, mas não há-de ser nada. Vamos é com calma... Ena pá, cento e tal quilómetros a pé... Que se lixe!... Se vir que não aguento apanho um táxi e volto para trás... Venho buscar o jeep e encontramo-nos pelo caminho.

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Por mim vou até ao fim de certeza! responde o Carlitos. Tentem não pensar na distância que vão percorrer. O acto de percorrer os caminhos simboliza, mais que uma questão de fé, a intenção de percorrer o grande trilho que é a estrada da vida. A partir de agora é o caminho que nos deve conduzir e temos que seguir todas as indicações que ele nos der. Mais que simplesmente seguir as setas indicadoras, movermo-nos com os sinais e estar atentos às coincidências. Fluir nos trilhos e estradas, beber a água das fontes, ouvir o canto das aves e caminhar tendo o vento por companheiro com a sua melodia, e as sombras das árvores como abrigos sempre que o calor do sol se torne difícil de suportar. Será a sua luz que nos dará as forças de que necessitamos de dia, enquanto a Lua nos guiará se caminharmos de noite. Há que ser capaz de fazer essa entrega. 32

Depois de uma última fotografia em território nacional, atravessámos a ponte e entrámos em Tui. A informação que consegui recolher em Portugal era muito escassa e mais dirigida a quem fizesse o percurso como turista, de carro ou de autocarro. Não havia informações sobre as pousadas ao longo do percurso, nem a caderneta onde deveríamos pôr os carimbos de estabelecimentos ou pousadas pelo caminho. Daí ter recorrido, para pôr os carimbos, ao verso da folha A4 que era a declaração da paróquia de Sintra que atestava a minha partida do local. Estava informado de que existia um centro de apoio ao peregrino em Tui, e fomos à procura dele. Vimos uma casa de madeira a dizer «Turismo» logo à entrada da cidade. Aí indicaram-nos a localização do centro de apoio. Subimos pela estrada principal e ao alto à esquerda lá encontrámos o Centro. Fomos atendidos atenciosamente e deram-nos toda a documentação necessária, com os mapas do caminho e indicação das pousadas. Só


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não havia cadernetas para os carimbos. Poderíamos encontrá-las noutro centro mais no meio da cidade. Decidimos que não valia a pena. Eu já tinha uma série de carimbos na minha folha e o Jorge e o Carlos fizeram logo ali as suas folhas, pois decidiram que também queriam receber a Compostela. Assim tivemos o nosso primeiro carimbo em Espanha. Indicaram-nos que o caminho começava mesmo em frente à casa de madeira onde tínhamos parado. Voltámos a descer a rua e lá entramos no trilho. Era um caminho de calçada antigo, e conduzia mais à frente a um estreito trilho de terra que serpenteava pelo meio de hortas e pomares, sempre à sombra agradável das arvores frondosas. Encontrámos a primeira fonte e decidimos encher o cantil. Bom dia – cumprimentámos alegremente duas senhoras que estavam na fonte, que também tinha um lavadouro ao lado. Bom dia – responderam afáveis num galego que mais parecia português. Ides a Compostela? perguntaram ao ver as mochilas e as vieiras que levava. Sim, estamos esperançados de lá chegar! Haveis de o conseguir, com a protecção de Santiago! Quereis água? E logo nos deixaram encher o cantil parando de encher as vasilhas que estavam debaixo do fio de água. Obrigado e um resto de bom dia. Que o Senhor vos proteja e faça leve o caminho. Ainda mal habituados a distinguir as placas com a Compostela, entramos de novo passado algum tempo na estrada principal, que subia serpenteando em direcção à zona industrial. O Jorge decidiu tirar a cami-

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sola e eu fui andando, absorto nos meus pensamentos. Caminhava devagar, esperando por eles. Mas como eles não vinham voltei para trás até ao local onde os deixara ficar. Não estavam lá. Fiquei confuso e procurando com o olhar encontrei uma placa com a Compostela. Enganara-me no caminho, e só depois de quinze minutos de marcha rápida consegui apanhá-los. Estavam convencidos que eu ia à frente deles e iam depressa também, pelo que foi difícil alcançá-los. A partir daí decidimos ir sempre juntos. As pernas já estão a dar sinal – Diz o Jorge. Concentra-te no caminho e aprecia a beleza à tua volta. Estás aqui porque decidiste percorrer o caminho. Deixa-te levar por ele e evita pensares nas dores, pois de outra forma é mais difícil. Respira correctamente e vamos manter um passo cadenciado. 34

Eu estou bem – dizia o Carlitos. De facto, a falta de informação e de prática fez-nos cometer uma série de erros em relação ao calçado e ao vestuário. Em vez de roupas largas, trazíamos T-shirts e os calções de aventura que usávamos no todo-o-terreno. E ao invés de botas largas a abraçar o tornozelo e meias de lã, tínhamos ténis e meias de algodão que sobreaqueciam os pés. A seguir à Ponte das Febres, seguimos o caminho mais recto e fomos dar ao lugar de A Madalena. Não havia indicação de nenhum café ou restaurante, e a fome apertava. Só a sede nunca foi problema, pois são inúmeras as fontes que existem no caminho. Ao encher o cantil em mais uma delas, perguntámos a um galego que passava se por ali havia algum café e ele indicou-nos uma direcção. Bem procurávamos, mas não víamos nada. Foi então que o Jorge olhou por aquilo que parecia ser a porta de uma casa particular e viu que era uma mercearia.


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Entrámos e cumprimentámos uma senhora forte e baixinha, que parecia ter ficado um pouco enfadada e algo distante com a nossa chegada. Boa tarde, podemos comer alguma coisa? – disse o Jorge com o seu ar prazenteiro. Só bocadilhos de presunto, fiambre ou queijo. - disse a senhora com ar seco. À falta de melhor lá pedimos sandes. Entretanto, um cliente entra e leva duas suculentas sandes de carne. Então não nos pode arranjar dessas? Estas já estavam encomendadas! – respondeu. Na mesa ao lado estava um senhor que se preparava para almoçar. Ides a Compostela? perguntou. Sim, somos peregrinos e vimos de Portugal. Acho que andámos de mais esta manhã e estamos cheios de fome. Entretanto, o Jorge foi buscar a máquina fotográfica e pediu ao homem para nos tirar uma fotografia, convidando a senhora para ficar ao nosso lado. Ela acedeu com um sorriso rasgado e a partir daí tudo mudou. Vós precisais é de um bom vinho para dar força para o caminho. E foi buscar duas garrafas do seu melhor vinho. Quereis tortilha? perguntou a senhora.

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Afinal eram marido e mulher. Falámos da Galiza e dos galegos, do facto de se sentirem mais portugueses que espanhóis, dos costumes, enfim passámos ali duas horas agradáveis. Não nos cobraram quase nada e ainda levámos sandes para o resto do caminho. Saindo de novo dos trilhos, caminhávamos à beira da estrada e víamos os carros passarem por nós. Aí o Jorge começou a ir-se abaixo. Prosseguimos com o calor do sol da tarde, mas era necessário pois queríamos chegar a Redondela. Depois de passar a Igreja de Sta. Columba de Ribadelouro, há uma subida íngreme que nos conduz até à velha ponte de Orbenlle. A partir daí há que atravessar uma longa recta que cruza um polígono industrial de Porrinho.

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Acho que não aguento, vou mas é pedir boleia ou apanhar um táxi. Então ainda agora começámos e já estou aflito dos pés e das pernas e virilhas!! Tu é que sabes, Jorge. Na próxima povoação podes encontrar transporte de volta. Mas vais ter pena de não ter feito o caminho. Nota que o facto de caminhares ao lado da estrada provoca um efeito negativo na tua vontade. Normalmente andas de carro e 5 km de carro são apenas alguns minutos. A pé pode demorar uma hora. O facto de veres os carros a passar tira-te a vontade de caminhar. Pensas que se podias ir tão bem de carro, por que é que vais a pé!!? Tal como no caminho da vida, quem se predispõe a percorrê-lo voluntariamente e com alegria tem que ter uma intenção superior que o ajude a superar as dificuldades. Uma finalidade maior, acreditar em algo ou querer algo. Saber que ao chegar ao fim do caminho vai sentir a glória de o ter percorrido e terá aprendido as lições que o próprio caminho lhe ensinou. Fazer por fazer, ninguém faz. Eu tenho as minhas metas. Na minha declaração de intenções que vos lerei mais tarde, estão as razões que me levam a fazer


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isto. São tão fortes que me fazem esquecer as dores, pois eu também as sinto como tu. Mas se te deixares embeber pelas tuas causas e intenções superiores, não darás por elas. As tuas pernas caminham. Mas, e tu? Onde vais? E porque vais? Pensa nisso. Se não tens motivos suficientemente fortes, se não queres nada da vida nem estás disposto a aprender percorrendo o caminho, ele tornar-se-á insuportavelmente pesado para ti, tal como acontece muitas vezes no caminho da vida. Nada é estático, tudo evolui nesse grande caminho que é a existência. Até esta nave espacial em que habitas, a Terra, se move constantemente no mar do Universo e segue o ritmo de um caminho mais longo. Toda a dor é sublimação. Utiliza as dores que sentes e pergunta-te o que queres da vida, o que é para ti suficientemente importante para que passes por tudo isto. Sabes que nada fica igual depois de fazer os caminhos. Já o fizeste comigo de jeep, e foi no percurso que conhecemos um grupo de amigos com que continuamos a conviver regularmente. Lembra-te da tarde maravilhosa que passámos em Compostela depois de termos ido à catedral. Pensa bem nisso amigo. É, tens razão, deixa-me ver se encontro forças, deixa-me pensar. Eu por mim sinto-me muito bem – diz o Carlitos. Com menos vinte quilos que eu e quase menos dez que o irmão, aquilo para ele era um passeio. Além disso, o Carlitos é das pessoas mais genuínas que conheço. Simples, humilde, sempre preocupado em agradar e temente a Deus, via-se que extraía o maior prazer daquela jornada. A sua missão era clara. Queria ser melhor como ser humano e paz e saúde para a sua família e amigos. Queria além disso agradecer por finalmente ter uma namorada. Estava grato a Deus e à vida e por isso ali estava. É o exemplo de que as melhores coisas da vida são as coisas simples, e que as pessoas simples e despretensiosas são de facto aquelas que mais res-

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peitam a natureza de todas as coisas, e logicamente estão mais perto de Deus. Prosseguimos em silêncio, digerindo a importância das palavras e meditando acerca dos nossos motivos. Atravessámos Porrinho pela Plaza de S. Sebastian e Plaza do Concelho. Parámos para descansar um pouco e refrescar a garganta. Ao observar os velhos edifícios e o verde das colinas que nos esperavam, tentei recarregar as baterias. Expliquei aos meus companheiros como o fazia:

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Concentrem-se na beleza do cenário. Cada vez que apreciamos a beleza natural e nos sentimos em sintonia com ela, respirando-a e deixando-nos embeber pelo êxtase da visão, com um amor que advém o facto de nos sabermos parte desse todo, carregamo-nos de energia positiva. Inspiramos essa beleza e ao expirar imaginamos toda a energia negativa e pesada, todo o cansaço, toda a má vontade a saírem de nós. Devemos inspirar e expirar profundamente ao executar este exercício, mas não mais de três vezes, pois corre-se o risco de ficar com tonturas. De facto, na natureza temos toda a energia de que necessitamos. Por falta de conhecimento deste facto, todos os dias vemos as pessoas a lutar por energia que na sua óptica lhes confere poder. Quando duas pessoas discutem, vemos uma que impõe os seus argumentos e se agiganta absorvendo a energia da outra, que se encolhe e diminui, sentindo-se descarregada. Esta, por sua vez, irá carregar-se descarregando em alguém, produzindo um ciclo vicioso. O homem alimenta-se não só da energia mais pesada que lhe é dada pelo que come e bebe, mas também da energia mais etérea mas imprescindível que absorve através das emoções e dos sentidos, através de 7 grandes pontos de absorção energética conhecidos como Chacras, e de centenas de outros mais pequenos espalhados ao longo do campo electromagnético que envolve e constitui o corpo físico. Estes conhecimentos são milenares. É através da harmonização energética desta parte subtil de nós mesmos que poderemos restabelecer as forças e ganhar tranquilidade,


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sem necessidade de situações de conflito ou oposição com outras pessoas ou situações. Depois de meia hora de repouso recomeçamos a caminhada, passando pela Capela de N. St.ª das Angustias, cruzando o rio Louro, para depois do Palácio de Mós começarmos de novo a subir. Sabes, acho que já encontrei uma razão para ir até ao fim. Não vou desistir. Siga para bingo!! Animado pela paragem e pela reflexão, o Jorge com um ar iluminado parecia ter encontrado uma causa superior para percorrer o resto do caminho. Eu sabia que ele acabaria por lá chegar. Voltámos ao caminho que de novo passava pelo meio de hortas e uma agradável zona de pinhal. Encontrávamos esporadicamente outros grupos de peregrinos. O caminho desembocou novamente numa estrada de alcatrão. Pelo caminho íamos cumprimentando as gentes locais que encontrávamos. Às vezes recebíamos resposta, outras nem por isso. Uma senhora idosa e com evidentes problemas em mover-se, apoiada num cajado, disse-nos: Porque marchais? – porque quereis, e podeis!! Que Dios vos bendiga e faça leve o caminho. E fez. A partir de dada altura, caminha-se automaticamente. As pernas doem, os pés escaldam, as virilhas ardem, mas o ser que caminha é mais que aquelas pernas, aquelas virilhas, aqueles pés, aquelas dores. Caminha-se como se não se tocasse no chão. A beleza dos riachos e a sombra das árvores protegem e enfeitam a caminhada. As costas endireitam-se os ombros deixam de doer com o peso das mochilas, o caminho faz-se leve. Só quando recomeçamos a falar sentimos o peso da caminhada. Atravessámos Chan de Pipas e seguimos pela estrada romana (aproveitando para encher de novo o cantil) até à aldeia de Padron. Aí saímos dos trilhos e entrámos de novo na N 550.

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Chegámos a Redondela, passando pela Igreja de Santiago, já ao fim da tarde. O conta passos indicava 37 km. Havíamos exagerado na caminhada e as consequências faziam-se sentir no corpo. Procurámos a pousada que estava cheia de peregrinos, e aí nos puseram o carimbo e nos deram camas. Antes de tomar banho e mudar de roupa, fui à farmácia comprar pomadas para relaxar os músculos e aliviar as dores das pernas, pensos, água oxigenada e pele artificial para as chagas dos pés.

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Ao verem como eu tinha as virilhas descarnadas, e os pés em ferida, os meus companheiros de viagem que se queixaram frequentemente durante o caminho, ficaram boquiabertos. Compreenderam que a tal elevação e concentração resulta mesmo, pois eu estava pior que eles mas não me queixei. Depois de comer umas tapas num restaurante ao lado da pousada, recolhemos às camaratas que partilhávamos com os outros peregrinos. Todos exibiam as marcas da caminhada e trocavam entre si pensos e pomadas.


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Dia IV redondela – pontevedra 07 de Setembro de 1999

Levantámo-nos ainda de noite, às 05.30. Queríamos fazer a maior distância possível de manhã, e tentar evitar caminhar à hora do sol mais forte. A próxima paragem era Pontevedra que fica sensivelmente a meio do caminho. Ao sair do albergue, percorremos as ruas silenciosas de fachadas de granito que projectavam sombras peculiares na calçada. Fomos apanhar outro trilho à saída de Redondela que atravessava um bosque. As sombras projectadas, pela luz fraca dos candeeiros das casas na penumbra da noite, criam efeitos fantasmagóricos, como que imagens de seres escondidos e vigilantes. Estamos na Galicia, a terra das “Meigas” ou bruxas. O Caminho era muito bonito, com pontes sobre riachos e as fontes de água pura espalhadas ao longo do percurso. Os meus companheiros estavam animados e fui contando a lenda de Santiago mata-mouros pelo caminho. Tens que escrever um livro acerca disto tudo. Da parte gráfica trato eu.

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O Jorge estava cada vez mais entusiasmado. As características do caminho, quase sempre por trilhos e o facto de termos saído muito cedo fez com que a viagem parecesse mais leve. Chegamos a Pontesampaio e parámos para comer qualquer coisa num café. Sentámo-nos ao balcão e pedimos bocadilhos. Entretanto entraram mais dois peregrinos na casa dos cinquenta e muitos ou sessenta anos. Dois homens robustos e bem preparados. Não se aperceberam que também éramos peregrinos pois as nossas mochilas estavam escondidas por detrás do balcão. Ao sairmos, cumprimentámo-los e desejámo-lhes boa caminhada. Logo encetamos conversa. Vinham da Catalunha e faziam a peregrinação regularmente, sendo esta a quarta vez. Eram dez horas e bebiam uma boa garrafa de vinho tinto com umas tapas. É este o espírito do caminhante: beber a água das fontes, desfrutar o bom vinho que encontra no caminho e comer bem. disse um deles. 42

Não era talvez a teoria mais ortodoxa mas era tentadora de facto. Continuamos por veredas e caminhos principais, passando por Cacheiro, Santa Marta de Gandarón Bullosa e Bértola. Depois de cerca de três km, por asfalto, chegamos perto da uma hora da tarde a Pontevedra, já com mais de 7 horas de caminhada. Procurámos o albergue dos peregrinos, mas estava fechado, pelo que tivemos de procurar um hotel para tomar banho e nos trocarmos. Saímos depois a percorrer a bonita cidade chamada da «Virgem Peregrina». Na parte velha da cidade visitámos a basílica de Santa Maria, santuário de «A Peregrina», passámos pelos conventos de Santa Clara e São Francisco, igreja de São Bartolomeu e as plazas típicas de Leña, Verdura e Herréria, com as suas esplanadas e velhos edifícios. Foi nesta última que decidimos sentar-nos para uma refeição de tapas, que aquela hora era mais de lanchar que de almoço. Fizemos rapidamente amizade com o empregado da esplanada, que não parecia a princípio muito inte-


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ressado em ter mais três clientes àquela hora. O Jorge mostrava outro ânimo: Caminhar assim é muito melhor. Dá tempo para descansar à hora do calor, e conhecer melhor os locais. Hoje sinto-me cinco estrelas. Compañero!! Más una botella de Rioja. – dizia no seu «espanholês» característico. Depois daquela conversa comecei a fazer aquele exercício da natureza e tem dado resultado. Como é que isso funciona? Funciona porque o homem tem uma natureza semelhante à Terra e ao Universo. Somos feitos exactamente das mesmas partículas e ondas radiantes, compostos dos mesmos tipos de átomos e moléculas que todo o cosmos do qual também faz parte a natureza em que vives. Embora as proporções de matéria bruta e radiante, da energia enfim, de que somos feitos sejam em proporções específicas e algo diferentes do que te rodeia, a base de composição é a mesma. Também somos feitos de 70% de água e 30% de matéria como a terra; tens rios e riachos no teu corpo tal como a Terra; que são as tuas veias e artérias, e por aí fora. Poderia estar meia hora a estabelecer analogias entre a tua composição e a composição do planeta. O que se passa é que o homem sobretudo no ocidente, tem uma consciência de si mesmo quase nula. Os sistemas educativos põem pouca ênfase na explicação do funcionamento do corpo humano e explicam mal a natureza do homem, não ensinando que somos um todo psicossomático e que tudo interage com tudo, pois tudo é energia. Apesar de Einstein ter alterado substancialmente o conhecimento científico com a sua teoria da relatividade, que na sua essência explica essa interligação, e de hoje em dia as investigações científicas se moverem no âmbito da energia subatómica, ainda vivemos no mundo concreto explicado por Newton, onde «ver para crer» é essencial. Apesar

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de se tratar de conhecimentos milenares que vêm de civilizações que se perdem para lá do tempo que conhecemos, esta sabedoria (que por ser mal utilizada provocou já num passado longínquo a queda de civilizações tão ou mais florescentes que a nossa), foi mais uma vez esquecida ao longo dos séculos, sobretudo nos últimos. Depois do período de obscurantismo da Idade Média, e do brilho criativo da Idade Moderna, caiu-se de novo no século passado, numa espécie de torpor evolucionista. Até certa altura, tudo era fácil para as pessoas. As religiões do mundo davam os parâmetros de conduta necessários com os seus conceitos de bem e de mal, de proibido e permitido. Mas sempre que se tentou explicar uma natureza superior ou Deus ao ser humano, fora de si próprio, as coisas nunca deram resultado. A própria natureza divina do homem o faz ir em busca de si próprio e do conhecimento superior.

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Desfeitos alguns princípios espirituais pela acção dos próprios grupos religiosos, cujas teorias tanto serviam para explicar Deus, como para matar e seleccionar os homens, em nome dele, apercebendo-se o homem da insuficiência das explicações dadas pelas chamadas leis superiores e farto dos seus dogmas, o Ser Humano foi em busca de explicações imediatas para as coisas mais simples. Meio entorpecido, como se estivesse a acordar de um longo sono, lá foi descobrindo explicações através de sólidos métodos de comprovação científica, para algumas das coisas mais básicas da sua existência: Só no final do século XVIII Lineu proclamou o sistema moderno de ordenação dos seres vivos. Com o aperfeiçoamento do microscópio, comprovou-se que os seres do reino vegetal e animal se reproduzem pelo sexo. Mais tarde, Harvey «descobriu» e explicou a circulação sanguínea. Darwin surgiu com a sua teoria da evolução que foi difícil de encaixar; só no século passado Lavoisier compreendeu o papel dos pulmões na oxidação do sangue pelo oxigénio. Hoje em dia a ciência atesta que existe interdependência vital entre todos os seres dos diferentes reinos,


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e que todos os seres vivos dependem das plantas, por intermédio das quais absorvem os elementos necessários à sua constituição e manutenção. Todavia essa interacção é pouco explicada nas escolas ou por outras vias de ensino, e a comunicação social que é o grande veio transmissor de conhecimento da actualidade, limita-se a noticiar com frequência as futilidades e jogos de poder sociais e políticos, contribuindo para a manutenção mundial de uma estrutura económica e social desregulada e injusta, em que os bens materiais e a necessidade de consumo são o mais importante e a riqueza mundial está nas mãos de um punhado de falsos poderosos. Mostram-se de forma distante e com pouco ênfase, imagens e notícias de catástrofes naturais que se reflectirão irremediavelmente no ecossistema da terra e na existência do homem, de forma negativa. Mas, começa agora a surgir, mais forte em cada vez mais pessoas, a consciência de uma existência holística onde tudo é complementar. A evolução da natureza não é sempre linear em termos de espaço-tempo como nós o entendemos. Muitas vezes processa-se através de saltos quânticos, tal como é explicado pelas últimas descobertas científicas. Pena é que o homem ainda separe os fenómenos físicos da actividade espiritual ou divina, se quisermos. As orações e rituais de emanação energética efectuadas por criaturas iluminadas em todo o mundo, estão a produzir os seus efeitos calma e seguramente no universo do imponderável, ganhando raízes cada vez mais fortes na parte superior e subconsciente que jaz adormecida na maior parte dos seres. Estamos a entrar numa nova era que a astrologia classifica como a Era do Aquário, que é uma era Ying, feminina, lunar, caracterizada por uma maior sensibilidade de todos os seres humanos em relação a si mesmos e a tudo que os rodeia. Não deve faltar muito para que esse número crescente de pessoas que se abrem a um novo entendimento e pretendem existir num patamar de evolução superior guiado pelo amor, produza os seus efeitos e provoque a alteração necessária no planeta. A consciência mais elevada de poucos, através do aumento do nú-

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mero de seres que atingem esse patamar, atingirá o ponto crítico em que pela sua potencial inegabilidade toda a humanidade verá as coisas de novo tipo de perspectiva. Isso será muito positivo. Isso tem alguma coisa a ver com o fim do mundo de que se fala?

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É o outro lado dessa interpretação. Esses conceitos foram sempre discutidos e partilhados numa perspectiva de existência de coisas proibidas e de manutenção do poder e controle por parte de instituições político-religiosas. Depois do advento inicial do cristianismo, o medo foi a arma fundamental para controlar o poder sobre as massas sobretudo no Ocidente. Foram desenvolvidos códigos de conduta baseados em noções de bem e de mal, de Céu e de Inferno, de Deus e Satanás. Todas as revelações dos grandes livros do conhecimento como a Bíblia ou o Corão, foram interpretadas e transmitidas à luz dessa filosofia de vida. Toda a gente espera um fim do mundo súbito, em que os bons escapam e vão viver no paraíso e os maus vão para o inferno. Os ricos em princípio podem comprar passagem para onde quiserem. Mas poucos estão atentos ao rápido degradar das condições de vida na Terra, e as várias cimeiras sobre preservação do ambiente são notícias de rodapé nos jornais e televisão. Tal como nós, também o planeta está a evoluir na espiral cósmica. O que acontecerá será o fim do mundo e dos conceitos, tal como os conhecemos, pois a humanidade abrir-se-á a um novo tipo de existência. O paraíso de que se fala será aqui na Terra, pois os que sobreviverem certamente serão mais sensatos e amorosos. Esse processo de mudança está já em pleno progresso, basta ver as noticias e ler os jornais. Alguns de nós utilizam já esse tipo de energia positiva e vivem já de acordo com essas regras, mesmo de uma forma natural, sem terem nenhum conhecimento especial. Por exemplo: tu, a forma como falas com as pessoas. Quando chegámos à esplanada viste o ar do empregado. Estava farto de trabalhar e nós só vínhamos complicar. Mas falaste-lhe com um sorriso franco e projectaste para ele toda a energia positiva que sentes, volun-


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tariamente e sem reservas. Isso veio potenciar a sua própria energia, e aquilo que podia ser um frete passou a ser um prazer. O seu semblante modificou-se e tornou-se afável e atencioso. O mesmo aconteceu à senhora da taberna em Madalena quando lhe pediste para tirar uma foto connosco. Quando essa energia é natural e partilhada sem defesas, produz-se o mesmo efeito nos outros. Eles sentem-se bem connosco e acabam a falar-nos de coisas particulares sem se aperceberem. Têm vontade de partilhar também. Pois é, tens razão! É amigo, todo bien? Unas tapitas más e bebe um copito com nosotros!! O empregado sorriu e voltou com outra garrafa de vinho e um copo mais. Contou-nos coisas do trabalho e da cidade e voltou às suas tarefas cheio de energia. Se te soltares e tiveres a intenção de aumentar positivamente o campo energético dos outros, passarás a senti-los melhor. Poderás mesmo sentir as suas ânsias e partilhar conhecimento com eles. Como é que eu às vezes consigo pôr as pessoas a chorar!? Uma vez estava num bar, lno Algarve, e encontrei uma amiga do meu cunhado. Estava descontraído. Só não queria pensar em nada pois a minha vida estava cheia de problemas. Isso foi na altura das tuas aulas na Abade Faria. Se te lembras, queria encontrar uma nova postura na vida e isso levoume a reflectir no meu passado e nas lições que isso trazia. Ela estava a falar comigo e de repente começou a falar-me de coisas intimas, de sentimentos e emoções particulares. Eu sentia-me solto e ouvia. A certa altura parecia que a sentia; como se a conhecesse havia muito tempo. Ia falando com ela e quando me apercebi ela tinha lágrimas nos olhos, dizendo-me: «Nunca ninguém me tinha falado assim de mim; até parece que sabes o que sinto. Mas está a fazer-me muito bem. Obrigado!»

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Exactamente. Quando se tem um determinado tipo de postura e energia, as pessoas, sem se aperceberem, reconhecem o padrão e buscam compensação e essa energia positiva, através de nós. Desabafam, ouvem, choram por vezes e sentem-se aliviadas. Essa é uma dádiva maravilhosa que todos temos para oferecer. Basta querer e ter capacidade para produzir a tal abertura necessária em nós. O sol brilhava criando na praça um movimento de sombras e cores tão agradável, que parecia estarmos perante um cenário pintado pelos anjos. Sentíamo-nos leves e integrados com tudo. Quase em êxtase.

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Um pedinte aproximou-se e pediu, em Galego, dinheiro para comer qualquer coisa. Tinha um sobrolho meio aberto, a boca ferida e a testa raspada. O seu olhar chamou-me a atenção. Era um olhar melancólico, baço e distante, com as marcas inconfundíveis desse monstro deste século que é a toxicodependência. Senta-te e come connosco! – convidei. Sois portugueses? Sim! Eu também! Sou de Vila Nova de Gaia. Chamei o empregado e mandámos vir uma tortilha para o novo companheiro. Dei-lhe um copo de vinho, e tempo para recuperar da surpresa. Para ele não é normal que se convide um pedinte para comer na nossa mesa. Realmente os portugueses são outra coisa! Disse.


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Então, que fazes por aqui na Galiza? Vim para trabalhar mas isto está fraco. Foi só azares. Assaltaram-me, roubaram-me o dinheiro, a senhoria correu comigo, e ontem à noite estava ali noutra praça e vêm uns bêbados e espancaram-me. Já foste ao hospital? Não. Se não a polícia põe-se a fazer perguntas. E depois isto também não é nada. Só uns arranhões. Agora tenho é que arranjar maneira de ganhar uns cobres para não ter que andar para aqui assim. Mas não tens família em Portugal? Tenho, mas não posso contar com eles! Como não podes contar com eles? Família é família! – diz o Jorge. Se quiseres telefonar a alguém a malta empresta-te o telefone! Eu cá me desenrasco. Estou chateado com eles e vim para aqui para evitá-los. Não quero nada com eles. Hei-de arranjar solução. E quando pensas, seriamente, em arranjar solução para o verdadeiro problema que te levou a cair nesta situação? Aquele de que ainda não falaste? – perguntei. O seu semblante contraiu-se de surpresa. Pensou certamente em desviar a conversa, fingir que não entendia, sentiu-se apanhado e posto a descoberto. Baixou a cabeça e todos respeitámos o seu silêncio. Um arrepio percorreu-nos a espinha em simultâneo; em sinal de um mesmo sentimento energético de compaixão e comoção pela situação do nosso companheiro. Ele sentiu isso, sem saber bem o

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que era, e passado o choque inicial, com os olhos brilhantes das lágrimas que afloravam, começou a abrir: Já estive num centro no Porto mas aquilo é tudo treta. Estou agora a ver se ganho algum para experimentar uma cura que me indicaram mas isto está difícil.

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Porque não páras de te iludir meu amigo? A verdadeira razão da tua desdita é a droga! Foi por isso que a tua família se zangou contigo. Tentaram ajudar-te, mas chega a um ponto em que é difícil à maior parte das pessoas que nunca passaram por aí, entenderem o desespero que te leva a mentir constantemente, e a fazer tudo para obter dinheiro para comprar mais uma dose. Até roubar. O mundo não está contra ti. Tu estás contra ti. Sujaste o teu templo que é o teu corpo. Perdeste o controle da tua mente que só responde neste momento às necessidades mais básicas do teu corpo, e esqueceste-te ou nunca soubeste, que possuis uma força interior que anima o teu corpo e a tua mente. Essa força é quem tu realmente és. Só ela te pode tirar de onde estás, é atrás dela que tens de ir. Por esta altura já o nosso amigo chorava compulsivamente. Respeitámos a sua dor e, no silêncio entrecortado pelo seu soluçar, a um sinal meu, projectámos para aquele homem toda a energia amorosa que possuíamos. Passado algum tempo lá se recompôs e começou a comer. Sois peregrinos? Sim. Eu não acredito em Deus. E quem, ou o que é Deus, para ti?


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Isso que dizem na Igreja, que é o Pai de todos, que sabe tudo, que ajuda todos, é tudo treta. Isto é cada um por si! Ai é? Então o que estamos aqui a fazer? Ah! Isso não tem nada a ver com um velho de barbas brancas que olha para tudo e não faz nada. Vocês fazem isto porque são gajos porreiros! Bom, mas «nesse» Deus eu também não acredito! Deus para mim é tudo o que existe e está no íntimo de todos nós. Uma parte de nós é Deus. É sobretudo, dentro de nós que temos de o encontrar. Mas só conseguimos fazer isso partilhando a vida uns com os outros, revendonos em sentimentos e emoções que compreendemos nos outros como se fossem um espelho de nós, percebes? Por exemplo, eu estou aqui a dizer-te estas coisas para te ajudar, mas ao mesmo tempo estou a consolidar estes valores dentro de mim, estou a vivênciá-los e isso faz-me sentir muito bem. Na minha perspectiva Deus é alegria e entusiasmo. É amor por tudo, é viver contente com a perspectiva de novas descobertas sobre nós mesmos através da observação e experimentação de tudo, retirando as lições necessárias da vida. As boas e as más. Como darias valor às boas sem a referência das más? Na vida tudo isso são coisas transitórias, têm no seu conteúdo o necessário para a nossa evolução. Tudo são respostas à nossa forma de estar na vida. Tu tens o poder de criar a tua realidade e transformar a tua vida. É só querer. Mas como? Pede. Pede a Deus ou, se não te agrada, pede às estrelas, mas sobre tudo pede a ti próprio. Depois, prepara-te para receber. O mal de muitas pessoas é não serem sequer capazes de receber. Quando aqui passaste pediste dinheiro para comida. A tua finalidade era o dinheiro. Mas

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pediste para comer. Estás a comer. Se pedisses dinheiro, eu dava-te. Aprende a pedir e a natureza dá-te. Mas certifica-te de que queres o que pedes e que isso é bom para ti. Pois se não for recebes à mesma e depois sofres as consequências. É assim que eu entendo Deus. A minha família não quer saber de mim! Quer! Por certo, todos os dias a tua mãe chora, mas não o pode mostrar pois isso vai contra a decisão orgulhosa do teu pai. Mas ele também se isola e sofre em silêncio a tua ausência. Alguém tem de quebrar essa enorme barreira que é o ego. Faz o que sentes ser correcto no teu íntimo, pede ajuda vai ter com eles. Não tens irmãos? Lavado em lágrimas disse – Tenho uma irmã. Telefono-lhe todos os meses.

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Então, toma lá um cartão telefónico. Telefona e diz-lhe que queres voltar a ser tu e precisas da tua família. Tu não sabes para onde ir, nem o que fazer. Aceita a ajuda que te podem dar. Ajuda-te a ti mesmo. Por entre lágrimas e sorrisos, abraçou-nos e agradeceu pela força que lhe tínhamos dado. Prometeu falar com a família e tentar de novo uma cura. Mandámos vir mais umas sandes para ele e demoslhe algum dinheiro. Por uma noite teria o que comer e onde dormir, ou então mais uma dose. Mas isso já era escolha dele. A nossa intenção era clara. Regressámos ao hotel levando connosco aquela energia maravilhosa que nos dá a noção de cumprimento de um dever superior. Falámos sobre o sucedido mais um pouco e a conversa entre o Jorge e o Carlitos estava acesa e cheia dessa energia. Falavam dos assuntos familiares e pessoais. Afinal, eram irmãos e aperceberam-se que tinham muito para dizer um ao outro. Como eu estava a escrever, foram dar uma volta. Duas horas depois voltaram radiantes:


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Bem! Esta foi a conversa mais espectacular que já tivemos até hoje. Aqui o meu mano é cinco estrelas. Diz o Jorge abraçando o irmão. Eu, entretanto, tinha tido pelo telefone uma conversa interessante com uma amiga minha a quem tinha oferecido o livro «Verónica decide morrer» do Paulo Coelho, e o fio condutor da conversa foi quase o seguimento em detalhe das conversas tidas à tarde. A partilha é extraordinária quando se está sintonizado. Estava na hora de dormir, pois a caminhada recomeçava no dia seguinte às cinco da manhã.

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Dia V pontevedra – pontecessures 08 de Setembro de 1999

Acordámos bem dispostos e cheios de ânimo para a caminhada. Depois de mais uma revisão às feridas e às chagas dos pés, abandonámos Pontevedra. Saímos pelo trilho paralelo ao caminho de ferro e, passando por Pontecabras, rumámos a norte. No meio da escuridão, a brisa fresca da manhã trazia-nos o odor suave dos eucaliptos misturado com o cheiro da terra molhada pelo orvalho matinal. Era o odor inconfundível dos bosques e pinhais que nos acompanharam em muitas etapas do caminho e eram já nossos amigos. Como já referi, nos trilhos por entre a natureza, o esforço de caminhar era bem mais suave. Alumiados pelo luar, tínhamos de novo a companhia do bailado das sombras que ora pareciam formas humanas em emboscada, ora representavam seres gigantescos, talvez guardiões do caminho nas sombras da noite. Chamei a atenção dos meus companheiros para essas formas mágicas, e brincando com o facto elas tornaram-se companheiras amigas e ajudaram-nos a galgar terreno precioso até ao alvorecer. Passámos Sta. Maria de Alba e depois da Capela de San Caetano fomo-nos embrenhando nos profundos bosques de Reirís e Lombo de Maceira. Depois, São Mauro, São Mamede da Portela

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e Ponte Valbón. Há que prestar atenção à sinalização pois existem aqui muitas encruzilhadas, e o caminho desvia-se muitas vezes da sua rota para evitar propriedades privadas. Nestas encruzilhadas marcadas geralmente por um pequeno cruzeiro, encontram-se invariavelmente vários objectos e velas, vestígios de trabalhos ritualizados feitos a mando de bruxas e feiticeiras (as tais «Meigas» cujo nome deriva de Magas). Para que serve isto? E porque é que o fazem sempre nas encruzilhadas? – perguntou o Carlitos. Como nestes pontos se cruzam caminhos, assim, também simbolicamente, se podem levar coisas a acontecer através da intercepção de dois destinos diferentes. Além disso, é usado o poder da cruz, que é a ligação com o Alto, para realizar as cerimónias e se conseguir o que se deseja. 56

Mas isto é feito para fazer mal ou bem? Qual é a diferença entre a bruxaria e a feitiçaria? As noções de bem e de mal variam consoante a evolução das pessoas. Para uma pessoa educada e evoluída, a ideia de insultar alguém ou ser insultado, é uma coisa insuportável. Para alguém menos evoluído isso é normal. Estas mulheres herdaram os seus conhecimentos por via directa oral e prática, das suas mães e avós. Desde o tempo dos Celtas e dos seus Druidas, e talvez até antes, sempre existiram este tipo de rituais. Foram desaparecendo no resto da península, mas na Galiza continua a haver uma forte tradição. Mas o que é que elas fazem? Há muitas «Meigas» bem intencionadas que, à sua maneira, tentam fazer apenas o bem, não aceitando trabalhos que aparentemente


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prejudiquem alguém. Tratam de maus olhados, espinhela caída, quebranto, mal de amores, problemas de dinheiro etc. Com rezas e mezinhas, vendendo chás e amuletos, encomendando missas ou pondo velas em encruzilhadas e igrejas, lá vão fazendo o seu trabalho, sem querer prejudicar ninguém voluntariamente. Muitas vezes, por não saberem utilizar bem as suas capacidades, e manter-se limpas de mácula e isentas de energias negativas, é a si próprias que prejudicam por desconhecerem as forças com que lidam. Mas bruxaria, feitiço, sortilégio ou encantamento, significam normalmente operações de «magia negra» destinadas a prejudicar alguém por vingança ciúme ou inveja, ou conseguir vantagens em detrimento de outrém. Antigamente, há muito tempo atrás, a palavra feitiço expressava simplesmente uma operação de encantamento no sentido benéfico através do «acumular» de forças e energias em objectos, animais e seres humanos. Confeccionavam-se amuletos, talismãs, escapulários e orações, cuja finalidade era proteger o indivíduo. Estes encantamentos eram feitos pelos Magos e Druidas por serem processos vinculados à magia ancestral e necessitarem de conhecimentos do funcionamento da energia da terra e dos sinais das estrelas, bem como da natureza do homem. Mas, como sempre, a dualidade natural do homem foi-se fazendo sentir. Vendo o poder que poderia obter com essas acumulações de força e dinamização do éter físico de objectos ou seres vivos, o instinto inferior do homem entrou em funcionamento. Surgiram rapidamente filtros mágicos, beberagens misteriosas para favorecer amores impossíveis ou destruir casamentos e amuletos com radiações nocivas para propósitos de vingança. Histórias sobre isto não faltam. Utilizam-se peças de roupa das pessoas visadas, fotografias, fios de cabelo, etc. Depois de emantados com uma intenção que tem um padrão de energia específico, os objectos que servem para acumular essa energia são então deixados em lugares concretos, junto ao enfeitiçado, sem que ele note, ou nestas encruzilhadas que funcionam como aceleradores da vontade expressa por quem enfeitiça.

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Safa! Vamos mas é embora! Não mexas nisso que ainda te cai alguma coisa – O Jorge brincava com o irmão! Não há nada a temer pois a nossa protecção reside na realidade que construímos para nós. Mas é melhor não mexer. Como dizem os responsáveis: «Jo no creo en brujas! Pero que las ai, ai!»

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Em Caldas de Reis, depois de atravessarmos a estrada romana, decidimos refrescar os pés doridos. A água fresca era um bálsamo tranquilizador que se viria a revelar nocivo mais tarde. A pele ficou mais sensível e o calor do cansaço passou a obrigar-nos a descansar mais vezes e a procurar novos cursos de água para aliviar as dores nos pés. Depois da Ponte Bermaña, o caminho atravessa o vale com o mesmo nome envolto em bosques centenários. Aqui, a natureza parece ter uma energia muito especial e o caminho torna-se mais leve. Depois de Casal de Eirixio, lá continuamos pelos bosques que atravessámos escutando o rumor dos riachos e fontes, e por entre antigos moinhos. Chegámos a S. Miguel de Valga. Daqui, prosseguimos por Cabaleiro e Fontenlo, tendo depois passado por Condide, Couto e Carreiras. Quando entrámos em Cessures, o cansaço era já enorme. Caminhávamos há quase nove horas e os mantimentos que havíamos trazido já tinham desaparecido. Depois de refrescar de novo os pés numa fonte, entrámos em Pontecessures. Perguntámos a uma senhora se havia um sítio onde pudéssemos comer e descansar um pouco. Indicou-nos a rua principal, mais abaixo, à direita, e depois do lado esquerdo da rua. � «Também há um em frente mas não presta». Com isto, a senhora indicou-nos a sua preferência, e pela sua expressão percebi que se tratava de animosidade em relação a alguém do outro restaurante. Chegados à rua principal fomos ver o restaurante que nos indicou. Estava cheio de camionistas que almoçavam. Era um daqueles restaurantes onde se come rapidamente


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para seguir viagem, pouco acolhedor para descansar um pouco e deixar passar o calor da tarde antes de retomar o caminho. Fomos à procura de outro. Do outro lado da rua, passámos por aquilo que nos parecia ser uma casa particular com a porta e as janelas abertas. Ao espreitar para dentro, vi que se tratava de facto de uma magnífica taberna feita à antiga. Toda em granito rústico (chão e paredes), com mesas e bancos feitas de pedaços de troncos envernizados. Quando entrámos só havia um cliente sentado numa mesa ao fundo. O ambiente era fresco e agradável, perfeito para comermos e descansarmos um pouco. Uma mulher ainda nova, de cabelos curtos e escuros, com um olhar vivo e um ar desembaraçado, saudou-nos!! Quereis comer? Sim. Somos peregrinos e estamos a caminhar desde as cinco. Estamos famintos. Podemos utilizar a casa de banho? Claro! Ya vos pongo de beber. Fomos lavar-nos e quando voltámos à sala tínhamos já um delicioso prato de cogumelos com bacon em cima da mesa. Sem que tivéssemos pedido nada em concreto, aquela mulher parecia estar à nossa espera. Deu-nos um vinho branco delicioso e depois trouxe-nos mais dois pratos com petiscos deliciosos. Era incrível a sua amabilidade e a naturalidade e rapidez com que fazia tudo aquilo. No entanto, o seu olhar revelava uma certa nostalgia. Perguntámos-lhe o nome, disse que se chamava Carmo e que o restaurante era do seu marido, Cândido e dela. Tinha um filho com seis anos e uma filha com dez e viviam ali mesmo ao lado. Tínhamos os pés piores devido aos banhos pelo caminho. As bolhas eram maiores e em mais quantidade. Perguntámos se havia algum sitio para ficar por ali, pois estávamos a apenas 2 Km de Padrón. Ofereceu-nos logo a sua casa. Agradecemos mas não queríamos inco-

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modar. Disse-nos que esperássemos pelo marido, que nos levaria a um hostal a seguir a Padrón, uma vez que tudo o mais devia estar cheio por causa de uma festa que havia ali perto em Escravitude. Entretanto foram chegando outros clientes e aí reparámos que o tal cliente que estava sentado ao canto quando entrámos, se levantara e começara a ajudar. Perguntámos à Carmo se era empregado e ela disse que não. Era apenas um amigo do Canducho (nome por que tratava o marido). Notava-se uma expressão de enfado no seu semblante, quando falava dele. Entretanto quando voltava da casa de banho, vi na televisão uma breve notícia sobre Timor, e a enorme manifestação que se fazia em Portugal a favor daquele povo oprimido. Milhões de pessoas manifestavam-se nas ruas vestidas de branco. Toldaram-se-me os olhos de lágrimas. Uma das razões porque caminhava começava a ter uma saída, e a força da capacidade de compaixão e mobilização dos portugueses por causas humanitárias, a vir ao de cima. Nunca, depois de Abril de 1974, uma manifestação tivera tanta adesão. Pelo motivo que é, solidariedade, será certamente a maior do século. Todos os portugueses unidos em torno de uma causa humanitária! Vens comovido? O que foi? Está a acontecer uma manifestação gigantesca em Portugal por Timor Lorossae. Estou contente por ver que a transformação começa a acontecer. Timor e o seu povo são um dos motivos porque caminho. Ainda não nos mostraste a tua carta a Santiago! Não queres lê-la agora? Por algum motivo, acatei aquela ideia de ler a carta em voz alta. Talvez para que os meus amigos ao ouvir-me pudessem comungar em conjunto comigo das minhas ideias e intenções. Mas como percebi mais tar-


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de, para além disso, era para me ouvir a mim próprio. Passei pela parte de Timor e a seguir pelo meu desejo em relação à humanidade. Quando cheguei à parte do meu filho, chorei copiosamente. Ali, numa taberna no meio da Galiza, cinco anos depois do acidente do Ricardo, conseguia finalmente chorar e sentir a sua morte, a separação do físico e a força do sublime e etéreo que nos anima. Durante anos eu falei daquilo que se tinha passado comigo com aceitação. Com o entendimento racional de quem percebe uma existência noutros planos e se conforma com as regras do destino, transformando a sua dor em amor pelos outros, ajudando, dando o exemplo, transmitindo força e alegria com a autoridade de quem tinha vivido a situação mais terrível que se pode imaginar. Nos primeiros tempos, logo após o sucedido, comecei a falar em sessões onde se reuniam pessoas que também tinham perdido entes queridos. As pessoas adoravam ouvir-me falar e elogiavam a minha força. Racional e logicamente, era-me fácil entender e explicar as coisas. Falava do turbilhão de sentimentos que se sentia e da forma de lidar com isso e transformá-lo em energia positiva para bem de todos. Depois, durante seis meses dei um curso em que falava de vida e de morte e tentava estabelecer os elos de união entre conhecimento científico e espiritual. Cheguei a ter mais de 80 pessoas das mais variadas proveniências étnicas e culturais nas minhas aulas. A todos comovia com o meu discurso directo e as minhas opiniões. Por trás, a dar-me força, tinha o estigma da perda de um filho de 10 anos. – «Aquilo é que é fé» diziam os religiosos... «Aquilo é que é força de vontade» – diziam outros. Assim fui evoluindo ao longo desses cinco anos, mas o peso da saudade física do meu filho querido continuava no meu coração. Era como uma nódoa que o meu desenvolvimento lógico e racional não conseguia tirar do meu peito. Quando menos esperava, ou deixava cair o meu nível de energia física e mental, a dor lancinante atacava. Num misto de raiva e frustração, constatava a minha impotência para ter impedido a partida daquele que mais amava nesta vida. Bebia, retorcia-me por dentro, mas não conseguia chorar...

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Desde o momento do acidente, depois de ter constatado o desligar da força que animava o Ricardo daquele corpo inerte nos meus braços, que me predispus a arcar com tudo e a minorar o sofrimento de todos os familiares e amigos. Ali estava a grande prova para demonstrar se de facto acreditava numa vida eterna, ou se a minha angústia me ia virar contra Deus e todos os postulados. Foi o que tentei fazer sempre a partir daí. Fui mais aberto, mais compreensivo, mais amoroso, mas não conseguia chorar.... Dentro de mim, uma parte oculta rebelava-se e recusava-se a aceitar a morte do Ricardo. Ainda que a boca o admitisse e as palavras explicassem tudo com uma lógica misericordiosa, a mancha no coração voltava sempre a atacar. Sentimento de culpa reprimido e mal resolvido pela sua negação lógica, essa mancha foi alastrando. Vezes sem conta a repetição de um filme sem som na minha cabeça, mas as lágrimas não corriam. Não conseguia chorar... Tentei rezar, da forma convencional, e falando com Deus como eu tanto gosto. Mas só conseguia falar com Deus fora de mim. Estava surdo para o Deus que vive em mim. Estava zangado com o meu coração porque ele era burro. Não percebia o que a minha mente já ensinava. Ao encetar a viagem, prometi deixar-me levar pela intuição e pelo caminho, e fazer umas tréguas entre a mente e o coração. No caminho, o coração pulsa ao ritmo da caminhada, vaga nas ondas dos ventos dança com a melodia das águas! Alegra-se e liberta-se! Por isso é tão importante caminhar, sentir a natureza, ganhar consciência de si, deixar que o caminho nos descubra para nós. Ali! Numa taberna no meio da Galiza, já perto de Compostela, eu consegui chorar! Vi o rosto sorridente do meu filho olhar-me com ar aliviado. Ele sempre fora alegre e muito mexido, mas não o conseguia imaginar a sorrir há muito tempo. Houve até um período inicial em que não recordava bem os traços do seu rosto. Os olhos que contam são os do coração. Ali, com eles bem abertos e com os olhos da cara como duas fontes purificadoras, o


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coração ensinava à mente (agora grata e humilde), a lição que lhe faltava para perceber as coisas. Aceitava finalmente o facto de ter visto o Ricardo partir desta vida. Aceitava ali a morte e a transformação que ela acarreta. Fortalecia ali os laços da ligação eterna que sempre nos há-de unir, e aceitava a sua existência luminosa dentro do meu coração. Aprendia num salto quântico a viver com ele numa outra dimensão. Sem mágoas, nem tristeza, sem culpas, nem receios. Um lugar onde a sua existência não pode ser ameaçada nem posta em causa: No meu CORAÇÃO!! A choradeira foi generalizada. Quando comecei a emergir deste estado de semi-êxtase, apercebi-me que a Carmo estava ao pé de nós e tinha lágrimas nos olhos. Não me lembro duma só palavra que tenha dito. Mas que falei, falei ! Devíamos estar com algum brilho especial, pois as pessoas que iam entrando foram-se juntando a nós. Convidei o tal amigo do dono para vir para a nossa mesa. Chamavam-lhe Tilim. Devia ter pouco mais de trinta anos, mas um ar muito mais pesado. Pele crestada pelo sol, mãos mal tratadas, um olhar baço de quem se desiludiu muito na vida, marcas evidentes de consumo habitual de álcool no rubor dos vasos sanguíneos que lhe salpicavam a cara. Durante uns instantes, por tratá-lo como igual e não em sentido depreciativo como parecia acontecer com as outras pessoas que o conheciam, os seus olhos iluminaram-se e estivemos com o Tilim bom. Mas ante a aproximação de mais um companheiro de ocasião, mudou a sua atitude. Ficou calado enquanto o outro, um homem de cabelo grisalho e bom aspecto, nos desfilava um pouco da história da sua vida. Que era representante de produtos muito qualificados, chefe de vendas, que tinha dois filhos maravilhosos, um na Universidade a acabar direito e o outro já comissário de polícia, dois matulões com 1,90, que tinha uma casa na praia mas, vivia ali por causa do trabalho... etc. Tilim ouvia sem nada dizer, enquanto bebia uma garrafa de tinto («que o branco é para maricons»). Quando o nosso vendedor se afastou para os seus afazeres, deixou finalmente sair todo o seu fel:

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Esse aí, tem o rei na barriga. Tem a mania que tem dinheiro, mas não tem onde cair morto. Há aí muitos assim, têm a mania que são importantes. Às vezes armam-se em espertos e depois têm de levar um «par d’Ostias» na cara. Ainda esta semana tive de por um na linha. Sim! Que comigo é mesmo assim desafiam-me... ou me dás ou eu dou-te!

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Levantou-se para ir buscar mais uma garrafa de vinho e notei que coxeava imenso por ter uma perna mais curta que a outra. Entretanto, a Carmo veio apresentar-nos o seu marido, o Canducho, e o filho, um miúdo com uns olhos grandes, muito vivo e amoroso. Tratou–nos como se fôssemos da casa, ofereceu-nos o carro, para irmos passear se quiséssemos, e ficava assente que jantávamos com eles, que ficávamos em sua casa, que era grande, e no outro dia, de madrugada deixava-nos onde quiséssemos. Bem tentámos argumentar que não, mas respondeu que já falávamos nisso. Agora tinha de sair para tratar de umas canalizações que era o que fazia para além de ter o café, mas era rápido. Depois, o melhor era telefonar para os hotéis antes de ir pois deviam estar cheios. Assim fizemos e, de facto, os hotéis estavam cheios. Só um hostal tinha um quarto em Escravitude. O Jorge saíra para comprar prendas para os filhos daquele casal tão simpático. Além disso arranjou três vieiras (conchas que tradicionalmente estão associadas à peregrinação), muito mais bonitas e maiores que as que eu tinha arranjado em Portugal. Entretanto, chegara a filha da Carmo e do Canducho, que nos veio também cumprimentar. Com um ar muito meigo, tal como o irmão, desculpou-se dizendo que ia num instante a casa mas já voltava. Enquanto isso, Tilim estava de volta à mesa, com mais uma garrafa de vinho. Esses miúdos estão mal habituados. O miúdo então, é terrível, só faz o que quer. O Canducho não se impõe, mesmo aqui no negócio é a


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mesma coisa. Se não fosse eu a ajudar era uma desgraça. Não tem cabeça nenhuma. Já o conheces há muito tempo? Há uns bons anos. Eu é que tenho ajudado nisto tudo. Entretanto, o miúdo veio de casa e, como que a contrariar o que ele havia dito, sentou-se no meu colo com um sorriso aberto e muita atenção à conversa daqueles estrangeiros que falavam de uma forma estranha, mas que dava para perceber. Claro que todas as nossas atenções se viraram para os miúdos com quem inventámos brincadeiras e histórias interessantes sobre quem éramos, para onde íamos, etc. Não era assim tão comum falarem com peregrinos. Quiseram saber porque é que era a peregrinação e porque íamos a pé. Incrivelmente, a uns vinte e seis km de Compostela, nada sabiam da história de Santiago. Chegou o Canducho e, depois de ouvir a história do quarto do hotel disse: Venham comigo e tragam as coisas. Se não quiserem ficar, deixo-vos no hotel. Não havia forma de recusar a sua amabilidade porque era sincera. A sua casa era de facto espaçosa. Agora tomam um bom banho e depois vamos jantar. Nem sei como te podemos agradecer Canducho. Amanhã queremos chegar à cidade antes do meio dia, para podermos ir levantar a «Compostela» (documento que confirma a peregrinação), e assistir à missa do Bota Fumeiro. Então deixo-vos na entrada do caminho, ao pé da igreja em Escravitu-

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de, que assim chegam lá a horas, de certeza. Já fizeram mais de cem quilómetros, por isso mais quinze ou vinte é o suficiente. Queremos fazer o máximo possível mas convinha-nos regressar a Portugal ainda amanhã à tarde pois estou preocupado com o trabalho. Quantos quilómetros são de Escravitude a Compostela? Por estrada cerca de quinze. Por caminhos, talvez um pouco mais. Então arrancamos às cinco da manhã. Pode ser? Claro, são seis quilómetros, daqui até lá é um instante.

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Agradecemos e começámos a falar um pouco de tudo. Da terra, das pessoas que eram invejosas por natureza e não gostavam de ver ninguém subir depressa na vida. Era gente acomodada, que não entendia outro ritmo. Mas o melhor era tratar todos bem e ignorar os mexericos. Então e o Tilim? Por que é que é coxo, foi algum acidente? O Tilim era pedreiro. Aqui há uns anos atrás, saiu-lhe a sorte grande e passou a levar uma vida de doidos. Dantes, ninguém lhe ligava muito, porque quando bebia tinha mau feitio. Mas o dinheiro faz milagres. No fundo, ele é boa pessoa até a mim me ajudou com algum dinheiro, que lhe paguei depois. Nessa altura todos eram seus amigos e comiam e bebiam à custa dele. Levou uma vida à grande durante dois anos. Bebia muito e de vez em quando era roubado, ia parar ao hospital por ter sido agredido ou em coma alcoólico, e eu lá ia buscá-lo quando podia. Andava de carro sem carta, etc. Até que teve um acidente que quase lhe destruiu a perna por completo. O resto do dinheiro que tinha gastou-o em médicos e operações para salvar a perna. Agora, ajuda-me nos meus trabalhos e na taberna a troco de alimentação e algum dinheiro. Gosta


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muito dos meus filhos, e é tratado como se fosse da família. Ao ouvir o que dissera recordei a conversa do Tilim, e apercebi-me mais uma vez da incongruência da natureza humana. Aquela pobre criatura, como tantas outras, vivia a sua pacata existência na perspectiva de um momento de glória. Para isso jogava todas as semanas na lotaria. Saiu-lhe uma fortuna, também ele foi invejado. Mas por não saber lidar com dinheiro, e pela sua mania das grandezas, depressa vê o seu momento de glória escapar-se-lhe por entre os dedos. Tem um acidente e fica inválido e amargurado para o resto da vida. É ajudado por aquele casal maravilhoso e tratado como igual. Mesmo assim, ele não se consegue impedir de invejar aquela família que o ajuda. Porque é que o Canducho pode ter a sua mulher e os seus filhos e ele não? Porque é que o Canducho conseguiu construir a taberna e ele não? Porque é que o Canducho quase sem dinheiro, mas com o seu esforço consegue prosperar e ele que já teve tanto dinheiro está agora pior que antes? Vive na recordação de uma glória mal vivida de uma oportunidade desperdiçada – «...maldito diñero que no vale nada...» Não tem valores nem pontos de referência fora daquela família. Não acredita em nada, nem ninguém «... Dios és una mentira...», porque não acredita em si próprio. Há milhões de pessoas assim na terra e isso entristece-me, pois estão surdos à voz que calam dentro de si, e como tal, aos outros. Vivem uma existência triste cuja única utilidade são as marcas das decepções que num futuro mais ou menos próximo (nesta ou noutra vida), talvez os faça cansar-se de sofrer e os impulsione noutras direcções mais sublimes. No sótão da taberna, Canducho mostrou-nos com orgulho as incríveis velharias que recolhia aqui e acolá. Umas dadas, outras compradas, juntava-as indiscriminadamente, pois sabia que tarde ou cedo lhe seriam úteis. Tinha uma enorme habilidade manual e ideias aos montes para aplicar tudo aquilo.

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Depois, mostrou-nos com orgulho o jardim e o seu poço, os varandins de ferro que reconstruíra, e explicou-nos como a pouco e pouco tinha feito aquela taberna. Tilim seguia-nos para todo o lado sem dizer palavra, apenas acedendo solicitamente com a cabeça de cada vez que o Canducho o lhe pedia para alguma coisa. Hoje vamos fazer uma queimada para os nossos amigos!

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Quando perguntei o que era disse-me que era surpresa. Ao jantar, comemos um guisado de carne magnífico antecedido por umas gambas com um molho delicioso. Quando quis pagar, só me cobraram pelo almoço e recusaram-se a cobrar-me mais um centavo. Com o garoto sempre ao colo, falámos de fé, de amor fraternal e de esperança no destino da humanidade. Valores que nos deveriam fazer caminhar a todos. Rogaram-me que pedisse por eles em Compostela, e chorámos juntos. Depois veio a terrível queimada: Um alguidar de barro, Tangerinas, pêras, limões. Grãos de café Duas garrafas de aguardente da boa. Açúcar mascavado Deita-se depois o fogo a esta mistura explosiva e espera-se que arda. Depois, com uma concha própria enchem-se as canecas de barro e bebese quente, de preferência ainda a arder. É o melhor comprimido que se pode tomar para dormir. Foi o que fizemos depois de nos despedirmos.


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Dia VI pontecessures – santiago de compostela 09 de Setembro de 1999

Às quatro e meia da manhã, já o Canducho nos acordava para partirmos. Tinha-nos preparado um pequeno almoço substancial, que tomámos ainda meio adormecidos, e com o estranho efeito da queimada do dia anterior a revoltar-se contra o café com leite que bebíamos. No pequeno Fiat Cinquecento, percorremos num ápice os seis quilómetros que nos separavam de Escravitude. Aí chegados, despedimo-nos daquele novo amigo, prometendo que voltaríamos um dia com este livro já escrito e o resto da família para nos conhecermos melhor. Agradecemos o magnífico acolhimento e retomamos o caminho junto à Igreja de St. Maria de Cruces. Mergulhámos de novo nos bosques profundos e na neblina da manhã, reecontramo-nos com as formas amigas criadas pela luz do luar nas copas da vegetação e nos casarios sóbrios de granito. Atravessámos a linha do caminho de ferro em Angueira de Suso e pouco depois avistámos Ribasar à nossa esquerda, para lá da estrada nacional da qual nos vamos afastando cada vez mais para a direita, por entre a mata frondosa. Depois de Areal e Faramelo, passámos ao largo da Rúa de Francos.

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Caminhávamos sobre o que resta de uma calçada romana tendo à nossa esquerda as ruínas misteriosas de um antigo castelo. Do alto das suas torres abandonadas, observavam-nos séculos de história ligada às peregrinações e à protecção dos peregrinos. Passámos depois por um antigo cruzeiro e aquilo que parecia ser o terreiro de uma feira. O dia já clareava, e as sombras da penumbra matinal davam lugar aos tons esquálidos da vegetação no alvorecer do dia. Subimos depois para a aldeia de Castañal e a seguir entrámos em Pontepedreira. As pernas davam agora todos os sinais do cansaço provocado por dias de caminhada. Parámos para descansar um pouco e beber água. Neste ultimo dia, o silêncio acompanhounos a maior parte do tempo. Antevíamos a chegada com expectativa e respeito. Mas o esforço físico fazia-se sentir. Já nem sinto as pernas! Estou mesmo rebentado. Dizia o Jorge.

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Eu estou um pouco cansado mas estou bem. Então agora que está no fim é que tem de ser! Vamos fazer um pequeno exercício enquanto descansamos. Sabem, os hindus dizem que nós nos alimentamos de «prana» que é a energia primordial que envolve todas as coisas, e é catalisada pela luz do sol em contacto com a atmosfera. Dela se alimenta toda a natureza. Absorvemos essa energia através de uma espécie de vórtices energéticos que penetram a nossa aura exterior e o corpo físico, «chacras». Temos sete «chacras» maiores desde a cabeça à base da coluna, ao cóccix e centenas de outros vórtices mais pequenos espalhados pelo corpo. Uma respiração correcta ajuda imenso a estabilizar estes centros, bem como uma postura física adequada, exercício físico e bom funcionamento mental. A meditação ajuda a manter o equilíbrio e uma boa actividade espiritual é o ideal para funcionarmos em beleza. Dizem que as árvores são óptimos condensadores de «prana». Por isso, vamos fazer o exercício da árvore. Vamos escolher este velho eucalipto e dar as mãos, à volta dele. O que


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vou fazer a seguir, é evocar a nossa harmonia com Deus, com a natureza, o universo e sobretudo com esta árvore. A seguir vou falar com ela e pedir-lhe que participe connosco num intercâmbio entre a sua energia e a nossa, que nos é dada pela sublime intenção de percorrer o caminho que nos conduz para verdades maiores. A sua energia dár-nos-á forças para continuar, e as nossas intenções de peregrinos dar-lhe-ão o vislumbre da sua futura participação num plano existencial superior, e o prazer de compartilhar. Ficará alegre e agradecida, e se estiverem libertos, respirarem correctamente e de olhos fechados, poderão sentir essa partilha e esse contentamento. Quando eu parar de falar e largarmos as mãos, façam o que vos apetecer seguindo a vossa intuição. Depois de ter aberto os olhos, afastei-me da árvore agradecendo interiormente. O Jorge e o Carlitos, continuaram abraçados e com a cabeça encostada à árvore por mais uns bons momentos. Ao abrirem os olhos lentamente disseram: Uau! Que paz se sente! Só me apetecia continuar ali, agarrado à árvore. Eu então senti um formigueiro nas mãos e nos pés, e parece que não conseguia afastar a cabeça! – Disse o Carlitos. Sim! Mas vamos andando para não deixar passar o efeito – disse eu gracejando. – Temos que chegar antes do meio dia! Pelo caminho fomos falando da experiência, e prometi repeti-la mais vezes quando regressássemos a casa. Eu e o Jorge íamos falando acerca das propriedades curativas das plantas e quando demos por isso, o Carlitos já ia 100 metros à nossa frente. Carlitos, estás com o speed todo?! Espera aí por nós!

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Desculpem estava distraído! É que estou ansioso por lá chegar e agora já não me dói nada. Pois é! Parece que também estou melhor. Mas mesmo assim estou cansado. É normal que ele se sinta assim. Pesa menos 10 ou 12 quilos que cada um de nós, não fuma, é saudável, e é puro de espírito. Ele foi quem mais próximo esteve daquela árvore e mais sentiu a simbiose. Ainda mais foi uma surpresa, foi a primeira vez. Está cheio de entusiasmo e isso é bom. Deixa-o ir que já o apanhamos.

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Remetemo-nos de novo a um silêncio voluntário, seguindo o ritmo das passadas no caminho e respirando o ar puro da floresta. Passámos por Arieira e descemos pelo trilho até ao povoado de A Grela. Depois outra subida, suave, mas que para nós já era difícil, conduznos a Milladoiro. Passado um pouco exclamei: Ali! Já se vêem as torres da Catedral! O entusiasmo foi enorme, e acelerámos mais o passo. Depois de passarmos uma central eléctrica, avistámos a cidade de Compostela em toda a sua beleza. Passámos Agro dos Monteiros, e um caminho medieval conduz-nos a Santomil e Amañecida, e cruza uma ponte sobre o Rio Sar. A partir daqui, começa uma subida íngreme que atravessa o bairro da A Choupana. A meio da subida, tivemos que descansar pois já não sentíamos as pernas. Estávamos lívidos de cansaço, fome, mas também de êxtase. Continuámos depois, visivelmente cansados, e ao passarmos por uma mulher de meia idade que aparentemente se preparava para pintar a casa, ela disse:


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“Ai que tontos sois que tanto caminhais e vos cansais! Se tendes corpo para essas tontices e gastais nelas o tempo, vinde antes ajudar-me a pintar que já fazeis força em algo útil!” Esta mulher era ali, na parte final da nossa caminhada, ante o nosso sacrifício, a voz do senso comum e infelizmente de uma grande parte das pessoas. À entrada de Compostela parámos para retemperar forças. Entrámos num café e pedimos bocadillos e sumos. Comemos rapidamente e retomámos o caminho. Entrámos na Rua Rosália de Castro e seguimos, exaustos, até à Porta Faxeira que é a entrada tradicional do Caminho Português. Estávamos em Compostela. Caminhámos em silêncio por entre o burburinho das ruas estreitas de edifícios de granito, onde só podem andar os peões, e procurámos a “Oficina del Pelegrino”, na Rua del Villar, n.º 1. Era aí que nos iam dar a Compostela de “Piedis Causa”. Chegamos a um edifício antigo, cheio de peregrinos que ora compravam recordações, ora perguntavam por lugares de estadia, ora parqueavam as suas bicicletas. É de salientar que uma grande parte faz o caminho neste tipo de veículo, percorrendo pelo menos 200 km. Subimos uma escadaria e colocámo-nos pacientemente no fim de uma longa fila para obter o tão desejado documento. Eram 11.30 h, e estávamos a ver difícil a nossa participação na missa do meio-dia. Se fôssemos à missa antes de ter a Compostela, a Oficina del Pelegrino estaria fechada quando saíssemos, e só poderíamos pedir o documento a partir das 16.30 h, quando abrisse. «Seja o que Deus quiser. Vamos relaxar e aguardar. É melhor chegar um pouco atrasado à “Missa del Pelegrino”». Depois de tantos quilómetros a caminhar, acabámos numa fila para burocracias, como todos os dias. O importante não era o documento ou o seguir dos ritos cerimoniais (tocar com a cabeça no Maestro Mateo que fez o templo, para ter a

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sua sabedoria, ou rezar o credo junto ao túmulo de Santiago, ou tocar o Pórtico da Glória, ou abraçar a imagem do santo, etc.). O importante era termos percorrido “o caminho”. Todavia, uma vez que ali estávamos, por que não tentar levar a Compostela? Sempre nos certifica aos olhos dos outros, e é um bonito documento para juntar às páginas que tencionava escrever a relatar esta viagem. O tempo parece ter abrandado o seu passo, e as senhoras por trás do balcão parecem ter acelerado o ritmo. De um momento para o outro, encontrava-me diante da senhora que me cumprimentou com ar jovial, e depois de ter verificado os carimbos que tinha na minha declaração de origem passada pelo padre Carlos, me perguntou se queria Compostela! Percebi que era um ritual e disse sim. Passou-me um documento com o meu primeiro nome em latim e chamou o próximo. Já estava! O Jorge e o Carlitos também se despacharam de seguida, e saímos dali directos para a Catedral. Trepámos a custo os degraus da entrada principal, e à entrada deparámos com um mar de gente que enchia a enorme catedral para ver a Cerimónia do Bota-Fumeiro. No preciso instante em que colocámos os pés dentro da Catedral, tocam as doze horas e começam os cânticos de início da Missa. Extasiados pelo som celestial e pela coincidência do tempo, como se tudo estivesse ali para nos receber, sem sequer nos olharmos, caímos simultaneamente num pranto de agradecimento por tudo. Pela vida, pelo amor, pelo caminho, por Jesus, pelo Céu, pelas estrelas, pela Terra... Ficámos em recolhimento respeitoso a assistir à cerimónia, imensamente gratos e em harmonia. Nem os telemóveis que tocavam dentro da Igreja, nem as conversas banais de turistas menos sensíveis no meio da cerimónia, nem os peregrinos que tinham vindo de carro ou autocarro e nos empurravam de um lado para o outro para conseguirem um melhor lugar para ver o “espectáculo” da dança do gigantesco incensório por cima das cabeças dos fiéis, nos perturbaram ou tiraram


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da nossa tranquilidade e harmonia. Saímos a um gesto meu, que já conhecia a cerimónia, antes de esta acabar completamente, para evitar um possível atropelamento por parte dos mais apressados. Saímos erectos para a luz do sol. Os meus companheiros irradiavam o brilho e a satisfação que eu também sentia. Descemos com ligeireza as escadas da catedral, direitos à esplanada da praça principal. Das dores das pernas e do corpo, nem sombras. Mantivemo-nos um momento a olhar para a magnífica catedral e a ver o movimento dos peregrinos e turistas. Nada havia a dizer. A satisfação era total. Os meus companheiros de viagem abraçaram-me e predispuseram-se a percorrer todos os caminhos comigo se preciso fosse. Foi muito bom. Fomos comprar lembranças para os amigos e família, e depois de comer qualquer coisa, fomos à procura de transporte para Portugal. Tínhamos percorrido a rota portuguesa do Caminho de Santiago. Mas era ali, no fim do caminho, que começava o verdadeiro Caminho. Na luta do dia a dia no emaranhado das emoções e da existência em sociedade, percorrer o caminho com a mesma dedicação e frontalidade. Com a mesma vontade e a mesma força. Respeitando os sinais que ele nos dá e os irmãos que connosco percorrem o percurso da vida. Somos todos peregrinos do mesmo caminho e rumamos todos ao mesmo ponto, mesmo que os trajectos escolhidos sejam diferentes. Ajudemo-nos uns aos outros a percorrê-lo, ou então sejamos os albergues que dão guarida às almas que caminham, nos nossos corações. O mérito está em lembrar-nos disto constantemente e agir de acordo com a harmonia que aquela chegada a Compostela nos fez sentir dentro de nós. Com essa atitude, poderemos certamente espalhar essa vibração positiva à nossa volta e contribuir para a felicidade dos outros. Boa viagem.

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peregrinar a santiago PARA DAR SENTIDO CRISTÃO À PEREGRINAÇÃO

1. Dispor-se interiormente com intenção de “acção de graças”, “penitência”, “oferenda”, etc. 2. Solicitar uma carta de apresentação da paróquia onde se habita. Os peregrinos tradicionais recebiam a benção antes de partir. Aqui apresento uma fórmula antiga: “Ó Deus, que concedes sempre a tua misericórdia aos que te amam, e para os que te servem nenhuma terra é distante, dirige o caminho do teu servo segundo a tua vontade para que com a tua protecção e a tua orientação caminhe sem pecado por sendas de justiça. P.N.S.J.C, (Do Missal de Vich, ano de 1038) 3. Solicitar a “credencial” de peregrino (em Portugal não encontrámos mas em Tui estão disponíveis), na qual se vão pondo carimbos em cada uma das etapas. Caso não se consiga uma credencial, pode utilizar-se um diário ou uma folha para pôr os carimbos.

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4. É recomendado dar sentido interior à peregrinação. Na nossa vida tudo é caminho e peregrinação... Pode ajudar a leitura da Bíblia e a meditação sobre os textos do Evangelho que mais falam de Santiago (por exemplo Mt. 4, 21 ss; 20.23s; 10,1 s; 26,36 s; Lc; 9,51 s; Mc. 5,35 s; Act. 12,1 s), ou os de qualquer outro livro de edificação espiritual. 5. Preenchendo estas condições e fazendo pelo menos 100 quilómetros a pé ou a cavalo, ou 200 quilómetros de bicicleta, é concedida a tradicional certificação oficial do peregrino, chamada Compostela, que se pode obter na Oficina del Pelegrino, Rua del Villar, n.º 1, em Compostela.

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6. É recomendado assistir à “Misa del Pelegrino” onde se dão as boas vindas aos peregrinos e se podem escutar algumas das intenções de grupos de peregrinos, e que tem lugar todos os dias às 12 horas. É nesta missa que se pode assistir à cerimónia do maior incensório do mundo, habilmente manejado por um grupo de frades por cima da assistência.


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conselhos para uma peregrinação a pé

- Preparação – É aconselhável fazer uma revisão médica apropriada. É conveniente realizar treinos prévios, em que se vá aumentando sucessivamente as distâncias percorridas - Roupa e calçado – Deve usar-se roupa larga e confortável, arejada por causa da transpiração e para evitar o roçar frequente que podem produzir queimaduras de contacto, sobretudo nas virilhas e axilas. Além disso, a roupa deve adaptar-se às condições climatéricas da altura em que se faz a peregrinação. Deve levar-se um chapéu para evitar as insolações. O calçado é fundamental. Devem usar-se botas que abracem o tornozelo, pois os caminhos são irregulares podendo provocar entorses que poderiam impedir a continuação da marcha. É conveniente que as botas sejam impermeáveis e feitas em material que deixe transpirar, pois só assim se evitam problemas de micoses e bolhas devido ao suor. Fundamentais são as meias de lã confortáveis, que devem mudar-se com frequência. - Primeiros socorros – Deve levar-se gazes, ligaduras e adesivos, antissépticos e desinfectantes para as bolhas de água, antimicóticos e anti-inflamatórios

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- Alimentação – Em véspera de caminhar, não se deve comer nada pesado e de difícil digestão. - É conveniente a ingestão de mais açúcar do que se toma habitualmente. - Gorduras só devem ser ingeridas em pequenas quantidades. - As proteínas (ovos, carnes, peixe e leite) são menos necessárias durante o esforço, e devem sim ser consumidas em alturas de descanso ou no período de treino e preparação. - As vitaminas necessárias podem ser repostas com o consumo de fruta fresca e frutos secos.

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- Comer mais substancialmente no final de cada etapa - Durante o caminho beber apenas água. - A sensação de sede acalma-se melhor com caldos temperados e sopas ou chás, do que com líquidos frios. - Esgotamento por calor – Colocar a pessoa em sítio fresco, e darlhe de beber abundantemente (num litro de água dissolver meia colher de bicarbonato e uma de sal). - Prevenção de bolhas e queimaduras - Geralmente devem-se a calçado desapropriado ou novo, a meias mal postas ou inadequadas, a unhas grandes ou mal cortadas, a costuras, etc. - Prevenção de cãibras ou distensões musculares – São provocadas por falta de treino, esforços excessivos, mudanças bruscas de ritmo ou paragens prolongadas em sítios húmidos.


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onde pernoitar

- Em Portugal não existem actualmente albergues de apoio ao peregrino na rota portuguesa para Compostela. Pode ficar-se nas várias pensões ou hotéis que se encontram ao longo do caminho, de preferência fora dos grandes centros urbanos e o mais possível em contacto com a Natureza. Existe também a opção dos parques de campismo para quem leva tendas. Evitar o campismo em locais não autorizados. - Na Galiza existe uma excelente rede de albergues espalhados estrategicamente ao longo do caminho, que têm regras de funcionamento específicas: 1. Os peregrinos a pé ou com limitações físicas terão prioridade na ocupação dos albergues. A seguir na escala de prioridades seguemse os que façam a rota Jacobea a cavalo, em bicicleta ou circulem em carros de apoio. 2. Os lugares serão ocupados por ordem de chegada dos peregrinos, não sendo admitidas em hipótese alguma reservas antecipadas.

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3. A utilização dos albergues é gratuita, assim como as informações, primeiros socorros, estábulos para alojamento dos cavalos, parqueamento das bicicletas, apesar de a manutenção das montadas ser da responsabilidade dos peregrinos. Podem também ser utilizados, mas pagando, serviços de lavagem de roupa, telefones, etc. 4. A estadia será só de uma noite, salvo em casos de doença ou força maior. 5. Os albergues encerram as portas às 23.00 horas e devem ser abandonados até às 10.00 horas. 6. As luzes devem ser apagadas às 23.30 horas, com excepção das zonas comuns. 82

7. Os utilizadores devem cuidar das instalações, deixando-as arrumadas e limpas, depositado o lixo nos respectivos contentores. De igual forma é recomendado evitar desperdícios de luz eléctrica e água, assim como a utilização dos estendais próprios para secar roupa. 8. O serviço dos albergues é suportado pelas juntas e câmaras locais e assegurado por voluntários, com quem se deve ter a melhor simpatia. É conveniente, sempre que possível, deixar algo na caixa dos donativos para ajudar às despesas. A compreensão e a harmonia com todas as pessoas do caminho é de grande importância para o êxito da peregrinação. Bem hajam


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Anexos

Carta da Paróquia de St.ª Maria e S. Miguel para começo da Peregrinação Carimbos de vários locais da passagem Certificado do peregrino

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