Jornal-laboratório Sobpressão nº 27

Page 1

COLETIVO. Você sabe o que é Marco Regulatório? São os marcos legais e sociais que os meios de comunicação – mídia impressa, televisiva e radiofônica - de 10 países obedecem Coletivo Páginas 3 e 4

JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

CADERNO ESPECIAL Viva sem pressa. Você já pensou em desacelerar o seu ritmo de vida?

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

ANO 8

FÔLEGO Wesley Matos está entre os seis atletas brasileiros de triathlon que pretendem disputar três vagas para a Olimpíada que acontece em Londres, em 2012 Fôlego Páginas 4 e 5

N° 27

Hip-hop das ruas aos palcos De acordo com os adeptos, a cultura hip-hop não pode ser consumida; tem que ser vivida. É um estilo de vida, uma ideologia a ser seguida. O grafite e o breakdance são duas manifestações bastante fortes em Fortaleza. Muitas academias de dança na cidade estão aderindo ao estilo. Surgida nas ruas, a dança hip-hop tem muitas referências urbanas que vão desde o estilo da roupa dos dançarinos até as

Casamentos fogem dos rituais tradicionais

gírias e apelidos dos praticantes. A exposição dos desenhos super coloridos e espalhados pelos muros, viadutos, caixas telefônicas e postes da cidade demonstram o sentimento de liberdade e inquietação daqueles que o praticam. Grafiteiros defendem a arte social que integra até as pessoas que não fazem parte dela, com as cores e seu convite à contemplação. Sobpressão Páginas 4 e 5

Universitários sob o mesmo teto Sair da casa dos pais para dividir o mesmo teto com outros universitários exige muita responsabilidade. Ao contrário do que parece, viver em uma república não é só festa. Estudantes contam como é o cotidiano de uma residência desse tipo. Classificado Página 1

Elas jogam Rugby Que atire a primeira pedra a primeira mulher que não sonhou em casar de véu e grinalda, na igreja, com padre, daminhas etc. É, mas esse é um sonho do passado. Hoje em dia, o casamento vai de acordo com a moda. E a moda é inventar e reinventar cerimônias cada vez mais originais, organizadas de acordo com a personalidade dos noivos. Sobpressão Páginas 12 e 13 Dança e grafite: quebrando qualquer rótulo de postura mal-encarada ou da imagem associada ao tráfico de drogas, os adeptos do estilo hip-hop fazem denúncias sociais em mixagens, gírias, repetições e uma batida dançante Foto: arquivo Pessoal

A febre das câmeras lomos Máquinas analógicas lomográficas viram febre em Fortaleza. Com design arrojado e boas produções, elas são as queridinhas dos estilistas e jovens fotográfos. Descubra vários modelos das lomos, aplicativos e releituras com a digitalização. Veja ainda opiniões de profissionais sobre o assunto. Sobpressão Página 8 e 9

Importado ou nacional? Comprar um carro importado de segunda mão pode ser uma vantagem ou não. Dificuldade de encontrar peças, custo alto de manutenção, além da dificuldade de revenda são aspectos negativos apontados na hora da compra desse tipo de veículo. No entanto, há quem acredite que o con-

forto e a tecnologia oferecidos por um carro importado compensam o valor gasto. Classificado Páginas 4 e 5

Moda criativa para anões Você já parou para pensar como e onde os anões compram suas roupas? Nas lojas dos shoppings de Fortaleza talvez não seja fácil achar essas respostas. Conversando e pesquisando sobre esse mercado, acabamos por nos deparar com mais uma pergunta: será que realmente existe moda para anões? Sobpressão Página 6 e 7

Tradicionalmente masculino, o rugby conquistou o público feminino cearense. O Iracema Rugby Clube é um time que tem o diferencial de ser formado apenas por mulheres. Elas conquistaram o 3º lugar na última competição, em Recife, e querem mais. A meta agora é participar do Campeonato Brasileiro de Rugby, em São Paulo. Fôlego Página 1


2

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Fernanda Carneiro

A beleza nas mãos de quem escreve O Sobpressão já rendeu vários prêmios ao curso de Jornalismo que, agora em outubro comemora 10 anos. Na primeira década do século 21 aconteceram fatos marcantes para a História. E por que não destacar a formação de centenas de humanistas pelo curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza? Daqui certamente tem saído grandes jornalistas, que através da beleza de suas produções, em muito contribuem para a construção da realidade social. A atividade diária de coletar, redigir, editar e publicar informações faz dos nossos estudantes bons ensaistas para o retrato de um mundo mais belo e colorido, cheio de boas histórias para contar. Foram quatros meses de produção e muitos são os envolvidos no fechamento desse jornal-laboratório. Esperamos que ele reflita não somente o talento dos estudantes que por aqui passam, mas o de toda a equipe que trabalha para a criação e distribuição do mesmo.

Esta edição do Sobpressão tem beleza e arte como temáticas transversais em várias matérias. O jornal mostra que os anões são muito bonitos e não se sentem nem um pouco envergonhados em escolher roupas nas sessões infantis. O Hip-Hop, movimento que congrega dança, música e arte plástica, inspira meninos e meninas a exibirem, nos muros e em festivais, críticas e denúncias: aspectos tão evidentes e pulsantes desse estilo. Numa reportagem bem ilustrada ficamos sabendo em que pé estão os líderes e grupos de Hip Hop e o que eles tem organizado pela cidade. Numa página nova e privilegiada, a sétima arte ganha amplo espaço no jornal pela primeira vez. Além de resenhas de filmes, trazemos um Quiz sobre filmes, com perguntas elaboradas pelos estagiários e professores do Laboratório de Jornalismo (Labjor). Devagar e sempre, o jornalista e escritor Carl Honoré viajou o mundo investigando

histórias sobre desaceleração do trabalho, da alimentação, a educação dos filhos, o sexo e os cuidados com a saúde. Reunidas num livro reportagem que foi lido e discutido pela turma, as experiências foram trabalhadas de forma regional e descobrimos aqui em Fortaleza, empresários e estudantes adeptos do slow food e slow sex. Para explorar ainda mais as alternativas do movimento Slow Life, elaboramos um caderno especial, que entre muitas curiosidades e peripécias, traz o Teste da Tartaruga. Do livro aos corredores da Unifor, a iniciativa homenageia o tempo natural da vida. O ritmo do mundo parece estar acelerando. Ainda assim, aqui e acolá surgem coletivos interessados em mudar essa realidade: a ong A Cura do Planeta é um bom exemplo disso. Duas páginas foram dedicadas a apresentar essa inciativa, que rendeu uma praça permacultural numa área nobre da cidade, e um restaurante interessante de conferir.

“Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais” Dona da minha cabeça / Geraldo Azevedo

“Não me amarro a dinheiro não, mas formosura, dinheiro não, beleza pura, dinheiro não” Beleza Pura / Caetano Veloso

Opinião

10 anos do curso de Jornalismo

A NATUREZA NA UNIFOR: Eis que o estudante de Jornalismo Farley Aguiar, consegue capturar esta imagem na Lagoa da Unifor, dentro da Área de Preservação Ambiental que fica dentro do Campus, junto ao Parque do Cocó. A foto despertou o interesse de ambientalistas que não sabiam da existência desse tipo de pássaro identifcado como Martin-Pescador, aqui na capital. Pois bem para quem não conhecia, a ave alimenta-se principalmente de peixes. Para pescá-los utilizam um poleiro baixo, rente à água rasa, e daí capturam os pequenos peixes que surgem na superfície. Foto: Farley Aguiar

“Parece que foi ontem, a alegria de estar a frente de um curso de Jornalismo, um novo curso na cidade de Fortaleza. Antes a gente tinha apenas o curso da UFC, local da minha formação e de tantos outros colegas. Estar a frente do curso da Unifor era começar uma nova etapa, com uma perspectiva já delimitada: de que a comunicação era parte de todo um desenvolvimento regional e vinha exatamente atender a essa exigencia desse mercado e dessa comunidade. Dez anos depois, o fruto mais desejado e saboroso é ver os nossos alunos profissionais do Jornalismo nas redações dos jornais impressos, na televisão e no rádio, e na contemporaneidade o salto para o domínio das novas tecnologias que a cada momento nos surpreende. Vida longa”.

“Estudar jornalismo na Unifor é um privilégio. Aqui temos uma biblioteca com uma grande diversidade de títulos! Também podemos experimentar o que queremos dentro do universo jornalístico: existe a TV Unifor, com estúdios e cinegrafistas à nossa disponibilidade; a Rádio Web, que tem vários projetos; estúdios fotográficos para fazer ensaios, também o Laboratório de Jornalismo (Labjor) que é incrível, pois podemos aprender simulando estar em uma redação de verdade. E aqui temos estrutura para isso: tanto física, pois temos um ótimo espaço disponível no Laboratório, como também de pessoal: professores disponíveis a nos guiarem na profissionalização. Com isso, não há dúvida, esta é uma grande chance. Que nos próximos dez anos outros estudantes possam comemorar novamente.

Erotilde Honório, jurássica Coordenadora do CCH

Giselle Nunes , 23 anos Estudante de Jornalismo

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) Fundação Edson Queiroz - Diretora do Centro de Ciências Humanas: Profª Erotilde Honório - Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Wagner Borges - Disciplina: Projeto Experimental em Jornalismo Impresso (semestre 2011.1) - Reportagem: Carolina Benevides, Isabelle Leal, Jaqueline Nóbrega, Joicy Muniz, Jullie Scott, Lívia Lopes, Marina Maia, Ravelly Marques, Renata Frota, Suzane Saldanha e Viviane Sobral - Projeto gráfico: Prof. Eduardo Freire - Suporte Técnico: Aldeci Tomaz - Professor orientador: Janayde Gonçalves Coordenação de Fotografia - Júlio Alcântara - Revisão: Profª. Solange Maria Morais Teles - Conselho Editorial: Wagner Borges, Janayde Gonçalves, Alejandro Sepúlveda - Supervisão gráfica: Francisco Roberto - Impressão: Gráfica Unifor - Tiragem: 750 exemplares - Equipe do Laboratório de Jornalismo (Labjor) - Estagiário de Fotografia: Farley Aguiar, Rhaiza Oliveira, Jivago Soares e Thalyta Martins - Estagiário de Produção Gráfica: Bruno Barbosa, Fernanda Carneiro, Camille Viana - Estagiários de Redação: Jussara Holanda, Jéssica Costa, Marília Pedroza e Renata Frota.

jornalsobpressao@gmail.com


3

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Cinema 6D promete mais emoção

Além dos tradicionais áudio e vídeo, novas salas de cinema oferecem sensações de proximidade e profundidade Foto: Divulgação

A cabine esquisita do Cine 6D chama atenção e reúne curiosos. A promessa é de imersão no filme, com direito a vento, pingos de água e até cheiro Jéssica Costa

Internet, redes sociais, Iphone, Ipad´s, tablet´s: com esses instrumentos vemos que tudo no mundo parece acontecer muito rápido. Hoje o que é novidade, em dois ou três meses já está ultrapassado. Assim também é com o cinema. Primeiro, assistíamos às telonas maravilhados, depois veio a novidade dos cinemas 3D´s que permitem a interatividade. E eis que surgem os 6D´s, filmes em 3D polariza-

dos, onde o público utiliza óculos especiais, já conhecidos, que oferecem sensação de proximidade e profundidade. Além disso, ainda há a movimentação dos acentos em sincronia com os movimentos do filme, as sensações de vento, vapor, água e a presença de aromas, como o do chocolate, por exemplo. O mercado é promissor. Afinal, não basta fantasiar sensações, mas também sentí-las. “Você consegue se imaginar dentro do local do filme. Dá até para sentir o cheirinho de chocolate. O ruim é que dá logo vontade de comer”, revela a universitária Rafaela Braga, que assistiu a uma sessão do filme Fábricas de Chocolates. Mas há quem reclame. “É muito rápido, quando a gente

começa a se acostumar com a ideia, acaba.”, explica a dona de casa Bruna Castro, que levou o filho Nathan, 5, para ver a Ilha dos Dinossauros. O curta faz passeio à pré-história.Além de ver os répteis gigantes saindo da tela, os espectadores visitam uma cachoeira e sentem a água respingar. Nathan adorou a experiência: “Gostei da parte que molha e quando o dinossauro ficou perto de mim”. Segundo a assistente de Mar keting do North Shopping, Cristiana Glaudma, o público pode escolher entre seis filmes: Trem Fantasma, Fábrica de Chocolates, Guerra nas Estrelas, Mundo Submarino, Ilha dos Dinossauros e Mina de Ouro. A alegria é breve: “Cada filme tem duração média de cinco minutos”, explicou.

Teste seu conhecimento sobre cinema

Ação 1. Quem é o protagonista do atual filme Conan - O Bárbaro? a) Arnold Schwarzenegger b) Jason Mamoa c) Bruce Willis d) Brad Pitt e) Matt Damon Épico 2. Qual a profissão do protagonista do filme “A montanha dos sete abutres?” a) Arquiteto b) Jornalista c) Detetive d) Médico e) Psicólogo

Drama 3. Em que país foram gravadas as cenas do filme “Sempre ao seu lado”? a) Japão b) Rússia c) França d)Alemanha e) Estados Unidos

Comédia 6. De que década é o filme “Tempos Modernos”, dirigido por Charlie Chapplin? a) 1930 b) 1940 c) 1950 d) 1960 e) 1920

Biografia 4. “Gandhi” concorreu ao Oscar com Blady Runner. Qual o nome do protagonista do filme sobre o pacifista indiano? a) Pablo Escobar b) Harrison Ford c) Ben Kingsley d) Wagner Moura e) Antônio Fagundes

Terror 7. Quantas sequências possui o filme Psicose de Alfred Hitchcock? a) Duas b) Três c) Quatro d) Cinco e) Seis

Suspense 5. Quem dirigiu o filme Cisne Negro? a) Pedro Almodovar b) Carlos Saura c) Mel Gibson d) Natalie Portman e) Darren Aronofsky

Ficção Científica 8. Em qual destes filmes, famosos em 1980, Arnold Schwarzenegger não atuou? a) Exterminador do Futuro I b) O Predador I c) Running Man d) Rambo e) Exterminador do Futuro II Respostas: 1. b) 2. b) 3. a) 4. c) 5. e) 6. a) 7. b) 8. d)

Aqui você encontra um pequeno questionário com cinco alternativas, através do qual você pode avaliar seu conhecimento e obter respostas sobre o cinema. Elas foram elaboradas a partir de sugestões da redação do Labjor. Professores e estagiários escolheram filmes novos e antigos para você se divertir.

É proibido proibir! É vedado vedar! Liberem as paixões! Partner (1968), de Bertolucci. por Manoela Cavalcanti

Foto: Internet

O diretor Bernardo Bertolucci é conhecido pela exploração de temas que circundam política, perenidade do tempo, conflitos existenciais e sociais. Baseado no livro O Duplo, de Dostoievski, Partner, de 1968, é um mix não organizado disso tudo e marcado fortemente pela experimentação. O personagem principal, Jacob, vivido pelo ator francês Pierre Clementi, contradiz sua percepção através de seu discurso. É de uma confusão tão insuportável dentro de si mesmo que sua personalidade se divide em duas. Há um embate literalmente corporal entre Jacob e seu “duplo”. A briga tem direito a socos, pontapés e berros teatrais, perturbando até os cachorros, que para aumentar a algazarra começam a latir. Às vezes o sósia está num espelho, às vezes numa sombra na parede, às vezes dentro dele mesmo. O filme não é apenas um retrato de solidão ou da confusão existencial pela qual a grande maioria das pessoas passa na juventude - ou de um esquizofrênico em crise. Mas é o grito da geração 68, em que as palavras de ordem são “É proibido proibir! É vedado vedar! Liberem as paixões!”. Da covardia de Jacob, depreende-se o opressor peso social. Cheio da coragem de seu novo eu, percebe lucidamente que a arte é uma das vias que conduzem o homem à realidade. Enquanto expressa suas idéias libertárias, as atuações adquirem teores teatrais. É como se o filme fosse produto da mente do protagonista; como se não fosse suficiente que assistíssemos, mas que sentíssemos em nossa própria pele a dualidade e a confusão. A provocação ao telespectador chega a ser explícita – em um dado momento, o personagem principal fala diretamente à câmera:“Vamos abrir um parênteses: eu prometo que não entenderam nada. Porém é muito evidente. Basta que olhe ao redor. Perto de vocês ou duas filas adiante, ou atrás de suas costas, pronto a espiá-los, está ele: o seu Jacob. Porque vocês também tem um. É o que vocês gostariam de ser. Por isso têm medo dele e o evitam, negando-lhe a existência.” Somos lembrados que a realidade é muito subjetiva de se conceituar através da falta de norte do roteiro. Não é um filme fácil. E é contra-indicado a pessoas muito afeiçoadas a “começo, meio e fim”.Mas fora isso, é uma ótima oportunidade para discussão da arte. Acaba deixando o gosto da nossa confusão humana.

A volta dos que não foram, ou de quem não deveria ter sido chamado Foto: Internet

Capitão América (2011) por Jefferson Botelho Nada contra as aventuras de Steve Rogers, na pele de seu alterego Capitão América, combatendo os nazistas nos fronts da Segunda Grande Guerra – nada contra, afora o exacerbado patriotismo estadunidense arraigado no herói, desde seu surgimento nos quadrinhos da Marvel, em 1941. Porém Capitão América – O Primeiro Vingador merecia mais da Paramount Picutres, produtora responsável por gastar um orçamento milionário, de mais de U$S 100 milhões. A começar por Chris Evans, o galã que estragou o Tocha Humana no Quarteto Fantástico vem para igualmente estragar o Capitão América. Sua atuação sugere uma boa dose de falta de conhecimento da personalidade e do espírito de liderança de Steve Rogers. O que se vê no filme de 124 minutos é um garotão afim de brigar com os caras maus do bando do nazista Red Skull, líder de uma facção denominada Hidra, surgida em plena ocupação da Europa, pelas tropas do Fürher. Chris, no papel do Capitão América, nem de longe mostra o líder que o super-herói demonstrou ser ao longo de toda a sua trajetória nos quadrinhos. E isso, convenhamos, é decepcionante para os fãs do Capitão. Hugo Weaving também não repete suas melhores atuações interpretando o vilão Red Skull. Quem recordar dos filmes Priscila, a Rainha do Deserto e V de Vingança, certamente não o reconhecerá em Capitão América. Sobre o personagem, o que não gostei, primordialmente, foi como ele, Red Skull, sucumbe facilmente à força do Capitão, à agilidade do Capitão e à inteligência do Capitão. Um verdadeiro ultraje à saga de ambos nos quadrinhos da Marvel.


4

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Jovens dançarinos mostram mais que roupas folgadas e gírias

Johnnatha Boogaloo orgulha-se de ter passado por diversos festivais nacionais e batalhas de dança Foto: arquivo Pessoal

As batidas sonoras do hip-hop, o rebolado do break-dance e as cores do grafite formam um conjunto artístico que extrapolou os muros da periferia Ravelly Marques e Carolina Benevides

De longe, Johnnatha Rocha é mais um adolescente típico de sua idade. Calça jeans, tênis, blusa básica, cordão de prata, a barba por fazer e por trás da cabeleira, Boogaloo John – como é conhecido no mundo do hip-hop – não esconde seu estusiasmo em falar dessa cultura que está presente em seu falar, agir, vestir e como ele mesmo define, seu estilo de vida. Foi com 14 anos que Johnnatha teve o primeiro contato com a dança. Um dançarino de Juazeiro fez uma apresentação na cidade onde ele morava, Maracanaú, e confessa ter se encantado logo no primeiro dia. “Eu quero aprender esse negócio”. Foi assim que o

adolescente diz ter se iniciado na cultura hip-hop. A honra maior veio em 2007, quando ele foi o único nordestino a ir para o Workshop de Dança em São Paulo, com o Campbellock Jr e Sugar Pop, os coreógrafos do super astro Michael Jackson. “Eu meti as caras, fui atrás de aprender tudo, aperfeiçoar, treinar!”, fala com empolgação sobre a experiência que teve no evento. Boogaloo explica que a origem do nome hip-hop veio de uma gíria jamaicana que significa festa e que não existe bem um criador, mas sim pessoas que deram sentido ao termo, como o jamaicano Africa Bambaataa. Apesar de já ter sofrido preconceito, até mesmo da própria família, que dizia: “Isso não presta. Saia disso!”, o jovem está feliz e realizado em ministrar aulas de dança à comunidade pelo projeto “Cuca Barra”, apoiado pela Prefeitura de Fortaleza. “É uma forma de propagar a cultura do hip-hop e ocupar os jovens da

rua”, esclarece. As aulas são gratuitas e abertas ao público de qualquer idade. Além disso, Johnnatha tem um grupo que se chama Ritmo Soul-To, que faz trabalhos para a agência de publicidade Dizpensar dançando em diversos eventos. Segundo o dançarino, a mídia às vezes distorce a realidade da cultura hip-hop, associando-a quase sempre a homens marginais que estão sempre cercados de mulheres “boazudas”. As festas que unem as manifestações artísticas eram palco para as chamadas “batalhas” de dança, nas quais os negros resolviam suas intrigas, lutavam contra o racismo e as negligências, ao invés de recorrerem à violência. Quebrando qualquer rótulo de postura mal-encarada ou imagem associada ao tráfico de drogas, o hip-hop faz denúncia social em mixagens, gírias, repetições e uma batida dançante. Falando sempre com entusiamo e largo sorriso no rosto, os olhos de Johnnatha brilham quando peço para ele definir o que o hip-hop representa para ele: “Amor!”, declara. E continua: “Foi no meio dessa cultura que aprendi a ter respeito com o próximo, a dialogar, a ter estilo próprio”. Ele

Joana Saunders, 24 anos, formada em Educação Física, atua como personal trainner e ministra aulas de hip-hop Freestyle

Foto: arquivo Pessoal

explica também, que o uso de roupas folgadas é mais adequado à dança devido ao conforto que proporciona para realizar os passos. Depois de já ter passado por diversos festivais nacionais e batalhas de dança, o jovem se prepara para o Festival Nacional de Dança de Joinville e para o festival Passos de Arte, aqui em Fortaleza. Incansável e sonhador, John diz que o maior sonho é montar grandes espetáculos mundo a fora e iniciar a graduação em dança na Universidade Federal do Ceará. E quem disse que hip-hop era coisa só de homem? Joana Saunders, 24 anos, é formada em Educação Física, atua como personal trainner e ministra aulas de hip-hop Freestyle. Para a jovem, o hip-hop é o fruto da manifestação popular como forma de expressão de um grupo a ser ouvido. “Um modo de viver no meio de tanto preconceito, exclusão e falta de oportunidades, uma cultura”, comenta. Joana explica que essa cultura vem crescendo em diferentes segmentos, seja na forma de se vestir, falar e expressar, seja por meio da dança. O primeiro contato dela com o estilo foi quando tinha 12 anos. Desde então não parou de praticar. Fez diversos cursos em outras cidades e participou de festivais, mas conta que o amadurecimento em relação à cultura veio com o aprofundamento na relação com pessoas que viviam o hip-hop. Joana fez parte de uma Companhia de Dança de Rua por dois anos e revela que o mais importante é entender o real

significado dessa cultura e adaptála ao cotidiano. “É uma forma se manter conectado e compreender valores e não banalizá-los como apenas um mercado pop”, confirma. Ao ser questionada sobre o preconceito, Joana nos conta que nunca passou por nenhum, porém conhece casos de pais que hesitam em matricular os filhos na dança por falta de conhecimento, mas que ao longo do tempo isso vem sendo quebrado. A jovem revela o porquê do encantamento com o hip-hop: “Esta foi a dança que mais me encantou pela raça, forma como cresceu, pela autoafirmação que ela permite o aluno desenvolver e pela riqueza”.

Sobre o movimento O hip-hop teve seu pontapé inicial na Jamaica, na década de 60 do século passado. Mas foi no Sul de Nova Iorque, mais precisamente no Bronx, que o movimento tomou força. Com o passar do tempo, foi dividido em quatro pilares: o canto, o rap, a breakdance e o grafite. Ao pé da letra hip-hop significa sacudir o quadril e foi assim que a cultura se espalhou em todo o mundo, principalmente no subúrbio nova-iorquino.

Grafitti: Tonny Lima: (85) 8770-0867 Emerson Pereira – Tubarão: (85) 8849-1597 Dança: Johnne: (85) 86324067 Joana Saunders: (85) 88232100


5

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Arte nos muros é um dos elementos da cultura hip-hop Com o grafite, artistas promovem a reflexão. Usando muita cor e criatividade eles mudam a paisagem dos centros urbanos

De acordo com os adeptos da cultura, o hip-hop não pode ser consumido, tem que ser vivido. É um estilo de vida, uma ideologia, uma cultura a ser seguida. Tonny Ferreira, 28, começou a praticar a arte do grafite em 1999. Desde pequeno começou a desenhar uns bonequinhos distorcidos que o pai dele chamava de “capiongo”. Quando cresceu, Tonny não parou de desenhar e gradativamente foi melhorando o traço. Segundo ele, a descoberta do grafite foi bastante impactante. “Foi muito importante, pois nunca tinha visto aquela arte. Logo depois fui convidado a ajudar na execução da pintura e a partir daquele momento não parei mais”, comenta.

Durante esses 12 anos, ele aprendeu vários estilos e técnicas. E apesar de muitas pessoas confundirem os grafiteiros com pichadores, essa confusão não o incomoda. “Apesar de viver em uma cidade grande, ainda existem muitas pessoas ignorantes e que se recusam a evoluir mentalmente e acabam nos confundindo. A diferença é que a pichação é 100% vandalismo, e não passa coisa alguma para quem vê. O grafite deixa a cidade muito mais bonita, colorida e ainda deixa mensagens que procuram mostrar a paz, os problemas sociais e o não as drogas”, explica. Professor de grafite em algumas academias da cidade de Fortaleza, Tonny revela

Foto: DaviD viera

Acabam nos confundindo, mas a diferença é que a pichação é 100% vandalismo, já o grafite deixa a cidade bonita, colorida e ainda deixa mensagens que procuram mostrar a paz, os problemas sociais e o não às drogas.. Professor de grafite

que algumas oficinas tiveram apoio tanto do Governo do Estado, no Projeto Talentos da Cultura em 2004, quanto da Prefeitura de Fortaleza no Projeto Cidade Grafite em 2005. O objetivo da arte parece simples, mas revela os sentimentos dos artistas. Tonny explica que a exposição dos desenhos super coloridos e espalhados pela cidade visam a exprimir o que o grafiteiro está sentindo. “Nos meus grafites, eu tento colocar nos muros o que eu estou vivendo naqueles dias. Alegria ou indignação, paz ou guerra”, finaliza. Emerson Pereira, 28, mais conhecido como Tubarão, começou a arte, também, em 1999. Aprendeu primeiro

com a pichação, fazendo alguns rascunhos nas folhas do caderno da escola, e, como ele mesmo diz, aprendeu com os erros. “Em 1997, eu vi pela primeira vez um grafite aqui em Fortaleza e percebi que aquilo não era tão distante. Comecei a me informar e a conhecer os grafiteiros da época através da cultura hiphop, e daí fui conhecendo e me interessando a cada dia e nunca mais parei”, conta. Emerson acredita que embora muitas pessoas sem conhecimento, confundam o grafite com o a pichação, as duas artes são bem diferenciadas. “Enquanto a pichação é uma arte restrita ao mundo dela mesma, o grafite é uma arte social que integra mesmo as pessoas que não fazem parte dela, com as cores e com os objetivos sociais”. O grafite tem envolvimento total com o hip-hop porque faz parte de um dos quatro elementos da cultura. Com o grafite, Emerson promove a cultura nas periferias para levar a arte até as regiões mais carentes. E é através da pintura nas paredes de vários cantos da cidade que ele transmite sentimentos. Atualmente, ele trabalha ministrando oficinas, trabalhos comerciais, palestras, workshops e, claro, colorindo muito a nossa cidade. “O grafite tem me proporcionado muitas experiências ricas e grandes oportunidades como: conhecer novos estados, abrir a cabeça para novas culturas e amigos, além de fazer grandes amizades”, destaca. E é com a ideia de levar cada vez mais os objetivos da cultura hip-hop para a população, que conversamos com duas pessoas que, através do breakdance, levam a mensagem de paz e união do hiphop para muitas pessoas.

Pela primeira vez, um festival genuíno do Ceará Um dos criadores do 1º Festival Cearense de hip-hop, Andres Perdomo, percebeu que o movimento, no Ceará, acontecia de forma muito tímida e com ações isoladas. Daí surgiu a ideia de realizar um evento que abrangesse todos os estilos e manifestações da cultura hip-hop. Em parceria com os orgãos representantes desse movimento aqui no Ceará como a CUFA Brasil, O Fórum Cearense de Hip-Hop e o MH2O e objetivando lutar por um fortalecimento das políticas de incentivo a essa cultura, foi criado o festival que abrange vários segmentos da cultura. “Apesar dos diferentes estilos e manifestações, queremos a mesma coisa: o benefício de todos, se lutarmos juntos”, comenta. O evento tem como car-

As paulistanas do Pink Ladies estavam entre as atrações mais aguardadas no festival Foto: Divulgação

ro chefe a dança em suas várias modalidades como: locking, pipping, waaking, house, freestyle, beaking e vouge, além de diversas intervenções de outras manifestações culturais do hip-hop como o rap, o beat box – que são ritmos e batidas produzidas com a boca, Clown e Oficinas de Grafite. O Festival foi realizado em junho, no Anfiteatro do Centro Cultural Dragão do Mar. Durante o curso, os participantes tiveram a oportunidade de fazer oficinas de grafite. Com a ideia de lutar por melhorias no incentivo às manifestações artísticas e pensando na sociedade como um todo, o evento foi criado para abranger muitos bairros da cidade, valorizando a expressão artística do movimento hip-hop.


6

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Os pequenos

notáveis Um dia de compras no shopping é um desejo de várias mulheres. Mas para algumas pessoas esse ato pode não ser prazeroso, diante dos modelos de beleza impostos pela sociedade. Mas o que fazer quando não se está dentro deles?

Caio Castelo e Raquel Maia

Os portadores de nanismo, pessoas de 70cm até 1,40m de altura, ou seja, os anões, são exemplos de como tarefas simples do cotidiano, podem ser missões árduas. Atravessar a rua, fazer uma ligação em um telefone público ou até mesmo comprar roupa são atividades que podem dar uma dimensão das barreiras que essas pessoas enfrentam no dia a dia. Por falta de opção, a maioria dos portadores de nanismo compram roupas infantis ou mandam fazer sob medida. A inclusão social é necessária também no segmento da moda, e para satisfazer esse público que também tem poder de compra, Carina Casuscelli, única estilista que atua na área no Brasil, também pensou nesses baixinhos e criou a coleção de roupas para mulheres com nanismo, intitulada “A moda está em baixa”. Todas as peças são feitas para pessoas com aproximadamente 1 metro de altura - estatura média das “pequenas”, como algumas das anãs preferem ser chamadas. E foi justamente o fato de ter amigas com dificuldade para comprar roupas, que há 12 anos, Carina começou a se interessar pelo tema. Antes mesmo de cursar moda, ela produziu alguns figurinos para as companheiras. “Quando entrei na faculdade já pensei logo nelas, acompanhando de perto todo o sacrifício para encontrarem peças bacanas e recorrendo sempre a costureiras. Então comecei a criar peças exclusivas para cada uma, entender a ergonomia, errando, acertando”, conta a estilista. Segundo a estilista, já existe uma abertura no mercado. Alguns profissionais estão

despertando o olhar para este público em potencial, criando desfiles e seminários que têm o tema como foco. “Me preocupo em celebrar a diferença, a beleza de cada corpo, seja da mulher gordinha, da baixinha ou da deficiente física. Sempre acreditei na potencialidade das meninas, que são lindas, vaidosas e não têm muitas opções. O problema é que o pessoal tem medo de ir contra a maré, de sair dos padrões”, relata. A comercialização das peças é realizada com propaganda entre amigos, eventos culturais, porque ela ainda não abriu uma loja própria. “Não vou mudar o conceito do trabalho para conseguir enquadrar o projeto em editais para desfile. Vou continuar a peregrinação com estas mulheres reais”, conclui Ascânio Wanderley também é estilista. Conhecido em Fortaleza por atuar na área de representação social e moda. Mas diferente de Carina, ele acredita que não há moda para anões, nem para deficientes, nem para gordos. “O que existe é uma tentativa ainda insuficiente de mostrar para estes grupos, que é possível haver uma roupa para eles. Os ensaios são muitos, mas ainda sem muita expressão”, afirma. Para Ascânio, essa preocupação deve enfatizar o conforto e a autoestima, pois eles vivem em um mundo de exclusão social, onde é difícil encontrar roupas que atendam a suas necessidades. E com relação ao reaproveitamento ou customização de roupas feitas para anões, o professor e Mestre em Design

Existe “moda-anão”? Estilistas defendem seus pontos de vista sobre a existência ou não do novo seguimento para a moda. Enquanto um acredita que sim, o outro não. “O que existe é uma tentativa ainda insuficiente de mostras para estes grupos, que é possível haver uma roupa para eles. Os ensaios são muitos, mas ainda sem muita expressão” Ascânio Wanderley Estilista

“Não vou mudar o conceito do trabalho para conseguir enquadrar o projeto em editais para desfile. Vou continuar a peregrinação com estas mulheres reais” Carina Casuscelli Estilista

e Marketing da Faculdade Católica do Ceará vai além. “Não dá pra adaptar uma roupa antiga ou infantil para um anão, isto é tapar o sol com a peneira. E neste caso, as roupas infantis jamais devem ser usadas por adultos, pois foge do estilo e do design da peça”, explica. O fato de não existir um segmento na moda exclusivo para os portadores de nanismo, segundo Ascânio, não deve ser encarado como um problema. “Antes de tudo, é preciso analisar se este mercado tem potencial para absorver tal produção, ou eles iriam pensar que mais uma vez estariam sendo excluídos, por não comprarem uma roupa de alguma marca famosa, pelo fato dela não trabalhar com roupas para anões”, conclui. Baixinhos glamourosos Com cabelos bem penteados, olhos verdes e cílios de causar inveja em qualquer um, o estudante e assistente administrativo, Felipe Rodrigues, de 21 anos e 1.31m, faz sucesso por onde passa.

Felipe Rodrigues vai ao shopping para comprar roupas e acredita que o preconceito era bem maior antigamente. Foto: BárBara sena

Danças, canções e oralidades foram conservadas entre as tribos, apesar do mito d

No primeiro desfile da estilista Carina Casuscelli, em São Paulo, a modelo Priscila Menucci

Em casa, com móveis de tamanhos normais, o estudante utiliza um banquinho para subir em locais mais altos e pegar roupas e acessórios. Desde os 15 anos, Felipe já ia sozinho aos shoppings para comprar roupas. Antigamente, sentia que o preconceito era bem maior, mas afirma que as pessoas acabam se acostumando ou mudando a maneira de agir e pensar com o tempo. Apesar disso, ele acredita que ainda há muita gente com cegueira moral. “Quando vejo alguém falando ou olhando pra mim de uma maneira diferente encaro como uma brincadeira, me sinto a estrela, famoso como o Brad Pitt. Tem que encarar assim, porque se não, acaba me afetando e me deixando triste”, desabafa. Felipe também lamenta que em Fortaleza não existam lojas específicas para os baixinhos. “Na maioria das vezes, compro roupas maiores e ainda gasto mais com a costureira, para fazer os ajustes necessários. Quando vou aos departamentos infantis tenho dificuldade pra encontrar algo que sirva em mim. Algumas peças chegam a ser infantis demais”, revela. Não é difícil perceber a dificuldade para encontrar algo que agrade ao Felipe, pois observando o seu arsenal de roupas, podemos notar em seu estilo o que se chama popularmente de “playboy”. Isso mesmo. Marcas e grifes são o que não faltam no guarda-roupa desse anãozinho descolado e exigente. Seu estilo varia entre o casual e o esportivo, dependendo da ocasião. “O que é mais fácil de encontrar são

os sapatos, pois calço 35 e tem uma maior opção no mercado”. Ufa! Pelo menos isso. Ao comentarmos sobre algumas lojas que adequam as roupas ao tamanho das pessoas sem custos adicionais, Felipe estampou em seu rosto um semblante de surpresa e de felicidade. Aproveitando que ele já estava bem mais à vontade conosco, era hora de abrir literalmente o guarda-roupa e pousar para as nossas lentes com os mais diferentes looks, desde o casual fino ao moda praia. De uma maneira bem desinibida, comentou que, se tivesse a oportunidade de participar de um desfile, aceitaria numa boa e ainda revelou o segredo de sua simplicidade e bom-humor: “Nunca liguei pro comentário dos outros. Só me preocupo com o meu modo de ver as coisas e só faço aquilo em que me sinto bem. Meu espelho são as pessoas certas”, conclui o estudante, de forma positiva e encorajadora. Já a bancária Michelle, 29 anos, 1,05m de altura, acha inviável um mercado só para anões, devido às várias proporções de corpos de cada um. Vestindo manequim P, a bancária diz que não se sente nem um pouco envergonhada em escolher roupas nas sessões infantis. Mesmo optando pelas menores peças, ainda tem que customizar. Ela também aceitou abrir o guarda-roupa. “Não abro mão das coladas, que valorizam meu corpo”, respondeu com um sorriso largo. Shorts curtos, regatas de várias cores revelam a personalidade autoconfiante e bastante vaidosa.


7

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

À procura da medida perfeita

do desaparecimento Foto: raPhael villar

apresenta peça da coleção inspirada nos cabarés

Foto: Divulgação

Kyara Azevedo

Confira algumas dicas para customização A customização pode dar um toque pessoal e único a uma peça. Dá pra criar modelos inusitados ou transformar o que já existe em algo novo. E, para que possa praticá-la, é preciso ficar atento às seguintes dicas básicas para escolher o melhor tipo de tecido para fazer mudanças e controlar a junção de materiais: - Não se pode misturar algo que desbote e manche o outro tecido; -Deve-se reunir tecidos que não tenham um caimento parecido; - No caso dos anões, que podem apresentar anomalias mais perceptíveis, é importante adequar modelagem e tecidos, através de cortes e recortes que valorizem seus corpos. Para estes casos, os tecidos devem ser 98% naturais, de algodão e linho e 2% elastano, para proporcionar mais conforto. Depois, é só soltar a imaginação. É interessante que, na junção de peças antigas para a construção de uma nova, sejam usadas peças do mesmo tecido. Dependendo da malha, vale transformar vestido em saia ou blusa, ou uma camiseta maior em vestido, no caso de anãs, e aí é só dar o toque final, a fim de torná-la mais parecida com o gosto e a personalidade de cada um. Além de criar uma nova modelagem na peça, adaptando, é valido usar tecidos ou acessórios que fazem diferença nos detalhes, como couro, lantejoulas e linhas de cores di-

versas, que podem ser aplicados manualmente ou na máquina. Customizar é algo livre. Dá pra utilizar desde tintas a pedrarias para elaborar os mais diferentes bordados. Significa transformar uma peça em um link de outra. O importante é ser fiel a si mesmo e manter o estilo, agregando à peça reinventada um valor próprio.

E para viver um dia de compras nada convencional e sentir na pele – em escala reduzida – o que os anões sentem ao sair para comprar roupas e sapatos, fomos ao maior shopping da cidade. Frequentamos diferentes espaços, que atendem aos mais variados gostos e bolsos. E, antes mesmo de começarmos a nossa pesquisa, fomos temerosas por achar que não encontraríamos nenhum local específico para eles. Antes de entrar na primeira loja, hesitamos: “Será que vão estranhar ou rir da gente?” Imagine, se a missão de achar modelos em tamanhos reduzidos foi difícil, à principio, para nós, imagine para os portadores de nanismo, o preconceito deve ser ainda maior. A primeira parada foi na Hering, departamento de moda infantil, masculina, feminina e fitness. Um leve sorriso denotando surpresa foi estampado no rosto da vendedora que se disponibilizou em ajudar e ouviu atenta a nossa explicação. Nos apresentamos como estudantes de jornalismo, e explicamos que estávamos escrevendo matéria sobre moda para anões. A resposta veio em tom de suspresa. “Eu nunca vi um anão aqui”, disse a vendedora. Logo pensamos, essa missão não vai ser nada fácil. Mas, para nosso alívio, a gerente nos informou que a loja trabalha com a linha básica e que as roupas infanto-juvenis são praticamente cópias das roupas adultas. Então, muitas peças do dia a dia, como camisetas, blusas de gola pólo, shorts jeans, vestidos e até as peças de inverno podem vestir anões também. Fomos aos cabides e olhamos cada peça, e nossa surpresa foi enorme. Foram inevitáveis os comentários: “Olha, menina! Essa daqui cabe até na gente e é de 12 anos!”. Não perdemos tempo e fotografamos todas as combinações de looks que compusemos. Na segunda parada, outras surpresas nos esperavam. Desta vez, nada de sorriso de deboche... Quem nos recebeu foi a gerente da Manotropo, Nilda Oliveira, que de imediato, se revelou curiosa pelo tema, e achou que fôssemos estudantes de estilismo. “Fiquem à vontade. Podem vasculhar a loja. Nossa menor numeração é o 38, mas, se vier uma anã, ela pode escolher a roupa, que fazemos todos os ajustes necessários”, explicou. E quando fomos nos despedir, ela fez questão de ressaltar a disponibilidade da loja para receber as portadoras de nanismo: “Tragam a entrevistada de vocês aqui. Ela será bem vinda!”, comentou. Bom, as coisas estavam melhorando... Na próxima parada,

o público-alvo era adulto mesmo; nada de roupas improvisadas. O estilo esporte fino era o forte da Agnelli, loja exclusivamente masculina. Só que a loja tem alfaiate próprio, que tira as medidas na hora da compra e faz os ajustes necessários. Menos um custo para os baixinhos! Agora, como uma portadora de nanismo se arruma para um casamento ou um evento mais sofisticado? Ao andar mais um pouco e bisbilhotar cada vitrine, nos deparamos com a loja de vestidos Oittava Estação, que caiu à nossa frente como uma resposta. Quando perguntamos se teriam opções para anãs, as vendedoras se entreolharam como se não soubessem o que responder. Mas aí, uma delas, foi a voluntária. Carla Oliveira mostrou alguns vestidos que poderiam facilmente ser ajustados.

Como uma portadora de nanismo se arruma para um casamento? Quando perguntamos se teriam opções para anãs, as vendedoras se entreolharam como se não soubessem o que responder... Repórter

Ela explicou que os melhores tecidos para essa clientela são os tafetás porque possibilitam um corte reto e não estragam o modelo. Outra opção, são os vestidos em duas partes, o busto feito e depois costurado ao corte da saia. Os vestidos mais elaborados, como os franzidos ou bordados com paetês e pedrarias, são os mais difíceis de serem ajustados, porque, dependendo do tamanho de corte, muitos dos seus detalhes serão desfeitos. Assim, apesar da loja também disponibilizar o serviço de corte e costura, será mais vantajoso mandar

fazer. Depois de encontrar as roupas, formos à procura dos sapatos. Na loja Jelly, onde encontramos calçados da marca mundial Melissa, existem sandálias infantis que são réplicas fiéis dos modelos adultos., com números do 17 ao 25. Só que a atendente não nos levou muito a sério. Explicamos do que se tratava e ficamos aguardando. Depois de vinte minutos esperando, uma de nós dirigiuse ao caixa para perguntar o motivo da demora. E a resposta foi breve: “Ah, me desculpa, eu esqueci completamente de vocês”. Seguimos em frente e descobrimos que para os homens a sistemática é a mesma: a compra dos modelos infantis que são cópias dos modelos adultos é a melhor opção. Na sapataria Casa Pio, muito popular na cidade, também encontramos tênis, sapatênis à chinelos que acompanhavam a linha “tal pai, tal filho”. Com a sensação de que ainda faltava alguma loja mais apropriada aos diferentes gostos e tamanhos dos anões, eis que nos deparamos com uma vitrine bem chamativa. As roupas expostas eram o que a gente realmente estava procurando. Ao entrarmos, ficamos encantadas com o número de opções de roupas, calçados e acessórios infanto-juvenis, que se adequavam perfeitamente ao estilo dos nossos interessantes entrevistados. A supervisora da loja Laliló, Mércia Martins, comentou que a loja já recebeu anões e que tinha clientes fiéis desse porte. Além de nos acompanhar em todos os setores, sugeriu alguns das combinações mais transadas para que pudéssemos registrar. Até sapato social de número bem menor pudemos encontrar desta vez, e sentir o alívio de que a tarefa houvera sido cumprida. As percepções foram diversas ao longo do trajeto que fizemos no shopping. A cada estabelecimento que entrávamos, novos sentimentos e impressões, tanto por parte dos vendedores, quanto por nós. Olhares desconfiados ou um ar de interesse foram algumas das reações que provocamos.


8

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Lomos : estilo retrô, cores vivas Cores saturadas, divertidas sobreposições e efeitos que remetem a fotos antigas. Conheça a lomografia, que tem conquistado novos adeptos e desbravadores em Fortaleza Jacqueline Nóbrega, Suzane Saldanha e Viviane Sobral

Para gravar um acontecimento, não é preciso mais que um simples clique; porém, para inovar, vale apostar em alguns acessórios, como uma lente diferente ou boa luz. A lente que vem se destacando é a conhecida “olho de peixe”, uma boa pedida para os fãs das câmeras lomográficas, uma das mais famosas analógicas. Uma câmera fotográfica na mão e um desafio: registrar os 36 cliques de um filme. Não vale apagar se não gostar, não tem como visualizar a foto na hora e não tem cabo que transfira as fotos para o computador. O jeito é levar o filme para a loja de revelação mais próxima. Esse resgate da rotina analógica pode até parecer estranho em meio a lançamento de aparelhos digitais com dezenas de mega pixels, novos tablets e desenvolvimento de novas tecnologias. O editor de fotografia do Diário do Nordeste, Eduardo Queiroz, explica que as câmeras analógicas são “exatamente iguais” às digitais. “O que muda é o suporte para a construção da imagem. A primeira usa a celulose como base e uma emulsão sensível a luz. E a segunda, sensores elétricos que recebem a luz e depois transformam, pela movimentação das cargas elétricas, esta luz em uma imagem digital”, esclarece. Eduardo conta que em casa possui vários modelos analógicos. Como ele também é professor, sempre que pode, aproveita para apresentar aos seus alunos trabalhos realizados com filmes, que posteriormente foram digitalizados. Com relação ao fotojornalismo, Eduardo trabalhou de maneira analógica entre os anos de 1978 e 2005. No exercício da profissão, ele opina que as analógicas tinham uma vantagem sobre as digitais quanto ao tamanho. “Eram menores, portanto, mais discretas para maioria das fotos”, compara. Mas também indica a vantagem das digitais na rotina da profissão. “No fotojornalismo, a principal diferença é a velocidade de disponibilização das fotos, para publicação, pelos repórteres fotográficos”.

E a lomografia? Essa denominação em Fortaleza ainda se limita a poucos fotógrafos e alguns amadores curiosos, mas está cada vez mais disseminada e atrai pela capacidade de experimentação. O resultado? A estudante de publicidade e fotógrafa Camilla Leite, 21 anos, teve seu primeiro contato com uma câmera na infância. “Desde pequena pegava a câmera aqui da minha casa. Lembro que minha mãe colocava um filme na câmera e eu gastava as 36 poses em uma única manhã.”, ela relembra. O primeiro contato da estudante com uma câmera digital foi durante a adolescência. O modelo, adquirido com sacrifício, foi uma Canon 400D, que ela possui até hoje. “Eu não entendia nada, queria tirar fotos e botar no fotolog. Fazia algumas fotos, postava e recebia comentários do tipo ‘belo macro’ ‘que dof’ e não entendia absolutamente nada. Recebia elogios de uma foto que eu não dava nada por ela, então acabei lendo e aprendendo. Eu já não largava a câmera, imagina lendo um manual e procurando coisas na Internet, né?” A oportunidade de comprar uma câmera lomo veio no começo do ano. Acostumada a acompanhar as novidades do mundo da fotografia pela Internet, Camilla não pensou duas vezes e adquiriu a sua “Olho de peixe” quando foi inaugurada, em Fortaleza, uma loja que disponibilizava as câmeras (Ver coordenada ao lado). “Cheguei na loja para comprar e eram tantos modelos, que fiquei meio perdida. Me ajudaram bastante na escolha e não me arrependo de ter começado nas analógicas com o modelo Fisheye 2 (cuja lente simula o efeito de um olho mágico)”. Camilla, que iniciou a carreira já no domínio de aparelhos digitais, relata a sensação de poder ver as fotos só depois de alguns dias. “Ir deixar o teu filme pra revelar e ficar na expectativa de saber como as fotos ficaram me encanta. Poder escolher um tipo de filme também são um fator que me chama atenção nas câmeras analógicas, em especial na lomo” As 36 poses disponíveis no filme também é um fator interessante, segundo a estudante de publicidade, que agora apreendeu a se policiar e pensa com cuidado quais momentos vai registrar. A vontade de utilizar uma câmera analógica em algum trabalho profissional existe, mas até então só tem usado como diversão. “Deve ser uma experiência

Fisheye: (olho de peixe em português) está entre as lomos favoritas, a câmera faz fotos em ângulos de 170 graus, com um lúdico efeito de

Aplicativos de celulares reproduzem efeitos retrô Para os que não abrem mão da tecnologia e se encantam com os efeitos de uma câmera analógica, uma alternativa são os aplicativos de celulares como o Iphone. É só baixar e escolher um filtro para editar sua imagem e pronto, sua foto vai ficar com um ar mais retrô. Instagra.am Já ultrapassou a marca de 1 milhão de usuários e toda semana ganha em média 100 seguidores. A ideia do aplicativo é uma rede social de fotos. Hipstamatic Disponibiliza efeitos mais profissionais, em especial os efeitos que uma câmera lomográfica produz em suas fotos. Além dos efeitos, os usuários podem escolher modelos diferentes de lente, flash e filme. Tooncamera É voltado para os amantes de quadrinho. O aplicativo transforma imagens e vídeos em cenas de quadrinho, inspirados em HQ da Marvel. Pocketbooth É inspirado nas cabines que encontramos no exterior, onde a pessoa faz várias poses e recebe as fotos em uma tirinha. O diferencial do Pocketbooth é que o usuário pode compartilhar as tirinhas instantaneamente nas redes sociais.

maravilhosa. Fazer um trabalho fotográfico e só depois de algum tempo conferir o resultado. Criar aquela expectativa e torcer pra que tenha saído do jeito que você imaginava.”, conclui. A paixão pela fotografia analógica também pode ser percebida na opinião de profissionais com grande destaque no cenário profissional. “É uma mídia contemporânea que nos permite olhar o mundo de uma maneira bem pessoal”, avalia o editor de fotografia do jornal Diário do Nordeste. Para Eduardo Queiroz, a lomo é moda. “Acredito ser uma estratégia de marketing para acabar definitivamente o estoque de filmes existente no mercado”. Para economizar, vale digitalizar antes de ampliar Os gastos com filmes são um dos problemas percebidos por Érika Aragão, estudante do curso de Publicidade e Propaganda. Para não ter nenhuma surpresa ao revelar seu filme, a apaixonada por fotografia prefere digitalizar as fotos antes de revelar. “Revelo na própria loja onde comprei minha câmera. Eu prefiro digitalizar todas por R$ 12 e depois escolher a que revelarei. Assim evito surpresas.”, relata após citar que até o momento já revelou três filmes. Em Fortaleza, existem lojas de revelação que resistiram à proliferação das câmeras digitais, o que poderia ter diminuído o interesse por esse tipo de serviço. Segundo Camila Nunes, funcioná-


9

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Artigo

Brinquedo engraçado

círculo Fotos: Arquivo Pessoal

ria da Dry Photos, que possui três lojas em Fortaleza, mesmo com a tecnologia cada vez mais avançada das digitas, as pessoas ainda procuram o serviço para revelar filmes de câmeras analógicas. “Geralmente são pessoas mais

velhas, mas todos os dias é certeza ter uma pessoa, pelo menos, para revelar um filme”, explica. Apesar dos custos obrigatórios com a revelação, Érika conta que o interesse por câmera lomográfica nasceu da paixão por fotogra-

fia e pelo estilo que remete a fotos antigas. “Eu adoro fotografia e as lomos, além de serem lindas, tem todo o charme vintage. Porém, o fator principal da escolha foi o fato da lente ser olho de peixe, lente que eu sempre quis ter”.

Pode ser divertido um breve passeio no adorável trimotor Junker 52 que a Lufthansa mantém voando na Alemanha para fins turísticos e promocionais. Entretanto, ninguém pensaria seriamente em realizar uma viagem de verdade em uma máquina dos anos 30 que, já em 1940, os seus pilotos a consideravam desesperadoramente lenta. Estamos na mesma situação quando nos vemos diante do falso problema: o que é melhor, a fotografia digital ou a fotografia química, impropriamente definida como analógica? Ambas são analógicas. Diferem em essência porque enquanto a primeira tem por unidades mínimas os pixels, rigorosamente ordenados, a segunda tem os grãos – cristais de compostos de prata – aleatoriamente distribuídos. Afora isso, a discussão não faz sentido. A imagem que se convencionou chamar de analógica, se reproduzida, será inevitavelmente digitalizada. Em monitores, será um agrupamento de pixels, mas se impressa, de pixels será, como sempre foi no fim da linha, convertida em pontos de retícula. Só será o que é mesmo, grãos de prata, em álbuns de família ou exposições de índole artística. A evolução rápida da tecnologia digital e instantânea já não deixa nenhuma margem para os filmes, reveladores úmidos, banheiras, ampliadores e papéis fotográficos com prazo de validade aflitivamente limitado. As vantagens remanescentes da fotografia com emulsões sensíveis já se dissiparam diante das últimas gerações de câmeras digitais. Da mesma forma, o antigo laboratório escuro não chega nem perto dos seus substitutos em eficiência e possibilidades, os editores de imagens dos quais o Photoshop é o mais popular, mas não o único. A Lomo russa, analógica descartável de desenho pop retrô lançada recentemente no mercado, é um brinquedo engraçado, tanto quanto um passeio nostálgico pelo rio São Francisco a bordo de um gaiola a vapor empurrado por uma roda d’água na popa. É a reminiscência de um mundo que já se foi. Como meio de expressão, produzindo imagens de aparência envelhecida ou de cores forçadamente saturadas, não oferece nada que não se possa obter rapidamente com uma câmera digital comum através da manipulação em qualquer editor de imagens. É um mero objeto de decoração, se tanto. Professor de Fotografia do Curso de Comunicação Social

Em Fortaleza, preços das câmeras vão de R$ 100 a R$ 460 No Brasil, a primeira loja a vender câmeras lomográficas foi a filial da famosa marca “Lomography”, no Rio de Janeiro. A loja foi inaugurada em outubro de 2009, e foi a primeira da marca na America Latina. Já em Fortaleza, a percussora e até então única loja é a My Okie Dokie. Diana e Holga são alguns dos sucessos das prateleiras do estabelecimento da Capital cearense. “Estava procurando marcas para a Okie Dokie e pensei que seria um ‘acessório’ bacana, ótimo para presentear”, conta a sócia Flávia Castro sobre a chegada do produto na multimarcas. “Também conheço pessoas que já tinham lomos antes da inauguração da loja e sempre estão em busca de um acessório ou outra câmera com outro efeito inovador. Assim, unimos o diferencial do produto com o retorno comercial”. Sobre o estilo de quem busca esse tipo de produto em Fortaleza, Flávia explica que não há um perfil específico. “Registramos um público bastante diferenciado, desde pessoas mais jovens

que nunca tiveram contato com câmeras analógicas, até pessoas mais velhas, que veem nas lomos a oportunidade de resgatar essa experiência, essa expectativa de revelar filme e se surpreender com as imagens registradas”, conta. A curiosidade, portanto, é um dos aspectos notados por Flávia na rotina da loja. “Recebemos clientes curiosos em saber como elas funcionam e também quem já as conhece e já trabalha profissionalmente, tanto com as lomos quanto com as digitais”. Os preços variam de R$ 460 a R$ 100. Além da Diana e Holga, dois dos modelos mais conhecidos por quem já desbravou esse universo, a Okie Dokie geralmente disponibiliza outros modelos, embora haja variação na quantidade de câmeras. “Fazemos periodicamente os pedidos das câmeras de acordo com a popularidade e a aceitação delas entre o público cearense”, explica Flávia. Também são comercializados acessórios, como porta-retratos, cortadores de fotos tiradas com

“Diga xíííís”: A sócia proprietária da loja My Okie Dokie posa com sua câmera lomográfica Foto: Flávia Castroí

Fisheye, filmes, lentes, flashes, fotclips e caixa para mergulho. A quem interessar, a Okie Dokie também trabalha com serviços de revelação, tanto em papel fotográfico quanto digital, onde os negativos são escanea-

dos e passados para CD. A revelação em papel fotográfico custa R$ 2 por imagem. Já a digitalização, R$ 14 (filme 35 mm) e R$ 16 (120 mm). O filme simples (35 mm) custa R$ 10,90 (24 poses) e R$ 12 (36

poses). Ainda conforme a proprietária, são comercializados kits de filmes especiais da lomo que fazem fotos com efeitos, como sépia e preto e branco, e 120 mm. Os preços vão de R$ 39 a R$ 75.


10

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Praça da Cura deixa bons frutos mesmo após ser desmontada Com um nome pretensioso, a ONG A Cura do Planeta colhe os frutos da Praça da Cura, que já nasceu com prazo de validade, mas permanece viva na memória Elaine Quinderé, Jaqueline Longatie Marília Pedroza

Com data certa para começar e acabar, a Praça da Cura existiu durante um ano num endereço bastante cobiçado de Fortaleza. O local é a avenida Senador Virgílio Távora, num quadrilátero cercado por lojas. Observar toda aquela área verde ao lado de prédios e mais prédios era mesmo perceber um contraste. Ao chegarmos lá, deparamos-nos com um ambiente não convencional: uma área grande, com plantações, lagos e construções feitas de sucata. Pneus, barro, madeira reutilizada, garrafas pet e vidro na estrutura dessas construções. Dentro, também encontramos uma lojinha que, além da venda de produtos ecologicamente corretos, como camisetas e absorventes, possui um teto de grama. A Praça foi um projeto da ONG A Cura do Planeta, cujas propostas são práticas ecológicas e promoção da sustentabilidade com uma nova visão de consumo. Bruno Setúbal, diretor operacional da Organização, falou-nos um pouco mais dela e de onde vem sua renda. Ele explicou que a ONG tem uma parceria com uma rede de supermercados de Fortaleza (que ele preferiu não revelar o nome) e que boa parte do dinheiro d’A Cura vem da gestão de todo o lixo reciclável desses supermercados. Foi esse grupo comercial que cedeu, durante um ano, o espaço para a Praça da Cura. Seguindo a lógica e a linha verde, ali se incentivava o cultivo de plantas e quem quisesse poderia ajudar, desde que atendesse a uma condição: levar a primeira semente. O diretor operacional conta que eles orientavam como fazer o plantio, indicavam o tipo de planta e o cultivo mais adequado para ela. O espaço também foi usado como uma unidade demonstrativa da permacultura, método no qual a ONG se baseia (veja quadro ao lado). Isso quem nos contou foi Otalibas Rocha, diretor executivo da Entidade. Conversamos com ele em setembro, quando o terreno outrora ocupado pela Praça já estava vazio. “Longe de estarmos tristes, nós estamos muito felizes com os resultados da Praça da Cura. Nós estamos cada vez melhor, foi uma grande oportunidade”.

Danças, canções e oralidades foram conservadas entre as tribos, apesar do mito do desaparecimento Foto: Raphael Villar

Reconhecimento: Prefeitura Municipal de Fortaleza aprova modelo de construção sustentável da ONG A Cura do Planeta Foto: tuyuka aimirim

Otalibas afirma que o modelo de construção por eles empregado foi aprovado, além deles terem sido contratados para replicar o serviço, pois a Prefeitura Municipal de Fortaleza aprovou a construção de uma praça

ecológica na Sabiaguaba. E tudo isso só foi possível graças à visibilidade trazida pela Praça da Cura. “O pessoal conhece o nosso trabalho. Somos bem vistos na comunidade”, afirma satisfeito o diretor executivo.

Outra consequência positiva da Praça é que agora a população também sabe o que é A Cura do Planeta, que foi bem definida pelo diretor Bruno. “A Cura do Planeta é uma ONG que tem como propósito principal

Entenda o que é permacultura Um dos pilares da ONG é a prática da permacultura. Segundo Bruno Setúbal, os 30 idealizadores da organização estudaram o método e é ele quem fundamenta a estrutura da Praça da Cura. A permacultura surgiu na Austrália, na década de 70, por meio de um grupo de ecologistas que trabalhavam com agricultura natural. Eles viram que o processo de manejo com a agricultura ia muito mais além da relação homem-terra: “era muito mais do que você simplesmente abrir um buraco na terra, botar a semente e fazer nascer a terra. Era bem mais que isso. Então eles conseguiram, dentro dos estudos deles, formatar esse conceito de cultura permanente, o que é muito bom, considerando a cultura dos descartáveis que vivemos hoje”. Bruno esclarece ainda que a cultura permanente é o conjunto de saberes, informações, téc-

nicas e teorias baseadas numa ética que diz o seguinte: cuidado com as pessoas, cuidados com as coisas, cuidado com o planeta, partilha dos excedentes e manejo consciente dos espaços habitados. A permacultura possui um instituto internacional na Austrália, que é a sede de discussão sobre essa temática no mundo. É de lá que são gerados cursos de capacitação em permacultura.

E foi dentro desse formato que grande parte dos que trabalharam no processo de elaboração da Praça se capacitaram. Bruno declara que, além da permacultura, outros pilares sustentam as bases da Praça e da ONG, como a cultura de paz, a ecopedagogia e agroecologia. Além de culinária vegana e da fabricação de produtos de limpeza e higiene pessoal.

a difusão de práticas voltadas para uma vida sustentável, com o mínimo de impacto negativo no ambiente onde você habita. E dentro desse conceito a gente desenvolve várias atividades. A gente tem aulas de yoga, capoeira, dança circular. Isso na parte de arte e corpo”. Durante alguns fins de semana, aconteceram mutirões de arte e permacultura. Várias pessoas voluntariaram-se, levando conhecimento sobre arte. Nestes momentos eram feitas pinturas em painéis, além troca de ideias. A presença de grafiteiros garantiu a reprodução de mensagens da Cultura de Paz no muro dentro da Praça. Além de pintura, aconteceu a criação do Espaço Mão na Terra, local de plantio durante a visitação de escolas. No entanto, com o seu desmontamento oficial iniciado em 19 de setembro, as atividades passaram a ser realizadas na sede da Organização. Fundada em 2010 por um grupo de 30 amigos, A Cura do Planeta é parte integrante da Associação Sócio-cultural Universos, uma ONG com o objetivo de estimular o acesso da comunidade cearense à cultura e à arte. Ao mesmo tempo, A Cura do Planeta atua como uma cooperativa de prestadores de serviços que têm como diferencial a consciência ecológica.


11

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Entrevista

Skye Riquelme

Como aplicar a permacultura em casa Skye Riquelme é permacultor e fundador do Instituto de Permacultura do Cerrado/Pantanal (IPCP) Campo Grande/MS, onde vem desenvolvendo trabalhos juntamente a comunidades indígenas e quilombolas do Cerrado. Em entrevista ao Sobpressão fala sobre a plicação do conceito em ambientes urbanos Sobpressão - Para uma pessoa que está aprendendo Permacultura e mora em apartamento, quais são as atividades mais fáceis de executar?

Veganismo: a comida do restaurante O Vegano é de origem 100% vegetal

Foto: tuyuka aimirim

Restaurante de portas abertas A ONG A Cura do Planeta surgiu em 2010 e junto com ela nasceu o restaurante O Vegano. O nome faz alusão ao veganismo, “uma vertente do vegetarianismo que não usa produtos de origem animal, nem queijo, nem leite. Inclusive nossa pizza é com queijo vegetal”, explica Bruno Setúbal. A carne é de soja, o arroz é integral. Do prato principal aos sucos e sobremesas, tudo é de origem exclusivamente vegetal. E não pense que devido a esse posicionamento o restaurante atrai menos clientes. Das 11:30 às 14:30, até 80 pessoas almoçam por lá diariamente. Para os adeptos do veganismo, infelizmente, o local só funciona nesse horário. Ele nasceu com o objetivo de ajudar a difundir as propostas da ONG de uma vida sustentável, o que inclui também uma alimentação sustentável. Por isso, a cultura vegana é aplicada e até o mais famoso prato brasileiro, a feijoada, ganhou uma versão nesse tipo de alimentação. A refeição já virou tradicional e está entre as mais pedidas. As que também estão no ranking são o

gnocchi vegano e a lasanha, que pode ser de abobrinha ou de beringela. Mas para a jornalista Jussara Holanda, o melhor quitute do local é o Petit Gateau feito com chocolate vegano e açúcar cristalizado. Ela ficou sabendo do restaurante por amigos e hoje é cliente fiel. “Gosto porque, além de fazerem uma comida saudável, eles também usam alimentos sem agrotóxicos. E achar um restaurante assim é muito difícil”, declara. A jornalista também destaca sua preferência pelo suco de limão com capim santo: “É muito bom!” Desde nossa visita ao local até chamadas telefônicas, as pessoas que trabalham n’A Cura do Planeta sempre foram solícitas e hospitaleiras. Esse esmero com o atendimento chega a todos os frequentadores do restaurante: Jussara contou que recebe um email com o cardápio diário. Além dos pratos Esse mesmo conteúdo também está no facebook d’O Vegano, que atualiza sua página diariamente com links para documentários, citações explica-

tivas sobre o vegetarianismo e o veganismo, a proposta da segunda-feira sem carro e outros assunto relacionados a uma vida sustentável. Ali eles também divulgam a parceiria com a Feira agroecológica no Benfica, uma iniciativa de consumo responsável de produtos de qualidade, e a oficina de alimentos vivos, na qual se dispõem a desvendar o potencial nutritivo dos alimentos crus e germinados. Os adeptos do vegetarianismo acreditam que alimentos geminados, como rebentos de soja e de feijão fornecem mais nutrientes que qualquer outro. Além do self-service, de segunda à sexta-feira, o Vegano oferece ainda a opção do prato feito por sete reais. E, para quem quer levar as iguarias para casa ou para um aniversário, por exemplo, o restaurante tem o serviço de buffet externo. Existia também, na Praça da Cura, uma pizzaria que seguia os mesmos princípios do veganismo, com pizzas feitas sem nenhum ingrediente de origem animal. Mas, com o fim da Praça, a pizzaria também acabou.

Onde fica a Praça da Cura

Skye - Existem duas atividades principais disponíveis. Dentro do apartamento mesmo, eles podem reciclar seu lixo e ate fazer compostagem no balcão e produzir alguns temperos e legumes. Obviamente não será um lugar com fileiras de alfaces, por exemplo, mas plantas mais perenes como pimenta, tomate e ate frutíferas de forma enxertada e a anão é possível, e obviamente todas os temperos e plantas medicinais. Melhor ainda: formar um grupo com os vizinhos e contratar um produtor orgânico no campo, ele terá clientes permanentes e as pessoas nos apartamentos receberão alimentos de qualidade. Eles pagam menos e o produtor recebe mais! Comprar dos mercados locais produtos mais ecológicos. Com seus vizinhos formar grupos de suporte, cuidando das crianças, auxiliando os idosos, compartilhando ferramentas..Instalar placas solares no estacionamento também é uma solução. SP - Como as escolas podem trabalhar com Permacultura? Você conhece alguma que já trabalhe com essas técnicas pra crianças em alguma cidade? Skye- Várias escolas estão começando a adotar uma abordagem mais integral e menos dispersa. Especialmente em outros países o currículo das escolas são mais compreensivo e integram a aprendizagem com o meio ambiente. No Brasil, especialmente as escolas públicas são décadas por atrás esse movimento, mas algumas escolas particulares estão desenvolvendo praticas mais racionais/holísticas. Eu conheço pessoas em São Paulo e Santo/SP com trabalhos muito bons nas escolas primárias. Depende muito da vontade e animação dos professores...as escolas e os autoridades não reconhecem esse trabalho... então sera por dedicação dos próprios professores. CP- Como podemos usar a Permacultura num ambiente fechado como um escritório? Skye - Como os apartamentos, um escritório significa um poder econômico significante, e pode ser enorme. Unindo as pessoas podem usar esse poder para dá suporte umas famílias de produtores resultando em alimentação melhor por eles e renda melhor pelos produtores. E eles podem usar esse poder em todas áreas das compras...unindo para negociar preços melhores...por produtos mais ecológicos. Hoje, em várias partes o mundo existe muitos projetos onde o planejamento dos escritórios são mais ecológicos, resultando em um meio ambiente mais cômodo que resulta em maior produção e menos gastos. O famoso “Empire State Building” em Novo Iorque, recentemente faz um retrofit bem extensivo.E o resultado é que eles estão pagando bem menos por eletricidade, e os funcionários são mais feliz (ler mais produtivos e menos trocar do pessoal) e por isso os donos conseguiram subir o taxa de aluguel 25%!!!! Nas áreas mais urbanas existe muito espaço não utilizado ou sub-utilizado. Arquitetos na Inglaterra estão falando que cidades como Leeds podem produzir ate 35% seu consumo de alimentos usando os espaços vazios que agora existe!!! E também melhorar o meio ambiente e a ambiente para o povo. CP- Quais as dificuldades de divulgação da Permacultura? Skye- Em outros países o povo demonstra estar entendendo os desafios que os seres humanos estão enfrentando e começando a reagir. Basta observar o crescimento do movimento das Transition Towns (Cidades em Transição) em 4 ou 5 anos...na Inglaterra, Europa, Austrália, EUA. Por outro lado, aqui no Brasil, percebo que ainda estamos bem desinformados. a mídia trata questões importantes tais como mudanças climáticas de maneira bem superficial, e ignoram totalmente o Pico do Petróleo, quase não se vê matéria sobre o assunto. Isso também leva a tona a politicagem e interesses particulares das elites do Brasil, do governo e da Petrobrás. Mas a desigualdade econômica está ficando mais cruel a cada dia e agora pessoas estão buscando outras propostas. O interesse em Permacultura nos últimos dois anos está aumentando muito.

ONG A Cura do Planeta - Av. Senador Virgílio Távora, 867, casa 58 Telefone: 3023-1234 http://www.acuradoplaneta.orgbr/

Por Jusssara Holanda


12

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Personalidade e irreverência são alguns dos principais ingredientes na hora de oficializar a união. Dependendo da cerimônia, o custo pode ser alto.tanto que o mercado matrimonial faturou cerca de R$ 10 bilhões em 2011

Foto: Arquivo Pessoal

Casamentos fogem do ritual tradicional Os casais oficializam a união e os matrimônios são um espetáculo à parte. A originalidade, a diversão e o inusitado são as características da nova geração Marina Sávia e Renata Frota

Desde 1999, o brasileiro nunca casou tanto, como em 2010. São cerca de um milhão de casamentos por ano. É o que aponta o estudo Síntese de Indicadores Sociais do ano passado, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. De acordo com a pesquisa, esse crescimento está relacionado a fatores como a melhoria no acesso a serviços judiciais, principalmente no registro da união, e a elevação do número de recasamentos. E, com tanta gente querendo oficializar a união, não é à toa que a Associação dos Profissionais, Serviços para Casamentos

e Eventos Sociais, a Abrafesta, comemora. O mercado de festas e cerimônias de casamento está aquecido. Segundo o estudo que a Associação realizou no ano passado, aqui no Brasil movimentam-se cerca de 10 bilhões de reais ao ano. A cerimonialista Liduina Figuereido confirma o que os dados mostram. “A procura por casamento aumentou. O fluxo maior deixou de ser no mês de maio. Pelo menos para mim, nos meses de julho e dezembro, organizei mais cerimônias, porque os casais acreditam que tem mais gente de férias e assim, a família pode participar,” revela. Com tanto dinheiro fluindo assim, é claro que já se pode ver de tudo nas cerimônias. Mas nem todas as pessoas podem pagar para ter uma festa criativa. Atualmente, a originalidade e a diversão são alguns dos ingredientes essenciais para oficializar a união de casais apaixonados. Sendo assim, tem gente que topa tudo! Alianças tatuadas

como símbolo da união, fantasias ao invés do vestido branco e do fraque, a tão conhecida valsa, trocada por coreografias inusitadas como o funk; a marcha nupcial bastante antiga, por uma entrada bem mais divertida. Tem noiva que até usa tênis na hora da festa! Enfim, cada vez mais a personalidade dos noivos tem se tornado regra para quem escolhe esse tipo de celebração, um tanto exótica. Mas nem tudo são flores. Os casais que desejam oficializar a união de maneira inusitada, podem encontrar dificuldades e realizar uma cerimônia exótica, ainda é um obstáculos impostos pela Igreja Católica. O matrimônio é entendido pela instituição religiosa como um evento destinado a conferir sacralidade a certos momentos e situações da vida cristã. Diante disso, “A Igreja não realiza casamento exótico. O matrimônio só acontece dentro dos templos tradicionais”, justifica o padre Josimar Pires, da Paróquia Jesus

Maria José, da cidade de Guaiúba, a 40 km da capital cearense. Ainda segundo o pároco, “se uma pessoa quer casar, quer ter uma vida séria, ela deve seguir as orientações da Instituição”, adverte o padre. Em Fortaleza, muitos casais desejam se casar na beira da praia, sentindo a brisa do mar e assistindo ao pôr-do-sol. Mas apesar de bastante poético, esse sonho só pode ser realizado com bençãos, e não com o ritual tradicional da Igreja Apostólica Romana. Empresas especializadas Pensando no desejo de inovação dos noivos, muitas empresas têm oferecido pacotes de casamentos fantásticos que já quebram a rotina do matrimônio desde a troca de alianças. Numa pesquisa rápida pela Internet, encontram-se inúmeros destinos: Havaí, Disneylândia, Las Vegas, Taiti, Paris, Caribe, Califórnia, México, Miami... E as celebrações são para todos os gostos. Desde os mais ro-

mânticos, como uma recepção de até seis horas a bordo de um Iate no Rio Sena, aos mais descolados como uma cerimônia na capela do Elvis Presley, guiada pelo sósia do cantor e até aos mais aventureiros, como uma festa dentro de uma zona arqueológica. Isso sem falar das lembrancinhas... Até mesmo a moda das havaianas com o nome dos noivos já passou. Atualmente, uma das ideias mais utilizadas são as fotos dos convidados com os noivos. Impressas no local, ficam prontas antes do final da festa. Na hora da saída são expostas perto da porta para que cada convidado passe e pegue a sua. Outra novidade são os monóculos com uma foto do casal, a lembrança perfeita para quem quer eternizar o momento, já que a foto não estraga. Além destas, há ainda a opção de entregar uma caixinha com doces sortidos (e não com os tradicionais bem-casados), para o convidado levar, repartir e comer quando quiser.

Noivos queriam casamento ecológico Em Fortaleza, Ana Santiago e Maricélio Marinho deixaram a criatividade fluir e optaram pelo casamento ao ar livre, no zoológico Eco Point em dezembro de 2008. A ideia surgiu após um passeio com crianças carentes que fazem parte de um projeto social desenvolvido pelo casal. “Quando meu noivo entrou lá, se encantou com a beleza do jardim e a partir de então não queria mais ver nenhum outro lugar. Depois, eu fui conhecer também e achei muito lindo!”, explicou a noiva.

O pedido de casamento aconteceu durante um final de semana romântico pelas praias de Lagoinha, Mundaú e Flecheiras, no litoral oeste cearense. “Na primeira parada, alugamos um quadriciclo e fomos passear, levando um champanhe e dois copos arranjados numa barraca de praia. “Lá pelas tantas, ele parou, a gente desceu do veículo e ele disse que tinha uma surpresa. Tirou as alianças do bolso e fez aquela pergunta... (risos)”, se emociona. A partir deste episódio,

Noivos resolveram casar no zoológico por causa da beleza do jardim. A organização da festa levou um ano e meio Foto: Arquivo Pessoal

os preparativos da união estavam apenas começando e Ana não hesitou em organizar todo o casamento. “O primeiro de tudo foi fechar a lua-de-mel, que foi um cruzeiro até Fernando de Noronha. Depois, junto com a cerimonialista, procuramos orçamentos de alguns profissionais”. A organização

do casamento durou um ano e meio. “Minha maior preocupação era que não chovesse na hora do casamento, pois o local da cerimônia era todo ao ar livre”, revela angustiada. Ana confessa que a distribuição de convites foi a parte mais trabalhosa do enlace, mas a troca de alianças, momento mais marcante da

união, fez tudo valer a pena. Segundo Ana Santiago, a compensação pelo esforço em fazer a festa mais romântica e agradável para os convidados, veio com a superação das expectativas. “ O melhor de tudo era o jardim, que deu um efeito todo especial para o cenário do casamento”.


13

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Tradição é reinventada a cada celebração No Brasil, o novo Código Civil estabelece a união estável e reconhece declarações como documentos de união consensual. Basta estar vivendo há seis meses com uma pessoa debaixo do mesmo teto para ser reconhecido pela justiça como cônjuge. A advogada Manoela Praxedes enfatiza que nem mesmo os seis meses são necessários. Se o casal tem filhos, se tem convivência, se moram juntos, se tem conta conjunta também são reconhecidos pela justiça. “O que importa é a durabilidade, a manifestação de interesse de ambos em permanecerem de fato casados, morando juntos e, principalmente, se manifestam a vontade de ter uma família. O tempo não importa, se são três ou seis meses, se há esses requisitos, a união estável está caracterizada” De fato, as relações conjugais ganharam novas características e mesmo quem opta por cerimônias, adere a algumas adaptações. Aos poucos, o véu foi sendo deixado de lado, a marcha nupcial sendo substituida por músicas populares e ao invés de jogar buquê, noivas jogam um sapo de pelúcia. Existe até quem queira casar em estádio de futebol. Neste mês de outubro, o time Fortaleza Esporte Clube será homenageado por um casal que optou por realizar a celebração matrimonial no dia do aniversário do time. Quando o “Leão” (como o clube é conhecido po-

Inspirados em personagens de um filme infantil, noivos celebram casamento de forma inusitada e criativa Foto: Divulgação

pularmente) completa 93 anos, o casal de torcedores adentrará o Estádio Alcides Santos, situado no bairro do Pici. “Quando o time fez 91 anos, eu decidi que queria casar na missa de aniversário do cçube e vamos realizar isso”, disse Dannytza Serra Gomes, em entrevista ao jornal Diário do Nordeste. Renovação necessária Mas porque essas festas inusitadas têm chamado a atenção daqueles que desejam selar a união? De acordo com o sociólogo Élcio Batista, isso

ocorre porque, além do matrimônio ter entrado no “sistema moda”, a celebração “segue sendo atualizada pelas novas gerações. Ao longo do tempo, alguns aspectos são substituídos por outros considerados mais ‘contemporâneos’”. Como no caso do vestido da noiva, que nem sempre foi na cor branca ou quanto à velha questão do dote que o pai da futura esposa oferecia para a família do noivo. Para o sociólogo, “essa atualização é fundamental para manter o ritual

vivo. Se não há renovação, a tendência é desaparecer.” Ainda de acordo com Élcio Batista, revistas de moda, programas de televisão, comportamento de pessoas públicas, tudo exercerá influência na hora de decidir que tipo de cerimônia se deseja realizar. E para os casais que estão planejando a festa, aqui vai uma dica: “o casamento real inglês muito provavelmente influenciará os novos casamentos”, prevê o sociólogo, se referindo a cerimônia do Príncipe William e Kate Middleton.

As histórias de casamento narradas nas telas de cinema Se não fossem as histórias que narram o drama do divórcio e conflitos familiares, o cinema seria, das sete artes, a que geralmente encara o matrimônio como grande tema. A entrada na igreja é uma cena

comum, especialmente nas comédias românticas. E ela quase sempre acontece como um prêmio ou uma grande recompensa ao fim da história. Selecionamos alguns filmes para quem quer casar e inspirar-se

2008 Vestida para Casar Elenco: Katherine Heigl, James Marsden, Edward Burns e Malin Åkerman. Jane ama casamentos e sente um prazer incrível em ser acompanhante nupcial. No entanto, na sua vida afetiva a felicidade já não é a mesma. Jane nutre um amor platônico pelo chefe, George. Mas, a situação só tende a piorar quando Tess, sua irmã mais velha, chega na cidade e envolve seu patrão. A química entre os dois foi tanta que logo decidiram se casar e, óbvio que Jane foi escolhida para dama de honra. A jovem então se divide entre agradar a irmã e agradar ao próprio sentimentos. A presença do jornalista Kevin, só tornará esses sentimentos ainda mais confusos.

2002 Casamento Grego Elenco: Nia Vardalos, John Corbett, Michael Constantine e Lainie Kazan. Toula Portokalos tem 30 anos, grega e ao contrário do desejo de seu pai, pouco pensa em casar com alguém de seu país. Na verdade ela quer algo mais que a vida possa oferecer, como um bom emprego. Ela passa a trabalhar na agência de viagens da tia, onde conhece o professor de inglês Ian Miller. Os dois acabam se apaixonando, e a principio mantém o relacinamento em segredo, já que Ian não é o partido ideal. Ele não é grego. A confusão começa quando a família de Toula descobre o romance. O pai da moça não aprova e o professor, ainda assim, faz de tudo para entrar de vez para a família, até mesmo pedir Toula em casamento.

1999 Noiva em Fuga Elenco: Julia Roberts, Richard Gere, Joan Cusack, Hector Elizondo e Rita Wilson. Maggie Carpenter não consegue casar. Das três tentativas, não houve uma na qual não desistisse. Sempre que se via diante do altar, simplesmente fugia. Ao saber da história curiosa da noiva fujona, o jornalista machão, Ike Graham, decide publicá-la na coluna que possuí, porém perde o emprego por não provar veracidade do fato antes da publicação. Sendo assim, ele decide viajar até a cidade Maggie para recuperar o trabalho e comprovar a história. O que ele não imagina é que essa matéria pode envolvê-lo muito mais do que espera.

1997 Casamento do meu melhor amigo Elenco: Julia Roberts, Dermot Mulroney, Cameron Diaz e Rupert Everett. O laço de amizade de Julianne e Michael sempre foi muito forte. Tanto que fizeram um pacto: caso chegassem aos trinta e ainda não tivessem um compromisso sério, casariam-se. Mas, quando a data finalmente chegou Julianne recebe uma ligação de Michael, contando que vai se casar e a convidando para ser a madrinha. Julianne então percebe que sempre fora apaixonada por Michael e vai tentar de tudo para conquistá-lo.

Aceitou casar e matar simplesmente por amor Há paixões como aquelas dos filmes do Almodóvar, meio “Mulheres à beira de um ataque de nervos”. A criatura pode ser a mais bem sucedida profissionalmente e adorar um cafajeste, mas não há psicoterapia e Simone de Beauvoir que dê jeito. Damiana era assim. Conheceu Maurício. Charmoso, morava no Meireles, adorava bons vinhos, boa música e leitura. Cara influente , gerente de empresa, inteligente e todos os adjetivos imagináveis terminados em ente. Mas era um canalha conhecido. Ela apaixonou-se pela conversa mole dele. Iniciaram um namoro desenfreado. Viam-se diariamente, e a vida íntima era impecável. Damiana havia encontrado o famigerado “homem da sua vida”. As amigas advertiam sobre a fama do rapaz. Mas ela ficou deslumbrada com o comportamento do partidão. Frequentavam bons restaurantes, viajavam para Jericoacoara em luas-de-mel antecipadas. Esqueceu tudo o que havia aprendido com os relatos das amigas, e, mesmo nunca tendo ido ao apartamento dele, aceitou casar-se. Maurício deixou de aparecer com a frequencia costumeira e, por fim, sumiu por mais de um mês. Damiana caiu doente. Aconselhavam: “Mulher, esquece esse cara. Presta não”. O conhecimento empírico, por vezes, é mais influente que as pesquisas do Ibope e do Datafolha. E quando as amigas falam, então, é lei. Geniosa e determinada , a apaixonada foi contra todos os conselhos e, escondida, investigou a vida dele. Descobriu tudo. Casado com uma Amélia e dois lindos filhos pequenos. Ao comprovar a suspeita, o corpo da moça gelou, mas ela não derramou uma lágrima. Esboçou um sorriso e, friamente, esperou a chegada do marido. Ele usou desculpas, disse que havia viajado a trabalho. Disfarçou. Foram à casa dela, no Benfica. Perfumou-se toda com uma colônia nova e pos um lindo vestido. Ele deitou-se no sofá. Damiana matou por amor. Cinco facadas no tórax. Dizem que ela esqueceu Simone de Beauvoir e inspirou-se em Nelson Rodrigues.

Camila Holanda Estudante do 7º semestre de Jornalismo


14

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Desinformação e vandalismo Obra de Sérvulo Esmeraldo completa 34 anos e mostra a falta de reconhecimento da população e o descaso do poder público na valorização das artes urbanas Carlos Augusto e Tainá Nobre

Quando andamos por Fortaleza, nos deparamos com grandes esculturas e que muitas vezes se confundem com o cenário da cidade, não imaginamos o fator inserção e não perguntamos quem as projetou e imaginou colocá-las ali. Apenas passamos, ás vezes olhamos, outras vezes nem temos tempo para olhar quanto mais refletir sobre cada uma delas. Alguns das esculturas espalhadas por Fortaleza foram idealizadas por Sérvulo Esmeraldo, artista de grande projeção internacional,que tem como característica o geométrico em suas principais obras. Segundo o artista, cada escultura dele que pode ser encontrada pela cidade tem um projeto que busca interagir com a paisagem inicial. Nada é por acaso, tudo é estudado e só então realizado. O artista tem origem no interior do Ceará. Nascido no Crato, Sérvulo veio para Fortaleza ainda menino, a fim de concluir seus estudos. Aqui na cidade, seu gosto pelas artes plásticas ganhou forma e tomou as rédeas da sua vida. A arte o conquistara ainda no interior quando já moldava suas primeiras esculturas,bonecos de argila e ferro fundido. Sobre a sua iniciação na arte Sérvulo tem uma convicção que ele carrega por toda a vida.“ Você não descobre que é artista, é a arte que o descobre, o assume. A gente respira arte, dorme com a arte, enfim é a nossa vida!” Nos anos 70, Sérvulo foi convidado a criar sua primeira escultura urbana, o “Monumento ao Saneamento Básico de 1977”. Obra que até hoje é lembrada e conhecida pelo apelido de “chifre do prefeito”, a escultura, que chega aos 34 anos e sem nenhuma conservação, está

Monumento ao Saneamento Básico: Localizada na Beira-mar, a obra é alvo constante de pichações Foto: Carlos Castelo BranCo

localizada na Avenida Beira Mar e revela o descaso da Prefeitura na manutenção de obras urbanas. Ao visitarmos algumas esculturas, nos deparamos com obras pichadas de uma ponta a outra, sem identificação, sem história pra contar. Quem passa por ali, se for da cidade e lembrar da época em que a obra foi instalada, sabe dizer que foi para simbolizar o saneamento da cidade. Mas, a maioria continua dizendo que ouviu falar que era o cifre do prefeito. Os turistas acham bacana batem foto e se divertem dizendo

Quem deveria dar a manutenção era a prefeitura, pois estão na cidade. Mas, infelizmente não cuidam. Esposa do artista Sérvulo Esmeraldo

que é o “chifre do prefeito de Fortaleza”. É o caso do Edilson Lopes de Brasília, que já veio algumas à Fortaleza e se diverte tirando fotos no chifre do prefeito. Outra obra urbana que também está localizada na Beira Mar e que também foi projetada por Sérvulo, é o “o Monumento ao Jangadeiro” de 1992. Ela fica bem em frente ao mercado dos peixes, perto da antiga 50 sabores no finalzinho da avenida. Quando fomos procurá-la tivemos um pouco de dificuldade de localizá-la. Então surgiu a idéia de perguntar aos guardas que trabalham lá todos os dias. A resposta foi impressionante. Eles não sabiam da existência da obra. Um até que lembrou que viu uma vez, mas que achava que havia sido retirada de lá durante a reforma do calçadão. Para nossa surpresa, quando chegamos ao final da avenida lá estava a obra, onde sempre esteve, mas um pouco deteriorada pelo tempo. O estrago em relação à primeira obra era bem menor, já que

Monumento ao Jangadeiro: Escultura situada no Mucuripe, ao lado do mercado de peixes Foto: Carlos Castelo BranCo

pouco existe pichações, mas a ferrugem toma conta do monumento. Os peixeiros que também estão ali em frente à escultura todos os dia não souberam dizer de quem era, o que simbolizava e quem tinha colocado ali. Eles acham que foi a prefeitura. Já que não existe placa descrevendo o monumento, fica difícil quem passa por ali saber o que ela representa. De acordo com a coordenação do departamento da Prefeitura de Fortaleza responsável pela manutenção das obras de arte urbana da Cidade, a conservação das esculturas não é realizada pela prefeitura. Mas, segundo Dodora Guimarães, esposa do artista, toda a conservação e identificação das obras é de total responsabilidade da prefeitura. “Quem deveria dar a manutenção era a prefeitura, pois estão na cidade. Mas, infelizmente não cuidam.” afirma. Perguntado sobre as duas principais obras urbanas, as da avenida Beira Mar, Sérvulo disse que as encomendas partiram de dois órgãos diferentes. A do saneamento básico, obra que marca o início das esculturas urbanas do artista, foi encomendada pelo Governo do Estado. Já as jangadas que ficam na praça dos pescadores, foram encomendadas pela Fundação de Cultura, Esporte e Turismo (Funcet), e deveriam ser de responsabilidade da prefeitura. Sabemos que além de ter um apoio da Cidade para manter as esculturas, a população também deve contribuir não destruindo o patrimônio desse cearense de tanto talento. Porém, quando vemos a falta de zelo e de conservação das obras, notamos que nem a prefeitura, e muito menos a sociedade se importam com a preservação dos moonumentos e artes urbanas da Cidade. O que deveria aproximar a sociedade das artes acaba se tornando alvo de vandalismo.

Sérvulo Esmeraldo Sérvulo Esmeraldo é autor de dezenas de obras públicas ou integradas à arquitetura no Brasil, grande parte delas localizadas em Fortaleza, onde o artista reside e trabalha desde 1980. Na nova exposição estão quatro obras inéditas: “Ocupação do espaço”, composta de cinco esculturas; “Cônicas”, conjunto de cinco esculturas; “Prisma” e “Cubo”, relevos virtuais; e mais quatro relevos recentes, realizados entre 2008 e 2010. À exceção de dois trabalhos, todos os demais são executados em aço inoxidável. Síntese do pensamento do artista cuja obra é marcada pela precisão, a exposição explora a relação do volume e do espaço, questão sempre presente na obra de Esmeraldo. Núcleo central da mostra, a série “Ocupação do Espaço” aborda a questão dispondo cinco volumes (tetraedros regulares) de diferentes dimensões num espaço delimitado. Conciso, o autor ressalta no trabalho artístico. “O ato da criação é muito próximo do absurdo. Se lida neste momento com a inconsistência. Transformar a fragilidade da ideia em matéria é o que chamamos de arte”. E questiona: “O que sabemos da arte nós, os artistas? Somos antenas? Recebemos o quê, de onde? Nosso ´saber´, nossa linguagem é um aprimoramento empírico. O talento é uma conjunção desses dados. Trabalhamos com o subjetivo, sem o compromisso da aplicação imediata. O que fazemos hoje é fruto de um pensamento muito anterior”.


15

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

De encontro com o passado e o presente O museu de outrora, o espaço sério e antiquado das mentes das pessoas, está mudando. Mas qual o lugar do museu na cultura cotidiana do cearense? Julie Scott e Joicy Muniz

O Ceará conta, atualmente, com 115 museus espalhados pelos seus 184 municípios, segundo o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Eles abrangem desde exposições históricas até acervos automobilísticos e história natural. Os objetos a mostra passam por séculos da história local: artefatos pré-históricos, armas, roupas, obras de artes, artigos religiosos e até um bode empalhado. Na maioria dos museus a entrada é franca. Em outros é cobrada apenas uma taxa simbólica. Até porque vários deles não têm apoio direto do governo e sobrevivem de doações e incentivos da iniciativa privada. Mesmo assim, o ramo museológico está esperançoso e em expansão, principalmente depois da criação de órgãos como os Sistemas Estaduais de Museus, em 2006, e o Ibram, em 2009. No caso dos museus locais, eles ainda estão distantes de serem a programação mais procurada, inclusive pelos próprios cearenses. No geral, as pessoas esquecem que aqui mesmo existem instituições que guardam obras da nossa própria história e cultura. Mas quem se interessa por isso? O Ceará tem o segundo maior número de museus das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte do Brasil. Só perde para a Bahia. Um pesquisa do Minsistério da Cultura (MinC) feita em convênio com o IBGE, entre 2003 e 2006, mostra que 92% da população brasileira nunca visitou um museu. E 93,2% jamais viu uma mostra de arte. “Não visitar museus é um problema cultural tanto quanto não ir ao cinema, ao teatro ou ler um livro. As estatísticas do Ministério da Cultura em relação à recepção dos bens culturais pela população brasileira são muito preocupantes. As pessoas não vão ao museu, como não vão ao teatro, como também não lêem”, diz Cristina Holanda, diretora do Museu do Ceará. Em Fortaleza, segundo Clélia Lustosa, Coordenadora do Patrimônio Cultural da Secretaria de Cultura do Município, o que a

Prefeitura da cidade está fazendo para mudar esta realidade é investir em museus comunitários, em particular nos projetos do Titanzinho e Vila do Mar. “Criado a partir da demanda da população, o museu comunitário leva em conta o que é discutido dentro da comunidade e como aquele público irá receber aquela exposição, aquele acervo. Esta é uma forma de integrar o que a Prefeitura disponibiliza para eles e o que eles, de fato, terão interesse em ver” conta Cristina. Outra medida é a promoção da Semana Nacional do Museu. Com o tema “Museu e Memória”, proposto pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), o objetivo da ação é chamar atenção para o simples fato da existência destes espaços históricos e culturais. “Grande parte dos mais de 3 mil museus cadastrados

Museus em Evidência A primeira manifestação de exposições de objetos de que se tem notícia vem de muitos séculos atrás. Ela aconteceu por intermédio do então Papa, Pio XI. Tratava-se de um acervo composto por artefatos religiosos da Europa. Até hoje, em Roma, existem inúmeros objetos antigos que ilustram verdadeiras relíquias da fé cristã. Muitos deles podem ser vistos no Museu do Vaticano. No Brasil, o destaque do pioneirismo vai para o Museu Paulista, em 1890. Com exposições divididas nas áreas iconografia , objetos e documentação textual, a Entidade oferecia a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a História do Brasil. O Museu do Ceará foi a primeira instituição museológica oficial do Estado, criada por decreto em 1932, mas aberta ao público oficialmente em janeiro de 1933.

no IBRAM já percebeu que eles são centros culturais que devem ser dinâmicos e ter uma programação variada para atrair uma audiência diversificada. Então a proposta é sempre a mesma: que, em torno destas temáticas, as entidades articulem suas programações, divulguem ao grande público e aproximem mais as pessoas dos museus”. A antropóloga e socióloga Samara de Paula acredita que a melhor solução seria aumentar a interatividade nesses espaços, já que isso atrai públicos de todas as faixas etárias e proporciona mais interesse às exposições. Exemplos disso são o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol, ambos em São Paulo. Eles apresentam programas radiofônicos, filmes históricos e exposições digitais. Para a antropóloga, recursos de ambientação e iluminação teatral tornam os objetos e documentos atraentes. Além disso, museus que possuem em seu entorno áreas de conforto e de lazer (restaurantes, lanchonetes, cafeterias, brinquedoteca, jardins) fazem com que o visitante permaneceça mais tempo e tenha o interesse de voltar. No entanto, apesar de tudo o que tem sido feito para essas entidades se tornarem mais atrativas, o antropólogo cultural José Nilton Costa fala da difilculdade enfrentada, particularmente entre os nordestinos. “Não é que ele não dê valor à sua cultura, porque ele dá. Eles são bastante orgulhosos de suas origens. O que acontece é que estas já são características tão intrínsecas do povo, que eles não sentem a necessidade de ir a um local austero, onde não podem tocar, comprar ou interagir com o que estão vendo. Eles preferem ver uma exposição no calçadão de uma praia, num shopping ou num centro cultural” finaliza José Nilton.

Joicy Muniz

Por que as pessoas frequentam os museus? A estrutura do prédio já fala por si. No meio de tantas lojas, praças e ruas repletas de buracos, encontramos o Museu do Ceará, situado no centro de Fortaleza. Em quinze minutos, cerca de 8 pessoas e um grupo de aproximadamente quinze alunos entraram no histórico local. “Fotografias, curiosidade, atenção!” Pede a professora que guia e responde todos os questionamentos dos alunos. Fazer com que jovens se interessem pela arte é um desafio, mas não é impossível. Segundo Cristina Holanda, o público do museu é em grande parte escolar. Para ela isso é uma vitória, visto que a criança vai crescendo e alimentando esse hábito. “Se você vai ao museu desde criança, irá para o resto da vida”, afirma. Resta aos museus chamarem sempre a atenção do público, e é justamente aí que entra a semana do museu. Jeferson Costa visita o local pela segunda vez com sua namorada, Márcia, por pura curiosidade de conhecer a história da cidade. Ele confessa que foi por conta própria, já que não estava sabendo da semana do museu. O historiador Leandro Tavares, de Teresina, acredita que o trabalho de campo possibilita aos alunos saírem da teoria. “Parece que as pessoas têm medo de conhecer sua história. Se não é isso, é por puro comodismo e falta de atrativos”. Ir a um museu não significa se limitar a ver objetos expostos, até porque se fosse apenas isso, fotos bastariam. Como explicar o fato de pessoas que trabalham ao lado do museu nunca terem sequer pisado no local? A razão para isso está no costume, nos atrativos que o lugar oferta. A semana do museu é uma iniciativa que merece aplausos, mas merece também mais recursos, mais olhares, mais, mais, mais, muito mais. “Boas ideias precisam de recursos para se materializarem. Esses últimos oito anos foram muito bons pra área dos museus. Desde a criação do IBRAM, que criou editais de incentivo e com isso estimulou que outras empresas criassem, os museus tiveram mais acesso aos recursos. Estamos achando ótimo, mas a gente quer mais, porque ainda é um investimento pequeno, precisamos de mais”, conclui Cristina. O acesso à cultura ainda é precário, mas tem melhorado, a semana do museu tem colhido bons resultados, mas não o suficiente. No país do “faça sua parte” carecemos também do interesse. Você mesmo já aproveitou para visitar um museu essa semana?

Serviço Museu do Ceará: Rua S Paulo, 51 - Centro - Fortaleza- CE / tel: (85) 3101.2606 - http://www. secult.ce.gov.br/equipamentosculturais/museu-do-ceara/museudo-ceara

Cristina Holanda “As pessoas não vão ao museu, como não vão ao teatro, como também não leem”

Foto: Julie sCott


16

SETEMBRO/OUTUBRO DE 2011

Quadrinista de sucesso Desde 1995 trabalhando profissionalmente com quadrinhos, Daniel Brandão conseguiu chegar a um lugar para poucos: viver disso e ainda ter sua arte reconhecida Isabelle Leal e Lívia Lopes

É difícil não se contagiar pela paixão com que o quadrinista e ilustrador Daniel Brandão fala de seu ofício. A curiosidade para ver as histórias por ele criadas é imediata. Formado pela Joe Kubert School, uma das mais prestigiadas escolas de desenho dos Estados Unidos e dono de um estúdio que leva seu nome desde 2001, espera-se que Daniel faça excelentes quadrinhos. Porém, basta ver alguns desenhos para descobrir a característica mais forte de seu trabalho: a versatilidade de seu traçado surpreende. De cantoras pop a clássicos hérois, o artista se diverte e passeia por todos os universos possíveis que os quadrinhos permitem sempre que começa a criar. A sensação de entrar no estúdio é mesmo a de estar em um mundo à parte. Um mundo em que o tampo das mesas é inclinado e tem um vidro no meio com uma luz fluorescente embaixo; um mundo em que a imaginação é o primeiro pré requisito. Quem ali entra para fazer um dos cursos - mangá, desenho ou quadrinhos -, sabe que o futuro pode estar na ponta do lápis. Cinco meses de dedicação podem dar um novo rumo àqueles aprendi-

zes, enveredando pelos quadrinhos ou outras ilustrações. Mais uma vez volta-se a atenção para Daniel, dono do espaço e totalmente integrado a ele. Conversando sem pressa, lembra que esqueçeu uma folha no scanner e pede licença. “Acabei de terminar uma página e deixei aqui. Se ficar, vai amassar e não desamassa mais”, explica enquanto repousa o papel sobre a mesa onde os traços ganharam vida. Depois disso, as únicas pausas feitas são para elaborar uma ou outra resposta. Jornalista formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Daniel não chegou a exercer a profissão. No primeiro ano do curso de Direito, em 1995, descobriu a Oficina de Quadrinhos da UFC e mudou para a comunicação social. Um ano e meio depois conheceu o cartunista Mino em um jantar e mostrou-lhe seu trabalho. Logo Daniel recebeu a missão de montar uma equipe para produzir tirinhas do Capitão Rapadura, personagem criado por Mino. Ao lado dos amigos J. J. Marreiro e Geraldo Borges, lançou-se profissionalmente nos quadrinhos. No entanto, engana-se quem pensa que o ilustrador só vislumbrou essa opção quando entrou na faculdade. “Eu me considero um privilegiado porque, diferente de muita gente, eu já tinha ideia do que queria ser quando crescer há muito tempo”. Mas o menino que devorava histórias da Turma da Mônica e dos Trapalhões não podia imaginar que, anos mais tarde, seria um dos artistas brasileiros convidados a participar do projeto MSP 50, um livro em que cinquenta quadrinistas brasilei-

ros emprestaram seus traços para criar histórias da Turma da Mônica em uma homenagem ao meio século de carreira do consagrado Maurício de Sousa. De jeito simples e fala clara, Daniel parece escolher as palavras com o mesmo cuidado com que desenha cada traço. No espaço que criou, o artista fica completamente à vontade, principalmen-

O quadrinho dá um trabalho muito grande e é consumido muito rápido. Mas vale à pena porque às vezes são 20 minutos que marcam a vida de uma pessoa Quadrinista e ilustrador

te por estar cercado dos desenhos que o inspiraram e dos de sua própria autoria. “Devo ler quadrinhos há quase 30 anos. Mas quando eu tinha nove fui apresentado a uma revista chamada ‘Super Aventura Marvel’. Foi quando saltei para o mundo dos super-herois e conheci alguns nomes que me influenciam e estão até hoje ao lado da minha mesa”, fala enquanto põe a mão sobre a pilha de revistas ao seu lado assinadas por nomes como John Byrne. O dia a dia no trabalho é calmo, mas só até o momento em que os alunos chegam.

Professor há mais de uma década, o ilustrador sabe reconhecer talentos. Há cerca de três anos Blenda fez um curso de mangá com ele e nunca mais deixou o estúdio, que atualmente frequenta como professora. Todo semestre os alunos produzem uma revista em quadrinhos. Na última lançada, nem o professor deixou de ser retratado. Apaixonado, mas não iludido, Daniel é consciente das dificuldades da profissão. “Nem nos piores dias eu penso em fazer outra coisa”, confessa ele, que é pai da pequena Liz. As travessuras da filha o inspiraram a ponto de ela se tornar um personagem. As tirinhas já estão sendo publicadas em vários veículos por todo o país, sendo que algumas são assinadas em conjunto com a própria protagonista das histórias. Sem conseguir pensar em uma solução para a desvalorização da arte que estampa até mesmo a camiseta que usa, Daniel torce para que empresários abram a mente e invistam nessa mídia. O lançamento de quadrinhos e games, estratégia usada por Maurício de Souza, é apenas uma das muitas opções para o carente público-leitor de publicações nacionais na área. Graças à Internet, o ilustrador vê a maior parte de seus trabalhos serem publicados em outros estados e países. Ainda segundo ele, o Ceará é um celeiro de bons quadrinistas, um feito natural e sem explicação.

“Entrar no mercado e se manter”, são as maiores dificuldades apontadas por Daniel para aqueles que querem trabalhar profissionalmente com quadrinhos. Ele considera que todo mercado é difícil, mas o dos quadrinhos tem um agravante: trata-se de um mercado mundial. A desvalorização do quadrinho também dificulta a criação de um mercado local forte. “Tem gente que me procura, não sei se por pura desinformação ou por preconceito mesmo, para fazer histórias em quadrinhos oferecendo preços risíveis. Pior que tem gente iniciando que é muito jovem e inexperiente e acaba fazendo por aquele valor e as pessoas acham que tem que ser baixo mesmo”. Para Daniel, à medida em que o quadrinho vai sendo criado e os desenhos começam a ganhar vida própria, o autor morre e “a história voa sozinha”. Ele diz ainda que o ofício se assemelha ao de diretor de cinema e necessita do domínio de vários campos do conhecimento. “Dá um trabalho muito grande e é consumido muito rápido. Mas vale a pena porque às vezes são 20 minutos que marcam a vida de uma pessoa”. Para se ter uma noção, uma página de quadrinhos leva em média de três a quatro dias para ser finalizada. Nesse ritmo, uma história de 12 páginas, colorida, letrada, diagramada e pronta para ser enviada à gráfica demora um mês para ser feita. Mesmo assim, o artista continua desenhando diariamente na esperança de que o quadrinho ainda seja tão valorizado quanto as outras artes.

Oficina de Quadrinhos da UFC Av. da Universidade, 2.762 http://oficinadequadrinhosufc. blogspot.com/ Estúdio Daniel Brandão Av. Santos Dumont, 3131A, sala 817, Torre Comercial do Del Paseo Telefone: (85) 3264-0051 http://www.estudiodanielbrandao.com/ Gibiteca de Fortaleza Horário de funcionamento: de segunda à sexta, das 8h às 21h, e aos sábados das 09h às 12h e das 13h às 17h. Fica dentro da biblioteca Dolor Barreira, na Av. da Universidade, 2572 – Benfica. Telefone: (85) 3105.1299 http://gibitecadefortaleza.wordpress.com/

Mulher gato desenhada a lápis, borracha e nanquim, uma tinta especial para retocar desenhos feitos a lápis antes de irem para a arte final

ilustração: Daniel BranDão


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.