(Des)encontrosem El hombre de al lado(Gastón Duprat e Mariano Cohn, 2009) Natalia Christofoletti Barrenha Para Doreen Massey, o espaço é uma dimensão implícita que molda nossas cosmologias estruturantes. Segundo a geógrafa inglesa, ele “modula nossos entendimentos do mundo, nossas atitudes frente aos outros, nossa política. (...) Se o tempo é a dimensão da mudança, então o espaço é a dimensão do social: da coexistência contemporânea de outros” (2009: 15). Em seu livro Pelo espaço: uma nova política da espacialidade, Doreen concebe o espaço como uma imbricação de trajetórias, sempre aberto aoinesperado, ao acaso, e que, enquanto locusda existência contemporânea, é marcado pela multiplicidade, pelo encontro com o “outro” – colocandonos, assim, permanentemente frente ao desafio do novo. Massey enfrenta aquela subentendida concepção de espaço como uma grande extensão através da qual viajamos; como a terra que se estende ao nosso redor, o que faz com que o espaço pareça uma superfície, contínuo e tido como algo dado. Para ela, essa maneira de entender o espaço pode, facilmente, nos levar a pensar outros povos, lugares e culturas simplesmente como um fenômeno “sobre” uma superfície – fazendo com que os mesmos fiquem desprovidos de história. Ela cita, como exemplo, a chegada dos espanhóis ao México: ao invés de ser um encontro de trajetórias, esse evento é visto como se os mexicanos estivessem imobilizados, esperando o desembarque do “descobridor”, o único agente ativo, quem atravessa o oceano para se deparar com aquele que está, simplesmente, lá. Assim, as diferenças encontradas entre eles são tomadas como atraso, expressando espaço em tempo; transformando geografia em história. Não devemos imaginá-los como tendo suas próprias trajetórias, suas próprias histórias específicas e o potencial para seus próprios, talvez diferentes, futuros. Não são reconhecidos como outros coetâneos. Estão, meramente, em um estágio anterior, na única narrativa que é possível fazer. Esta cosmologia de “única narrativa” oblitera as multiplicidades, as heterogeneidades contemporâneas do espaço. Reduz coexistências simultâneas a um lugar na fila da história (Massey, 2009: 24).
Tal concepção temporal do espaço aumenta as distâncias, e a possibilidade de múltiplas narrativas é perdida. Assim, a geógrafa busca praticar o espaço de maneira diferente, através do qual, na negociação de relaçõesdentro da multiplicidade (sob todas as suas formas: diversidade, subordinação, interesses conflitantes), o social é construído: “o que o espaço nos proporciona é a heterogeneidade simultânea; ele retém a possibilidade da surpresa, é a condição do social em seu mais amplo sentido e o prazer e o desafio de tudo isso” (Massey, 2009: 157). O espaço não é fixo e está em permanente construção. Como afirma Rosaly Deutsche (1996 apudMassey, 2009), o conflito não é algo que acontece a um espaço, mas o espaço é o produto do conflito. Em O homem ao lado (El hombre de al lado, 2009), de Gastón Duprat e Mariano Cohn, acompanhamos um (des)encontro que o acaso e a multiplicidade que geram o espaço proporcionam, colocando a questão do viver junto e suas disputas.O protagonista, o arquiteto LeonardoKachanovsky, “a marretadas”, é obrigado a interagir com seu vizinho inesperado Víctor Chubeloatravés de uma fronteira (janela) que os une e os separa. Aqui, seguimos a definição de fronteira proposta por Andréa França, que se conecta com os postulados de Massey: “fronteira como linha demarcadora do idêntico, que limita, torna estável e mesmo enclausura um certo conjunto de valores e crenças, mas também lugar instável, de passagem e transição para o outro, o diferente” (França, 2003: 21). 352