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Sinopse Tendo se tornado aquilo que mais temiam, Bianca e Lucas encaram a nova e aterradora realidade. Eles devem retornar à Academia Meia Noite, Lucas como um vampiro e Bianca como um fantasma. Mas Lucas está sendo assombrado por demônios, tanto pessoais como sobrenaturais. Bianca deve ajudá-lo na luta contra seu mal interior, combater as forças que tentam separá-los e finalmente encontrar forças para encontrar seu destino.
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Capítulo Um 5
— O POR DO SOL ESTÁ PRÓXIMO — BALTAZAR FALOU. Foram as primeiras palavras que alguém falava em horas. Apesar de eu não querer escutar nada do que o Baltazar tinha a dizer — sobre isso ou sobre qualquer outra coisa — eu sabia que ele estava certo. Vampiros sempre podiam sentir o por do sol se aproximando, no fundo de seus ossos. Será que o Lucas também conseguia senti-lo? Estávamos sentados em uma sala de projeção de um cinema abandonado, onde as paredes cobertas de pôsteres ainda possuíam as marcas da batalha da noite passada. Vic, o único humano no aposento, cochilava contra o ombro do Ranulf, seu cabelo cor de areia bagunçado pelo sono; Ranulf estava sentado calado, com o machado coberto de sangue ainda em seu colo, como se esperasse mais perigo a qualquer momento. Seu rosto longo e magro e cabelo arredondado lhe davam a aparência de um santo medieval. Balthazar estava de pé em um dos cantos, mantendo distancia em respeito ao meu sofrimento. Ainda assim, seu peso e ombros largos faziam com que ele ocupasse uma boa parte da sala. Aninhei a cabeça do Lucas em meu colo. Se eu estivesse viva, ou mesmo como um vampiro, tantas horas sem me mover teria deixado meu corpo dolorido. Mas como fantasma, livre das demandas de um corpo físico, fui capaz de abraçá-lo durante toda a longa noite de sua morte. Puxei meu longo cabelo vermelho para trás, tentando não notar que as pontas haviam esfregado no sangue do Lucas. Charity o havia assassinado em frente aos meus olhos, tirando vantagem de seu desejo de me proteger ao invés de si mesmo. Aquela havia sido sua mais recente e horrível tentativa de me ferir, guiada por seu ódio contra qualquer pessoa que tenha alguma importância para Balthazar. Seu irmão e criador. Ela violou um tabu entre vampiros, de nunca morder alguém que já fora mordido por outro vampiro — que vinha, para todos os efeitos, o preparando para a transformação de vivo para desmorto. Supostamente a transformação do Lucas era meu direito e
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de ninguém mais. Mas Charity não ligava para tabus há muito tempo. Ela não se importava com nada nem ninguém, exceto com seu doentio relacionamento com o Balthazar. Eu prefiro morrer. Lucas sempre falou. Quando eu estava viva e era muito mais inocente, havia sonhado em ele se transformar em um vampiro comigo. Mas ele havia sido criado pelos soldados da Cruz negra, que detestam os desmortos e os perseguiam com a paixão de um culto. Ser transformado em um vampiro sempre foi seu pior pesadelo. Agora o pesadelo se realizou. — Quanto tempo ainda? — perguntei. — Minutos. — Balthazar deu um passo á frente, mas viu a expressão em meu rosto e não se aproximou mais. — Vic deveria ir embora. — O que está acontecendo? — A voz do Vic estava rouca por causa do sono. Ele se levantou e sua expressão mudou de confusão para horror enquanto ele olhava para o corpo do Lucas, ensangüentado e pálido no chão. — Oh. Eu — por um segundo, pensei ter tido um pesadelo ou algo assim. Mas isso — é real. Balthazar balançou a cabeça. — Sinto muito Vic, mas você precisa ir embora. Percebi o que o Balthazar estava dizendo. Meus pais, que sempre quiseram que eu seguisse seus passos, haviam me contado sobre as primeiras horas da transição. Quando o Lucas acordar como um vampiro, ele vai querer sangue fresco — desesperadamente e tanto quanto puder pegar. No primeiro frenesi ao acordar a fome pode sobrepujar qualquer outro pensamento em sua mente. Ele estaria faminto o suficiente para matar. E o Vic não sabia nada disso. — Vamos Balthazar. Já vim até aqui com vocês. Não quero deixar o Lucas agora. — O Balthazar está correto. — Ranulf falou. — Será mais seguro se você partir. — O que você quer dizer com seguro? — Vic, vá. — Falei. Odiava o mandar embora, mas ele não entendia o que estava acontecendo aqui, ele precisava de uma dose da terrível realidade. — Se você quiser viver, vá embora.
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O rosto do Vic ficou pálido. Com mais gentileza o Balthazar acrescentou. — Esse não é lugar para os vivos. Isso pertence aos mortos. Vic passou as mãos por seu cabelo amarrotado, acenando para o Ranulf e saindo da sala de projeção. Provavelmente ele ia para casa, onde poderia fazer algo útil — limpar, ou fazer comida que ninguém mais iria comer. As preocupações humanas pareciam muito distantes naquele momento. Agora que o Vic havia partido, pude finalmente dar voz ao pensamento que vinha me assombrando por horas. — Nós devemos... — minha garganta se fechou, e tive que engolir com força. — Devemos deixar isso acontecer? — Você está querendo dizer que acha que devemos destruir o Lucas. — De qualquer outra pessoa aquilo teria soado muito difícil de suportar; mas do Ranulf, era um fato simples e calmo. — Que devemos prevenir que ele se erga como vampiro, e aceitarmos isso como sua morte final. — Eu não quero fazer isso. Eu poderia começar a te falar o quanto não quero isso. — Respondi. Cada palavra que eu falava parecia sangue sendo espremido do meu coração. — Mas sei que é o que o Lucas iria querer. — Amar alguém não significa colocar os desejos daquela pessoa em primeiro lugar, mesmo sendo algo tão terrível quanto isso? Balthazar balançou a cabeça. — Não faça isso. — Você soa muito seguro. — Tentei falar aquilo com calma. Ainda assim, eu estava com tanta raiva do Balthazar que mal conseguia olhar para ele; ele havia levado o Lucas para a batalha contra a Charity, mesmo sabendo que ele estava entorpecido pela tristeza e incapaz de lutar com toda sua habilidade. Eu sentia como se a morte do Lucas fosse tanto culpe do Balthazar quanto da Charity. — Você só esta me falando aquilo que quero escutar? Balthazar fez uma careta. — Quando foi que fiz isso? Bianca, escute. Se você me perguntasse um dia antes de me tornar um vampiro, se eu iria querer acordar como um desmorto, eu teria dito que não. — Você ainda diria não se tivesse a chance. Se pudesse voltar. Não é? — eu exigi.
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Aquilo o pegou desprevenido. — Não estamos falando só sobre mim. Pense em teus pais. Sobre Patrice, Ranulf e outros vampiros que você conhece. Eles realmente estariam melhor apodrecendo em seus caixões? Alguns vampiros são legais, não é? Isso era verdade sobre a maioria dos que já conheci. Meus pais haviam encontrado séculos de felicidade e amor juntos. Talvez Lucas e eu pudéssemos ter isso. Sei que ele odeia a idéia de ser um vampiro — mas apenas dois curtos anos atrás, ele odiava todos os vampiros com uma raiva cega e preconceituosa. Ele progrediu tanto e tão rapidamente; com certeza ele poderia vir a se aceitar em algum tempo. Valia à pena tentar. Tinha que valer. Todo o meu coração dizia que o Lucas merecia outra chance, e que merecíamos outra chance de ficarmos juntos. Passei meus dedos pelo rosto dele: sua testa, bochechas e contorno dos lábios. O peso e palidez de seu corpo me lembravam de um busto de pedra — fixo, sem vida e movimentos. — Está próximo. — Balthazar falou. Ele se aproximou. — Está na hora. Ranulf assentiu. — Também sinto. Você deveria se afastar Bianca. — Não vou me afastar dele. — Então fique pronta para se mover. Se for preciso. — Baltazar mudou o peso de um pé para outro, como um boxeador se preparando para uma luta. Vai ficar tudo bem Lucas, pensei, desejando que ele me escutasse entre esse mundo e o próximo. Estaria ele pronto á cruzar o espaço voltando para mim? Então talvez estejamos próximos o suficiente para ele escutar. Estamos mortos, mas ainda assim podemos ficar juntos. Nada mais importa, além disso. Somos mais fortes que a morte. Agora nada mais, nunca se colocara entre nós. Você e eu nunca mais teremos que nos separar. Eu queria que ele acreditasse nisso. E também queria acreditar. A mão do Lucas se mexeu. Arfei — um reflexo do corpo que criei, mas uma memória do que seria um susto do que qualquer outra coisa.
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— Fique preparado. — Balthazar disse. Ele estava falando com o Ranulf, não comigo. Tremendo coloquei uma mão sobre o peito do Lucas. Então naquele momento percebi que estava esperando pelas batidas do coração. O coração dele nunca mais iria bater. Um dos pés do Lucas se moveu levemente, e sua cabeça virou alguns centímetros para o lado. — Lucas? — sussurrei. Ele precisa saber que não estava sozinho, antes de entender tudo o mais. — Você pode me escutar? É a Bianca. Estou esperando por você. Ele não se moveu. — Amo muito você. — Eu queria tanto chorar, mas meu corpo fantasmagórico não criava lagrimas. — Por favor, volte para mim, por favor. Os dedos de sua mão direita se abriram, os músculos tencionando, então voltaram a se curvar na direção da palma. — Lucas você pode... — Não! — Lucas se empurrou para longe do chão, de mim, tropeçando e caindo de quatro. Seus olhos estavam arregalados, muito desfocados para realmente ver algo. — Não! As costas dele se chocaram contra a parede. Ele olhou para nós três, seus olhos não demonstrando reconhecimento, nem sanidade. Suas mãos pressionadas contra a parede, dedos curvados como garras e achei que ele poderia tentar cavar através dela. Talvez fosse o instinto vampírico de cavar seu caminho para fora da cova. — Lucas está tudo bem. — Levantei minhas mãos, fazendo o melhor para continuar completamente solida e opaca. Era melhor parecer o mais familiar possível. — Estamos aqui com você. — Ele ainda não reconhece você. — Balthazar falou. — Ele está olhando para nós, mas não consegue ver. Ranulf completou. — Tudo o que ele quer é sangue. Diante da palavra sangue, Lucas levantou a cabeça, como um predador sentindo o cheiro da sua presa. Percebi que aquela era a única palavra que ele reconhecia.
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O homem que amo havia sido reduzido á um animal — um monstro. Percebi que era essa concha vazia, doentia e assassina que o Lucas pensava que todos os vampiros eram. Os olhos dele se estreitaram. Ele mostrou os dentes e em choque vi, pela primeira vez, suas presas de vampiro. Elas alteravam tanto seu rosto que dificilmente o reconheceria e aquilo, mais do que qualquer outra coisa, me feriu. Ele mudou sua postura para um agachar, e percebi que ele estava prestes a atacar — qualquer um de nós, todos nós. Qualquer coisa que se mova. Incluindo a mim. Balthazar se moveu primeiro. Ele pulou correndo na direção do Lucas, colidindo contra ele com tanta força, que a parede atrás deles rachou e poeira de gesso caiu do teto. Lucas o afastou, mas então Ranulf estava junto a ele, em uma tentativa de encurralá-lo em um canto. — O que você está fazendo? — Gritei. — Pare de machucá-lo! Balthazar balançou a cabeça enquanto levantava do chão. — Essa é a única coisa que ele compreende no momento Bianca. Dominação. Lucas empurrou o Ranulf para trás com tanta força que ele se chocou em mim, e eu tropecei até um dos velhos projetores. O metal afiado atingiu meu ombro. E senti dor, dor real, do tipo que eu sentia quando possuía um corpo de verdade ao invés dessa simulação fantasmagórica. Quando coloquei a mão em meu ombro senti uma umidade morna em meus dedos, e os puxei para ver sangue — prateado e estranho. Eu nem ao menos havia percebido que ainda possuía sangue. O liquido brilhava como mercúrio, quase furta cor na luz fraca. A luta entre os três na minha frente estava ficando mais violenta — o pé do Balthazar contra o estomago do Lucas, o punho do Lucas contra a mandíbula do Ranulf — mas o Balthazar viu que eu estava ferida e gritou. — Bianca afaste-se! Você está sangrando! O que aquilo significava? Com certeza vampiros não bebem sangue de fantasmas, então não havia perigo de meu sangue piorar o frenesi assassino do Lucas. Naquele momento, eu não sabia se ele poderia piorar ainda mais. Ele poderia ser mais jovem e fraco, mas era movido por desespero, o que o mantinha persistente. Era impossível que ele conseguisse derrotar o Ranulf e o Balthazar ao mesmo tempo. Eu não suportava ver aquilo, mas não acho que possa inventar outra alternativa. Meu medo aumentou — e se tornou raiva. Já chega disso.
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Segui na direção deles, sangue em meus dedos, e estendi minhas mãos enquanto gritava. — Pare! Gotas do sangue voaram pelo ar e os três homens se afastaram. Ao meu lado Balthazar sussurrou. — Não faça isso. O ignorando, parei diretamente em frente ao Lucas. Ele havia se encostado contra a parede, olhando ao redor como um selvagem, como se não conseguisse pensar em mais anda além de fugir — ou talvez em procurar uma presa viva. A morte havia acentuado sua feição, o deixando tanto mais belo e definitivamente assustador. As únicas coisas que haviam ficado as mesmas eram seus olhos. Então me foquei somente nos olhos. — Lucas, sou eu. Bianca. Ele não falou nada, apenas olhava para mim, completamente parado. Percebi que ele não estava respirando — a maioria dos vampiros o faz apenas pela força do habito, mas aparentemente a morte o havia clamado por completo. E eu não podia deixar que isso acontecesse. — Lucas. — Repeti. — Sei que você pode me escutar. O cara que eu amo ainda esta aqui. Volte para mim. — Mais uma vez, ansiei pelas lagrimas. — A morte não pode me afastar de você. E também não pode manter você longe de mim, não se você não permitir. Lucas não falou, mas parte da tensão deixou seu corpo, relaxando suas mãos e ombros. Ele ainda parecia no limite, quase louco, mas uma aparência de controle havia retornado á ele. O que eu poderia fazer? Havia algo que eu pudesse falar que chegasse até ele? Algo que ele pudesse lembrar... Quando Lucas descobriu que eu havia nascido de dois vampiros, ele precisou superar sua repulsa pelos desmortos para poder continuar fiel ao seu amor por mim. Se eu pudesse lembrar o que havia significado para ele me aceitar como era, talvez ele começasse a compreender o que ele, também havia se tornado. Hesitante, falei às palavras que voltavam á minha memória. — Mesmo você sendo um vampiro... Não importa para mim. Não muda como me sinto por você. Lucas piscou e pela primeira vez, desde que havia acordado dos mortos, seus olhos pareciam completamente em foco. Vi que suas presas haviam se retraído, deixando somente a palidez e beleza dos vampiros.
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De todas as outras formas ele parecia humano. Ele parecia como a mim mesma. Ele sussurrou. — Bianca? — Sou eu. Oh Lucas, sou eu. Lucas me puxou para ele em um abraço impossivelmente apertado, e passei meus braços ao redor de seus ombros. Senti lágrimas quentes em meu ombro; e desejei poder chorar também. Nossas pernas cederam ao mesmo tempo, e afundamos até o chão juntos. Olhei por sobre o ombro para pedir ao Balthazar e Ranulf que nos deixassem, mas eles já estavam saindo pela porta. Assim que ficamos sozinhos, passei minhas mãos pelo cabelo do Lucas, acariciei suas costas e beijei seu rosto. — Você conseguiu voltar. — Falei. — Estávamos juntos. Ficaremos bem. — Achei que nunca mais veria você. Pensei que você estivesse morta. — Estou. Ambos estamos. — Então como — como isso é real? — Eu me tornei um fantasma. Apenas fantasmas como eu, que nasceram de dois vampiros — tem poderes que os outros não possuem. Posso ter um corpo se quiser, pelo menos por algum tempo. Se eu soubesse disso antes... Se pudesse ter te contado... Isso nunca teria acontecido. — Não fale isso. — A voz dele estava estrangulada. Encostamos nossas testas juntas, o reconfortante, mas ambos estávamos muito frios.
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deveria
ser
— Meu corpo parece pesado. Errado. Morto. — As mãos do Lucas se apertaram em meus ombros. — E ainda assim, há essa fome selvagem. Deixando-me insano. Você está de volta em meus braços... Perdi você para sempre, e aqui está você... Mas a única coisa que consigo pensar, a única coisa que quero... — ele não conseguia terminar; e não precisava. Eu sabia que tudo o que ele queria era sangue. — Vai melhorar. — Meus pais sempre haviam me contado, e os outros vampiros de Meia Noite não eram uma boa prova disso?
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O Lucas pareceu não acreditar em mim, mas falou. — Tenho que agüentar. — Certo. Por um momento apenas nos abraçamos. Os rostos desbotados das estrelas de cinema nos pôsteres ao nosso redor pareciam nos observar, uma audiência de olhos obscuros e sem alma. Quando me recostei contra o ombro do Lucas tentei respirar seu familiar cheiro, mas ele havia sumido. Poderia ter sumido quando ele morreu, ou eu já não possuía a capacidade de sentir cheiros como antes. Tantas coisas haviam sido tiradas de nós. Mas não um do outro, me lembrei. Temos que lembrar disso. Primeiro eu tinha que tirá-lo desse lugar, onde ele havia sido assassinado. Precisávamos seguir para um lugar melhor, mais familiar. A casa do Vic, decidi. Nos escondemos lá por um mês ou mais nesse verão, enquanto Vic viajava com a família na Itália. Nosso pequeno apartamento improvisado na adega não era muito confortável — era o local onde morri apenas um dia antes — mas talvez nós possamos ficar lá até descobrir o que fazer. — Vamos. — Peguei uma de suas mãos. O bracelete de coral que ele havia me dado em meu ultimo aniversario pendia em meu pulso. — Eles estão nos esperando do lado de fora. — Quem está esperando por nós? — Lucas parecia não conseguir se focar; era como se ele estivesse escutando á uma ligação de celular ao mesmo tempo em que falava comigo. Não de uma maneira rude. Ele apenas não conseguia evitar, o que era ainda pior. — Balthazar, Vic e também o Ranulf. Eles voltaram da Itália depois que você mandou um e-mail para eles, você lembra? Lucas assentiu. A mão dele se apertou ao redor da minha, com tanta força que quase machucou. Lucas parecia não saber de sua nova força — além dos poderes que ele já possuía por eu tê-lo mordido. Ele moveu a mandíbula, como se estivesse praticando uma mordida repetidas vezes. Se ele precisava que eu fosse à pessoa no controle, eu seria. É claro que já tenho mais experiência em estar morta, decidi; possuo um dia inteiro de pratica. Precisei de algumas horas para conseguir lidar com a falta do meu corpo. Então não me surpreende ele precisar de um tempo para lidar com o fato de ter se tornado um vampiro.
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Deixamos a sala de projeção e caminhamos pelo cinema abandonado. O cenário no saguão não era bonito: vampiros decapitados jaziam empilhados no chão e tentei não olhar para nenhuma das cabeças abandonadas. Vampiros não sangram muito depois de mortos — não há batimentos cardíacos para bombear o sangue para fora — mas notei que o Lucas estava olhando avidamente para as poucas gotas no chão. — Sei que você está com fome. — Falei tentando confortá-lo. — Você não sabe. Não pode saber. Não há nada como isso. — Lucas sorriu revelando suas presas. Apenas a mera visão do sangue havia feitos elas se projetarem novamente. Quando eu estava viva, - a parte de ser vampira não conta - experimentei o desejo desesperador por sangue, mas suspeito que o Lucas esteja certo: a fome que ele sente agora é muito além de tudo que já senti. Caminhamos até a rua para encontrar o Balthazar sozinho, recostado contra seu carro no estacionamento vazio. Sua sombra se projetava, longa e larga, na luz de um poste próximo. Balthazar falou primeiro comigo. — Vic estava esperando aqui fora. A única maneira que o Ranulf conseguiu para fazê-lo ir embora foi ir junto. — Tudo bem. — Falei quando nos aproximamos. — Apenas vamos embora daqui. Nunca mais quero ver esse lugar. Balthazar não se moveu; ele e o Lucas apenas olharam um para o outro. Por anos, eles se detestaram; apenas depois de minha morte que eles foram capazes de trabalharem juntos. Agora, entretanto, o que vi entre eles era total entendimento. — Sinto muito. — A voz do Lucas estava rouca. — Sobre algumas coisas que falei para você — sobre escolhas, ser um vampiro e tudo isso — Jesus. Agora eu entendo. — Preferia que não. Queria que você nunca precisasse entender. — Balthazar fechou os olhos por um segundo, talvez lembrando sua própria transformação, séculos atrás. — Vamos. Vamos achar algo para você beber. Com uma dor percebi que o Lucas e o Balthazar entendiam um ao outro em um nível em que eu nunca conseguiria compreender totalmente. Por alguma razão, senti aquilo como uma perda. Ou talvez naquele momento, com o Lucas parecendo tão distante de mim em espírito, tudo parecia ser uma grande perda.
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Balthazar nos levou de volta ao bairro chique onde o Vic mora. Lucas e eu sentamos juntos no banco de trás. A mão dele agarrando a minha com força, seu olhar focado na distancia além do pára-brisa. Algumas vezes ele fazia uma careta e fechava os olhos como uma pessoa prestes a ter uma crise de enxaqueca; seus pés se moviam impacientes contra o assoalho do carro, como se o piso estivesse pressionando contra ou ele estivesse tentando passar pelo piso. Ele não queria ficar preso ali — agora tudo ao redor era uma barreira entre ele e o sangue que precisava. Eu sabia muito bem para tentar fazer com que ele falasse. Depois que ele tivesse algo para beber ele ficaria bem. Tinha que ficar. Balthazar quebrou o silêncio desconfortável ligando o radio, jazz clássico, o tipo de coisa que meu pai costumava escutar em casa. Enquanto Billie Holiday cantava sobre coisas tolas, me perguntei o que meus pais diriam agora e se teria algum conselho para nos dar. Tivemos uma briga feia antes de eu fugir com o Lucas no inicio do verão; no momento, sinto tanta falta deles que dói. O que eles iriam pensar sobre o que aconteceu nos últimos dois dias? Olhei para o Lucas — a palidez de sua pele, a maneira como a morte havia clareado seus olhos e esculpido suas bochechas — e pensei amargamente: Bem, eles sempre quiseram que eu ficasse com um bom garoto vampiro. O carro entrou na rua em que Vic mora, um bairro nobre, com grandes gramados separando as mansões. Mesmo que todas as casas tenham garagem para quatro carros, raramente víamos outros carros pela rua, mas havia três bem em frente á casa do Vic. Não os usuais Mercedes e Jaguares que costumam passar por aqui — eram camionetes e vans mal tratadas. Algo naquilo começou a parecer familiar. Então percebi que pelo menos uma dúzia de pessoas estavam paradas na rua e no quintal do Vic. Quando vi uma estaca nas mãos de um dos homens, finalmente percebi que eles estavam armados. — É a tribo da Charity? — Balthazar perguntou. — Ela ainda está atrás do Lucas? Lembrei-me dos e-mails que o Lucas havia enviado pouco antes da minha morte, quando estava tão desesperado que pediria ajuda a qualquer um, até mesmo para pessoas que tínhamos todas as razoes para acreditar que iriam nos trair. As mensagens dele estavam sendo respondidas. — Não é a Charity. — Sussurrei. — É a Cruz negra.
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Capítulo Dois — Cruz Negra. — Balthazar repetiu. Se eu não estivesse lá quando eles o capturaram — e torturaram — poderia pensar que ele estava muito calmo com o fato de um bando de caçadores de vampiros terem aparecido. Ao invés, pude ver os sinais de medo e raiva submergirem em seu rosto. Seus punhos se apertaram ao redor da direção. — Devemos sair daqui. — Não podemos simplesmente abandonar o Vic e o Ranulf! — Falei. Então Lucas se inclinou e sussurrou. — Mãe? Também a vi: Kate, a líder da célula da Cruz negra e mãe do Lucas. Seu cabelo dourado mel, tão parecido com o do filho, brilhava sob a luz da rua; sombras obscureciam os músculos firmes em seus braços e a estaca que ela usava no cinto. Quando a Cruz negra descobriu sobre minha verdadeira natureza e nos expulsou de sua célula, eles a mantiveram longe. Sempre acreditei que era por causa do grande amor de Kate pelo filho que se manteve escondido sob a disciplina e dever, mas que era inegável. Será isso forte o suficiente para mantê-los juntos agora? — Está tudo bem. — Falei para o Balthazar. — Ela trouxe alguns amigos e veio até aqui ajudar o Lucas, não para caçar. Viu? — Apontei para onde outro caçador da Cruz negra estava parado junto à porta, aparentemente fazendo várias perguntas enquanto o Vic fazia um mau trabalho tentando parecer casual. — Esses ‗amigos‘ são alguns dos caçadores que me capturaram e descobriram você Bianca. — Balthazar falou. — Eles podem estar aqui para ajudar, mas assim que nos verem, tudo pode acontecer. — Preciso falar com ela. — Lucas falou. — Se vocês quiserem ir, podem ir. Eu não temia por mim; esses caçadores sabiam muito pouco sobre fantasmas e seriam incapazes de me ferir. Mas não significa que não estava com medo. — Você acha que a Kate pode proteger você e o Balthazar deles? — Ela vai mantê-los a distancia se eu pedir. — Lucas insistiu.
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— E quanto á você? — Balthazar falou. Suas mãos agarrando a direção com ainda mais força. — Quem vai te manter sobre controle? Lucas fez uma careta. — Não vou atacar minha própria mãe. — Você pensa desse jeito agora. Espere até você chegar lá fora e sentir o cheiro de sangue fresco. Você vai ser capaz de sentir a pulsação dela, quase como um imã chamando você. — Balthazar sabia bem do que estava falando; seu primeiro ato após ser transformado em vampiro foi assassinar a própria irmã. Os caçadores começaram a prestar atenção ao carro e se aproximar. Balthazar continuou. — Se vamos embora, precisamos sair agora. — Nós não vamos. — A mandíbula do Lucas estava tensa e seu olhar resoluto. — Posso lidar com isso. Tenho que ir. E — vamos, é a minha mãe. Enquanto ele deslizava para fora do banco de trás, Balthazar olhou para mim através do espelho interno, como se eu repentinamente fosse ficar contra o Lucas e fugir. Se o Lucas confiava em si, então eu confiava nele. Simplesmente sai atrás dele. Balthazar poderia sair do carro e nos dar cobertura, ou não; eu não me importava. — Lucas? — Kate falou. Ela correu na direção dele, um sorriso iluminou seu rosto por um breve momento antes de me ver. Na distancia, pude ver os caçadores caminhando na nossa direção, e Vic se recostando contra a porta em alivio. — Mãe. — Lucas permaneceu parado, como que congelado no lugar. Suas feições se retesaram e pude ver que ele estava encarando o pescoço dela. O que o Balthazar falou era verdade. Ele podia sentir a pulsação dela — seu sangue. Os olhos de Kate se estreitaram enquanto se aproximava. — Pensei que você estivesse doente. — Ela falou. Desconfiança e contentamento enchiam suas palavras. — Tão doente que não podia se mover. — Eu estava. — Falei. — Mas agora... — eu não poderia dizer que estava melhor. — Não há mais razoes para o Lucas ficar por aqui então. - Kate estendeu a mão na direção do filho. — Você pode voltar. Está tudo bem.
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As pessoas que usaram isso contra você... nós não precisamos deles. Tudo o que você precisa fazer é admitir que cometeu um erro. Lucas não pegou a mão dela. — Não cometi um erro. — A voz dele estava fraca, as palavras forçadas. Seus olhos brilhavam na luz fraca e pude sentir as ondas da loucura assassina tomando conta dela. Ainda assim ele se manteve firme. — Amo a Bianca. Fiz minha escolha. Mas... Estou feliz que você tenha vindo. Um movimento distante chamou minha atenção. Meus olhos se arregalaram quando reconheci dois caçadores no pequeno grupo, permanecendo na área mais distante do jardim do Vic — uma mulher forte, de pele escura e cabelo com tranças grossas, e outra de pele dourada e cabelo cortado curto junto á cabeça: Dana e Raquel. Dana foi a melhor amiga do Lucas desde que eram crianças e quando minha verdadeira natureza foi revelada, foi ela que nos ajudou a escapar. Raquel era minha amiga e colega de quarto desde meu primeiro ano na Academia Meia Noite, e vitima de uma terrível assombração desde sua infância. Ela fugiu com o Lucas e eu, e também se tornou parte da Cruz negra. E foi ela que me entregou para a Cruz negra, quando descobriu que eu era uma vampira. Elas se amam. Será que Raquel entendeu o ponto de vista da Dana e está do nosso lado agora? Ou Dana ficou do lado da Raquel ao invés de seu velho amigo que a havia abandonado? Olhei para longe delas, me focando inteiramente no Lucas. Kate estava parada apenas alguns metros de distancia dele. Apesar de irradiar desaprovação, pude ver que era apenas contra mim; para seu filho, ela sorria incerta. — Lucas pense nisso. — Ela falou. — Não somos apenas a sua equipe. Somos uma família. Por que família não é só no sangue — é sobre o que você compartilha e no que acredita. Lucas gemeu quando ela falou sangue, mas Kate não pareceu notar. Ela estava com muita raiva de mim e preocupada com ele. — A principio Bianca não deve ter te contado o que ela é. — Kate falou. — Ela mentiu para você. Apesar do Lucas e eu termos superado o fato de que guardamos tantos segredos um do outro no principio, a memória de nossos velhos erros ainda doía.
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Kate continuou. — Você vai esquecer o seu dever, esquecer tudo o que aprendeu e jogar toda sua vida fora seguindo essa garota que mentiu para você? Pensei que você era mais esperto que isso. Ele jogou a vida fora, literalmente, morrendo ao tentar me vingar. A lembrança do que ele perdeu para ficar ao meu lado, me cobriu de vergonha. Lucas não notou — ele parecia estar se controlando. Sua necessidade de sangue estava se tornando muito poderosa e pude ver que ele parecia estar á ponto de se quebrar. — Preciso falar com você. — A voz do Lucas estava rouca devido à força para se controlar. — Por favor, mamãe, nós dois podemos só... Conversar por algum tempo? Tenho muito que te contar. Muitas coisas que preciso entender. A preocupação fez Kate parar de tentar converte-lo e começou a escutar. — Lucas você está bem? Parece pálido e obviamente esteve em uma luta... — Eu estou... — a garganta dele trancou na palavra bem. — Precisamos conversar. Só isso. Preciso que você fique do meu lado nisso. — Ele a olhou nos olhos. — Realmente preciso que você faça. A expressão da Kate se suavizou. A mãe vencendo a lutadora. — Tudo bem. Ela deu outro passo na direção dele e estendeu os braços. Lucas parou apenas por um momento antes de abraçá-la forte. O vi fazer uma careta no momento em que sentiu o cheiro do sangue — mas não cedeu. Ele conseguiu, pensei com deleite. Lucas conseguiu controlar a loucura pelo sangue. Então os braços da Kate ficaram tensos e os olhos dela se arregalaram. Percebi que pela primeira vez ela notou o ferimento no pescoço e que o sangue na camiseta era dele. O ferimento obviamente causado pela mordida de um vampiro. Se eu podia perceber o quanto o Lucas estava frio e mãe dele também poderia. Kate se afastou, deixando Lucas cambaleando e confuso. A mão dela seguiu para a estaca. — O que a Bianca fez com você? Lucas deu um passo na direção dela, seus olhos implorando. — Não foi a Bianca. Mãe só escute.
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— Peça aos outros para irem embora. — Falei. Talvez Kate possa aceitar o que seu filho se tornou, mas eu não iria correr mais riscos com o restante dos caçadores da Cruz negra. — Deixe o Lucas explicar. — Você foi morto. — A voz da Kate era quase um soluço. — Você é um vampiro. Ouve uma serie de suspiros e sussurros entre os outros caçadores. Dana escondeu o rosto contra o braço da Raquel por um momento. Olhei para trás na direção do Balthazar, que permanecia atrás da direção com o motor do carro ligado. Lucas manteve os olhos focados na mãe. — Sim. Eu sou. Não é como nos contaram mamãe. Estou diferente, mas ainda sou eu. Pelo menos eu acho. Isso é... Estranho e assustador e preciso descobrir se há uma maneira de voltar a ser o que eu era. Por favor, me ajude a fazer isso. Kate ficou tensa. Ela nunca parou de olhar para ele, seus olhos estavam calmos e firmes como ferro. — Você é uma concha do que meu filho costumava ser. O amo mais do que um monstro como você jamais poderá saber... — Mamãe não. — Lucas suspirou. Ela agiu como se não tivesse escutado. — E você só pode me enganar com o rosto e a voz dele até onde eu deixar. — Apesar da voz dela tremer, Kate puxou a estaca com as mãos firmes. — Tudo o que posso fazer pelo Lucas agora é dar á ele um enterro decente. O que significa acabar com você. — Lucas! — agarrei o braço dele e o puxei na direção do carro, mas ele se soltou, como se não acreditasse que a mãe fosse capaz de fazer aquilo com ele. Então ela pulou na direção dele tão rápido que ele tropeçou ao desviar do golpe. A maioria dos outros caçadores começou a correr na nossa direção. Ranulf saiu pela porta da casa do Vic, machado em mãos, corajosamente pulando na batalha apesar da probabilidade de ser atacado e ter a cabeça cortada. Nada daquilo me assustou tanto quanto ao que estava acontecendo com o Lucas. Bam! O pulso da Kate atingiu a mandíbula dele e a expressão do Lucas ficou neutra.
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Bam! Lucas bloqueou um dos golpes dela, semicerrando os olhos e mostrando os dentes com raiva. Bam! Dessa vez ele a atingiu. Suas presas alongadas. Então eu soube que a ameaça o havia empurrado para além dos limites. A loucura por sangue tomava conta do Lucas agora. Ele estava lutando para matar. Abri o fecho do meu bracelete de Coral, que o Lucas havia me dado de aniversário — e o que mantém minha forma corpórea. Quando ele caiu no gramado do Vic, senti meu corpo ficando leve e insubstancial. Um dos caçadores veio na minha direção brandindo uma estava. Simplesmente me tornei vapor e a mão dele passou direto através do meu corpo — com uma estranha sensação, parecida uma câimbra estomacal. O caçador gritou, o que teria sido hilário em qualquer outra ocasião. Levitando sobre a batalha, tentei observar o cenário. Ranulf sozinho cuidava de três caçadores, próximo a casa. Vic corria pelo gramado, não para lutar, mas aparentemente para gritar com a Raquel, que pelo menos estava de fora da batalha. Dana também, ela havia ficado ao lado da Raquel, talvez para defendê-la ou talvez por não poder atacar seu melhor amigo, mesmo ele tendo se transformado em um vampiro. Lucas e a mãe permaneciam no coração de tudo, engajados em um combate. Ele devolvia cada golpe que ela acertava e a atacava todas as vezes que podia, enquanto se livrava de dois caçadores que tentaram ajudá-la. Se tivesse a chance ele iria matá-la. E se o fizesse, se bebesse o sangue da própria mãe, Lucas nunca mais seria capaz de se perdoar. A princípio parecia que o Balthazar iria somente ficar sentado no carro observando, o que me enfureceu. Então o motor rosnou e com um gritar de pneus, Balthazar dirigiu pelo gramado do Vic, fazendo os caçadores correr. Ele não os acertou, mas não por falta de tentativa. Eu queria proteger quem pudesse. Rapidamente voltei para minha forma física no chão, bem ao lado da Raquel, Dana e Vic. Apesar de continuar transparente, eles eram capazes de me ver. — Que diabos? — Dana gritou, passando os braços ao redor da Raquel como se eu fosse machucá-la. — Saia daqui. — Falei. — Dana pegue a Raquel e tente fazer com que os outros sigam vocês. Por favor! — Faça isso! — Vic cruzou os braços. — Você não sabe o tipo de feitiço fantasmagórico que ela é capaz. Confie em mim, já a vi em ação. Vocês não vão querer estar por perto.
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— Fantasma? — Raquel sussurrou. O rosto dela ficou pálido. — Bianca — você morreu? — Estávamos de partida. — Dana arrastou Raquel na direção de um dos caminhões. Os olhos da Raquel encontraram os meus por um momento torturante antes dela se virar. — Bianca? — Vic tentou bater no meu ombro, mas sua mão passou por mim. — Nossa. Tudo bem, um truque fantasmagórico não seria uma má idéia agora. Dois caçadores corriam em nossa direção, mas Balthazar os atacou, nocauteando ambos com seus braços estendido. Ranulf estava indo bem, mas eu não sabia por quanto tempo ele poderia agüentar. E dois caçadores já estavam caídos próximo ao Lucas, que continuava a batalha contra a mãe em uma fúria cega. Eu realmente possuía poderes que seriam uteis em combate, mas os tinha experimentado somente em vampiros. Eles poderiam matar um humano? Eu não estava pronta para fazer aquilo, mesmo se o humano em questão estiver pronto para me matar. — Não precisamos de poderes. — Falei rapidamente. — Precisamos da policia. — Polícia? — Vic, ligue para o 911! Diga que há — uma invasão de domicilio ou tentativa de roubo em andamento! — A Cruz negra tenta se manter longe da lei, por quererem ficar longe do radar deles. — Quando escutarem sirenes, eles vão embora. Vic correu para a casa para pegar o celular. Corri na direção do Lucas, sem saber ao certo o que fazer, mas desesperada em evitar que ele fosse morto ou que matasse a mãe. Os olhos vidrados do Lucas me avisaram que ele já havia passado do ponto de raciocinar. Então gritei. — Kate, não! Você não quer fazer isso! — Deixe-me dar um pouco de paz para o meu filho! — Ela nunca parou de circular o Lucas; um de seus olhos já estava ficando preto por causa de um golpe. Se alguma parte do espírito do Lucas estivesse no controle ele nunca teria feito algo assim contra ela, nunca. Fiquei entre os dois — não que ela pudesse fazer algo contra mim, já que estou morta. — Você não pode matá-lo. Você sabe que não quer isso.
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O olhar dela passou através de mim, se focando somente na figura borrada do filho atrás da minha forma transparente. — Posso e vou. Meu desespero aumentou. Olhei para Kate, implorando com toda a minha alma para que ela parasse e tentasse ver que o filho ainda estava com ela — vê-lo através de meus olhos — até meu desespero parecer uma faca que poderia cortar através dela — em seguida uma bizarra onda passou, me arrastando na direção da Kate em um piscar de olhos. Antes que eu pudesse me perguntar o que estava acontecendo, senti ser puxada e absorvida por ela. Tudo ficou escuro por um instante e quando pude ver novamente, soube que estava olhando através dos olhos da Kate. Pude sentir o corpo dela ao meu redor, como uma armadura, mas com calor, respiração e batimentos cardíacos. A mão da Kate largou a estaca e seus pés tropeçaram para frente. A única coisa que consegui pensar foi que eu havia possuído alguém. Que estava possuindo o corpo da Kate. Como fiz aquilo? O poder do meu desespero agiu como um aríete, abrindo um portal para dentro dela. Todos os fantasmas podem fazer isso? Eu não fazia idéia. Tudo o que importava era a possibilidade de impedir a luta. Lucas veio em minha direção, mas me esquivei desajeitadamente. Controlar o corpo da Kate era estranho e desconhecido, algo parecido com minha primeira aula de direção. Gritei. — Vamos embora! — Falar com a voz da Kate soava estranho, mas continuei a dar ordens. — Vamos sair daqui agora! Então senti algo ainda mais estranho — o espírito da Kate lutando, tentando me fazer sair. Ela pode fazer isso? Decidi deixá-la ir, se fosse possível. Instantaneamente me senti leve e invisível, flutuando como que em uma nevoa. Meu devaneio se quebrou quando escutei Kate falar com a voz tremida pelo medo. — Temos que ir embora. Os caçadores correram para as camionetes e vans, respondendo tanto á sua primeira como sua segunda ordem. Lucas correu atrás dela, mas Balthazar o jogou para o lado e o segurou no chão. Enquanto as luzes traseiras dos carros desapareciam pela estrada, Vic correu para fora da casa, ambas às mãos contra seu cabelo cor de areia, como se estivesse tentando segurar a cabeça no lugar. — O que, acabei de lugar para a polícia por nada?
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— Primeiro fique feliz pela Cruz negra ter partido. — O Ranulf o lembrou, limpando as roupas com sua calma habitual. — Bem, a polícia está vindo. Então talvez seja melhor tirar o carro do jardim. — Vic olhou paras as marcas de pneus no gramado e gemeu. — Não existem palavras para o tipo que castigo que vou ganhar. Eles terão que inventa palavras para isso. Completamente novas. Desci entre os rapazes. — Mas o Ranulf está certo. Isso poderia ter sido muito pior. Lucas se virou na direção do Vic. Seus olhos continuavam mortos e cegos, suas presas estendidas. Com horror percebi que o Lucas ainda não havia bebido sangue e o desejo estava longe de ser controlado. Ele pulou na direção do Vic. Ranulf conseguiu empurrar o Vic para fora do caminho, mas Lucas se chocou contra ele com todas suas forças, disposto a destroçá-lo para chegar perto do humano, à fonte de sangue fresco. A boca do Vic se abriu. — Oh meu Deus. — Ele falou, parado no lugar em choque ao invés de correr por sua vida. — Isso não está acontecendo. — Vic corre! — Balthazar falou, puxando o Lucas para longe do Ranulf. Vic deu dois passos indecisos, então finalmente aceitou o que estava acontecendo e correu como louco na direção da porta da frente. Lucas deu uma cotovelada no Balthazar, mas ele conseguiu, mesmo que com dificuldade mantê-lo preso. Balthazar falou para o Ranulf. — O coloque na adega. Ele ficará lá até conseguirmos sangue. Depois que remover o carro irei ajudar você. — Lucas? — implorei. — Lucas, você pode me escutar? Era como se eu não existisse. Lucas só queria sangue e ele não se importava em matar o Vic para consegui-lo. Ranulf arrastou o Lucas para os fundos da casa, lutando com ele por todo o caminho. Tudo o que pude fazer foi abrir a porta da adega para eles. Á distância sirenes soavam cada vez mais perto. — Me solta! — Lucas lutava, cravando as unhas na lateral do corpo do Ranulf, que gemeu, não o soltou. — Me solta! — Você precisa se acalmar. — Falei. — Por favor, Lucas, controlese.
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— Ele não consegue te escutar. — Ranulf conseguiu falar enquanto lutava com o Lucas na direção de uma parede. — Lembro-me da loucura. Lucas urrou, como o som terrível de um animal. Todos os músculos no corpo dele estavam flexionados em sua necessidade desesperada de escapar, matar e beber sangue. Ranulf conseguia seguralo por causa da sua força e idade, mas depois da batalha, ele estava sendo levado ao limite. Ver o Lucas desse jeito, reduzido á uma concha do que era em nosso pequeno apartamento improvisado, onde nos amamos tanto, quase me destruiu. As sirenes ficaram mais altas. Lucas urrou novamente e jogou Ranulf contra uma parede com tanta força que as garrafas de vinho chocalharam e Ranulf o soltou. Lucas pulou na direção da porta e corri na direção dele — mas o Balthazar interveio. Graças a Deus, pensei. Balthazar pode segurá-lo, sei que ele pode! Mas então gritei em horror quando o Balthazar brandiu uma estaca e a cravou com toda sua força no peito do Lucas.
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Capítulo Três LUCAS desabou sobre o chão, a estaca projetando-se do seu coração. Eu caí de joelhos ao seu lado. — Balthazar, não! O que você está fazendo? — Assim que eu agarrei a estaca para retirá-la, Balthazar rudemente me puxou pelos meus pés, longe de Lucas. Fiquei etérea novamente, saindo de seus braços facilmente. — Você não pode me impedir de tomar conta dele. — Pense, — disse Baltazar. — Nós precisamos que ele permaneça em silêncio enquanto a polícia está aqui, e ter certeza que ele não vai atrás da Vic. Eu não posso pensar em qualquer outro jeito de fazer isso acontecer. Você pode? — Tem que haver alguma maneira melhor do que estacar ele. — Insisti. — Ele este essencialmente ileso. — Disse Ranulf, sacudindo o impacto dos últimos golpes de Lucas. — A estaca através do coração apenas paralisa, mas não mata. Quando a estaca for removida, Lucas será como era, exceto por uma cicatriz. — Eu sei. - Mas a visão dele deitado aos meus pés, amassado e morto como tinha sido apenas algumas horas atrás, era muito crua e dolorosa para suportar. Balthazar aproximou. Na escuridão relativa da adega de vinho, a sua forma sombria parecia mais imponente que o habitual, o que fez o contraste com sua voz calma, especialmente marcante. — Lucas estacoume uma vez para me salvar. Eu estou devolvendo o favor. — VOCÊ provavelmente gostou disso. — Afastei-me dele, mas eu já tinha aceitado que não podíamos tirar a estaca de Lucas ainda. Como ele estava, era incontrolável. — Até que tenhamos sangue fresco para ele beber, deixá-lo inconsciente é um ato de bondade. — Disse Baltazar. Quando eu poderia ter suavizado na direção dele, ele tinha a acrescentar, — Quando você se acalmar o suficiente para agir como um adulto, você vai ver isso.
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— Por favor, não me obrigue a ouvir brigas românticas — Disse Ranulf. O pedido era bastante simples, mas era um lembrete incômodo de tudo o que tinha acontecido entre Balthazar e eu - quanto mais ele queria, e o que eu tinha sido incapaz de dar. Embora eu não pensasse que o ciúme dirigia as ações de Balthazar, eu me perguntava se ele lhe permitiu ganhar alguma satisfação por estacar Lucas. Balthazar tinha insistido em ir atrás de Charity no dia depois da minha morte, e ele trouxe Lucas junto, sabendo que Lucas estava muito aflito para realmente lutar. Lucas, perto de um suicida, tinha mergulhado em despreparo. O rescaldo do erro de Balthazar estaria sobre Lucas para sempre. Isto superou tudo o que havia acontecido entre nós antes, bom ou ruim. Isso é o que você ganha por sair com o tipo errado de pessoas mortas, uma voz sarcástica disse. Isso seria Maxie, o fantasma da casa. Os outros não podiam ouvi-la. Ela havia sido ligada a Vic ao longo de sua infância, mas nunca havia aparecido a ele ou a qualquer outra criatura viva exceto eu. Antecipando a minha transformação em uma aparição, ela começou a aparecer para mim quando eu era um estudante na Academia Meia Noite: agora que eu tinha morrido. Ela queria que eu abandonasse o mundo mortal e se juntasse a ela em outros reinos mais místico. A idéia me apavorava, e eu nunca tinha tido o humor para falar com ela sobre isso. Um silêncio constrangedor encheu a sala. Um corpo morto no chão tinha feito uma conversa casual praticamente impossível. Balthazar estudava as cremalheiras do vinho por alguns minutos, em que eu achava que era apenas uma distração, até que ele puxou uma garrafa para fora. — Malbec argentino. Legal. — Você vai se sentar aqui e beber vinho? — Eu protestei. — Eu tenho que sentar aqui e fazer alguma coisa. — Balthazar olhou em volta a procura de um saca-rolha, não conseguiu encontrar um, e depois simplesmente quebrou o gargalo da garrafa contra a pia minúscula. Respingos de vermelho caíram no chão. — Não é uma garrafa particularmente cara. Nós podemos substituí-la. — Esse não é o problema. — Disse.
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— Qual é o problema, Bianca? — Ele também ficou frustrado. — Você está ficando louca porque eu pareço menor de idade? Minha cara pode ser de dezenove anos, mas eu sou maior de idade há mais de 400 anos ou algo assim. Ele sabia que eu não quis dizer isso. Antes que eu pudesse responder a ele, Ranulf gemeu. — E a briga continua1. — Ok. — Eu disse. — Tudo bem. Trégua. — Eu estava cansada demais para isso. Embora parecesse como se Balthazar quisesse continuar com isso, ele finalmente deixou pra lá. Do bolso retirou o meu bracelete. — Apanhei isto fora do gramado. — Disse ele. — Obrigada. — Eu disse categoricamente. Mas apressei-me a apertá-la em torno de meu pulso novamente. Desde a minha morte de um par de dias atrás, eu aprendi que apenas um punhado de coisas que eu tinha ligadas fortemente na vida tinha a capacidade de me fazer ser totalmente corporal novamente - Esta pulseira de coral, e o broche de azeviche2 no bolso de Lucas. Ambos foram feitos de material que já havia estado vivo, e isso era algo que tínhamos em comum. Quando a pulseira começou a aumentar minha energia, senti a gravidade se estabilizar em torno de mim, e eu já não tinha que trabalhar na manutenção de uma forma regular. Balthazar suspirou pesadamente, pegou dois copos da prateleira ao lado da pia, e serviu para si mesmo e Ranulf. Depois um momento, ele disse: — Você pode beber vinho? Ou qualquer outra coisa? — Eu não sei, — eu disse. — Não me parece que precise de comida ou água. — O simples pensamento de mastigação foi ligeiramente repugnante para mim Agora, eu percebi — tinha mais uma diferença entre mim e o mundo dos vivos. Há coisas melhor do que comer e beber, disse Maxie. Cada vez mais a sua presença podia ser sentida, uma espécie de frio local bem próximo a
1 No original é assim: “Still there is bickering” que ficaria algo como “ainda tem uma briga”. Achei que o que eu coloquei encaixa melhor. 2 Carvão compacto usado como gema, também conhecido por Âmbar Negro (black amber). http://www.lobobranco.com/mandala/pedra41.jpg]
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mim, mas Balthazar e Ranulf permaneceram alheios. Você não está curiosa sobre o que são? Eu a ignorei. Eu só tinha olhos para Lucas, tão pálido e quebrado no chão. Um círculo fino de manchas de sangue rodeava a estaca: a prova de que seu coração parou de bater para sempre. As características fortes que sempre me cativou. O queixo firme, maçãs do rosto elevadas — estavam mais esculpidas agora, sua beleza tão atraente como era natural. O apartamento improvisado na adega foi onde vivemos durante a semana final das nossas vidas, praticamente a única vez que tínhamos tido oportunidade para apenas estar juntos, sem regras para nos manter separado. Nós tentamos fazer macarrão na chapa quente, assistimos a filmes antigos no DVD player, e dormimos juntos na cama. Às vezes a nossa situação parecia tão desesperada, mas agora eu percebi que era a maior alegria que eu havia sentido. Talvez a maior que jamais sentiria. Estamos juntos, eu me lembrei. Você tem que acreditar que, enquanto isso for verdade, nós podemos fazer isso. Essa crença nunca tinha sido tão importante, mas eu nunca tinha me sentido tão frágil. Ouvi portas de carros batendo. Vic, aparentemente conseguiu se livrar da polícia. Ranulf e Balthazar trocaram olhares. Depois de alguns segundos, houve uma batida na porta, e Balthazar abriu para deixar Vic entrar. — Esses caras não queriam acreditar na minha história de invasão de domicílio, — disse ele. Vic permaneceu no batente em vez de entrar — Aparentemente, os meus vizinhos chamaram a policia antes mesmo que eu fizesse. E disse que era uma festa, mas como parecia como uma festa, eu não sei. Eles fizeram-me usar o bafômetro. Oh, o homem — Vic viu Lucas no chão. — o que vocês fizeram? — O estacamento não irá prejudicá-lo, — explicou Ranulf. — Quando a estaca for removida, Lucas vai reviver. Você precisa de um pouco de vinho? Vic balançou a cabeça. Ele ficou lá em sua camiseta e jeans, desajeitado e miserável, olhando para Lucas. — Ele não... ele não pode... — Ele não vai atacá-lo, — disse Baltazar. — Por enquanto, Lucas não consegue se mover. E nós não vamos tirar a estaca dele até que possamos tê-lo alimentado.
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Vic enfiou as mãos nos bolsos, e, embora ele soubesse que Balthazar estava dizendo a verdade, ele não poderia se fazer andar mais para perto. Eu percebi que, não importa o quão perturbador isso fosse para mim, tinha que ser cem vezes pior para Vic. Ele era o único humano na sala, e apesar de ter crescido em uma casa assombrada e ir a Academia Meia Noite, a experiência de Vic com o sobrenatural era bastante limitada — ou tinha sido, antes de hoje à noite, quando um de seus melhores amigos havia tentado matá-lo. Maxie levantou uma sobrancelha, seu senso de humor picante já voltando. — Eu já lhe disse. Vampiros e fantasmas? Não é uma boa mistura. Uma mistura muito, muito ruim. Nós somos veneno para eles, e eles não são amigos para nós. — Eu amo o Lucas. As nossas mortes não mudam isso. — A morte muda tudo. Você não até agora não aprendeu isso? — Não mudou você de ficar me atormentando sem parar, — Eu rebati. Maxie abaixou a cabeça, seus cabelos loiros escuros caindo ao redor do rosto. Se ela tivesse fluxo de sangue, pensei, ela podia ter estado corando. — Desculpe. Você teve um par de maus dias. Eu não quero... Eu só estou tentando lhe dizer como as coisas são. Um par de maus dias. Eu tinha morrido, descobri que era um fantasma, vi Lucas ser cortado e transformado em um vampiro, e repelido um ataque da Cruz Negra. Yeah, isso conta como um par de maus dias. — Você costumava brincar com Vic nesta sala, quando ele era criança. — Olhei para o lugar que ele havia me mostrado, onde costumava sentar e ler seus contos para ela. — Você não se separou do mundo depois que você morreu. — Sim, eu fiz. Durante a maior parte do século, eu só... Eu estava presa entre aqui e ali, e eu não sabia bem o que estava acontecendo. Às vezes eu ficada nos sonhos das pessoas, e transformava-os em pesadelos, só por fazê-lo. Só para provar que eu poderia afetar o mundo ao meu redor. — Eu tinha ouvido falar de aparições fazendo coisas piores, talvez por razões similares a dela. Maxie se sentou no parapeito, camisola branca longa que parecia brilhar como o luar, filtrado pelas mangas levantadas. — Como você provavelmente pode imaginar, as pessoas
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geralmente não ficam nesta casa muito tempo. Era como um jogo para mim, ver quão rápido eu poderia assustá-los. Mas então os Woodsons compraram o lugar, e Vic era tão pequeno, apenas um par de anos. Quando eu me mostrei para ele, ele não ficou com medo. Essa foi a primeira vez em muito tempo que eu me lembrava de como era ser aceita. Preocupar-se com alguém. — Então você entende, — eu disse. — Você vê porque eu não posso desistir do mundo. — O ser humano de Vic 3. Ele está vivo. Ele ancora-me a vida e me permite experimentar através dele, mesmo que só seja um pouquinho. Lucas não pode fazer isso por você, não agora. — Ele faz. Ele pode. Eu sei disso. — Mas eu não sabia de nada. Havia tanta coisa sobre ser um fantasma que eu não compreendia ainda. — Você precisa falar com Christopher, encorajadora. — Ele vai fazer você entender.
—
disse
ela
Lembrei-me Christopher. Ele tinha aparecido para mim, uma figura misteriosa e agourenta na Meia Noite, ele havia me atacado com intenção de matar, de modo que a minha transformação em um espectro seria garantido. E quando ele tinha aparecido pra mim e Lucas este verão, ele nos resgatou de Charity. Será que ele do bem ou do mal? Será que as ações dos fantasmas cabem qualquer tipo de moralidade que eu entendesse? A única coisa que eu sabia com certeza era de que Christopher tinha poder e influência entre os fantasmas. Agora que eu havia me tornado um, nossos caminhos estavam determinados a se cruzar novamente. Pensando nisso me deixou nervosa. Eu consegui perguntar: — Ele é uma espécie de... Fantasma chefe, certo? — Ninguém está no comando. Mas muitos de nós ouvimos Christopher. Ele tem muita energia, muita sabedoria. — Maxie levantou uma sobrancelha, seu senso de humor picante já voltando. — Eu já lhe disse. Vampiros e fantasmas? Não é uma boa mistura. Uma mistura muito, muito ruim.
3 Aqui ela quer dizer que Vic é um ser humano, e que ele a ancora, enquanto Lucas está “morto”, e não pode fazer nada por Bianca.
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— Como ele ficou tão poderoso? Será porque ele é especialmente velho? — Era assim que funcionava com os vampiros — Ou ele é assim como eu? — Que já descobri que o meu estado — como uma criança nascida de dois vampiros, portanto, incapaz de morrer uma morte natural, e depois ainda acaba tornando-se um fantasma — me deu habilidades que a maior parte dos fantasmas nunca poderia reclamar. — Nenhum, — disse Maxie. — Ele não nasceu para ser um fantasma, como você foi. Aprendeu tudo sozinho. Ele tem essa força interior incrível. Você está começando a se parecer como ele, Bianca. Porque que você não vem comigo agora? Não poderia fazer. Christopher poderia ter aquela força assombrosa que tinha usado para salvar-me — mas ele também tinha me atacado. O mundo das aparições continuava sendo estrangeiro e assustador; não tinha nenhuma idéia como os meus poderes se relacionavam as frias e vingativas criaturas que tinha encontrado na Academia Meia Noite. Talvez fosse loucura ainda estar assustada pelos fantasmas depois que me tornei uma, mas pensar em me juntar com eles para sempre me assustou profundamente. Mais do que isto: entrar naquele mundo pareceria como desistir da vida. — Não posso, — sussurrei. A cara de Maxie caiu, mas ela não discutiu. Sai da sala, longe dela, e desapareci novamente em um nevoeiro azulado que era o meio da minha mente para fazer sentido a aquilo. Lucas encheu os meus pensamentos, e eu me quis novamente ao seu lado. Reapareci na adega e imediatamente percebi que mais tempo tinha passado para Balthazar do que para mim; ele tinha terminado a sua garrafa de vinho e estava do outro lado da sala, deitado em nossa cama. Lucas estava exatamente como ele havia caído. A visão dele como um cadáver me bateu de novo, e toda minha força desapareceu novamente, por não ter carregado sua perda por algum tempo. Ele merecia mais do que isso. Não importa o quão difícil estava sendo passar por isso, eu ficaria ao seu lado. Balthazar percebeu que eu estava lá, mas não disse nada. Eu não queria mais discutir com ele, estava muito triste para isso, muito cansada. Em vez disso, perguntei, — Não podemos fazer alguma coisa por ele? — Não. — Balthazar sentou-se. Seus cabelos encaracolados estavam despenteados, e eu percebi que ele esteve dormindo. Sem
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dúvida, ele estava exausto, mas não tinha sido exatamente um par de dias maravilhosos para ele também. — O desejo de matar é poderoso, Bianca. Pode ser avassalador. Os vampiros que você conhece são quase todos aqueles que dominaram esse impulso, mas eles são uma minoria. — Você quer dizer que a maioria deles acaba como Charity? Ele fechou os olhos brevemente, à menção do nome de sua irmã mais nova. — Não. Charity e sua espécie são casos especiais. Indivíduos com a força para continuar, mas que perderam o contato com o significado de ser humano. Eles são os mais perigosos. E, felizmente, o mais raro. — Então o que acontece com os outros? Balthazar esfregou sua têmpora. Se os vampiros podem ter dores de cabeça, eu acho que ele tinha uma. — Eles se autodestroem, — disse silenciosamente. — Eles são tomados pela Cruz Negra, ou por seres humanos que viram filmes de terror apenas o suficiente para ter uma idéia. Ou acabam-se. Fazem uma fogueira e andam nela. Eles preferem queimar-se que suportar a raiva os matando pouco a pouco. Eu queria dizer que Lucas jamais faria isso, mas não podia. — Não, a Cruz Negra não iria ser capaz de derrubá-lo facilmente. Mas o fato de odiar sua natureza de vampiro como ele fazia, ainda depois de ter tentado matar sua mãe e um de seus melhores amigos - era perfeitamente possível que Lucas poderia acabar com sua existência. Ele veria como a coisa certa a fazer, a única maneira de manter as pessoas seguras. — A fome é mais forte para alguns de nós do que para outros, — continuou Balthazar. — Às vezes eu almejo sangue tanto... E não é nada comparado ao que alguns outros vampiros têm que suportar. Os que se autodestroem são sempre aqueles com a maior fome. Torna-os loucos, transforma suas mentes de dentro para fora. Nossos olhos se encontraram, como se ele estivesse me perguntando se tinha que ir em frente. Mas eu sabia que precisava dele para me dizer o que viria a seguir. Balthazar, entendendo, disse: — Parece que Lucas é um dos mais famintos. — Não há nada que possamos fazer por ele? — Eu disse. — Uma forma de fazer isso mais fácil?
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Lentamente Balthazar levantou da cama e caminhou em minha direção, sua expressão incerta. — Eu não acho que nós possamos fazer isso mais fácil, mas há um lugar onde possamos mantê-lo longe da maioria dos seres humanos, e da Cruz Negra, também. Lá Lucas pode ser capaz de aprender a lidar com o que ele se tornou. Eu me animei até que percebi o significado do que Balthazar tinha dito. Ou será que não? Certamente ele não poderia estar pensando sobre isso. — Lá? Balthazar confirmou minhas piores suspeitas, dizendo: — Temos que pegar Lucas e levá-lo de volta á Meia Noite.
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Capítulo Quatro 35
— Levar Lucas para a Academia Meia Noite? — repeti. — Você enlouqueceu? Baltazar, pense nisso! Lucas era da Cruz Negra. Ele espionava a Meia Noite para eles. A Sra. Bethany o odeia. Todo mundo lá o odeia. Eles irão matá-lo assim que o virem. — Eles não vão. Eles não podem. — Baltazar insistiu. — Qualquer vampiro pode ir à Meia Noite a qualquer hora e pedir asilo. Não importa quem sejam ou o que tenham feito, a Sra. Bethany tem que aceitá-los. — Mas essa regra é da Sra. Bethany, não é? Ela pode quebrá-la na hora que quiser. A boca de Baltazar se torceu, o mais próximo que pôde chegar de um sorriso em um dia tão sombrio como esse. — A Sra. Bethany não quebra regras. Você deveria saber disso. Lembre—se de que ela deixou Charity entrar. Verdade. E a Sra. Bethany e Charity se odiavam fervorosamente. No entanto, eu não estava convencida. Lucas havia sido um caçador de vampiros. Certamente isso era pior do que ser qualquer tipo de vampiro, não importa o quão perigoso. Parte da minha relutância era mais egoísmo. Voltar para a escola Meia Noite significaria voltar para os meus pais. Por um lado, eu queria tanto vê-los que até doía. Por outro, sabia que eles sempre temeram e rejeitaram fantasmas. Se eles me rejeitassem, como Kate rejeitou Lucas, acho que não suportaria. Ouvi passos nos degraus de concreto do lado de fora e fui à porta para deixar Vic e Ranulf, que tinham um grande saco do que eu suspeitava serem doses de sangue de vaca, entrarem. De fato, Vic entrou dessa vez, mas não se moveu mais do que alguns passos além da porta. Quando me pegou olhando, entregou a sacola e pegou uma garrafa de Orvalho da Montanha.
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— Acho que eu deveria esperar no quintal por um tempo — disse ele, com seus olhos assustados focados no chão onde Lucas estava deitado. — Até vocês o acalmarem. — Boa idéia. — Levei o saco de compras para a mesa dobrável. — Obrigada mais uma vez, Vic. — Só me dê outro dia ou algo assim antes de sermos atacados novamente. Isso é agradecimento suficiente. Tanto Baltazar quanto Ranulf pegaram uma dose de sangue do saco. Vinham em uma pequena embalagem de plástico, como as usadas em lanchonetes para servir sopa para viagem. Ambos abriram as embalagens e começaram a beber, enquanto Lucas continuava deitado no chão. No princípio achei que estavam sendo egoístas, mas então percebi o que estavam fazendo: retomando suas forças. Se Lucas acordasse tão feroz quanto havia estado quando Baltazar o empalou, eles precisariam estar preparados. Peguei algumas doses e coloquei no microondas. O sangue sempre ficava mais gostoso na temperatura do corpo humano. Quando eles estavam prontos, olhei para meus amigos. Ranulf estava terminando, virando seu copo para pegar as últimas gotas; os lábios de Baltazar estavam tingidos de vermelho escuro. Beber sangue era tão delicioso. Percebi que sentia falta disso, talvez mais do que de qualquer outra coisa em estar viva. Os rapazes estavam preparados. Ajoelhei-me ao lado de Lucas, colocando as embalagens ao seu alcance. Lentamente, envolvi minha mão em torno da saliente alça da estaca. Algumas lascas cortaram minha palma, e imaginei a dor que Lucas deveria ter sentido segundos antes de desmaiar. — No três — disse. — Um, dois… Arranquei a estaca. Fez um barulho úmido e repugnante. Lucas se contorceu no chão e seus olhos se arregalaram. Ele respirou, deliberadamente farejando o ar. Eu sabia que ele tinha sentido cheiro de sangue. — Beba — sussurrei. — Beba. Lucas esticou a mão para apanhar uma das embalagens. Em um instante ele estava engolindo o sangue, grandes goles que fizeram seu pomo de Adão se mover para cima e para baixo em seu pescoço
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estendido. Dentro de alguns segundos, ele esvaziou a primeira embalagem, deixou-a cair no chão e estendeu as mãos para a segunda. Essa ele a esvaziou ainda mais rápido. Eu o assisti, fascinada. Quando terminou, Lucas olhou ao redor ansiosamente, e Ranulf jogou para ele outra embalagem da sacola. Embora eu não a tivesse esquentado, ele bebeu tão rápido quanto. Quando o recipiente caiu ruidosamente no chão, ele não foi atrás de outro — mas passou a língua em volta da boca, pegando gotas espalhadas, e então ergueu seus dedos manchados de sangue até a boca para sugar cada partícula. — Assim está melhor? — Perguntei. — Bianca — Lucas se virou para mim, o corpo ainda estava tenso, mas sua expressão não mais parecia com a de um animal; era seu próprio semblante. — Não era uma alucinação. Você está realmente aqui. — Realmente aqui. Como você está se sentindo? Invés de responder, Lucas me puxou brutalmente para seus braços. O abraço foi muito apertado, mas era emoção humana, e por isso eu estava agradecida. Suas mãos correram pelo meu cabelo, o que deve ter parecido mais ou menos real para ele. Eu estava muito presente naquele momento. Repeti — Como se sente? — Melhor. — Suas palavras vieram hesitantemente. — Antes tudo o que eu conseguia pensar era... Não, eu não conseguia pensar. Era só esse lance da fome. — Você está bem agora. — Desde que você esteja comigo. — Sua voz estava tensa, e eu percebi que ele continuava perturbado. A fome de sangue não era seu único problema. Ele se desviou de mim, agarrando-se firmemente em minha mão, para olhar para Balthazar e Ranulf. — Eu também não sonhei com vocês dois. — Bem-vindo à morte — disse Ranulf alegremente. — Não é tão ruim depois que você pega o ―jeito‖. — Obrigado, cara. — Lucas simplesmente acenou para Balthazar. Aparentemente ele se lembrava da conversa que eles haviam tido. Mas então ele congelou, e seu rosto se torceu como se ele estivesse prestes a ficar doente. Perguntei-me se ele havia tomado o sangue muito rápido até que ele sussurrou — Mamãe. Vic. Eu fui atrás… Eu queria…
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— Está todo mundo bem. Você não machucou ninguém. — Envolvi meus dedos em torno dos dele. — Eu poderia ter feito isso. Eu queria. — Havia algo nos olhos de Lucas que me fez pensar que ao invés de dizer queria, ele quase tinha dito quero. — Mamãe nunca mais falará comigo. Balthazar cruzou os braços. — Você realmente quer voltar a falar com ela depois da forma como ela se voltou contra você? — Não é bem assim que as coisas funcionam — eu disse. Tão amargamente quanto meus pais e eu nos separamos, queria vê-los novamente todo dia. Quando meus olhos encontraram os de Lucas, sabia que ele se sentia do mesmo jeito. Ele entendia a repulsa da Kate e a desconfiança de sua nova natureza; ele compartilhava os mesmos sentimentos. Ranulf deu um passo à frente, prestativo como sempre. — Vic não guarda rancor. Ele está lá fora bebendo o Orvalho da Montanha e ficará contente de vê-lo você mesmo novamente. Lucas balançou a cabeça. — Ele não pode querer sair comigo depois que tentei atacá-lo. — Eu acredito que ele está um pouco... Sufocado pelos acontecimentos do dia, mas ele não vai abandoná-lo — disse Ranulf. — Nenhum de nós irá. — Eu queria abraçá-lo novamente, mas Lucas permanecia distante, introspectivo. Quando olhei para Balthazar ele balançou a cabeça levemente, um aviso para que eu não pressionasse. O controle que Lucas havia adquirido era temporário, todos sabíamos disso. — Vocês poderiam nos dar alguns minutos? — Disse Lucas, passando uma das mãos pelo seu cabelo dourado escuro, que estava ainda mais despenteado que o de Balthazar. — Estou feliz em vê-los e tudo, mas Bianca e eu temos que conversar. — Claro. — Baltazar cutucou Ranulf — Vamos ajudar o Vic com o conserto da casa. Depois que porta se fechou atrás deles, Lucas e eu nos entreolhamos, e a tristeza desse momento me golpeou com tanta força que quase machucou. Eu me peguei lembrando de alguns anos atrás, quando eu soube que ele era da Cruz Negra. Assim que ele escapou da Meia Noite, nós nos confrontamos através de um vitral, incapazes de
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acreditar que havia alguma forma de ficarmos juntos novamente. Eu podia lembrar de tudo tão perfeitamente, cada nuance do vidro, como se ele ainda estivesse entre nós. — Como foi para você? — Perguntei — estar morto? — Não me lembro de nada. — Lucas inclinou sua cabeça para trás, contra a perna de nossa mesa dobrável, entregando-se à exaustão que segue a ressurreição. Continuamos no chão, impossibilitados de encontrar disposição para nos movimentarmos. — Agora a pouco, quando Balthazar me empalou... É tão estranho dizer isso... Bom, depois disso eu sonhei. Acho que vi Charity nos perseguindo. — Ele riu pela metade, um som amargo, e olhou para o teto. — A última coisa que precisava era dela nos meus pesadelos. Tremi. Charity parecia inocente, com sua face juvenil e sua aparência desarrumada e frágil; ela era qualquer coisa menos isso. Deduzi que também teria pesadelos com ela para sempre se eu pudesse sonhar. Ainda não estava certa sobre isso. — Como foi pra você?— Ele perguntou, concentrando-se em mim novamente. — Você se tornou fantasma imediatamente ou ouve algum intervalo nesse meio? Seria bom pensar que você teve uma prévia do céu. — Sem prévias. — Cruzei os braços em cima dos meus joelhos e repousei meu queixo lá. — Acho que me transformei em fantasma instantaneamente, mas levei um tempo até perceber o que havia acontecido. A princípio eu apenas aparecia e desaparecia. — Você acha que existe vida após a morte para vampiros? Eles... Nós todos iremos para o inferno, se é que existe um inferno? — Não diga isso! — A água benta me queima. Nunca mais serei capaz de pisar em solo sagrado novamente — disse Lucas. — Deus deixou bem claro de que lado ele está, você não acha? Segurei seu rosto em minhas mãos. — Sei que você odeia isso, mas há modos de seguir em frente, de aproveitar os anos que virão. Pense nisto: Somos imortais agora. Já nos perdemos uma vez, mas pelo menos não temos que passar por isso de novo. Lucas se afastou, quebrando o contato entre nós. Ficou de pé lentamente. Ele andou alguns passos adiante em nosso apartamento
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improvisado na adega, estudando-o como se o viesse pela primeira vez: a chapa quente, o colchão de ar em cima de um estrado de cama, as gavetas de papelão em que ficavam nossas coisas. Houve momentos nas últimas semanas em que acreditei que este era o lugar mais perfeito e romântico da face da terra. Agora parecia desgastado e pequeno, sua beleza era apenas a última ilusão que compartilhamos. Ele disse: — Bianca, não sei se posso fazer isso. — Você pode. — Você só está falando assim porque quer acreditar nisso. Não porque acredita. — Você está desistindo sem nem mesmo tentar. Lucas virou-se para mim, seus olhos angustiados. — Eu tentarei. Jesus, Bianca, você acha que eu não tentaria por você? Por mais que odeie isso, essa fome dentro de mim, essa fria e nojenta sensação de morte. Se isso significa ficar com você, eu tentarei. — Você vai conseguir. Vai aprender a lidar com a fome. Eu prometo. — Como isso vai acontecer?— Ele gesticulou para as embalagens de sangue vazias no chão. — O que, três bolsas de sangue? É o máximo que posso fazer nesse momento para não atacar aquela sacola e beber o resto imediatamente. Ainda assim, quando penso no Vic lá fora, não é mais no Vic, mas no fato de que ele está vivo e tem sangue que eu poderia beber. Em outros poucos minutos. — Nós temos mais sangue. Beba o quanto quiser. Podemos conseguir mais. — Contudo, essa era uma solução puramente temporária, e ambos sabíamos disso. Ele precisava de esperança, e apenas uma sugestão nos dava alguma esperança. Deixei de lado minhas objeções e medos com relação aos meus pais; o plano do Balthazar era o melhor que tínhamos. — As aulas começam em duas semanas — disse. — Na Meia Noite. Você vai voltar para lá. Lucas me encarou por um momento, então bateu cabeça contra um dos recks de vinho, de modo que as garrafas se chacoalharam. — Ótimo. Ainda estou ouvindo coisas. Meio caminho para a loucura.
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— Você não está ouvindo coisas. Você vai se matricular na Meia Noite como aluno novamente, um aluno vampiro desta vez, e eles tomaram conta de você. — Tomar conta de mim? Bianca, na última vez que estive lá, eu andava com os caras que incendiaram o lugar. Lembrei-me do que Balthazar havia dito para se apegar a isso. — Você é um vampiro agora. Se pedir abrigo, a Sra. Bethany tem que te dar. Eles podem não ser exatamente amigáveis, mas vão te dar um lugar para ficar, bastante sangue para beber e conselhos sobre como lidar com a fome. Por semanas ou por meses, o tempo que você precisar. — Ou anos — disse Lucas. — Balthazar continuou voltando por anos. Balthazar tem freqüentado a Meia Noite por diferentes razões, algumas focadas na verdadeira missão da escola: ajudar vampiros de aparência jovial a se passarem por seres humanos mantendo-os em dia com o mundo moderno. No entanto, não pretendia ressaltar isso para Lucas. A última coisa que ele precisava ouvir era o quão bem todos os outros podiam controlar. Lucas adicionou: — Além disso, não importa o quanto eles me odeiem. Não iremos para a escola Meia Noite porque é perigoso para você. — Para mim?— Mal tive tempo para pensar nisso, mas Lucas estava certo. Soubemos pelos eventos da escola no ano passado que a Sra. Bethany não era mais simplesmente a diretora da Meia Noite, ela também estava usando a escola como um meio de encontrar, e talvez a capturar, fantasmas como eu. Por que ela estava fazendo isso permanece um mistério, mas não houve dúvidas de que ela detestava os fantasmas. O que quer que estivesse tramando, não seria bom para nós. Vendo a compreensão surgir no meu rosto, Lucas assentiu. Sua expressão tornou-se verdadeiramente sombria. — Eu já estraguei tudo quando você morreu — disse ele. — De jeito nenhum voltarei para o lugar onde essa situação poderia ficar ainda pior. O que mais poderíamos fazer? Obriguei-me a ser forte. — Vamos dar um jeito. — Não me peça par ir pra lá sem você. Não agüentaria. — Disse Lucas simplesmente, como se fosse óbvio; se ele fosse separado de mim, o fio de vontade que lhe fazia continuar se romperia.
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— Você vai para a escola Meia Noite e eu irei com você. — Não, Bianca. É muito perigoso. — Sim, Lucas. — Ele sempre queria me proteger contra qualquer risco. - É mais perigoso do que ser uma vampira em uma cela da Cruz Negra? Consegui passar por aquilo, e eu vou passar por isso também. Além do mais, há fantasmas que conseguiram estar na Meia Noite sem serem destruídos pela Sra. Bethany. Maxie é um deles. Podemos conseguir. Pelo menos eu sei como ser cuidadosa. Lucas não parecia convencido. — Poderíamos fazer outra coisa. Tranque-me em algum lugar até que eu... — Até você parar de querer sangue?— Mantive minha voz baixa, para suavizar o impacto de minhas próximas palavras. — Isso não vai acontecer. E não transformarei você em um prisioneiro num porão em algum lugar. Estou lhe dizendo, nós podemos fazer isso. Podemos porque temos que conseguir. — Não gosto disso. — Eu também não, mas ficarei bem. Você terá uma estrutura lá, um suprimento de sangue, outros vampiros que podem te ajudar e lhe ensinar a como lidar com isso. Ranulf e Balthazar irão com você — prometi. — E Vic também voltará, lembra-se? Seus olhos verdes se arregalaram e eu sabia que Vic não era uma fonte de conforto para ele; não era um amigo. Era uma presa. Apressadamente acrescentei: — Você poderá ficar perto de Vic enquanto os outros estiverem lá para ajudá-lo. Eventualmente, vai parecer fácil. Lucas olhou para o chão, e eu me odiava por ser tão superficial, tão casual. Talvez ele aprendesse a suportar, mas nunca seria fácil. Fingir que poderia não ajudou a nenhum de nós. Lembrei-me do que Balthazar havia dito, sobre os vampiros caminhando para o fogo ao invés de seguir adiante. Lucas sabia melhor que muitos como destruir o corpo de um vampiro. — Tudo bem. Não vai ser fácil — disse. — Nunca foi. E nunca nos manteve separados.
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Ele estendeu os braços, e eu corri para eles. Seu abraço já tinha se esfriado, mas ainda era Lucas, ainda éramos nós. No meu cabelo, Lucas sussurrou — Verei você em meus sonhos pelo menos? — Contanto que você tenha o meu broche, posso chegar até você. Ele franziu a testa e em seguida puxou o broche do bolso de trás. A flor de azeviche de Whitby, elaboradamente esculpida, havia sido um presente dele para mim no começo do nosso namoro. Ele o tinha levado consigo quando entrou na briga, para morrer; foi à única coisa que me permitiu chegar até ele. — Por que o broche? — Coisas as quais fantasmas se apegavam muito na vida, coisas importantes como este broche, ou a minha pulseira, ou a gárgula fora da janela do meu antigo quarto... Bem, nós podemos usá-los para viajar. Eles são como estações em uma linha de metrô; posso viajar até eles, apenas meio que aparecer onde quer que estejam. A pulseira de coral e o broche de azeviche são especialmente poderosos, porque são feitos de materiais que antes eram seres vivos. — Fechei a mão em todo o broche. — Então, desde que você mantenha isso consigo, sempre serei capaz de encontrálo. Veja, você ainda tem uma maneira de ter certeza de que estou segura. — Meia Noite — disse ele. — Ok. — Eu poderia dizer que não o tinha convencido, tanto quanto havia desgastado. Ele continuou com mais medo por mim do que por si mesmo. Mas nós realmente não tínhamos outro lugar para o qual nos voltar por ajuda. Abraçamo-nos de novo, desta vez com mais força. Como eu queria acreditar que Lucas havia encontrado uma razão para ter esperança. No entanto, mesmo enquanto nos abraçávamos, poderia dizer que ele estava olhando por cima do meu ombro, olhando para o sangue.
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Capítulo Cinco — Descanse. — Eu disse assim que entramos em um dos quartos de hotel no centro da Filadélfia pelo qual Balthazar havia pagado. Era ridiculamente luxurioso, com colchas de algodão brancas na cama de alta plataforma4 — limpas demais para criaturas não-mortas manchadas com sangue seco. — Nós dois precisamos descansar. — Você consegue dormir? — Lucas perguntou. Ele havia se alimentado novamente no caminho, muitas vezes, e agora tinha o olhar meio confuso que eu reconhecia como resultado de um excesso de alimentação — como Mamãe e Papai no Dia da Ação de Graças. Nós tivemos que lhe dar tanto quanto ele conseguiria agüentar; este foi o único modo de nos assegurar que ele poderia passar pelo saguão do hotel sem se partir. Logo ele iria desabar. — Não tenho certeza se fantasmas precisam dormir. Às vezes eu preciso, tipo... Desaparecer, eu acho. Mas não é exatamente a mesma coisa. — Aonde você vai? Quando você desaparece. Eu dei de ombros. Havia tanto que eu ainda não sabia sobre minha nova natureza fantasma. — Algum lugar do qual eu posso voltar. Esta é a única coisa que importa. Ele assentiu cansadamente. Através das paredes finas do hotel, eu podia ouvir Balthazar rudemente arremessando suas roupas no quarto ao lado. Nós havíamos decidido passar os últimos dias antes do início do novo semestre no hotel porque os pais de Vic estavam prestes a voltar da Itália. Ele já estaria com problemas o suficiente por causa do jardim da frente — sem mencionar sua mãe e seu pai descobrindo uma infestação de vampiros no porão. Além do mais, precisávamos dar um pouco mais de espaço a Vic. Ele e Lucas não haviam se visto cara a cara desde o ataque, com a
4 Alguma coisa como essa, tipo uma cama em cima de uma plataforma, sabe? http://2.bp.blogspot.com/_6FC0XHiZjBM/SNJ6R5bWAYI/AAAAAAAAAdE/Obic_iBnDM/s400/Motel+Camelot+quarto.jpg
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concordância de ambos. Era óbvio que Vic estava realmente tentando conformar-se, mas obviamente isso tomaria um tempo. — Por que vampiros precisam dormir? Não faz muito sentido. — Lucas chutou suas botas e deslizou seu jeans. Agora que ele estava usando apenas sua cueca boxer e uma camiseta, eu podia ver que todo seu corpo havia assumido a beleza escultural do vampiro. A camiseta delineava cada músculo amplo de seu peito. Apesar de eu ter perdido meu corpo mortal, eu ainda podia sentir desejo. Desliguei uma das lâmpadas laterais mais próximas da janela e fechei as pesadas cortinas que manteriam longe o sol da manhã. Lucas havia se alimentado tão recentemente que a luz do sol não o machucaria, mas ele provavelmente odiaria a claridade. — Minha mãe costumava dizer que ela pensava que era mais hábito do que qualquer outra coisa, como o corpo continua fazendo o que sabe que deveria fazer. Vê como você voltou a respirar? Você não vai parar, mesmo quando você estiver dormindo. — Apesar de eu nunca precisar de ar novamente. — Lucas disse como uma piada, mas fracassou. Eu poderia dizer que ele tinha acabado de perceber que nunca sentiu o alívio de um bom respirar fundo, ou um sincero suspiro. Ele desmoronou na cama, afundando-se com gratidão nos travesseiros de penas fofinhas. Provavelmente Lucas poderia ter caído no sono dentro de segundos, mas eu tinha idéias diferentes. Talvez a fome voraz de Lucas por sangue pudesse ser canalizada para outras coisas. Outras necessidades. Nas quais ser faminto não seria um problema — completamente o oposto, na verdade. Cuidadosamente, eu tentei sair de dentro do meu pijama com estampa de nuvem. Não era exatamente uma roupa, estava mais para memória de roupa, então eu não estava certa se eu conseguiria tirá-la. Consegui. O pijama se amarrotou no chão e meio que desapareceu. Esperava que ele voltasse — só que mais tarde. Logicamente, eu não iria o querer por um tempo. Lucas ergueu uma sobrancelha.
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Quando deslizei para a cama ao lado dele, ele sorriu um pouco — o primeiro sinal de verdadeiro prazer que eu vi nele desde sua ressurreição. — Isso ainda funciona? — Ele murmurou. — Você e eu? — Vamos descobrir. Ele me puxou para seus braços; estávamos frios um contra o outro agora, mas isto era natural para ele e para mim, para o que havíamos nos tornado. As linhas delicadas e frias dos lençóis nos tocaram quando nossos lábios se encontraram gentilmente. No primeiro momento, Lucas estava tão inseguro — de suas reações, das minhas — que eu me senti insuportavelmente meiga contra ele. Como se tudo que eu quisesse fosse me enrolar nele como um cobertor e o proteger de tudo que estávamos passando. Sua boca se abriu debaixo da minha enquanto ele enrolava seus dedos em meu cabelo. A única coisa que eu vestia agora era a pulseira de corais que me fazia sólida, que tornaria isso possível. Conseguimos, eu pensei. Cada complicação que enfrentamos parecia ter desaparecido. Estávamos de volta para onde começamos. A Morte não poderia nos tirar isso. Nossos beijos se intensificaram e se tornaram mais profundos. As mãos de Lucas ainda eram as mãos do Lucas, fortes e familiares. Ele me tocou da mesma forma. Eu senti um prazer diferente agora — mais suave, mais difuso e até mais abrangente — mas mais nada mudou. E enquanto eu me tornava mais real, entre a paixão sendo construída por nós, era como se meu prazer fluísse nele, entre nós dois. Ele me virou de costas, mas então sua expressão mudou. Eu vi suas presas, entendi, e sorri. Eu senti a vontade de morder também — não tão forte, agora que eu não precisava mais de sangue, mas sexo e presas sempre estariam juntos para mim. — Tudo bem, — eu murmurei contra sua garganta, entre beijos. — Você pode ter fome disso. Você pode ter isso. — Sim, — ele disse rudemente. Seus olhos verdes me perfuraram, um pedido desesperado. — Você precisa beber? — eu me arqueei contra ele e deixei minha cabeça cair para trás, expondo minha garganta. Lucas inspirou uma grande arfada. — Beba de mim. — Com um rosnado, ele afundou seus dentes em minha carne. Eu senti novamente a dor real de ter um corpo, e aquilo já tinha seu próprio tipo de prazer. Minhas mãos o agarraram forte
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ao redor de suas costas, se rendendo a sua fome — até que ele se empurrou para longe de mim, gritando de dor. — Lucas? — Eu me sentei ereta, puxando o lençol para mim. — Lucas, o que há de errado? — Isso queima! Enquanto ele caiu da cama, agarrando sua garganta, sufocou e então vomitou. Sangue prata de fantasma cintilou no chão brevemente antes de desaparecer. Eu senti cheiro de fumaça e liguei a luz ao lado da cama; no tapete eu pude ver algumas manchas de queimaduras suaves. Então eu percebi que os lençóis estavam queimados também — pingos cor de café onde meu sangue havia caído. Eu coloquei minha mão na ferida em minha garganta, mas ela já estava fechando. A pele se fechou sob a ponta dos meus dedos, uma sensação que dava cócegas. Por alguns segundos, nós só olhamos um para o outro. A única coisa na qual eu podia pensar em falar era, — Agora sabemos por que vampiros não bebem sangue de fantasmas. — Sim. — Lucas se contorceu quando falou, e sua voz era rouca. Eu percebi que seus lábios, língua, e garganta permaneciam queimados. Como um vampiro ele se curaria rapidamente, mas não instantaneamente. Cada lugar em que se tocava era uma origem de dor para ele. Talvez ele tenha visto a pena em meus olhos, por que ele virou sua cabeça. — Deveríamos dormir. — Ele puxou de volta as cobertas da cama do hotel. — Lucas, isso não tem sempre que envolver sangue. Você se lembra disso. — Eu sei. — Ele deitou na outra cama, pesadamente, como se ele não pudesse mais agüentar seu próprio corpo. — Nós... Nós vamos dar um jeito nisso. Apesar de eu querer argumentar, sabia que não era a hora. Eu simplesmente desliguei a luz novamente e deslizei de volta para de baixo das cobertas, fria e sozinha na grande cama. Após alguns segundos, pareceu sem sentido permanecer sólida, então eu tirei minha pulseira e me dissolvi no azul, num vazio nebuloso de mim mesma. Chega de pensar que a morte não poderia nos tirar nada.
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— Última chance pra você mudar de idéia, — eu disse alguns dias depois, quando Lucas estava vestido com as roupas quentes de suas poucas posses na manhã do primeiro dia de aula. Por um momento eu me arrependi de ter feito a piada; seria desastroso se Lucas tivesse mudado de idéia, porque nós não tínhamos um Plano B. Mas Lucas tentou enrolar. — Sempre pretendi ganhar um diploma algum dia. Eu acho que depois da morte conta como algum dia, hein? — Ele tentou sorrir para mim, mas ele não foi muito longe. — Isso soa estranho? Inexistente? Aquela foi à primeira vez em que percebi que eu morri como uma desistente do 11º ano. — É, um pouco. Estes dias não haviam sido fáceis para nós. Tivemos que continuar superalimentando Lucas com sangue, e ele quase sempre se recusava a deixar o quarto. Eu memorizei o calendário das empregadas, então poderíamos ter certeza de que Lucas as evitaria. Lucas ainda achava que Meia Noite era perigosa demais para mim, e eu não tinha certeza se discordava. Mas que outras opções nós tínhamos? A luz do amanhecer iluminou as arestas da janela escura do hotel enquanto Lucas se encolheu dentro do uniforme de suéter. Balthazar tinha encomendado provisões para eles online. Ele se tornou um pouco mais alto e muito mais musculoso desde que ele havia sido um aluno da Meia Noite, então o suéter estava um pouco apertado, mas de um modo bom. — Você está ótimo, — eu disse. — Lembra-me de quando nos conhecemos. — Quando eu tentei lhe salvar dos vampiros. — Lucas parou, então chegou mais perto de mim e colocou sua mão em minha bochecha. — Você sabe que a única razão para eu fazer isso é que então eu posso voltar pra você. Ser honrado o suficiente para você, saber como agir. Você sabe disso, certo? — Sei sim. — E você vai tomar cuidado, certo? Você não vai correr riscos na Meia Noite? — Serei muito cuidadosa. — Peguei a mão dele com a minha e beijei sua palma. Então removi minha pulseira cinza e de corais, ficando meio transparente enquanto ela caía nos dedos de Lucas. — Leve isto com você. Pegarei lá.
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— Você não quer isso com você? Só pra garantir? Você não pode permitir-se perder essa coisa, e seu broche já está em minha mochila. — Não é como se eu pudesse ficar com isso, — eu apontei. — Quando eu fico sem corpo para viajar, nada físico pode viajar comigo. Além do mais, não pode estar mais seguro do que com você. — Eu dobrei sua mão ao redor da pulseira. Ele se inclinou pra frente, como se fosse me beijar. Agora que eu não tinha um corpo — uma suave sombra de névoa azul no turvo formato de meu corpo — nossos lábios não podiam se tocar. Mas um pedaço do Lucas me atravessou, uma fraca cócega que fez eu me arrepiar, bem onde seria o nosso beijo. Assim que comecei a sorrir, houve uma batida na porta: Balthazar. Hora de ir. Depois de eles começarem a longa viagem de carro até a Filadélfia, eu me preparei para minha própria jornada. Maxie me disse que fantasmas continuavam ligados a certos lugares e coisas que haviam sido importantes durante nossa vida. Poderíamos sempre viajar até eles, não importa o quão longe pudéssemos estar. Eu não tinha certeza de que lugares eram esses ainda, apresar de eu ter idéias: a velha árvore de bordo em Arrowwood onde eu gostava de brincar quando era criança, o cinema ao qual eu e Lucas havíamos ido em nosso primeiro encontro, e talvez a adega de vinhos onde tínhamos vivido nossas semanas finais. Porém, aquelas eram apenas teorias. O único lugar para o qual eu sabia que eu poderia viajar era para o primeiro lugar para que já fui, por acidente: Academia Meia Noite, especificamente a gárgula que se empoleirava do lado de fora do meu quarto. Eu entrei na névoa escura, e no começo a sensação era deliciosa como dormir, tão tentadora. Mas minha mente continuava focada na gárgula. Eu passei tanto tempo olhando para ela — um riso com presas que eu poderia descrever perfeitamente: garras de pedra, costas arqueadas, asas pontudas. Brevemente eu imaginei o modo como era a sensação de ter a pedra sob minhas mãos, fria e dura — então eu podia senti-la. O mundo clareou ao meu redor. Eu me empoleirei em cima da gárgula, o que seria extremamente desconfortável se eu estivesse viva, mas era legal agora que eu podia levitar quando eu queria. Caracóis de gelo se formaram ao redor das janelas, anunciando a presença de um fantasma.
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Meus pais veriam isso? Eles tinham na primeira vez que eu acidentalmente vim aqui. Ao invés de perceberem que era eu, eles piraram, acreditando que o gelo tinha vindo de outro fantasma, daqueles que tinha invadido Meia Noite. Não invadido, eu me lembrei. Atraídos para cá, por causa dos estudantes. Trazidos aqui especialmente pela Sra. Bethany. Eu tinha que tomar cuidado. Não ouvi nada do apartamento. Provavelmente meus pais estavam no outro andar, ajudando a Sra. Bethany a receber os estudantes. Olhando para baixo eu podia ver que algumas pessoas já haviam começado a chegar. Maioria humanos por agora, muito barulhentos e muito felizes — mas de vez em quando escuras e quietas, figuras vestidas de preto variam pela multidão como se pertencessem a este lugar mais do que qualquer outro. Eles pertenciam mais; eles eram os vampiros. Rapidamente eu tremulei pelo lado do prédio, invisível a não ser pelos rastros de gelo que eu deixava para trás. No início eu só queria ver melhor, mas então eu percebi: algo parecia estranho com a escola. Bem, grande surpresa. A Academia Meia Noite era feita de várias coisas estranhas. Porém, isso era diferente, alguma coisa que eu nunca tinha sentido antes — como se, em algumas partes, a escola me repelisse, tentando me manter fora. Provavelmente essa era uma coisa que só fantasmas podiam sentir. Naqueles lugares, eu sentia como se estivesse sendo observada através das paredes. Curioso, eu bati na lateral do prédio, deixando rastros de gelo nas janelas por onde passei. Porém, havia lugares por onde eu podia entrar na escola, e havia lugares onde eu não podia. E um lugar — a área mais alta da torre sul, logo acima do apartamento de meus pais — parecia completamente bloqueado para mim, de um modo que me dava arrepios gelados. Então não vá lá, eu disse a mim mesma. Não é como se você tivesse alguma vez tido um bom motivo para subir lá. Sendo que você consegue ir a qualquer lugar no prédio, você pode ir até o Lucas. Nada mais importa. De qualquer forma, o conhecimento de uma estranha energia proibida me deixou inquieta. Eu lancei-me para baixo novamente. Melhor se afastar disso, e ver as chegadas, que era no que eu devia estar prestando atenção de qualquer forma. Quando me foquei novamente no grupo, vi a primeira face familiar e senti um calor de felicidade que poderia ter me feito sorrir. Patrice!
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Patrice Deveraux, minha colega de quarto durante meu primeiro ano na Meia Noite, saiu de um fino Lexus cinza. Sua versão bordada do uniforme da escola a fez parecer sofisticada e arrumada, mesmo em um kilt e suéter, e seu cabelo estava solto com seu cacheado natural, uma grossa auréola escura que era apropriada para ela. Ela pulou o último ano para se divertir na Escandinávia com seu novo namorado, mas um deles deve ter terminado — provavelmente Patrice, que parecia pensar em homens basicamente como acessórios da moda. Apesar de suas obsessões com aparência e luxo, Patrice tinha uma determinação essencial que me fazia gostar dela. Meio que para minha surpresa, ela havia tentado me ajudar durante o verão após eu ter fugido, provando que ela não era tão desatenciosa quanto às vezes ela podia parecer. Fez-me feliz lembrar que nem todo vampiro na Academia Meia Noite era fúnebre e sombrio. Porém, essa foi a primeira vez que a vi desde minha morte. Eu desejei poder dizer olá, mas claro que era impossível. Logo antes de Patrice entrar, ela parou na porta e olhou para cima, diretamente para onde eu pairava. Ela podia me ver? Eu percebi rapidamente que ela não podia, mas a coincidência era impressionante. Patrice hesitou por um mais um segundo antes de reajustar seus óculos de sol e entrar. Mais alguns rostos familiares começaram a aparecer, tanto vampiros quanto humanos, a maioria de pessoas que eu não tinha conhecido muito bem, mas estudaram comigo e que com os quais falava de vez em quando. Alguns professores, também — tanto o Sr. Yee quanto o Professor Iwerebon misturaram-se com os novos alunos, dizendo olá aos 52 pais. Eu procurei por minha mãe e meu pai, meio apreensiva, meio esperançosa, mas eles não apareceram. Dentre os estudantes humanos, eu não vi nenhum dos meus velhos amigos, mas reconheci alguns rostos — como Clementine Nichols, de quem o ingresso para entrada na Meia Noite havia sido o carro assombrado de sua família, e Skye Tierney, parceira de laboratório de Raquel no segundo ano. Raquel me disse que Skye era ―basicamente uma boa pessoa.‖ Vindo de Raquel, que odiava a maioria das pessoas desde o início até que lhe dessem um motivo para pensar o contrário, aquilo era um grande elogio. E mesmo assim eu nunca tentei conversar com ela, ou com várias outras pessoas. Como eu pude nunca perguntar a Clementine como era ter um carro assombrado? Eu devia ter ajudado as pessoas com mais freqüência. Eu nunca havia sido incrivelmente sociável, mas a morte me sentir mais sozinha, de alguma forma.
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O carro dos Woodson finalmente apareceu, e Vic e Ranulf saíram de dentro dele. Cada um usava um uniforme de acordo com as regras, mas Vic usava um gorro Phillies, como sempre — e para meu deleite, Ranulf usava um também. — Que impressionante. — Sra. Bethany saiu da escola, como se ela pudesse sentir desvios no protocolo a distância. — Sr. Woodson, suas influências no modo de vestir do Sr, White é tanto profunda quanto desafortunada. — Tiraremos antes da aula, — Vic prometeu, passando ao lado dela. — Incondicionalmente. — Sei. A Sra. Bethany olhou-os enquanto partiam, seus olhos afiados seguindo-os como um falcão segue a presa. Ela estava sombriamente bonita com seu denso cabelo amontoado sobre sua cabeça e suas longas unhas pintadas com carmesim. Mas a única coisa em que eu conseguia pensar era a última vez em que a vi — durante a incursão que ela liderou no quartel general da Cruz Negra em Nova York. Ela havia matado a madrasta de Lucas na minha frente sem hesitar. A diretora da Meia Noite reforçou sua idéia de lei, mas, se para buscar vingança para um ataque Cruz Negra ou regular o código de vestimenta da escola, não se sabe. Eu imaginei se essas coisas eram diferentes para ela, ou se era tudo apenas uma questão de regras. Isso era o que Balthazar parecia pensar. Porém, eu não tinha certeza. Lucas e eu nos conhecemos porque, dois anos antes, a Sra. Bethany havia repentinamente mudado as regras da Academia Meia Noite para permitir que os alunos humanos se matriculassem — sem informar a aqueles humanos que eles estariam cercados de vampiros, é claro. Cada um daqueles muitos estudantes humanos tinha conexões, de um modo ou de outro, com fantasmas. Ela tinha estado caçando os fantasmas — criaturas como eu — por razões que ainda tínhamos que descobrir. A Sra. Bethany era complicada de formas que eu não conseguiria fingir compreender. Mas tive que esperar que ela desse uma folga nas regras hoje, pelo menos, porque eu reconheci o carro que Balthazar havia alugado para a longa distância. Quando Balthazar saiu do carro, vários estudantes — vampiros e humanos — sorriram para ele; ele sempre tinha sido facilmente popular, aquele em que todos confiavam. Mas quando Lucas saiu do banco de
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passageiros, os sorrisos dos vampiros sumiram, e foram preenchidos com expressões de pura repugnância. Aqueles que haviam estado aqui dois anos atrás sabiam que Lucas havia sido da Cruz Negra — que ele primeiramente havia vindo para a Meia Noite para espioná-los, e que ele tinha sido educado para matar qualquer vampiro que visse. Todos eles saberiam por quão pouco ele tinha escapado da Sra. Bethany quando ele foi descoberto. O fato de Lucas ter sido transformado em um vampiro, algo que eles tinham que sentir instantaneamente, não diminuiu seu ódio por ele. A única vampira que não ficou de queixo caído e furiosa foi a Sra. Bethany. Ela caminhou à frente tranquilamente, sua saia longa preta ao seu redor, para encarar Lucas. Sua expressão era ilegível enquanto ela olhava nos olhos dele. Ele podia agüentar fazer isso? Seu rosto traiu sua confusão e dúvida, e quem poderia o culpar? Procurar por proteção vampira — até por se declarar um deles — era quase uma segunda morte para ele. A morte de quem ele havia sido, sua vida toda. Mas ele não tinha muitas outras opções. Lucas respirou fundo. — Eu apelo ao santuário de Meia Noite. Uma grande confusão se seguiu. Vários estudantes vampiros tentaram protestar, até mesmo para Balthazar, que se recusou a se importunar, ou Sra. Bethany, que os ignorou enquanto ficou parada calmamente no meio da barulheira. Os estudantes humanos, claro, não tinham idéia do que estava acontecendo ou por que esse garoto novo era tão desprezado por grande parte do corpo estudantil; compreensivelmente, eles já tinham suspeitas contra ele. Lucas ficou parado, apesar de eu ver o quanto ele queria recuar, e como seus olhos verdes às vezes seguiam um dos estudantes humanos por tempo quase demais. A Sra. Bethany o estudou, seus olhos procurando, até que ela gesticulou para que ele a seguisse e fosse até a margem do campus — até o celeiro onde ela morava. Enquanto Balthazar os via se afastar, um espaço largo se formava em volta dele enquanto os outros vampiros se afastavam, eu me coloquei ao seu lado e murmurei, — Como você acha que ela está encarando isso? Ele pulou, então assobiou, — Você me assustou. — De agora em diante, tenha certeza de que estarei por perto.
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— Até mesmo quando eu estiver no banho? — Você bem que queria. Depois de dar uma olhada de um lado para o outro, tendo certeza de que ninguém percebeu que ele estava falando com ―ele mesmo‖, ele murmurou, — Eu acho que se ela fosse mandá-lo embora, o teria feito imediatamente. Mas ela nunca faria isso, Bianca. Acredite em mim. Apesar de tudo que ele havia feito pelo Lucas desde sua transformação, eu ainda não estava pronta para acreditar totalmente em Balthazar. Ele é o cara que levou Lucas à sua morte — a pessoa que colocou Lucas nessa situação pra começo de conversa. Não é? Eu não podia agüentar nossa incerteza por mais um segundo. Então eu me lancei atrás de Lucas e da Sra. Bethany, ansiosa para ouvir o que eu pudesse. A Sra. Bethany vivia em um celeiro na margem das terras da escola, um lugar que eu conhecia bem. Mas eu esqueci uma coisa muito básica sobre isso até que eu me dirigir para o telhado, pronta para entrar — e me senti violentamente repelida. Claro, eu percebi. O telhado. Metais e minerais encontrados no corpo humano, como cobre e ferro, repeliam fantasmas. É por isso que a Sra. Bethany havia escolhido um telhado de cobre: para nos manter fora. O impacto me lembrou das áreas ―bloqueadas‖ da Meia Noite, exceto que nesse caso, todo o lugar estava fechado para mim. Bem, se eu não podia seguir Lucas até lá dentro, eu podia tentar fazer a mesma coisa que eu fazia quando era uma estudante — escutar atrás da porta. Eu ondulei em uma suave nuvem até a beirada de uma janela, onde os galhos do olmo mais próximo arranhavam o vidro e iriam me disfarçar em suas sombras. Isso me deu uma vista da mesa da Sra. Bethany — tão limpa e arrumada que tudo estava nos ângulos corretos, com apenas um retrato da silhueta de um cavalheiro como decoração. Enquanto eu olhava, ela caminhou para dentro da sala, mais no comando do que nunca. Lucas a seguiu, ombros tensos e olhar desconfiado, o olhar que ele usava quando esperava uma briga. — Há uma questão que devíamos tratar antes de qualquer outra, Sr. Ross, — a Sra. Bethany disse enquanto ela sentou atrás de sua mesa. — Onde está Bianca Olivier?
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Assustada, eu pulei, e as folhas ao meu redor farfalharam. Ela olhou em minha direção por apenas um segundo; sem dúvida ela pensou que eu era apenas o vento. Lucas sentou-se pesadamente na cadeira em frente a ela, agarrando os encostos para braço firmemente. — Bianca está morta. A Sra. Bethany não disse nada. Seus olhos escuros permaneceram fixados nele em um silêncio exigido por toda a verdade. Ele continuou, — Por volta de seis semanas atrás, sua saúde... Falhou. Ela não queria comida. Não queria sangue. Eu tentei levá-la ao médico, mas ela começou a, bem, mudar, então eles não sabiam mais o que fazer com ela. — Deve ter parecido claro para você o que fazer. Lentamente, Lucas assentiu. — Bianca precisava transformar alguém em vampiro para continuar viva. Eu pedi que ela me matasse. Eu deixaria que ela me transformasse em vampiro, para que ela se salvasse. Mas ela não faria isso. — Sua voz ruiu na última palavra, e ele virou seu rosto para longe da Sra. Bethany. Minha ressurreição como fantasma pode ter diminuído o pesar de Lucas, mas eu percebi nesse momento que as feridas que tinham se criado nele quando me assistiu morrer deixariam cicatrizes para sempre. — Você não poderia evitar, — Sra. Bethany disse. Ela não soou simpática, exatamente, mas sua voz estava levemente gentil. — Se a Srta. Olivier não lhe transformou em vampiro, quem foi? — Foi Charity. — Lucas apertou a mandíbula. Um tremor de puro ódio passou por mim. — Estávamos em uma briga — logo depois de Bianca morrer, lá na Filadélfia. Não sei por que ela fez isso. — Com Charity More, motivo raramente entra na equação. — Isso foi à coisa mais próxima de uma piada que eu já ouvi da Sra. Bethany. — Eu não sabia o que fazer no começo. É — eu acho que você sabe como é, quando você se transforma. Balthazar estava por perto, tentando lidar com sua irmã, e ele me ajudou. Eu tentei falar com minha mãe, mas ela — ela é da Cruz Negra. Sra. Bethany se ajeitou, seus olhos brilhantes. — Você quer dizer que ela te atacou. — Sim.
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— Sua própria mãe. — Para meu assombro, eu percebi que a Sra. Bethany estava sentindo um justo ultraje. Em favor de Lucas. — Vergonhoso. Chocante. Odioso. O tipo de comportamento que eu esperaria da maioria dos membros da Cruz Negra, sem dúvida, mas alguém pensaria que pelo menos o amor de mãe provaria mais poder do que os princípios anti-vampiros deles. — Acho que não, — ele murmurou. Sra. Bethany ficou de pé, caminhou ao lado da mesa até o lado de Lucas, e colocou sua mão em seu ombro. Se seus olhos grandes indicavam alguma coisa, ele estava tão surpreso quanto eu. — É lastimável que você tivesse que aprender o erro de seus costumes de uma forma tão dolorosa. Mas você deveria saber que tenho total compreensão com aqueles que sofreram perseguição pela Cruz Negra. Seu passado como homem vivo, e os erros que você cometeu na época, agora foram absolvidos. O santuário da Academia Meia Noite é seu. Nós o protegeremos. Nós te ensinaremos. Você não precisa mais ficar sozinho. Por meio segundo, eu realmente gostei da Sra. Bethany. Lucas não entendeu tão facilmente. — Obrigado. Mesmo. Mas não vai ser tão simples. Aqueles caras estão prontos pra me enfiar uma estaca. — Eles obedecerão às regras. — O sorriso da Sra. Bethany tinha um brilho frio. — Deixe isso comigo. — Os estudantes humanos — Sua voz soou abafada. — Eu nunca matei. — O desejo é forte. — Ela falou como se fosse apenas o esperado. — No seu caso, talvez, mais forte do que na maioria — eu vejo os sinais. Mas aqui você terá muitos guardiões cuidando de sua conduta; atrevo-me a dizer que você é menos perigoso por ferir um humano aqui do que você seria no mundo lá fora. Na hora, você descobrirá como fazer parte do mundo vampiro. Você será um de nós. Lucas fechou seus olhos por um momento, e eu me perguntei se isso era de alívio ou desespero.
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Capítulo Seis Lucas andou até o terraço de ferro forjado, olhando para a Sra. Bethany quando ela entrou para dar o discurso anual de Boas-Vindas para o corpo estudantil. Finalmente convencida de que ninguém estava olhando, me atrevi a me materializar ao lado dele. — Hey — Ele disse. Deu meia volta para me ver e conseguiu me dar um sorriso. — De volta aonde nos beijamos pela primeira vez. — Como as coisas mudam. — Quando a brisa arrepiou seu cabelo dourado escuro e soprou as folhas ao redor de nós, eu podia imaginar que tivéssemos ido de volta ao começo. Os raios de sol pareceram passar através de mim, me aquecendo completamente. Apesar do vento, meu próprio cabelo longo e vermelho parecia imóvel, intocado, irreal. — Porque você não está lá? — Sra. Bethany me liberou nessa rodada. Ela disse que ia tentar encontrar um jeito de explicar para os alunos vampiros e para os professores me deixarem em paz sem alertar os seres humanos. Eu, andando no meio de um bando de vampiros antes dela me dar uma mão — no discurso? De forma alguma vou fazer isso desarmado. — Ela lidou com isso melhor do que eu pensei, — Falei. — Eu acho que a Sra. Bethany leva as coisas do santuário bem a sério aqui. Lucas deu de ombros. — Ela afirma que está do meu lado, mas ao mesmo tempo, estou contente que Ranulf tenha conseguido entrar com nossas armas furtivamente na mala dele. — Por que não a sua? — Se a Sra. Bethany não vasculhar a minha, ela é boba. E aquela mulher não é nenhuma boba. Eu estudei seu rosto, lendo as emoções que ele estava tentando esconder. — Você não está com medo dos vampiros. Você nunca teve. É estar perto dos alunos humanos que te afeta.
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Ele fez uma careta. — Eu não posso olhar pro Vic sem pensar... Bianca, eu teria matado ele. Vic. Um dos melhores amigos que eu já tive. Eu teria o trucidado só para comer. — É por isso que você não vai ficar sozinho com ele? — Quando ele me lançou um olhar, eu adicionei, — É, eu reparei. — Não, você não reparou. — Lucas disse calmamente. — Não é só comigo. É Vic, também. Ele encontra maneiras de evitar ficar sozinho comigo. — Eu podia ouvir a dor em sua voz. Coloquei meus braços em volta dele; talvez isso não fosse um verdadeiro abraço, mas eu podia sentir ele perto de mim e eu sabia que ele ia se sentir um pouco confortado com isso. — Ele vai confiar em você de novo. Isso só vai levar um tempo. — Quanto tempo vai levar até eu confiar em mim mesmo? Não tinha resposta pra isso. Disse a única coisa que eu podia: — Eu amo você. — E eu amo você. E é por isso que vou isso funcionar. Eu tenho que fazer. Assim como Lucas estava aprendendo a ser um vampiro por mim, eu estava aprendendo a ser uma fantasma por ele. Isto significava que eu tinha que pegar o jeito dessa coisa de assombrar. Eu sabia o básico: ficar invisível, aparecer na minha forma enevoada e, quando eu tinha minha pulseira ou meu broche, sabia me tornar sólida e real outra vez. Pra me mover de um lugar pra outro, era necessário um pouco de concentração, mas poderia ser feito. A Academia Meia Noite, no entanto — ia ser muito mais resistente. Eu precisaria descobrir onde eu podia viajar nos corredores e onde eu não podia. Deixar trilhas névoa por onde eu fosse daria uma dica aos outros alunos e professores sobre um fantasma, e eu não tinha certeza se eles podiam fazer alguma coisa sobre isso além de gritar, e eu não pretendia descobrir. Era assustador, pensar sobre as inúmeras formas de como isso poderia dar errado. Mas dar pra trás significava deixar Lucas sozinho, e isso era algo que eu não podia fazer. Conforme ele caminhou pra dentro da escola eu o segui. As pesadas portas de madeira eram simples o suficiente para eu deslizar através delas, talvez porque elas, como eu, já tivessem sido vivas. Mais uma vez, eu entrei no grande salão da Academia Meia Noite. Dezenas de
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estudantes circulavam, cada um vestindo o suéter do uniforme com o brasão da escola: um escudo decorado com dois corvos em cada lado de uma espada. Para minha surpresa, uma onda de nostalgia me invadiu. Talvez eu não tenha sido feliz frequentemente em Meia Noite — mas às vezes isso tinha acontecido. Aqui era onde eu tinha me apaixonado e feito muitos bons amigos. Aqui era onde eu tinha vivido. Minha felicidade durou só um momento, embora. Concentrei-me mais uma vez em Lucas. Ninguém o atacou, ou disse alguma coisa pra ele, o que eu tive que contar como um sinal positivo; aparentemente o discurso da Sra. Bethany tinha feito o truque. Mas se ninguém planejava matar Lucas, ninguém planejava perdoar e esquecer também. Todos os alunos vampiros o encararam, sem disfarçar a aversão. Lucas não diminuiu o passo — ele não era um cara que se deixava abalar — mas isso não significa que ele gostasse. Nós o encorajamos a vir aqui porque nós queríamos que ele se sentisse confortável sendo um vampiro, eu pensei. Como isso pode acontecer se todo mundo o rejeita? Toda vez que ele passava por um estudante humano, seu corpo inteiro ficava tenso; eu podia ver isso pela posição de seus ombros e as linhas de seu rosto. Mas determinadamente, ele não olhou diretamente para eles, e seus passos nunca desaceleraram. Sua determinação era tão forte quanto sua fome, pelo menos por agora. Lucas continuou, indo em direção à torre norte, onde os caras moravam. Eu fiquei com ele. Alguns flocos de gelo cristalizaram no peitoril da janela mais próxima de mim, e apressadamente futuei mais alto, mais perto do teto. Até eu aprender a evitar criar essa névoa, talvez seja melhor pra mim ficar aqui em cima, onde pelo menos niguém corria o risco de ver. A multidão começou a murmurar, como se houvesse algum tumulto. Eu olhei para trás e vi que os alunos estavam partindo - que alguém estava os empurrando de lado para se aproximar de Lucas. Aparentemente, a Sra. Bethany não conseguiu acalmar todo mundo. Encostei-me no canto. Lucas levantou a cabeça, ouviu o perigo antes de ter o visto, e virou o rosto para seu quase — agressor. Provavelmente era algum vampiro novo na Meia Noite, tentado apenas causar alguns risos, pronto para se transformar em um matador de novo na primeira vez em que se sentir como tal — como Erich, aquele idiota que tinha perseguido Raquel durante nosso primeiro ano aqui. Lucas seria capaz de lidar com alguém assim facilmente, eu sabia.
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Mas quando o agressor apareceu, era alguém que Lucas não podia lidar. Alguém que eu não podia lidar. Era minha mãe. Mamãe ficou de frente a ele, mãos na cintura, olhos selvagens. — É verdade? Diga-me. — Sua voz tremeu. — Eu quero que você olhe na minha cara e diga que é verdade. Lucas a olhou como se ele tivesse levado um soco no estômago. Quando ele abriu a boca para responder, Balthazar abriu caminho para onde eles estavam e agarrou o braço da minha mãe. — Aqui não, — ele disse calmamente. Mamãe nem sequer virou a cabeça, como se ela não pudesse ver ou ouvir Balthazar, mas depois de um momento, ela balançou a cabeça e seguiu em direção a uma das escadas. Era como se ela estivesse desafiando Lucas a não segui-la, mas ele seguiu. Balthazar começou a vir também, mas mamãe lançou um olhar que o congelou no lugar onde estava na escada. Ela o levou para um pequeno escritório no segundo andar. Eu fui junto, embora eu desesperadamente não quisesse ouvir o que eu sabia que viria em seguida. Assim que ele fechou a porta atrás deles, mamãe disse novamente, — Me diga se é verdade, Lucas. — É verdade, — Ele disse. Lucas parecia mais morto do que estava na noite depois que ele tinha sido assassinado. — Bianca morreu. Minha mãe cambaleou para trás, como se ela tivesse rodado muito rápido e ficado tonta. Ela desabou em lágrimas. — Ela devia viver pra sempre, — ela sussurrou. — Bianca ia ser nossa garotinha pra sempre. — Sra. Olivier, eu sinto muito. — Sente muito? Sente muito? Você convenceu a nossa filha a deixar sua casa e seus pais, abandonar a imortalidade que é de direito dela - seu patrimônio — e ela morre, se vai pra sempre, e a única coisa que você diz é que você sente muito? — É tudo que eu posso dizer! — Lucas gritou. — Não há palavras para isso! Eu teria morrido por ela. Eu tentei. Eu falhei. Eu me odeio por isso, e se eu pudesse voltar atrás eu voltaria, Mas... Mas... — Sua voz se transformou em um soluço. Ele se recompôs e conseguiu dizer, — Se você quiser me matar, eu não vou te impedir. Eu não vou sequer culpar você.
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Minha mãe balançou a cabeça. Lágrimas escorriam pela sua face, e algumas mechas coloridas de cabelo estavam grudadas no seu rosto corado. — Se você se odeia tanto quanto você diz — se você a amava um décimo do quanto nós amávamos — então você merece a imortalidade. Você merece viver para sempre, pra poder sofrer eternamente. Lucas estava chorando, também, mas ele nunca virou a cabeça, se esforçando para manter contato com os olhos de minha mãe. Era mais do que eu podia agüentar. Isso não foi culpa de Lucas. Foi minha culpa. Por um segundo considerei aparecer. Se minha mãe visse que algo de mim viveu, talvez ela não sofresse tanto. Mas no momento, eu estava muito envergonhada por ter magoado ela pra mostrar a minha cara. — Isso não acabou, — mamãe disse. Ela empurrou Lucas cegamente quando passou no corredor. Ele desabou na cadeira mais próxima. Eu queria tomar forma e confortar ele, mas eu tinha a sensação de que me ver como um fantasma não seria tão confortante pra Lucas agora. E tinha outra coisa que eu precisava fazer. Eu segui minha mãe ao longo do corredor. Ela tinha enxugado o rosto, mas não tentou disfarçar de nenhuma outra forma o fato de que ela tinha chorado. Vários dos alunos, vampiros e humanos, lhe lançaram olhares curiosos, mas ela não pareceu se importar. Subimos as escadas de pedra da torre sul, todo o caminho até o apartamento da minha família. Meu pai estava deitado no sofá, seus braços estavam em torno de si e os seus olhos sem brilho. Ele não olhou pra minha mãe quando ela entrou. Papai tinha colocado um de seus discos antigos — um que eu reconheci, com a música de Henry Mancini que eu gostava muito quando era criança. Audrey Hepburn estava cantando ―Moon River‖ — É verdade, — mamãe disse em voz baixa. — Eu sei. Eu acho... Eu acho que sabia há muito tempo. Só não queria... — Papai fechou os olhos com força, como se estivesse se fechando pra mamãe, para memória e para todo o resto do mundo. Minha mãe se esticou no sofá ao lado dele, o envolvendo com seus braços. Quando ela colocou a bochecha contra seu cabelo vermelho escuro, seus ombros começaram a tremer com soluços altos. Eu não podia suportar isso mais. Não importava o quão envergonhada eu me sentia, não importava o quão difícil isso ia ser, não podia ser pior do que ouvir eles sofrerem. Era hora de eu aparecer pra eles, revelar o que tinha acontecido.
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Mas quando eu me preparei pra tomar forma, enquanto eu lutava para encontrar as palavras certas para dizer, em primeiro lugar, minha mãe disse sufocada, — Que Deus amaldiçoe os fantasmas. Eu congelei. — É culpa deles, — ela continuou. — O que aconteceu com ela é culpa deles. Papai a puxou pra mais junto dele. — Eu sei querida, eu sei. — Eu os odeio. Eu odeio todos eles. Enquanto eu estiver na terra, nunca vou parar de odiar eles... — Sua voz se transformou em soluços outra vez. Eles odiavam os fantasmas, por terem tido uma influência sobre mim, por assombrarem Meia Noite, por meramente existir. Se eu aparecesse, eles não pensariam mais em mim como sua garotinha. Eu seria apenas um monstro. Do jeito que Lucas vinha sendo nada mais do que um monstro pra Kate. Eu nunca soube o quanto eu precisava do amor deles até eu perder. Então eu não apareci pra eles. Como eu poderia? Eu só teria piorado as coisas pra eles e pra mim, por mais impossível que algum momento parecesse pior do que aquele. Comparado a isso, morrer tinha sido fácil. Mas eu fiquei ali por um longo tempo, os vendo chorarem. Eu merecia ver aquilo. Eles choraram até adormecerem, mas eu não pude me convencer a sair. Vaguei pelo meu antigo quarto por um tempo. Aparentemente a maioria das coisas da minha família tinha sobrevivido ao fogo, porque muitas das coisas permaneceram lá. O Beijo de Klimt ainda estava pendurado em uma parede, brilhando, amantes ideais que, na minha mente, simbolizavam Lucas eu eu. Nós vamos voltar àquele lugar, eu pensei. Nós vamos achar um jeito. Eu flutuei através da janela, não me incomodando com a névoa, até eu me sentar novamente ao lado da minha velha amiga, a gárgula. Suas asas de pedra eram da mesma cor que o anoitecer cinza do outono. — Lembra-se da vez que a gente conversou aqui? Assustada, me virei pra ver Maxie sentada perto de mim — na verdade a alguns centímetros da janela, mas uma vez que você é
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fantasma, gravidade não importava muito. Ela estava sorrindo como se esse fosse o melhor dia de todos os tempos. — Maxie, o que você está fazendo aqui? — Uh, dizendo olá? Como na ultima vez que nos encontramos aqui. Você descobriu como embaçar o vidro, pra eu poder escrever sobre ele. Foi quando eu decidi que talvez você não fosse terminantemente estúpida. Eu tinha embaçado o vidro com minha respiração — um truque que eu jamais poderia fazer de novo. — Não leve isso pro lado pessoal, mas honestamente, eu não posso lidar com essa coisa da ironia agora. — Largue de ser mal-humorada, garota morta viva. — Maxie. Não. — Eu não podia me sentir bem sobre ser um fantasma, sobre estar morta, depois de ver o que minha morte tinha causado aos meus pais. — Você não está sozinha, sabe. — Maxie tentou fazer isso soar casual, mas eu sabia que ela estava dando o melhor que podia. Depois de décadas sendo isolada do mundo vivo, exceto pelas visitas de Vic, ela não era muito boa nessa coisa de interação social. — Você não tem que ter medo de nós. Mas eu tinha. Ir ―ter uma conversa com Christopher‖ soou como aceitar minha morte, e no momento, eu não podia. — Hoje à noite não, tudo bem? Ela hesitou, claramente desapontada, mas depois ela desapareceu. Depois de um segundo, eu percebi que Maxie estava certa sobre uma coisa: Era hora de eu parar de meditar e ir até Lucas. Há essa hora, talvez ele já estivesse pronto pra me ver outra vez, fantasma ou não. A maneira mais fácil de descer mostrou-se ser indo junto à parede da torre, sentindo as pedras passar por mim. Logo que cheguei ao telhado novo, eu podia sentir que ele era muito mais resistente a fantasmas do que antes, mas eu poderia entrar pela porta da frente ou pela maioria das janelas. Atirei-me pra dentro e pra fora, achando meu caminho, memorizando passagens no caso de eu precisar usar elas mais tarde.
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Ocasionalmente, senti uma pequena ondulação de energia por trás de mim, ou num canto oposto a mim, e imaginei que Maxie estaria vindo logo atrás. Mas ai eu percebi que não era ela. Isso — eles — eram os outros fantamas. Christopher? Eu pensei, com uma pontada de medo. Ele era o outro único fantasma eu tinha encontrado na Meia Noite. Mas a sua presença era uma presença poderosa e inconfundível, que eu não percebeia aqui. E havia vários deles: dois, três, cinco, dez, talvez mais. Eles eram apenas fragmentos de nevoeiro, auras de sensação, provavelmente invisíveis pra quem não era fantasma, também. Isso me lembrou de quando eu tinha sido um vampiro, o jeito que eu comecei a ser capaz de só sentir quando outro vampiro estava perto, vendo ele ou não. Eu não estava exatamente vendo esses fantasmas — mas com as trilhas que eles deixavam eu sabia que eles estavam aqui. O plano da Sra. Bethany de atraí-los através dos alunos humanos tinha obviamente funcionado. Nós sempre quisemos saber por que ela estava caçando os fantasmas, eu pensei. Eu acho que vamos descobrir logo. Fui através da torre norte, procurando enquanto eu passava. Na maior parte eu vi um monte de caras vampiros curtindo em seus quartos, bebendo sangue e se gabando de quanto sexo eles fizeram durante suas férias de verão, e outros poucos quartos com caras humanos que estavam curtindo, comendo batata frita e se gabando — com menos credibilidade — sobre quanto sexo eles fizeram durante as férias de verão. Se eu tivesse um corpo, eu teria revirado meus olhos. Então eu cheguei a um quarto onde os seus dois habitantes estavam sentados em lados opostos a um tabuleiro de xadrez, e eu sorri. — Esse peão é uma rainha agora, baby, — Vic disse. — Engole essa. — Sua alma é tão desonesta quanto suas estratégias. — Ranulf franziu a testa enquanto ele pensava no que fazer a seguir. Eu me manifestei, tomando uma forma visível. Tanto Vic quanto Ranulf pularam, mas depois ambos sorriram. — Hey, senhorita fantasmagórica. — Vic se levantou da cadeira, como um velho cavaleiro a moda antiga. — Como vai indo? — Não tão bem, — admiti. — Como vocês estão? — Nós agora competimos pela cama mais desejável, longe da janela, onde vai ser menos frio no inverno, — Ranulf disse.
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— Mais tarde, o Ipad do Vic vai ser usado para assistir o filme que o vencedor escolher. Temos muito em jogo. — Em outras palavras, está tudo bem. — Vic fez uma pausa. — Pelo menos nesse quarto. No sexto andar, você vai encontrar dois caras que estão tendo um dia ruim. — Então a Sra. Bethany os deixou ficarem juntos? — Balthazar tinha dito que ele iria sugerir isso, e tendo em conta as atitudes dos outros vampiros em relação a Lucas, fez sentido pra Sra. Bethany concordar. Mas eu me senti melhor tendo certeza. — Bem, isso é alguma coisa, de qualquer forma. Vic ficou estranhamente quieto por uns segundos. Ele evitou meus olhos, ao invés ele estudou o velho poster do filme Elvis Presley que ele tinha pregado em sua parede. Então disse, — Eu devia ter me oferecido. A ficar em um quarto com Lucas, eu digo. Ele precisa dos amigos do lado dele — eu sei disso — mas eu só... — Não, Vic, tá tudo bem. Lucas devia estar com Balthazar, porque ele vai ter um monte de perguntas que somente um vampiro mais experiente podeira responder. — Existiam outras razões para Vic não ter precisado dividir um quarto com Lucas agora, mas lembrar ele delas não ia fazer bem a ninguém. — Não foi o que eu quis dizer. Eu quero que Lucas saiba que eu acredito nele. Sabe? — Eu sei. Mas... Dê um tempo. Não apresse nada. Vic assentiu e não falou mais. O momento estava ameaçando se tornar desagradável quando Ranulf triunfante deslizou sua rainha em diversos quadrados. — Acredito que a parte de cima do beliche vai ser minha. — Oh, cara. — Vic fez uma careta, e eu tive que sorrir. Dizendo tchau, eu me desmaterializei de novo e fui mais longe, pro sexto andar. Depois de procurar por alguns quarto, eu achei Lucas e Balthazar. Eles já estavam dormindo. Não é à toa que eles já tinham ido para a cama - esse dia tinha sido desgastante e traumático para ambos. Eu não achei que eles tinham desfeito as malas. A metade de Lucas do quarto estava mais bagunçada do que nunca, enquanto Balthazar parecia ter parado de se mudar assim que ele colocou um maço de cigarros e um isqueiro no peitoril da janela. Balthazar, tão alto e largo que quase não cabia em seu beliche, estava
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virado de frente pra parede. Já como um caçador, Lucas dormia de costas, mãos grandes e marcadas sobre o cobertor, o melhor jeito de pegar uma arma rapidamente, se necessário. A única vez que ele tinha se livrado daquilo foi quando ele me segurou durante toda a noite. Embora eu soubesse que eles precisavam dormir, me senti mal porque eu não tinha visto Lucas de novo, mesmo que fosse só para desejar bom sonhos. Então eu me lembrei de algo que Maxie havia me ensinado antes da morte de Lucas, e sorri. Talvez eu pudesse dizer boa noite a ele, afinal. Eu me concentrei na forma de Lucas dormir, torcendo pra que ele estivesse sonhando. Se eu me lembrasse certo, era um pouco como mergulhar em uma piscina — empurrando para baixo, para dentro, cada pedaço de mim em uma linha exata — Instantaneamente, eu estava dentro de sonho de Lucas. O ambiente era familiar — esse era a sala de registros no topo da torre norte. Finas teias de aranha cobriam o canto da sala, e páginas cor de ouro sépia estavam espalhadas aqui e ali. Sra. Bethany usava isso para guardar registros que não seriam mais de serventia para ela, como os boletins de 1853 e coisas similares. No entanto, muita coisa aconteceu aqui nos últimos anos. Este era o lugar onde Lucas tinha lutado — e matado — Erich, um vampiro que tinha perseguido Raquel. Este era o lugar onde Balthazar e eu haviamos procurado pistas o sobre o plano da Sra. Bethany. E aqui Lucas e eu tinhamos nos reunido depois que ele soube que eu era filha de vampiros. Ele tinha me aceito, independente de qualquer coisa, assim como eu tinha aceitado ele. Boa coisa, também, eu pensei. Dada à forma como mudamos muita desde o ocorrido. Lucas estava na janela, olhando para o céu da noite. Seu cabelo estava um pouco mais longo, como tinha sido quando nos conhecemos. Eu sorri, percebendo só agora que eu tinha um corpo, ou o que passava por um no mundo dos sonhos. Isso significava que eu podia tomar Lucas nos meus braços, e podiamos compartilhar tudo o que nossas horas de vigília nos negaram. Aqui, nos sonhos, nós podiamos estar sozinhos e seguros. Quando cheguei mais perto dele, notei que ele tinha uma estaca em uma das mãos — estranho, eu pensei. Então a porta atrás de nós se abriu.
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— Toc, toc. — Para meu espanto, Erich entrou pela porta. — Raquel? Obrigada pelo convite. Sabia que você mal podia esperar pra me ver. — Sua expressão mudou de gananciosa para aborrecida quando ele vislumbrou Lucas na janela; Eu não podia dizer se ele tinha me visto ou não. — O que diabos você está fazendo aqui? — Esperando para ver se eu consigo forjar a caligrafia de Raquel bem o suficiente para fazer você chegar até aqui, — Lucas disse. Ele passou direto sem olhar para mim. Aparentemente eu não tinha um papel importante neste sonho. — Parece que sim. — Você fez um jogo estúpido pra me pegar sozinho? O que você é, algum viado ou coisa assim? — Seria seu dia de sorte se eu fosse. — Lucas circundou Erich, seu corpo inteiro tenso e pronto. No momento em que ele estava entre Erich e a porta, ele deixou Erich ver a estaca. — Mas não é seu dia de sorte. — Cruz Negra, — cuspiu Erich. — Vampiro, — Lucas disse, com um ódio tão profundo que parecia reverberar dentro de seus ossos. Eles se lançaram um sobre o outro, predador e caçador. Eu gritei quando eles cairam no chão, as mãos de Erich se fechando em torno da garganta de Lucas. Isso não é real, eu disse pra mim mesma, mas isso não era exatamente verdade. Sem dúvida essa era uma lembrança de Lucas do final de sua luta com Erich. Eu nunca duvidei que Lucas tivesse feito o que ele teve que fazer, mas eu nunca percebi o quão perigoso tinha sido pra ele. Quanto medo ele deve ter tido, pros pesadelos continuarem voltando. Enquanto Lucas e Erich lutavam, o bracelete de couro castanho de Raquel caiu no chão. Devia estar no bolso de Erich. Lucas empurrou Erich pra longe, dificilmente, e arfou, — Pegando troféus? Marcando sua presa? — Raquel vai ser minha, — Erich disse. Suas presas estavam à mostra, deformando seu sorriso. — Eu a teria tido semanas atrás se sua namorada estúpida não tivesse entrado no caminho. — Então eu estou fazendo isso bem em tempo. — Lucas chutou uma das torres de caixas velhas, as derrubando bem em cima de Erich. Mas Erich, como qualquer monstro em um sonho, de repente, parecia
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estar parado em outro lugar e atacou Lucas vindo totalmente de outra direção. — Você sabia que sua namorada é uma de nós, também? — Erich o provocou, enquanto colocava as mãos em volta da garganta de Lucas. — Ou você é estúpido o bastante pra não notar que você está fodendo uma vampira? — Deixe Bianca fora disso! — Lucas disse sufocado, empurrando Erich pra longe. Erich apenas sorriu. — Eu não vou deixá-la fora disso. Tudo que eu fizer com você aqui? Ela vai ganhar o dobro. Antes de eu acabar, você vai estar morto, e ela vai estar pior do que morta. Muito pior. Isso fez Lucas perder a concentração; seu foco da luta se abalou quando ele cedeu á raiva. — Eu nunca vou deixar você machucar ela. — Ele desferiu um soco forte em Erich; Erich se esquivou com o poder sobrenatural do pesadelo. É um sonho. Eu lembrei a mim mesma vigorosamente. Você pode aparecer pra ele em seus sonhos. Apena invada o sonho e o mude. Leve esse sonho de volta para vocês dois. — Lucas? — Eu chamei, me atrevendo a andar pra mais perto da luta. Não era como se Erich pudesse me machucar. — Lucas, é a Bianca. Olhe pra mim. Apenas olhe pra mim! — Eu acho que ele está ocupado. — Charity disse. Virei-me pra ver ela empoleirada em outra torre de caixas, usando um vestido fino cinza, os cabelos emaranhados como um ninho de rato. Ela devia ter sido uma das gárgulas — a mais monstruosa de todas elas. Charity sorriu pra mim, os olhos brilhando na noite como os de um gato. Claro que Lucas sonhou com ela, também. Ela o matou. Mas quantos monstros eu teria que banir do sonho de Lucas, só pra ganhar algumas horas pra gente? — Lucas! — Eu gritei. Atirei-me em direção a batalha, me deslizando entre Lucas e Erich. — Olhe pra mim! — Bianca? — Lucas olhou horrorizado. — O que você está fazendo aqui? As mãos de Erich me agarraram por trás, fortes como ferro. — Hey, Lucas — quer assistir sua namorada sofrer?
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— Não! — Lucas me segurou, me puxando pra trás. A luta parecia totalmente real. — Lucas, ele não pode me matar. — Eu disse enquanto tentava me livrar do aperto de Erich. Seus dedos pareciam garras se cravando na minha carne; era difícil lembrar a mim mesma que isso não era real. — Ele não pode te machucar, tampouco. É um sonho. Não se lembra? Ele não podia me ouvir. O pânico tomou conta dele — seu medo pela minha vida era muito maior do que ele já tinha tido pela dele. — Bianca, agüente firme! Lucas continuou tentando golpear Erich com sua estaca, mas Erich me arrastou para um lado e pro outro, usando meu corpo para bloquear os golpes. — É você que vai matar ela, caçador, — Erich zombou. — Você vai cremá-la pra fazer a dor parar. Você se lembra daquelas antigas histórias que eles te contaram na Cruz Negra? Sobre a pior tortura que você pode utilizar em um vampiro? Mergulhar a estaca em água benta, apunhalar tão profundamente pra que a água benta se espalhe pelo seu sangue — e então eles ficariam paralisados pra sempre. Não podem acordar, não podem se mexer. Eles só ficam lá sentindo como se estivessem sendo queimados vivos por toda a eternidade. — Eu nunca fiz isso, — Lucas arquejou. — Nem mesmo com canalhas como você. Você, eu vou só matar. — Eu vou experimentar isso. — Erich falou ao lado de meu rosto; Eu podia sentir seu hálito fresco de morto vivo contra meu pescoço. — Eu vou experimentar isso com Bianca. Ela vai ser como a Bela Adormecida, mas você vai saber que ela não está dormindo. Você vai saber que ela está queimando pra sempre. Ninguém será capaz de ouvi-la gritar, mas eu aposto que você vai. — Você não vai ter a chance, — Lucas jurou, mas eu podia ver seu medo aumentar. Quando ele arriscava sua própria vida, ele podia ficar calmo; quando se tratava de mim, ele perdia a calma. Finalmente eu me lancei pra frente, me soltando do aperto de Erich. Linhas cortantes de dor chicotearam meu ombro — as unhas de Erich, eu pensei — mas eu não me importei quando atingi o chão. Lucas se atirou em Erich, mandando os dois para baixo. A batalha estava desvairada agora, sangue de cortes abertos salpicavam a parede.
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Meu sangue prateado brilhante escorria entre meus dedos. Brilhava no chão, se misturando com o sangue vermelho de Lucas de um jeito que parecia bonito, quase hipnotizante. Saia daí! Eu disse a mim mesma. Eu estava em choque. — Oh, isso é divertido, — Charity riu do lugar que ela estava sobre as caixas. Ela bateu palmas como uma garotinha que havia acabado de ver seu bolo de aniversário. — Salve ela, Lucas! Salve ela enquanto você pode! Ou... Talvez você não possa? O rosto de Lucas assumiu uma expressão que eu reconheci, embora eu só tenha a visto uma vez. Nunca poderia ter esquecido o olhar de puro tormento que ele tinha ao lado da minha cama na noite em que eu morri. Naquele momento eu percebi que eu não podia tirá-lo dessa memória. Eu não podia fazer nada nesse sonho exceto o fazer ser mais assustador pra Lucas. Isso significava que tinha que partir. Fechei meus olhos e me afastei de todos. Afastei-me dele. Quando eu podia ver novamente, estava no seu quarto escuro, no pé de sua cama. Lucas se contorceu sob seus lençóis, depois saiu da deriva do pesadelo para um sono mais profundo, sem sonhos. Pelo menos acabou. Eu disse a mim mesma. No entanto, mesmo na minha forma pura, eu podia sentir dor física; isso nunca tinha acontecido antes. Confusa, eu olhei pra dor lascinante no meu obro. As linhas dos arranhões de Eric ainda eram visíveis na minha pele, e em cada um deles brilhavam gotas de sangue prateado.
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Capítulo Sete Saí do quarto, atravessando a porta e descendo o corredor como se fosse mortal. Mais tempo deve ter passado do que eu tinha percebido, porque quase todos estavam quietos, dormindo, ou, pelo menos, se preparando para a noite. Embora eu quisesse muito rever Vic e Ranulf, na esperança fraca de que eles poderiam me animar, eu não ia despertá-los pelas minhas próprias razões egoístas. Sem eles, percebi, não havia literalmente mais ninguém no mundo que eu podia falar, ou mesmo olhar, sem causar dor. Como nós estragamos tudo? Pensei, enquanto descia as longas e sinuosas escadas de pedra. Ao meu redor eu podia ouvir o crepitar do gelo. Estava deixando evidências, mas neste momento importava muito. A única coisa que sempre quisemos foi ficar juntos e viver honestamente, sem todas as mentiras. Como é que tantas pessoas se machucaram? Pela primeira vez, percebi o quão fácil seria seguir o conselho de Maxie e deixar de ir ao mundo dos mortais completamente. Sem esforço, sem pensar a deriva dentro da névoa azul... Parecia realmente bom para mim agora. Teria sido um alívio estar livre da tristeza e culpa, da responsabilidade para as pessoas que eu tinha deixado para trás. Isso era o que tinha acontecido para os fantasmas presos na Academia Meia Noite? Talvez preso não fosse a palavra certa. Isto poderia ser um santuário para eles também — um lugar onde eles não tiveram que permanecer em seus antigos redutos e habitações, zombados pela vida que tinham perdido. Mas a Sra. Bethany tinha atacado Maxie uma vez, e não era amiga dos fantasmas. Não havia nenhuma maneira que ela tivesse construído este lugar como um refúgio para eles. Timidamente, eu estendi a minha consciência, buscando os fantasmas de outros que viveram aqui. Você pode me ouvir? Sem resposta — mas eu podia sentir uma mudança no ar, como se alguém estivesse observando. Em seguida, as visões começaram a inundar minha mente. Eles eram como sonhos vívidos, quase alucinações, exceto que eu sabia que eles não vinham de dentro de minha própria mente.
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As aparições foram me forçando a vê-los: vampiros, cada um deles na sua forma mais monstruosa, como se os alunos estivessem em uma Meia Noite suja, sangrenta, e com presas. Eles estavam atacando os alunos humanos nos corredores, nas salas de aula. Um brutal ataque após o outro. — Nada disso é verdade — eu disse, esperando que eles pudessem ouvir. — A maioria deixa os alunos humanos em paz, e quando alguém erra, a Sra. Bethany vai com tudo sobre eles. Os seres humanos que vocês seguiram até aqui - eles estão seguros. As aparições não devem ter acreditado em mim. Cada imagem se intensificou, chegando mais perto, e agora tinham som — gritos - e cheiro — de sangue. Desgostosa, tentei desviar, mas como você pode se afastar de algo em sua própria cabeça? Um dos vampiros nas visões de repente ficou azul e se transformou em gelo. Eu assisti, fascinada e horrorizada, quando profundas fissuras apareceram na sua carne o endurecendo, fragmentando suas bochechas, lábios, a cabeça inteira. Ele caiu numa poça de lama e sangue, e eu sabia que era o que os fantasmas esperavam fazer para os vampiros. O que queriam que eu ajudasse-os a fazer. Eu não estou vocês a atacar ninguém! E só com isso, eu estava sozinha. Nada desapareceu ou foi embora, mas eu simplesmente sabia que não estariam mais me dando atenção. O que os fantasmas vão fazer? Se eu estava apavorada antes, era muito pior agora. Eu aprendi sobre alguns novos poderes, mas nada que pudesse me defender ou meus entes queridos contra um ataque como esse. Poderia os fantasmas ferir Lucas? Balthazar? Meus pais? Se eles tentassem alguma coisa, eu seria capaz de ajudar? Não, eu pensei, a depressão afundando cada vez mais em mim. Não há nada que eu possa fazer para qualquer um deles. Eu sou inútil. Eu estou morta. Perambulava pelo grande salão no piso térreo, que parecia maior quando estava sem alunos. Embora sempre fosse um espaço majestoso, tornou-se mais bonito e austero quando se estendeu vasto e silencioso. A luz da lua se transmitia através dos muitos manchados vidros das janelas, que se estendiam do chão ao teto, mas ela era mais brilhante através da janela de um vidro simples.
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O vidro manchado original havia sido destruído por um membro da Cruz Negra — um antepassado de Lucas — fazendo sua fuga. Lucas tinha danificado ele próprio uma vez, talvez vivendo com a tradição de família. Eu sempre me perguntei por que a Sra. Betânia não o reparou para que se parecesse com os outros. Agora, finalmente, eu entendi. Ela tinha deixado isso acontecer para ela sempre se lembrar. Então, ela nunca seria negligente novamente. Este edifício foi cicatrizado. Lucas foi marcado. E eu também senti que nunca iria me curar. Eu estava presa para sempre com meus pesares, e cortada do mundo dos vivos. Lucas sofria da mesma forma. A principal diferença era que ele podia terminá-lo por si mesmo e ia provavelmente, se ele não estivesse sofrendo ao redor por minha causa. Naquele momento, senti que tudo que eu já fiz foi ferir a todo mundo que tinha tentado me amar. Sentia-me inútil. Eu queria desistir. Eu vi que eu estava perto da biblioteca da escola. Provavelmente não havia nada ali preciso sobre os fantasmas, mas talvez houvesse. Resolvi pesquisar e ver. Nesse ponto, uma pergunta pairava em minha mente, maior do que qualquer outro: se tinha alguma maneira de os fantasmas, bem, morrer. Mais uma vez. Para sempre. Não que eu queira fazer nada muito drástico naquele momento, mas eu tinha que saber se tinha uma forma, algum jeito. E talvez, só talvez, eu estivesse começando a querer tomá-la. A biblioteca teria me animado na maioria dos dias. Adorava as mesas de carvalho pesadas, as altas paredes empilhadas com os livros até teto, o cheiro de mofo das páginas antigas e as luminárias de bronze pesadas que ficaram escuras com a idade e o uso. Lembrou-me de sair com Raquel ou flertar com Lucas, ou estudando com Balthazar. De tudo feliz, simples, e vivo. Eu não pertencia mais a isso. Resolutamente eu viajei mais longe na biblioteca, perguntando onde poderiam estar guardados os livros relacionados com fantasmas - e senti a parede começar a puxar-me pra dentro. Foi revoltante, esmagador, como aquela sensação terrível quando você está olhando por uma borda alta, e por um segundo, sente que você quer saltar, só que desta vez a atração foi tomando conta de mim, se eu queria ou não. A parede leste da biblioteca tinha algum magnetismo estranho que me amarrava no meu núcleo. Uma vibração grossa amorteceu cada som e quase me ensurdeceu, uma espécie de estática turvou a minha visão. Eu tentei me tornar mais substancial, talvez assim eu pudesse empurrar-me para trás, mas eu não podia ficar inteiramente sólida. Uma
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lacuna estranha, preta - não no mundo, mas em meus sentidos — estava se abrindo na minha frente, me rebocando. De dentro dessa lacuna, eu podia ouvir gritos terríveis. Eu percebi que eles eram os gritos de outros fantasmas aprisionados por aquela força que me mantinha. Seriam os mesmos que havia me insultado antes? Outros? Não havia como saber. De qualquer forma, eles não poderiam salvar-se, muito menos eu. — Tem alguém aí? — Gritei. — Alguém me ajude! Alguém pode me ouvir? — Não havia respostas. Bem, você queria morrer, disse a voz viciosa na minha cabeça. Eu me perguntava se eu estava errada até mesmo por lutar contra isso. Talvez eu precisasse deixar acontecer. Então eu percebi que se eu fizesse isso, nunca iria ver Lucas de novo, ou a quaisquer outras pessoas que eu amava. — Lucas, — eu gritei. Minha mente preenchida com a imagem da cena do pesadelo em que eu o abandonei, e eu imaginei-me na sala de registros. Ela se solidificou em torno de mim, tomando forma. Lucas e Erich estavam novamente trancados em batalha - no sonho. A luta tanto mais longa que a verdadeira, poderia ter sido suada e sangrenta. O pesadelo começou novamente, essa era aparentemente uma noite de longo tormento para ele. Charity tinha desaparecido, como qualquer outro capricho nos sonhos, mas de outra forma tudo era tão terrível. Desta vez, porém, tive que abrir passagem. Mais uma vez, com cada pedacinho do meu poder, e chamei, — Lucas! Ele desviou sua atenção de Erich, assustado. A expressão de Lucas era tão confusa, que eu pensei que ele não podia me ver, mas ao menos ele poderia ouvir. — Lucas, isto é um sonho, apenas um sonho. Estou na biblioteca e algo me tem — você tem que encontrar-me! A cena desapareceu tão depressa como tinham chegado. Eu tinha conseguido? Ou foi apenas o meu próprio pensamento ilusório? Agora o fosso escuro tinha engolido quase tudo o que podia ver, tudo o que eu poderia sentir. Da minha audição, tudo o que restava era o pranto das outras aparições. Eu poderia chamar Maxie ou Christopher, mas eu não sabia se eles iriam me ouvir, ou se Maxie iria responder se eu pedisse sua ajuda. E se eu os arrastasse, também? Um arrepio passou por mim, e eu podia sentir os vaporosos contornos do meu corpo começarem a se dissipar. Oh, não, não, não, é isso, esse é o fim.
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— Bianca! — Lucas! — Eu tentei olhar para ele, mas eu poderia ganhar apenas o sentido mais fraco dele na sala. Ele era um esboço, uma radiação de energia, o medo e o amor, nada mais. — Ele me tem. — Me dê sua mão! — Ele quis dizer, formar uma mão, dar-lhe algo para segurar, eu entendi isso. Eu só não tinha certeza que eu poderia fazer isso mais, ou que isto iria fazer algum bem. Nenhuma força física simples poderia puxar-me para trás a partir do vórtice. Mas eu queria segurar a mão de Lucas, pelo menos uma vez mais, mesmo que eu não pudesse fazer mais nada. Assim, com cada grama de força e concentração, eu pensei sobre o lugar onde a mão deveria ser, e esculpi a imagem do pulso, a palma e os dedos. A forma suave azul apareceu, frágil como um fio de fumaça. Não era nada como deveria ter sido, talvez fosse o que parecia os fantasmas antes de desaparecessem para sempre. Em seguida, Lucas enrolou algo em torno de meu pulso. A pulseira! Eu vi o coral e a prata no mesmo segundo em que senti um solavanco de poder interno. Num instante, meu corpo tornou-se sólido, e eu caí dura no chão. A dor que senti foi maravilhosa. Isso significava que eu era real, e que eu tinha escapado. Algo sobre me tornar sólida negava o poder do que seja que tinha me agarrado. Lucas caiu de joelhos e recolheu-me em seus braços. Em horror, eu vi a manifestação do vórtice que tinha quase me engolido — um redemoinho de névoa e escuridão que havia aberto na parede da biblioteca. Enquanto olhávamos, porém, encolheu e sossegou, suavizando em gesso desigual mais uma vez. — O que diabos foi isso? — Lucas disse, apertando-me contra seu peito. — Você está bem? — Eu acho que sim. — Minha voz tremeu, e eu me sentia um pouco como se eu fosse vomitar, se ainda tivesse um estômago. Mas a desorientação diminuía a cada momento. — Sra. Bethany não caça fantasmas apenas. Ela esta... aprisionando-os. — Isso é o que era aquilo? — Seus olhos se estreitaram. — Afastese. Lançando-se para trás, eu coloquei o máximo de distância que pude entre mim e a parede, enquanto Lucas foi até ela, passando a mão
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contra, e então, com toda a sua força de vampiro, perfurou-a. Pedaços cheios de pó de gesso com os fragmentos da parede caíram no chão. — Eles sabem que alguém esteve aqui — eu disse. — Deixe que eles saibam. Temos que compreender isso. — Lucas chegou à parede e tirou uma pequena caixa de metal. Curiosamente moldada, com curvas e ângulos estranhos: um pouco como uma concha de prata e obsidiana. A tampa foi aberta, revelando um interior de madrepérola. No começo eu pensei que não era mais que uma caixa de jóias antigas linda, mas depois — quando eu concentrei-me na madrepérola, na substância viva dentro de mim, senti seu puxão em de novo. Com a pulseira me fortalecendo e me mantendo sólida, eu não estava em perigo, mas a sensação ainda era aterrorizante. — Lucas, fecha isso! Coloque-o de volta! — Eu chorei. Ele fez, olhando para mim, alarmado. Mas logo que a caixa estava fechada, me senti à vontade novamente. Quando Lucas correu ao meu lado, eu disse: — Isso é uma armadilha. Uma armadilha para fantasmas. Se a Sra. Betânia colocou um aqui. Ela poderia tê-los por toda a escola. Ela está nos caçando e prendendo-nos. — Por quê? Pensei. O que ela pode desejar com a gente? É só ódio, ou algo mais? Ele franziu a testa enquanto me puxava para perto e abraçava. — Jesus. Não volte nunca mais aqui. — Não sem a pulseira, — eu disse, com um olhar para baixo, para ela. — Essa foi uma boa idéia. — Pense, independentemente do que estava atrás de você, você teria uma melhor chance, se pudesse revidar ao ataque. Eu esfreguei minha mão contra sua bochecha. — Você me ouviu. Em seu sonho. — Sim. — Lucas passou os dedos pelo meu cabelo, — Como você saia sobre esse pesadelo? Já tinha tentado me visitar antes? — Eu tentei, mas não podia abrir passagem. Eu não conseguia fazê-lo me ver. Seus lábios roçaram minha testa enquanto falava. — Bom, trabalhe isso. Nós podemos fazer melhor.
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— Tudo bem. — Percebi que esse era o primeiro momento que Lucas tinha parecido realmente ele mesmo, desde que ele tinha ressuscitado dos mortos. Salvando-me deu de volta a ele um senso de propósito — uma razão para estar aqui. E eu percebi que ele era minha razão de estar aqui, também. Lucas me estudou no luar escuro, uma vez mais focado e seguro. — Nós vamos desarmar todas essas armadilhas. Descobrir uma maneira de mantê-la longe delas. Nada vai acontecer com você, Bianca. Não outra vez. Não há nenhuma maneira de eu deixar que aconteça. E eu vou cuidar de você. Lembrei-me de como eu tinha tido medo por todos que amei, mesmo quando a armadilha estava sorvendo-me. Sim, eu estava morta agora, mas meu coração permanecia vivo. Pelo amor de Lucas, e pelo bem das pessoas que eu gostava — pelo amor que resistiu após a morte — eu tinha que encontrar um lugar neste mundo. Se isso significasse que eu nunca seria inteiramente parte dos mundos vivos ou mortos-vivos, bem, eu sempre tinha estado nas sombras. Eu sabia como fazê-lo, e talvez pudesse melhorar. Talvez não fosse uma vida após a morte pregada nos púlpitos ou imaginada por pintores que gostavam de harpas, asas e nuvens. Mas olhar pelas pessoas que eu amava parecia uma boa maneira de passar a eternidade. Quando Lucas me segurou com força, eu sabia que ele sentia a mesma coisa. Nós ainda tínhamos algo a perder, eu percebi. E algo para que lutar.
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Capítulo Oito Lucas e eu ficamos acordados boa parte do resto daquela noite, enrolados nos braços um do outro lá fora na grama. A morte havia nos deixado imunes ao vento do outono ou ao frio da terra macia abaixo de nós. Então, ficamos de conchinha embaixo de um dos grandes carvalhos, parcialmente cobertos pelas primeiras folhas caídas, à medida que o vento as espalhava sobre nós como um cobertor. As folhas eram das cores do nosso cabelo — vermelho profundo e ouro escuro. Éramos parte do outono. E, pela primeira vez em muito tempo, éramos verdadeiramente parte um do outro. — Você não disse que deveríamos deixar a Meia Noite, — sussurrei. — Não ache que eu não tenha pensado nisso. — Lucas acariciou a parte lateral do meu rosto com a ponta de seu nariz. — Detesto saber o quanto esse lugar é perigoso para você. Porém... Tenho que confiar em você para tomar suas próprias decisões sobre os riscos. Esse é o acordo que fizemos, e preciso obedecê-lo. Com a cabeça ainda confusa pela armadilha na biblioteca, e a dor dos arranhões no meu ombro, pensei comigo mesma se precisaria reavaliar os riscos na Meia Noite. Mas sabia que até Lucas estar mais preparado, permanecer aqui era nossa melhor opção. — Estou bem. — Eu o beijei, suave e profundamente. — Nada pior pode me acontecer. Na verdade — é como se finalmente pudesse ver quantas coisas boas ainda poderiam me acontecer; que há muito que eu posso fazer aqui, por você e por todos os outros. Lucas deu um meio sorriso. — Fantasma não, um anjo. — Há muito que você pode fazer aqui como um vampiro. Imagine quantos alunos meus pais ajudaram, ou com que freqüência Balthazar pôde nos socorrer. Estar morto... Não é a pior coisa que pode acontecer. Ele ficou em silêncio por algum tempo depois disso. Pensando. — É só... Essa fome. — Eu sei. — Se alguma vez eu perder o controle, e se eu ferir alguém... Matar! Alguém...
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— Não vai. — Eu queria muito acreditar nisso, e ajudá-lo a acreditar também. — Você é forte, Lucas. Ainda criança conseguiu passar pelo treinamento da Cruz Negra, que teria aniquilado alguns adultos. Você se infiltrou na escola com apenas dezenove anos de idade e se deu bem. Quero dizer, você enganou a Sra. Bethany. Provavelmente, você deve ser a única pessoa que fez isso por muito tempo. Disso ele realmente riu. Foi um sorriso pesaroso em vez de feliz, mas o que viesse era lucro. Simplesmente me senti muito bem estando ali com ele, sem o peso do mundo nos esmagando. Continuei listando os fatos — Você pensa por você mesmo, o que é bem mais raro do que deveria ser. Você pode admitir quando estiver errado, o que é ainda mais raro do que isso. Você é fiel e corajoso, e faz amizades pelo resto da vida. Tudo isso é parte de você. A melhor parte de você. Muito sério agora, Lucas sacudiu a cabeça. — Você está errada. — Escute-me... — Escute-me você. — Ele se aconchegou mais em mim. — Você é a melhor parte de mim. Sempre. Fechei meus olhos e descansei minha cabeça em seu braço, finalmente em paz — pelo menos por uma noite. No dia seguinte, a escola Meia Noite continuou ao longo de seu usual turbilhão de atividades — no seu próprio jeito, pensei — mais viva que seu próprio corpo estudantil. Os alunos se embolavam nos corredores, os vampiros elegantes e sofisticados, o restante imaginando distraidamente por que não conseguiam se encaixar. Percorrer os corredores agora era mais assustador, pois eu nunca sabia onde estaria a próxima armadilha. Mas fui devagar e procedi cuidadosamente. Até o momento, tudo bem. Estava procurando Lucas, pretendia segui-lo na aula. Não o distrairia; ele estava honestamente tentando fazer o curso dar certo, como um modo de passar tempo, nada mais. Depois da nossa reunião da noite passada, pareceu o suficiente apenas estar ao seu lado, e suspeitei que ele se sentisse do mesmo jeito. Então, vi alguém que se sentia mais solitária que Lucas — minha mãe.
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As roupas da mamãe eram as mesmas de sempre: uma saia simples, sapatos práticos, um suéter macio. Sue cabelo tingido de caramelo estava preso em um rabo-de-cavalo que ela usava desde sempre. Mas o entusiasmo havia lhe deixado, e não havia mais luz em seus olhos enquanto ela se arrastava pelo corredor em direção à sua aula de história do século XX. Quando flutuei atravez da porta de sua sala de aula, ela estava escrevendo no quadro. Li as palavras junto com os alunos: A GERAÇÃO PERDIDA. Vi alguns rostos conhecidos na sala, em especial o de Balthazar. Ele sobreviveu a isso e permaneceu mais ligado que os outros vampiros, mas eu percebi que ele provavelmente se increveu nesse curso em particular para ficar perto de minha mãe. Oh, claro, pensei. Agora estava pensativo. Por que não estava pensando quando Lucas mais precisou? Balthazar levou Lucas para a luta com a Charity, sabendo que Lucas não era ele mesmo — algo que eu ainda não tinha deixado pra trás. Mas para minha mãe, se não eu mesma, não conseguia evitar sentir alguma gratidão por ele e Patrice, que se sentou algumas filas à frente e provavelmente estava inscrita pela mesma razão, apesar de que ela jamais admitiria. — A GERAÇÃO PERDIDA. Era assim que chamavam as pessoas que atingiram a maior idade durante a Primeira Guerra Mundial — ou como chamavam então, a Grande Guerra. Alguém sabe por quê? — Mamãe perguntou de modo cançado. Ela estava dirigindo sua pergunta aos alunos humanos, é claro, ou pelo menos aos vampiros que haviam sido transformados depois daquela era. Havia um decreto não escrito na escola Meia Noite que contar com conhecimento histórico o qual você viveu era como colar. Skye Tierney, que se sentou na fileira da frente, levantou a mão: — Porque a Segunda Guerra Mundial ainda não tinha acontecido. — Correto. — O olhar de mamãe permaneceu alguns centímetros acima da classe, não envolvido com eles completamente. Círculos escuros formavam uma roda em volta de seus olhos. Parecia que ela não tinha dormido bem nas últimas semanas. — Porque eles não acreditavam que a humanidade poderia ser tão estúpida duas vezes. Alguns vampiros sorriram com desdém, obviamente imaginando que aquilo era um tapa na cara dos seres humanos, invés do que era de verdade — mamãe sendo fatalista. Balthazar fechou seus olhos por um momento como se tentando se proteger da estupidez deles.
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Minha mãe apertou o giz em suas mãos, um fino pó amarelado cobrindo seus dedos. Seu olhar estava distante, sua voz mais macia do que deveria ter sido para se dirigir a uma sala cheia de alunos. — A Primeira Guerra Mundial destruiu as crenças das pessoas em todos os aspectos da sociedade. As pessoas não conseguiam mais adorar um Deus Todo Poderoso depois que muitos de seus filhos e irmãos morrerem nas trincheiras. Os soldados que sofreram com gás de mostarda, tiros de metralhadora e fome já não conseguiam confiar no governo e nos generais que lhes tinham enviado para o front com promessas de uma guerra que duraria apenas alguns meses. As mulheres que tinham pegado folga do trabalho de guerra nas fábricas e administravam seus lares sozinhas durante anos, jamais poderiam se refugiar novamente. — Canetas arranhavam cadernos; teclados de laptops, clicados. Todo mundo pensou que isso cairia na prova. Eu diria que era apenas mamãe se perdendo em lembranças tristes. Ela continuou, — Algumas de nossas mulheres perderam todos que amavam. Cada promessa que fizeram para seus filhos para mantê-los a salvo... Essas promessas foram quebradas. Depois disso, você nunca poderia — eles nunca poderiam acreditar novamente. Oh, mãe. Eu queria tanto colocar meus braços em volta dela. Queria eu abraçá-la e dizer que tudo ficaria bem, ou era infantil o bastante para querer que ela me tranqüilizasse? Alguns dos vampiros — os mais antigos, que passaram por aquele tempo também — pareciam tão tristes quanto minha mãe; Balthazar de repente parecia extremamente interessado em seus sapatos. Percebi que nunca havia lhe perguntado o que ele fez naquela guerra, se é que fez. O que é que tenha feito então deve escurecer suas memórias, ou ele simplesmente entendeu a mentalidade da minha mãe melhor do que qualquer outra pessoa e sentiu-se mal por ela. Ajudar as outras pessoas, lembrei-me. Tomar conta deles, mesmo que esteja louca com eles. É por isso que estou aqui. Fui para lado dele. Seus dedos não estavam segurando o lápis muito apertado — tendo testemunhado esses eventos, ele aparentemente não viu necessidade em fazer anotações. Então, assumi o controle do lápis e escrevi, pelo punho dele, Você acha que ela está bem? Balthazar sentou-se muito rapidamente, mas se recuperou da surpresa rápido o suficiente. Seu aperto se intensificou conforme ele pegou o lápis de volta. Não, eu não acho.
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Ele afrouxou um pouco o lápis novamente, de modo que eu pudesse responder. E meu pai? Você acha que ele pode ajudá-la? Ele me pediu para deixar a sala dele. A lembrança seria muito dolorosa, ele disse. Então, parece que não. Bianca, porque você não aparece para eles? Detesto mentir que você se foi para sempre. Minha mãe e meu pai odiavam fantasmas. Fizeram tudo o que podiam para me impedir de virar um deles e não me diriam uma palavra sobre me transformar em qualquer coisa que não fosse um vampiro. As próximas palavras foram difíceis, mas me forcei a terminar: Tenho medo que eles me rejeitem e odeiem também. Eles são seus pais. Não fariam isso. Eles aceitariam você. Como a mãe do Lucas o aceitou? Ele não tinha uma resposta para isso. No seu acento, em frente a Balthazar, Patrice começou a tremer; aparentemente, a presença de um fantasma sempre criava uma sensação de frio no ar. Ela olhou por cima do ombro uma vez, obviamente curiosa sobre a causa da corrente de ar. Movimentei-me em direção à porta, impossibiliatada de aguentar mais disso, mas olhei prolongada e firmemente para minha mãe antes de deixar o cômodo. Cada vez que a via agora era como se fosse a última vez. Queria muito aparecer para ela e para papai. Imaginei-me aparecendo na frente deles, usando a bata branca e a calça de pijama com estampa de nuvem com as quais havia morrido e colocando o bracelete de modo que me tornasse sólida. Se fizesse isso, não haveria nada no mundo que eu quizesse mais que correr para os braços deles e sentí-los me abraçando novamente. Então, imaginava eles se afastando. Se eles fizessem isso — eu jamais me recuperaria. Os alunos começaram a falar sobre a futura viagem escolar para a cidade vizinha de Riverton daqui a alguns dias, mas não havia prestado muita atenção, porque duvidei que qualquer um dos meus amigos fossem participar. As viagens eram uma inovação recente — um mimo para os alunos humanos. Os vampiros costumavam evitá-las, porque chegar a Riverton incluia atravessar água corrente, o que para eles sempre envolvia arrepios, nauseas e algumas vezes um tipo de impacto. Além disso, qualquer coisa que os humanos adorassem era extremamente desagradável para os vampiros. O único humano com quem ainda tinha contato era Vic, que provavelmente ficaria na escola para passar um tempo com Ranulf. Contudo, meus planos estavam prestes a mudar.
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Depois da aula de minha mãe, enquanto os alunos lotavam os corredores, procurei por Lucas. Senti como se ele precisasse de mim, e depois de ver a angústia de minha mãe, precisava dele também. Mas, conforme cheguei à sua direita, a Sr. Bethany deu um passo suavemente à sua esquerda. — Sr. Ross. — Sra. Bethany, — ele disse, lançando um rápido olhar em minha direção; ele sentiu que eu estava lá e obviamente se sentiu protetor. Embora ambos soubéssemos que sou invisível, algo naquela mulher fazia parecer que ela me detectaria de algum modo. Porém, ela parecia estar pensando inteiramente em outra coisa. — Você ainda não colocou seu nome na lista de alunos da nossa primeira viagem para fora do campus. Lembro-me de que você gostava de excursões desse tipo. — Quando eu conseguia atravessar um rio sem querer vomitar, sim. — Tal desconforto é momentâneo, — disse a Sra. Bethany. — Isso pode ser superado. Lucas deu de ombros. — Não vejo razão. — Vou dividir um segredo com você, Sr. Ross. O segredo sobre como consegui suportar estar morta. O que faria a Sra. Bethany revelar algo tão pessoal? O rosto de Lucas parecia tão chocado quanto o meu. — Hmm, tudo bem. — Então ele se livrou de sua surpresa. — Na verdade, isso é algo que eu gostaria de ouvir. — Agora, eu suspeito, você está tentando esquecer o que você amava em estar vivo. — A saia da Sra. Bethany farfalhava à medida que ela abria caminho através da multidão, separando as pessoas para deixar um amplo espaço ao redor dela e de Lucas. — Para se distanciar dessas alegrias, acreditando estar separado delas para sempre. Mas isso é um erro. Lucas caminhou mais devagar, obviamente tentando aceitar isso. — Mas não é como se eu pudesse... Sei lá, comer um bom hamburger ou nadar no oceano...
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— Não. Algumas coisas estão encerradas para nós. Mas certamente você pode desfrutar do entretenimento que Riverton tem a oferecer. Nós fomos ao cinema clássico no nosso primeiro encontro. Ele comprou o broche para mim no brechó. Seria divertido visitar alguns daqueles lugares novamente, juntos. E dái se eu tivesse que me esconder? Chame isso de um encontro ―às escuras‖. Talves Lucas tenha compreendido o que eu estava sentindo, porque ele lentamente acenou com a cabeça. — É verdade. Eu ainda poderia ir. A Sra. Bethany sorriu em satisfação. — Lembre-se de sua vida, — ela disse. — Não abra mão dela mais do que você precisa. Então ela se endireitou, completamente formal mais uma vez. — Devo colocar o seu nome na lista de Riverton. — Obrigado. Enquanto vagávamos pelo pátio, sussurrei, — Eu estou tão feliz por você dizer sim. — Foi meio estranho, não foi? — Ele estava claramente pensando na Sra. Bethany. — Ela se abrir dequele jeito. Foi meio estranho. Mais que estranho. Eu sabia que deveria estar agradecida a ela — ela parecia estar cuidando do Lucas, do seu próprio jeito — mas ela me assustava muito para isso. Não queria mais falar, ou mesmo pensar nela. Era mais vantajoso me concentrar nos momentos melhores que estavam por vir. — Se isso nos levar de volta ao cinema, está tudo bem por mim. Lucas riu, e eu desfrutei o prazer de ser apenas mais uma garota, esperando pelo seu encontro do final de semana. Eu poderia ter simplesmente pegado o ônibus para Riverton naquele fim de semana, pairando sobre Lucas, mas concordamos que eu poderia acabar congelando as janelas. Em vez disso, ele levou o broche consigo para que eu pudesse voar para o lado dele quando chegasse lá. Lucas levou um longo casaco sobressalente e um conjunto de moletom em sua mochila. Dessa forma, se fôssemos os únicos estudantes da Meia Noite no cinema, como de costume, eu poderia me tornar sólida e poderíamos passar um tempo juntos como antes. Talvez fazer amor como antes. Eu definitivamente esperava por isso.
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Minha impaciência só cresceu na meia hora depois do ônibus sair. Parecia uma eternidade esperar pendurada no telhado ao lado de uma das gárgulas, deixando a chuva suave passar através de mim. Sabia que não havia lógica em ir até Lucas antes que ele de fato estivesse em Riverton, mas estava muito ansiosa para chegar lá. Especialmente para o cinema, o lugar em que tivemos nosso primeiro encontro. Ele era tão precioso para mim que eu conseguia imaginar cada pedaço de arabescos dourados nas paredes, as cortinas de veludo vermelho, os cartazes - espera. Será que eu o amava o suficiente para ligar-me a ele? Será que era um dos lugares para o qual eu poderia instantaneamente viajar e assombrar, depois da minha morte? Valia a pena tentar, decidi. Desapareci um pouco, deixando o mundo material em torno de mim na escola, e visualizei o cinema tão detalhadamente quanto minha mente poderia suportar. Tudo sobre ele, a madeira, a estrutura do local em si. Quis que tomasse forma em torno de mim. E então estava lá. Sim! Eu teria feito um gesto de vitória com o punho se estivesse sólida. O teatro não tinha mudado muito. Havia a máquina de pipoca fora de moda, uma pequena gaiola de latão com um cartaz listrado vermelho e branco. E lá estava o tapete com estampa de arabescos, tão grosso e macio que eu queria ter pés que pudesse afundar nele. O show desta noite, a julgar pelo poster iluminado pelos refetores, seria "Ladrão de Casaca." Cary Grant: glamour total, romance total. Poderia ser melhor? Bem, sim, percebi. Parecia que a sessão estaria lotada, então Lucas e eu não teriamos muita chance de ficar sozinhos. O filme não começaria em menos de meia-hora, e várias pessoas já tinham tomado seus lugares mas continuavam olhando incansavelmente em direção à porta onde eu tinha me materializado, olhando através de mim, para alguém - E então entendi tudo. Reconheci algumas delas - incluindo, mais para baixo na fila da frente, Kate. Cruz Negra. Senti o terror tomar conta de mim, tão forte que pensei que ia virar uma pedra de gelo. Tiley percebeu para onde Lucas havia ido depois de ser transformado em vampiro, e eles se lembravam das viagens a Riverton da época em que Lucas estava espionando para eles.
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E não era um punhado de pessoas como o que ela trouxe para a Filadélfia — esse era um completo grupo de caça da Cruz Negra. Eles demarcaram o lugar. Estavam à espreita para matá-lo. Saí correndo do lobby. Sabia que deveria ter congelado uma das portas de vidro, mas não me importei. A Cruz Negra não estava me procurando. Se eu não avisasse Lucas a tempo, eles se lançariam sobre ele assim que ele entrasse no teatro. Mesmo a sua força e habilidade de combate não iriam salvá-lo de uma dúzia de caçadores de vampiros. À medida que percoria a rua em direção à praça da cidade, porém, percebi que o grupo no cinema não era o único. Ali, sentada em uma mesa do restaurante, ignorando um prato de batatas fritas na frente dela, estava Eliza Pang, líder da célula da Cruz Negra de Nova York. E, pior de tudo, escondidas em um beco perto na praça estava Raquel e Dana. O ônibus de Riverton estacionou, e os alunos começaram a sair. Eu só tinha olhos para Lucas e por isso não prestei atenção nos outros, que estavam rindo e conversando, passando por mim sem ter a mínima idéia de que eu estava lá. Lucas foi um dos últimos a descer do ônibus. Ele parecia muito abalado, quase fraco. A água deve tê-lo afetado afetado fortemente. — Você está bem, cara? — disse o motorista. — Tudo bem. Vou tomar um café rapidinho. Vai ajudar. — Disse Lucas. O que queria dizer é que se sentaria numa cafetaria por um momento sem ninguém para lhe aborrecer. Ele achou que eu iria até ele no cinema e não queria que o visse tão fraco. Isso não importa, só escolha algum lugar reservado, para que eu possa te alertar! Não vi nenhum caçador da Cruz Negra na cafetaria, mas não significa que não houvesse alguns que eu não tinha reconhecido. Rapidamente, corri atrás dele, esperando sussurrar em seu ouvido antes que ele pudesse entrar em qualquer lugar. Então, eu simplesmente... Parei. Fiquei cega. Perdi tudo. Dentro de um instante, fiquei incapaz de me mover para frente, para trás, para cima ou para baixo - para qualquer lugar. Uma armadilha! Eu pensei em pânico, lembrando daquela caixa assustadora na Meia Noite, mas isso era diferente. Em vez de um puxão firme e inexorável, eu estava simplesmente presa no lugar. Era como a diferença entre estar afundando em areia movediça ou simplesmente presa em um elevador. Bem, um elevador com as luzes apagadas.
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Será que a Cruz Negra havia feito isso? Eles estavam atrás de nós dois? O que estava acontecendo? Tudo que sabia era que essa prisão, seja lá o que fosse, me impedia de alertar Lucas de que ele estava em um perigo terrível. Então, vi um único círculo luminoso se abrir diante de mim, brilhando como uma piscina ao luar. Olhei para fora com cuidado - e vi meu captor olhando para mim em choque. — Bianca? — Patrice?
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Capítulo Nove — Bianca? — Patrice pareceu tão surpresa quanto eu. Seu rosto parecia preencher todo o céu, ou teto, ou seja, lá o que eu via acima de mim nesse lugar escuro, sem forma. — Você é — você se tornou um fantasma? — Patrice, eu não tenho tempo para discutir isso agora! — Temos muito tempo, sendo que nós duas estamos mortas, — Patrice repreendeu, sua expressão se nublando. A velha hostilidade entre vampiros e fantasmas parecia estar trabalhando. — Eternidade, de fato. Comece com como você morreu. — A Cruz Negra está aqui em Riverton, e se você não me deixar ir neste segundo eles matarão Lucas e qualquer outro vampiro que eles encontrarem, provavelmente incluindo você! A estranha força que prendia meus movimentos me libertou tão rapidamente que eu me senti como se estivesse decolando. Luz pareceu explodir ao redor — mas era apenas a lâmpada de rua do centro de Riverton, em contraste com a escuridão que me enclausurava. Assim que compreendi o mundo novamente, eu percebi que estava bem de frente para Patrice, que em troca permaneceu parada em um beco na beira da faixa principal. Ela segurava em sua mão um pequeno espelho de estojo de maquiagem, que estava incrustado de gelo. Devo ter ficado visível, mas assim que levantei uma mão, eu vi apenas um fraco delineado cinza de meus dedos e palma. Ninguém me veria se não soubesse como ver. Patrice sabia. Ela piscou uma vez, então se livrou de sua surpresa. — Onde eles estão? — ela disse. — Diga-me rápido. — O cinema. O restaurante. Não sei onde mais. Lucas se dirigiu à lanchonete; temos que chegar até ele antes que eles cheguem. Ela atravessou a rua voando, correndo tanto quanto se fosse sua vida que estava em jogo ao invés da de Lucas. Eu a segui, porém devagar. Ser pega havia me tirado algo — eu precisava de tempo para pegar minha força de volta, tempo que Lucas não tinha. Patrice chegou à lanchonete enquanto eu ainda estava a duas dúzias de pés atrás. Ela não exatamente abriu a porta, mas sim, irrompeu
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dela, de modo suficientemente violento que fez os clientes levantarem suas cabeças para ver o que era essa perturbação. Um deles foi Lucas, que estava sentado em uma das poltronas de veludo verde com a cabeça nas mãos. Enquanto ele encarava Patrice, ela estendeu sua mão para ele, claramente o encorajando a sair. Nesse momento minha visão foi bloqueada pelos caçadores. Kate. Eliza. Milos. Mais dez ou quinze que eu não conhecia, mas cada um deles com a força das tropas da Cruz Negra. Alguém tinha dado sua palavra dizendo que Lucas estava na cidade, e os disse sua localização. Patrice e eu chegamos atrasadas. Ah, não, eu pensei. Por favor, não. — Armas, — Kate disse. A palavra lançou-se tão pesada e inflexível quanto o ferro. Ela veio aqui para matar seu filho, e o efeito disso enfraqueceu seus olhos. Enquanto os caçadores empunharam seus arcos e flechas, Lucas levantou e caminhou em direção à Patrice, pronto para ir — e para ver sua mãe. Ele viu o ataque prestes a acontecer, e não havia nada que ele pudesse fazer a respeito. Significava que essa estava pra mim. Eu me afinei, em uma longa linha horizontal, e me imaginei como uma ponta afiada de uma espada — então me lancei à frente. — Fogo! — Kate clamou, assim que atravessei os caçadores. Devo tê-los pego em cheio, rápida pancada de gelo, porque todos eles gritaram e a maioria deles caiu cega, suas flechas afiadas batendo no pavimento ou próximo às paredes. Mas pelo menos uma acertou, porque a janela da lanchonete se partiu em partículas de vidro. As pessoas lá dentro começaram a gritar, e eu podia ver transeuntes na estrada começando a pirar. Lucas! Eu não o podia ver. Apesar de eu desesperadamente querer descobrir se ele estava bem, sabia que tinha que terminar isso antes que mais alguém se machucasse. Minha força continuava instável, mas tinha que fazer o que eu pudesse. Os caçadores já estavam se juntando novamente. Apesar de alguns deles se dobrarem de dor por causa do meu golpe, eles estavam se endireitando, se preparando para mais um ataque. Meu primeiro pensamento foi de possuir Kate novamente e mandá-los parar. Eu podia
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fazer isso? Se desespero era a chave, como eu havia suspeitado antes, então sim, eu podia fazer isso. Mas enquanto me precipitei em sua direção, eu senti alguma coisa me puxando de volta, até eu ficar paralisada. Mas que —? Então eu vi, brilhando em seus dedos, meia dúzia de anéis de cobre. Cobre, como qualquer outro mineral encontrado no corpo humano, repelia fantasmas. A Cruz Negra sabia pouco sobre fantasmas, tanto quanto fui capaz de descobrir, mas aparentemente Kate descobriu o suficiente para se proteger de possessão. Eu podia bater nela, mas eu nunca mais poderia tomar o controle de seu corpo. Então, eu só teria que pegá-los um por um. Eu mergulhei em direção ao caçador mais próximo de mim. Para acertá-lo com aquele soco de gelo, eu teria que tomar forma, e eu sabia que essa era provavelmente uma má idéia; isso me entregaria não apenas para toneladas de estudantes da Meia Noite, mas também daria à Cruz Negra algum lugar para onde mirar. Eles provavelmente procuraram modos de machucar ou exterminar os fantasmas desde nosso último encontro. Enquanto minha velocidade crescia, eu podia ver o gelo se formando nas pontas de seu cabelo e barba. Sua pele se tornou azulada, e ele gritou de dor. Suficiente. Deixei-o ir, o ouvindo cair em um evidente estupor, e me apressei em direção a outro caçador. Turvamente eu podia sentir o resto da luta ao meu redor: Patrice tinha se encarregado de Kate, se igualando a ela a cada soco com uma ferocidade que eu nunca percebi que ela tinha. Lucas estava no meio, também; ele rugiu com raiva enquanto jogava Milos no chão. Minhas emoções estavam divididas entre estar grata por Lucas estar bem, e horrorizada de que esta seria a hora em que ele tiraria uma vida humana, o pecado pelo qual ele nunca poderia se perdoar. Mas agora, a melhor coisa que eu podia fazer para ajudar Lucas era continuar lutando. Forcei-me a virar um redemoinho mais uma vez, chicoteando cada vez mais frio. Dentro de momentos me enrolava em volta de outro caçado, e ele, também, tornou-se vítima da frieira, ou hipotermia, ou seja, lá o que isso estava fazendo com eles. Então fui em direção a outro, mas quando comecei, ouvi Lucas gritar de dor. Eu não podia me concentrar. Apavorada, eu olhei para trás para ver Lucas — presas estendidas, face monstruosa — no chão enquanto Milos erguia uma estaca. Sangue fluiu livremente de um corte na testa de Lucas. Eles estavam longe demais; eu não podia chegar a eles a tempo —
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então Raquel apareceu, correndo por uma estrada lateral próxima, e bateu alguma coisa na lateral da cabeça de Milos. Milos caiu de joelhos, surpreso. Enquanto assisti com descrença quando Raquel gritou, — Lucas, saia daqui! Agora! — Que diabos você está fazendo? — Kate gritou. Mas Dana havia chegado, também, segurando um arco e flecha que mirava na direção de Kate. — Isso acaba, — Dana disse. Ela está tremendo tanto que sua voz também tremeu. — Isso acaba agora. Á distância, ouvi sirenes começando a lamuriar; alguém em Riverton havia chamado à polícia. Lucas tropeçou em seus próprios pés, obviamente de alguma forma confuso por causa do machucado em sua cabeça — e afundado em seu desejo de luta, e de matar. Eu fui rapidamente para o seu lado, incapaz de ser nada mais do que uma brisa fresca contra sua bochecha, mas talvez isso pudesse pelo menos lhe lembrar sobre quem ele era. Atrás de mim, eu ouvi a voz da Kate tremendo de raiva. — Vocês duas vão se arrepender disso. — Eu me arrependo de muita coisa, — Raquel disse. Ela não se moveu de seu lugar entre os caçadores e Lucas. — O que é um mais? — Vá se ferrar. — Rápido como um piscar de olhos, Kate esquivou-se para a esquerda e empunhou seu arco e flecha. Dana golpeou-a em sua lateral, fazendo que sua flecha voasse torta, graças a Deus, e ela não atingiria Raquel ou Lucas — mas então eu percebi que ela estava indo em direção a um dos estudantes da Meia Noite que estava assistindo a luta, uma garota humana que nunca seria capaz de se esquivar a tempo. Apesar de o momento seguinte não durar mais de uma fração de segundo, ele pareceu se desenrolar na minha frente em câmera lenta. A flecha cortava o ar de modo letal. Lucas saltou com sua força e agilidade vampira, diretamente para a garota em perigo. Seus corpos colidiram, o cabelo preto dela voando atrás dela, os dois caindo no chão — só a algumas polegadas de distância da flecha, que atingiu o prédio, se enterrando polegadas dentro da madeira. As sirenes se tornaram mais próximas, e a multidão estava crescendo — dúzias de testemunhas, agora, uma coisa que a Cruz Negra
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odiava. Kate deve ter dado algum sinal, porque eu ouvi os caçadores se retirarem, correndo ou tropeçando o melhor que podiam. Dana chamou, — Lucas! De onde ele estava esparramado na calçada com a garota que ele salvou, ele olhou para ela. Todo seu corpo sacudiu, e ele não sorriu. Eu sabia, enquanto Lucas usou seu sangue faminto para proteger outra pessoa, ele ainda estava perto demais de fazer um lanchinho. — Não se aproxime dele agora, — Patrice disse as meninas. Ela havia visto todos os sinais de que Lucas estava perto de romper. — Vocês duas tem armas. A polícia pensará que vocês são parte do grupo que nos atacou. — Nós nos resignamos na noite passada, quando Kate disse que iríamos atrás de Lucas, — Dana disse. — Não que nós tivéssemos exatamente mencionado isso pra ela ou algo assim. Raquel disse, — O que foi aquele — aquela coisa de ciclone de gelo? — Aquilo era eu, — respondi, ainda invisível. Todo mundo pulou. — Dana, Raquel, vocês ouviram Patrice. Vocês serão presas se permanecerem aqui. — E não há Cruz Negra para pagar a fiança dessa vez. — Dana suspirou. — Raquel, querida, hora de correr. Dana partiu, mas Raquel hesitou por um momento, procurando em vão no ar por um reflexo de mim. — Bianca... — Eu sei, — eu disse. — Eu entendo. — O que não era totalmente verdade — eu não sabia o que, exatamente, tinha tirado Raquel do medo que havia feito ela me trair. Mas eu sabia que havia algo, e que ela e Dana arriscaram suas vidas e deixaram a Cruz Negra para proteger Lucas. Tanto quanto era da minha conta, aquilo importava mais do que qualquer coisa. Raquel correu atrás de Dana, desaparecendo na esquina assim que o carro da polícia chegou. Eu percebi que Patrice havia saído de perto de mim e me virei para ver que ela havia se colocado tranquilamente entre Lucas e a garota humana que ele havia salvado — Skye Tierney, eu reconheci ela agora — então Lucas não podia olhar para ela. Seu pensamento rápido pode tê-lo salvado de morder. Ou, certamente, ter salvado a vida de Skye.
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Enquanto os policiais saíam do carro, Patrice sussurrou, tão baixinho que apenas Lucas e eu podíamos ouvi-la, — Deixem as explicações comigo. Alguns minutos depois de os policiais chegarem, eu entendi porque Patrice queria tomar conta disso. Um século e meio de experiência em providenciar explicações supostamente racionais para eventos sobrenaturais estava sendo útil. Com perícia, Patrice interpretou o papel de uma jovem garota horrorizada, certa de que havia visto membros de uma gangue da cidade, e de que eles haviam falado algo sobre iniciação, e que foi assim como naqueles emails que às vezes você recebe onde você ouve que os membros de gangue matariam alguns inocentes aleatoriamente. Os policiais podiam não ter acreditado naquilo, mas eles acreditaram que o medo era genuíno e, o mais importante, que nem ela nem nenhum de seus amigos tinham nada a ver com o começo da briga. O testemunho das outras pessoas, incluindo o de Skye, apoiariam isso. Quando chegaram a Lucas, a única pergunta que fizeram foi sobre sua cabeça e se ele precisava ver um médico. Ele estava sendo capaz de responder perguntas de modo suficientemente calmo. Apesar de saber que ele estava se esforçando muito, Lucas venceu a fome de seu sangue, pelo menos por agora. Uma vez que a polícia foi embora, eu estava ansiosa por falar com ele, para ver como ele estava — mas então havia mais alguém. Skye foi para seu lado, ardendo em agitação e alívio. — Eu só tinha que te dizer que aquilo foi incrível, — ela disse. — Você salvou minha vida. De verdade. Nem sei como te agradecer. — Estou feliz que você esteja bem, — Lucas disse, e apesar da confusão na qual eu sabia que ele se encontrava, ele sorriu um pouco para ela. Aquilo fez Skye radiar para ele, e eu percebi pela primeira vez como ela era bonita: cabelo preto e liso, olhos azuis claros com cílios grossos, pele perfeita, magra, porém não magricela — subitamente, eu não estava mais totalmente excitada por Lucas tê-la salvado. Não que eu quisesse ver Skye morta, mas ela era uma garota estonteante que estava provavelmente prestes a dar um bom aperto no meu cara. E isso não era bom. — Você realmente acha que eles eram membros de gangue? — Ela pareceu duvidosa. — Eles pareciam meio velhos pra isso. — Acho que você nunca fica velho demais para ser estúpido. — Lucas não conseguia encontrar seus olhos completamente.
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Skye colocou uma mão no antebraço de Lucas. Eu estava perto de odiá-la quando ela disse, — Eu estou, tipo, comovida... Eu quero ligar para meu namorado que está em casa — mas antes que eu vá, obrigado novamente. Sério. Assim, eu de repente gostei muito mais de Skye. Quando Lucas lhe acenou um tchau, eu murmurei em seu ouvido, — Tá bom. Passamos por isso. Você não irrompeu. Lucas, você vê quão forte você é? — Preciso ficar sozinho. — Lucas seguiu para longe de mim, e eu queria o seguir, mas não o fiz. Sua mãe havia tentado matá-lo mais uma vez; não é de se admirar que ele não ficasse feliz com sua pequena vitória sobre si mesmo. Enquanto eu tristemente o assistia ir, eu vi mais alguém — Patrice, que agora estava sentada sozinha em um banco pequeno. Ela parecia estar estudando a barra de sua saia floral, se não havia rasgões ou lágrimas. Tipicamente, ela passou por toda aquela luta, saindo tão bem quanto entrou, sem estragar o penteado. Eu fui até seu lado e disse. — Obrigada por tudo aquilo. — Bianca. — Patrice levantou sua cabeça, com aquele olhar distante que as pessoas usam quando falam comigo enquanto estou invisível. — Você é um fantasma agora? — Sim. Ela se ajeitou no banco, ficando claramente confortável. — Conteme toda a história. Comece quando você e Lucas terminaram, o que agora eu suponho que não seja exatamente verdade. Patrice nunca havia sido uma pessoa a quem eu havia contado muitos segredos, mas depois do modo como ela ficou ao nosso lado, eu sabia que podia confiar nela. Então eu lhe contei toda a história, tão concisamente quanto pude, desde o início de meu relacionamento clandestino com Lucas até nossas mortes e então nossa situação atual na Academia Meia Noite. Ela ouviu não tão empaticamente quanto qualquer outra pessoa teria, falando o quão terrível isso era e o quão mal se sentia por nós — mas ela não julgou. Depois de toda a culpa e recriminação circulando, só aquilo já era um alívio. Assim que terminei, percebi que também tinha algumas perguntas. — Por que você me aprisionou? Como você me aprisionou?
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— Eu senti algo me seguindo. Ou seguindo Lucas, agora eu percebo, mas eu sabia que sentia. Alguma coisa fantasmagórica. Não tinha certeza, mas decidi fazer alguma coisa se eu sentisse isso novamente. Você é fria às vezes, sabia? — Como você não ficou assustada comigo? A maioria dos vampiros fica. Os lábios fartos de Patrice se curvaram em um sorriso. — A maioria dos vampiros é muito estúpida quando se trata de vampiros — eu ouvi sobre o pânico no último ano. Quanta bobagem. Mas em Nova Orleans, onde eu comecei? Naqueles tempos, havia uma mulher chamada Marie Leveau que sabia tudo sobre vampiros, fantasmas, espíritos, tudo que você possa imaginar. Eu fui até ela logo que fui transformada. — Ela olhou para longe enquanto tentava ver dentro do passado. — Havia um homem que morreu... Alguém que eu queria ver novamente... Digamos que trazer uma pessoa de volta contra sua própria vontade acaba sendo uma má idéia. — Posso imaginar. — Adaptar-me a ser fantasma já havia sido difícil o suficiente para mim. Para alguém que estava morto e em paz, isso era provavelmente muito pior. — Você o prendeu em um espelho? — E no fim, eu quebrei o espelho para deixá-lo ir. — De sua bolsa ela retirou o espelho compacto que havia usado para me prender. O gelo havia derretido, e quando ela o abriu, eu vi que o espelho permanecia intacto. — Desde então, eu descobri como libertar fantasmas sem quebrar nenhum espelho. É tão ruim substituí-los. Esta era Patrice — preocupada com seus cosméticos enquanto mexia com a linha entre vivos e mortos. — Aonde os fantasmas vão quando você usa o espelho para prendê-los? — Esperava que você pudesse me dizer, — ela disse. — Para dentro do espelho, pelo o que eu sei. Pra mim pareceu mais como lugar nenhum, algum lugar entre a existência e a não existência, mas mistérios como esse estavam quase começando a parecer rotina agora que me tornei fantasma. Porém, preocupações terrestres pareciam mais urgentes no momento. Eu comecei, — Sabe, Lucas podia aproveitar mais alguns amigos na Academia Meia Noite. E seria bom ter mais alguém pra conversar.
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Particularmente, eu pensei, outra garota. Lucas, Balthazar, Ranulf, e Vic eram cada um magnífico ao seu modo, mas sair apenas com eles se tornou chato depois de um tempo. — Eu não costumo fazer amizade com caçadores da Cruz Negra, diferente de algumas pessoas, — ela fungou. Mas eu podia ver suas feições régias amolecendo suavemente. — Porém eu suponho que Lucas não esteja mais com eles. Então apoiar Lucas é basicamente o mesmo que mostrar o dedo para a Cruz Negra. — Não era uma grande confissão de amizade eterna, mas eu agüento. — E eu achava que havia perdido você, — Patrice adicionou. — Eu estava pensando em você hoje à noite mais cedo, na verdade. — Mesmo? — Aquilo me fez sentir bem, alguém sentindo minha falta. — Você sempre teve um gosto maravilhoso para jóias de época, e eu queria ir até o shopping daqui para achar algo com que usar com esse uniforme. Vale um passeio pelo rio, não acha? Patrice não pararia até ter a perfeita aparência, mas eu não achava mais aquilo chato — pelo contrário, era engraçado e meio que notável, e, bem, tão ela. — Ok, eu vou com você. Eles não me verão. Eu posso estar morta, mas ainda posso ir ao shopping. Ela se entusiasmou. — Ooooh, precisamos de camisetas com isso escrito. Fui ao shopping com Patrice, arrastando-a para uma antiga e charmosa pulseira, mas enquanto era legal que nos reuníssemos novamente, em outro nível eu basicamente estava matando tempo. Quando estávamos na loja de roupas, eu não conseguia deixar de lembrar como eu e Lucas havíamos vindo aqui em um de nossos primeiros encontros. Ele havia ficado tão feliz, experimentando casacos maravilhosos e chapéus malucos, tão despreocupado. Tão vivo. Não que eu o amasse menos por estar morto — como eu poderia? — mas sabia que sua vida era algo que eu amava em Lucas, e isso havia se ido. Quando os estudantes começaram a se concentrar na quadra para pegar o ônibus de volta para a escola, Lucas não apareceu com o resto. Ninguém além de Skye pareceu perceber. Enquanto todo mundo começava a entrar no ônibus, ela foi até o acompanhante e disse, — Tem uma pessoa faltando. Ele pode estar machucado.
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— Ross? Ele não está machucado. — O motorista — um vampiro — deu de ombros. — Ele me disse que tinha outra carona para a escola à noite. Você o verá amanhã. Skye não pareceu muito feliz com Lucas sendo deixado para trás, e eu podia entender por que. Em qualquer escola normal, esse seria um motivo de preocupação; até mesmo na Meia Noite, se fosse um estudante humano que se perdesse, haveria grupos de busca e uma preocupação considerável. Mas estudantes vampiros tinham mais independência e assumiam ser capazes de cuidar de si mesmos. Eu esperava que isso fosse verdade. — Encontre-o, — Patrice murmurou antes de entrar no ônibus. — Vejo você mais tarde. Rapidamente me afastei da quadra, em direção à floresta entre a cidade e Meia Noite. Sendo que as casas eram poucas e esparsas, e a brisa noturna se movimentava o meu redor, eu tinha a solidão necessária para minha concentração. Eu imaginei meu broche azeviche, o que ele havia comprado para mim aqui em Rivertown. A pedra preta, o formato de flor, a pedra preenchida com a vida que um dia pulsava dentro da floresta. Tudo a minha volta girou com muita fumaça, mudando cores, tomando forma. Para minha surpresa, não era Lucas; o broche havia estado no bolso de sua jaqueta, que agora foi descartada em uma pilha no chão da floresta. Enquanto eu olhei para ela, eu vi que estava manchada de sangue. Sangue dele por causa da luta, eu assumi — mas então eu vi as outras coisas que estavam deitadas ao redor. Um pássaro qualquer morto. Uma raposa morta. Seus corpos não haviam sido apenas drenados; eles haviam sido despedaçados. A pilha era um resultado de um frenesi mortal, aplicado em pequenos animais ao invés de em criaturas humanas. Nas proximidades, eu podia ouvir baques contra a madeira, como um martelo ou talvez um machado. Pegando o broche e ficando sólida, eu caminhei em direção ao som até ver Lucas, usando apenas sua camiseta. Ele permaneceu encarando uma árvore, batendo nela como um boxeador faria com um saco. Eu cheguei mais perto. Lucas estava desatento para mim, talvez para com qualquer coisa. Ele batia tão forte na árvore que as cascas voavam a cada soco; cada lado do tronco estava despido em lugares onde a madeira havia lascado, brilhando com seu sangue. Horrorizada, eu
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percebi que ele estava batendo contra a pele de suas próprias mãos, e um pedaço de osso se sobressaiu de um dedo. A dor que ele deve ter sentido com cada pancada deve ter sido tremenda, e mesmo assim ele continuava, impetuoso. — Lucas! — Eu corri para seu lado e agarrei um de seus braços. — Não faça isso consigo mesmo! Ele parou, mas não olhou para mim. Suor escorregava por sua pele, fazendo sua camiseta grudar nele e seu rosto brilhar na luz da lua. Lucas continuou encarando a árvore como se a odiasse. — Eu queria matá-la. — Ela é sua mãe, — eu disse. — Ela traiu você, tão duramente quanto qualquer outra pessoa poderia... Tudo bem ficar irado. — Não só ela. Eu queria matar Dana e Raquel, enquanto elas tentavam me salvar. Eu queria matar Skye o tempo todo enquanto a salvava. E agora eu vejo isso, e eu não tenho orgulho, e eu não me sinto forte. Estou tão irado comigo mesmo por não matá-las e beber seu sangue quando eu tinha a chance, e eu me odeio por isso, e eu — Droga! Droga! Lucas bateu na árvore novamente, tão intensamente que eu sabia que ele não estava imaginando machucar ninguém que não fosse ele mesmo. — Por favor, não faça isso. — Eu peguei seus dois braços em minhas mãos e trouxe sua mão quebrada para meu rosto. Era uma mistura de osso, tendão e sangue, como se ele tivesse sofrido um acidente de carro. — Dói ver isso. — Eu continuei tentando quebrar minha mão mais e mais, então ela não vai curar, — ele disse. — Mas ela está curando. Eu posso sentir os ossos voltando para o lugar mesmo enquanto quebro outros. Volta pra como era antes. Eu não posso me destruir. Não posso fugir disso. Não tem saída. Ele estava certo. Eu não podia discutir com ele. Então, ao invés disso, lancei meus braços ao redor de seu pescoço e o abracei forte. Depois de um momento, Lucas me abraçou também. Ele estremeceu, como se a ira estivesse deixando-o. Apenas por agora, eu sabia. Mas se essa era a única ajuda que eu podia dar, então eu daria. Fechei meus olhos e esperei que o amor pudesse verdadeiramente vencer a morte.
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Capítulo Dez Depois daquela noite em Riverton Lucas ficou calado. Mais tenso. Apesar de continuar a me procurar tentando encontrar coisas legais para fazermos, era cada vez mais óbvio para mim — e sem dúvida para ele — que era uma luta desesperada por sua própria sanidade e eu podia apenas ajudá-lo. E todas as vezes que ele se recuperava, chegando á ter dois dias bons, algo acontecia para jogá-lo para baixo novamente. Dois dias depois, me esgueirei para dentro da aula de cálculos, uma que geralmente evito, por que a freqüentei no ano anterior e uma vez, definitivamente é o suficiente. Como o usual, Lucas estava sentado no final da sala, mas dessa vez não havia nenhuma barreira invisível ao redor dele. Dois caras — vampiros, magros e pálidos — estavam de cada lado dele e prestavam mais atenção ao Lucas do que nas equações do quadro. Enquanto me aproximava escutei Lucas resmungar. — Você poderia calar a boca Samuel? O mais magro dos vampiros, um novo estudante aparentemente chamado Samuel, respondeu. — Não posso me calar. Você sabe disso tão bem quanto eu. Também pode sentir o cheiro. O outro vampiro rindo silenciosamente de uma maneira assustadora, apontou seu dedo médio na direção de uma garota sentada duas fileiras á frente deles, com cabelos loiros cortados parecendo um duende. — Respire findo. — Samuel sussurrou. — Nada melhor do que uma garota naqueles dias. Nunca soube que vampiros podiam sentir o cheiro de quando garotas estavam em seus períodos. Uma mortificação retroativa dos meses de meus dois anos em Meia Noite me atingiu, e se eu tivesse um corpo, estaria corada em um vermelho vivo. Lucas também pareceu mortificado, mas claramente não era o problema principal. Samuel e seu amigo nojento não estavam tentando deixá-lo envergonhado, estavam tentando deixá-lo faminto.
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Samuel se inclinou ainda mais na direção do corredor, sua mesa prestes a tombar, sua boca junto ao ouvido do Lucas. — Você foi convertido nesse verão, não é caçador? Aposto que nunca matou. Nunca provou sangue humano fresco. Mas quer isso não é? As mãos do Lucas agarraram as beiradas da mesa. A junta de seus dedos ainda cheias de cicatrizes — estavam brancas. Ele continuava a encarar suas anotações, mas era óbvio que não as estavam vendo. — Esse lugar é como um Buffet maluco do estilo coma o que puder. — Samuel falou. — Tantos humanos. Tantas garotas. Você não quer beber Lucas? Ou a Cruz Negra te tornou tão certinho que você não quer se alimentar? — Ele cuspiu a palavra Cruz Negra como se tivesse um gosto ruim na boca. — Cale sua maldita boca. Samuel abaixou ainda mais a voz, mas continuou falando. — Você vai morrer de fome. Vai começar a ficar com cada vez mais fome, até que ela vai começar a arrancar o centro do seu ser. Talvez uma garotinha bonita como essa possa te fazer perder o controle. Algum dia você vai se quebrar, caçador. Algum dia você vai matar. — Lucas fechou os olhos apertados. Era o suficiente, decidi. Achatei-me contra o chão, fria e fortalecida e deslizei sob a mesa do Samuel — a jogando sobre ele. Ele caiu, livros e papeis voaram para todos os lados e todos começaram a rir. A professora Raju cruzou os braços. — Senhor Younger, você nunca irá aprender a equilibrar equações enquanto não aprender a manter o próprio equilíbrio. — Humor fraco de professor, mas os alunos riram de qualquer forma. Samuel parecia furioso, mas rapidamente se controlou. E eu soube que ele não iria implicar com ninguém por pelo menos um dia ou dois. Lucas não se juntou ás risadas. A fome o havia controlado, e percebi que estava consumindo todo seu controle para impedi-lo de atacar a garota sentada á duas fileiras. Quando a classe foi dispensada, Lucas levantou tão rápido que sua mesa raspou pelo chão. Samuel e seu amigo estranho riram e ele falou. — Qual a pressa Lucas? Precisa ir tocar o Tampax? Dois outros vampiros riram, mas Skye, que estava na fileira da frente, se virou. — Vocês nunca o deixam em paz?
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— Por que você se importa se não gostamos desse idiota? — Estou olhando para o maior idiota da sala, e não é o Lucas. Enquanto Samuel e Skye discutiam, Lucas agarrou suas coisas e correu para fora da sala. O segui e somente minha habilidade para viajar acima dos estudantes me permitiu acompanhá-lo. Lucas empurrava e desviava, cada vez mais rápido ignorando os olhares irritados que recebia. Ele estava focado em apenas uma coisa: sair dali. Lucas empurrou a gigantesca porta de madeira do grande hall com ambas as mãos. Esmagando as folhas douradas e queimadas sob seus pés e pude ver que ele estava se preparando para correr. Desaparecer na floresta, matar quantas criaturas puder, se batendo até uma polpa. De novo não, pensei desesperada. Por favor, não de novo! Nesse momento o Balthazar apareceu, como que se materializando na frente do Lucas. Ele deve ter invocado sua velocidade vampírica para nos alcançar. — Dia ruim? — ele perguntou. — Saia do meu caminho. — Lucas rosnou. — Não. — Balthazar agarrou o braço do Lucas e o puxou de volta ao prédio. — Você vem comigo. — O que você está fazendo? - sussurrei furiosa no ouvido do Balthazar. — O impedindo de se destruir. O que era o mesmo que eu queria, mas isso só fazia a situação ficar ainda pior. — Ele precisa ficar aqui fora. Longe dos humanos. Você não vê isso? Balthazar sorriu amargamente enquanto seguíamos pelos corredores. Era estranho — ele basicamente puxando o Lucas daquela maneira — mas Balthazar parecia não ter problemas em conversar comigo em voz alta. — Sei que você não confia mais em mim, mas vai ter que simplesmente lidar com isso. O destino dos dois se revelou a sala de esgrima. Sem nenhuma lição nesse horário: ela estava deserta, os aparatos guardados de forma organizada. Algumas esteiras permaneciam no chão, mas de outra forma parecia vazia. — Tudo bem. — Falei depois que a porta se fechou atrás de nós, e me permiti tomar uma forma física. — Estamos longe dos alunos. Isso é o suficiente?
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— É o suficiente. — Lucas falou. Ele parecia querer se dobrar em dois. — Só me deixem em paz, certo? Posso... Apenas me deixem em sozinho. — Não posso fazer isso. — Balthazar falou, antes de socar o Lucas no rosto. Engoli em seco. Lucas cambaleou um passo para trás com uma das mãos na mandíbula. Seus olhos escureceram e pude ver seu autocontrole se esticando até o ponto de ruptura. — Você precisa colocar isso para fora. — Balthazar falou. Ele retirou o suéter e ficou parado lá só de camiseta. — Então vamos fazer isso. — Não vou lutar. — A voz do Lucas tremia. Balthazar sorriu. — Então acho que vou precisar te dar uma surra. Ele atacou mais uma vez, mas o instinto de luta do Lucas entrou em ação. Ele bloqueou o ataque, e empurrou o Balthazar para o meio da sala. Em um instante, Balthazar retornou, esmagando seu punho no estomago do Lucas. Lucas contra atacou com força, jogando a cabeça do Balthazar para trás. — Rapazes, parem com isso! — Gritei, mas Balthazar não prestava atenção e o Lucas não podia me escutar. Eram dois vampiros — dois monstros — lutando por domínio e nada mais no mundo importava. Punhos. Sangue. Suor. Eles atacavam um ao outro como animais. Apavorada, tentei pensar na melhor maneira de parar aquilo e decidi que era hora de congelar a sala. Mas enquanto começava percebi o que estava acontecendo. O olhar enlouquecido havia sumido dos olhos do Lucas. Ao invés dele seus olhos estavam focados, direcionados como se estivesse novamente em uma das missões da Cruz negra. Cada soco era focado; cada movimento tático. Lutando dessa forma, contra um oponente tão forte quanto ele, deu ao Lucas uma maneira de liberar a energia que se acumulava dentro dele. O que o Balthazar iria ganhar com aquilo, eu não fazia idéia, mas mesmo quando o Lucas o chutou no queixo, o jogando no chão, ele mantinha um sorriso lunático no rosto.
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Balthazar riu de onde estava no chão, colocando dois dedos na boca e os retirando com sangue. — Apenas um caipira da Cruz Negra seria capaz de chutar um cara na boca. — Apenas um cadáver meio putrefato teria me deixado. — Lucas piscou, incapaz de acreditar que havia feito uma piada. Com aquilo, aparentemente, a briga estava terminada. Tudo ficou quieto por alguns segundos até que perguntei. — Lucas, você está bem agora? — Sim. — Ele pensou naquilo, sua atenção mudando entre Balthazar e eu. — Sim. Obrigado cara. Balthazar falou. — Se você ficar nervoso daquele jeito novamente, e precisa de uma distração, apenas me procure. Podemos lutar. Praticar esgrima. O que for preciso. Ajuda. Você vai ver. Lucas pareceu não acreditar completamente naquilo, mas assentiu. Ele estendeu uma das mãos e ajudou Balthazar a levantar. Quando os olhos do Balthazar encontraram os meus, ele sorriu irritantemente presunçoso. — O que, você não vai me agradecer também? Ou isso seria admitir que eu estava certo em algo? — Você apreciou isso. — Respondi. Balthazar deu de ombros, incapaz de negar. Ele juntou o suéter do chão. — Vou tomar um banho antes das aulas. Vejo vocês mais tarde. Assim que estávamos sozinhos Lucas falou. — Bianca, eu sinto muito. — Pelo que? — Por me descontrolar daquela forma na sua frente. — Você não se descontrolou. — Insisti. — Você foi capaz de se controlar. — Balthazar foi capaz de controlar. — Lucas me corrigiu. Ele tinha razão. Mas eu sabia que precisávamos nos focar no positivo. — Você está se sentindo melhor agora. Posso ver. — Na verdade, ele parecia melhor, com suor cobrindo sua pele, cabelo bagunçado e uniforme torto, ele estava incrivelmente sexy.
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Se pelo menos pudéssemos nos tocar sem que ele sentisse a urgência de morder, pensei ansiosamente. Conheço maneiras melhores para ele queimar toda aquela energia. — Me sinto... Bem. — Lucas parou um pouco mais firme. — Mais calmo do que me sinto á muito tempo. É como se todo o ruído em minha cabeça finalmente se calasse, me deixando pensar. — Talvez seja um bom momento para você trabalhar em seu trabalho de psicologia. — Brinquei. — Você sabe de uma cosia? — Lucas se afastou ajeitando o uniforme. — Esse é um bom momento para invadir a casa da Senhora Bethany. — Espere. O que? — A Senhora Bethany vem escondendo armadilhas para fantasmas ao redor da escola, certo? Não podemos te proteger melhor se não soubermos mais sobre onde elas estão e por que. — Ele sorriu e por um momento pareceu com o antigo Lucas, quando nos encontramos pela primeira vez — lindo, agressivo e possivelmente pronto para aprontar. — Com animo para uma pequena invasão? — Deveríamos esperar até ela sair do campus da escola. Ou pelo menos ela estar em classe. Acho que ela não está dando aulas nesse período. É muito perigoso. — Falei, enquanto o Lucas continuava descendo as escadas. — Sempre vai ser perigoso. Pelo menos por enquanto, posso ficar focado no que estou fazendo. Isso só aumenta nossas chances. Eu não estava totalmente convencida, mas Lucas tinha razão em algo — e além do mais, ele parecia convencido em fazê-lo. — Vou ser o vigia. Se ela aparecer, vou jogar pedras contra a janela, ou algo assim. — Parece bom. — Lucas sorriu e naquele momento, pareceu como se estivéssemos em uma grande aventura juntos, como se estivéssemos de volta à primeira vez que nos encontrávamos escondido. Aparentemente invasão parece ser bem romântica nas circunstancias corretas. Parecia não haver mais ninguém ao redor da escola. Lucas no momento estava matando aula (muitos dos estudantes vampiros fazem isso — eles estão aqui mais para aprender a como fazer parte dos novos tempos, o que os professores tacitamente reconheciam — mas quando faltam ás aulas, normalmente o fazem por coisas mais divertidas do que
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só ficar caminhando pelos terrenos da escola). Quando ele assentiu, corri em direção á casa da senhora Bethany. Espiei através de todas as janelas, congelando levemente alguns vidros. Ela não estava lá dentro. — A costa está livre. — Tudo bem. Continue prestando atenção. Lucas seguiu para uma das janelas laterais. Observei enquanto ele trabalhava na esquadria de metal ao redor da vidraça, o balançando para frente e para trás até o topo se soltar nas mãos dele. As outras três tiras de metal saíram facilmente, assim como o retângulo de vidro. Aparentemente a Senhora Bethany não havia substituído ás janelas recentemente. Lucas colocou tudo fora do caminho, então esticou o braço pela abertura e abriu a fechadura, rapidamente removendo a pequena fileira de vasos com as violetas africanas mantidos lá. Então colocou suas mãos na beirada e facilmente pulou para dentro da casa da senhora Bethany. Aquilo havia sido muito mais fácil e ágil do que eu fora capaz de fazer. Consolei-me um pouco pensando que agora ele possuía o poder vampírico para ajudar. Talvez até o provoque mais tarde sobre ter mais instintos criminosos naturais. Através da janela, pude ver o Lucas caminhando pela casa até a mesa, onde possivelmente o material sobre sua caçada aos fantasmas deveria estar. Movi-me junto ás paredes, ansiosa para continuar o observando, assim como vigiando a senhora Bethany. Mas enquanto fazia isso, voltei a sentir algo me puxando. Uma armadilha! Antes de entrar em pânico, percebi que não era a mesma coisa da biblioteca — ou enquanto era o mesmo tipo de armadilha, havia uma espécie de barreira entre nós, que me impedia de cair — talvez as paredes a prova de fantasmas. Aparentemente ela guarda as armadilhas em sua casa, antes de instalá-las na Academia Meia noite. Apesar de não conseguir me capturar, o poder das armadilhas era imenso. Pude sentir aquele estranho puxar através de todo o meu corpo, e repentinamente eu estava mais lenta e desatenta. Era como correr estando com febre alta, quando nada faz sentindo e os movimentos são possíveis, mas parecem precisar de muito esforço. Quando cheguei próximo á perder a habilidade de me concentrar, vi o Lucas passar as mãos contra algo sobre a mesa — outra concha — em forma de caixa, assim como aquela que ele encontrou na biblioteca. Talvez seja a mesma. Ele contou que a parede havia sido imediatamente concertada, sem que fizessem perguntas. Rapidamente ele fechou a caixa,
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e o chamar estonteante da armadilha cessou. Entretanto, ainda me sentia péssima: só estar próxima de uma armadilha ativa era o suficiente para me drenar seriamente. Por um momento me senti tentada a desaparecer — apenas para descansar um pouco — mas percebi que poderia levar um bom tempo até que eu voltasse a acordar. Juntei minhas forças me arrastando pra fora daquilo, retornando para a procura do Lucas em tempo de ver a senhora Bethany entrando pela porta da casa de carruagens. Joguei-me contra a janela com tanta força que ela chacoalhou. Lucas olhou para cima, instantaneamente alerta, mas era tarde demais, a senhora Bethany entrou na casa e seguiu para seu estúdio antes que o Lucas pudesse se mover. Ela parou na porta. Por um momento, eles simplesmente olharam um para o outro através da sala. O horror me congelou tão profundamente que parecia que eu estava me transformando em gelo. Lucas parecia enjoado. Ela vai atacá-lo, ou pelo menos expulsá-lo da Academia. Não deveria ter pedido para que ele fizesse isso. Não poderia tê-lo deixado fazer. Eu estava prestes á correr de volta á escola na tentativa de conseguir ajuda, quando a Senhora Bethany falou calmamente. — Senhor Ross, teria sido mais eficiente se você simplesmente perguntasse o que precisa saber. Ele não relaxou nem se moveu. Seus olhos permaneceram fixos nela, pronto para se defender ou atacar. — Duvido que você me contasse. — Duvido. — A senhora Bethany largou suas coisas e sentou em uma cadeira de madeira no canto mais distante da parede. A outra cadeira ficou vazia ao lado dela, um convite silencioso para o Lucas. — A Cruz Negra ensina seus caçadores a duvidar de tudo que é novo para eles e a acreditar somente em seus deveres. Ou sacrifício. Ou nos que são ou não monstros. A mandíbula do Lucas se apertou e soube que ele estava lembrando-se do ataque da Kate. — Eles exigiram tanto, e o que você teve em troca? Nada exceto alguns hábitos ruins, como a sua inclinação para arrombamentos.
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Calmamente o Lucas falou. — Não me faça sair da escola. - as palavras pareciam engasgá-lo. Ele odiava implorar. — O santuário da Meia Noite protege você. — A senhora Bethany falou. A voz dela soava estranha, não consegui encontrar a diferença á principio, até perceber que ela realmente soava... Carinhosa. — Não tenho a intenção de punir você por agir da única forma que conhece. A Cruz negra lhe ensinou a ser desconfiado. Há maneiras melhores de conduzir as coisas. Aqui, espero que você consiga aprender isso. Sim, se a Academia Meia noite era o lar da honestidade por que mentir para a maioria dos estudantes humanos, sobre seus novos colegas serem na verdade vampiros. Mas enquanto zombava, pude ver a expressão do Lucas mudando, se tornando menos preocupada. A senhora Bethany estava falando exatamente o que ele queria escutar. Porem o mais inacreditável era que ela realmente acreditava nisso. — Agora — ela falou. — me diga o que você estava procurando. — Mais informações sobre os fantasmas. Lucas não! Não acreditei que ele iria contar nossos segredos para ela tão facilmente. Ao invés ele disse. — Soube que eles estavam atrás da Bianca o ano passado. Não entendo o porquê de ela morrer. Se eles têm algo a ver com isso, quero saber. E quero me vingar. A senhora Bethany se ajeitou, obviamente agradada por ter encontrando um espírito semelhante. Lucas a convenceu que ele queria a mesma coisa que ela: caçar os fantasmas. Essa provavelmente era a melhor maneira de fazê-la se abrir. Eu deveria ter mais fé nele. Ela gesticulou para a cadeira ao lado dela e Lucas se sentou. — Pelos meus conhecimentos sobre os fantasmas, eles acreditavam possuir algum tipo de direito sobre a senhorita Oliver. — A senhora Bethany falou. — Você está ciente das circunstancias que cercaram o nascimento da Bianca? — Quer dizer, a parte em que os vampiros não podem fazer bebezinhos vampiros sem a ajuda dos fantasmas? Sim, ela me contou. — Quase como um conto de fadas. — A senhora Bethany falou. Lucas a olhou confuso. — Suponho que sua mãe guerreira não passava muito tempo te contando as histórias dos irmãos Grimm. Basta dizer que a fada madrinha normalmente esconde uma maldição em seus presentes.
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Assim como os fantasmas. Eles beberam do sangue da Celia e deram a ela e ao Adrian a chance de criar uma vida, durante pouco tempo. Lucas considerou aquilo. Seus olhos verdes escuros fixados na janela. Apesar de saber que ele não conseguia me ver, ele sabia exatamente onde eu estava. — Então os pais dela sempre souberam que isso iria acontecer. — Para ser precisa, os pais achavam que sua hereditariedade vampírica seria dominante e ela tiraria uma vida completando a transformação. Eles sabiam que a única alternativa seria ela morrer. — Continuar apenas como uma garota normal... — Sempre foi impossível. — A senhora Bethany falou friamente. — Bianca ganhou o dom da vida, mas por apenas algum tempo. Mergulhei até o chão, a bruma tomando a forma de meu corpo. Se alguém passasse naquele momento, provavelmente poderia me ver, mas não me importei. Precisava sentir algo solido contra o que descansar. Não eram as palavras da Senhora Bethany que machucavam, o contrario, parecia estranhamente, mas inegavelmente corretas. O espanto diante de minha reação, pareceu tirar algo de dentro de mim. A voz da senhora Bethany ficou mais gentil. — É difícil para você escutar isso, não é? Mas com o tempo, acredito, saber disso irá diminuir sua dor. Você não poderia tê-la salvo senhor Ross. Você não a colocou em mais perigo do que os pais dela fizeram — apesar deles nunca aceitarem isso. — Acho que também não posso. — Você ainda vê a morte como a pior coisa que pode acontecer... Não é? — Sei que há algo pior que se estar morto. — Lucas falou, forçando cada palavra. — Por que estamos lá. — Você sente falta de se estar vivo. — Esperei que ela dissesse que ele era um tolo por isso; ninguém parecia sentir mais prazer em ser um vampiro do que ela. Mas a senhora Bethany adicionou baixinho. — Eu também. Lucas falou. — Nunca fica mais fácil, não é? — Não falei isso.
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O espanto sobrepôs minha melancolia. Fiquei transparente novamente para poder espiar através da janela. A senhora Bethany estava sentada com a mão sobre o ombro do Lucas, suas unhas grossas e vincadas eram um vermelho vivo contra o suéter preto. Ele não se esquivou do toque. Ela estava... Dando em cima dele? Rejeitei a idéia instantaneamente; não era esse tipo de gesto. Mas não havia como negar que havia uma ligação se formando, entretanto, de alguma maneira, no momento, a senhora Bethany podia entender melhor do que eu pelo o que o Lucas estava passando. Sem palavras ela bateu no ombro dele. Lucas obedeceu ao gesto mudo e levantou. A senhora Bethany o guiou para fora da casa — completamente despreocupada por ele ter arrombado — e por todo o caminho até Meia noite. Eles não se separaram até estarem dentro do grande Hall. Algumas pessoas que estudavam durante o período livre olharam para a cena, pela surpresa deles, Lucas aparentemente havia ganhado o status de bichinho de estimação dos professores. Perguntei-me se isso faria os outros vampiros se afastarem, ou transformá-lo em um alvo ainda maior. — A aula de inglês espera. — Ela falou. — Posso esperar que você tenha feito a leitura? Lucas falou. — Na verdade li O apanhador do campo de centeio, há alguns anos. — É claro. Você essencialmente se auto-ensinou5. O que achou? — Que Holden Caulfield é um perdedor cheio de autopiedade que precisa ter mais o que fazer com seu tempo. A senhora Bethany sorriu suavemente. — Apesar de que eu colocaria as coisas de forma mais delicada, nossas analises são similares em substancia. O que significa que vou chamar você. Esteja pronto. — Ela olhou para o antiquado relógio de pulso dourado que ela usava. — Você ainda tem vários minutos se deseja tomar um banho. — Ela falou em um tom de voz indicando que ele definitivamente deveria considerar aquilo. Ela seguiu seu caminho e Lucas imediatamente correu pelas escadas fazer o que ela havia dito. Ele estava sorrindo — realmente
5 Aqui ela quer dizer que ele aprendeu as coisas por ele mesmo, como estudar em casa, sabe?
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sorrindo, como se estivesse vindo do coração. Quase senti ciúmes, apenas como um peso, até que ele sussurrou. — Você acredita nisso? — Você realmente suou enquanto lutava com o Balthazar. — Não, estou falando se você acredita nela ter me deixado ir? — Não. Mas você é muito charmoso. 110
— Charme não é o meu forte. — Eu discordo. — Cuidadosamente falei. — Você sabe que não pode confiar nela, certo? Lucas permaneceu em silencio enquanto caminhávamos pelo andar do dormitório masculino. Finalmente, quando chegamos ao seu quarto ele falou. — Ela me deu uma chance, e não precisava fazer aquilo. — Ela odeia a Cruz Negra, e acho que sente pena por você, pelo que aconteceu com eles, mas... As armadilhas Lucas. Ela quer pegar fantasmas como eu. Uma daquelas armadilhas quase me matou. — Talvez ela só esteja com medo daquilo que não entende. — Ele protestou enquanto tirava o suéter e a camiseta os jogando no chão, sobre umas toalhas molhadas, sem dúvida, deixadas pelo Balthazar. Os rapazes nunca parecem entender que lavar as roupas é uma opção. — Bianca, você ainda tem medo dos fantasmas e é um deles. Então não é uma reação tão estranha. Tive dificuldades em imaginar a senhora Bethany tendo medo de algo. Mas o Lucas também não estava totalmente errado sobre ela; ela o ajudou quando nenhum dos seus amigos pode, nem mesmo eu. Mas como sempre, não pude ter nenhuma fé nela. Ainda não. — Você não vai contar para ela sobre o que aconteceu, vai? Que me tornei um fantasma e que estou aqui com você? Lucas ficou com uma estranha expressão. — Você está brincando? É claro que não. O alivio percorreu meu corpo. — Então você não confia nela. — Não sei se confio ou não nela. Mas em se tratando de você, não vou correr mais riscos do que o necessário. Os teus segredos são meus Bianca. Nunca duvide disso.
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Raspei minha mão contra o rosto dele, uma brisa suave e ele fechou os olhos e sorriu. Ele estava tão forte. Feliz. E sugeri. — Percebi que mesmo não podendo estarmos juntos... — Lucas abriu os olhos, seu sorriso diminuindo. Antes que ele pudesse se desculpar falei. — Mas posso ver você tomando banho. Ele riu alto. Os próximos dez minutos foram incríveis em termos de vista. Entretanto, o tempo todo não conseguir me concentrar totalmente — nem mesmo no Lucas, lindo, nu e molhado. Um pensamento havia se alojado em minha mente e não pude me livrar dele. Continuei pensando, que parece que todas as pessoas no mundo podem ajudá-lo de alguma maneira — menos eu. Nunca eu.
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Capítulo Onze Ver Lucas tomar banho fazia coisas com meu cérebro. Eu o deixei ir pra aula, mas vendo ele outra vez, com suas pernas e peito musculoso, e a água fluindo através de seu cabelo dourado escuro e sobre seu lábio — me lembrando de tudo que nós passamos juntos durante as curtas semanas que compartilhamos na Philadelphia — despertou minha fome de estar com ele denovo. Desejo era diferente pra mim agora que eu não tinha um corpo vivo, mas isso não significava que eu queria menos Lucas. E eu queria aquela proximidade entre nós novamente. Eu sabia que tinha ajudado Lucas a se prender ao mundo assim como ele me ajudou; certamente nós não teríamos que ser celibatários para sempre, não é? Nós podiamos achar um jeito. Enquanto eu estivesse com meu bracelete, eu não via porque sequer teria que ser difícil. Lucas não tinha dado nenhum passo nessa direção desde a nossa primeira tentativa terrível. Tendo em conta quão traumatizante todo aquele tempo foi, eu respeitava o fato de que ele precisava de alguma distância; Eu sabia que ele me amava da mesma maneira. Talvez eu tivesse levado longe demais, porém. Talvez fosse eu quem precisasse dar o primeiro passo. Conforme a noite caiu, eu deslizei para o lado da torre dos garotos e entrei no quarto de Vic e Ranulf. Eles estavam compartilhando um jantar silencioso, Ranulf bebendo sangue de uma caneca Eagles 6, Vic devorando um Hot Pocket. Quando eu apareci no quarto deles, Vic sorriu e acenou. — Hey, Bianca! É bom você ter aparecido. Nós estávamos indo assistir os filmes de Jackie Chan. Os antigos, onde ele é durão, não os filmes americanos, onde ele é engraçado.
6 - Eagles é uma das mais famosas bandas de country rock, formada em 1971
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— Sua bunda7 continua ruim em todas as encarnações, — Ranulf interrompeu. —No sentido elogioso da palavra durão e um sentido bastante nebuloso da palavra bunda. — Sempre e sempre durão, — Vic concordou. — apenas mais durão nos dias Drunken Master88. Quer se juntar a nós, Bianca? Ver por você mesma? — Na verdade, — Eu comecei, — Eu estava esperando que vocês pudessem chamar Balthazar pra se juntar a vocês. Por algumas horas ou algo assim. Vic assentiu com a cabeça sabiamente. — Uma gravata pendurada na maçaneta, pelo o que eu vejo. — Quando Ranulf franziu a testa, ele acrescentou, — Bianca e Lucas querem ficar sozinhos. — Vejo pela primeira vez o simbolismo da maçaneta da porta e da gravata — Ranulf disse. — Espere — não, — Vic disse. — Não significa isso. Pelo menos, eu acho que não. Essa conversa estava prestes a se desviar do assunto original. — Talvez você pudesse ir em frente e chamar ele? Isso significaria muito. Vic sorriu. — Considere feito. Cerca de dez minutos mais tarde, quando eu fui até o quarto de Lucas, o encontrei sozinho; Vic e Ranulf já haviam chamado Balthazar. Lucas estava sentado em meio a uma pilha de livros escolares, como se ele estivesse estudando para todos os seus exames de uma vez só. — Wow, — Eu disse conforme tomava forma. — Você foi atingido por uma tsunami de lições de casa ou algo assim? — Estudar ajuda, — Lucas disse calmamente. — Quando eu estudo, posso me focar em alguma coisa fora da minha cabeça por um tempo. Os livros, papeis e o laptop em frente a ele pareciam diferentes agora; isso me lembrou dele na celula da Cruz Negra, rodeado por suas
7- Bunda em inglês é ass, e durão é badass, então acho que ele tentou fazer um trocadilho ou algo assim. 8 8 - É um filme que Jack Chan faz.
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armas de caçador. Sua nova descoberta direcionada para o trabalho de escola era mais um jeito dele se defender — dessa vez, contra seus demônios internos. Eu esperava que eu tivesse outro jeito. — Você acha que poderia deixar isso um pouco de lado? Lucas olhou para mim, seus olhos verdes tão quentes e líquidos que eu me derreti. — Por você? Sempre. — Nós estamos sozinhos. — Eu passei minha mão pelo cabelo dele; ele fechou os olhos, claramente saboreando o toque. — Você tem a minha jóia, então eu poderia ser sólida por um tempo. Talvez pudéssemos... Dar uma outra chance a ficar juntos? Ele permaneceu em silêncio por um longo momento. Sua mão se fechou ao redor da minha, e eu senti novamente a sensação brilhante de conexão quando eu não estava 100 por cento sólida - deliciosamente fresca, enviando ondas de prazer pelo meu corpo. Inclinei-me para beijar Lucas, mas logo antes de nossos lábios se encontrarem, ele disse, — Nós não devíamos. — Lucas — porque não? — Eu não me senti rejeitada; seu desejo e amor por mim irradiavam dele. Então eu não entendi o que nos mantém separados. — Eu sei que da última vez foi ruim, mas nós percebemos o que está acontecendo agora. O que nós podemos e não podemos fazer. — No que diz respeito ao que eu estava preocupada, as coisas que podíamos fazer eram muito mais interessantes do que aquilo que nós não podíamos. — A necessidade de sexo e a necessidade de sangue - elas estão tão estreitamente ligadas, Bianca. Elas sempre estiveram, para nós. — Mas não são a mesma coisa. — Eu beijei sua testa, sua bochecha, o canto de sua boca. Ele respirou fundo, e eu sabia que ele queria isso 180 vezes mais do que eu queria — mais, talvez. — Você sabe agora que beber meu sangue te machucaria. Talvez te destruiria. Então isso significa que você não vai perder o controle e me morder. Lucas agarrou minhas mãos com força e encontrou meus olhos. — Eu sei que beber seu sangue iria me destruir, — ele disse. — E é por isso que eu estou com medo de te morder. O silêncio caiu sobre nós, tão pesado e horrível como os novos conhecimentos que eu tinha de suportar. Eu sabia que Lucas estava
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lutando, mas eu não tinha percebido que o seu desejo de autodestruição permanecia tão imediato e forte. Meu rosto devia parecer destruido, porque Lucas disse, — Oh, Deus, Bianca, eu sinto muito. Eu sinto tanto. — Você me contou a verdade, — Eu consegui dizer. — Isso é o mais importante. Lucas me abraçou tão forte quanto ele poderia, em meu estado semi-sólido. — Eu sonho acordado em estar com você o tempo todo, — ele sussurou no meu cabelo. — Todo o tempo. Se eu não pudesse me lembrar de estar com você, eu não sei como seguiria em frente. Mas às vezes eu penso — se eu pudesse acabar com isso, só acabar logo, enquanto eu estivesse com você, é o mais perto que qualquer coisa como eu poderia chegar ao céu... — Lucas, não. — Eu nunca faria isso a você, — ele disse. — Nunca. Mas... Bianca, nós não podemos. Eu assenti, aceitando a barreira entre nós. Não era pra sempre; apenas até que Lucas conseguisse controlar sua fome de sangue e a terrível auto-aversão que Cruz Negra tinha programado nele. Mas quanto tempo até esse dia chegar? Esse dia sequer chegaria? Como se ele pudesse ouvir minhas dúvidas, Lucas disse, — Algum dia. — Algum dia, — Eu disse, uma promessa pra ele e pra mim mesma.
Mais tarde naquela noite, ainda atordoada com a decepção e preocupada com Lucas, eu flutuei para baixo na área principal da escola — deserta, a essa hora da noite. Até os vampiros estavam dormindo. Quantos vampiros não fizeram a transição? Eu pensei. Quantos cederam a impulsos suicidas ou a fome de sangue, ou ambos? Eu suspeitava que o número fosse muito maior do que os meus pais já tinham me contado. Mais uma vez eu senti uma onda feroz de saudades deles. Eu não só perdi mamãe e papai, como eles me perderam também, mas se nós pudessemos conversar — realmente conversar, sem todas as mentiras
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entre nós — talvez eu pudesse aprender como ajudar Lucas a suportar tudo isso. Talvez fosse a intensidade da minha concentração, eu me perguntei sobre isso, à forma como eu me prendi tão profundamente em minha mente e não no aqui e agora - ou talvez fosse algum truque de onde eu estava naquele momento, porque as armadilhas e guardas e passagens de Meia Noite criaram uma espécie de arquitetura espiritual dentro da pedra. O que quer que tenha sido, naquele momento, de repente eu fiquei muito consciente de que eu não estava sozinha. Eu podia sentir os fantasmas. Eles estavam mais distintos nesse momento do que alguma vez já tinham sido. Ao invés de simplesmente saber que eles estavam lá, agora eu podia dizer exatamente quantos tinham — duzias, no mínimo. Eles pareciam se destacar na minha percepção, cada um deles distintos, mas parte de um todo, como as estrelas no céu, talvez, diferentes pontos brilhantes que formavam constelações ao redor de mim. Era como se de repente eu visse o céu à noite pela a primeira vez, como se eu tivesse sido cega em relação a ele toda a minha vida e, em seguida, tudo me ofuscasse de uma vez só. Exceto que constelações eram bonitas, serenas — e o que eu sentia ao redor de mim agora eram desespero e fúria. Em vez de ficar deslumbrada, senti o aperto frio do medo. Alguns permaneceram sozinhos, amontoados entre pedras ou na borda da vidraça. Era como se eles fossem bater a cabeça contra uma parede, se batendo e se machucando só para lembrá-los que eles continuavam a existir. Os que estavam presos eram os piores, porque eu não podia sentir nada vindo deles a não ser puro terror. Eles não tinham se tornado nada além de gritos sem palavras. E então tinham outros, agrupados bem juntos, que, quando eu os senti, eles me sentiram também. Mais uma vez, as visões começaram. Eu vi uma imagem da Sra. Bethany na minha mente — não um produto da minha própria imaginação, mas algo projetado dentro da minha cabeça como um filme em uma tela. Algo estava a rasgando em pedaços, literalmente, graficamente, ossos e tendões e sangue e entranhas, mais desagradável do que qualquer coisa que eu já tenha visto. Minha
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garganta apertou, e eu engasguei, mas agora a imagem preenchia minha mente completamente, e eu não conseguia afastá-la. ajude.
Os Plotters — que era como eu os chamava — repetiram, Nos
Ou o que? Eles atacariam as pessoas que eu amo desse jeito? Ou eles viriam atrás de mim? O que um fantasma poderia fazer a outro fantasma? Eu não fazia idéia, mas possibilidades terríveis desdobraramse na minha mente, tornando-se parte da destruição horrível da Sra. Bethany. A boca dela estava aberta, sua mandíbula destruída, mas o grito desesperado na minha mente era meu - Então um feixe de luz pareceu penetrar meu sonho. Sra. Bethany desapareceu, e as ―constelações‖ desapareceram como se fosse madrugada. Quando eu pude ver outra vez, percebi que Maxie estava parada comigo no grande salão. Sua camisola branca flutuou ligeiramente em alguma brisa invisível, a fazendo parecer parte da neblina lá fora. — Você me salvou, — Eu disse. — Os forcei de volta. Isso é o máximo que eu posso fazer. — Ela levantou uma sobrancelha, como se fosse estranho ela ter que me salvar de alguma coisa. — Você é a garota com os super-poderes, se você apenas já tivesse percebido isso. O que mais um fantasma podia fazer a outro fantasma? Aquele novo medo agudo me controlou mais poderosamente do que os Plotters tinham, a um momento antes. Estabilizei-me o melhor que eu pude, me tornando mais sólida. — Aqueles são os... Capangas de Christopher? Ou fantasmas? Ou o que quer que seja? — Christopher não tem nada a ver com eles, — Maxie disse. — Eles estariam melhores se ele tivesse. Eles são muito ligados ao mundo humano para entrar em acordo com o fato de que eles são fantasmas. — Eles odeiam Meia Noite, — Eu disse. — Eles odeiam a Sra. Bethany. Porque eles simplesmente não partem? Maxie cruzou os braços. — Você continua pensando que todos nós conseguimos fazer as coisas que você faz. Nós não podemos. A maioria dos fantasmas não pode andar por ai do jeito que você pode, ou mesmo do jeito que eu posso. Eles seguiram seus humanos até aqui por causa da força do vínculo; cada instinto que eles têm diz pra eles não abandonarem isso. E porque eles estão tão ferrados agora, eles não
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podem pensar além do instinto. Eles não podem pensar, ponto. Eles são só emoções, indo em toda direção. — O que há de errado com eles? — É assim que nós acabamos, se não formos cuidadosos. Cautelosamente, eu disse, — Você quer dizer, nós acabamos... Loucos? — Transtornados. Instáveis. Trata-se de estar no mundo humano, mas não pertencer a ele. — Ela me deu um olhar aguçado que sugeriu que eu estava indo naquela direção. — Você tem estado com Vic desde que Vic era uma criança, — eu disse. Vic era sua maior vulnerabilidade; eu não fui superior em usar isso. Ela sorriu suavemente quando eu disse o nome dele. — Você pode observar eles. Você pode até — você pode até amar. — A voz dela quebrou na ultima palavra. — Mas você não pode viver. O dano vem de fingir que você pode. — Eu não estou fingindo, — eu insisti. — Não está? Bianca, se você apenas viesse falar com Christopher... O medo me percorreu outra vez, e eu balancei minha cabeça. — Não. O comportamento usual e sarcástico de Maxie havia desaparecido e se transformara em súplica. — Bianca, você é importante para os fantasmas. Você não vê? As coisas que você pode fazer que o resto de nós não pode — não é apenas muita fumaça e neblina. Isso significa algo. Você significa algo. — A minha curiosidade começou a tirar o melhor do meu medo, mas justo quando eu queria perguntar mais a ela, ela ficou desesperada, assustada, e disse, — Nós precisamos de você. — Vocês não são os únicos que precisam de mim. — Eu me arrastei pra fora do grande salão, com medo de que ela fosse me seguir. Mas ela me deixou ir. — Você tem certeza que quer aprender a fazer isso? — Patrice cruzou os braços, me estudando tão severamente quanto a Sra. Bethany fazia durante as provas.
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A verdadeira resposta era não, eu não tinha certeza. Isso era, no seu modo, tão assustador quanto treinar com a Cruz Negra — isso nunca tinha parecido bom, aprender a atacar criaturas como eu. O único jeito de me fazer livre era me dar poder. E isso significava aprender a lutar contra os fantasmas, se necessário. — Vamos começar, — eu disse. Patrice abandonou sua resistência. — Para pegar um fantasma, — ela disse, — primeiro você precisa detectar que um fantasma está lá. — Concluído e realizado. — Quando Patrice me olhou por interrompê-la, eu disse, — Eu meio que tenho uma vantagem nisso, ok? — Eu vejo o seu ponto. Agora, assista. — Ela descobriu o espelho vagarosamente, com movimentos exagerados, como uma professora da pré-escola. Eu teria rido se a situação fosse um pouco menos séria e o ajuste fosse um pouco menos assustador. Lá fora, uma chuva forte e fria vinha caindo de forma constante durante o dia todo, drenando qualquer cor do céu exceto cinza. Apesar de Patrice ter ligado as duas lâmpadas do seu quarto no dormitório, elas não foram capazes de neutralizar a melancolia lá fora. Uma das luzes dançou no espelho aberto, lançando uma pequena mancha de brilho nas pedras ao redor de nós. — Você precisa descobrir o espelho depois que você tiver sentido a presença do fantasma, mas antes de você ter realmente o confrontado. Isso não é como as armadilhas da Sra. Bethany — um fantasma pode resistir a um espelho, se ele souber que o ataque está vindo. Minha diversão conseguiu o melhor do momento. Quando eu comecei a sorrir, Patrice inclinou a cabeça confusa. Eu disse, — Desculpe. É que é tão estranho ouvir você falando sobre atacar pessoas. — Desculpe? — Você sabe, não está preocupada em quebrar uma unha ou algo assim? Patrice parecia irritada, até perceber que eu estava apenas provocando. Ela ergueu uma sobrancelha. — Você viu eu me preocupar com isso quando eu chutei alguns traseiros da Cruz Negra — Absolutamente não, — eu disse. — Veja bem, eu estou um pouco fora de prática. Eu matei quem eu já quis matar. Beber sangue pode lhe dar um hálito repugnante. Se quer saber, a Academia Meia Noite deveria adicionar uma aula de
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higiene, porque, algumas pessoas aqui? Eles não pegaram essa mensagem crítica. — Eu não estava interessada em fofocar sobre quem tinha hálito de sangue. — Você… matou muita gente? — Nem tanto, — Patrice disse facilmente. — Apenas alguns proprietários de escravos e xerifes caipiras, antigamente. Antes da Proclamação de Emancipação, se você era negro nesse país, existia sempre alguém tentando tirar sua liberdade. Literalmente, eu digo; figuradamente, isso nunca pára. Depois que eu me tornei uma vampira, eu não tive que aturar isso mais. Praticamente todos os vampiros que eu conheço mataram algumas vezes — exceto meus pais, apesar de que talvez eles apenas não tivessem compartilhado isso comigo. Mesmo os melhores deles, como Patrice e Balthazar, tinham bebido, e assassinado humanos. A matança de Balthazar tinha sido na maior parte durante os tempos de guerra, e eu não podia culpar Patrice por ter atacado quem quisesse escravizar ela. No entando, da mesma forma, eles tinham bebido sangue humano. Balthazar tinha até matado sua própria irmã, com consequências que continuam a nos assombrar. Isso significava que não existia realmente nenhuma escolha pra Lucas? Que mais cedo ou mais tarde, ele iria inevitavelmente estourar? Conhecendo ele como eu conhecia, eu tinha certeza que ele jamais seria capaz de se perdoar. Não é de admirar que ele estivesse desesperado para encontrar um modo além da sede de sangue. A Sra. Bethany estava oferecendo a ele a coisa que ele mais queria no mundo. — Podemos voltar à lição aqui? — Patrice bateu uma unha perfeita — lilás - contra o espelho. — Ok. Ajuda se você tiver algum senso de direção, ou uma brisa, alguma idéia de qual caminho o fantasma está percorrendo. Se eles estão visíveis, fácil. Se não, você tem que prestar muita atenção a coisas como o frio no ar, alguma sinal de neblina ou geada, etc. E você quer virar o espelho perpendicular à aquela direção. — Você só o segura virado para fora, como uma luva de apanhador, e os fantasmas voam pra dentro dele? — Caso único. — Patrice hesitou. — Essencialmente, você tem que pensar na sua própia morte. Pega desprevenida, eu disse, — Por quê?
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— Não só pense nisso. Esteja nisso. É como se você tivesse que procurar dentro de você e tipo... Ressonar em uma freqüência morta, eu acho. Ache um jeito de estar como os fantasmas. Isso é o que os puxa pro espelho — eles estão vindo pra perto de você, por causa dessa ressonância, e então aquele estranho espelho amuleto faz a sua coisa. Ela não teve que explicar o ―estranho espelho amuleto‖ pra mim. Um dos insolúveis quebra-cabeças de ser um vampiro era o porquê os espelhos param de mostrar reflexos quando um vampiro estivesse muito tempo sem sangue; o fenômeno não fazia nenhum sentido, e ainda assim era verdade. A propriedade física simples de reflexão tinha um poder que nenhum de nós entendida, mas todos nós respeitávamos. Patrice continuou, — Deve funcionar melhor com você do que com vampiros, como eu acho que você pode entrar em ressonância com outros fantasmas facilmente. Mas esse truque não seria muito usado para um humano. — Ok. Soa simples o bastante. — Soa simples, — ela zombou. — Leva algumas tentativas pra aprender, ou pelo menos levou pra mim. — Nossos olhos se encontraram, e sua máscara de indiferença caiu. Eu devo ter aparentado estar horrorizada. — Eles me assustam, — eu disse. — Eu sou um, mais — eu não sei. — Você é forte, Bianca. — Patrice disse num sussurro. Eu nunca tinha visto ela séria desse jeito antes, ou tão sincera. — Mais forte do que eu pensaria... Pra alguém tão nova. Se alguém pode os enfrentar, é você. — Eu não sei se eu estou com medo de eles me machucarem, ou... — Ou o que? — Ou de eles me levarem pra longe daqui, longe de Lucas e o resto de vocês. Impedir-me de algum dia voltar. Patrice balançou a cabeça. A luz por trás dela fez seus cachos brilharem. — Não você. Eu sei que você sempre acha o caminho de casa. Eu desejei estar certa disso. Vendo minha relutância, Patrice se sentou e alisou as costas de seu uniforme personalizado, o colocando em ordem. — O que nós precisamos
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fazer é dar a você uma casa mais parecisa com um lar, para você poder voltar pra ela. — Onde nós estamos indo? — Lucas perguntou enquanto eu o levava até a sinuosa escada da torre dos garotos. — Isso é mais divertido do que astronomia? — Você sempre agiu como se estivesse interessado em astronomia! — Eu estava apenas mais interessado em você. — É um segredo, — eu disse, despenteando seus cabelos como uma brisa fresca. — Você vai ver quando nós chegarmos lá. Samuel Younger desceu a escadas enquanto nós subíamos, e eu pude sentir Lucas ficando tenso à medida que eles chegavam perto um do outro. Samuel disse, — Falando sozinho, aberração? — Ás vezes é isso que você tem que fazer pra ter alguma conversa inteligente, — Lucas respondeu. Samuel se virou, mas continuou descendo as escadas. Quando nós estávamos realmente sozinhos outra vez eu disse, — Temos que prestar atenção nisso. — Nós estamos indo bem, é uma loucura o que as pessoas não notam. Há essa hora, eu e Lucas já estávamos quase no topo da torre — na velha sala de registros. — De qualquer forma, Patrice e eu estávamos pensando que não é bom pra nenhum de nós ficarmos sozinhos por muito tempo. — Eu nunca estou sozinho contanto que eu tenha você. Enquanto Lucas dizia isso, ele abriu a porta para revelar o grupo que estava reunido lá dentro: Patrice, que estava estendendo um lenço em um dos baús empoeirados antes de se sentar sobre ele; Vic e Ranulf, que pareciam ter trazido seus posteres de filmes e uma cadeira inflável; e Blathazar, que estava soprando a fumaça de cigarro para fora da janela. O Ipod e as caixinhas de som de alguém tinham sido colocadas em um canto e estavam ligados quase tão alto quanto poderiam, sem chamar a atenção. Enquanto Lucas olhava isso boquiaberto, eu sussurrei, — Nós sempre vamos ter um ao outro — mas nós podemos ter isso, também.
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— Hey, caras! — Vic foi o primeiro a nos ver. — Nós achamos que podíamos animar esse lugar. Nada como pôsteres vintages dos filmes do Elvis pra adicionar um toque de classe. — Eu poderia fazer algumas outras sugestões, — Patrice disse, em um tom de voz que sugeriu que ―um toque de classe‖ não era o que tinha acontecido aqui. Mas ela estava sorrindo. — Isso é seguro? — Lucas disse. Balthazar apagou o cigarro no parapeito de pedra da janela. — Eu não vejo porque não. Podemos ser pegos, mas eles provavelmente vão pensar que nós estamos apenas curtindo aqui. — E nós vamos curtir, — eu disse, — mas sério, nós precisamos de um lugar que a Sra. Bethany não conheça. Um lugar para... Estratégias. Descobrir o que ela está planejando. Descobrir um jeito melhor de se comunicar com os fantasmas. Tudo isso. Eu não posso simplesmente continuar murmurando para vocês entre as aulas. — Não há razão alguma pra qualquer pessoa descobrir que Bianca está aqui com a gente, — Patrice concordou. — E se alguém ouvir muito a gente conversar, eles não vão pensar nada sobre isso. Ela está certa. Se nós continuarmos nos encontrando com ela, um a um, vai soar como se nós tivéssemos conversando sozinhos, e isso faz as pessoas questionarem. Além disso, Bianca pode deixar alguma coisa aqui para fixá-la ela. Seria bom pra ela se encaixar em algum lugar, tão bem quanto às pessoas. A animação inicial de Vic desvaneceu um pouco, e ele e Lucas se estudaram cautelosamente. Lucas disse, — Eu não tenho certeza sobre — sobre isso. — Sobre estar perto de Vic, ele quis dizer. Sobre estar perto de qualquer humano por muito tempo. Vic deixou escapar, — Eu estou impregnado. — O que? — Lucas pareceu confuso; eu não podia culpar ele. — Eu digo, eu pedi a meus pais pra me mandar alguma água benta, o que levou, tipo, a algumas sérias explicações, e agora eu acho que eles acreditam que eu quero me tornar um padre, o que, vamos lá, dificilmente eu faria, mas eles mandaram. Eu a mantenho em um frasco de colônia na minha mesa. E agora eu estou impregnado com ela. — Vic abaixou a gola de sua camisa. Sua gravata pintada de garotas havaianas oscilou ligeiramente. — Água benta, impregnada por todo o meu pescoço. Então mesmo que você se descontrole e me morda, o que eu espero que você não faça, iria queimar. Como morder uma — uma...
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Pimenta jalapeno. Eu sou igual a uma pimenta jalapeno. Então você se afastaria imediatamente. — Ele olhou em volta para o resto de nós. — Certo? — Hm, talvez? — Isso era o máximo que Patrice pôde sugerir; o resto de nós não tinha nada. Lucas obviamente estava tão perplexo quanto nós, mas vagarosamente, ele balançou a cabeça. — Você sabe, estranhamente, isso ajuda. Eu não acho que nós deveríamos ficar sozinhos aqui em cima, mas — sim. Ok. Vic relaxou um pouco. Ainda havia uma distância entre eles, mas menor. Talvez Lucas pudesse pegar o jeito de estar entre humanos se eles não pudessem ser facilmente mordidos; talvez a amizade deles pudesse começar a se curar. — Vamos lá, cara. Eu não acabo com você no xadrez a mais de um ano. Hora de você aprender alguma humildade. Ranulf disse, — Ele te desafia agora porque ele não pode mais me derrotar. — Vic o empurrou pra longe do tabuleiro de xadrez de brincadeira. Lucas me entregou meu bracelete, e eu o coloquei, tomando forma de novo. Pela primeira vez no que pareceu sempre, eu podia apenas passar o tempo com meus amigos como qualquer um. Era o mais próximo do normal que eu podia chegar. — Isso vai funcionar. Você vai ver. — É, — Lucas disse. Mas eu sabia que ele continuava preocupado com Vic e o resto de nós nisso. Dê tempo, eu disse a mim mesma, e a ele, também. Quando o crepúsculo veio mais cedo e as folhas começaram a ocultar o chão mais espessamente do que os galhos das árvores, Lucas devolveu meu bracelete de vez. Ele ficou com meu broche, assim eu podia procurar ele a qualquer hora. Mais como Patrice sugeriu, eu escondi uma pequena caixa em baixo de uma pedra solta na parede, e eu guardei o bracelete lá. Dessa forma eu podia achá-lo quando eu quisesse me tornar sólida. — Se alguma coisa acontecesse comigo e com as minhas coisas, eu não queria estar preso. — Lucas disse enquanto ele colocava o bracelete na minha mão.
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— Nada vai acontecer, — eu insisti, mas eu sabia que ele estava certo. Eu só não poderia ter imaginado o quão rápido os eventos iriam provar isso. Mais tarde naquela noite, Lucas e eu decidimos que era hora de eu tentar entrar em seus sonhos outra vez. — Dessa vez eu vou saber que você está vindo, — ele disse, obviamente tentando mentalizar isso. — Isso vai me ajudar a quebrar o cenário do pesadelo. A preposição dele — a naturalidade com que ele disse pesadelo — me disse que todos os sonhos dele eram pesadelos, agora. — Vai dar tudo certo, — eu disse. Embora eu sentisse que isso era verdade, pareceu uma mentira. Eu não havia mencionado os misteriosos arranhões que eu tinha recebido durante seus sonhos sobre a luta com Erich. Eles pararam de doer rapidamente e desapareceram completamente depois de apenas alguns dias. Além disso, eram apenas arranhões. O quanto aquilo poderia me ferir? Lucas, eu decidi, já estava muito preocupado comigo. Se eu tivesse algum tipo de místico machucado ou arranhão enquanto eu visitava seus sonhos, isso não significaria muito mais tarde — mais se ele estivesse preocupado com isso antes de nós começarmos, isso poderia infectar sua mente e talvez até seus sonhos. Ele precisava escapar daquela ansiedade, não havia outra razão pra isso. Eu sabia que era melhor permanecer em silêncio. Depois de horas, eu flutuei até o quarto de Lucas e Balthazar, onde claramente eles estavam nos últimos preparativos pra ir dormir. Eu não me anunciei — eu sabia que Lucas iria sentir minha presença — mas eu desejei ter feito quando Balthazar rapidamente despiu seu uniforme. Todo seu uniforme. — Hm, Balthazar? — Lucas disse. — Sim? — Balthazar jogou sua cueca no cesto de roupa suja. Eu estava tentando não olhar, mas o pequeno pedaço de visão que eu tive era exatamente o tipo de coisa que me fazia querer olhar mais. — Você entende que nós não estamos exatamente sozinhos, certo? Balthazar congelou por um segundo, então rapidamente agarrou um travesseiro e segurou em frente a ele. — Quando eu disse aquilo sobre me seguir até o chuveiro, eu estava brincando, Bianca!
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Tracei uma palavra trêmula nas linhas de geada através da janela: Desculpe! Lucas fez uma careta. — Quando vocês dois estavam brincando sobre ela tomar banho com você? Balthazar, tentando colocar seu roupão de banho sem derrubar o travesseiro, fez uma careta de volta. — Eu estou indo pro banheiro comunitário por privacidade. O que é patético, mas é por isso que estamos presos aqui. — Ele agarrou seus pijamas e correu pra fora. Perto do ouvido de Lucas, eu sussurrei, — Eu não estava falando sobre tomar banho com Balthazar. — Eu sei, — ele disse, se jogando na cama. — Eu confio em você, eu só gosto de infernizar ele às vezes. É divertido. — Pronto? Ele assentiu com a cabeça, respirando fundo, como se ele já estivesse tentando se acalmar no sonho. — Sim. Vamos tentar. Dentro de meia hora, Lucas estava dormindo, e Balthazar aparentemente estava tomando o banho mais demorado do mundo. Eu esperei pelos rápidos movimentos das pálpebras de Lucas antes de me acumular e dar o mergulho longo e profundo no que eu esperava ser o mundo de seus sonhos. O mundo tomou substância em volta de mim. No entanto, meu triunfo desapareceu assim que eu percebi onde nós estavamos: no abandonado cinema onde Lucas tinha sido morto. Ele ficou vários passos à frente de mim no saguão. Uma mão apertando a estaca, e a outra cobrindo seu nariz e sua boca. Eu não entendi porque até eu sentir cheiro de fumaça e perceber que ela era a razão do nevoeiro em volta de nós. Da tela do cinema vieram oscilações quentes que eu sabia que não eram de um filme — era um incêndio. É, é outro pesadelo, eu percebi. Agora vamos ver se eu consigo acordálo. Antes que eu conseguisse falar, Lucas disse, — Charity. — Olá, baby. — Charity emergiu das sombras. Ela não disse baby como se falasse querido, ou amor, era mais como se ela estivesse falando sobre uma criança. As chamas do fogo dançaram nos seus cachos pálidos.
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Seu longo vestido de renda estava limpo pela primeira vez — só em sonhos. — Como está meu querido bebê hoje? — Me deixe ir, — ele disse. Sua voz quebrou nas palavras. — Eu não poderia se eu quisesse. — Ela sorriu triunfante. — E eu não quero. — Lucas, — eu disse. — Está tudo bem. Não olhe pra ela. Ela é apenas um sonho. Olhe pra mim. Mas ele não olhou pra mim. Eu fiquei entre ele e Charity, esperando quebrar o encanto dos sonhos que o impedia de me reconhecer totalmente. Mas isso não fez bem nenhum. Ele só olhou através de mim, como se eu nem estivesse lá. — Você está procurando Bianca? — A preocupação de Charity iria soar genuína pra qualquer pessoa que realmente não a conhecesse. — Ela deve estar presa no fogo. Você deve salvá-la! Lucas fugiu dela, diretamente para as chamas. Enquanto eu me virava pra ir atrás dele, Charity disse, — Ele é meu agora, Bianca. Você nunca vai o ter de novo. Como era possível Charity me ver quando Lucas não esteve consciente da minha presença, quando ela era apenas parte de seu pesadelo? Os olhos dela se prenderam nos meus. Seu sorriso mudou de forma até ficar menos provocador, mais conspirante. Quase como se eles soubessem uma piada juntos que eu não sabia. Como isso podia acontecer no sonho de Lucas? Não podia. Eu percebi que ela não era parte do pesadelo dele. Ela era a causa. Isso não era um sonho de Charity: isso era a coisa real. Aqui. Na mente de Lucas. Ela deve ter visto a compreensão no meu rosto, porque seu sorriso se alargou, mostrando suas presas. — Eu te disse. Lucas é meu.
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Capítulo Doze — Como você está fazendo isso? — Eu gritei por cima do crepitar do fogo. — Como você está na cabeça do Lucas? — Eu criei o Lucas. — Charity enrolou o dedo através de um de seus cachos loiros pálidos como se ela estivesse flertando. Tendo quatorze anos quando morreu, ela parecia muito jovem para ser tão má, suavidade de bebê em seu rosto. — Eu sou a progenitora dele. Isso significa que sua mente e todo o resto dele pertence a mim agora, e para sempre. Ninguém nunca disse isso para mim antes. Isso nunca seria aplicado no meu caso, como fiha de dois vampiros, eu nunca teria exigido um "progenitor" para me transformar. Embora eu sempre soube que a relação carregava com isso um poderoso laço, eu nunca percebi o quão grande até agora. — Não o faça sonhar com isso. — Eu odiava implorar para ela, mas eu não sabia mais o que fazer. — Ele teve o suficiente para lidar com isso. Charity inclinou a cabeça para um lado quando ela veio para perto de mim, sinistra e ameaçadora, mesmo no reino da imaginação. — Eu não criei esse pesadelo. Lucas fez. Ou foi você? Você é aquela que ele continua tentando salvar. De dentro do cinema em chamas, eu ouvi meu próprio grito. — Mais e mais, eles ameaçam você — Charity disse. — Mais e mais, eles te matam. Alguns vampiros sonham com seus assassinatos, e outros sobre seu remorso. Mas não Lucas. Os fantasmas de sua mente, os milhares de pesadelos que ele resiste, todos eles são uma coisa — perder você uma e outra vez. E acordado. Lucas não tem o conforto de saber que era apenas um sonho. Eu realmente tinha morrido. Estar com ele como um fantasma pode não sarar a ferida inteiramente. Ao fazê-lo experimentar esse momento mais e mais, Charity mantinha Lucas a beira de enlouquecer e se transformando em um assassino. — Eles são seus sonhos, — ela sussurrou em meu ouvido. — Eu só os fiz piores. Eu faço o fogo queimar mais quente e o sangue fluir mais
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rápido, então ele pode ter ainda mais medo de você. Em vez de beber o seu sangue, agora eu bebo sua dor. — Eu te odeio. — A dor dele, é a sua. Eu corri dela pelo cinema. Teria andado mais rápido para apenas pensar em mim mesma ao lado de Lucas, mas rapidamente me lembrei de que, em mundos de sonho, eu não tinha poderes fantasmagóricos. As limitações da idade humana me seguraram depressa. Enquanto corria, eu ouvi Lucas chamar, — Aguente, Bianca! Eu estou chegando! A cena no cinema me horrorizou. O telão em si estava pegando fogo, caindo do muro em tiras que se contorcia e enrolava com o calor. Molduras de plástico nas paredes estavam derretendo em ebulição uniforme. E nos lugares, que estavam vazios naquela noite, eram corpos mortos, que estavam amassados e sangrentos. Cada um tinham suas gargantas arrancadas. Eles são as vítimas dos vampiros, eu percebi. Os que Lucas viu. Aqueles que ele tem medo que ele vai criar. Alguns dos corpos estavam pegando fogo, também. Aborrecida e enjoada, eu tropecei longe dos cadáveres e cai! Para trás. Quando eu atingi o chão, senti a nítida chicotada de fogo em toda a minha panturrilha. Com um suspiro eu me empurrei para cima novamente para ver bolhas vermelhas bem abaixo do meu joelho, uma parte dos móveis - de madeira queimando no chão - deve ter me queimado. O perigo estava se tornando mais real. Eu tinha que nos tirar daqui. — Lucas! — Eu gritei. Mais uma vez, ouvi minha própria voz - ainda não minha chamando seu nome também. Forçando o meu caminho através da fumaça, coceira nos olhos e feridas na garganta, eu finalmente tive um vislumbre de Lucas. Ele estava bem na frente no cinema, onde parte do teto desabou em uma mistura de metal e madeira. Sob vigas, com a cara amassada na dor, estava... Eu. Ou a versão de mim do sonho de Lucas, de qualquer maneira. Meus longos cabelos vermelhos estavam espalhados pelo chão, refletindo o acúmulo de sangue em volta do meu abdômen. O eu do sonho estava ainda mais
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queimanda e com bolhas do que eu estava. Era difícil até mesmo olhar para ela. — Lucas, não! Eu estou aqui! — Eu fui para mais perto, querendo que ele me ouvisse. E ele o fez, virando-se para me ver. Mas sua expressão ficou desesperada, e ele apenas disse, — Está tudo bem, Bianca. Vou te tirar daí. Ainda assim ele não tinha quebrado o poderoso feitiço do sonho, mas agora eu entendi por que Lucas acreditava na sua ilusão tão desesperadamente: Charity teve a certeza que ele o faria. Determinado a chegar até ele, eu comecei a ir para frente, mas uma mão fria se fechou rápido em torno de meu pulso. — Ele tem que aprender que não pode salvá-la, — disse Charity. Seus cachos loiros eram da cor da luz do fogo. — E você tem que aprender que você não pode salvá-lo, porque ele é meu. Uma sacudida da marca de poder arqueou através de mim, como uma electrocussão vezes mil. Eu gritei mais forte do que eu tinha sabia que eu poderia gritar — e a dor parou. Eu abri meus olhos para ver que eu estava mais uma vez pairandono dormitório de Lucas e Balthazar. Charity tinha me arremessado fora do sonho. — O que — Balthazar pulou de pé e os olhos de Lucas se arregalaram. Devo ter gritado neste mundo bem como no sonho. Lucas me viu e piscou forte. — Bianca? — Eu estou aqui! — Atirei-me em seus braços e o abracei com força, querendo ser tão sólida quanto possível. — Estou bem! — No sonho, você estava - Isso não aconteceu com você, não é? Você não teve que passar por isso? — Não, — eu disse, pensando apenas na versão quebrada, queimada de mim que ele havia vislumbrado. Mas como minha perna roçou o lado de sua cama, eu estremeci, e Lucas olhou para baixo em preocupação. Escorria sangue prateado através do pijama, revelando a longa fila da queimadura contra a minha panturrilha. — Bianca! — Lucas saiu da cama para olhar mais de perto. Ele retirou o pijama para cima, que estava picado - mas o fez se estremecer mais forte. Claro, o meu sangue de fantasma queimou ele. Ele
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simplesmente não ligava. Um punhado de fumaça saia dos seus chamuscados dedos enquanto ele examinou a ferida. — Isso realmente aconteceu. Coisas que acontecem em meus sonhos tem o poder de prejudicá-la. — Isso vai curar. Não é nada grave. Depois de desaparecer9, o pior vai acabar. — Embora eu tentasse soar reconfortante, minha voz tremia. A queimadura doia mais do que eu pensei que ia doer, após a morte. Balthazar, esfregando a cabeça sonolenta, vagou para o nosso lado do quarto. Seus olhos se arregalaram quando viu minha queimadura. — Como isso aconteceu? Eu virei para ele, o medo instantaneamente se transformando em raiva. — Por que você não nos informou sobre o progenitor do vampiro? — Do que você está falando? — Surpreso pela minha mudança de humor, Balthazar não pareceu saber como responder. — Vocês dois sabem o que é progenitor, certo? Não vejo como vocês não poderiam saber. — Quero dizer, a parte sobre o progenitor entrar em seus sonhos. — Levantei-me da cama de Lucas e me aproximei de Balthazar, perto o suficiente para fazê-lo se endireitar. Minha perna doía, mas eu ignorei. — Por que não nos dizer isso? A cara de Balthazar caiu, e ele cedeu para trás, percebendo o que eu estava dizendo. — Maldição, — ele jurou. — Charity. Lucas empalideceu. — Espera - em meus sonhos — era criação da Charity. — Será que você assume que a sua santa irmãzinha não poderia fazer isso? — Exigi. — Ou era apenas mais divertido nos deixar descobrir por nós mesmos? O humor Balthazar mudou tão rápido que me assustou. Ele foi direto no meu rosto, sua expressão torcida em uma ira mais escura que eu tinha já vi nele antes. — Em primeiro lugar, nada sobre isso é divertido. Não para você, não para Lucas, e não para mim.
9 Eu acho que aqui ela está falando sobre se tornar invisível.
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— Então por que você não — Cala a boca. — Balthazar disse. Lucas subiu de seus joelhos, talvez pronto para argumentar e me defender, mas Balthazar nunca olhou para ele. Nossos olhos permaneceram focados. — Segundo, eu não avisei vocês porque não acontece muitas vezes. O projenitor tem que realmente querer mexer com alguém assim, e, além disso, fazer isso - ele enfraquece um vampiro por dias. Talvez semanas. É por isso que ninguém faz. Se ela está tomando conta dos sonhos de Lucas todas as noites, Charity teria de estar... Além de uma obsessão. — Em outras palavras, Charity, — eu respondi. Lucas não foi parte da argumentação, mas o que nós estávamos dizendo teve seu próprio efeito sobre ele. — A Charity está realmente na minha cabeça, — ele murmurou. — Ela é a que está me deixando tão louco. Balthazar fez uma careta. — Yeah, ela é. É doente e torcida - e sim, eu entendo agora porque Charity está doente. Mesmo quando eu sinto falta dela, mesmo quando eu penso que posso consertá-la — Sua voz quebrou, mas ele continuou. — Eu sempre soube que ela estava quebrada. — Balthazar — eu disse, com mais suavidade, tentando dar-lhe um fora. — Deus, você não pode ficar quieta e deixar ninguém falar, você pode? — Ele ficou mais perto de mim - mais perto do que ele tinha ficado, em qualquer outro momento fora os tempos que nós tinhamos nos beijado. — Em terceiro lugar, e último, eu quero que você tenha uma coisa por certa. Qualquer que seja o erro feito por mim depois que você morreu, não fui eu que transformei Lucas. Charity fez. E eu não te forcei a deixar Lucas ressuscitar dos mortos. Então pare de me culpar por isso. Com isso, Balthazar virou, pegou seu roupão e cigarros, e foi para a porta. Eu quis protestar, mas sabia que iria apenas levá-lo ao longo da borda. Mas Lucas disse, — Ei. Balthazar. Ele parou com a mão na maçaneta. — O que? — Você não deveria ter gritado. — Lucas fez uma careta e disse, — Mas você não está errado.
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Balthazar simplesmente foi para fora, a batendo atrás dele. No fim do corredor, eu podia ouvir um casal de pessoas murmurando sobre o ruído. Lucas, ouvindo também, disse, — Espero que não reconheçam o seu nome quando ele estava gritando. — Eu não posso acreditar que você tomou o seu lado. — Eu estou do seu lado. Não importa o que aconteça. — Lucas colocou as mãos sobre os meus ombros, que eram sólidos o suficiente para suportar o toque. — Mas você está dando-lhe problemas sem desculpa no mínimo desde - desde que nós morremos, eu acho. Isso nunca vai parar de soar estranho. — Ele não deveria ter te levado naquela noite! — Eu não deveria ter ido com ele. Mas foi a minha escolha, a minha decisão. Além disso — Lucas, evidentemente, não gostava de admitir, mas ele continuou em frente. — Perder você, para ele, foi quase tão duro como foi comigo. Se eu não era responsável por minhas ações naquele dia, ele também não era. Eu ia um pouco mais longe de Lucas, permitindo-me flutuar para a janela, onde eu poderia dobrar meus joelhos contra o meu peito. Abraçarme-me como uma criança, eu percebi, dava uma espécie de conforto de que eu não tinha crescido. No momento, eu sentia como se houvesse muitas coisas que eu tinha que ter superado, mas eu não tinha feito. — Eu sei o quanto você quer alguém para culpar, — disse Lucas. — Alguém que está aqui, agora, para que você possa dar-lhe o inferno. Mas Balthazar é nosso amigo, Bianca. Ele fez muito por nós. Lentamente eu assenti. — Sinto-me estúpida. — Você não é estúpida. — Depois de um momento, ele disse, — Você pensou sobre me destruir antes, quando eu me levantei como um vampiro. Balthazar te convenceu do contrario. — Sim. Mas eu o deixei me convencer. — O peso dessa pergunta silenciosa foi demais para suportar, agora. Tive de saber. — Eu fiz a coisa errada? Lucas, eu te amo tanto. Eu não podia deixá-lo ir. Mas eu percebo. . . Eu percebo que é o que você provavelmente queria. — Está feito. Eu sei que você fez suas escolhas por amor. Isso é o suficiente. — disse Lucas.
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Embora eu ainda me sentisse horrível — tanto por ter mesmo considerado destruí-lo, e por não levar a cabo - Eu sabia que ele tinha me perdoado. Eu queria que realmente pudesse ser o suficiente. — Eu queria poder chorar. Ele acariciou minha mão, como se ele pudesse levar a minha tristeza. — Como está sua perna? — Não muito bem. — Eu flexionei e fiz uma careta. — Se eu desaparecer, vai ajudar, no entanto... — Nós nunca faremos isso novamente, — disse Lucas. Seu rosto era gritante. — Se a Charity é capaz de machucá-la em meus sonhos, então você não pode vir neles. Lembrei-me do primeiro sonho que nós tínhamos compartilhado, quando Lucas ainda estava vivo. Nós esbarramos um no outro numa livraria aonde íamos, enquanto o céu milagrosamente se esticava em cima das nossas cabeças. Tinha sido tão lindo e romântico, na época, eu tinha pensado que era a única consolação que teria para estar morta. Agora isso, também, estava perdido. Minha cara deve ter caído, porque Lucas beijou minha testa, meu queixo e, em seguida minha boca, no mais leve e suave dos toques. — Está tudo bem. — Ele não parecia tão deprimido como eu me sentia. Dada a carga sobre ele, eu teria pensadoque perceber que Charity o estava torturando em seus sonhos seria tudo o que o levaria para enviá-lo ao longo da borda. Em vez disso, ele parecia mais estável. — Quero dizer, pense nisso. Balthazar ouviu sobre isso, a invasão dos sonhos. Aparentemente, muitos vampiros também. Isso significa que eles podem saber de alguma forma lidar com isso. Um bloqueio ou - ou algo parecido. — Talvez. — Isso foi animador. Apesar de tudo me iluminou. — É possível. — Mesmo que Baltazar não saiba como tirar Charity, a Sra. Bethany provavelmente sabe. Pode ser alguma coisa, certo? — Certo, — eu disse distraidamente. De repente Charity não parecia ser o único problema que teríamos que lidar. Lucas queria confiar Sra. Bethany. Ele queria compartilhar seus mais profundos medos com ela, e buscá-la para ajuda. Ela poderia ser
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capaz de salvá-lo quando eu não podia. E nesse momento, eu não poderia culpá-lo por não se importar com as armadilhas que ela colocou. Pareceu-me que tudo e todos - Charity, a Sra. Bethany, e sua fome pelo próprio sangue — iriam lutar comigo pela alma de Lucas. Na manhã seguinte, voltei para a sala de esgrima. Embora a turma tivesse terminado o dia, a sala não estava vazia. Balthazar estava em seus brancos uniformes de esgrima, máscara para cima de sua cabeça enquanto limpava o suor da testa. Depois que os outros da classe tinham terminado, ele ficou para trás para praticar sua técnica - para combater os adversários invisíveis que existiam apenas em sua mente. Lembrei-me de que muitas vezes ele fazia isso quando estava estressado, a noite passada tinha sido tão difícil para ele como para mim. Lentamente eu tomei forma no canto da sala, dando-lhe tempo de sobra para sair, se ele não quissese me ver. Ele ficou. Em poucos segundos estávamos cara - a - cara de novo, apesar de toda a expansão ampla do piso de madeira de lei entre nós. — Hey, — eu comecei. Fraco, mas talvez fosse melhor manter simples primeiro. — Olá. — Balthazar testou o peso de sua lâmina com uma mão, depois a outra, como se o sabre fosse novo para ele, em vez de um velho amigo. — Está aqui para praticar? — Eu nunca fui boa em cercar. — Você aprendeu bastante. Não se rebaixe. Ele podia ser bom para mim, mesmo agora. — Sinto muito, — disse eu. — Eu não devia ter gritado com você na noite passada. Eu não devia ter gritado com você sobre o que aconteceu com Lucas. Nunca. Balthazar deu uma facada no meio do coração de um boneco nas proximidades. O aço curvadao em um arco fino sob pressão. — Eu não deveria ter ido para cima de você assim. Você ficou ferida, e é óbvio que estava chateada. — Você não disse nada que não precisava ser dito. — Mas eu poderia ter escolhido uma maneira melhor de dizer isso. — Ele tirou a máscara da sua cabeça e enfiou-a debaixo do braço
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quando andava para perto de mim. Os uniformes brancos de esgrima sempre tinham ficado muito bem em Balthazar, e lembrei-me por um momento como se sentia estar tão perto dele. Eu nunca poderia lamentar ter escolhido Lucas, mas isso não significa que eu não estava ciente do que eu tinha perdido quando eu escolhi. Como se ele pudesse ler meus pensamentos, Balthazar sorriu. — Amigos outra vez? — Sim, por favor. — Eu queria abraçá-lo, mas isso provavelmente era uma má idéia. — Na verdade, na maioria das vezes, quando você não está triste, você é muito boa em ouvir. Assim que eu estava a ponto de simplesmente dizer obrigado - e estar aliviada, pois suas palavras na noite passada, sobre eu não calar a boca tinha doido - Eu percebi que ele poderia estar me dando uma abertura. — Eu preciso ouvir agora? — Charity. — O nome caiu entre nós como uma pedra. — Você estava certa quando disse que eu estava em negação sobre ela. Você sempre esteve certa sobre isso. E em algum nível, eu sempre soube. Eu já podia sentir a raiva aumentando no seu caminho de volta em minha consciência, mas desta vez eu me forcei a lembrar de que era Charity de quem eu estava com raiva não Balthazar. — Ela é sua irmã. — As palavras saíram calmaa e estáveis, para o qual fui grata. — Você a ama. Como você poderia se ajudar? — Isso não é desculpa para deixá-la correr solta. Deixá-la ferir pessoas. Ou não me fazer pensar sobre o que ela poderia fazer para Lucas, e para você. — Ele não falou sobre isso, porém. — Lucas compartilhou seus sentimentos tão abertamente comigo que eu tive que parar e perceber que ele não era tão livre com todos os outros. Mesmo com a maior confiança e simpatia entre eles agora, Lucas nunca teria pensado em falar com Balthazar sobre seus sonhos ruins. — E você disse que Charity está se enfraquecendo para fazer isso. Eu não estava esperando por isso também. — Eu ouvi ele se jogar e girar em seu sono por um mês agora, e eu nunca juntei as coisas. Isso foi criminosamente estúpido, e vale a pena gritar comigo sobre isso.
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— Eu parei de gritar com você, ok? Para sempre. — Culpa caiu de seus ombros e escureceu os seus olhos, então eu me aproximei e delicadamente coloquei a mão em seu braço. — Você mesmo disse, invadir os sonhos das pessoas assim... É raro Balthazar assentiu. — Eu nunca fiz isso. E nunca niguém fez isso para mim. Charity deve estar dormindo quase o tempo todo, porque seria cansativo para ela. Por outro lado, já que ela está dormindo, isso significa que ela está lá a cada momento do sonho de Lucas. Droga. Só uma coisa importava. — Existe uma maneira de proteger Lucas contra isso? Contra ela? — Não que eu saiba. Mas deixe-me pensar sobre isso. — Ele estudou o meu rosto por alguns instantes. — Algumas das coisas que você e Lucas disseram ontem à noite, e a queimadura em sua perna - soou como se Charity fosse atrás de você nos sonhos dele também. Eu balancei a cabeça. — Mas ela não pode manipular-me tanto como ela faz Lucas. Acho que é porque é seu sonho, e eu estou apenas visitando. — Tenha cuidado, Bianca. — A voz de Balthazar foi inesperadamente firme. — É o sonho de Lucas, e isso provavelmente significa que Charity tem mais influência sobre sua mente. Mas quando você está nos sonhos - é de todos vocês, não apenas seu subconsciente. Foi assim como você se queimou na noite passada. Eu não sei o quanto pior você poderia se machucar, mas você não deveria tentar descobrir. — Nós não vamos tentar de novo, — eu admiti. Algum da tristeza que eu sentia devia ter se mostrado, porque Balthazar se tornou mais suave novamente. — Como você está sua perna? — Não muito bem, mas não terrível. — Apontei para mostrar a ele que eu podia movê-la. Desde que me tornei sólida ou quase isso, eu ainda podia a sentir, apertado contra minha perna, mas a dor não iria durar muito mais tempo. Outros pequenos medos penetraram em meu coração, e eu lhe disse: — Você acha que a Sra. Bethany sabe como tirar Charity fora dos seus sonhos? — Eu duvido. — Ele ergueu a cabeça. — Por que isso fez que você parecesse... Aliviada? — É estranho sentir como se ela pode ajudá-lo mais do que posso, — eu admiti.
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— Isso é o porquê viemos para a Academia Meia Noite, certo? Para aproveitar a experiência de todos aqui, dar a Lucas um lugar seguro para se ajustar? Sra. Bethany é uma grande parte do que mantém essa escola segura. — Eu não confio nela. — Eu não confio nela exatamente, também. Mas confio em sua dedicação a esta escola e os vampiros que vêm aqui. — Enquanto ela está caçando os fantasmas, ela é nosso inimigo. Balthazar fez uma pausa. — Nós não sabemos isso. Há muito que não sabemos. — Bem, pelo menos nisso estamos de acordo. Ele sorriu, e apesar das minhas outras incertezas, senti-me bem em saber que nossa amizade foi consertada. Depois que Balthazar saiu para se preparar para as aulas de tarde, fiquei incorpórea e perambulei pela escola, mergulhada em pensamentos. Por um tempo eu vi meu pai ensinando física, rabiscando as fórmulas no quadro-negro com tanta energia que alguém que não o conhecesse bem perderia a tristeza em seus olhos. Quando eu não poderia ver mais isso, escapei para a aula do Sr. Yee de tecnologia moderna, onde ele estava explicando a um grupo de velhos vampiros, como operar uma máquina de lavar. Enquanto ele dava palestras sobre o ciclo de centrifugação, eu me enrolei em um canto vazio e refleti sobre tudo o que havia aprendido - e tudo o que não tinha. Nós precisavamos saber como manter a Charity fora dos sonhos de Lucas, e se eu, como um espectro, poderia ser prejudicada lá, ou talvez pudesse ajudar a Lucas por isso. Nós precisavamos saber quantas armadilhas tinham na Academia Meia Noite, e suas localizações, para que eu pudesse ficar em segurança. Mais importante ainda, precisavamos saber quais eram os planos da Sra. Bethany, não só por uma questão de fantasmas, mas também para ter certeza se ela poderia ou não ser confiável. Nenhum dos vampiros que eu conhecia e confiava tinham as informações ou podiam obtê-las. Isso significava que se eu quisesse essas respostas - Eu estava indo ter que enfrentar meus medos.
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Eu teria que ir para os fantasmas. Determinada, levantei-me do meu canto - para ver a metade da turma me olhando. Ah, merda, eu sou visível? Percebi que não era, mas que, a minha profunda concentração no meu novo plano, permitiu um profundo laço de geada começar a cobrir a parede e as janelas. Para qualquer um que soubesse, aquilo era tão bom quanto piscar um enorme cartaz de néon que dizia ENCONTRE UM FANTASMA AQUI. — Sr. Yee! — Alguém gritou. — Todas as pessoas mantenham a calma, — disse o Sr. Yee, embora seu humor normalmente inabalável estivesse deslizando em cheio - na maluquice. — Vamos convocar a Sra. Bethany imediatamente. Saia daqui! Eu comecei a pensar nos diferentes lugares em que me sentia ligada, a todas as "estações de metrô" que eu era capaz de viajar num instante. Algo distante seria ideal agora - e tão rápido quanto, eu percebi havia uma maneira de sair daqui e buscar a minha última ideia. Filadélfia. Casa da Vic, onde Lucas e eu vivemos juntos. O sótão — Imediatamente Academia Evernight desapareceu do meu redor, girando em torno como uma névoa. O vapor tomou uma nova forma rápida e delineou o sótão da casa da Vic, com a sua desorganização confortável. E a mãe de Vic, que estava segurando um par de sacos de roupas velhas olhou bem para mim. — Jerry, — ela gritou, deixando cair às malas e correndo para as escadas. — É o fantasma de novo! Nós temos que ligar para as pessoas da TV a cabo! Quando a porta do sótão abriu, uma voz atrás de mim disse: — Ótimo, obrigado. Agora eu vou ter cinegrafistas correndo em volta até aqui, e um bando de nerds fingindo que sabe como eu morri. — Oi, Maxie, — eu disse, virando-me para sorrir para ela. Ela não parecia feliz em me ver, pelo menos não até que eu disse o porquê da minha visita. — Eu estou pronta para ir ver Christopher. Seu rosto todo se iluminou. — Você está realmente fazendo isso, — disse Maxie. — Você está se juntando os fantasmas.
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Capítulo Treze — Tudo será diferente agora que você é uma de nós. — Maxie estava radiante — literalmente — em uma névoa dourada de alegria. — Espere e verá. — Tenho sido uma de vocês desde que morri. — Não realmente, não enquanto estava saindo com vampiros. Isso vai ser muito melhor. Eu não disse para a Maxie que não tinha a mínima intenção de abandonar Lucas ou os outros. Isso me parecia desconfortável como mentir, e eu estava pra lá de cansada de mentiras. Porém, ainda não estava exatamente pronta para acreditar completamente nos fantasmas naquele momento. — Então, — Comecei. — Como fazemos isso? Encontrar Christopher, quero dizer. — Olhei em volta. — Não acho que ele passe um tempo nesse sótão com você. — É claro que não, — ela debochou. — Como se o Christopher passasse algum tempo no plano mortal. — Então ela fez uma pausa. — De fato, retiro o que eu disse. Ele vem aqui de vez em quando. — Para o sótão? — Para o plano mortal, idiota. Mas ele vem aqui apenas quando tem um objetivo, como tentar ajudar um fantasma perdido a encontrar seu caminho de volta. Coisa assim. O Christopher não assombra. — Como você, é isso que quer dizer? Eu pretendia que isso fosse um soco na Maxie, para mostrar que ela, também, ainda não tinha aberto mão do mundo mortal inteiramente. Ela afirmou com a cabeça, solene e docemente. — Se eu souber que você está indo conosco, então finalmente poderei deixar esse lugar. Até mesmo... Até mesmo Vic. — Ela olhou para a marca no tapete onde o Vic havia se sentado uma vez para convocá-la. — Vai ser difícil, mas posso fazer isso.
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— Por que eu? Nós nos conhecemos, eu acho, mas não somos melhores amigas... — Deixarei que Christopher explique. — Maxie praticamente brilhou com antecipação. — Pronta? Eu não poderia responder aquela pergunta sem saber para o que eu deveria estar preparada. — Talvez? — Desapareça aos poucos comigo. Venha. Por alguma razão, foi difícil desaparecer dessa vez, onde nunca havia sido antes. Talvez fosse um pouco como tentar adormecer quando é importante descansar, então, é claro, você fica deitado acordado por horas. Mas ao passo que Maxie se transformou em um puro brilho, consegui seguir seu comando. Lentamente, o mundo ao nosso redor, transformou-se em uma névoa azul-acinzentada, um nevoeiro misterioso que não tinha para cima ou para baixo, sem centro e sem fronteiras. O brilho da Maxie cintilava levemente em meio ao brilho rodopiante e então se foi. — Ok, Bianca. — Sua voz não era mais algo que eu ouvisse tanto — apenas que percebia sem realmente saber como. — Você tem que se liberar. — Liberar-me do que? — Tudo. — Você quer dizer Lucas e meus amigos — Não, quero dizer TUDO, de você puxar tudo bem apertado para dentro de você e então... Se soltar. O que significava aquilo? Sem muito otimismo, tentei fazer o que Maxie disse. Enquanto tentava, no entanto, comecei a entender melhor... E então me soltei. Foi assustador. Como descobrir que você tem a habilidade de fazer seu coração parar de bater, ou a gravidade parar de funcionar. De fazer toda lei do universo virar de cabeça para baixo. Não havia nenhuma névoa azul-acinzentada agora; havia apenas um completo nada, ao mesmo tempo estranho e misteriosamente familiar, como algo tão vasto que eu simplesmente não conseguia ver antes, embora sempre tenha estado ao meu redor. Flutuei livremente em minha mente — ou na mente de alguma coisa que não era mais completamente eu mesma.
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Será que conseguirei voltar? Naquele momento, parecia que não haveria volta de algo como isso. Era aquilo que estava do outro lado das armadilhas? Lucas, sinto muito, não percebi o que isso significava. Então, escutei uma voz, profunda e masculina: — Fique aqui. Instantaneamente, eu era eu mesma novamente. Estava de pé no chão, via luz, tinha um corpo. Quando pisquei, esse novo lugar se formou em torno de mim e, a princípio, tudo que consegui fazer era olhar fixamente. Como posso descrever? Eu estava no coração da cidade, em meio a uma enorme multidão empolgada, que era simultaneamente o mais assustador e o mais bonito lugar que eu jamais tinha visto. Um templo grego brilhantemente pintado estava em frente a nós, perto de um atarracado e resistente torreão e mais adiante um pequeno bosque de árvores de ameixa com espessas nuvens de trevo sob os ramos. Além deles, havia arranha-céus, casas, barracas, montanhas, um castelo, uma moradia - todo o tipo de estrutura e paisagem imagináveis, alguns gloriosos, outros em ruínas. Junto à estrada de paralelepípedos sobre a qual Maxie e eu estávamos, serpenteava um rio pardo com sedimentos, apressando-se tão rapidamente sobre as pedras que eu tive certeza que se eu caísse, seria arrastada pela correnteza. Em torno de nós, pessoas se aglomeravam em todos os tipos de vestido, de jeans a elegância vitoriana às vestes de beduíno, togas. Eles podiam me ver - alguns olharam para onde eu estava - mas ninguém se aproximava. Minha antiga timidez no meio da multidão havia retornado multiplicada por cem, então eu estava grata. Quando olhei para mim, percebi que não estava mais com o pijama com o qual eu tinha morrido. — É o meu suéter verde! — eu disse. — Eu nunca consegui encontrá-lo depois de nos mudarmos para Meia Noite. Era o meu favorito e... Ei, essa calça jeans - eu os amava também, mas... Eu não cresci muito para ela? — Quase tudo que você perdeu pode retornar para você aqui, — disse Maxie, enfeitada em um casaco de pele. Seu cabelo com corte Chanel e lustroso agora, e ela usava sapatos prata brilhante com fivelas o auge da moda dos anos 20. É assim que ela se parecia quando estava viva, percebi, quando ela foi mais feliz. — Vou avisá-lo agora - isso inclui algumas das coisas ruins junto com as coisas boas. Nunca se sabe. Agora que tinha envolvido minha mente em torno de algo tão mundano quanto nossas roupas, comecei a compreender as maiores implicações do que estávamos vendo. — Maxie, nós estamos... Não, isso
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não pode ser o paraíso. — Tinha certeza de que o paraíso não podia ser tão sujo, e apesar da beleza de muitos dos prédios ao nosso redor, esse lugar estava imundo. Grandioso e ainda assim vagamente nojento - na verdade, lembrou-me muito de minha primeira impressão da cidade de Nova Iorque. — Você ainda não chegou ao paraíso, — disse a voz masculina. — Esse é um lugar de refúgio, acho, mais jamais exigiria entendê-lo. É melhor aceitarmos onde estamos em seus próprios termos. Virei-me para vê-lo, vestido em sua elegância do século XIX, com seu longo e grosso cabelo castanho. Ele era adulto, mas ainda não chegava à meia idade, pelo menos não quando morreu. Seu sólido e firme rosto queixado era como aqueles que eu havia visto em pinturas antiquadas de grandes soldados ou almirantes, indo para a batalha sob um improvável céu bonito: ombros largos, cintura fina, olhar firme e olhos penetrantes. Maxie sorriu enquanto se aconchegava em seu casaco. — Christopher, eu trouxe Bianca aqui comigo. Bianca, esse é Christopher. — Nós nos encontramos, — disse, apesar de que era inadequado descrever o modo estranho como os nossos caminhos haviam se cruzado. Quando ele começou a aparecer para mim durante meu primeiro ano na Meia Noite, ele me ameaçou tão terrivelmente que fiquei com pavor dele. Ele também impediu a tribo de Charity de assassinar Lucas e eu no verão passado. Eu comecei no início: — Tenho quase certeza que vocês dois tentaram me matar uma vez. Christopher não tentou negar. Ele nem parecia perturbado. — Você tinha muita vida para viver. Mais cedo ou mais tarde, se tornaria tanto um vampiro quanto um fantasma. Fomos até você na Meia Noite quando você estava bebendo sangue - ficando próxima do seu eu vampiro. — Vocês me queriam para vocês, — disse. — E por sua causa também, — Christopher respondeu. — Se tornar um vampiro seria menos sacrifício para você do que para a maioria, mas muito menos do que você tinha o potencial para se tornar. — Além disso, vampiros são nojentos, — disse Maxie. Eu a encarei, mas ela encolheu os ombros. — Sem ofensa, mas pera lá. Eles são corpos mortos, andando por aí. Uh! — Eu lhe asseguro que isso não fez parte de minha decisão. — Christopher parecia um pouco angustiado com grosseria Maxie. —
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Bianca, como um vampiro, você teria sido apenas uma entre muitos. Como um fantasma, você tem poderes além do que qualquer outro da nossa espécie, e habilidades que você apenas começou a aprender. — É por isso que você salvou a mim e ao Lucas da Charity nesse verão. Apenas para impedir de me tornar um vampiro. Nunca foi pessoal para você. Matar-me ou salvar- me. Ele parecia se divertir. — Como poderia ser pessoal se tínhamos acabado de nos conhecer? Aparentemente, ele conseguiu perceber o quanto aquilo me deixou furiosa, porque rapidamente acrescentou, — Quando se está morto por tanto tempo quanto eu, suas perspectivas são alteradas. Mas não menos verdadeiras. Ótimo, eu tinha séculos de morte-vida esperando por mim antes que isso fizesse sentido. Decidi que não havia razão em surtar por causa disso, no entanto. Eu havia me tornado uma fantasma e tinha de lidar com essa realidade. Christopher era a única pessoa que poderia me ajudar a passar por isso. Não era o líder dos fantasmas, Maxie havia dito — aparentemente não havia tal coisa. Mas Christopher era o mais poderoso dentre os fantasmas, por razões que eu ainda não tinha aprendido. Ele não apenas tinha seus próprios poderes significantes, como também parecia sugerir que eu também tinha poderes ainda esperando para se manifestar. Descobrir minhas próprias habilidades, olhar para mim mesma como fantasma, significava aceitar Christopher. Decidi que era um pequeno preço a pagar. — Águas passadas não movem moinhos, ou o que seja. Só quero entender. — Você caminhará comigo? — Claro. Aproveitando a deixa, Maxie nos deu tchau, correndo para algo que parecia uma lanchonete antiquada. Um de seus brilhantes sapatos de fivela se prendeu na estrada de paralelepípedos, fazendo-a tropeçar - até aqui, parecia, você poderia cair - mas ela se conteve. Isso deixou Christopher e eu sozinhos nesse lugar misterioso. — Se não estamos no paraíso, — perguntei, — como chegamos... Aqui? — Nós que alcançamos a claridade depois da morte, que não mais precisamos assombrar o domínio dos mortais, trazemos o que amamos para cá conosco. — Os cabelos ondulados e castanhos de Christopher se
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agitavam em uma suave brisa que cheirava a beira-mar simultaneamente fresca e suja. Em uma colina na distância à frente de nós, eu vi um egípcio cavalgando ao longo da estrada em uma carruagem; à frente de uma caminhonete velha que expeliu gases de escape pelo cano de descarga. — Não as pessoas que amamos, infelizmente. A alma de cada indivíduo pertence apenas a eles. Mas os lugares que importavam para nós, lembranças do melhor e pior das nossas vidas — tudo isso nos encontra aqui, onde tudo perdido pode ser encontrado mais uma vez. A terra das coisas perdidas, pensei. Parecia ser um nome melhor para esse lugar do que para qualquer outro. — Se os fantasmas podem vir aqui, por que se incomodam em sair por aí e assombrar as pessoas? Isso é melhor que espionar o sótão de alguém. — Nem todos os fantasmas podem vir aqui. — Seus olhos escuros podiam ser intensamente perturbadores, mais ainda, agora que ele estava em sua forma humana. — Muitos de nós somos criados por assassinato. E somente o mais sujo dos assassinatos, não os cometidos no calor da paixão, mas premeditados, assassinatos egoístas nascidos da traição. A voz do Christopher ficou áspera, e eu me perguntei o que havia acontecido com ele e com Maxie. Aos muitos fantasmas alvoroçados ao nosso redor na estrada. Composto novamente, ele continuou. — Esse tipo de morte não é superada facilmente. Muitos de nós despertamos como fantasmas sozinhos, impossibilitados de acreditar que falecemos. Que tenhamos sido tão traídos, ou que o paraíso foi adiado para nós, talvez para sempre. Algumas vezes vemos aqueles que pensávamos que nos amavam glorificando o nosso fim. É de se admirar que tantos se... Deturpem? Fiquem doentes por dentro? — Eu não acho. — O pensamento disso revirou meu estômago. — Isso aconteceu com você? Alguém que você amava... — Amigos, — ele disse calmamente. — Homens que pensei serem companheiros fiéis haviam conspirado contra mim. Desses pelos quais eu tinha mais afeição, apenas minha amada esposa era verdadeira. E o pior destino esperava por ela. Isso me pareceu muito ruim. Imaginei se os amigos dele tinham assassinado ela também ou deixado ela sozinha e sem dinheiro para morrer de fome — de volta aqueles dias, uma mulher por conta própria poderia não ter conseguido arranjar um emprego, ou talvez herdar dinheiro, apesar de que não estava certa sobre isso. Talvez um dos
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assassinos tenha se insinuado e se casado com ela sem que ela jamais soubesse que ele foi responsável pela morte de Christopher. Qualquer uma dessas opções parecia muito terrível de se contemplar, e eu definitivamente não iria me intrometer muito mais. Mudei o assunto perguntando: — Então, você está me dizendo que a maioria dos fantasmas ficam presos. Eles não conseguem superar sua própria morte, e isso os enlouquece. — Essencialmente. Se os nossos assassinos são capturados, isso nos dá algum senso de justiça. Isso ajuda muitos de nos libertar e ascender. — Christopher olhou para cima de nós saudosamente - ainda assim, após todo esse tempo, esperando pelo o céu. — Mas muitos não são capturados, e para outros, a justiça não é suficiente para curar as feridas. Esses permanecem na Terra para sempre, ficando cada vez mais doentes e estranhos, e às vezes perigosos. Para muitos deles, não há chance de que possam ser restaurados o bastante para virem aqui. Tornam-se tão maus quanto às forças que os destruiu. — Ouvir falar em fantasmas assim, — disse. — Mas o resto de vocês — todo mundo aqui — por que não estão no paraíso? Ou o que quer que siga esse lugar? — Eles permanecem ancorados ao mundo mortal. — Ancorados. — Tenho ouvido muito isso ultimamente. — O que isso significa? Christopher me guiou ao redor de um chafariz, ornamentado e elaborado, talvez algo da Renascença. Em vez de borbulhar alegremente, a água lá dentro estava parada e pegajosa, coberta por algas que deixavam a pedra escorregadia. — Uma âncora é alguém ou algo que o prende a Terra. As melhores âncoras lhe mantêm sã e forte. Elas podem ser fontes de amor profundo e duradouro. — Ele olhou de volta para a lanchonete onde tinha deixado Maxie, eu poderia apenas distinguir a sua forma enquanto ela estava sentada no balcão, bebendo algo de um copo de vidro fosco. — Maxine estava à beira de deixar o mundo mortal totalmente para trás quando o menino na casa dela a descobriu e começou a ler suas histórias. — Vic. — Sim. Seu amor por ele amarrou-a a Terra mais uma vez - muito a seu pesar, suspeito. — Pela primeira vez ouviu um brilho de humor na voz de Christopher. — Embora ela não vá admitir isso, ela poderia deixar deixá-lo a qualquer momento, e confiar que sua vida será feliz e
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completa. Mas ela já demorou oitenta anos pós-morte, mais uma década, ou várias, fará pouca diferença. — As melhores âncoras, você disse. Há outras — más? — Às vezes não é o amor que nos une às nossas âncoras, mas a obsessão. Doença. Quando isso acontece, o fantasma torna-se mais deturpado ao longo do tempo. — Enquanto Christopher falava, lembreime do fantasma que assombrava e atormentava Raquel. Sem dúvida, aquele era um exemplo do que ele estava falando. — O perigo é tão grande que mesmo fantasmas melhor ancorados, como Maxine e eu, consideram qualquer vínculo com o mundo mortal fundamentalmente infeliz. Mesmo nós esperamos seguir em frente um dia será tanto quanto difícil deixar nossos entes queridos irem. Comecei a lhe perguntar se eu estava ancorada, mas eu já sabia que eu estava. Lucas, meus pais, Baltazar, Vic, Ranulf, Patrice, Raquel eles mantiveram-me em baixo, na terra, por assim dizer. Mesmo se eu pudesse deixá-los, eu não queria. Um pensamento me ocorreu e me fez franzir a testa. — Com quem o cara do antigo Egito é apegado? Christopher sorriu. — Ele ajudou a projetar as pirâmides e mantém-se bastante orgulhoso delas. Acredito que ele gosta de regressar à de Gizé de manhã e ver o sol nascer lá. No céu distante, as nuvens escuras rodopiaram iluminadas rapidamente por um flash que pode ter sido um raio. — Ok, vocês realmente me queriam aqui, — eu disse. — O que é que me faz tão poderosa ou especial ou o que seja? Além de ser capaz de me materializar, quero dizer. Apesar de que isso é muito impressionante. Ele me encarou, novamente sério. — Você já sabe que pode viajar dentro de todos os nossos reinos, e você pode fazê-lo mais facilmente do que qualquer um de nós - até eu. — Maxie pode fazê-lo. — Às vezes, mas não é fácil, exceto quando ela está na sua presença, — disse Christopher. — Você é capaz de perceber outros fantasmas, algo que muitos poucos de nós podem fazer. Às vezes somos invisíveis uns aos outros, especialmente para aqueles que permanecem perdidos e assustados no mundo mortal. Uma vez que estabelecemos comunicação uns com os outros, é mais fácil, mas nunca é fácil.
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Eu percebi onde ele estava chegando. — Você quer que eu te ajude a encontrar essas pessoas. Para fazê-los deixar a doença interior antes de ficarem permanentemente danificados. — Enquanto eles têm a chance de vir aqui e encontrar restauração. — Ou quer que eu ajude a encontrar os fantasmas de todo o mundo? Ele balançou a cabeça. — A maioria pode encontrar seu caminho até aqui eventualmente. Mas aqueles que não podem — por causa deles, e daqueles a quem vêm atormentar a terra — você tem o poder de alcançálos. Para orientá-los. Para ajudá-los a encontrar seu caminho até aqui. Você pode viajar entre mundos, Bianca. Você é uma ponte entre o mundo dos vivos e dos mortos. Aquelas nuvens distantes não eram mais tão distantes, o céu inteiro me parecia estar escurecendo, embora a luz solar brilhasse sobre todos os outros. A brisa fresca e úmida que percorreu meu cabelo não tocou mais ninguém na estrada. Percebi que o céu acima era, para cada pessoa aqui, uma reflexão do seu espírito. Como eu fiquei mais amedrontada e insegura, a tempestade veio. Christopher não respondeu. — Esse trabalho é importante. Vai exigir muito de você. Mas o bom é que o que você pode fazer para não tem medidas. Eu concordei com ele. Parecia que valia a pena - mais do que válido. Importante. O tipo de coisa que eu queria passar a minha vida após a morte fazendo. Mas a idéia de abandonar as pessoas que eu amava me segurou. — Por que você não faz isso? Você é tão super poderoso e tudo mais, de acordo com a Maxie. — Eu não nasci para ser wraith. Não tenho seu poder natural. — Meus talentos são fracos e aprendidos por conta própria ao longo do tempo. — Por que você não treina todos os outros aqui para fazer o mesmo? — Eles não são tão poderosamente ancorados ao reino mortal como eu fui, — disse ele. Seu olhar estava distante. — Minha ligação durou mais tempo do que a maioria, mais intimamente que a maioria.
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Relampejou, e eu senti a chuva começar a tamborilar no meu cabelo e jeans, apesar do fato de que ninguém estava se molhando. — Eu não posso. Sinto muito - Eu vejo que o que você quer que eu seja, uma coisa boa, que é importante... Mas não posso. Christopher não ficou tão desanimado pela minha recusa, como eu teria pensado. — Você tem tempo para analisar a questão, — disse ele. Ele estava certo, é claro, nós tínhamos a eternidade para passar por isso. Como me afastei dele, já ansiosa para ir embora, Christopher apressadamente acrescentou, — você não precisa estar totalmente separada daqueles de quem cuida, mesmo aqui. Seus poderes permitiriam que você os ouvisse. — Sério? — Não é que este fosse um grande argumento para mim — quero dizer, eu queria ficar com as pessoas que eu amava, não apenas ser capaz de alcançá-las. Mas saber que esses vínculos sobreviviam aqui foi incentivador de alguma forma. Aparentemente fortaleceu a ele. Christopher assentiu. — Chegar às profundezas do seu próprio espírito, até encontrar, no interior, alguém que você ama. — O que isso quer dizer, chegar ao meu próprio espírito? — Lembrei-me então do que pensei sobre o céu lá em cima. Ele era um reflexo do meu eu interior, eu deveria me concentrar na tempestade escurecedora. Fechei os olhos, mas ainda podia ver o brilho dos raios através das minhas pálpebras. Gotas de chuva respingaram no meu rosto, mas estendi os braços, aceitando a tempestade como parte de mim. E então meus olhos se arregalaram quando ouvi o meu nome como um grito. Alguém está em apuros, eu percebi. Meu primeiro pensamento foi Lucas, mas percebi que a voz no trovão soou familiar. Parecia o meu pai.
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Capítulo Catorze — Pai, — eu murmurei. Eu podia ouvi-lo — apesar de que ―ouvir‖ não era exatamente a palavra certa. Era mais uma questão de senti-lo, sentir seu medo e angústia através do som do trovão e do arrepio do frio chicoteando a minha volta. — Você irá até ele? — Christopher não parecia aprovar ou desaprovar; ele apenas assistia, como se tivesse tirando minhas medidas. Eu podia encarar meu pai novamente? Encarar o risco de ele me rejeitar para sempre, ou se virar contra mim? Então o trovão rugiu mais uma vez, e eu senti o medo no coração do meu pai ficar mais forte do que o medo no meu. Algo terrível estava acontecendo, algo muito mais importante do que as respostas que eu precisava. Se Christopher se virasse contra mim — se ele tentasse me emboscar nesse lugar — eu tinha que encontrar o Papai o quanto antes. — Sim, — eu disse. — Eu vou. Christopher não estava zangado; aquele foi o primeiro momento no qual eu senti que talvez pudesse confiar nele. — Então eu devo esperar que você volte. — Eu voltarei, — prometi a Christopher. — Quero saber mais. — E eu quero lhe contar. — Como eu chego ao meu pai? — Quando uma pessoa que você ama lhe quer por perto tão desesperadamente, — Christopher disse, — você vai achar impossível estar em outro lugar. Seu rosto parecia triste enquanto ele disse isso, tanto que eu imaginei quem lhe queria. Mas eu não podia me preocupar com Christopher por muito tempo, não com meu pai em perigo ou desaparecido ou o que quer que estivesse acontecendo sobre os céus. Eu não podia me preocupar comigo mesma, também. Meus medos haviam sido apenas um tipo de egoísmo; eu via isso agora. Essa terra de perdição deu a tudo, o perceptível ou não, uma clareza brilhante.
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Eu fechei meus olhos e pensei em meu pai. Pela primeira vez em meses — desde que morri — eu não pensei apenas na idéia dele. Eu me permiti uma lembrança tão completa que ela preencheu meu coração. Colocando-me na cama quando eu era um bebê. Dançando lentamente com minha mãe enquanto Dinah Washington tocava em seu velho hi-fi. Conversando fiado com nossos vizinhos em Arrowwood em um esforço para se adaptar. Levando-me para a praia porque eu amava isso, apesar de ele odiar a luz do sol. Queixando-se de ter que acordar cedo pela manhã, com o cabelo saltado para todos os lados. Imitando sua ressurreição dos mortos com um de meus velhos bonecos Ken, para a platéia de uma garotinha muito interessada e algumas Barbies bem surpresas. Tudo o que o fazia meu Pai. Quando eu abri meus olhos, ele estava lá. Ou melhor, eu estava lá com ele, na Meia Noite. A noite havia caído — sem mencionar a quanto tempo eu havia saído. Pareceram minutos, mas poderiam ser horas ou dias. Meu pai permaneceu no centro da biblioteca da escola — A biblioteca! Eu pensei, horrorizada, lembrando da armadilha que havia sido aqui. Mas Lucas havia retirado-a, e talvez ela não tivesse sido reposta. Eu me senti bem. Meu pai, pelo contrário, parecia estar se protegendo de ventos fortes. Não, não ―parecia‖ — um vento com força de tempestade havia chicoteado para dentro da sala, cada rajada gelada. Eu percebi que ele estava preso; gelo havia se formado entre as prateleiras de livros, criando uma camada de dez pés com meu pai no meio e sem saída. Uma forma azul acinzentada brilhante podia ser percebida no canto mais distante, alguém extremamente magro, muito velho, quase careca. Podia ser homem ou mulher. Era certamente um fantasma. — A coisa tenta, — a coisa assobiou, em uma voz que soou como o gelo quebrando. Eu a reconheci: um dos Plotters. — A coisa tenta, mas é estúpida demais para saber o que está fazendo de errado. Meu pai disse, — Você será levado. Você não pode resistir para sempre. — Mas ele não parecia acreditar nisso. Seus olhos não pareciam irados ou assustados, apenas tristes — do modo que haviam estado quando eu o vi na poltrona quanto eu voltei para Meia Noite. Como Lucas parecia quando ele foi para sua luta fatal com Charity. Eu percebi por que meu pai havia estado pensando em mim, me chamando; meu pai acreditava que estava para morrer sua morte final. Ele esteve tentando atrair esse fantasma para uma armadilha, eu entendi — eu podia ver uma das caixas de cobre em forma de concha aos
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seus pés, quebradas em duas e agora aparentemente sem poder. Por que meu pai estava ajudando a Sra. Bethany? O assobio se tornou uma gargalhada. — Congele a coisa. Parta a coisa em dois. Sem cabeça, sem nariz. O rosto de papai não mudou, porque ele provavelmente não sabia do que o fantasma estava falando. Mas eu sabia. Eu mesma usei esse poder — a habilidade de entrar em um vampiro e transformar seu corpo em gelo. Eu vi o quão poderosamente isso podia machucar os vampiros, e eu não duvidava que pudesse matá-los. O fantasma desceu, o espírito malévolo de meus piores pesadelos, a materialização de tudo que ainda me assustava sobre fantasmas. Eu não sabia o que fazer; eu não sabia se eu tinha algum poder contra outros fantasmas. Ele podia me destruir como podia fazer com meu pai? O que eu podia fazer? Instantaneamente, eu pensei em minha pulseira de corais e a sala de registros, e meu espírito se materializou lá. Vic, que estava sentado em uma almofada e lendo uma revista em quadrinhos, meio que cuspiu e se engasgou com sua boca cheia de refrigerante quando eu apareci. — Whoa! Bianca, você não deve aparecer assim do nada. Eu esperava Lucas ou Balthazar, mas eu devia usar a ajuda que eu podia ter; até mesmo uma simples interrupção poderia fazer o fantasma ir embora. — Meu pai está com problemas — vá para a biblioteca! Rápido! Logo, eu pensei na gárgula do lado de fora de minha velha janela — e eu estava lá, pairando do lado de fora do meu velho quarto. Era bem assustador pensar na droga que seria se minha mãe resolvesse ir até a biblioteca para ajudar o papai, mas ela não estava lá. Frustrada, eu movime ao longo das pedras, procurando por um rosto familiar; afortunadamente, Patrice estava lá, sozinha, analisando os toques finais de suas unhas. Eu percebi que ela era de quem eu estava precisando o tempo todo. Eu congelei a janela tão rapidamente que o vidro chacoalhou, e ela a abriu para colocar a cabeça pra fora. — Bianca? — A biblioteca! Traga um espelho, agora! Tinha que voltar para o meu pai. Mas a corrente pela qual eu tinha seguido antes havia se rompido; aquele tipo de conexão que não parecia funcionar aqui no mundo mortal. Eu teria que tomar o caminho mais longo. A única forma de evitar deixar gelo pelo caminho era me acalmar e ir devagar, mas não havia tempo para isso.
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Eu corri pelo quarto de Patrice e pelos corredores, ignorando o gelo e as estranhas luzes azuis que ondulavam a minha volta, mesmo quando os outros estudantes começaram a gritar. Skye, saindo do chuveiro, quase deixou cair sua toalha, e eu podia ver os fios úmidos de seus cabelos se arrepiarem em pontos gelados. Perdão, eu pensei distraidamente. Eu não podia me preocupar com mais ninguém agora além de meu pai. Meu trajeto até a biblioteca provavelmente não levou mais de um par de minutos, mas pareceu uma eternidade. Quando eu entrei pelas portas, uma rápida pancada com madeira atravessou meu corpo, eu pude ver a vacilante luz azul refletida e dentro do que era agora uma enorme gaiola de gelo. Em algum lugar no meio daquela crepitante e cintilante prisão estava meu pai. Abri caminho pelo gelo até o centro. Lá, para meu horror, eu vi meu pai — oscilando sobre seus pés, inclinado em um ângulo impossível, empurrando desesperadamente o punho de gelo que estava enterrado em seu tórax. O fantasma cacarejou. — Coisa estúpida. Coisa estúpida. — Saia de perto dele! — eu gritei. Sem saber o que mais fazer, eu me joguei dentro da cela, tanto quanto eu podia. Ela simplesmente ficou firme e eu me deixei cair. Mas pelo menos servi de distração; o fantasma tirou sua mão gelada de meu pai e se virou em minha direção. Ele era a coisa mais feia que eu já havia visto. No começo pensei que ele era apenas velho, mas pessoas velhas não eram assim. A ―carne‖ que ele manifestava não parecia mais servir — suas pálpebras inferiores caíam tanto que eu podia ver todo o seu globo ocular, e seus lábios caíam de seus molares, e alcançavam seu queixo. Eu recuei até tocar o gelo; eu podia tê-lo atravessado, mas isso seria abandonar meu pai. Eu ouvi uma voz frágil dizer, incrédula, — Bianca? Pai! Mas eu não podia olhar para ele agora; esse fantasma precisava ficar focado em mim e não nele. Os olhos redondos e assustadores do fantasma acenderam-se — literalmente, como se estivesse em chamas. Eu não tinha idéia de que pudéssemos fazer isso e seriamente eu não queria começar. — Um bebê, — a coisa disse. — Eu posso ser nova nisso, mas eu prometo, eu posso— O que eu posso fazer? — Eu posso não te ajudar mais se você não o deixar em paz.
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— Você pode nos levar para lá, — a coisa disse, arrastando os pés para frente com um entusiasmo que era levemente infantil, e ainda mais perturbador. Era isso que Christopher queria dizer? Que eu devia ajudar coisas repugnantes como essa? Então eu me senti mal. Se eu não tivesse sido capaz de criar um corpo, e interagir mais de uma vez com pessoas que me amavam, talvez eu houvesse me tornado repugnante também. Se a coisa pudesse ir para aquele mundo de coisas perdidas, talvez parasse de ser tão assustador e começaria a parecer com ele mesmo novamente. Se eu pensei que trabalhar com pessoas mortas seria uma beleza o tempo todo — especialmente algumas das pessoas mortas que eu já conhecia — então aquilo foi estúpido da minha parte. — Eu levarei você, — eu prometi. Não sabia exatamente ainda como fazer isso, mas eu já entendia que se começasse a me ajeitar, Christopher poderia me ajudar. — Só deixe este homem ir, está bem? Podemos ir para lá agora mesmo. O fantasma hesitou. Talvez ele não pudesse acreditar em sua boa sorte. Mas então seus olhos flamejantes se estreitaram, fendas de um fogo azul espectral. — A coisa não tem mais que fugir, — a coisa assobiou. — Não depois do que a coisa fez. — Eu não me importo com o que ele estava fazendo. Não importa! Você pode sair daqui agora. Isso não é mais importante? A coisa não respondeu. O fantasma tinha que pensar, eu percebi — a coisa estava dividida entre a esperança e o ódio, incapaz de escolher um e deixar o outro. Com cuidado, eu adicionei, — Onde estamos indo... Pode ser bonito. É melhor do que assombrar uma escola, de qualquer forma. Você tem que ver. Vamos. — Eu me forcei a oferecer minha mão ao fantasma, apesar de suas mãos parecerem garras e ossos. Por mais um momento, o fantasma hesitou. Eu ousei espiar meu pai e desejei instantaneamente que não tivesse; lágrimas estavam rolando por suas bochechas enquanto ele olhava para mim, e eu pensei que talvez ele estivesse chorando por eu ter me tornado algo tão horrível — uma coisa igual à criatura que havia tentado machucá-lo.
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Então o fantasma repentinamente gritou de raiva. — A coisa não! A coisa não precisa fugir. — Ódio havia vencido. Eu mergulhei para meu pai, e eu tentei ficar entre eles. Eu não podia parar o fantasma, exatamente, mas era como se nós de alguma forma nos enrolássemos um no outro, nenhum de nós sólido, nenhum de nós distinto. Como nata espalhada em um sanduíche: uma pegajosa, grudenta bagunça. O espírito do fantasma ondulou em volta do meu, mais fatigado e triste do que eu havia pensado, e eu tremi em repulsa. — Saia de perto de mim! — eu empurrei o fantasma, e funcionou. O fantasma foi para acima de nós, uma linha encaracolada azul de eletricidade logo abaixo do teto. Eu tive uma súbita visão de ele descendo como um raio. A quem atingiria primeiro? Meu pai ou a mim? E o que aconteceria quando o fizesse? Então o fantasma gritou, um som deplorável, e dissolveu-se em uma fumaça azulada que serpenteou em direção à porta da biblioteca. Dentro de um segundo a luz havia sumido, e havia silêncio. Eu percebi o que devia ter acontecido. — Patrice? — eu chamei. — Está em meu novo compacto! — ela chamou detrás do gelo. — Que por acaso é um Estee Lauder. É melhor essa coisa não quebrar ele. Então eu ouvi o som da risada impressionada de Vic. — Aquilo foi incrivelmente legal. — Eu tento, — ela disse. As paredes de gelo rodeavam meu pai e eu. Apesar de eu achar que elas derreteriam com o tempo, eu não gostava da idéia de deixá-lo lá sozinho até o amanhecer. — Vocês podem nos tirar daqui? — É, agüenta aí! — Vic pareceu excitado com todo o processo. — Eu vou usar o machado do alarme de emergência de incêndio. Tentar alguma das manobras de Ranulf. Assim que os escutei indo para o corredor para pegar o machado, eu sabia que não havia como evitar isso. Rodando, me virei para encarar meu pai novamente. — Bianca, — ele disse novamente. Suas bochechas estavam úmidas por causa das lágrimas. — É... Você mesmo? — Sim. — Minha voz pareceu pequena. — Pai, perdão.
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— Perdão? — Meu pai me pegou e me abraçou tão forte que meu corpo semi-sólido quase cedeu, mas eu agüentei. — Minha garotinha. Você não tem que pedir perdão por nada. Você está aqui. Você está aqui. E eu sabia que ele não se importava por eu ser um fantasma, ou que eu tivesse sido tão estúpida e errada sobre um monte de coisas, ou que tivéssemos brigado na última vez em que nos falamos. Meu pai ainda me amava. Se eu pudesse chorar, eu teria chorado. De certo modo, a alegria que se espalhou por mim se tornou em luz e calor, uma fraca luz como a de uma vela — e eu podia sentir isso aliviando a dor de meu pai. — Eu senti sua falta, — eu murmurei. — Senti tanto sua falta e da mamãe. — Por que você não nos procurou? — Eu tinha medo que vocês não me quisessem mais. Agora que sou um fantasma. — Você é minha filha. Isso nunca muda. — O rosto de meu pai estava enrugado em dor. — Nós o odiamos tanto... Estávamos com tanto medo deles. Claro que você tinha medo. Nós éramos tão — obstinados e limitados com isso. Devíamos ter falado com você. — Se eu soubesse... — eu não sabia o que eu teria feito, se eu soubesse. Eu teria me transformado em vampira? Escolhido meu atual caminho? Eu não sabia dizer, e isso não importava. Estávamos aqui agora. — Desculpa por ter fugido daquele jeito. Sei que te assustei. A expressão de meu pai sugeria que eu não sabia disso a metade, mas ele não parou de me abraçar. — É aquele garoto. Ele sempre foi uma má influência sobre você — — Pai, não. Eu tomei a decisão de seguir por mim mesma. Lucas ajudou a cuidar de mim, mas foi minha escolha. Se você tem raiva disso — e eu não te culpo — você tem que entender que foi minha culpa. Somente minha. Meu pai bagunçou meu cabelo, mas não disse nada. Eu sabia que ele não acreditava em mim. — Lucas precisa de sua ajuda, — eu murmurei. — Ele está tendo problemas com a transição. Ele odeia o que é e não consegue superar isso. Você poderia ajudá-lo. — Isso é pedir demais.
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— É o que eu estou pedindo. — Mas depois do que eu fiz meu pai passar nos últimos meses, talvez eu não tivesse o direito de pedir tanto, pelo menos não agora. — Quando você estiver pronto. Pense nisso. As portas da biblioteca guincharam, e eu ouvi Vic gritar, — A brigada do fogo está aqui! Meu pai e eu demos as mãos enquanto Vic e Patrice começaram a golpear o gelo. Eles estavam rindo — aparentemente esse era um trabalho úmido e bagunçado — o que me permitiu cochichar para ele privadamente, — Podemos ir ver a mamãe? Eu pensei que ele ficaria excitado, mas pelo contrário ele hesitou. — Deveríamos esperar. Não muito tempo — eu preciso pensar em qual a melhor maneira de lidar com isso. Meu coração afundou. — Você acha que mamãe não seria capaz de aceitar isso. Ela odeia os fantasmas. Ela vai me odiar? — Sua mãe te ama para sempre, — meu pai disse ferozmente. — Assim como eu. Mas suas experiências com os fantasmas têm sido pior do que o normal. Depois do Grande Incêndio de Londres, e da intensa destruição de fantasmas lá, os poucos fantasmas que restaram estavam — malucos não chega nem perto. Celia sofreu por dias com seus ferimentos, e teria morrido se eu não tivesse — bem. Enquanto ela estava presa entre a vida e a morte, ela passou por algumas experiências terríveis. Você nunca entenderá como foi difícil para ela concordar em encontrar-se brevemente com o fantasma que criou você. A coisa a assusta muito até hoje. — Mamãe teria... Medo de mim? — Passaremos por isso, — ele prometeu. Papai já parecia melhor do que eu o tinha visto antes de morrer. Mais jovem, se isso era possível. Havia uma luz em seus olhos, e nenhuma sombra por trás do sorriso. — Eu não quero deixá-la lamentando por muito mais tempo. Não farei isso com ela. Eu só quero pensar em como podemos contar isso pra ela da melhor maneira. — Ok. — Aquilo parecia justo. De tanto que eu queria ver minha mãe novamente, para duplicar a felicidade que eu sentia no momento, eu acreditei no julgamento de meu pai. Ele já amava minha mãe por centenas de anos agora; ele a conhecia melhor do que qualquer outra pessoa jamais poderia. — Espere — você mencionou o Grande Incêndio de Londres. Ele destruiu todos os fantasmas?
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Ele amarrou seus braços. — Bianca, você não sabe? Se um fantasma é preso dentro de uma estrutura, e a estrutura queima, o fantasma é destruído. Você deve ter cuidado. Fogo pode machucar você. Meu pai podia estar ensinando à minha versão de três anos de idade sobre como é uma má idéia tocar o fogão enquanto ele está ligado. — Não se preocupe. Eu não pretendo me deixar pegar. A parede de gelo mais próxima a nós rompeu-se, e meu pai e eu pulamos para trás. Parados do outro lado, salpicados com flocos de gelo, estavam Vic e Patrice. Vic, que segurava o machado, parecia nunca ter se divertido tanto na vida. Patrice cuidadosamente retirou mechas de seu cabelo de seus olhos. — Como vai, Sr. Oliver? — Vic disse alegremente. Patrice ofereceu seu caro compacto, que estava completamente incrustado de gelo. — Alguma idéia de o que eu deveria fazer com essa coisa? Não vou colocar de volta na minha maleta de maquiagem. Meu pai olhou para ele, então para mim, como se ele estivesse juntando as coisas. — Espere — seus amigos, eles... Sabem sobre você? Passam tempo com você? — Sim. Demorou um tempinho para descobrir como fazer funcionar, mas conseguimos. — Lucas... Balthazar... — A testa de papai enrugou. — Sim, eles sempre souberam, — eu disse. — E não fique bravo com eles por não te contarem nada. Foi decisão minha também. — Ah, cara, estranho. — Vic enfiou o machado atrás de suas costas, como se ele fosse o motivo de as coisas serem tão difíceis. — Devíamos ir? — Eu não vou levar isso comigo, — Patrice disse, segurando o compacto coberto de gelo com dois de seus dedos, como se ele cheirasse mal. — Me dê. — Meu pai a viu hesitar e suspirou. — Nós devolveremos o espelho mais tarde. Patrice pareceu duvidosa, mas ela lhe alcançou o compacto. — Bem, está feito. Feliz em ajudar. Vejo você mais tarde, certo? — Ok, — eu disse. Vic somente assentiu para nós e timidamente seguiu Patrice. Enquanto eles iam, eu a vi olhando desaprovadoramente para suas unhas. Aparentemente, em sua pressa em me ajudar, ela havia
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arruinado suas unhas recém-feitas. Para Patrice, este era um sinal de dedicação genuína. Meu pai e eu estávamos sozinhos novamente. Sem palavras, saímos dos blocos retorcidos de gelo para um canto mais agradável da biblioteca, onde um pequeno sofá estava entre as mais altas prateleiras. Era um bom lugar para sentar e conversar, apesar de no momento não estarmos conversando. Havia tanta coisa pra dizer que eu não conseguia pensar em por onde começar; eu comecei pelo lugar em que o confronto da noite havia começado. — O que você estava fazendo com aquela caixa? — Tentando pegar um fantasma. — Seus olhos fizeram caminho para a parede mais distante da biblioteca — o lugar onde a armadilha havia sido armada. As mãos de meu pai se fecharam em volta das minhas, como se ele relutasse a me deixar por um segundo. — A coisa assentou-se aqui sem— — Sem ser pega. Porque a armadilha estava quebrada. — Eu percebi pela primeira vez que talvez meu pai já pudesse ter as respostas pelas quais eu procurava. — Pai, o que está havendo? Por que a Sra. Bethany está armando estas armadilhas para os fantasmas? — Para pará-los, claro. Eles não são todos como você. A maioria é como aquela coisa que acabamos de capturar. — Não, a maioria deles é como eu — nós, em geral, as pessoas que éramos antes. Vocês não os vêem. Eles não assombram lugares da mesma forma. Ele abriu sua boca como que para argumentar, antes de perceber que eu realmente sabia mais que ele sobre isso. — Se nós entesemos isso... Apesar de meu pai ter se esgotado, eu ainda podia seguir sua linha de pensamento. — Você teria me contado sobre minha transformação em fantasma, não teria? Mas você pensou que significava ser algo assustador, uma coisa horrível — uma coisa que nunca mais poderia ser sua filha. — Eu não pude agüentar dizer as palavras. E nós pensamos que isso a assustaria. — Papai parecia muito cansado. — Nós só tentamos tornar o vampirismo tão atrativo quanto possível. Não parecia haver nenhuma razão para você questionar isso, ou afastar-se. Não até que me apaixonei por um humano, eu pensei. Essa era a verdadeira origem do ódio deles para com Lucas, eu percebi; não havia
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muito que fazer com o que Lucas havia ou não feito. Ele me deu uma alternativa — me fez duvidar de tudo que eu já tinha por certo. Eu imaginei se meu pai entendeu isso também. Eu voltei para o assunto. — De qualquer forma, a maioria dos fantasmas não é tão maluca quanto aquele. — A maioria dos que tem por aqui parecem ser, — ele apontou. — Lembra-se do baile de outono no último ano? Como se eu tivesse esquecido quase ser morta por grandes lanças de gelo caindo. — Se eles são tão perigosos, por que a Sra. Bethany os está trazendo aqui? — Trazendo-os aqui? Bianca, o que você quer dizer? Rapidamente eu expliquei sobre o elemento comum secreto que cada estudante humano na Meia Noite compartilhava — cada um vindo de uma casa assombrada e era conectado a um fantasma ou fantasmas. Alguns desses fantasmas os haviam seguido até aqui. — É por isso que ela deixa os humanos entrarem, pra começo de conversa. Para trazer os fantasmas. — Você não acha que isso possa ter algo a ver com o fato de alguns estudantes humanos ajudarem os estudantes vampiros a se adequarem à atualidade? Não há melhor preparação para uma adaptação à humanidade do que realmente passar tempo com seres humanos. — Ele apertou minhas mãos mais forte, como se pensasse que eu estava sendo um pouco tola, mas não se importasse. Mas eu balancei minha cabeça. — Talvez ajudasse. Mas sério, pai, cada um dos humanos? Não há tantos fantasmas. Nem de perto. Não há como ser uma coincidência. — Então ela tem algum propósito por trás de aprisionar fantasmas. Algum propósito que não sabemos qual é. Tentarei descobrir. — A expressão de meu pai mudou então, tornando-se rígida e distante, como se ele estivesse furioso com alguém que não estava na sala. — Pai? — É só — nada. — Ele voltou a prestar atenção em mim e me abraçou forte. Meu brilho de felicidade iluminou toda a biblioteca e a fez ficar dourada. — Não importa. Nada importa, exceto que você está de volta.
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Ficamos juntos por mais um tempo depois disso, mas já havíamos dito as coisas mais importantes. Logo ele contaria à mamãe; até lá, nós dois concordamos em nos encontrar depois das aulas, então poderíamos passar pelo menos alguns minutos do dia juntos, descobrindo como navegar sendo pai e filha agora que tanto havia mudado. Era um começo, e eu senti como se tudo que precisássemos fosse disso. Quando, depois da meia-noite, meu pai finalmente foi para seu quarto, eu me senti exausta — como eu precisava ―desaparecer‖ por um tempo, a coisa mais próxima que eu podia ter de dormir. Mas eu sabia que tinha coisas mais importantes para fazer. Apesar de eu agora conhecer Christopher, e ter mudado minha mente a respeito de ficar assustada com fantasmas, eu recebi uma grande chacoalhada sobre como eles podiam ser perigosos para as pessoas que eu amo. Eu havia golpeado um fantasma uma vez agora; era hora de descobrir o que mais eu podia fazer, sem Patrice ao meu lado. Seja lá o que mais a Cruz Negra havia feito para mim, eles haviam me feito uma lutadora. Já passava da hora de agir como uma. Claro, para me testar em uma luta, eu precisava de um fantasma para lutar. Mas por alguns dias agora, eu tinha um candidato em mente — um fantasma que eu sabia que absolutamente, positivamente, usava seus poderes do pior modo. Esse pareceu um bom começo. — Isso é impressionante, — disse Lucas enquanto sentava em um dos degraus de pedra comigo na manha seguinte. — Sério, Bianca. É ótimo que seu pai saiba, será bom com você e seus pais. Seus olhos estavam sombrios enquanto ele dizia isso. Eu sabia que isso não tinha nada a ver com seu sentimento a respeito da minha reconciliação com meu pai; era a memória do ataque brutal de Kate que agora o machucou. A crueldade de sua rejeição me agarrou tão forte, que eu, também, havia encarado meu pai — eu sabia do medo e vulnerabilidade daquele momento. Lucas parecia ter tido ainda mais coragem e fé do que eu tive; sua confiança nela havia sido imediata e total. Sua recompensa havia sido a traição. Eu não podia imaginar o quanto isso devia ter doído. — Sua mãe pode mudar, — eu disse suavemente. — Com o tempo. Lucas sorriu com raiva enquanto balançava a cabeça. — Eu não sou nada além de um monstro para ela agora. Nunca serei outra coisa. Eu toquei seu rosto. — Você não é um monstro.
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— Sim, eu sou. Tenho presas pra provar isso. — Então você não é apenas um monstro. Você também é um bom homem. — Eu sorri, espalhando um leve brilho à nossa volta no vão da escada. Esperançosamente aquilo o havia ajudado, mas eu pensei que também seria uma boa idéia mudar de assunto. — Então, o que você acha do meu plano? — Eu o odeio. — Você acha que é uma má idéia? — Não, — ele admitiu. — É uma boa idéia. Você terá que enfrentar algum fantasma alguma hora, e eu não consigo encontrar melhor candidato do que aquele ser horripilante. Mas é perigoso. Eu odeio o fato de não poder proteger você. — Eu posso me proteger. Um sorriso relutante expandiu-se pelo rosto de Lucas. — Eu sei. Eu acredito em você. E tenho visto o que você pode fazer quando decide fazer algo. Mas eu queria ser sempre aquele cuidando de você, sabe? Preciso aprender como deixar você lutar suas próprias batalhas — pelo menos aquelas que eu não posso lutar por você. Entendendo, eu disse, — Você não tem que gostar. — Exatamente... — Sua voz desvaneceu-se assim que eu ouvi os passos nas escadas acima de nós. Rapidamente eu desapareci, me tornando uma fina nuvem de névoa que podia facilmente se esconder em um canto. Lucas ficou de pé, ajustando o suéter de seu uniforme, e disse para a pessoa que não se via, — Hey! Sua voz estava um pouco alta demais, uma tentativa de encorajamento forçado, e deve ter assustado alguém que pensasse estar sozinho. Eu ouvi uma voz feminina gritar de surpresa, e então um som abafado nas escadas. Lucas correu lá para cima, dando dois passos por vez, enquanto eu o seguia. Lá, o kilt do uniforme praticamente em volta de sua cintura e livros espalhados ao redor, estava Skye. Ela moveu-se para sentar-se quando ela viu Lucas, enfiando seu kilt de volta no lugar enquanto suas bochechas coraram com o embaraço. — Você me assustou! Eu pensei que estivesse sozinha, — ela disse. — E essas escadas — elas são escorregadias —
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— Você não precisa se desculpar por cair, — Lucas disse. — Eu assustei você, e sim, os degraus são uma droga. Você está bem, Skye? — Praticamente só humilhada. — Não precisa pirar por minha causa. Então você está bem. — Ele se arqueou, talvez para ajudá-la a levantar ou para juntar alguns de seus livros — e congelou. Eu só vi um momento depois. Skye havia ralado seu joelho quando ela caiu. Entrecruzando a pele pálida de seu joelho havia listras de sangue, fluindo densamente no momento. Os olhos de Lucas se estreitaram, e eu pude ver seu corpo inteiro tenso enquanto sentia o cheiro. Sky viu também e se contorceu. — Então, não apenas uma contusão. Acho que você não tem um Band-Aid por acaso com você? — Não, — Lucas disse vagarosamente. Seu olhar — toda sua existência — estava focado no sangue. Quando sua mandíbula funcionou, eu percebi que suas presas estavam ameaçando se expor. Lucas, não. Lucas, sai dessa. Eu me atrevia a me materializar? Isso assustaria Skye como o inferno, mas se Lucas estava prestes a mordê-la... Mas ele não iria. Ele não podia. — Claro que você não tem um Band-Aid. Garotos não carregam bolsas, — Skye disse como se estivesse se repreendendo. Ela dobrou sua perna, trazendo o joelho para perto do rosto dela — e do dele. — Talvez eu tenha um lenço em minha mochila, mas eu deixei minhas coisas de primeiros socorros no alojamento. Deixe-me ver. Enquanto ela abria o zíper de sua mochila, seu cabelo marrom brilhante caiu sobre seu rosto e obscureceram sua visão de Lucas. Eu podia sentir a tentação irradiando dele como calor. Ele queria sangue — o sangue dela — neste segundo. Ele queria isso mais do que qualquer coisa, o suficiente para esquecer que eu estava vendo, talvez o suficiente para esquecer tudo além de sua fome de vampiro. Eu decidi aparecer e estava me concentrando para fazer isso, quando eu ouvi mais alguém caminhar no piso superior. O tec-tec de passos fez Skye olhar para cima, apesar de Lucas nunca tirar seus olhos do machucado que sangrava. — Srta. Tierney. — A rica voz da Sra. Bethany ecoou levemente na escadaria. Eu a vi aparecer primeiro como uma sombra na escuridão,
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como se ela não fosse feita de nada além de noite. — Vejo que você teve um acidente. E o Sr. Ross está lhe ajudando. Skye sorriu de forma irregular, — É, eu tropecei e caí. Enquanto ela falava, Lucas finalmente se aprumou. Ele não parecia lembrar-se de onde estava ou o que ele tinha causado ali. Apressadamente ele estendeu a mão para ajudar Skye a ficar de pé. Sra. Bethany estendeu um lenço branco rendado. — Atadura é o melhor que você pode fazer até que você tenha acesso a um kit de primeiros socorros. Skye protestou, seus dedos roçando o delicado laço. — Não quero manchá-lo de sangue. — Se você lavar o linho em água fria o mais rápido possível, haverá apenas uma pequena chance de restar mancha, — disse a Sra. Bethany. — E um lenço destruído seria infinitamente preferível que uma estudante sangrando abundantemente nos corredores. Obviamente a Sra. Bethany era esperta o suficiente para evitar a tentação da metade vampira do corpo discente. Skye agradeceu a Sra. Bethany e ao Lucas enquanto Lucas devolveu seus livros para a mochila dela e a entregou. Enquanto ela estava indo, ela lançou um olhar para o Lucas, talvez percebendo que ele mal falou uma palavra desde que havia visto seu joelho esfolado. Mas ela não disse nada sobre isso enquanto ia mancando de volta para seu quarto. Quando a Sra. Bethany e Lucas estavam sozinhos novamente, exceto por mim, ela deu uma olhada severa para ele. — Você achou difícil, não achou? Lucas apenas assentiu. Ele não podia olhar nos olhos dela. Eu sabia que a vergonha devia estar consumindo ele de dentro para fora. Ele se odiava por desejar sangue, e ficar tentado a atacar um humano — especialmente um humano que havia sempre sido tão afável com ele — era insuportável. — Tenha esperança, Sr. Ross. — Sra. Bethany colocou aquelas mãos familiares em seus ombros novamente. — Há um caminho por trás de sua presente dificuldade. — O que, há um meio de parar o desejo de vampiros por sangue? — ele zombou.
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— Sim. Ele a encarou com uma surpresa clara, pelo menos até onde eu podia ver; eu estava muito surpresa para perceber qualquer coisa além de meu próprio choque. Querer sangue — isso era o que fazia de um vampiro um vampiro. Além do mais, a Academia Meia Noite era quase toda feita de vampiros que não atacavam humanos; eles não ensinariam esse tipo de coisa em vez de acabar com ela? Para a resposta surpresa de Lucas, a Sra. Bethany sorriu de forma tênue. Seus dedos se apertaram em seus ombros. — Um modo de silenciar a sede de sangue para sempre, — ela murmurou. — É real. E será meu. Lucas estava absolutamente tranqüilo, encarando-a de forma extasiada. — Ensine-me, — ele disse. — Quando você estiver pronto. — Ela se virou para ir, mas disse, quando começou a subir as escadas com suas longas saias nas mãos, — Acho que isso será logo, logo. Quando estávamos sozinhos novamente, ele murmurou, — É verdade? Bianca, ela pode estar falando a verdade? — Não sei. O resto do dia passou em um pequeno borrão para mim. Minha ansiedade a respeito da Sra. Bethany crescentemente reter-se ao Lucas me manteve focada em simplesmente nada, incluindo minhas incumbências. Mas quando a noite caiu e Lucas e meus amigos foram para a cama, eu me forcei a me organizar. Se eu falhasse nesta noite, eu nunca mais teria coragem para enfrentar os fantasmas novamente. E isso significava que eu talvez nunca mais poderia controlar meu próprio destino. Eu me concentrei em um objeto que havia sido importante para mim durante minha vida — uma potencial ―parada de metro‖ para qual eu podia viajar a qualquer momento. De qualquer forma, isso seria difícil; este objeto não pertencia a mim. Era de outra pessoa. Alguém que talvez não quisesse me ver nunca mais — mas estava prestes a ver. Eu preenchi minha cabeça com a imagem, desejando ver isso, de possuir isso: um trançado marrom-amarelado bracelete de couro.
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A Academia Meia Noite, tudo ao meu redor ficou escuro. Olhando em volta, eu podia ver alguns pontos de iluminação — tiras de luz pelas cortinas venezianas, revelando o extravagante neon de um hotel barato e maciços numerais do relógio de um alarme digital. Para meu alívio, este era um quarto privado ao invés de um completo covil da Cruz Negra. Eu suspeitaria, mas ainda assim, era melhor ter certeza. Eu decidi que o quarto precisava de mais uma fonte de luz e então eu liguei meu próprio brilho, preenchendo o quarto com uma suave luz azul que rodeava minha forma espectral. Agora eu podia ver a cama do hotel, e as duas figuras que dormiam lá. Uma delas se virou sob as cobertas, e então se sentou rigidamente. Ela piscou uma vez, então disse, — Bianca? Eu sorri, — Oi, Raquel.
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Capítulo Quinze Raquel me encarou, seu cabelo preto e curto caindo em seus olhos arregalados. — Estou sonhando? — Ela sussurrou. — Não. — Falei. Ela socou a outra pessoa dormindo na cama — sua namorada Dana, que sentou lentamente esfregando os olhos. — O que foi querida? Brilhei um pouco mais intensamente, me atrevendo a ficar com uma forma mais firme. — Olá Dana. Dana se assustou com isso, e sob outras circunstâncias teria sido engraçado. — Você está aqui para me assombrar? — Raquel falou. Ela havia subido ainda mais contra a cabeceira da cama, como se tentando fugir. Uma de suas montagens malucas havia sido presa na parede, uma coleção de fotos de revistas e objetos encontrados, que Raquel gosta de transformar em arte. — Eu sabia. — O que? Não. — Então percebi por que a Raquel parecia tão assustada e culpada; ela achava que eu continuava com raiva por ela ter me entregado para a Cruz Negra. O que eu estava, mas só um pouquinho. Não havia percebido isso até voltar a vê-la sem uma horda dos caçadores da Cruz Negra no caminho. Dana interrompeu. — Como vai o Lucas? Em Riverton ele não parecia bem. — Ele está tendo um momento difícil. — Isso era totalmente inadequado para descrever o que o Lucas estava passando, mas eu não sabia o que mais falar. Dana desmoronou, como se esmagada. Ela e o Lucas haviam crescido juntos — e ela também havia sido doutrinada pela Cruz Negra, ao ponto de achar que o vampirismo era o pior tipo de destino. Talvez ela seja a única pessoa capaz de compreender a profundidade do ódio que o Lucas sente por ele mesmo. Então seus olhos se fixaram nos meus, brilhando com raiva. — Por que você não o decapitou?
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Por pior que seja, considerei isso difícil o suficiente para saber minha resposta. — Por que já fui um vampiro. Sei que nem sempre é algo tão ruim. Achei que talvez ele pudesse lidar com isso, e talvez ele possa. — Você nunca foi nada além de um vampiro. — Dana atirou a resposta. Raquel nos observava discutir com olhos arregalados, como se com medo de lembrar á uma de nós duas que estava lá. — Como você sabe o que é pior? Eu sei que se for transformada, quero que alguém se certifique que eu não acorde como um desmorto. É a promessa mais sagrada que fizemos uns aos outros. Lucas e eu prometemos um ao outro um milhão de vezes. — Sua respiração estava pesada com o ultraje aumentando. — Se você o ama, teria feito isso por ele. Foi um tapa em meu rosto, mesmo sabendo que o Lucas havia me perdoado por isso. — É fácil fazer promessas, mas se você estivesse lá — se você visse o Lucas caído lá morto, e soubesse que poderia perdê-lo para sempre ou voltar a falar com ele em apenas algumas horas — não é mais tão fácil assim. — Mais uma vez, desejei que fantasmas pudessem chorar; dói carregar tantas memórias ruins sem ter como expressar minha dor. — Por mais difícil que isso seja, ele tem amigos. Tem a mim. Isso é realmente pior do que não ter mais nada nunca? Dana sentou em silencio por alguns segundos. — Eu não sei. — Ela finalmente admitiu. — Mas o que eu falei continua valendo, certo querida? — Ela olhou nos olhos da Raquel. — Se me transformarem em um vampiro, você deve se certificar de que eu nunca mais vejo o pôr do sol. — Prometo. — A voz da Raquel estava baixa, certa, que seu amor por Dana encheu o quarto. Se o Lucas e eu tivesse conversado sobre isso — eu teria sido forte o suficiente para deixá-lo ir? Tanto quanto a Raquel? Não tenho certeza. Por alguns momentos, Raquel e Dana se olharam e deram as mãos. Mas então Dana voltou a olhar para mim. — É sobre isso que você veio conversar? O Lucas? — Seu tom havia se suavizado um pouco. — Ele precisa falar comigo? Por que... Se ele quiser que eu invada aquela escola maluca para vampiros, eu faço. Raquel deixou escapar... — O que vocês estão fazendo de volta á Academia Meia noite? São malucos? — Então voltou a se encolher, ainda com medo. — Tudo está dando certo, de certa maneira. A senhora Bethany nem ao menos esta zangada. É como se ela odiasse tanto a Cruz negra
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que gosta de terem tirado o Lucas deles. — Eu não havia percebido isso ate agora, mas não duvido que isso faça parte da reação dela. — De qualquer forma, sugiro que você não apareça lá como uma caçadora. Mas logo haverá outro passeio para Riverton. A menos que... A Cruz negra vai vir atrás dele novamente, se ele deixar o campus? — Da próxima vez a senhora Bethany terá pessoas esperando por eles. — Dana falou, balançando a cabeça. — A Cruz Negra sabe disso. Se encontrarem o Lucas novamente, vão atacá-lo em um instante, mas não vão tentar em Riverton depois de terem falhado da primeira vez. — Então isso pode funcionar. Talvez você possa ir á Riverton novamente Dana. Lucas... Acho que ele pensa que você não quer vê-lo. — Aquele garoto nunca fez nenhum sentido. — A careta da Dana me disse que ela amava o Lucas como sempre. — Diga o dia, que estarei lá. Olhei para nossos arredores pela primeira vez — um quarto de hotel barato, mas confortável, com objetos o suficiente para provar que elas já estavam ali por algum tempo. Salvar dinheiro para acomodações privativas é impossível na Cruz negra, onde todo o dinheiro deve pertencer ao grupo e não a um individuo. — Então vocês conseguiram. Deixaram a Cruz negra de vez. — Não tivemos muita escolha depois atiramos contra a Kate. — Raquel falou. Pela primeira vez, ela me olhou nos olhos sem se encolher. — Mas faríamos novamente, em uma batida de coração 1010. — Então ela gemeu, obviamente achando ser a coisa errada a se falar de alguém que já morreu. Dana suspirou. — Começamos a ter nossas duvidas depois do que fizeram com vocês em Nova York. Então, quando se viraram contra o Lucas na Filadélfia — esse foi o ponto de quebra. Saímos há umas duas semanas. Alugamos esse quarto, mas logo vamos encontrar um lugar de verdade. Estamos ganhando salário mínimo, e nos sentindo bem. — Podemos estar comendo macarrão. — Raquel adicionou. — Mas estamos nos alimentando.
10 Aqui foi um trocadilho sem intenção, pois Raquel menciona o “em uma batida de coração”, e Bianca não tem mais batidas, por ser uma fantasma.
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Um estranho silêncio encheu o quarto. Comecei. — Raquel, na verdade vim aqui falar com você. — Sinto muito. — Raquel estava tremendo, mas saiu da cama. Ela usava uma camiseta velha e surrada — calças de pijamas -, e é claro o bracelete de couro que me lembro tão bem e que possui o poder de levar até ela. — Bianca, sinto tanto. Você nunca vai saber quanto... Esqueça, como me sinto não importa. Você foi uma boa amiga para mim, e eu deveria ter protegido você. E não o fiz. Sou horrível. Se você quiser me assombrar ou — seja o que for — sei que mereço. Eu não sabia o quanto precisava escutar aquilo. Mas também havia coisas que eu tinha de falar. — Menti para você. Tive minhas razões, mas mesmo assim. Se tivesse contado toda a verdade para você desde o inicio, talvez as coisas não tivessem sido tão ruins. — Isso não desculpa o que fiz. — Raquel falou com a voz tremida. Ela continuava a fechas as mãos como punhos, tão nervosa que me assustou. — Você poderia ter sido morta. Quero dizer, morta mesmo. Você sabe o que quero dizer. Quando percebi o que estavam fazendo — se eu soubesse antes, nunca teria contado. Nunca. — Eu sei. Acho que sempre soube disso. E vocês vieram ajudar o Lucas quando ele mais precisou. Isso é o importante. Enquanto sorria amigavelmente para Raquel ela tentou devolver o sorriso. O peso de sua velha traição pendia entre nós, mas de alguma forma mais leve do que antes. Iria levar mais tempo para curar, mas pelo menos agora estava tudo esclarecido. Estávamos de volta ao mesmo lado. Tudo o mais, com certeza, podia ser curado com o tempo. — Na verdade não vim aqui falar sobre isso. — Falei. Aquilo pegou Raquel desprotegida. Depois de olhar para Dana que estava igualmente espantada, ela falou. — Então por que você está aqui? — O fantasma que assombrava sua antiga casa. — Falei, me preparando para o que estava por vir. — Aquele que machucou você. Os olhos da Raquel procuraram os meus, como se implorando para não falar em algo tão doloroso. — O que tem ele? — Vamos cuidar dele de uma vez por todas.
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No fim das contas Dana e Raquel estavam morando no subúrbio de Boston, não terrivelmente longe de onde Raquel cresceu. Também, quando elas partiram, levaram uma das vans da Cruz negra com elas. — Alguns podem chamar isso de roubo. — Dana falou alegremente enquanto entravamos na velha Van, que cheirava á pólvora e Fritos. — Mas como a Cruz negra a roubou de um vampiro morto, acho que só mudei o propósito do veiculo. Soa melhor, você não acha? — Parece que você achou outras funções para algumas armas também. — Olhei para o inventario na traseira. — Estacas, água benta, e... Isso é um lança chamas? — Você nunca sabe quando um pode ser útil. — Raquel falou, e tive que sorrir. Mas nossas piadas não duraram muito. Quanto mais nos aproximávamos da casa, mais tensa Raquel ficava. Ela estava sentada na frente; eu era o fantasma do banco de trás. — Como isso vai funcionar? — Ela perguntou. — É bem simples. — Só não mencionei que nunca havia feito aquilo antes, não havia motivos para aumentar o nervosismo dela. Certo? — Só precisamos de um espelho. Alguma de vocês tem um pó compacto? Vocês sabem, para maquiagem? Estávamos em uma área iluminada, por isso Dana e Raquel foram capazes de virar e olhar para mim. Depois de alguns segundos Dana falou. — Olá, nós já nos conhecemos? — Tudo bem, sem maquiagem no carro. — Falei. — Mas precisamos de um espelho. Uma rápida parada em uma farmácia aberta à noite toda nos conseguiu o pó compacto. Apesar de eu ter mais substancia do que nunca, pega-lo dentro da embalagem era difícil para mim, então deixei Raquel cuidar daquilo. Ela rasgou o plástico com as mãos tremendo, fazendo mais bagunça que o necessário. — Não falo com eles, há muito tempo. — Ela falou, abrindo o pó. — E agora vou simplesmente aparecer ás duas da manhã e falar, ei vocês lembram-se daquele fantasma que falaram que não existe? — Talvez não precisemos falar com eles. — Dana falou. Uma chuva leve começou a cair e ela ligou os limpadores, que fazia um suave som sobre o vidro.
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— Essa caçada aos fantasmas faz muito barulho? — Pode fazer, mas não necessariamente. — Eu esperava que aquilo fosse verdade. — Vamos tentar. Raquel sempre deixou bem claro o fato de não ser rica, como a maioria dos alunos vivos ou mortos da Meia noite. Mas sua vizinhança não era tão ruim quanto imaginei. Talvez eu fosse somente ingênua em imaginar que ser pobre significa viver em cortiços como os mostrados em programas de TV ruins. Com carros queimados e membros de Ganges por todo o lugar. Era apenas um lugar quieto, com casas pequenas que não possuíam muito espaço para um jardim. Ao invés da miséria e violência, tudo era uma espécie de cinza e descuido, com alguns grafites nas latas de lixo. — Temos sorte de estar chovendo. — Raquel falou. — Todos estariam nas esquinas se não estivesse. A casa no meio da quadra pertencia á família da Raquel. Percebemos assim que saímos do carro, que não havia ninguém em casa. — Onde eles podem estar? — Dana perguntou, enquanto espiávamos pela janela para as caixas. — A mobília está no lugar, então eles não se mudaram. — Talvez estejam com a Frida? — Raquel gemeu. — Parece que eles tiraram parte do chão da cozinha. Talvez o cano da água tenha rompido novamente, e eles concertaram o vazamento. — Eles não estão em casa. — Falei. — Isso é o importante. Podemos fazer isso agora. Raquel ficou petrificada. — Não sei se posso. Dana passou um braço ao redor dos ombros dela. — Tudo bem se você quiser ficar aqui fora, vai funcionar de qualquer jeito. Certo, Bianca? Comecei a concordar com ela, mas parei. — Você pode ficar aqui se quiser. — Falei. — Mas acho que você deveria encarar essa coisa. — Seus lábios brancos se pressionaram, Raquel balançou a cabeça. — Vamos Raquel! Desde quando você fugiu de uma briga? — ela não estava mais olhando para mim, mas continuei. — Se você não ver isso acontecer, então sempre terá medo dele. Sempre. Mas se nos vir derrotá-lo, então será a última coisa que se lembrará dele. Derrotado. Não é isso que você gostaria de ver? — Dá um tempo, certo? — Dana ficou entre nós. — Não a force.
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— Não. — Raquel falou. Ela tocou o ombro da Dana, gentilmente a empurrando para o lado. — Bianca está certa. Vou entrar. Enquanto a chuva caia suavemente ao nosso redor, batendo no telhado de metal sobre nossas cabeças, Dana abriu a fechadura da frente com tanta facilidade quanto o Lucas podia fazer. Pena que não fiquei na Cruz negra tempo suficiente para aprender aquele truque. A porta se abriu com um estalo. Dana entrou na ponta dos pés, tentando não fazer nenhum som; Raquel, com o rosto pálido á seguiu. Permiti meu corpo se tornar apenas vapor, uma bruma levemente azulada, segui logo atrás delas. — Hei. — Raquel falou, claramente em dúvida. — Isso... É assustador. — Shh! Estamos tentando ficar em silêncio aqui! — Dana segurou o pó na frente dela, como esperando usá-lo como escuto. Eu precisaria pegar o espelho com ela, mas isso aconteceria quando pudesse tomar forma novamente. — Tudo bem. — Falei. — Cedo ou tarde queremos que a coisa saiba que estamos aqui. Estiquei minha consciência pela casa, descobrindo que podia sentir os quartos sem precisar vê-los, e soube qual deles pertenceu a Raquel — parte da existência dela permanecia lá. Como também o de outra coisa. Uma voz ressoava em uma freqüência que não era exatamente um som, meramente uma vibração, no plano que compartilhamos. Garotinha, garotinha. Você voltou para brincar. Raquel começou a tremer. — Ele está aqui. — Ela sussurrou. — Posso sentir. Ela não havia escutado a voz, percebi, nem mesmo a Dana; ambos olhavam ao redor loucamente, como se esperando que o fantasma fosse aparecer de qualquer direção a qualquer segundo. E ainda assim Raquel sabia da presença daquela coisa, em um nível mais profundo do que pude compreender. Perguntei-me o quão profundo um link havia se formado — o quanto esse fantasma havia cravado suas garras nela. Você trouxe amiguinhas para mim?
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Repentinamente pude ver um quarto — um diferente, uma realidade falsa me rodeou, levemente transparente, mas se fechando, como uma cela feita de vidro. Parecia como o quarto de uma criança pequena. A princípio pensei que era assim que o quarto da Raquel se parecia quando ela era criança, mas então me corrigi; ela nunca teria passado mais do que uma noite, em um quarto tão rosa e frívolo, com uma cama de dossel e bonecas arrumadas em fileiras. Nunca vi tantas bonecas — nunca vi nenhuma das bonecas que me encaravam. De alguma forma elas olhavam para mim, seus olhos de vidro preto ganhando vida. Escutei um leve farfalhar em suas longas saias, e uma das bonecas se inclinou para o lado, como se tivesse caído. Elas estavam vivias, mas não vivas, observando sem ver, e tudo era completamente assustador. Foi o suficiente para me apavorar, e sou um fantasma. Essa é a idéia de alguém de como seria um quarto de criança, pensei. Uma imitação exagerada de onde uma garotinha poderia dormir. Criado por algum cara que passa muito tempo pensando sobre garotinhas em suas camas. — Mostre-se. — Exigi. Na outra realidade, na que eu estava atualmente, pude ver Raquel e Dana pular. — Pare de se esconder atrás das bonecas. Saia. — Bonecas. — Raquel sussurrou. Ela deve ter sonhado com elas antes. No quarto do sonho, as bonecas se moviam cada vez mais, caindo em pilhas e seus cabelos dourados e marrons se emaranhavam. No centro pude vê-lo. Se eu não fosse capaz de sentir o medo profundo da Raquel, teria rido. O fantasma não parecia assustador, apenas gordo e um pouco careca. Também não era muito alto. E ainda assim ele estava me estudando, inclinando a cabeça de um lado para outro, havia algo em seu olhar vago, e na voracidade de seu sorriso, que me perturbava em todos os níveis. Lindo, lindo cabelo vermelho. Você veio brincar comigo? Ele se afastou da nuvem de bonecas. Seu corpo estava nu e nojento, fazendo meu medo rapidamente se tornar em nojo, então em raiva. Falei. — Não estou aqui para brincar.
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Ressoar, Patrice havia dito. Não sei como fazer isso, então me concentrei nele e pensei em minha própria morte. Lembrei-me daquele estranho sentimento de afundar, enquanto meu corpo desistia. Lembreime das lágrimas do Lucas enquanto ele segurava minhas mãos. Tudo voltou vivido demais para suportar — e ainda assim pude sentir o fantasma se aproximar através das memórias. Senti minha mente moldar as palavras como se fosse um encantamento: por tudo que nos separa dos vivos, separo você desse lugar. Por toda a escuridão que habita em nós, condenolhe a escuridão. Por todas as mortes que me dão poder, retiro o poder de você. O fantasma começou a gritar, um gemido sobrenatural que reverberou pela casa. Dana tapou seus ouvidos, talvez por dor, e largou o espelho no chão. Raquel não se moveu. Ela agarrou o espelho e o jogou na minha direção, e eu me materializei apenas o suficiente para pegá-lo. No momento que o fiz, a força da magia começou a puxar o fantasma para o espelho. Enquanto ajeitava o espelho da maneira como a Patrice disse, o fantasma se desfez em frente aos meus olhos, não como uma bonita neblina como costumo fazer, mas como algo físico sendo desmembrado, sangue e nervos, gritos de dor. Ainda assim, ele se transformou em poeira que voou até o espelho, berrando por todo o caminho — até que ficou em silencio. O mundo do sonho se dissolveu. Estávamos na sala, olhando para o espelho coberto de gelo que eu segurava sobre minha cabeça. — Isso é... Nós o pegamos? — Dana perguntou sem fôlego, com as mãos ainda nos ouvidos. — Oh meu Deus. — Raquel respirou fundo. — O pegamos. — E contanto que não quebremos o espelho, ele nunca mais poderá sair. — Lutei contra ele. E venci. Agora eu sabia como enfrentar um fantasma. Será que isso significa que finalmente estou livre? — Ele está preso no espelho? — Raquel piscou. — Não está em uma zona fantasma ou algo assim? Dei de ombros. — Onde quer que esteja, não poderá mais sair. Raquel começou a rir, um som de pura alegria e então passou os braços ao meu redor. Com todas minhas forças permaneci o mais sólida que pude, por que o abraço era bom demais para perder. — Você conseguiu. — Ela arfou. — Você conseguiu. Aquela coisa horrível...
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— Está tudo bem. — Bati nas costas dela quando percebi que seu sorriso estava se transformando em lágrimas. — Ele não pode mais tocar você. — Você fez isso por mim mesmo depois do que fiz a você. — Você também fez isso por mim... — Apenas cale a boca, certo? — Raquel me abraçou ainda mais forte e aceitei o conselho dela, apenas a abraçando enquanto ela chorava. Por sobre o ombro dela, pude ver a Dana sorrindo beatificamente para mim, como se eu fosse sua pessoa favorita em todo o mundo. Assim que a Raquel se acalmou, a entreguei para a Dana para mais abraços e voltei minha atenção ao espelho. Estava coberto de gelo, mas ainda assim achei conseguir ver um vulto se movendo no reflexo. — O que você vai fazer com essa coisa? — Raquel falou. — Prendê-lo em cimento? — Não é uma má idéia. Então senti o puxão — quase físico, como se estivesse sendo arrastada. — Bianca? — Raquel deu um passo para frente. — Você está ficando invisível. — Riverton! Não esqueçam! — gritei, antes de perder a habilidade de produzir sons. — Vou me certificar que o Lucas compareça! — Bianca! — Raquel gritou novamente, mas em um instante eu havia sumido, saltando através do brumoso e azul nada. Aterrissei — ou era o que parecia. Olhei para a grama macia e verde, então voltei meu rosto para cima, para ver Maxie parada acima de mim. Ela usava um casaco estranho, de uma pelagem escura que parecia mais assustador do que luxuoso. — O que você está fazendo? — ela exigiu. — Você se aliou á eles contra nós agora? — Aquela coisa precisava ser destruída. — Aquela coisa? Coisa? — Maxie parecia estar prestes a me bater. — Acho que você poderia começar a ajudar à senhora Bethany montar as armadilhas.
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Uma terceira voz interrompeu nosso argumento. — Há diferenças entre o que Bianca fez, e os esforços da senhora Bethany. Viramo-nos para ver Christopher. Então eu estava novamente na terra das coisas perdidas — dessa vez levada contra minha vontade. Maxie havia me avisado que ele era poderoso, mas essa era a primeira evidência do quanto Christopher era mais forte que um fantasma comum. E ainda assim, isso não me assustou, por que agora sabia que possuía o poder para me defender. Todos os poderes que Christopher possui, também os possuirei com o tempo — provavelmente menos tempo que ele precisou. A luz do sol clareava o cabelo castanho escuro do Christopher e seu longo casaco fora de moda era um verde garrafa escuro. Estávamos juntos á um prédio que parecia algum tipo de construção japonesa, exceto por um barulhento trem elevado saído direto dos anos 1910, que corria por trás dele. — A trouxe para cá antes que ela pudesse fazer algo ainda pior. — Maxie falou. Então havia sido ela, e não Christopher que interveio. — Você não deveria tê-la deixado voltar. — Maxine acalme-se. — Christopher colocou as mãos nos ombros dela. — Não é minha função permitir ou não que a Bianca viaje. Ela é tão livre quanto o restante de nós. Ela não compartilha de nossas limitações. Sei que é difícil para você aceitar isso, mas precisa. Maxie perdeu a paciência. — Não vejo a diferença entre o que ela e a senhora Bethany fazem. Ela está se virando contra os fantasmas. Isso não importa? Falei. — Aquela coisa... — Coisa novamente! — Ele machucava pessoas Maxie. — Continuei. — Ninguém tem o direito de fazer isso. Christopher assentiu. — É uma coisa agir em defesa de outras pessoas. Outra é agir por egoísmo — não importando o quanto esses desejos possam ser compreendidos. Ele parecia tão triste que detestei perguntar mais. E ainda assim, sua tristeza chamou minha atenção mais do que todo o resto. Era como se o que a senhora Bethany estivesse fazendo o feria profundamente. Ele se importava tanto assim com os fantasmas — com todos eles? Não, isso era
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algo que o afetava não como líder do mundo fantasmagórico, ou que quer que ele seja, mas sim, o homem que um dia ele foi. Uma idéia bizarra e risível me ocorreu, e ainda assim, não consegui ignorá-la. Christopher me observou com atenção, capaz de ver que eu estava lutando com algo. Até mesmo seu sorriso era triste. — Agora você sabe. — Ele falou. — Confie em seus instintos. Verá muitas coisas aqui, que estariam escondidas de você. Esse mundo claramente estava usando suas mágicas comigo novamente — ou não estaria? Ainda assim, não podia acreditar. Perguntei de uma forma mais indireta, no caso de estar errada: — Christopher... O que o prende á esse mundo? Ou... Quem? — Minha amada esposa, apesar de não ter falado com ela por quase duzentos anos. Ele estava falando o que eu achava? — Então você... — Christopher Bethany. — Ele falou. — É claro que você já conhece minha esposa.
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Capítulo Dezesseis — A Sra. Bethany é sua esposa, — eu repeti. Embora eu tivesse adivinhado por mim mesma, eu não conseguia forçar minha mente a absorver a informação. O líder dos fantasmas, casado com um dos vampiros mais poderosos e implacáveis que existia? — Então porque ela odeia tanto os fantasmas?— Certamente, se ela foi casada com um fantasma, ela teria que gostar deles um pouquinho. Mas talvez não. Talvez eles tivessem terminado ou algo assim. Um divórcio provavelmente seria extra-desagradável depois de duzentos anos de casamento. Porém Christopher balançou a cabeça. — Eu não tenho falado com ela desde minha morte. — Porque não? É porque ela se tornou um vampiro? Foi ela — quem matou você?— Eu me corrigi. — Não, é claro que não. Você disse que ela era a única pessoa leal a você. — Essa é a minha história, só minha, — Christopher disse, e sua voz tinha uma agudeza que eu não ouvia desde a sua primeira manifestação assustadora em Meia Noite. Sentindo minha tensão, porém, ele se acalmou visivelmente. — E ainda, isso preocupa você agora, e aqueles próximos a você. Não é errado você perguntar. Maxie olhou boquiaberta pra ele, sua indignação ao meu tratamento especial de mais cedo esquecida. — Você vai nos dizer de onde você veio?— Eu tive a impressão de que aquele era um segredo bem guardado. Christopher olhou pra ela. — Vou contar a Bianca, porque se refere à existência dela, — ele disse. — Isso não se refere a sua. Mal-humorada, saiu pisando duro, seus saltos altos brilhantes sobre o pavimento. Ela desapareceu em uma multidão de pessoas que na maioria pareciam estar vestidos de pena e tinta. Eu me voltei pra Christopher. — Se você não quer falar sobre isso, — Eu disse, — honestamente, está tudo bem. É uma coisa sua. — Eu queria respostas, mas isso não era o mesmo que querer bisbilhotar.
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— Logo você vai ver como nossos caminhos se cruzam. Esses eventos estão se tornando parte da sua história também. Ele passou as mãos nos céus, o tornando instantaneamente negro — como se, ao invés de estar de fora, nós ficássemos num tipo de planetário. Em vez da terra de fluidos caóticos das coisas perdidas em torno de nós, nós estavamos inteiramente sozinhos, em uma espécie de vazio. Eu entendi, sem me contarem, que isso estava além dos poderes dos fantasmas, incluindo o meu; essa estranha capacidade era algo que Christopher havia forjado a partir de seus longos séculos preso entre 163 mundos. — Wow,— eu disse. — O que é isso? — Nós estamos viajando para ver o passado. — Nós estamos voltando no tempo?— Depois de tudo que tinha acontecido, era estranho que isso tivesse o poder de me surpreender. Como algo tirado fora de um filme de ficção; Vic iria achar isso extremamente legal. Porém Christopher balançou a cabeça. — Viajando para ver, — ele disse. — O passado é inalcançável por qualquer poder, mortal ou imortal. Eu não tinha certeza de qual era a diferença, mas não tinha tempo pra perguntar. Tomando forma em volta de nós estava uma floresta, onde tinha uma estreita estrada de terra a atravessando, com rastros de rodas e cavalos. Uma carruagem veio em nossa direção, puxada por dois cavalos cinza e iluminada por lampiões de verdade de cada lado. Pareceu romântico pra mim, algo saído de um romance de uma das Brontes. Pelo menos, parecia desse jeito até figuras saltarem do escuro — do nada, pareceu - e irem sobre a carruagem. Os cavalos relinchavam e bufaram quando uma das figuras agarrou seus arreios, trazendo tudo para uma parada. Engoli em seco, mas ninguém pareceu ser capaz de me ouvir — a diferença, talvez, entre ver o passado e estar lá. Christopher ficou quieto ao meu lado enquanto nós víamos os bandidos de Estrada ou o que quer que eles fossem escancarar as portas da carruagem. Na luz dos lampiões, eu podia ver os rostos deles, seus sorrisos perversos, e suas presas: vampiros no ataque. — Ora, ora. O que nós temos aqui?— Um deles rosnou. — Convidados pro jantar? — Vou te dizer o que você tem. — A Sra. Bethany — em trajes de época, seu cabelo preso no alto de sua cabeça - inclinou-se para fora da
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porta, completamente despreocupada com o ataque. Foi esse o momento em que ela mudou? Então ela ergueu um arco. — Vocês tem que correr, — ela disse. Os vampiros se dispersaram, mas não rápido o bastante. A Sra. Bethany atirou diretamente a estaca de madeira atravessando-os no coração. Num piscar de olhos, o motorista da carruagem e os carroceiros entraram em ação, cada um deles armados, cada um deles determinados enquanto adentravam a floresta atrás de vampiros. — Rápido!— A Sra. Bethany disse, pulando da carruagem de forma que fez suas saias esvoaçarem. Já tinha recarregado o arco, e apesar da escuridão, ela mirou e derrubou outro vampiro em um único golpe. Seu sorriso estava brilhante na noite. — Nós os temos agora! Ela riu alto enquanto puxava um facão de dentro de seu casaco. Quando o ergueu bem alto, eu me virei: tinha visto um vampiro decapitado, e isso era o bastante para uma vida. Quando eu ouvi o baque molhado, estremeci — então meus olhos se abriram. — A forma que eles estão lutando... A maneira como ela se joga no meio disso... — Eu tinha visto isso antes. — Bem treinada, não acha?— Christopher nunca tirou os olhos da Sra. Bethany. — Se ela estava caçando vampiros, e se ela apenas sabia o que fazer, então ela era — ela tinha que ser — a Sra. Bethany era da Cruz Negra? Eu tive que olhar pra ela de novo agora. A luta tinha acabado, os vampiros largados aos seus pés. Na luz do luar, o sorriso dela abrandou e se tornou quente enquanto corria em direção a um dos carroceiros — que, eu percebi agora, era levemente mais novo que Christopher. Eles se abraçaram, os braços dela apertados em volta do pescoço dele, e se beijaram tão apaixonadamente que eu senti minhas bochechas corando. — Nós dois fomos criados entre os caçadores da Cruz Negra, — Christopher disse, enquanto assistia sua felicidade a muito tempo com sua esposa. — Quando eu imigrei pra America no primeiro ano de sua independencia, eu me conectei com a celula de Boston. Lá nós no conhecemos. Poucas mulheres caçavam naqueles tempos, mas ninguém a questionou. Ela era a melhor lutadora entre nós. E os vampiros — eles
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sempre a subestimavam até ser tarde demais. Surgiu uma lenda de uma caçadora, bela e mortal, entre eles, que não acreditavam no seu perigo. Às vezes era a ultima coisa que eles diziam, mesmo quando a estaca já estava dentro deles. ‗É ela. ‘ A floresta tinha escurecido na penumbra indistinta, mas formas começaram a aparecer outra vez. Eu vi uma pequena casa, simples, com um grande quarto que parecia ser tanto a cozinha quanto a sala de estar. A lareira era enorme, profunda o bastante pra entrar dentro dela, alta como uma pessoa e longa como a própria casa. A chaleira estava pousada em cima das chamas enquanto a Sra. Betânia se ocupava em cortar o bolo; na mesa, Christopher se sentou com alguns homens vestidos como ele, com longos casacos e lenços brancos amarrados em volta de suas gargantas. Eles tinham copos grandes de metal cheios de algo que parecia ser cerveja, e eles estavam rindo alto. Foi à claridade desse lugar que me mostrou que os outros não estavam tão felizes quanto eles demostravam? Que os olhos deles observavam Christopher cautelosamente enquanto ele tomava outro drink? — Colegas de trabalho. — O rosto de Christopher estava ilumidado pelo fogo de muito tempo atrás. Nós pareciamos estar parados na extremidade da sala, na profundeza das sombras. — Amigos, ou assim eu pensava. Nós nos juntamos em em uma empresa de transporte. O comércio entre a Europa e a América, em mercadorias finas — uma empresa em desenvolvimento naquele tempo, e portanto, uma aposta de probabilidade de aumentar a riqueza da minha família. Mas eu estava acostumado apenas a compania dos caçadores da Cruz Negra. Digam o que quiserem da Cruz Negra, mas eles não se envolvem em tais confusões. Eu tinha sido educado a pensar que todo o mal era personificado por vampiros. Eu não olhei pros homens que se diziam meus amigos. — O que eles fizeram?— Eu sussurrei, embora soubesse agora que as figuras perante nós não podiam ouvir. — Eles não queriam fundar uma empresa de transportes. Eles só queriam roubar o dinheiro da família que eu dei a eles como um investimento. — Ele ainda parecia um pouco confuso — como se depois de muitos anos, Christopher ainda não tivesse conseguido aceitar que ele tinha sido traído. — Depois de alguns meses, eu comecei a pressioná-los por retorno. Lucros. Para examinar os livros. Eles tinham inúmeras desculpas e nada para me mostrar. Uma noite eu jurei que iria levar eles á corte. Enquanto eu caminhava pra casa naquela noite, eles me atacaram.
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Eu estava desarmado, e me recuperando de uma doença de inverno. Meu treinamento da Cruz Negra foi em vão. Eles me deixaram morrendo em uma vala. O ultimo som que eu ouvi foi eles rindo enquanto iam embora. — Sinto muito. — Diante de nós permaneceu a cena feliz com todo mundo sendo amigável. Talvez ele preferisse isso a lembrar de sua morte; eu não o culparia. Não gostava de lembrar minha morte tampouco, e pelo menos eu estava na cama, com Lucas ao meu lado. — Isso é horrível. Christopher encarou duramente seus assassinos, que estavam, no momento, rindo de uma de suas piadas. A Sra. Bethany colocou os pedaços de bolo em frente a eles; ela não parecia estar em um bom espírito, como os outros. Na verdade, sua expressão era cautelosa. Ela sentiu cheiro de encrenca, mesmo que o seu marido não tenha. Em seguida, a sala mudou de novo, com a Sra. Bethany permanecendo imóvel no centro da cena, o vestido dela fluindo de uma cor pra outra e sua expressão mudando de desconforto à raiva. — O que você quis dizer, você não pode agir? A cena em frente a nos agora era uma espécie de capela ou câmara. Cruz Negra, eu percebi, vendo as armas montadas nas paredes. Um homem com o cabelo preso em um rabo, sentado em uma plataforma ligeiramente elevada, obviamente no comando. Ele balançou a cabeça. — Sra. Bethany, por mais lamentável que seja a morte de seu marido, não foi o trabalho de nenhuma ação sobrenatural. Portanto, não diz respeito a Cruz Negra. — O magistrado não vai ouvir, — a Sra. Bethany disse. — Ele acredita que foi o trabalho dos bandidos e diz que eu sou uma louca, duvidar de dois tais ‗cavalheiros‘. — Ela cuspiu essas duas palavras, como se ela pensasse que pudessem a envenenar. — Eu poderia matar eles sozinha, mas eles se foram para o Caribe. O dinheiro de família dele está perdido, por causa do golpe deles. Pelo menos me dê os fundos pra viajar pra lá, para ver a justiça feita. O líder da Cruz Negra olhou para a Sra. Bethany cheio de compaixão — o mesmo olhar, eu notei, que Kate tinha usado quando ela se recusou a devolver a caneca de Lucas cheia de dinheiro. — Nossos fundos são usados para as nossas lutas, e cada centavo é necessário. Você sabe disso tanto quanto eu. Seu pesar te levou a histeria. A expressão de orgulho da Sra. Bethany nunca mudou, mas eu vi algo que eu nunca esperaria ver: seus olhos cheios de lágrimas. No
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entanto, ela falou com firmeza. — Depois de tudo que eu fiz, tudo que eu dei, essa é sua resposta. — Que outra resposta poderia haver? Ela recuou ligeiramente, inclinando a cabeça, aquele gesto familiar de contemplação e desprezo. Como se ela o estivesse vendo pela primeira vez, eu pensei. Christopher disse, — Naquele instante, a dedicação dela com a Cruz Negra virou ódio. Nós sempre podemos odiar aquilo que amamos, e com um fogo tão grande quanto seu amor um dia teve. A sala desapareceu, substituida pelo mesmo caminho da floresta que nós tinhamos visto primeiro. Mas a cena tinha mudado para inverno; os galhos das árvores nuas brilhavam com gelo, e o chão estava cheio de neve. A Sra. Bethany andava sozinha a cavalo, em uma cela, com uma capa grossa de pele escura em torno dela. Seus olhos examinaram a sua volta, apesar das sombras profundas - era o crepúsculo, o céu de um azul cobalto penetrante. Então ela se sentou um pouco mais ereta, ela tinha visto algo. Um vampiro saiu de trás de uma das árvores grandes, obviamente desconfortável. — Qualquer que seja a armadilha que você armou, caçadora, é perigoso para você. Sua ajuda está muito longe. — Não armei nada, — a Sra. Bethany disse. Ela desmontou do cavalo e andou vagarosamente em direção a ele na neve. — Não estou com nenhuma arma. — Então eu suponho que você veio pra morrer, caçadora. Foi uma provocação, mas a Sra. Beth levantou a cabeça. — Sim. O vampiro pareceu tão chocado quanto eu. Ele não disse nada de começo, não se apressou para cima dela ou fugiu. Ela ergueu as mãos, enluvadas em verde escuro, para mostrar que ela não tinha armas. Uma rajada de vento arrepiou o cabelo dela e mandou uma chuva de neve pra cima dos galhos, espalhando neve em seu cabelo e seu casaco. — Eu já fui mordida uma vez. Você sabia? Eles contaram a história? — Muitos alegaram isso, — o vampiro disse. — Muitos mentem. — Alguns contam a verdade, — ela disse. Um puxão rápido no colarinho de sua capa revelava uma antiga cicatriz em sua garganta. —
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Eu fui resgatada, no entanto. Mas eu sempre soube que eu estava preparada. Se um vampiro me mordesse, e me matasse, eu me levantaria outra vez, como uma morta-viva. O vampiro deu um passo pra mais perto, desacreditando. — Isso é um truque. — Sem truques. — Você odeia nosso tipo. Porque você se tornaria um de nós? — Eu preciso ficar livre de vínculos humanos, cuidados de humanos. — A expressão da Sra. Bethany vacilou, mas só por um momento. — Eu - Eu preciso viajar para além do alcance da minha significância mortalidade. Aquilo fez o vampiro rir. — Louca. Você enlouqueceu. Ela disse, — Me transforme e veja. O vampiro pulou nela, levando os dois ao chão de uma vez. A Sra. Bethany não resistiu e não gritou, nem mesmo quando o sangue dela jorrou sobre a neve branca, exalando vapor. — Vingança, — Christopher disse, — é uma motivação poderosa. O próximo lugar que ele me mostrou foi, obviamente, um lugar muito mais quente. Uma palmeira tropical roçava a janela e flores tropicais estavam empilhadas em vasos. Parecia que estavamos em uma vila de ilha, uma que poderia ter sido muito agradável antes de ter sido revirada. Móveis estavam no chão, espelhos quebrados. Dois mortos jaziam no piso, e a Sra, Bethany permanecia em um canto, olhando a cena com alguma satisfação. Ela limpou o sangue de sua boca com as costas das mãos. — Ela os pegou, — eu disse. Apesar do horror da cena de assassinato em frente a nós, eu não pude evitar sentir como se isto fosse previsível. Christopher assentiu. — Mas a que custo? A vida dela. Talvez mais importante, sua missão. Sua alma. — Onde você estava durante tudo isso?— eu disse. — Porque você não apareceu pra ela? Se ela soubesse que você era um fantasma, que talvez ela pudesse falar com você...
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— Eu não podia aparecer pra ela. — A cena Caribenha com a Sra. Bethany desapareceu, e nós estávamos de volta à terra das coisas perdidas. Nós estávamos no mesmo local? Nosso ambiente tinha mudado; ao invés da cidade, nós estávamos a céu a aberto, em um deserto muito árido pra ser bonito. A luz do sol batia quente, e eu vi um escorpião rasgar o chão. Christopher se sentou em uma baixa e plana rocha; seu bonito perfil estava delineado contra a pedra negra, e pela primeira vez, eu o reconheci como a silhueta na mesa da Sra, Bethany. — Como você sabe, aprender a usar o poder de fantasma leva algum tempo — e muito mais tempo para muitos do que demorou pra você. Até o momento em que eu poderia ter aparecido para minha esposa, ela tinha aprendido a odiar os fantasmas como inimigos naturais dos vampiros. Ela tinha me mostrado, através de suas ações, que seu ódio era mais forte que o amor. Eu queria argumentar com ele, mas eu me lembrei do quão difícil tinha sido para mim aparecer para os meus pais. Aquele medo de rejeição era poderoso. E como a situação de Lucas mostrou, nem toda pessoa era forte o bastante pra amar apesar da mudança. Lucas, eu pensei. É claro que a Sra. Bethany tinha sido compreensível com Lucas. É claro que ela estendeu a mão para ele e o compreendeu. Ela tinha estado exatamente onde ele estava. Mas aquilo não a fazia generosa e boa. Isso só a fazia algúem que odiou muito a Cruz Negra. Ele precisava perceber isso, e quanto antes melhor. — Eu preciso ir, — eu disse. — Eu vou voltar, ok? Eu esperava que Christopher protestasse, ou lançasse uma tempestade de gelo para me manter aqui, mas ao invés disso ele continuou a olhar para o escorpião, que deslizava sobre a areia. — Vá, — ele disse. — Estou cansado. Assistir a morte da Sra. Bethany — mesmo que fosse uma memória distante — tinha sido mais difícil pra ele do que fora pra eu ver Lucas morrer. Eu coloquei uma mão em seu ombro. — Obrigada por me mostrar. — Vá, — ele disse, mais quietamente, e cobriu o rosto com as mãos. Eu me concentrei em um lugar, na sala de registros, e viajei através do azul até a sala se materializar ao redor de mim. Patrice estava lá sozinha, estudando alemão; ela me encarou quando eu apareci, mas só por um segundo. — Hey, ai está você. Lucas estava ficando preocupado.
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— Estou indo diretamente ao encontro dele,— eu prometi, indo até o tijolo solto na parede e tirando meu bracelete de trás. Quando eu o coloquei ao redor do meu pulso, tomei uma forma completamente sólida e senti uma enorme onda de alívio. — Eu só preciso de um segundo pra ficar... Menos fantasmagórica. Se isso faz sentido. — Qualquer coisa funciona, — Patrice disse, sem ser indelicada. — Mas ele tem uma prova essa tarde, se lembra? Ele vai se sair melhor se souber que você está por perto e bem. — Eu sei disso. — Embora eu odiasse desistir do bracelete tão cedo, eu decidi que seria melhor. — Ok, tudo bem. Vem comigo? — Claro. Eu tenho que descer pra sala, de qualquer forma. Eu seguia atrás dela como vapor por todo o caminho descendo as escadas. — Você pode se manter longe do meu cabelo, por favor?— ela murmurou. — É incrivelmente úmida às vezes. Vou ficar com frizz. — Isso não é fácil, sabe. — Nem é arrumar meu cabelo. Eu queria rir, mas justo quando adentrávamos na sala de aula nós ouvimos a agitação. Pessoas atirando, sapatos ragendo contra o chão, o baque de um corpo contra a parede — Uma briga, — Patrice disse. — Lucas. — Eu disse isso sem precisar que me contassem. Patrice correu, eu com ela, até alcançarmos o tumulto. Claro o bastante, Lucas e Samuel estavam no chão, seus braços agarrando o do outro, os narizes deles ensanguentados. — Eu disse, — Lucas falou asperamente, — deixe ela em paz. — Você a quer pra você, huh? É isso que você quer?— O sorriso doente de Samuel deixou claro que ele não estava falando de namoro. Qualquer que fosse o humano que Samuel tivesse escolhido — e Lucas estivesse defendendo — era tão apetitoso quanto um lanche da tarde. Eu percebi quem deveria ser quando Skye, do meio da multidão, atirou um de seus livros em Samuel, mas ele se esquivou facilmente. — Me bata um pouco mais forte, e ela é sua, cara. Pegue o que você quer. A cabeça de Lucas bateu tão forte que Samuel foi pra trás, atordoado. Meio grogue, com uma mão na testa, Lucas disse, — Mais que tudo eu só quero que você cale a boca.
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A multidão risonha ao redor de nós ficou muito quieta, se partindo para permitir a passagem da Sra. Bethany para o meio disto. Ela pareceu tão diferente para mim agora que eu tinha visto ela mais nova, humana, apaixonada, viva. E ainda, ela era a Sra. Bethany, feita de rendas engomadas e saias longas e fria autoridade. A cena da briga não tirou nenhuma reação nela a não ser uma sobrancelha levantada. — Sr. Ross. Sr. Younger, eu acredito que vocês já tenham resolvido o problema entre vocês? — É, está resolvido. — Lucas ficou de pé, um pouco vacilante, e limpou o nariz com a manga. Samuel continuou olhando para ele, como se o pudesse enfrentar de novo com a diretora assistindo ou não. — Sr. Younger? — A Sra. Bethany repetiu. — Eu espero não ter que tomar nenhuma atitude disciplinar. Eu suspeito que você não gostaria dos meus métodos. — Sim, — Samuel disse, o que não era exatamente uma resposta, mas ele se levantou e saiu da sala sem dizer uma palavra. À medida que todos iam cuidar de suas próprias coisas, sendo dispersos pela Sra. Bethany como folhas em um vendaval forte, eu queria conversar com Lucas — mas Skye foi um pouco mais rápida, o alcançando antes de eu ter a chance de dizer uma palavra. — Obrigada por se arriscar por mim. — Sem problemas. Ela tinha uma espécie de sorriso torto que de alguma forma a deixava mais bonita. Como é que o meu sorriso engraçado só me fazia parecer ridícula? — Você é tipo um homem do time da SWAT, sabe. Quem pensaria que alguém precisaria tanto de resgate no colegial? Skye estava apenas fazendo uma piada, mas obviamente, impressionou Lucas. Ele pegou o braço dela e disse, — Nós precisamos conversar. — Nossa prova começa em cinco minutos — e você não precisa se limpar depois da briga? — Esqueça a limpeza. Esqueça a prova. Isso é mais importante. Eu os segui de volta na escada; Patrice lançou um olhar preocupado para nós, mas não tentou se juntar a eles. Boa coisa, também, porque ela provavelmente teria surtado. Conhecendo Lucas como eu
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conhecia, eu sabia o que ele estava prestes a dizer — e eu pensei que fosse uma boa ideia. Era hora de dizer a verdade para Skye. — O que há?— A Expressão de Skye estava ficando nublada à medida que eles subia juntos a escada, a luz da estreita janela arqueada iluminando seu cabelo escuro. — Você vai finalmente dizer o que há de errado com você? Lucas ficou desconfiado. — O que você quer dizer? — Você é tão... Bravo, — ela sussurrou, a voz dela gentil. — Tão bravo sobre tudo isso, todo o tempo. Eu não estou dizendo que você esteja errado em estar bravo, mas Lucas — está queimando dentro de você. O que é? Você pode me dizer? Se ela tivesse tentado dar um dica ou enganá-lo, Lucas nunca falaria. Mas pura honestidade sempre quebrava suas barreiras. — Minha namorada, Bianca... Ela morreu no ultimo verão, eu ainda a amo. Eu sempre vou amar. A verdade, se não toda a verdade, e isso tinha o poder de aquecer e me emocionar mais uma vez. O que me surpreendeu foi o poder que isso tinha sobre Skye; seus olhos azuis pálidos imediatamente se encheram de lágrimas. — Eu perdi alguém esse verão, também. Meu irmão mais velho. — Oh, Jesus. — Lucas foi claramente pego com a guarda baixa. — Skye, sinto muito. Ela apertou a mão dele. — Acredite em mim, eu sei. Eu posso até esconder a raiva melhor do que você, mas às vezes eu só quero... — Skye suspirou frustrada mas sorriu para ele enquanto enxugava uma lágrima. — Bianca era — incrível? Eu aposto que ela era incrível. A expressão de Lucas vacilou. Falar de mim no passado o lembrava da minha morte e trazia a dor de volta. — Você não tem ideia. — Se isso ajuda, eu acredito — não, eu sei — que os mortos não se vão realmente. — Ela falou com um certeza tão profunda que só podia ter vindo de alguém que cresceu em uma casa assombrada. Skye sabia sobre os mortos-vivos, pelo menos naquele nível. — Eles nos observam. Eles estão por perto. E eu acho que eles percebem o quanto nós os amamos, talvez mais do que eles percebiam quando eles eram vivos.
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À medida que Skye terminava de dizer isso, eu tomei o risco de esbarrar, gentilmente, na mão de Lucas. Eu vi ele se endireitar, garantido da minha presença e segurança, e ainda mais emocional do que antes. — Eu acredito nisso, também. — Ela iria querer que você fosse feliz, — Skye disse. — Não bravo o tempo todo. — Estou tentando. — Eu sabia que Lucas estava falando comigo tanto quanto com Skye. Eles só se observaram por minuto, se recompondo. Depois de engolir em seco, Skye disse, — Então, o que você queria me dizer? — Essa escola é perigosa, Skye. Tudo por aqui é perigoso. Você tem que se cuidar. — É, eu meio que percebi isso depois que aqueles velhos membros da gangue estranha dispararam uma flecha em mim. Que tipo de gangue usa arcos? Lucas deu um passo para mais perto e olhou dentro dos olhos dela. Através da janela meia-lua, a luz do sol entrou, fazendo o cabelo dele ficar cor de ouro. — Não, é sério. Alguns dos alunos aqui — eles não são apenas estudantes. Ela cruzou os braços. — Você quis dizer que eles também são grandes idiotas? — Eu quis dizes que eles são vampiros. Skye encarou Lucas. Lucas a encarou de volta. Eu me perguntei se ela iria gritar, ou fazer perguntas, ou só correr pra caramba pra fora da escola. Ao invés disso, ela começou a gargalhar. Quando Lucas foi pra trás, assustado, ela arfou, — Você quase me pegou! — Skye— Está tudo bem, eu entendo. — Sua risada quase encobriu suas palavras. — Nós estávamos pegando muito pesado para pessoas que
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precisam pensar em Cálculo. Obrigada por me fazer rir. Eu precisava disso. Lucas procurou por palavras, então se rendeu. — Qualquer hora. — Vem, vamos pra aula. — Skye se dirigiu para a porta Lucas olhou para trás, e eu tremeluzi um pouco na luz, para ele poder saber que eu estava perto. Seu sorriso tímido era a melhor recepção que eu poderia ter. É claro que eu queria contar a Lucas sobre a Sra. Bethany, mas isso podia esperar. A dedicação de Lucas com seus estudos esse semestre era na maior parte um jeito de se distrair ele mesmo da dor, mas esse era um bom motivo para respeitar isso. Eu presumi que não doeria esperar quarenta e cinco minutos. Nem todo mundo podia ser tão disciplinado sobre esperar pela hora certa de falar, embora. Quando eu me acomodei de novo na sala de registros, sozinha e pronta pra passar mais um pequeno tempo de qualidade com meu bracelete, mais alguém decidiu me fazer uma visita. — Bem, se não é a rainha do baile dos mortos, — Maxie disse. Eu me sentei, atônita; ela tinha se materializado através da sala, e eu estava tão concentrada que não tinha notado. Ela estava de volta em sua camisola flutuante, como eu estava de volta em meu usual pijama. — Me diga, como é ser tão especial que as regras não se aplicam a você? — Horrível,— eu disse. — Significa que mesmo as pessoas que você pensou que fossem seus amigos não gostam de você. Maxie hesitou. Ela abaixou a cabeça, fazendo seu cabelo curto cair em seus olhos, bloqueando nossa vista ligeiramente. — Eu gosto de você, — ela disse em voz baixa. — Às vezes você age como se não gostasse. — Nós temos que fazer escolhas, — ela disse. Pela primeira vez desde que eu a conheci, soou mais como uma adulta do que como uma criança petulante. — Nós temos que admitir que estamos mortos. — Eu entendi isso. Acredite. — Vampiros são nossos inimigos.
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— Talvez isso seja verdade na maior parte do tempo,— eu admiti, pensando na Sra. Bethany, — mas não é verdade pra Lucas. Ou pra Balthazar, ou Patrice, ou Ranulf. Porque você continua tentando criar categorias preto-e-branco? Porque você está olhando para o que todo mundo é, ao invés de olhar quem eles são? — Isso ajuda, — ela sussurrou. — Quando você não está vivo, mas não totalmente morto — pode parecer como se tudo fosse cinza. Você quer preto. Você quer branco. — Eu sei. — E eu sabia. No momento, a porta abriu e Vic e Ranulf entraram. Eles tinham intervalo agora. — Espere, espere, — Vic estava dizendo. — Você tinha Cristina Del Valle para ir ao Baile de Outono com você? Como isso funcionou? Ela é a garota mais bonita do colégio. — Eu sou sábio no quesito donzelas formosas, — Ranulf disse. Então os dois pararam quando me viram — e, eu percebi, Maxie, que não tinha ficado invisível na hora e agora parecia estar muito atônita para fazê-lo, ou qualquer outra coisa além de ficar de boca aberta. Rapidamente, eu disse, — Maxie, obviamente você já conhece Vic, mas você já conheceu Ranulf? — Ainda mais fantasmas, — Ranulf disse. Ele tinha estado preocupado sobre socializar comigo no começo, depois de minha morte, mas só levou um segundo para ele passar por isso agora. — Bem vinda. Você vai estar aqui freqüentemente? Se sim, por favor, não congele muito os lugares. Bianca sempre os deixa muito frios para serem usados pelos outros. — Hey!— Eu protestei, mas Ranulf de repente pareceu muito interessado nos posters do Elvis. Vic só continuou encarando Maxie. Ela tinha interagido com ele durante toda a sua vida, mas sempre invisível; essa tinha que ser a primeira vez que ele a via. — Wow, — ele disse. — Uh, wow. Hey você. — Olá, — Maxie sussurrou. Eu sabia que aquela era a primeira palavra que ela já tinha falado com ele. Ela tinha cruzado a linha — a que ela não queria que eu cruzasse, e eu gostei disso. Estaria ela começando a pensar por ela mesma? Entender que as linhas entre vampiro, fantasma, e humano era tão embaçado quanto às de entre vida e morte?
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— Você quer... Curtir um pouco?— Vic olhou ao redor do quarto freneticamente, obviamente tentanto descobrir o que podia entreter ela. — Nós podiamos apenas conversar ou... Eu tenho alguma música— Eu deveria ir, — Maxie disse. Mas antes que eu pudesse ficar desapontada, ela adicionou, quieta, — Eu vou voltar alguma hora. Vic sorriu. — Ótimo. Eu digo, isso é... Isso seria ótimo. Maxie desapareceu, mas eu podia sentir ela. Estava saindo do quarto bem devagar, tão mais relutante em partir do que ela transpareceu. Quando finalmente subiu para o telhado, Vic se virou para mim e disse, — Isso é inacreditável! — Foi ótimo? Finalmente conhecê-la? — Eu sorri de volta pra ele. A sua boca estava meio aberta, meio sorrindo e meio assombrada. — Eu acho... Eu nunca percebi... Eu digo, eu sabia que ela era ela e tudo, mas eu nunca percebi que meu fantasma era uma garota. Ranulf disse, — Vic ainda não aprendeu as artes de interação com fêmeas. — Você vai me ensinar seus truques, camarada? — Vic disse. — É só questão de observação durante vários séculos. — Ótimo. — Vic suspirou, colocando a mochila no chão. — Eu já volto, ok? — Tirei meu bracelete e desmaterializei, subindo para o telhado. Como eu suspeitei, achei Maxie no céu. Nós podíamos nos ver, na maior parte — nebulosos contornos de nós mesmas que seriam invisíveis do chão. — Eu falei com Vic!— Ela disse. Seu sorriso era parte da luz da tarde. — Eu falei com ele, e ele falou comigo! — Vê como é divertido, cruzar as linhas? — Não é errado seguir em frente, — ela disse, mais firmemente. — Você sabe o quão melhor é lá do que aqui. Mas — enquanto nós formos parcialmente daqui — — Eu acho que nossas pós-vidas têm que ser sobre as pessoas que nós amamos. — Comecei a flutuar mais alto, mais pela curiosidade de ver o quanto nós podíamos ir. — Nada mais faz sentido.
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— Mas eu não conheci Vic antes. Não quando eu estava viva, — Maxie protestou. — Se você me perguntar, isso não faz nenhuma diferença quando você começa a amar alguém. Só que você os ama. Simplesmente dizendo a palavra amar me lembrou de Lucas e as novidades que eu queria tanto compartilhar com ele que até queimava dentro de mim. Mas eu tinha meia hora para matar. Então eu me impulsionei mais para cima; Maxie me seguiu. — Quão alto nós podemos ir?— Eu perguntei. — Oh, loucamente alto. Acima da troposfera. Você pode ver as estrelas durante o dia, se você quiser. — Sério?— Eu poderia observar as estrelas agora — qualquer hora, de fato. Eu não teria um telescópio, claro, todavia, aquela vista seria algo para ver, como uma foto do The Hubble. — Vamos, ok? Maxie começou a rir, e eu sabia que isso era o que ela queria todo tempo. Não que eu escolhesse lados — só ter uma companhia no mundo intermediário dela. — Ok, claro. Levantamo-nos, mais e mais, até que a Academia Meia Noite fosse somente um ponto no chão, então obscurecida pelas nuvens. A luz do sol acima estava mais brilhante do que um clarão. Cegante. Então essa enorme forma cinza apareceu à distância, chegando mais perto, mais rápido do que eu podia imaginar. — O que diabos é isso? — Agüente firme!— Maxie gritou. Isso é — isso é um avião? Um jato comercial zuniu em linha reta em direção a nós, até eu poder ver o contorno dele — as janelas da frente — os pilotos lá dentro — e então, wham. Maxie e eu passamos diretamente através do centro do avião, cabine da frente, o longo corredor, dezenas de passageiros, o pequeno carrinho de bebidas — a extremidade — e tinha ido. Nós passamos diretamente por ele. Maxie e eu flutuamos até lá, aturdidas, por um longo segundo. Ela finalmente disse, — Você acha que alguém no avião nos viu?
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— Nós estávamos indo muito rápido, — eu disse. — Mas talvez eles tenham sentido alguma turbulência. Ela começou a rir, e eu comecei também. Embora Maxie quisesse continuar a criar — bolsões de ar— para o tráfego fora de Boston, eu me separei dela quanto senti que a aula de Lucas provavelmente tinha acabado. Nós prometemos ir observar as estrelas logo, e enquanto aquela perspectiva me encantava, o mais perto que eu chegava da Terra, mais urgente minha real preocupação parecia. Eu encontrei Lucas no terraço, me esperando como sempre. Sua mochila tinha sido jogada no chão, e ele estava descansando seus antebraços nos joelhos, sua cabeça inclinada. — Você parece cansado, — eu sussurrei, me tornando uma névoa suave perto dele. — Eu estou cansado. — Acordado até tarde preocupado comigo? — Acordado até tarde. — Ele confirmou. — Mas eu sei que você pode tomar conta de você mesma, então eu também fiquei acordado estudando. E ouvindo música. E surfando na internet. E fazendo o que eu pude pensar para evitar ir dormir. Eu não tive que perguntar por quê. — Charity.— Lucas não respondeu, mas ele engoliu em seco, fazendo seu pomo de Adão se mexer na sua garganta. Eu me encostei gentilmente contra seu pescoço, esperando que ele pudesse sentir o toque fresco. — Ela está ficando pior? — Pior? Não. Ela começou fazendo meus sonhos tão ruins quanto eles podiam ser, e desde então — bem, você tem que dar a ela isso, ela é firme. É horrível toda noite. Toda noite. — Lucas se levantou bruscamente. Ele apoiou sua mão contra o ferro fundido do gazebo, cada músculo em suas costas tão tensos que eu podia ve-los resaltados em seu sueter do uniforme. — Às vezes é Erich denovo, ameaçando te torturar com estacas banhadas em água benta. Às vezes outros vampiros bebem do teu sangue, e por alguma razão isso te mata ao invés de te transformar em um deles. Às vezes minha mae corta sua cabeça. Ou aqueles caras bêbados — se lembra, do nosso primeiro encontro? Nos meus sonhos, eles não estão tentando tomar conta de você. Eles estão tentando queimar você. Todos os sonhos são sobre perder você, repetidas vezes. A dor em sua voz áspera me fez desejar poder arriscar me tornar corpórea, para eu poder colocar meus braços em volta dele. — Charity só
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te transformou para poder te afastar de mim, — eu disse. — É minha culpa. — Não é culpa sua, — Lucas disse. Eu desejei ter a certeza que ele tinha. — Mas sim, Charity gosta da ideia de eu perder você pra sempre. O bastante para fazer isso infinitas vezes na minha cabeça. — Por favor, me deixe voltar. Se eu estivesse em seus sonhos, eu sei que poderia ir até você. Lucas balançou a cabeça. — Absolutamente não. Qualquer coisa que ela fizer a você lá poderia realmente te machucar. Esse não é um risco que eu estou disposto a tomar. Mesmo se a única alternativa era sua dor constante? Eu odiei isso, mas por agora, nós não tínhamos escolha. Ele disse, — Bianca, eu venho querendo te perguntar sobre isso faz um tempo. O que acontece depois da Academia Meia Noite? — Como assim? — Eu não posso ficar nessa escola para sempre, — Lucas disse. — Digo, eu acho que tecnicamente eu poderia, mas não me vejo realmente repetindo Literatura Inglesa outro semestre pelos próximos vários séculos. E você não pode querer passar o resto da eternidade se escondendo em cantos. Esperando por mim. Eu não tinha pensado nisso até agora — eu não me permiti. Agora que entendia meus próprios poderes, os muitos lugares que eu podia ir e coisas que eu podia fazer. Eu não mais temia a eternidade que se estendia diante de mim. Mas era diferente para Lucas. Eu disse, — Vampiros usualmente começam... Perambulando, eu acho. Tirando vantagem da imortalidade para explorar o mundo. Uma vez que você tenha algumas décadas de experiência, aparentemente não é tão difícil começar a fazer dinheiro. E depois que fica rico, bom, você pode basicamente fazer tudo que quiser. O rosto de Lucas pareceu aflito com as palavras algumas décadas. Ele disse, — Eu não preciso ficar rico. Eu não preciso fazer o que eu quiser. Porque agora, eu não tenho certeza se eu usaria esse poder bem. — Você tem que parar de estar com medo de você mesmo. Do que você se tornou.
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— Eu sei o que eu me tornei, — ele disse. — É por isso que eu sei que eu preciso estar assustado. O medo tomou conta de mim quando eu percebi que a próxima coisa que ele iria dizer era algo como — Você deveria ser livre. — Ele ainda pensava que ele era um fardo para mim, quando ele era tudo menos isso. — O que você se tornou é minha âncora, — eu disse. — A pessoa que me conecta a esse mundo. Ele não podia acreditar em mim completamente. — Sério? — Sempre. Lucas respirou fundo. — Eu só queria poder acreditar que poderia te dar algo que valesse a pena ter. — Você faz isso todos os dias. Todos os segundos. Nunca duvide disso. — Ok, — disse, mas eu sabia que ele não estava completamente convencido. Hora de focar a atenção dele em problemas reais. — Ouça, — eu disse. — Quero conversar com você sobre a Sra. Bethany. Ele se virou parcialmente, para eu poder ver seu rosto. — Nós temos que passar por isso de novo? — Isso é novo. O mais rápido que pude, eu contei a ele quem Christopher era, e o que ele tinha revelado para mim sobre o passado dela. Quando eu disse que ela esteve na Cruz Negra, os olhos de Lucas se arregalaram, mas ele não disse nada. Uma vez que eu tinha terminado, disse, — Ela não está sendo simpática porque ela de repente se tornou legal. Ela só odeia a Cruz Negra tanto quanto você. — Porque isso tem que ser duas coisas separadas? Encarei Lucas, mortificada. Ele parecia mais frustrado do que antes. — Bianca, ficar bravo com a Cruz Negra significa que você perde o poder de pensar racionalmente para sempre? Ou de ser preocupar com outras pessoas? Se sim, eu estou ferrado. — Não é o que estou dizendo.
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— Não é? — Lucas chutou o ferro perto de seu pé, fazendo a hera farfalhar. — Porque você a odeia tanto? — Ela é uma assassina. — Eu não tinha percebido que eu podia falar tão alto, ou tão rispidamente, embora uma pouco mais que um vapor. — Ela matou Eduardo, se lembra? E quantos outros membros da sua célula? — A célula da Cruz Negra que invadiu esse lugar e tentou matála? E Eduardo — Suas mãos se apertaram tanto em volta da grade do terraço que eu poderia pensar que isso machucaria. Lucas não tinha sido muito afeiçoado a seu padrasto, mas ele se preocupou com sua mãe ser deixada sozinha, mesmo agora. — Isso aconteceu quando ela veio para a célula de Nova York tentando resgatar você. Ou se esqueceu? — Ela só queria vingança pelo ataque na escola! Isso foi o que aconteceu, vingança! E você se esqueceu das armadilhas que ela armou para os fantasmas? — Você mesma queria os prender antes de se tornar um! — Lucas percebeu que nós estávamos começando a gritar e respirou fundo, se acalmando. Eu não podia exatamente respirar nesse estado, mas eu tentei ficar mais calma. As poucas brigas que Lucas eu tivemos eram sempre contundentes, e além do mais, nós não queríamos que ninguém começasse a nos encarar. Mais calmamente, ele disse, — Pessoas podem fazer coisas por mais de uma razão. — Se é a Sra. Bethany, não é uma boa razão. — Porque você acredita nisso? Sério, Bianca, você tem uma razão para não confiar nela além do fato de ela ser dura na sala de aula? Aquilo me pegou desprevenida. — As pessoas que ela matou... — Eu matei muitos vampiros, — Lucas disse. — Eu vejo agora que eles eram pessoas, também. Você confia em mim? — Claro. Sempre. — Minha mente correu. Quando eu comecei a temer a Sra. Bethany? Era nada mais do que um desgostar juvenil de uma professora dura? Eu não podia acreditar nisso, mas não podia dar nenhuma razão melhor do que essa: — Chame isso de instinto, Lucas. Eu não confio nela. — Nós não podemos cortá-la só por instinto. Não quando ela está me oferecendo — O que ela está te oferecendo? Além de promessas vagas?
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— Um lugar pra viver, — ele disse. — O direito de descobrir as coisas. E talvez um fim para esta fome. Lucas olhou para baixo, onde um grupo de estudantes estava relaxando. Humanos. Eu podia dizer. Mesmo agora, quando estávamos em uma discussão passional, ele podia sentir o cheiro do sangue deles e a longa para sua primeira morte. — Oh, Lucas. — Me atrevi a adicionar um pouco mais de substância a mim mesma, o bastante para tocar sua mão. Ele fechou os olhos bem como eu fiz. — Você acha que poderia ser real? Ele se afastou do parapeito, recém-energizado. Sua mandíbula estava serrada quando olhou para mim — sabendo, de alguma forma, como sempre sabia, como me olhar fixamente. — Estou prestes a descobrir. — Lucas, espere! — Mas era tarde demais. Ele correu do terraço, dois passos de cada vez, indo direto para a casa principal; Lucas estava indo direto para o covil da Sra. Bethany — e eu sabia no momento, que, se ela fizesse a ele a promessa certa, eu podia perder ele para sempre.
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Capítulo Dezessete Eu segui Lucas em direção à casa da Sra. Bethany. Embora eu pudesse ter gritado com ele novamente, para tentar impedi-lo de fazer isso, não fiz. Precisávamos saber. Eu disse a mim mesma. Se ela realmente pudesse ajudá-lo, então eu deveria deixá-la fazer. Eu estava resistindo apenas porque eu estava com ciúmes de que a Sra. Bethany poderia lhe dar algo precioso — Algo que eu não poderia? Tão mesquinha. Tão pequena. Não admira que Lucas sentisse que podia confiar nela, se eu era tão fraca em comparação. Gostaria de ouvir e assistir. Talvez eu soubesse que Lucas poderia estar livre da fome de sangue. Se sim, então eu prometi a mim mesma que nunca ia dizer outra palavra ruim sobre a Sra. Bethany novamente. Enquanto Lucas batia na porta, eu fiquei cautelosa — a passagem familiar em sua janela, aliviou o sentimento de nenhuma armadilha nas proximidades — então, fui surpreendia. Alguém já sentado na frente de sua mesa: Samuel, sem dúvida, levando uma tarefa pela briga anterior. Lucas, provavelmente não teria a chance de ter uma conversa séria com a Sra. Bethany sobre qualquer coisa. Eu não consegui decidir se eu estava feliz com isso ou não. Mas quando a Sra. Bethany abriu a porta e viu Lucas, ela disse: — Que momento excelente, Sr. Ross. Por favor, dê um passo a dentro. — Lucas não parecia mais feliz de ver Samuel, que Samuel estava por ver Lucas. — Isto é sobre a briga mais cedo? — Não exatamente. — Sra. Bethany apontou para uma cadeira no canto da sala. — Eu estava tendo uma conversa com Sr. Younger sobre suas muitas dificuldades disciplinares este ano. Há outra questão — que eu tinha planejado para tratar com você mais tarde Sr. Ross — mas após uma análise, esta parece uma hora tão boa como qualquer outra. Sr. Younger, também conhecido como Samuel, levantou-se, obviamente ofendido. — Desde quando que a escoria Cruz Negra tem algo a ver com a execução deste lugar? — Só eu sou a autoridade aqui. — Sra. Bethany caminhou até sua mesa, muito empoeirada — a saia violeta rodando em torno dela.
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Enquanto colocava uma mão sobre a mesa, percebi mais uma vez a silhueta emoldurada que ela sempre mantinha nas proximidades. Christopher: Ela ainda olhava para seu rosto todos os dias. Mantinha próximo. Isso me fez melancólica, e por alguns momentos eu senti que poderia ter a julgado errado desde o início. Ela continuou: — Como a autoridade na escola, noto que você tem sido repreendido por instrutores de vários crimes que vão de falar em sala de aula ao assédio moral. Samuel sempre tinha parecido um idiota —, mas agora sua expressão endureceu, e pela primeira vez em tempos eu pude ver o monstro antigo dentro do menino. — Isto não é realmente uma escola, ou você esqueceu? Eu não preciso estudar álgebra. Eu preciso descobrir como passar por ser humano. Tudo aqui é um desperdício do meu tempo. — Assédio aos alunos humanos parece para você, um melhor aproveitamento do seu tempo? — Sra. Bethany arqueou uma sobrancelha elegante. — Por que eles estão mesmo aqui? — Samuel atirou de volta. — Se você não os trouxe para servir como nossa bandeja de sobremesa, eu não vejo o ponto. Ela sorriu, apenas um pouco, os olhos lançando brevemente para Lucas, que parecia tão confuso quanto eu me sentia. — Você não vê muitas coisas, Sr. Younger. — Já tive o bastante. — Samuel levantou-se como se fosse ir, mas o olhar intimidante da Sra. Bethany o deixou preso no lugar dele. Ela íngremente levou as mãos em cima de sua mesa e falou lentamente e com cuidado. — Eu pedi estudantes humanos para esta escola porque eles eram necessários para cumprir um... Projeto de estimação meu. O interesse de Sr. Ross também. — Mrs. Bethany olhou diretamente para Lucas quando ela disse. — A eliminação da sede de sangue de nossa espécie. Samuel bufou. — Então me deixe fora disso. Eu não quero ser livre da sede de sangue. Eu gosto da sede de sangue. A melhor coisa sobre ser o que somos. — Você gosta tanto de ser um vampiro, eu acho. — Disse ela. — Que você esqueceu a alternativa. — Então, o que se tem? Tanto quanto me lembro, a espécie humana é o lixo. Eu era fraco, eu tinha que comer verduras, além de, não
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se esqueça, ter de ir ao banheiro, o que, como, várias vezes todos os dias? Que desperdício de tempo. Sra. Bethany inclinou a cabeça, tendo sua medida em que ela pegou algo de uma das gavetas de sua mesa — um recipiente de metal de pequeno porte. Uma armadilha. E ainda assim não senti me puxar em direção a ela. — Veremos. — O quê? — Disse Samuel. Mas ela não estava prestando mais atenção a ele. Para Lucas, disse ela. — Você sabe o que é isso? — Uma armadilha. — Lucas respondeu. Seu olhar estava fixo na caixa. — Para um fantasma. Eu percebi gelo em flocos no recipiente de metal, o que significava que um fantasma já estava lá dentro. Foi por isso que ele não tinha poder sobre mim, à armadilha estava cheia. — Muito bom, Sr. Ross. — Ela levantou-se a uma posição ereta. — Agora, observe. Sra. Bethany sussurrou alguma coisa em latim enquanto abria a caixa. O fantasma dentro saiu como um raio de luz que atingiu Samuel diretamente no peito. Ele caiu no chão, contraindo-se violentamente, o fantasma parecia estar circulando-o, preso a ele, um vapor que ia se contorcendo sobre cada membro, cobrindo o rosto, tentando fugir, mas incapaz de se mover. — Que diabos? — Lucas levantou-se, obviamente, tentando descobrir como ajudar Samuel, se isso era possível. Mas a Sra. Bethany balançou a cabeça negativamente. Fascinada, eu encarei enquanto a Sra. Bethany retirava uma faca comprida com uma lâmina preta — obsidiana, eu percebi. Apesar da barreira das paredes da casa, a obsidiana parecia empurrar-me para trás. Então ela esfaqueou baixo — por meio do espectro, em Samuel. Sangue prateado misturou-se com o vermelho, e os dois deles gritaram. O espectro de repente afundou em Samuel, claramente sendo absorvido por ele. Samuel se contraiu mais um momento, depois chupou uma respiração profunda. Em seguida, outra. Levantou-se nos cotovelos, olhando para a ferida. O sangue pulsava fora. Pulsando... Ele tinha um pulso, eu percebi. Um coração batendo. Samuel olhou para a Sra. Bethany. Mudo com o choque. Seus olhos eram grandes
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e vazios. Ela se endireitou. Jogando para trás os ombros e um sorriso tão brilhante que ela parecia mais jovem por um momento. Linda. Terrível. Lucas deu um passo vacilante para trás, depois se sentou pesadamente na cadeira, como se sua única alternativa tivesse sido cair. — Isto funciona. — Ela sussurrou. — Eu estou... — Samuel continuou acariciando-se para baixo, como se aquilo pudesse fazer sentido. — Oh, Deus, eu sou humano. Sra. Bethany começou a rir. — Você está vivo. Minha mente parecia em branco, onde eu deveria ter tido pensamentos, só havia luz branca e estática. O que eu tinha acabado de ver era impossível - e mesmo assim, eu tinha visto isso. — Faça isso parar. Faça isso parar. — Samuel arranhou o suéter do seu uniforme, como se ele estivesse tentando rasgar o próprio peito para arrancar o coração batendo. Lucas teve que abrir e fechar a boca um par de vezes antes que ele pudesse dizer: — O quê... O que você fez? — O espectro e o vampiro representam duas metades da morte, Sr. Ross. — Sua voz era novamente nítida e profissional, mas a luz quente em seus olhos não tinha desvanecido. Ela aproximou-se de Samuel, que estava neste ponto se contorcendo no chão, seu corpo vivo, aparentemente era insuportável para ele. — E, no entanto, também representam duas metades da vida. A carne. E o espírito. Una-os mais uma vez. E o resultado é... Ressurreição. — Eu nunca ouvi falar de nada parecido. — Disse Lucas. — Nunca a Cruz Negra nos disse isso. — E eles ainda estão entre os poucos que já conhecemos. Ele estava entre os documentos da Cruz Negra que eu roubei e descobri isso. — Sra. Bethany inclinou Samuel. Sua angústia não fez nada para diminuir seu prazer. — Por que não compartilhar o conhecimento? Você pensaria que qualquer coisa resultaria em menos vampiros — mas não. A Cruz Negra não quer apenas segurança para seres humanos. Eles também queriam vingança. E que vingança poderiam ter tido em dar vida renovada a vampiros? — Faça isso parar. — Samuel repetiu. Sua voz era esganiçada agora, o que a tornava quase irreconhecível. Foi como se voltar à vida o levasse loucura. Lucas deu um passo na direção de Samuel, mas ele não
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sabia como ajudar mais do que eu sabia. Ele disse: — Isto não pode ser real. — Sinta o pulso! — Sra. Bethany agarrou o pulso de Samuel, ele gemeu, mas não resistiu a ela. Então ela soltou, firmando-se visivelmente. — Perdoem-me. Conheço a teoria há quase quatro anos, mas este é meu primeiro teste bem-sucedido. Em seguida, Lucas levantou a cabeça, a conscientização amanhecendo. — Bianca, — disse ele, e por um momento eu pensei que ele estava falando comigo. Mas ele continuou, — Bianca foi criada quando seus pais fizeram um acordo com um espectro... — Outro caminho para a combinação de um espectro e um vampiro para criar a vida. — Disse a Sra. Bethany. — Embora exista, o resultado é a criação de um terceiro, ser independente. Aqui, nós tomamos a energia de um fantasma se unindo com o corpo de um vampiro. Idealmente, a consciência do espectro é apagada, deixando a energia necessária para ressuscitar o vampiro como a pessoa que ele ou ela já foi. A consciência do espectro foi apagada? Quando você era um fantasma, tudo o que se tinha era a consciência. Sra. Bethany não estava apenas prendendo os fantasmas. Ela destinava-se a matá-los, um sacrifício para que os vampiros pudessem viver novamente. E Lucas ainda não tinha ido embora. Ele estava em choque, eu disse a mim mesma, e eu sabia que era verdade, eu estava em estado de choque também. Mas também sabia quão profundamente Lucas odiava ser um vampiro. Se ele tivesse uma chance de viver novamente — para ser totalmente humano — o que poderia ele fazer para que isso acontecesse? Lucas se concentrou novamente em Samuel, que tinha começado a bater a cabeça contra o chão. Deveria ter parecido engraçado, mas o jeito que ele mudou-se desarticulando espasmodicamente era muito perturbador para isso. — O que há de errado com ele? Sra. Bethany suspirou. — Como eu temia, utilizando-se um espírito há resultados instáveis em um ser humano instável. Esse eu tinha pensado que era um espécime superior, muito mais convincente do que a maioria das aparições que conseguimos seduzir até agora — E ainda, obviamente, não firme o suficiente. — Por favor. — Samuel sussurrou. Ele começou a chorar, e eu percebi que, em seus punhos estavam fios de seu próprio cabelo, ele estava puxando o seu próprio couro cabeludo. Vi que a insanidade do espectro havia se tornado uma parte dele agora, tanto quanto o seu
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sangue ou os seus ossos. Sra. Bethany tinha restaurado-lhe a vida, mas ela também tinha destruído ele. — Você apenas... — Lucas olhou para ela. — Isso é como uma experiência. — Eu não tinha a intenção de ir eu mesma primeiro. — Disse a Sra. Bethany. — E o Sr. Younger teve sérios problemas de comportamento. Eu tinha usos melhores para o seu tempo do que hospedagem de detenção. Lucas franziu a testa de uma maneira que reconheci como um sinal de crescente indignação. Por mais que ele tenha sofrido com Samuel, ele obviamente nunca teria desejado isto para ele. — Parece que você poderia ter avisado o cara. — Eu achei que havia uma chance razoável de que ele estivesse de volta à vida e à saúde, — disse a Sra. Bethany. Ela abriu a porta da frente, e Samuel tropeçou de pé e correu por ela. Seus passos eram instáveis, e ele não ia para a escola, em vez disso, ele saiu em direção à floresta. De alguma forma eu sabia que nunca iria vê-lo novamente. Sra. Bethany veio direto para minha janela. Tão perto que eu me encolhi dentro dos ramos do arbusto mais próximo. E assisti-o ir. — Quem pode dizer? Em uma década ou mais, ele pode ganhar alguma estabilidade. — Não deveríamos ir atrás do cara? — Lucas exigiu. — E se isso é o melhor que você pode controlar, você não deveria ter tentado com ele em primeiro lugar. — Irritado, Sr. Ross? — Sra. Bethany parecia mais divertida do que qualquer outra coisa. — Por que isso? Embora eu não tenha nenhuma razão para duvidar de suas boas intenções, não posso imaginar que a sua indignação seja unicamente em nome do Sr. Younger. — Você só — o destruiu! Para testar sua teoria! O mais irritado que ele ficasse, mais quente o sorriso de Sra. Bethany ficou. — Você está chateado porque isto não trabalhou, não de uma maneira que você gostaria de experimentar. Porque você acha que eu não tenho a resposta que eu lhe prometi. — Isso não é... — Não é? — Ela colocou as mãos em seus ombros. Estavam face a face agora, tão perto. — Nós podemos ressuscitar dos mortos. Eu provei isso. Nós podemos prender os fantasmas. Eu provei isso, também. Agora
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é só uma questão de encontrar fantasmas adequados — aqueles que são especialmente fortes. Especialmente estáveis. Conectados ao mundo de uma forma significativa. Se só podemos encontrar tais aparições, e prendê-los, você e eu vamos viver de novo. O rosto de Lucas era uma máscara de raiva e, no entanto suas palavras mal saíram. Novamente, ele fechou os olhos com força. Sua voz tornou-se mais baixo, mais suave, doce. — Eu vejo como você olha para os alunos humanos. Eu sei de sua fome - é algo que nós compartilhamos. Eu troquei a minha vida humana com um vampiro por uma questão de amor e vingança, e dois séculos depois, continuo presa na prisão do meu cadáver. É tão pesado, não é? Transportar em torno de seu próprio corpo morto? Conhecer a si mesmo por ser um monstro e odiando todo desejo que você sente? Mas já está quase acabando, Lucas. Estamos quase na graça. Ele abriu os olhos. Eles olharam profundamente um ao outro por um longo segundo, e eu pensei, em desespero, que eu perdi ele. Realmente, desta vez. — Junte-se a mim. — Ela disse. — E viva de novo. Lucas tirou as mãos de seus ombros. — Não. Sra. Bethany deu um passo para trás, uma mão à garganta. — Sr. Ross... — Você jogou esse cara como se ele não fosse nada, — disse Lucas. — Você se lixou pra ele, e isso não importa para você nenhum pouco. Você vai destruir os fantasmas como se eles não fossem nada, inclusive — incluindo o gosto de viver as coisas — e isso não importa para você. Eu não posso fazer isso, nunca, nem mesmo para... Você sabe, eu não me importo que a magia trabalhe. Mesmo se você retirá-lo, mesmo se você se dá num piscar de olhos, você ainda estará morto por dentro. Silêncio. Eles ficaram lá, em relação uns aos outros como se fossem estranhos. Sra. Bethany olhou — triste. Esmagada. Enfim, ela disse baixinho: — Eu esperava que fosse uma parte disso. — Eu tinha esperanças. — Disse Lucas. — Mas eu nunca iria ser uma parte disso. — Ele correu para a porta e saiu para o terreno. Como eu pude ter duvidado dele, nem por um segundo? Lucas tinha me apoiado. Ele tinha guardado o meu segredo. Diante da tentação final, ele se afastou sem quaisquer dúvidas. Entre o meu espanto e horror, eu também sentia uma alegria profunda e poderosa. Corri atrás dele, uma brisa muito
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acima da razão, derrubando as folhas vermelhas e douradas das árvores para que elas se espalhassem atrás de mim. Lucas correu para a floresta, e no começo eu pensei que ele estava indo atrás de Samuel, embora eu não pudesse imaginar o que poderíamos fazer para ajudá-lo. Em vez disso, assim que as árvores esconderam-no da escola — em uma pequena clareira que eu reconheci como o lugar que nós nos encontramos pela primeira vez — ele caiu no chão, nas mãos e nos joelhos. Suas inspirações vieram fortes, e eu percebi que ele estava à beira das lágrimas. Tomei forma devagar, dando-lhe tempo para me dizer para ir, se ele queria ficar sozinho. Mas ele mexeu no bolso, agarrando meu broche, e entregou-o para mim. Assim que senti o jato, meu corpo ficou totalmente sólido, e Lucas agarrou-me a ele com toda sua força. — Há uma saída, — ele suspirou. — Há uma saída, e eu nunca poderei tê-la. Segurei-o apertado. Por que não percebi o quanto isso seria pior para ele? Tinha sido prometido um lançamento de uma existência que ele considerava pior do que qualquer prisão — e era verdade, cada uma das promessas da Sra. Bethany eram verdade. Era a porta para fora, e ele nunca iria atravessá-la. Então, eu considerei isso. Um sentimento pequeno, enquanto o medo tremia dentro de mim, mas eu não o deixei me controlar. Segurei Lucas enquanto ele enterrava o rosto na curva do meu ombro, todo o seu corpo tremendo de emoção reprimida. Até que eu tinha certeza, eu não podia falar. Finalmente disse: — Nós poderíamos fazê-lo. Lucas deslocou-se para trás, o suficiente para ver meu rosto. — Fazer o quê? — O ritual. O que a Sra. Bethany fez. — Firmei-me. — Eu poderia trazê-lo de volta à vida. — Não. Você estaria desistindo da vida ou existência que tem, e então você teria ido embora para sempre. — Você se ofereceu para fazer o mesmo por mim. — Eu disse. — Lembra-se? — E você foi corajosa o suficiente para morrer em meu lugar. — Lucas roçou os dedos em meu rosto e segurou minha face em suas mãos. — Eu não vou te dar nada menos.
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Abracei-o novamente, e ele afundou contra mim, como se estivesse exausto. Sra. Bethany nunca teria poder sobre ele novamente, eu sabia, e ainda o seu fardo era mais pesado do que nunca. E nunca iria ficar mais f谩cil. Nenhum de n贸s jamais iria morrer, ou viver novamente.
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Capítulo Dezoito Mais tarde naquela noite, na sala de registros, dissemos aos outros o que havíamos visto. Então, ao invés de apenas Lucas e eu estarmos completamente em choque, cada um de nós se sentou ao redor silenciosamente por cerca de uma hora. A proeza da Sra. Bethany — trazer um vampiro de volta à vida - desafiava todas as leis físicas e sobrenaturais que qualquer um de nós já havia conhecido, e ainda assim não havia como negar o que havíamos testemunhado. Balthazar repetiu pela oitava vez, — Ainda é tão... Irreal para mim. Que haja um caminho de volta á estar vivo. — Não me convence, — Patrice torceu o nariz, como se ela não tivesse passado os primeiros dez minutos após a nossa revelação repetindo ―Oh, meu Deus‖ diversas vezes. — Eu descobri da maneira mais difícil - uma vez que alguém está morto, seja qual for o modo como tenham morrido , é melhor deixar as coisas como estão. — De repente, ela parecia estar muito interessada em seus anéis, mas eu sabia que ela estava se lembrando de seu amor perdido há muito tempo. Amor, a quem ela havia trazido de volta como um fantasma. Apesar de Patrice ser muito reservada para compartilhar todos os detalhes, ficou claro que o resultado tinha sido trágico. Vic assentiu. — Ressuscitar o morto levanta problemas sérios, cujas conseqüências podem ser terríveis, definitivamente. O que você acha, Ranulf? Ranulf, de longe o mais calmo dos vampiros a par desta notícia, balançou a cabeça. — Eu estive vivo por 17 anos, — ele afirmou. — Tenho sido um vampiro por aproximadamente 1.300. Isso é mais fiel à minha natureza, agora. — Eu faria isso, — disse Baltazar. Seus olhos encontraram os meus desculposamente. — Se não se tratasse de matar um ser sensível, para ser exato. Se fosse qualquer outra coisa — quero dizer, tudo voltaria em um segundo. — Então nós sabemos atrás do que ela está agora, — disse Lucas. Seus olhos tinham um foco fora do normal; ele estava criando estratégias, percebi, como uma forma de se distrair da dor. — E sabemos que
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queremos pará-la. Então, precisamos encontrar as armadilhas, limpar este lugar e torná-lo seguro para Bianca, sem contar com quaisquer outros fantasmas que a Sra. Bethany não tenha apanhado. — Isso está me cheirando a um plano, — disse Baltazar. Ele tinha pegado a única cadeira real na sala, enquanto Vic e Patrice pegaram os pufes. Ranulf e Lucas estavam ambos sentados em umas caixas velhas, e eu estava levitando a cerca de meio caminho para o teto. — Será que só podemos dividir a propriedade em partes, passar por elas quando pudermos? Lucas balançou a cabeça. — Eu quero fazer uma varredura completa. Ela provavelmente está preparando armadilhas novas o tempo todo, mas se nós pudéssemos esvaziar este lugar por um momento, talvez ficasse mais fácil de acompanhar o que ela faz daqui pra fora. — Quando devemos fazer isso? — Disse Patrice. — Alguém vai notar. Lucas começou, — Tarde da noite, talvez... — Espere aí, — Vic interrompeu. — Eu estou prestes a ser brilhante. Que tal o Baile de Outono? O maior baile da escola Meia Noite — a versão dos vampiros de um baile — seria dentro em uma semana. Ranulf tinha um par, mas até onde eu sabia, ninguém mais tinha. Enquanto a idéia girava na minha cabeça, gostava mais dela. — Todos estarão fora, ocupados e um monte de pessoas irá para quartos diferentes para namorar, tomar uma cerveja escondido ou o que seja. Isso faz dessa ocasião um bom pretexto para praticamente tudo que precisamos fazer. — Não há nós aqui, — Disse Lucas. — É muito perigoso para você. Eu queria discutir, mas nesse caso Lucas não estava sendo superprotetor. Mandar um fantasma encontrar armadilhas para fantasmas seria mais ou menos como enviar um vampiro para inspecionar uma fábrica de estacas. — Bom, então isso me dá algo para observar enquanto vocês estão ocupados. É uma distração perfeita — Balthazar, lembra-se de como você e eu conseguimos passar pelos históricos escolares no ano passado?
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Após as palavras saírem, desejei que pudesse tê-las puxado de volta. Nunca foi uma boa idéia lembrar Lucas, ou Balthazar, que Balthazar e eu havíamos tido um encontro ano passado. O silêncio que seguiu caiu mal na sala, até que Vic não agüentou mais. — Ok! — ele disse, de um modo muito alegre. — Então todos vamos ao Baile do Outono. Eu e Ranulf temos pares, e vocês, pessoal? — Desde quando você tem um par? — Perguntei, juntando-me ao seu esforço de tentar clarear o clima da noite. Vic parecia desconfortável. Ranulf disse, — Após ser convidada, minha acompanhante revelou que ela tem uma amiga com um rosto lindo, mas ainda assim infeliz em matéria de romance. Portanto, combinamos do Vic acompanhá-la ao baile. — Você encontrou alguém pra ele, — eu disse. — Ei, isso funciona. — Ocorreu-me que Maxie provavelmente ficaria com um pouco de ciúmes disso. — Eu pretendia viajar nesse fim de semana, — disse Patrice, — mas acho que se eu ficasse, poderia usar o meu novo Chanel. O que você me diz, Balthazar? Vamos ser parceiros no crime. Balthazar suspirou. — Claro. Mas um ano desses, espero ir a essa festa com alguém que realmente queira sair comigo. — Então só sobra o Lucas, — disse o Vic. Então sua cara caiu. — E isso fica um pouco estranho. Lucas encolheu os ombros. — Eu sou o que não irá. Posso apenas vasculhar os dormitórios. — Não, — eu disse. Embora eu detestasse isso, sabia que era verdade: — As pessoas que vão para a festa são as que têm mais liberdade naquela noite. Caso contrário, os professores vão pensar que, se você não está em seu dormitório, você tem que estar tramando alguma coisa. — Você quer que eu convide alguma outra garota para um encontro? — Sua descrença teria sido engraçada, se não fosse um assunto tão grave. — Uh, não. Mas há alguém que talvez possa convidar apenas com amigo? —Eu hesitei, percebendo que Lucas só tinha mais outro amigo na escola - mas talvez servisse. — Como a Skye?
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— Ela entenderia que não é um encontro? — Disse Patrice. — Claro, — eu disse. — Ela estaria apenas procurando por um amigo para fazer companhia, por que ela tem um namorado em casa. — Na verdade, nem tanto, — Disse Lucas. — Eu a ouvi contando para a Clementine hoje mais cedo — aparentemente o namorado simplesmente deu o fora nela. Mas ela disse que namoraria um cara novamente seis meses depois que o inferno congelasse, então imagino que ela quer apenas um amigo nesse momento. Esse não é o verdadeiro problema, no entanto. — Você não a atacaria, — disse, tentando parecer verdadeira. — Você está ficando forte. Você a encontrará lá em baixo e estará no centro de uma multidão o tempo todo. Se você se descontrolasse, o que não vai acontecer, alguém estaria lá para te impedir. Lucas sacudiu a cabeça. — É muito arriscado. Deixe-me ir com Patrice e, Balthazar, talvez você possa convidar a Skye. — Eu nunca nem falei com ela, — disse Balthazar. — Ela provavelmente nem sabe quem eu sou. Patrice e eu nos olhamos. Balthazar estava enganado com relação à sua boa aparência. Talvez ele e Skye nunca tenham se falado, mas não havia como qualquer garota heterossexual, ou um gay, na escola Meia Noite não saber exatamente quem ele era. — Então convida outra pessoa, — disse Lucas. Com mais firmeza, Balthazar disse, — Acho que passar algum tempo com um humano seria uma boa idéia para você. — Ele olhou para Vic. — Um humano ―limpo‖. Você não pode ficar na Meia Noite por muito tempo, agora que as coisas estão ficando estranhas com a senhora Bethany. Eventualmente, terá que se testar. Tente fortalecer deu autocontrole. E como Bianca disse, essa é uma oportunidade tão boa quanto qualquer outra. — Eu presumo. —Lucas me deu um olhar inquieto. — Bianca, você tem certeza disso? Honestamente, eu estava com um pouco de ciúme, Não de alguma coisa acontecer entre Lucas e Skye — tinha confiança total nele. Mas Skye poderia se vestir, ir ao baile e dançar com Lucas a noite toda, enquanto eu estaria presa, olhando do teto na visão espectral do pijama com o qual havia morrido. Essa era uma razão bem idiota para me
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aborrecer, no entanto. — Desde que ela entenda esse lance de amigos, sim. Tudo bem. Do seu lugar no pufe, Vic inclinou a cabeça para trás e sorriu para Lucas. — Ok, é meio deprimente o seu melhor amigo te arranjar uma companhia, — admitiu. — Mas bem menos deprimente que a sua namorada te arrumar uma. Lucas fez uma careta para ele, embora eu dissesse que, apesar de seu humor sombrio, ele achou engraçado. — Calem-no. Os preparativos para a dança tomou um bocado de tempo, já que não estaria em condições de participar da busca, fiz o que podia no trabalho de preparação. Mapeamos as diferentes áreas da escola e decidimos quem iria se deslocar para que local e quando. Lucas parecia possuído por uma energia selvagem e desesperada. Ele fez mais estratégias do que qualquer um de nós, estudou mais que antes e fez Balthazar praticar esgrima com ele por horas. Eu pensei que ele estava tentando se manter em um perpétuo estado de exaustão — de modo que ele estaria cansado demais para contemplar inteiramente o fato de que havia uma maneira para ele para viver de novo, mas era um modo do qual ele nunca poderia tirar vantagem. Mesmo as aulas de dança que ele recebeu da Patrice foram intensas e tristes, com Lucas memorizando os passos como se fossem movimentos de batalha da Cruz Negra. Por mais importantes que os nossos planos fossem, no entanto, eu não podia gastar todo o meu tempo me preparando para a busca do Baile de Outono. Em alguns momentos, eu tive tantos problemas quanto pensei nisso. Outra coisa, tão importante quanto, estava em minha mente. Finalmente, quarta feira à noite, chegou a hora. Eu esperei no bosque com minha pulseira de coral por perto, ansiosa e ainda assim nervosa, até que vi meu pai vindo em minha direção. Rapidamente, coloquei a minha pulseira e corri para um abraço. Ele me tomou em seus braços, tão forte e quente que por um segundo era como se eu fosse uma menininha de novo, com medo de trovoadas e confiando no meu pai para me proteger dos relâmpagos. — Ela está aqui? — sussurrei. — Ela está vindo. — Papai apertou minhas mãos. — Eu contei tudo para ela há algumas de horas atrás.
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— Ela está bem? — Apesar da confiança do meu pai, eu não conseguia parar de me preocupar com o fato de que a minha mãe não seria capaz de me aceitar como um fantasma. — Sim. — Havia uma nota estranha na voz dele. Incerteza. O medo me perfurou. Pai deve ter visto, porque ele rapidamente sacudiu a cabeça. — Sua mãe te ama. Ela apenas... Ela não pode aceitar que algo tão terrível tenha acontecido com você. Isso é o que a aborrece. Mas isso significa muito para ela poder estar com você novamente. Algo tão terrível. Aquelas palavras ressoaram em mim de uma maneira ruim. Eu queria revolvê-los em minha mente e descobrir o porquê, mas não houve tempo - eu podia ouvir os passos de minha mãe sobre o espesso tapete de agulhas de pinheiro sobre o chão. Eu observei além do meu pai, procurando por ela. Como um fantasma, a minha visão da noite já não era tão nítida como tinha sido durante minha vida de vampiro. Então eu escutei a respiração ofegante da minha mãe primeiro. — Mãe? — Afastei-me do meu pai, aventurando-me mais perto da borda do bosque, e então eu a vi. Ela permanecia em choque- ainda tremendo um pouco, com as mãos enfiadas nos bolsos do longo casaco. — Mãe, sou eu. — Oh, meu Deus. — Sua voz estava tão baixa que quase não dava para ouvir. — Oh, meu Deus. Ela não parecia ser capaz de se mover, então eu fui para ela - não correndo, como eu tinha ido para o meu pai, mas devagar, dando tempo para ela absorver aquilo. Seu rosto não se moveu, ela apenas piscou para mim, como um coelho assustado demais para fugir do caçador. Mas quando finalmente cheguei perto dela, ela respirou fundo e disse, — Bianca. Então seus braços estavam ao meu redor, e meu pai estava abraçando nós duas, e por um curto período de tempo não havia nada além de calor e lágrimas, e nós dizendo uns aos outros o quanto nos amávamos. Foi totalmente sem nexo, mas eu não liguei. A única coisa que importava era que eu finalmente tinha toda a minha família de volta. — Meu bebê, — disse ela quando finalmente nos separamos. — Meu pobre bebê. Você está... Presa aqui? — Não presa, mas não graças a Sra. Bethany. — Era melhor abordar aquele assunto mais tarde, decidi. — Este é um dos lugares para
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o qual posso viajar e ficar. Estou aqui há algum tempo, porque Lucas está aqui — Os olhos de minha mãe se estreitaram, mas eu continuei — e Balthazar, Patrice, Vic, Ranulf e vocês. Ela olhou de mim para meu pai. — Você tem estado aqui nos último par de meses, e pode simplesmente... Sair com seus amigos? Como se fosse normal? — É normal, — disse eu. — Para mim, de qualquer jeito. — Nós podemos... Podemos arrumar seu antigo quarto. — A mãe sorriu hesitante. — Você poderia viver lá com a gente, se quisesse. O pensamento de passar um tempo no meu quarto, assistindo queda de neve do inverno sobre a cabeça da gárgula, parecia o passatempo mais adorável que eu poderia imaginar. — Eu já posso viajar para lá. Se vocês o tornarem seguro para mim, ficarei lá em cima o tempo todo. A expressão da mamãe ficou sombria. — Seguro. Você quer dizer... Livre de armadilhas. — Sua mãe está assustada, — Papai interrompeu. — Ela está perturbada com o que vimos aqui até agora. — A maioria das aparições não são como os presos aqui na Meia Noite. — Eu sabia que precisava deixar as coisas bem claras. — Alguns deles sim, são assustadores. Assim como alguns vampiros. Mas há muitos que não são tão diferentes de mim. Eles... Eles são apenas pessoas. Você não deixa de ser quem é só porque morreu. Minha mãe claramente não tinha sido convencida. — Então, por que existem tantos atacando esta escola? — Eles estão atacando esta escola porque eles têm sido atraídos para cá. Presos aqui. Pela Sra. Bethany, — insisti. Para minha surpresa, papai interveio novamente. — Célia, pense nisso. A Sra. Bethany nos ensinou, nos advertiu sobre esta escola - é mais sobre ataque do que defesa. Acho que ela sabia desde o início. — Exatamente, — disse. — Ela está planejando capturar os fantasmas o tempo todo... Antes que eu pudesse terminar, revelando o milagre dentro da intriga da Sra. Bethany, meu pai continuou, — O que quero dizer é que ela sempre soube sobre da Bianca.
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As mãos de mamãe agarram o decote de seu casaco, juntando a lã por conta de um novo arrepio. — Adrian, do que você está falando? Ele disse: — Eu quero dizer que a Sra. Bethany está atrás de fantasmas, e ela sempre soube que a nossa Bianca tinha chance de se transformar em wraith um dia. Pensando bem, suspeito que é por isso que nos ofereceram empregos aqui em primeiro lugar. — A Sra. Bethany está atrás de fantasmas, — disse minha mãe. — E você acha que a Sra. Bethany está especificamente atrás da Bianca. Isso não pode ser verdade. Por que ela faria isso? Tudo se encaixou. Sra. Bethany queria viver novamente. Ela sabia que capturar fantasmas lhe dava o poder de criar a vida - mas só o sacrifício de um fantasma poderoso, estável, asseguraria sua sanidade depois da transformação. E eu, graças ao meu status especial como um fantasma nascido, as diversas relações que me prendiam a este mundo, e a orientação dos outros espíritos poderosos que haviam me encontrado quando, igualmente, foram atraídos para a Noite Eterna - Eu seria um exemplo perfeito. Eu era a melhor chance da Sra. Bethany retornar à vida. Nem por um segundo achei que ela hesitaria; se ela pudesse ressuscitar com o meu assassinato, o faria de bom grado. — Eu sei por que, — eu disse. Eles deram as mãos, como se esperasse um golpe terrível, e eu revelei a eles da forma mais gentilmente que consegui. O resto da nossa reunião de família não foi tão emocionante quanto eu poderia ter desejado. Quando mamãe e pai não estavam loucos de ódio da Sra. Bethany, eles estavam com raiva de si mesmos por irem para a escola Meia Noite. Em vez de lembrar-lhes que eu tinha sido contra este plano desde o início. Algumas vezes, "eu te avisei" não é a melhor coisa a dizer, mesmo se os acontecimentos posteriores tenham provado que você estava totalmente correta - Disse-lhes que os meus amigos e eu estávamos planejando. Eles concordaram em servir como acompanhantes para o Baile de Outono, o melhor para se certificarem de que o resto de nós seria capaz de sair e voltar facilmente. Embora eles estivessem felizes porque Balthazar e Patrice tinham um papel importante, ambos ficavam muito quietos sempre que eu mencionava Lucas. Ao invés de forçar o assunto, eu esperava que eles acabassem conversando com ele na noite do baile. Por colaborar em um objetivo comum, talvez eles conseguissem encontrar uma forma de serem civilizados uns com os outros.
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Por isso, comecei a ansiar pelo baile - a dança, a caça, tudo. No momento em que a noite chegou, eu estava empolgada demais para simplesmente espiar no grande salão até que todos chegassem. Decidi desfrutar de um pouco de glamour indireto ao visitar o quarto de Patrice e ajudá-la a se preparar para a dança. A inveja quase acabou comigo. Seu vestido de baile parecia ter custado mais do que alguns carros. A bainha de azul-gelo foi ornada com contas das alças até a bainha, e os sapatos foram bordados em cristais finos. — Por que eu não poderia aparecer em um vestido desse jeito? — Eu disse melancolicamente, ajudando a segurar o resto do seu cabelo enquanto ela trabalhava nas últimas poucas tranças finas. — É uma cor meio wraith. Bem mais angelical do que este pijama idiota. — É um pijama bonito, graças a Deus. — Patrice olhou de soslaio para o espelho. Como a maioria das meninas na escola, ela reduziu seu sangue para parecer mais magra e com fome na dança; no entanto, isso significava que ela não refletia em um espelho muito bem. — E se você tivesse morrido em uma daquelas velhas camisas que usou para dormir no segundo ano? Tremo só de pensar. — Mesmo se esse fosse o pijama mais bonito do mundo, um vestido de noite teria que ser melhor. — Verdade, — disse Patrice. Seu sorriso estava luminoso. Não havia nada que ela gostava mais do que de se vestir. Ou talvez aquela não fosse à única razão para ela estar radiante? — Então, você e Balthazar, — eu comecei. — Apenas amigos? Ela bufou, a coisa menos elegante que eu já lhe ouvi fazer. — Eu lhe disse antes, lembra-se? Não é o meu tipo. — Sim, eu me lembro. — Pobre Balthazar ia ter que esperar um pouco mais por romance. Pelo menos Patrice estava se divertindo ao se vestir. Não é de se admirar, já que sua roupa era tão cara e linda. Seus brincos pendurados com diamantes brilhavam, assim como o bracelete fino que ela usava. Ela tinha enrolado tranças finas em uma trança elegante. Uma vez que ela estava ficando pronta, eu disse: — Vou seguir em frente, ok? Vou tentar dizer olá durante a dança.
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— Você já vai descer? — Patrice usava apenas sua lingerie rendada quando enrolou os cílios, o vestido azul-gelo esperava pendurado em um gancho sobre a porta do armário. — Pra quê? — Hmm, eu provavelmente vou ver Lucas pegar a Skye. Patrice me lançou um olhar de soslaio. — Você sabe que nada está acontecendo por lá, certo? — Eu sei. Mas ela pode ir à festa com o meu namorado e eu não. Então, se eu for agora, depois de ver o quão incrível você está, vou me sentir como se ela estivesse totalmente mediana em comparação. Isso ajuda, sabe? Ela riu, contente como sempre pela lisonja. — Claro, vá em frente. Eu pousei na base da escadaria, de onde a maioria das meninas desceria para encontrar seus acompanhantes para a noite. Ranulf e Vic tinham acabado de se reunir com seus respectivos pares, a glamourosa Cristina se aconchegava nos braços de Ranulf feliz o suficiente, mas Vic e sua acompanhante se olhavam desconfiadamente. Eles mal haviam saído da área comum quando Lucas entrou. Ele havia conseguido alugar ou pedir emprestado um terno de noite. Eu o conhecia suficientemente bem para saber que ele não tinha prestado muita atenção ao processo, mas de alguma forma o terno lhe caia perfeitamente, destacando seus ombros, cintura e quadril. Seu cabelo dourado escuro estava penteado para trás, algo que raramente fazia. O penteado fez seu cabelo parecer mais escuro, dando-lhe uma aparência ligeiramente mais velha. Eu nunca tinha visto Lucas realmente vestido antes; essa poderia ter sido a primeira ocasião formal da qual ele já havia participado em sua vida. Mas a sua boa aparência bruta acabou funcionando tão bem em preto como fizeram nas calças de brim e flanela. Ele podia ter estado em um filme de Cary Grant. Não — ele poderia ter sido o próprio Cary Grant. Eu mal podia esperar para vê-lo depois disso e dizer-lhe como ele parecia incrível, pensei com ar sonhador. Ah, eu gostaria que tivéssemos sido capazes ir para este baile juntos apenas uma vez. Meu prazer risonho com a aparência Lucas durou até que Skye apareceu na escada. Cada indivíduo na sala ficou em silêncio. Até as meninas tinham que olhar, inclusive eu. O cabelo castanho escuro da Skye, que normalmente ficava solto e reto, tinha sido penteado em um coque que
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deixou pequenos cachinhos livres para se enrolar em volta de seu rosto oval e expôs seu longo pescoço fino. Seu vestido de um ombro só tinha uma faixa ricamente bordadas logo abaixo os seios, a partir da qual o chiffon era plissado até o chão. A cor vinho profundo realçou sua pele e seus pálidos olhos azuis. Em um dia comum, Skye parecia uma garota bonita. Este não era um dia comum. Quando ela queria que as pessoas a notassem, descobriuse que ninguém seria capaz de desviar o olhar. Doente de ciúmes, eu queria sumir da sala naquele instante, ao invés de ver Lucas oferecer-lhe o braço. Se fizesse isso, no entanto, eu me torturaria imaginando o que ele teria dito a ela, o que ela diria de volta, tudo. Embora eu soubesse que Lucas me amava, não poderia deixar de me sentir insegura ao me comparar a uma menina bonita que tinha um corpo tão lindo — que inferno, até mesmo a uma que simplesmente tivesse um corpo, ponto final, o tempo todo. Então, permaneci no local para ver Lucas caminhar até ela. Seu sorriso era apreciativo, mas alguma coisa a mais também. Incerteza, talvez? — Olá. Uau, Skye. Você está linda. — Obrigada. —Ela parecia morrer. Por que um elogio fez com que ela se sentisse tão mal? Mas então ela pegou um pouco do Chifon entre dois de seus dedos. — Um vestido, hum? — Você pode repetir. — Comprei esse vestido para impressionar o Craig, que agora namora uma menina chamada Britnee. Com dois es. De alguma maneira, os dois es deixam isso pior. —Não havia flerte nela, percebi; sua aparência requintada hoje à noite era como uma bandeira de batalha — um símbolo da sua recusa em se render, apesar de seu coração estar quebrado. — Não deixe que isso estrague sua noite, — disse Lucas rapidamente. — Esqueça aquele idiota, ok? Embora seus ombros ainda estivessem um pouco caídos, Skye assentiu e eu relaxei. Não havia nenhuma razão para ter ciúmes dela. Bem, exceto por aquele vestido maravilhoso. — Estou cansada de chorar por ele. Hoje à noite eu só quero sair com meus amigos e dançar. — Eu posso te obrigar. — Quando Lucas ofereceu o braço a ela, descobri que eu não me importava.
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O Baile de Outono sempre foi um espetáculo — algo de outro século, voltando aos grandes eventos dos quais muitos dos alunos vampiros se lembravam de quando eram jovens. Em vez de um DJ ou uma banda, uma pequena orquestra tocava música clássica, o que acabou por ser muito mais dançante do que você imaginaria. Em vez de luzes brilhantes ou decorações modernas, o grande salão estava iluminado com centenas de velas, muitas colocadas na frente de ornamentos de latão batido ou antiquados espelhos esfumaçados para refletir a luz em toda a sala. Cada indivíduo usava um terno ou um smoking; cada menina usava um vestido longo, e algumas delas tinham luvas a combinar. Era o tipo de grande ocasião da qual toda menina — e mais rapazes do que seriam capazes de assumir prontamente — queria participar pelo menos uma vez. Eu participei duas vezes com Balthazar e adorei meus vestidos, a dança, e tudo mais. No entanto, acabou sendo igualmente divertido assistir de cima, onde eu voava como uma seta em meio aos lustres pendurados iluminados por velas. Às vezes eu ria, tanto assistindo Lucas conduzir Skye cuidadosamente através da valsa, quase visivelmente contando um - dois - três, ou Vic e sua acompanhante, mantendo-se à distância de um braço inteiro e, obviamente, ambos tramando uma fuga antecipada. Outras vezes, olhava com admiração; alguns dos dançarinos eram claramente peritos e ansiosos para mostrar seus muitos anos de experiência. Balthazar e Patrice eram os mais bonitos de todos, movendose graciosamente no coração do baile. E, claro, todos eles, de vez em quando, se retiravam para continuar a caçar. Meus pais sempre acenariam para eles à medida que passavam - Mamãe bonita em um vestido de seda creme que eu não tinha visto antes. Lucas saia com mais freqüência, assim como todos os outros juntos. Seria por causa de seu empenho enlouquecido em fazer algo produtivo? Porque Skye desculpava-se com freqüência para brincar com seus amigos nos arredores do baile? Ou porque ele não confiava em si mesmo para estar em tal proximidade com um ser humano? Todas as alternativas acima, eu suspeitava. Cada vez que saiu, ele caminhou pelos meus pais, e os três ficavam muito tensos. Mas eles estavam aceitando um ao outro agora, mamãe e papai superando sua raiva, e eu esperava que fosse um sinal positivo. Tudo estava indo perfeitamente, até que senti um calafrio... E as visões começaram. Minha mente repleta de imagem após imagem dos seres humanos abaixo, pessoas que eu nunca tinha conhecido bem, mas que agora sentia uma intimidade tão poderosa quanto o amor. Rostos diferentes, emoções
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diferentes, idades diferentes: Todo ser humano lá embaixo era precioso para mim naquele momento. E acima disso, um véu de terror escurecedor para a segurança daqueles seres humanos, e ódio dos vampiros que dançavam no meio deles. As aparições. Os conspiradores, para ser exata. De repente eu podia senti-los sobre todo o baile, reunindo-se como nuvens de tempestade. Foi assim que o ataque tinha começado há um ano? — O que vocês estão fazendo? — Sussurrei, segura de que eu estava longe o suficiente acima da multidão para a orquestra abafar minhas palavras. As imagens mudaram para violência: os vampiros sendo incendiados, congelados dentro de blocos de gelo, capturados nas armadilhas que a Sra. Bethany armou para fantasmas. O plano deles não se concretizou, mas eu poderia dizer o que significava. Esses fantasmas temiam pela segurança de suas ―âncoras‖ e pela deles próprios. E eles queriam vingança contra os vampiros abaixo, pelo plano da Sra. Bethany. Essas pessoas estão seguras, eu prometi. Se vocês quiserem seguir em frente, vocês sabem que eu posso ajudá-los. Eu esperava surpresa, felicidade, talvez pressa para partir. Em vez disso, senti apenas uma onda de medo mais profunda. Honestamente, eu mesma não estava muito menos assustada, e ainda não sabia como - ou se — eu poderia realizar as maravilhas as quais Christopher alegou. Então, como eu poderia lhes fazer promessas? Ainda assim, sentia que, se eles me seguissem, eu tinha que tentar. Se eu fosse capaz de levar várias dos fantasmas para longe da escola Meia Noite de uma só vez, isso seria tão eficaz em parar a Sra. Bethany quanto qualquer outra coisa que pudéssemos fazer. Mas uma opressiva torrente de recusa me atingiu, como uma onda difícil de se quebrar no litoral no inverno. E então uma crescente agitação de energia voltada para baixo, em pontos como uma centena de setas — O que está acontecendo? Eu pensei. Olhei enlouquecidamente para a multidão; Balthazar e Patrice estavam fora das armadilhas de caça, mas todos os outros com quem me importava estavam lá em baixo dançando. Não havia tempo nem mesmo para um alerta. A energia moveu-se com rapidez em direção ao chão como raios, e eu esperava uma chuva de gelo ou neve. Talvez aparições fantasmagóricas. Não esperava que cada ser humano na multidão desmaiasse instantaneamente, inconsciente.
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A música da orquestra se confundiu com algo irreconhecível à medida que os instrumentos pararam, um por um, e os vampiros começaram a reagir. Alguns deles foram detestáveis o bastante para rir, mas a maioria estava preocupada — tanto com os seres humanos com quem se importavam, como o fato de que algo obviamente perigoso estava acontecendo. Lucas se ajoelhou no chão, dois dedos no pescoço de Skye para procurar uma pulsação. Ranulf segurou Cristina em seus braços, mas ela estava completamente mole, a cabeça caída para trás. Vic estava de bruços, braços e pernas abertos desajeitadamente como uma boneca de trapos abandonada. E então ele se moveu — ou, melhor dizendo, seu corpo se moveu. Porque eu sabia desde o primeiro momento que o que quer que estivesse se levantando não era Vic. Eu percebi: eu não era o único wraith com o poder de possuir humanos. Os outros seres humanos começaram a vir também, mas seus olhos estavam nublados — uma cor leitosa esverdeada por toda parte, sem pupilas ou íris. Ainda assim, nenhum deles era cego. Seus movimentos eram lentos e desajeitados, como se não se tivessem se movido por muito tempo. Lucas recuou quando Skye, ou algo que se parecia com Skye, olhou malevulosamente para ele do seu lugar no chão. Vic endireitou seus ombros quando se colocou completamente de pé. Se já não tivesse percebido que Maxie não estava entre os agressores, eu saberia que ela não era ela quem o possuía apenas pela expressão no rosto dele. Não era nada como o Vic, tão estranha para ele que me levou um tempo para reconhecer a emoção que eu vi - crueldade. Ele gritou: — Sra. Bethany! Não era a voz de Vic. Foi um ruído rouco que me fez imediatamente pensar em alguém cuja garganta havia sido cortada. Eu ansiava desesperadamente por um espelho para libertá-lo — mas será que as armadilhas funcionariam se o fantasma estivesse possuindo um ser humano? Lembrando-me do quão seguramente blindada havia me sentido quando possuí a Kate, suspeitei que não. A Sra. Bethany deu um passo à frente. Ela não parecia assustada. Apenas levemente interessada. O vestido longo, de rendas engomadas estava totalmente branco.
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— Liberte nossa espécie, — disse Vic. A louca voz rouca parecia fazer o lugar inteiro tremer. — Liberte-nos ou atacaremos e sua espécie perecerá. Suavemente ela respondeu: — Se você me obrigar a exorcizá-los de suas âncoras, elas irão sofrer terrivelmente. Algumas pessoas poderão morrer. A máscara de crueldade no rosto de Vic não vacilou. — Você foi avisada. Então, de repente, como se cordas de marionete tivessem sido cortadas, todos os seres humanos desmaiaram novamente - mas desta vez, apenas por um segundo. Em alguns instantes eles estavam de pé, esfregando suas cabeças como se tivessem caído, confusos sobre o que tinha acontecido. Ninguém parecia se lembrar exatamente, o que provavelmente foi uma graça para todos os envolvidos. Eu tentei criar esperanças. Estávamos recolhendo a maioria das armadilhas hoje à noite. Uma vez que nós descobríssemos como agir com segurança, seríamos capazes de libertar os fantasmas nós mesmos. Com tempo, eu provavelmente conseguiria convencer muitos deles a deixar este reino comigo, se eles não pudessem mais permanecer em segurança aqui. E ainda assim, sentia que algo terrível já tinha sido posto em movimento - algo que poderíamos não ser capazes de parar.
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Capítulo Dezenove — Não posso acreditar que fiquei todo demoníaco. — Vic sentouse nos degraus do gazebo11, onde nos reunimos depois de o caos ter se abrandado. Apesar de ainda não ser meia-noite, o Baile de Outono tinha definitivamente acabado. — Eu soltei fogo pelos olhos ou alguma coisa legal assim? — Não, você só estava assustador como o inferno. — Lucas se inclinou contra o corrimão do gazebo. Ele havia perdido a gravata do seu terno de festa e desfeito seu colarinho, uma visão que eu desejava poder ter por mais tempo. Skye, como a maioria dos estudantes humanos e grande parte dos vampiros, já havia se retirado para seus quartos por causa da grande loucura que evidentemente seguiu uma possessão em massa. — Eles não te ouviriam, Bianca? — Eles ouviram, mas não tiveram medo. — Eu sentei no corrimão perto dele, quase sólida; ninguém fora nosso grupo estava por perto para ver. — Seja lá o que estiverem planejando, está vindo logo. Se não libertarmos os fantasmas, temo que eles comecem a machucar as pessoas — humanos, vampiros, todo mundo. Patrice, que não tinha testemunhado as possessões e, sendo assim, estava pensando mais claramente do que a maioria de nós, começou a analisar nossa posição. — Éramos capazes de vasculhar a maioria das áreas que quiséssemos. Um total de quarenta e sete armadilhas está na sala de registros. É lógico que não encontramos cada uma das armadilhas, mas devemos ter a maioria delas agora. Então se formos capazes de fazer isso, deveria fazer os fantasmas mudarem de idéia, certo? Ou pelo menos dar a eles um motivo para ter esperança, e mostrá-los que estamos do lado deles. Minha mãe se apoiou na outra perna, e meu pai envolveu seus ombros com seus braços em um meio abraço. Eu sabia que ela achava difícil de imaginar-se do lado dos fantasmas, mas ela não havia fugido; ela permaneceu conosco.
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— Temos que libertar os fantasmas que estão presos, — eu disse. — E depois disso, destruir as armadilhas que temos, para evitar que a Sra. Bethany as use novamente. — É improvável que alguém tão determinado quanto a Sra. Bethany se deixaria ser parada pela destruição de algumas armadilhas, — Ranulf apontou. Eu assenti. — Mas quando libertarmos os presos, os fantasmas que viajaram para a Meia Noite deixarão de ter tanto medo. Talvez então eu possa convencer alguns deles a ir embora. — E talvez não seja uma má idéia começar a avisar os alunos humanos, — Balthazar disse, entendendo a idéia. — As assombrações não os assustaram, mas as possessões sim. Lucas adicionou, — E se as possessões não os assustaram, os vampiros certamente o farão. E eu não me importo de mostrar minhas presas se for pra tirar alguns dos estudantes da escola. — Então podemos realmente detê-la. — Eu comecei a ficar animada; pela primeira vez em muito, muito tempo, parecia que eu estava prestes a obter vantagem sobre a Sra. Bethany. — Destruir as armadilhas, esvaziar a escola de todos exceto os vampiros que precisam estar aqui. Meu pai pareceu desconfiado. — Quando destruirmos as armadilhas, perturbaremos a profunda magia delas. Será uma enorme liberação de energia. Ninguém será capaz de evitar. Lucas fez uma careta. — Em outras palavras, a Sra. Bethany saberá que arruinamos seu plano. Não vai demorar, quando começarmos dizer para os humanos irem embora. De seu lugar dentro do gazebo, onde ele estava sentado em um dos longos bancos, Balthazar disse, — E ela vai agir. Imediatamente. Quando fizermos isso, temos que estar preparados para as conseqüências. — Ela na verdade não mataria — Outro vampiro, eu queria dizer, mas eu não pude, não depois de ver o que ela havia feito com Samuel Younger. Sra. Bethany havia alimentado seu plano como se fosse seu desejo mais amado por dois séculos, e ela não hesitaria em destruir qualquer um que ficasse em seu caminho. Quando eu olhei para o meu pai, ele assentiu uma vez em confirmação.
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— Ela mataria, — disse meu pai. — E ela escolheu favoritos demais esse ano — dentro do corpo docente. Eu suspeito que outros vampiros estivessem em seus planos. Se não queremos uma estaca enfiada em nosso peito ou pior, temos que sair daqui assim que libertarmos os fantasmas. Lucas se virou para meus pais — a primeira vez que o vi falar diretamente com um deles desde aquela primeira discussão com minha mãe no meio do ano letivo. — Nenhuma chance de ela ficar fora por um tempo por agora? Houve um estranho intervalo que fez eu me encolher, mas então papai pareceu se conter. — Seria sorte demais. Mas poderíamos arranjar uma distração, talvez. Uma crise para tirá-la da área por um dia. Ela ficaria sabendo quando voltasse, mas isso nos daria um tempo para cobrir nossas pistas. — Ela saberá que eu estou nessa, — Lucas disse. — Depois de eu ter me recusado totalmente a ficar do seu lado — ela deve saber. Mas com sorte eu possa cobrir vocês. Minha mãe pigarreou, como se fosse muito esforço para ela falar com Lucas educadamente. — A Sra. Bethany suspeitará de nós também, especialmente se estivermos envolvidos em tirá-la do campus. Então deveríamos concordar que somos nós três. Mais ninguém. — Ei, isso não é necessário, — disse Balthazar. — Reserve-me a rotina, ok? — Lucas lhe lançou um olhar. — Ninguém vai querer aquela mulher mostrando seu lado ruim se puder evitar. Então não seja estúpido. Para minha surpresa, Balthazar gracejou. — Você é um bom amigo, Lucas. Apesar de que você nunca vai admitir isso. Eles compartilharam um sorriso, e eu pude ver meus pais entendendo que — apesar das adversidades — Lucas e Balthazar haviam se tornado amigos próximos. Por algum motivo, o fato de eu amá-lo e aceitá-lo não tinha tido tanto impacto quando aquela simples prova de amizade. Vic fez um ―T‖ com as mãos. — Intervalo da união masculina, falou? Há uma coisa sobre a qual não falamos — Bianca. — O que tem comigo? — eu disse.
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— Você é, tipo, uma Super-fantasma, certo? Então você é exatamente o alvo da Sra. Bethany. — Vic olhou de pessoa a pessoa, como se esperasse que alguém o contradissesse, mas claro que ninguém podia. — Ok, então como a impedimos de perceber que você é um fantasma? E que você está aqui? Porque ela deve estar de guarda. — Vocês têm sido muito cuidadosos, — disse minha mãe. Seus olhos brevemente encontraram os de Lucas, como se agradecesse a ele por ajudar a me proteger. Foi um pequeno momento, mas me fez querer abraçá-la mais do que nunca. — Ela deve saber que Bianca se transformou em fantasma, mas talvez — talvez a Sra. Bethany não tenha percebido que ela está aqui. Se ela soubesse, ela não teria capturado Bianca até agora? Eu tive que admitir que aquele fosse um bom argumento. As armadilhas não eram especificamente para mim; o quarto de Lucas não havia sido um alvo. Mamãe continuou, — Eu não gosto de não saber o quanto a Sra. Bethany sabe, mas quem sabe este seja um ponto discutível. Dentro de algumas semanas, eu acho que nós três teremos deixado a Meia Noite para sempre, e... Você virá conosco, não virá, Bianca? — Em qualquer lugar que vocês estiverem. — Eu deitei minha mão no ombro do Lucas, com peso suficiente para fazê-lo sorrir. Os brilhantes fios do meu cabelo caíram ao redor de seu tórax. — Será onde eu estarei. Mais tarde, quando todo mundo preparou-se par voltar para a escola, eu fiquei invisível, me tornando nada mais do que uma delimitação flutuando. Balthazar, eu percebi, levantou de seu lugar, mas não caminhou com os outros, permanecendo no gazebo por mais um momento. A luz da lua contornava sua silhueta entre os arabescos de ferro e a hera. Eu me movimentei um pouco para baixo e murmurei, — Você está bem? — Claro, — ele disse, apesar de sua voz estar estranha. Eu me lembrei do Baile de Outono de dois anos atrás, quando havíamos saído juntos para ver as estrelas; foi à noite em que o disse que amava Lucas, e eu ainda estava aprendendo como aquilo o havia afetado profundamente. Ele estava se lembrando daquela noite também? Balthazar olhou para cima na minha direção e disse, — Lucas está liderando a checagem das armadilhas, tendo certeza de que elas estão
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bem escondidas. Então ele não vai para a cama por pelo menos uma hora ou mais. — Sim. E o que tem isso? — Eu quero que você entre na minha mente enquanto eu estiver dormindo essa noite. Imediatamente eu soube por que ele estava perguntando, o que ele planejava fazer. — Balthazar... Não sei se esta é uma boa idéia. Estamos enfiados em uma luta. Você precisa de sua força. — Eu ficarei bem. Levou muito tempo para eu entender o que eu tenho que fazer — mas eu vejo agora. Não podemos mais adiar isso. — Sua expressão era ilegível, mas sua voz era firme. — Acredite em mim. Depois de passar alguns meses duvidando de cada passo seu, por algo que não havia sido sua culpa começar, eu o devia aquilo, não devia? — Ok. Eu irei. Voltamos para a escola. O esplendor do grande salão estava em pedaços — as velas estavam apagadas, as flores haviam sido atiradas no chão por estudantes em pânico, e o palanque da orquestra havia claramente sido abandonado com pressa. Balthazar desatou o laço de sua gravata e desabotoou seus punhos enquanto subia as escadas; seus passos ecoavam na pedra. Depois do que havia acontecido mais cedo naquela noite, eu podia apostar que a maioria das pessoas permanecia acordada e continuaria por horas, mas ninguém estava ariscando perambular sozinho à meia-noite. Balthazar não ligou a luz quando entrou em seu dormitório. Isso era provável se ele quisesse um pouco de privacidade enquanto tirava a roupa; claro, eu ainda desviei o olhar. A luz da lua estava forte novamente, de qualquer forma, então eu podia ver sua sombra contra a parede enquanto ele tirava sua camiseta e desafivelava seu cinto. E ele não é ―o tipo‖ de Patrice? Eu pensei. Eu não consigo entender isso. Quando eu ouvi as cobertas de sua cama farfalharem, eu voltei a olhar para ele, pairando sobre sua cama. Balthazar deitou de seu lado, e ele pareceu uma daquelas pessoas sortudas que precisavam apenas fechar os olhos para começar a dormir. Dentro de muito poucos minutos, eu pude sentir que ele estava sonhando.
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Apesar de eu me sentir estranha por fazer isso — quase como se eu estivesse traindo Lucas só por compartilhar isso com mais alguém — eu me estiquei até ficar fina e mergulhei, para dentro do extremo meio da mente de Balthazar que dormia — e me encontrei na floresta, novamente na noite. Primeiro eu pensei que estas fossem as árvores em volta da Meia Noite, mas então eu percebi que isso não estava certo. A maioria das árvores eram mais altas, e algumas delas eram muito mais grossas — mais antigas, talvez. À distância, eu podia ouvir algumas pessoas conversando, e algum outro som: cascos de cavalo. Enquanto eu espreitava pela noite escura, eu percebi que aquelas pessoas estavam viajando em uma carroça de estilo antigo por uma rua suja, e as roupas que elas usavam eram estranhas, com grandes chapéus e longas capas. Isso me lembrou de algo da cena que eu vislumbrei nas memórias de Christopher sobre sua vida, mas eu senti que isso tinha sido há muito mais tempo. — Você fez — Balthazar disse. Eu me virei para vê-lo parado perto de mim, vestindo o mesmo tipo de roupas; porque ele estava mais perto, eu pude ver que ele usava calças que passavam apenas pelos joelhos, com botas de cano alto que brilhavam superficialmente no topo. Seu casaco tinha um cinto, sua capa era ornamentada com peles. Seu chapéu — bem, apesar de tudo, eu tinha que sorri. — Você parece à estrela da cerimônia de Ação de Graças. — Sabe, essa era a moda no ano de 1640. — Balthazar reajustou seu chapéu então ele se acomodou em um ângulo um pouco mais arrojado. Mais seriamente agora, eu disse, — É com isso que você sonha? Sua vida? — Às vezes. — Balthazar apontou para uma luz distante — o calor de uma lâmpada a óleo na janela de uma pequena casinha. — Vamos ver o que podemos ver. Eu caminhei com ele pelas árvores até que alcançamos a clareira da cabana. Ela era mais primitiva do que eu podia imaginar, porém quando eu pensei nisso, fazia sentido; Balthazar havia provavelmente ajudado seu pai a construir essa casa com as suas mãos e com qualquer uma das poucas ferramentas que possuíam. Fumaça rodopiava para fora de uma chaminé de pedra levemente torta, e a única janela estava coberta por algum tipo de papel modelável, ao invés de vidro. Um cão felpudo
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dormia perto da chaminé, suas costas viradas para o calor. Balthazar sorriu e se inclinou para acariciá-lo. — Olá, Fido. Fido não se mexeu. Talvez ele não pudesse sentir seu toque, por ser um sonho. Então, de dentro, eu ouvi a voz de uma mulher, aguda e exasperada. — Sua desobediência nos sobrecarrega, Charity. — Eu sinto muito, Mãe. — A voz de Charity estava alta, clara, forte, e sem o tom de ―sinto muito‖. — Mas temo que eu tenha que desobedecê-la ainda mais. Eu soube que este momento estava chegando pela primeira vez que Balthazar havia pedido que eu entrasse em seu sonho, mas isso não o tornava mais fácil de ver. A julgar pelo temor nos olhos de Balthazar, ele se sentia da mesma forma. Balthazar caminhou até a porta da frente e abriu-a. Lá eu pude ver Charity, usando um longo vestido negro com um avental branco, e um pequeno boné de algodão na cabeça. Seu rosto era mais jovem do que eu lembrava — esta era ela alguns anos antes de morrer, quando ela era apenas uma criança. Na frente dela estavam sentadas duas pessoas que eram os pais de Charity e Balthazar, vestidos absolutamente no mesmo estilo que seus filhos, seus rostos severos e sem brincadeira. Charity deu risada, uma expressão adulta demais em um rosto de bebê fofo. Ela puxou seu boné de sua cabeça, expondo seus belos cachos. — Eu não vou mais cobrir minha cabeça. De fato, eu não acho que vá cobrir qualquer parte do meu corpo, se eu não quiser. — O diabo a possuiu, minha garota, — rugiu o pai deles. Ele parecia uma versão mais velha e mais forte do Balthazar — porém mais rude, de alguma forma. Aborrecido. Não havia amor nele quando ele repreendia a filha, apenas desaprovação. — Certo! — Charity riu alto, glorificando-se por desrespeitar seus severos pais. — Quer ver o que o diabo pode fazer-me fazer? Para Balthazar eu murmurei, — Ela sempre foi assim? — Eu costumava pensar que era apenas rebeldia, — ele disse. — Mas, sim. Charity estava sempre procurando confusão, desde o início.
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Naquele momento, Charity nos percebeu. Seu rosto instantaneamente mudou de um alegre triunfo para confusão. — O que vocês estão fazendo aqui? O que ela está fazendo aqui? — Deixe-me ir até ela, — eu murmurei. Depois do que ela fez para o Lucas, eu senti que podia rasgá-la em pedacinhos. — Não, — Balthazar disse, parando entre nós. — Ela pode te machucar aqui. Mas para mim, este é apenas um sonho. Ela não tem nenhum poder sobre mim. Assim como ela atacou Lucas — ele estava a atacando. Balthazar saltou para frente, parando Charity e mandando os dois para o chão. Apesar de seus pais protestarem, nem Balthazar nem Charity lhes deu atenção; eles eram apenas fantasmas de sonho. Essa luta não era real. Ela o golpeou com as costas das mãos com brutalidade, mas Balthazar conseguiu torcer um dos braços dela para trás dela e empurrou-a em direção a lareira. Quando seu rosto estava a apenas algumas polegadas das chamas, ela começou a gritar. — Pare! Pare! Balthazar, você está me machucando! — E eu odeio isso. — Sua voz tremeu. — Você sabe que eu odeio. — Não foi o suficiente me matar! — Ela se virou violentamente de seu aperto, tentando arranhá-lo com seu braço livre, mas ela não podia alcançar completamente. A cena, suficientemente terrível como era, pareceu ainda pior quando eu percebi o quão infantil e indefesa Charity parecia. — Agora você quer me torturar? — Quero deixar você em paz. Assim como você quer me deixar em paz. Mas você tem que deixar Lucas em paz. Charity riu, apesar de seus cachos dourados começarem a queimar. — Ele é meu. Todo meu. Você a amou mais do que eu, e ela amou a ele mais do que a você. Mas ela nunca o terá da mesma forma que eu. — Você vai deixar Lucas ir, — Balthazar repetiu. — Se não... Cada noite que você entrar nos sonhos dele para torturá-lo? Eu entrarei em seus sonhos e farei a mesma coisa com você. — Você não tem o direito! Não depois do que você fez comigo! — Se eu pudesse voltar atrás no tempo e me matar ao invés de transformá-la, eu o faria. — Balthazar estava tremendo agora, ou por causa da força que usava para segurar a relutante Charity perto do fogo
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ou por pura emoção. — Mas eu deixei a culpa me controlar por tempo demais. Você é uma ameaça, Charity. Você persegue, e você mata, e eu devia ter detido você há muito tempo. — Matando-me? — A voz de Charity mudou; dor real foi introduzida. — Mais uma vez? Balthazar não respondeu. — Você deixará Lucas ir. Você vai parar de invadir seus sonhos para sempre. Se alguma vez descumprir sua palavra — qualquer vez — eu prometo, eu saberei, e você sentirá por isso. Charity tentou mais uma vez arranhá-lo, mas sem a mesma força. Eu podia sentir o cheiro de cabelo queimando. — Isso dói. Balthazar, está quente. — Você vai deixar Lucas em paz. — Balthazar nunca hesitou, mas eu vi a umidade brilhando em seus olhos. Apesar de tudo, ele queria proteger sua pequena irmã — e mesmo com isso, ele queria fazer por Lucas e por mim. Depois de um longo momento, ela choramingou, quase baixo demais para se ouvir, — Ok. — Jure. — Eu juro! Agora pare! Pare! Balthazar puxou Charity para longe do fogo e empurrou-a em direção ao canto mais distante. Fuligem havia escurecido seu avental e suas bochechas, onde eu podia ver o contorno das lágrimas. — Isso é por ela, não é? — Ela apontou para mim, sua mão tremendo. Seu rosto era tão terrivelmente jovem. — Você pegou outra garota para salvar porque não pode salvar a mim? — Eu não posso salvar você, — ele repetiu vagarosamente. — Mas eu te amo, Charity. Ela atirou a escova da lareira contra ele e começou a chorar. Essa era provavelmente a versão de Charity para o ―eu te amo também.‖ Enquanto ela chorava desconsoladamente ao lado da lareira, Balthazar levantou e saiu, passando agora pelas formas mudas, sem reação de seus pais. Eu o segui, não dizendo nada no início. Ele parou no cão por mais alguns segundos, vendo-o dormir. Quando eu ousei falar novamente, disse, — Você não precisava ter feito isso.
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— Sim. Precisava. — Balthazar puxou sua capa adornada mais apertada ao redor de si mesmo. — Charity não pararia de nenhum outro jeito. — Ela manterá sua palavra? — Sim. É estranho, mas quando ela realmente faz uma promessa, ela cumpre. Começamos a caminhar para o mais longe que pudéssemos da casa e para dentro da floresta. O ar era tão fresco e puro — não havia poluição ainda, sem motores, sem fumaça. — Eu sei que foi difícil para você, — eu disse. — Violar a união daquela forma. Machucá-la. Balthazar recuou, mas disse, — Eu fiz o que tinha que fazer. Talvez Lucas tenha um pouco de paz agora. — Você acha? — Talvez, — ele disse novamente, e eu soube que Balthazar havia visto o mesmo desespero em Lucas que eu tinha visto. Então ele ergueu sua cabeça, olhando a distância, e um pequeno sorriso vacilou em seu rosto. Eu segui seu olhar até outra casinha bem distante. — O que é aquilo? — Lá é onde Jane vivia. — Essa foi à única vez em que ele abertamente admitiu para mim seu amor perdido há muito tempo. Eu nunca entendi o que havia dado errado para eles, mas eu sabia que sua paixão por ela havia durado os quatrocentos anos até agora. Bem corajoso. Eu disse, — Você quer ir vê-la? Eu poderia ir embora. — Ela seria apenas um sonho. — Balthazar olhou para mim com tristeza. — Estou cheio de sonhos. Nos demos as mãos por um momento, o mais breve dos toques. Então eu me impulsionei para fora, tentando acordar. Quando eu apareci novamente no dormitório, Balthazar permanecia dormindo. Agora, porém, ele não estava sonhando; ele só descansava. Eu toquei levemente com uma mão seus cachos negros em gratidão. No dia seguinte, um silêncio frio havia caído sobre a escola. A primeira geada forte do inverno havia prateado as árvores e o chão, mas
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depois da última noite, aquilo parecia menos com a natureza tomando seu curso, e mais como se os fantasmas tivessem reivindicado o mundo todo para si. Os estudantes vampiros, a maioria petrificada pelos fantasmas, continuaram em seus quartos; até os estudantes humanos — normalmente mais calmos com essas coisas, contando que eles vieram de casas assombradas — pareciam inquietos com as possessões. Algumas crianças já haviam caído fora; talvez não precisássemos trabalhar tanto para fazer o resto dos humanos sair. Enquanto eu me movia pela escola, livre pelo menos para me movimentar sem medo, eu não vi quase ninguém nos corredores e não ouvi conversas ou risadas. Congelados, eu pensei. Congelados no lugar. Sra. Bethany permanecia em seu celeiro. Uma ou duas vezes eu vi sua silhueta contra as janelas. Apesar de eu duvidar que ela temesse os fantasmas, ou qualquer coisa, ela aparentemente havia decidido permanecer em uma estrutura completamente a salvo de uma invasão fantasma. Ela havia descoberto sobre as armadilhas que estavam faltando? Se sim, ela não deu sinal algum. No meio tempo, sua ausência do prédio da escola nos deu um pequeno tempo para nos encontrarmos sem nos preocuparmos em ser observados. Todo mundo se concentrou no apartamento de meus pais. Vic esparramou-se no sofá, uma leve penugem em suas bochechas de onde ele havia deixado de barbear. Ao lado dele, Ranulf e Patrice bebiam xícaras de café que minha mãe fez para nós. Lucas sentou-se na cadeira mais distante na sala, como se ele pensasse que meus pais pudessem jogálo para fora a qualquer momento, mas minha mãe lhe trouxe café também. Eu permaneci perto dele, e Maxie atreveu a materializar-se bem no vão da porta, onde todos podiam vê-la. — No próximo fim de semana será nossa melhor chance, — disse minha mãe enquanto abaixava a cafeteira. — Sra. Bethany às vezes tira vantagem de viagens à Riverton para deixar a escola por alguns dias. Podemos estimular isso. Vic enobreceu. — É, e com o resto dos humanos na cidade por causa do passeio de sexta-feira, menos chance de sermos pegos, certo? Oh, cara, eu acabei de chamar as pessoas de humanos. — Na verdade, não, — disse meu pai. — Os estudantes vampiros dão as maiores festas do ano quando os humanos estão longe. Com seus acompanhantes, porém mais para o principal, torna difícil para nós fazer algo. Mas se nós esperarmos até a próxima noite, aquele sábado — uma
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semana contando de hoje — a Sra. Bethany não terá voltado ainda, e teremos liberdade para trabalhar. Lucas e eu trocamos um olhar. Ele disse, — Conversaremos com alguns antigos amigos da Cruz Negra em Riverton. — Cruz Negra, — minha mãe murmurou, no mesmo tom de voz que usava quando xingava. — É a Raquel, mãe, — eu disse. — E Dana, que nos ajudaram a fugir quando quase nos pegaram no último ano. Elas são nossas amigas, além de serem lutadoras, e elas têm um pouco de experiência em captura de fantasmas. Devíamos fazê-las fazer parte disso. Elas poderiam ajudar, tanto com os fantasmas quanto em fugir com você, papai e Lucas mais tarde. Minha mãe e meu pai claramente não tinham certeza do que pensar, mas eles assentiram. Eu me virei para Maxie. — Ok, quando os fantasmas estiverem livres, eles irão... Pirar. — Tudo bem, — Maxie disse. — Estamos falando de fogos de artifício, como o Quatro de Julho. Energia e luz e gelo voando em toda direção. Bianca deverá guiá-los para onde eles precisam estar, sendo isso de volta para suas casas originais ou para o próximo mundo, seja lá o que for. Longe daqui — isso é o que importa. Ajudarei se puder. — Legal, — Vic disse, e ele e Maxie compartilharam um rápido olhar antes de ela abaixar sua cabeça, o que escondeu seu sorriso. Patrice assentiu. — Então, uma vez que as armadilhas forem esvaziadas, nós as destruímos. Isso não é fácil, de qualquer forma, contando que isso adiciona, tipo, algumas centenas de libras de metal. — Uma grande força cataclísmica vai ser necessária, — disse Ranulf. — Eu poderia cuidar dos explosivos. — Ei, calma aí, caubói, — Lucas cortou. — Nós não precisamos quebrá-los em átomos. Tudo que precisamos fazer é deixá-los imprestáveis como as armadilhas. Sra. Bethany não pode ter um suprimento infinito dessas coisas. Meu pai disse, — Nosso maior problema é o elemento mágico dentro das armadilhas. Eu não sei muito sobre isso — eu acho que nenhum de nós sabe — mas não é tão simples quanto demolir um pedaço de metal. Eu devia poder usar uma solução química que funcionará, mas os resultados ainda serão... Como você falou, Maxie?
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— Fogos de artifício, — ela respondeu. — Eu não consigo ver como isso é diferente de explosivos, — disse Ranulf. Essa ganhou uma rodada de risadas e então as pessoas começaram a falar animadamente sobre os planos e nossas chances de sucesso. Por algum motivo, me ocorreu o quão extraordinariamente essas pessoas se aproximaram. A única coisa óbvia que eles tinham em comum era que cada um me conhecia, mas eles não estavam aqui por minha causa — pelo menos não apenas por isso, ou não principalmente por mim. Eles estavam aqui porque eles aprenderam a superar seus antigos preconceitos e medos e a ver cada um pelo que era. A disposição de Maxie para se engajar novamente no mundo, a aceitação dos vampiros para com os fantasmas e humanos como iguais e aliados, Lucas tirando o que foi bom de seu treinamento na Cruz Negra e deixando para trás o que era ruim, a habilidade de Vic em lidar com o mundo sobrenatural tão facilmente quanto com o mundo natural — era isso que nos unia. Por um momento, nosso plano pareceu fácil. Se administrássemos para que fizéssemos tudo juntos, assim, certamente poderíamos fazer qualquer coisa.
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Capítulo Vinte — Como uma cidade do tamanho de Riverton mantém um cinema clássico funcionando? — Lucas falou parado em frente á marquise com luzes vermelhas e douradas. — É uma cidade realmente pequena com muito bom gosto. — Sussurrei no ouvido dele. Atrás de nós na praça central, o ônibus locado pela Academia Meia noite largava os últimos estudantes que vinham até Riverton, bem menos do que antes, por medo das gangues violentas. Não havia muita coisa na cidade, uma pizzaria, um restaurante, duas lojas vintage e esse incrível cinema. Nessa semana, eles estavam exibindo Tarde demais para esquecer, meu filme preferido do Cary Grant. Fez-me desejar realmente estar ali para ver o filme. Lucas tinha as mãos enfiadas nos bolsos dos jeans. Em um dos bolsos havia meu broxe de âmbar, mas não parecia que ele estava apenas checando para certificar de tê-lo no bolso. Ele parecia mais estar tentando permanecer calmo. — Você está nervoso. — Falei mantendo minha voz baixa. — Dana estava certa sobre a Cruz negra não voltar aqui certo? — Isso parece certo. Mas sim, estou nervoso de qualquer maneira. Você pode me culpar? Ele ainda tinha problemas em acreditar que a Dana o aceitara como vampiro. Talvez ele ainda duvidasse em ser capaz de não atacá-la. — Vai ficar tudo bem. Prometo. Lucas comprou um único ingresso e segui invisível junto dele. Ele deu um pequeno sorriso enquanto subíamos as escadas para o balcão. — Não posso falar que você não é um encontro barato. — Cale a boca, ou vou forçar você a me pagar um jantar mais tarde. — Você nem ao menos come! — Não importa.
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Escolhemos nossos acentos assim que o filme começou, com um texto cursivo dos créditos e um tema musical pomposo. Apesar de ter outras pessoas no andar de baixo, estávamos sozinhos no balcão, então me deixei materializar. Lucas pressionou o broxe contra minha mão, para que o processo se tornasse ainda mais fácil para mim. Prendi o broxe em minha camisola, e o Lucas me ofereceu seu casaco, para que não ficasse obvio demais, que a garota sentada ao lado dele estava usando um pijama. Senti-me estranha estando longe da escola com tanta coisa acontecendo. Meus pais estavam mantendo uma vigília na Senhora Bethany; se ela partir hoje à noite, eles terão que descobrir por quanto tempo ela estará fora e se não conseguirem, terão que encontrar uma maneira de fazê-la sair por pelo menos um dia. Enquanto isso, os outros estão contrabandeando armadilhas para o grande Hall, o preparando para os esforços da próxima noite. Ir ver um filme — um dos meus favoritos — parecia como que estivesse fugindo do trabalho. Aproveite, falei para mim. Tudo está prestes á mudar. Enquanto Vic Damone cantava sobre um caso de amor, duas outras pessoas seguiram pelo balcão e sentaram junto á nós: Raquel ao meu lado e Dana do outro junto ao Lucas. — Tenho pipoca. — Raquel falou. Sorrimos uma para outra e por um momento foi como se nada tivesse acontecido — não, me corrigi, aconteceu. E superamos tudo, de qualquer maneira. Ao lado, Dana e Lucas não pareciam ser capazes de encontrar palavras. Lucas estava reclinado em seu assento como se estivesse exausto e não pudesse ir mais longe; apesar da escuridão do cinema, pude ver que os olhos da Dana estavam cheios de lagrimas. Ela pegou as mãos dele e lembrei-me de como o toque do Lucas se pareceu para mim, da primeira vez que o toquei sem calor e pulsação. Ele sempre fora a pessoa mais vivaz que conheci. Não importa quantas habilidades e poderes ele ganhe como vampiro, não há como esquecer o que foi perdido. — Irmãozinho, o que aconteceu com você? — A voz dela tremeu. — Continuo achando que isso é um pesadelo. — Lucas falou. — Mas não há como acordar. Não disso. — E ainda assim — você continua o mesmo. — Dana falou.
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Lucas suspirou. — Mais ou menos. — Eles nunca nos contaram isso na Cruz negra. — Dana secou o rosto com as costas da mão. — Por que nunca nos contaram isso? Ele virou o rosto na direção da tela do cinema, onde Cary Grant caminhava pelo deck de um transatlântico. Pude ver que ele não se importava com o filme; ele estava lutando para permanecer calmo. — A mamãe sempre falou que se ela fosse transformada, eu deveria esquecer que já tive uma mãe. Acho que ela esqueceu que já teve um filho, não é? Raquel colocou a mão sobre a boca. Aquele pequeno gesto — compaixão por um vampiro — mostrou o quanto ela também havia mudado. — Está tudo bem. — Lucas falou antes de se corrigir. — Não, não está bem. Mas está acabado. Dana envolveu o Lucas em um abraço de urso, no momento que a musica aumentou. — Sempre lhe darei cobertura Lucas. Você sabe disso, certo? — É bom escutar isso. — Falei. — Por que precisamos da sua ajuda. Enquanto Debora Kerr flertava com Cary na tela, expliquei o que estávamos tentando fazer. Dana e Raquel não hesitaram nem por um segundo. — Podemos resgatar vocês. — Raquel falou. — E levar para onde quiserem. — A Cruz negra me ensinou a como forjar identidades que ninguém vai descobrir. — Dana prometeu. — Podemos deixar vocês dois limpos e livres, para o que quiserem fazer a seguir. E o que será exatamente? Lucas e eu nos olhamos. Nós não tínhamos uma resposta. Depois que a pausa se alongou por alguns segundos, Dana falou. — Vocês podem se decidir sobre isso depois. Diga para os outros nos esperarem, certo? — E diga para o Balthazar... — Raquel teve dificuldades, mas conseguiu falar. — Diga que eu deveria ter feito mais, quando o vi da ultima vez. Eu deveria tê-lo ajudado a fugir. Como vocês fizeram. — Ele vai ficar bem. — Prometi. — Mas diga isso você mesma. O Balthazar provavelmente vai gostar de escutar.
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Raquel assentiu. — Devemos ir. Se alguém que esteve na Meia noite o ano passado me ver, poderão ter perguntas. — Obrigado. — Falei. — Você não precisa me agradecer. — Ela falou firme. Sorrimos uma para outra e era muito bom saber que encontramos uma maneira de sermos amigas novamente. Quando elas partiram, Lucas e eu permanecemos no cinema, observando o desenrolar da história. Normalmente isso não seria um problema, por que eu jamais sairia de um filme do Cary Grant. Mas dessa vez, parecia que as perguntas sem respostas entre nós estavam nos pressionando, nos fazendo ficar parados. Finalmente falei. — Para onde você quer ir quando sairmos da Meia noite? — Não sei. — Ele falou. — Nunca passei muito tempo no oeste. Talvez pudéssemos tentar isso. — Ou Europa. — Sugeri. — Balthazar sempre falou que na verdade é mais fácil cruzar uma grande área de água, do que um rio. Lucas fez uma careta; a viagem sobre o rio á caminho da cidade o deixou abalado. — Se é o que ele diz. Na tela Cary e Deborah prometem voltar a se encontrar no topo do Empire State Building, se o amor deles for verdadeiro. Segurei as mãos do Lucas. — Sei que é assustador — seguir para um lugar novo... — Não estou com medo disso. Nunca morei mais do que alguns poucos meses em um único lugar — nem uma vez se quer em minha vida. Mas o que vamos fazer? Não conseguíamos nos sustentar na Filadélfia, e naquela época eu podia trabalhar. Eu não havia pensando sobre isso antes, mas ser um fantasma praticamente eliminava minhas chances de conseguir um emprego. — A mamãe e o papai vão nos ajudar dessa vez. Eles têm muito, além disso, eles sabem como se enquadrar no mundo. Vão nos ensinar. Não precisamos nos preocupar com isso. Lucas não gostou na idéia de pegar ainda mais dinheiro emprestado, pude ver, mas era obvio que isso não era nosso maior problema.
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— Sentado aqui, entre Dana e Raquel — pude escutar o batimento do coração delas. — Você vai superar a fome. Sei que vai. Olhe para o Balthazar, ou meus pais, e o Ranulf. — É mais difícil para mim e ambos sabemos disso. E se não fiquei melhor do que isso depois de dois meses em Meia noite, há grandes chances de que eu nunca melhore. — Você não está maluco. Nunca será um assassino como a Charity. — Se eu matar uma vez — se cometer esse erro, e Deus Bianca, em meu coração eu sei que vou sucumbir, prefiro estar morto. — Não — insisti, tomando seu rosto em minhas mãos. — Lucas, sempre estarei aqui. Nunca irei abandonar você. Tem que prometer nunca me deixar para trás. Você tem que ser forte. Os olhos do Lucas encontraram os meus e eu soube que ele estava fazendo a promessa mais solene de sua vida. — Nunca irei deixar você. Nunca. Aconteça o que acontecer, estamos juntos. Aquilo deveria ter me deixado feliz, por que eu sabia que o Lucas falava sério. Mas ao invés, percebi o quanto exigi dele. Ele odiava ser um vampiro, e sofrer com uma sede de sangue tão voraz que o incapacita, todos os dias, em todos os momentos. Por ele, seguir dessa forma é uma tortura; nosso amor pode apenas prover um conforto temporário. Ele jurou suportar incontáveis séculos dessa existência a me deixar sozinha. Posso fazer o Lucas agüentar, mas ele nunca mais será o mesmo. Nada nunca ficará bem novamente. Nossa ultima chance de uma alegria verdadeira, morreu quando a Charity o mordeu. O abracei apertado, e ele retribuiu o abraço. Com a voz abafada contra meu ombro ele falou. — Gostaria que ela nunca tivesse me mostrado. É pior saber que existe uma maneira de me livrar disso, mas que nunca poderei usar. A Senhora Bethany o mostrou como voltar a viver novamente. Ela queria atraí-lo para o lado dela, mas também por outro motivo — que se ele a recusasse, ainda assim seria atormentado pela possibilidade por toda a eternidade. Tentei acreditar que tudo ficaria bem, contando que estivéssemos juntos, mas o mundo não é tão simples. Agora sei disso.
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Na tela do cinema, Deborah Kerr tenta chegar ao Empire State, mas já vi esse filme antes. Sei que ela nunca vai conseguir. Naquela noite, planejei entrar novamente nos sonhos do Lucas. Com a Charity permanentemente exilada de sua mente, será finalmente seguro para ficarmos juntos. Mas com o peso das descobertas não me senti capaz de encará-lo ainda. Vaguei pelos corredores, impaciente. Pela primeira vez, realmente me senti como um fantasma. Eu deveria colocar um lençol sobre minha cabeça, pensei. Começar a fazer ―Boo!‖ toda a vez que ver alguém. Poderia assombrar as garotas do dormitório, ou do grande hall — e então o pensamento me atingiu. Se nosso plano funcionar da maneira como queremos, essa seria a ultima noite que passarei na Academia Meia Noite. E apesar de todas as coisas terríveis que aconteceram lá, percebi que amava demais aquele lugar. Não pude imaginar como será nunca mais estar ali novamente. Essa escola se tornou parte de mim — literalmente, agora que sou um fantasma. Criei laços com cada pedra do lugar. Mesmo quando partir para sempre, parte de Meia noite sempre será capaz de me puxar de volta. Então segui para todos os lugares de que lembrava, escutando palavras ditas há muito tempo, vendo todos como se estivessem lá. Raquel em seu primeiro dia, nos fundos do grande hall enquanto a senhora Bethany fazia o discurso de boas vindas. Balthazar aprendendo como tirar fotos com um celular na aula de Tecnologia moderna. Vic e Ranulf observando estrelas comigo no pátio da escola. Patrice, arrumando meu cabelo para meu primeiro e único encontro. Courtney fofocando nas escadas. Mamãe e papai, sorrindo para mim quando nos cruzávamos nos corredores entre as aulas. E em todos os lugares Lucas: sussurrando para mim na biblioteca, correndo para me resgatar do fogo no ano anterior, me beijando pela primeira vez no gazebo. Mas pensar sobre Lucas me lembra do dilema diante dele. Como posso pedir para enfrentar a imortalidade, se é algo que ele nunca quis? Decidi que precisava ficar solida por algum tempo. Normalmente isso me faz sentir mais estável sobre as coisas e há algo de reconfortante em ser capaz de se tocar. Então flutuei até a sala das recordações e comecei a tomar forma. Naquela hora da noite, todos já estavam na cama, então a sala estava deserta. As armadilhas haviam sido movidas para os andares mais baixos da escola, escondidos em baús; a sala era novamente nosso ponto
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de encontro. Os livros de alemão da Patrice estavam largados no centro do beanbag12, e Vic havia esquecido uma de suas gravatas de garotas hula. Sorrindo levemente, removi o tijolo da parede onde escondo meu bracelete de coral — e uma onda doentia se apoderou de mim. Uma armadilha! Tentei me agarrar ao peitoril da janela, ás pedras na parede, qualquer coisa, mas não consegui fazer minhas mãos ficarem solidas. Meu bracelete havia sido removido de seu esconderijo, deixando apenas a armadilha de cobre esverdeada no lugar. Meu broxe estava com o Lucas, dormindo em seu quarto distante. Tentei pensar nele como minha âncora — entre todos os outros lugares que posso ir — mas era tarde demais. A armadilha estava muito próxima e praticamente coloquei minha mão sobre ela. Quando comecei a me deslocar na direção do sumidouro brilhante, tentei uma ultima vez chamar o Lucas — mas somente consegui pensar em seu nome antes de tudo ficar escuro. Era como se afundar em alcatrão quente. Não pude me materializar, nem desmaterializar. Eu não tinha sentidos sobre o mundo ao meu redor, ou sabia se estava em algum lugar do mundo mortal ou fantasmagórico. Depois que morri, houve um momento como esse — e novamente quando viajei pela primeira vez para a terra das coisas perdidas, mas aqueles terríveis e profundos vazios haviam durado apenas um segundo. Esse se esticava indefinidamente. Uma sufocação da alma, ficando ainda pior pelo medo. Não é surpresa eles ficarem malucos, pensei loucamente, relembrando os muitos espíritos moribundos presos nas armadilhas de Meia Noite. A qualquer segundo eu também seria levada a loucura, mesmo estando aqui á apenas alguns minutos — ou será por mais tempo? Será que vou saber? Será isso eternidade? Estará isso além da eternidade? Faça com que pare, Samuel falou. Faça parar. O fantasma — um que havia sido preso dessa forma — havia perdido a habilidade de pensar qualquer outra coisa. Eu também perderia. Já podia sentir descendo ao ponto do instinto desesperado de fugir, e nada mais.
12http://1.bp.blogspot.com/_ZOZeUuzTSos/TL3JcsjX3QI/AAAAAAAAKNI/y9v4l7l5vY/s1600/King%2520Beanbag%2520-%2520Royal%2520Vinyl.jpg
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Então, naquele vazio sem forma, um suave triângulo de luz se abriu. Corri em sua direção, sem me importar no que era ou significava: era algo, em um mudo de nada e essa era razão suficiente. Então na moldura do retângulo, maior que a vida, vi a senhora Bethany. — Senhorita Oliver. — Ela sorriu placidamente como sempre, mas não havia como não ver a luz ávida em seus olhos. — Finalmente. Tenho esperado por você.
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Capítulo Vinte e Um Eu não podia atacar; eu não podia escapar. Tudo que eu podia fazer era encarar a Sra. Bethany — neste momento, quase literalmente, a única coisa em meu mundo. — Eu pensei que o Sr. Ross iria ser aquele quem te traria para mim, — ela disse. — Mas ele é mais devotado a você do que imaginei. Então eu finalmente achei sua bijuteria na sala de registros — depois de semanas de busca — e eu percebi o quão simples seria substituir ela por uma armadilha e reivindicar você eu mesma. Ela sempre soube sobre nossas visitas a sala de registros. Ela sempre soube sobre mim. — Como você sabia que eu estava aqui na escola? A Sra. Bethany inclinou a cabeça, como se ela sentisse muito por mim. — Baseado no seu comportamento passado, seria natural supor que onde o Sr. Ross estivesse, você estaria também. E a odiava tanto no momento, que eu fiquei surpresa quando a armadilha não quebrou por isso. Minha raiva estava quente o bastante para derreter metal, para quebrar pedras. — Eu sou a razão de você ter dado aos meus pais um emprego aqui em primeiro lugar, não sou? Você armou para nós desde o começo. — Eu te dei todas as chances, sabe. — Ela soou calma. Satisfeita. — Se eu gostasse de vitimar os indefesos, eu dificilmente teria fundado uma escola como Meia Noite. Além disso, eu gostei bastante de seus pais; eles são ótimos professores. Então eu me senti moralmente obrigada a explorar todas as outras possibilidades. Eu mudei a politica de adimissão no intuito de trazer estudantes ligados a outros fantasmas, no caso de um desses espíritos poder funcionar igualmente bem. Sempre que você se desviou do caminho que seus pais tinham em mente para você, te coloquei no caminho de volta. Esse verão, eu te disse que jogar suas chances fora por causa do amor não valia a pena. Mas você nunca ouvia. Você se apressou em direção a seu destino final. E agora eu estou livre para agir como eu quiser. — Você não quer mais ser um vampiro, — eu disse. — Mas se você me usar para isso — você vai ser pior do que qualquer vampiro.
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— Eu estarei viva. — A Sra. Bethany não mostrou nem um vislumbre de hesitação. — Uma velha traição estará por fim corrigida. Eu serei capaz de morrer como eu devia — como uma mulher humana. E você não vai estar menos morta do que você já está. Uma turbulência de luz, e o mundo tomou forma ao redor de mim. Primeiro eu pensei que estivesse livre, e me preparei para desaparecer ou correr ou fazer o que eu pudesse — mas então eu vi onde eu estava. A Sra. Bethany estava de frente a mim, armadilha na mão, no meio de uma sala que cintilava em todas as cores, chão, teto, paredes. Eu percebi que tinha exatamente as mesmas dimensões que a sala de registros, mais ao invés de pedra e poeira, essa brilhava, profunda e translucidamente. Madrepérola, eu percebi. E o telhado de cobre na torre sul — a estranha sensação que eu frequentemente detectava no quarto vazio em cima do apartamento dos meus pais — ela tinha trazido a armadilha para dentro da outra torre, para dentro desse lugar. E agora eu sabia o que era. — Você transformou esse quarto inteiro em uma armadilha, — eu disse. Eu já sabia que eu não seria capaz de sair. — Minha teoria é que você pode fornecer o poder para muito de nós revivermos, — A Sra. Bethany disse. — Você dará de volta a vida a uma dúzia de indivíduos, Srta. Olivier. Talvez essa seja uma pequena consolação. Eu me afastei dela. Madrepérola parecia escorregadia contra meu pé — mas não, não era isso, eu não podia estar sólida ou insubstancial; eu não podia flutuar, não podia correr. Tudo estava no meio, roubando as habilidades que eu poderia usar em qualquer estado. Embora eu tivesse um senso de lugar sem essa armadilha, ainda era uma armadilha, corroendo o meu senso de realidade e de natureza. Isso só levaria mais um tempo. Uma morte vagarosa. Não é à toa que eu ouvi os fantasmas gritando. Mais gentilmente, a Sra. Bethany disse, — Pense nisso como sendo uma doadora de órgãos. Eu tinha sido capaz de escutar os fantasmas gritando, mesmo quando eles estavam presos... Com tudo que eu tinha, com toda a força, eu gritei, tanto em voz alta quanto dentro da minha alma, — Me ajude! — No grito eu coloquei o lugar que eu estava, a Sra. Bethany em frente a mim, tudo que eu pensei e
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senti e soube. O esforço pareceu, sozinho, me fazer inferior ao que eu tinha estado antes — como se eu tivesse gritado parte de mim. — A sala é a prova de sons, — a Sra. Bethany disse. — Ninguém pode ouvir. Não com os ouvidos, talvez. Mas se Maxie ou Christopher detectassem isso, ou se Lucas pudesse me ouvir dentro de seus sonhos — Uma batida na porta me deixou esperançosa. Mas a Sra. Bethany não pareceu surpresa, Ela simplesmente levantou a armadilha e a abriu, então a colocou no chão. O vazio da piscina acinzentada se desdobrou diante de mim novamente, e eu desesperadamente tentei evitar afundar. Enquanto eu me movia freneticamente, incapaz de resistir, eu ouvi um mumurio de vozes — dificilmente o resgate que eu estava esperando. A armadilha se fechou. Por alguns segundos, eu senti uma onda vertiginosa de alívio, e eu tentei entender o que eu podia ver. Nós ainda estavamos na sala de Madrepérola, mas a porta já tinha sido fechada outra vez, cortando minha chance de escapar. E agora a Sra. Bethany e eu não estávamos sozinhas. Meia dúzia de vampiros cercava a sala, cada um deles me encarando tão avidamente quanto a Sra. Bethany. A maioria eram estudantes; um par era de professores. Nenhum deles eram pessoas que eu conhecia muito bem, mas eu sabia uma coisa — eles eram antigos e poderosos. A Sra. Bethany tinha escolhido bem seus cúmplices. — Eu não sei quantos de nós pode ressuscitar, Srta. Olivier. — A Sra. Bethany enfiou a mão no bolso de sua saia longa e tirou a lâmina que eu me lembrei da transformação de Samuel. — Mas para mim mesma, e aqueles que seguem, devo expressar minha mais profunda gratidão? — Você pode ir para o inferno, — eu disse. — Nós somos vampiros, — a Sra. Bethany disse, e por um momento eu vi um eco da escuridão e o ódio dentro de si que eu tinha percebido dentro de Lucas nos últimos meses. — Nós já estamos lá. — Você está me matando. — Eu ainda não podia acreditar nisso, embora tivesse começado, — Se isso ajuda, você está me matando também. — A Sra. Bethany sorriu, como se aquilo fosse ótimas notícias. — Eu não pretendo viver muito tempo como humana. Essa existência estendida tem sido mais um tormento do que um prazer para mim. Eu só quero morrer como eu deveria ter morrido. — Morrer? Você está fazendo isso tudo só para — para morrer outra vez?
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— Morrer como eu deveria, — ela repetiu. Uma profunda tristeza escureceu seus olhos. — Ir aonde eu deveria ter ido, depois de morrer, e me reunir com aqueles que eu conhecia em minha única vida. Christopher, eu percebi. Ela acha que se ela morrer como uma humana, ela vai ficar com Christopher de novo. Ela empurrou a manga da blusa rendada, mostrando a faca e cortando a pele de seu pulso. Seu sangue de vampiro começou a escorrer pela sua mão, e eu senti uma fome enlouquecida diferente de tudo que eu já conheci. Eu não queria beber seu sangue; eu queria ser aquela que o tinha. O instinto de invadi-la — me tornar uma parte dela e me perder para sempre — era mais poderoso do que qualquer coisa eu eu poderia ter imaginado. Não! Se contenha! Pense em Lucas, pense em todo mundo que você ama, se mantenha firme por eles! Mas quanto mais eu pensava e tentava me agarrar a isso com todas as minhas forças, eu podia sentir minha determinação rompendo com o resto de mim. Minha forma humana começou a se transformar em vapor enevoado. A Sra. Bethany ergueu a cabeça, triunfante. Logo era seria humana de novo, e eu seria... Nada. Então bateram na porta com um estrondo, fazendo os vampiros pularem. Ela bateu de novo e cedeu, estilhaçando a madeira e a madrepérola em mil direções enquanto Lucas entrava no quarto, com um arco na mão. Ou ele instantâneamente entendeu o que estava acontecendo, ou ele ia matar a Sra. Bethany primeiro e perguntar depois. Lucas começou a atirar, mas a Sra. Bethany saltou sobre ele, empurrando o arco de modo que a flecha bateu no teto. — A deixe ir, — Lucas disse enquanto eles lutavam pela arma. — Ela não é mais sua, — a Sra. Bethany disse, o empurrando de volta. — Ela é minha. Os outros vampiros começaram a ir atrás dele, também, mas Lucas não tinha vindo sozinho. Balthazar e minha mãe arrebentaram o que sobrou da porta; Balthazar tinha trazido seu florete, e minha mãe só pegou o vampiro mais perto dela e o socou forte. Enquanto eu girava, desorientada e incapaz de resistir, a luta se intensificou ao redor de mim. Para mim, parecia estar acontecendo em câmera lenta, irreal e ainda mais aterradora pela claridade da violência. Eu vi um relance do meu pai, empunhando uma perna da cadeira quebrada como uma espécie de estaca. Eu vi Balthazar ir e Skye não se mexer. Ela estava muito melhor do que a maioria das pessoas iria estar em uma situação dessas, mas de novo, ela cresceu em uma casa
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assombrada. Talvez isso viesse com o território. — Você disse Bianca. Essa é a garota que você amou, a que morreu — ela é um fantasma? — Ela é um fantasma e ela está presa e nós vamos tirar ela daqui, — Lucas disse, nunca tirando os olhos de mim. — Agora, saia daqui, também! Em vez disso, Skye deu alguns passos para frente e falou de novo — dessa vez, para mim. — Bianca, entre dentro de mim. Como os espíritos fizeram no baile. — Ela queria que eu a possuísse? Eu poderia fazer isso? — O que você está fazendo? — Minha mãe tentou puxar Skye para trás. — Isso é perigoso! — Eu sei o que é perder alguém, — Skye disse. — Se alguém pudesse fazer isso pelo meu irmão, eu iria querer que eles tentassem. Então eu vou tentar. Bianca, está tudo bem. Vamos. Faça isso! Eu libertei meu vapor e deixei o turbilhão de energia na sala me carregar até Skye. Tudo desapareceu — e de repente eu senti uma pedra dura contra as minhas costas, e dor. Eu tentei inspirar, mas o ar tinha sido tirado de mim — pausa. Dor. Uma batida de coração. Eu abri meus olhos — os olhos dela — olhei para cima para ver meus pais e Lucas ajoelhados acima de mim. — Bianca? — Lucas disse, hesitantemente. — Sou eu, — eu disse. — Somos nós. Porque Skye estava ali comigo, totalmente. Isso não era como possuir Kate; Skye tinha me saudado, e por causa disso, o espírito dela e o meu existiram lado a lado. Embora ela estivesse com medo - o seus batimentos cardíacos tão rápidos quanto os de um pássaro — ela não vacilou. Obrigada, eu pensei para ela. Ela pensou de volta, Você é bem vinda. Mas não deveríamos correr? — Boa idéia, — eu disse. Sua voz soou tão estranha quanto a minha. Lucas e meus pais me encararam, e eu agarrei a mão de Lucas. — Vamos. Nós temos que salvar Maxie se nós pudermos. — Nós deveríamos só sair daqui, — minha mãe disse e Lucas ajudou a me levantar. Fiquei surpresa ao ser capaz de olhá-lo diretamente nos olhos; Skye era mais alta que eu. — Querida, eu sinto muito pela sua amiga, mas nós temos que pensar na sua segurança.
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— Maxie não pensou na segurança dela quando ela veio atrás de mim, — eu disse. — Além disso, Vic está tentando ajudá-la. Você vai deixar Vic enfrentar a Sra. Bethany sozinho? Lucas me guiou até a porta. — De jeito nenhum. Vamos. Minha mãe e meu pai se entreolharam por um segundo, mas eles nos seguiram. Agora que eu estava no corpo de Skye, como se fosse um aquecimento, servindo de armadura, a armadilha do quarto não tinha mais poder nenhum sobre mim; partir era tão fácil quanto pegar o caminho das escadas. Claro, eu era um pouco desajeitada — eu não sabia completamente como me mover no corpo de Skye ainda, e nós duas estávamos instáveis depois do que tinha acabado de acontecer. Quando nós começamos a descer as escadas, eu disse, — Foi Maxie quem disse a vocês onde eu estava? Deslizando pelo chão, fazendo caretas de dor antes de cambalear a seus pés. Lucas recuperou seu arco e disparou — a Sra. Bethany simplesmente evitou a flecha que caiu em outro vampiro, com uma nuvem de sangue e clamor do vampiro. Sangue de vampiro, me puxando, me arrastando ainda mais para baixo, para o nada. Através da armadilha, eu ouvi a voz de Maxie. — Bianca! Você tem que sair daqui! Vamos lá! — Eu só pude distinguir sua voz quando ela estava na extremidade do quarto, arriscando sua própria existência e tentando me ajudar. Alguns outros rostos apareceram atrás dela — estudantes femininas que viviam nos andares de cima do dormitório, sem dúvida assustadas com o barulho, e Vic, que apareceu para tentar desesperadamente levar aqueles estudantes para um lugar mais seguro. Eu tentei fazer o que Maxie disse, mas eu estava muito fraca. Muito perdida. Naquele momento da luta, a Sra. Bethany correu para a porta com sua velocidade de vampiro, agarrando a menor armadilha que ela pode. Ela a descobriu — bem em frente à Maxie. Não! Eu pensei, mas era tarde demais. Só houve tempo de ver o terror surgir no rosto de Maxie antes do vórtice engoli-la, a prendendo dentro da armadilha. — Hey! — Vic gritou. Pela primeira vez na vida, eu ouvi fúria na voz dele. — Esse é o meu fantasma!
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A Sra. Bethany esmagou o rosto de Vic contra a armadilha, que o jogou diretamente no chão. Os estudantes humanos começaram a gritar e se agitar enquanto a Sra. Bethany se impelia através deles. — Ela está escapando, — Balthazar gritou. — Eu não dou à mínima! — A flecha de Lucas estacou outro vampiro; o quarto ficou quieto, mas ele dificilmente notou. — Nós temos que tirar Bianca daqui! — Ela pegou meu fantasma! — Vic começou a descer correndo a escadas, e Balthazar o seguiu. Os meus pais e Lucas ficaram. — Vão, — eu sussurrei. Era a única coisa que eu tinha força para dizer. Maxie não merecia ser destruída desse jeito. — A armadilha — essa sala — oh, meu Deus, está te matando, — Lucas disse. — Bianca, vamos lá. A porta está aberta. Você pode partir. — Assim pareceu. E mesmo assim chegar até a porta era impossível. — Querida, por favor, — Minha mãe suplicou. Os olhos de meu pai se encheram de lágrimas enquanto ele agarrava meus ombros. — Você consegue. — Seu broche! — Lucas procurou em seu bolso e me estendeu meu broche. Por um momento eu senti algo como esperança; se eu pudesse me tornar substancial outra vez, mesmo que por um segundo, eu podia sair pela porta e talvez me recuperar. Mas o broche apenas caiu através da fumaça azul, no lugar onde um dia tinha estado minha mão. Eu já não tinha a capacidade de tocá-lo, e assim eu não podia mais recorrer ao seu poder. O broche das flores negras tiniu no chão de pedra, tão escuro quanto à tinta neste mundo cintilante, e eu lembrei os sonhos de muito tempo atrás que tinham me levado até aqui. Eles me avisaram quando eu procurei por amor, tempestades viriam. E em todos os meus sonhos, eu nunca tinha tornado isso em segurança. Para Lucas. Lucas balançou a cabeça. — Isso não está acontecendo. — Sua voz estava áspera. — Isso não pode estar acontecendo. Bianca, vamos lá. Volte para mim. — Bianca? — Disse uma voz desconhecida. Uma figura feminina, vestindo uma túnica azul brilhante, parada na soleira da porta. — Skye, o que você está fazendo aqui? — Lucas disse. — Não é seguro! Vá lá para baixo!
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Ela estava muito melhor do que a maioria das pessoas iria estar em uma situação dessas, mas de novo, ela cresceu em uma casa assombrada. Talvez isso viesse com o território. — Você disse Bianca. Essa é a garota que você amou, a que morreu — ela é um fantasma? — Ela é um fantasma e ela está presa e nós vamos tirar ela daqui, — Lucas disse, nunca tirando os olhos de mim. — Agora, saia daqui, também! Ao invés disso, Skye deu alguns passos para frente e falou de novo — dessa vez, para mim. — Bianca, entre dentro de mim. Como os espíritos fizeram no baile. — Ela queria que eu a possuísse? Eu poderia fazer isso? — O que você está fazendo? — Minha mãe tentou puxar Skye para trás. — Isso é perigoso! — Eu sei o que é perder alguém, — Skye disse. — Se alguém pudesse fazer isso pelo meu irmão, eu iria querer que eles tentassem. Então eu vou tentar. Bianca, está tudo bem. Vamos. Faça isso! Eu libertei meu vapor e deixei o turbilhão de energia na sala me carregar até Skye. Tudo desapareceu — e de repente eu senti uma pedra dura contra as minhas costas, e dor. Eu tentei inspirar, mas o ar tinha sido tirado de mim — pausa. Dor. Uma batida de coração. Eu abri meus olhos — os olhos dela — olhei para cima para ver meus pais e Lucas ajoelhados acima de mim. — Bianca? — Lucas disse, hesitantemente. — Sou eu, — eu disse. — Somos nós. Porque Skye estava ali comigo, totalmente. Isso não era como possuir Kate; Skye tinha me saudado, e por causa disso, o espírito dela e o meu existiram lado a lado. Embora ela estivesse com medo - o seus batimentos cardíacos tão rápidos quanto os de um pássaro — ela não vacilou. Obrigada, eu pensei para ela. Ela pensou de volta, Você é bem vinda. Mas não deveríamos correr? — Boa idéia, — eu disse. Sua voz soou tão estranha quanto a minha. Lucas e meus pais me encararam, e eu agarrei a mão de Lucas. — Vamos. Nós temos que salvar Maxie se nós pudermos. — Nós deveríamos só sair daqui, — minha mãe disse e Lucas ajudou a me levantar. Fiquei surpresa ao ser capaz de olhá-lo diretamente
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nos olhos; Skye era mais alta que eu. — Querida, eu sinto muito pela sua amiga, mas nós temos que pensar na sua segurança. — Maxie não pensou na segurança dela quando ela veio atrás de mim, — eu disse. — Além disso, Vic está tentando ajudá-la. Você vai deixar Vic enfrentar a Sra. Bethany sozinho? Lucas me guiou até a porta. — De jeito nenhum. Vamos. Minha mãe e meu pai se entreolharam por um segundo, mas eles nos seguiram. Agora que eu estava no corpo de Skye, como se fosse um aquecimento, servindo de armadura, a armadilha do quarto não tinha mais poder nenhum sobre mim; partir era tão fácil quanto pegar o caminho das escadas. Claro, eu era um pouco desajeitada — eu não sabia completamente como me mover no corpo de Skye ainda, e nós duas estávamos instáveis depois do que tinha acabado de acontecer. Quando nós começamos a descer as escadas, eu disse, — Foi Maxie quem disse a vocês onde eu estava? — É, — Lucas disse. Ele colocou a mão na minha cintura, a melhor forma de me firmar: ele me tocou cautelosamente, o que eu percebi ser porque ele não queria aborrecer Skye. — Nós percebemos essa manhã que você estava perdida, porque de jeito nenhum você estaria sem falar conosco sobre os planos dessa noite. — Eu estive na armadilha o dia todo? — Tinha parecido durar para sempre, e terminar em uma fração de segundos, ao mesmo tempo. Lucas acenou com a cabeça. — Aparentemente. Nós reviramos a escola de cabeça para baixo procurando por você. — Quando nós roubamos as armadilhas, a Sra. Bethany deve ter percebido que estávamos na cola dela, — Papai disse. — Ela parou de gastar o tempo dela. Passou á ofensiva. Depois que isso acabar, Skye pensou, um de vocês vai me explicar o que está acontecendo? Claro, eu respondi. Assim que eu entender. — E as armadilhas? A Sra. Bethany tem que estar indo atrás delas. — Esperançosamente ela não vai ter a chance, — Mamãe disse enquanto descíamos as escadas de pedra. O corpo estudantil inteiro parecia estar acordado agora, e cientes de que alguma coisa perigosa estava acontecendo; havia murmúrios e gritos em cada andar. — Patrice e
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Ranulf devem estar tomando conta disso agora mesmo... — Sua voz foi sumindo quando as pedras de Meia Noite começaram a gritar. Essa foi a única palavra para isso, embora não soasse como qualquer grito humano. Era como se o prédio tivesse se tornado vivo, e eu odiei isso. O som era a trituração do real contra o irreal, existindo em dimensões que não tinham nada a ver com som mas ecoavam dentro de nós independentemente. Nós tapamos nossos ouvidos, exceto Lucas, que continuou me apoiando mas fazendo uma careta de dor. — O que diabos? — ele gritou sobre o alarido. Eu os senti, então - serpenteando seu caminho através dos ossos da escola, escalando em direção a liberdade. — Os fantasmas, — eu disse. — Eles estão livres. Eles estavam livres, e estavam com raiva. Ao invés de voar diretamente para as pessoas que tinham ancorado eles, ou deixar para trás o mundo mortal, ou desejar estar de volta nos lugares que eles tinham assombrado antes, eles estavam atacando a Academia Meia Noite e tudo dentro dela. Antes, eu não tinha sido capaz de entender porque eles não seriam razoáveis, porque eles agiram puramente por instinto. Agora que eu tinha passado um dia inteiro em uma armadilha, eu entendi; aquelas coisas roubavam seu senso de si mesmo. Não levaria muito tempo para transformar em nada além de medo e fúria. Minha respiração tinha se tornado enevoada, e névoa começou a lançar seu caminho ao longo das paredes, o chão, o teto. Meu pai quase escorregou no gelo que estava aglomerado aos nossos pés. Os murmurios do andar de cima se transformaram em gritos. — Rápido, — eu disse, sentindo o fluxo da força em mim como um senso de propósito. Nós corremos pelo resto do caminho, embora fosse difícil. O gelo agora estava mais espesso do que em qualquer outro ataque de fantasma que eu já presenciei — era como se a escola fosse feita de gelo. Enquanto as pedras estalavam e rachavam por causa da pressão do gelo nas fendas, nós tropeçávamos e escorregávamos através da escadaria, que parecia mais com uma caverna de neve. Finalmente chegamos ao salão, e mesmo se eu não soubesse que este era o lugar que os fantasmas seriam libertados, teria sido obvio que esse era o coração da tempestade. O salão inteiro parecia ser nada mais do que um grande labirinto esculpido de gelo. Tremendo dos lados, brancos com a névoa, estavam Patrice e Ranulf. Ambos caíram perto da entrada, aparentemente incapazes de se mover.
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— Vocês estão bem? — Eu disse, correndo para o lado de Patrice. Sua mão parecia gelo na minha. — Eu estou bem, Skye, — Patrice disse batendo os dentes. — Você tem que sair daqui. — Nós todos estamos saindo daqui, — Lucas disse. Ele me largou para pegar Patrice em seus braços; ela se pendurou rigidamente em seu abraço, mas ele era capaz de levar ela para fora. Papai e mamãe colocaram seus braços em ambos os lados de Ranulf para ajudá-lo. Eu corri para fora da escola. Quando eu olhei para Meia Noite, eu engoli em seco; agora parecia que tinha sido esculpida de cristal, seus contornos borrados e fractais como as bordas dos flocos de neve. Outros estudantes se reuniram lá fora, tremendo em suas roupas de dormir enquanto olhavam para aquela visão desconcertante. Neve deve ter caido naquele dia, porque alguns deles estavavam cobertos dela. Poderia levar horas para a ajuda chegar aqui, eu pensei. Pessoas poderiam morrer por exposição nesse meio tempo. Eu tenho que fazer isso agora. Fazer o que? Skye pensou, cada vez mais preocupada. Dado ao que eu tinha feito ela passar apenas nos últimos minutos, eu não podia culpála. A uma distância próxima, eu vi Balthazar lutando com um dos guardas sobreviventes da Sra. Bethany. Suas presas se alargaram quando eles urrarm e pularam um sobre o outro. Skye gritou, momentaneamente tomando de volta seu corpo só pela força do terror. O que são eles? Vampiros. Lembra-se quando Lucas te contou? Ele é um vampiro, também. Mais os meus pais. Mais — você sabe, um monte de gente. Nós temos que ver isso depois. Agora, eu tenho algo para fazer. Ela repetiu, Fazer o que? Não se preocupe; Eu consigo fazer isso sozinha. Com isso, eu deixei Skye. Ambas caímos no chão, e pareceu que o impacto de seu corpo contra o chão afetou nós duas. Eu rolei, semi-sólida, mas não deixando impressão nenhuma na neve; Skye se sentou, tirando flocos de gelo espalhados em seu cabelo escuro. Sua expressão era estranha — horrorizada, talvez como se ela não quisesse se lembrar de me dar permissão. Mas ela disse, — Eu consigo sentir eles. — Sentir o que?
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Ela agarrou os cabelos com os punhos, como se ela estivesse tentando usar a dor para bloquear alguma outra sensação. — Os fantasmas — todos eles — é como se eles estivessem na minha cabeça — Ter minha possessão nela por tanto tempo abriu nela algum outro domínio de percepção? Nós teríamos que descobrir mais tarde. — Eu vou tomar conta deles, Skye. Eu prometo. De seu lugar a poucos passos, onde ele estava tentando fazer Patrice voltar inteiramente a consciencia, Lucas disse, — Bianca, o que você está fazendo? — Eu vou voltar logo, — eu jurei. — Você tem meu broche? Ele bateu no bolso — então ficou imóvel. — Nós temos problemas. Como se nós já não tivessemos problemas? Mas eu segui seu olhar para ver a cabana da Sra. Bethany, persianas presas firmemente, apenas com feixes de luz azul-quente vindo através das fendas. Eles pareciam facas abrindo a noite. A Sra. Bethany estava começando seu feitiço; logo, ela teria destruído Maxie, e se ressuscitado. Talvez alguns de seus comparsas estivessem lá dentro, também. Eu poderia apenas distinguir o contorno de Vic, que estava se jogando contra a porta de novo e de novo, tentando salvar Maxie. — Vá ajudá-los, — eu disse. — Prometo, vou estar de volta logo. Com um ultimo olhar em Patrice, que finalmente parecia estar recuperando suas forças, Lucas correu em direção a cabana da Sra. Bethany. Eu dexei minha forma física e flutuei para cima, pura energia agora. Meia noite estava abaixo de mim, menos como uma coisa que eu podia ver e mais como algo que eu podia sentir enquanto a coleção de tantos perdidos e desesperados espíritos, não era mais capazes de sentir nada além de medo. Antes, quando eu nunca tinha sido presa, eu não podia entender o que eles sentiam. Eu não tinha sido capaz de me comunicar com eles. Agora eu sabia o que fazer. Lembrando do meu tempo na armadilha, eu criei ao redor de mim a memória do escuro e insondável vazio. Tão forte quanto eu pude, eu mandei para baixo, para os fantasmas poderem reconhecer isso como era. Assim que eu os sentieles reagirem à dor e ao pânico, eu abri aquele brilhante círculo de luz — o caminho para sair.
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E passando aquele círculo, eu imaginei a terra das coisas perdidas em toda sua beleza e feiúra e caos. Pareceu tomar forma em miniatura, como os castelos mágicos no centro de um globo de neve: uma mansão Tudor velha, uma casa móvel, um cavalo marrom com joelhos nodosos e olhos amigáveis, uma estrada de terra sinuosa — não coisas que eu tinha visto lá antes, mas as coisas que esses espíritos estavam trazendo com eles. A energia abaixo de mim mudou de medo para algo como esperança. Eu os peguei. Todos eles. Eu não podia dizer como eu fiz isso, mas o poder deve ter estado comigo desde o começo. Naquele instante, eu conhecia cada um deles, podia ver o rosto deles, a personalidade, sentir os fragmentos de vidas que eles devem ter levado. Eles eram tão familiares para mim, tanto em suas virtudes e falhas, quanto meus melhores amigos, e eu senti eles me reconhecendo em retorno. Mais importante, eu senti eles se reconhecendo — as pessoas que eles tinha sido antes que a escuridão e o medo tomassem conta deles. Então eu nos levantei juntos, subindo para aquela esfera de luz. Então havia risadas, e aplausos, e abraços. Eu fiquei na luz do sol perto do que parecia uma versão do Taj Mahal, embora esse fosse preto ao invés de branco, ainda mais bonito. Uma multidão de talvez cem pessoas juntas ao redor de mim, vestindo roupas que variavam de camisetas e jeans para uma mulher em um aro de saia cheio que carergava um guarda sol. — Obrigada, — ela sussurou enquanto ela me abraçava gentilmente. — Você nos libertou. Você nos trouxe aqui. Eu a abracei de volta, mas permaneci vividamente ciente do quão rápido o tempo podia passar aqui, e o quanto eu precisava voltar. Christopher pareceu aparecer no meio de nós — sem nuvens de fumaça e explosoes de luz, em um minuto ele não estava lá, e no seguinte ele estava. Seu sorriso o transformou no mais jovem e mais feliz homem que ele já tinha sido nas memórias de sua vida. — Bianca. Eu sabia que você podia fazer isso. — Sim, e é o máximo e extraordinário e tudo isso, mas nós temos uma situação, — eu disse. — A Sra. Bethany capturou Maxie. Ela vai destruir ela. Existe algo que possamos fazer? Seu sorriso desapareceu. — Aquela pobre criança. Ela deve estar aterrorizada.
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— O que nós podemos fazer? Sua esposa — eu sei que você a ama, mas nós não podemos deixar ela fazer isso! — Além do meu medo por Maxie, eu também estava aterrorizada por Lucas, assim como por Balthazar, meus pais, Vic — todo mundo que eu tinha deixado em Meia Noite. Ela tinha lutadores ao redor dela que sabiam que ela era a unica chance deles viverem outra vez. A batalha agora seria desesperada, e para alguns, fatal. — Não, nós não podemos. — Christopher endireitou os ombros. — Nós devemos retornar ao mundo lá em baixo, juntos. — Você pode tirar Maxie da armadilha? — Eu perguntei, embora eu tivesse certeza que fosse impossível. — Há um jeito, — ele disse, me surpreendendo. — Apenas um jeito. Ele desapareceu. Aparentemente as explicações iam ter que esperar. Eu pensei no meu broche, a linda flor negra dos meus sonhos, e tentei me firmar no coração dele. Eu tomei forma — então cai fisicamente na neve. Lucas derrubado ao meu lado. Sangue desfigurava seu rosto, manchando sua pele e fazendo seus olhos verdes parecerem sublimes. Ele me olhou apenas por um momento antes de erguer seu arco a tempo de desviar um machado. Um dos capangas da Sra. Bethany estava balançando ele, repetidas vezes, e pela aparencia das coisas, ele tinha dado alguns socos. Meu broche tinha caido quando Lucas caiu, aparentemente; ele jazia no chão, em forte contraste com a neve. Eu o agarrei, grata pela capacidade de fazê-lo, e o coloquei no meu bolso. Agora sólida, eu tentei entrar em cena. Uma batalha se intensificava ao redor de mim. Meus amigos vampiros estava presos em combate com outros vampiros leais a Sra. Bethany. Através dos terrenos, a Academia Meia Noite estava derretendo — ou, pelo menos, o gelo que tinha a cobrido estava desaparecendo. Alunos meio congelados já estavam tropeçando de volta para abrigos e se afastando da luta. Eu não conseguia achar Vic, e ninguém pareceu ter violado a cabana da Sra. Bethany. O rugido de um motor cortou a noite, e eu me virei para ver um par de fárois se aproximando rapidamente da escola. Com uma onda de alívio e esperança, eu reconheci a van. Eu corri através da neve, clamando, — Raquel! Dana! A van derrapou até parar. Dana saltou do veículo e deu uma olhada na cena. — Eu disse a vocês para não começarem a festa sem nós.
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— Eles são todos vampiros, — Raquel disse, agarrando sua estaca. — Vamos atrás de quais? — Se eles estiverem atacando um vampiro que você conheça, acabe com eles! Diga a Dana quem é quem! — Eu procurei uma arma para mim mesma e agarrei um pequeno machado. — Raquel! — Vic correu em direção a van. Ele devia estar na floresta — provavelmente procurando algo para usar para entrar na casa da Sra. Bethany. — Me deem algo! Qualquer coisa! Eu os deixei para trás, correndo através da neve, determinada a ajudar Lucas e os outros. Quando eu vi o quão bem armados os capangas da Sra. Bethany pareciam estar, eu subi e tirei meu broche. Meu corpo permaneceu sólido. As pessoas mais perto de mim eram meu pai e o vampiro mais alto da escola, um cara quase tão largo quanto alto. Ele estava batendo no meu pai com uma mão; a outra segurava uma faca certamente grande o bastante para uma decapitação. Papai já estava apoiado em um joelho, incapaz de se defender. Eu gritei, — Hey! O vampiro se virou. Com um sorriso preguiçoso, ele girou a faca em direção a mim — enquanto eu largava o broche e virava vapor. A faca passou diretamente por mim, e eu não senti nada. O machado que eu tinha carregado cortou o ar e na mesma velocidade, sem se desviar, se enterrou nas costas do cara. Ele caiu no chão, obviamente não permanentemente derrubado, mas atordoado e em dor. Rapidamente eu agarrei meu broche outra vez e peguei a mão do meu pai. — Vamos! Nós temos que entrar lá! — Nós temos que sair daqui, — meu pai protestou. Eu balancei minha cabeça. — Essa luta não acaba até a Sra. Bethany parar, e nós não vamos estar fora de perigo até a luta acabar. A cabana da Sra. Bethany estava a apenas alguns passos. Mas Vic chegou antes de mim, e quando eu vi o que ele estava carregando meus olhos se arregalaram. Eu nunca imaginei que elas lhe dariam o lança-chamas. Vic apontou a arma para uma parede, e uma rajada de fogo incendiou o local. Eu percebi, Vic não sabe que fogo poderia matar Maxie para sempre.
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Eu corri até a cabana, incerta do que fazer ou como ajudar. Então eu vi o leve contorno de uma figura contra a neve — Maxie, flutuando fora do alcance das chamas ofuscantes. — Maxie! — Eu gritei. Vic alcançou ela no mesmo momento que eu, e eu pressionei meu broche na mão dela. Embora ela dificilmente tivesse alguma substância, ela era capaz de se firmar nisto; a mágica dentro do azeviche a solidificou e pareceu dar a ela alguma força. — Você está bem? — Vic tirou o cabelo marrom dourado dela de sua testa. Ela balançou a cabeça. — Christopher, — ela conseguiu dizer. — O que tem ele? — eu disse. — Ele saiu? — Sim, mas ele — Maxie olhou o fogo consumindo a cabana. — Ele tomou meu lugar. — De repente desfeita pela dor e exaustão, Maxie caiu contra o ombro de Vic; ele largou o lança-chamas e a segurou gentilmente. Eu os deixei sozinhos e me apressei em direção a fogueira. Embora eu soubesse que era perigoso estar tão perto do fogo ou da armadilha, eu não podia deixar Christopher morrer se houvesse algum modo de salvá-lo. Mas quando eu lembrei de sua triste expressão quando nós nos preparamos para voltar aqui, eu soube imediatamente que não havia. Christopher tinha feito isso sabendo que ele estaria perdido para sempre. Ele tinha se sacrificado por Maxie. Eu olhei no coração das chamas. Lá, eu podia ver a Sra. Bethany, seu longo cabelo caindo solto ao redor de seus ombros. Chamas manchavam seu rosto, e ela parecia muito jovem. — Christopher! — ela clamou. Ela deve ter visto ele, no instante em que ele tinha tomado o lugar de Maxie. — Christopher, eu estou aqui, eu estou aqui! Apesar do fato de que ela estava a beira de queimar até a morte, a Sra. Bethany estava — sorrindo. Eu percebi então que Christopher tinha estado errado; o amor dela por ele realmente tinha sido mais forte do que o ódio. Mas ambos descobriram muito tarde. Maxie tinha sido libertada antes da Sra. Bethany poder se transformar. A Sra. Bethany teve tempo o suficiente, talvez — para sacrificar Christopher e viver de novo. Ela tinha que saber aquilo. Mas ela não saberia. — Nós podemos sair daqui, — ela ofegou, alcançando a madeira que estava queimando apesar do risco. Eu percebi que ela estava
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tentando pegar a armadilha que o prendeu. — Nós vamos ficar juntos, eu te prometo. Eu ouvi a voz de Christopher, quase menos que um sussurro entre o crepitar das chamas. — Minha querida Charlotte. Então uma onda de faíscas me levou para trás, e eu ofeguei enquanto o telhado da cabana se desintegrava. Nada permaneceu além de brasas, e chamas, e fumaça. Morte certa para qualquer vampiro, ou qualquer fantasma. Os Bethanys tinham ido, para sempre. Abalada, eu me virei para ver batalha — ou o que tinha sido a batalha. Os vampiros combatendo meus amigos tinha sido conquistados, tanto por Dana e Raquel quanto pelos reforços ou pela rendição quando ele viram sua lider, e a a ressureição mágica que ela conheceu sozinha, perecerem. Eu podia ver minha mãe ajudando meu pai a ficar de pé, Raquel e Patrice agrupando os vampiros inimigos o mais longe possível de nós, e muitos dos outros reunidos em volta de uma figura caida na neve — Ao redor de Lucas.
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Capítulo Vinte e Dois Atirei-me em direção ao pequeno grupo de pessoas reunido ao redor da forma caída de Lucas. Ele jazia imóvel e sangrando na neve, seu peito e sua testa cortados profundamente por uma arma. Dana enterrou a cabeça nas mãos, e Balthazar correu um dedo ao longo da borda da ferida no peito dele e estremeceu. Vic e Maxie, ainda agarrados um ao outro, ficaram por perto, enquanto Ranulf segurava seu machado no peito como se ele fosse uma criança com um cobertor seguro. Lucas parecia estar totalmente inconsciente. — O que está acontecendo? — Me ajoelhei ao lado de Lucas. — Ele está ferido? — Muito, — Balthazar disse. Mas em sua voz eu ouvi pavor. Eu disse, — Por mais que pareça terrível, por mais que eu saiba que ele está ferido ... ele vai ficar bem. — Ninguém falou nada. — Não vai? Balthazar se virou para mim, sem expressão. — O outro vampiro tinha banhado sua arma em água benta. É uma tática perigosa para nós, mas — Eu ergui uma mão; Eu não podia suportar ouvir o que vinha a seguir, e além disso, eu já sabia. O treinamento da Cruz Negra cobria a técnica, e tinha sido sussurrada por Erich no próprio sonho de Lucas — alegando que estacas banhadas em água benta poderiam paralizar e torturar um vampiro para sempre. Era como queimar eles vivos, simplesmente de dentro para fora. Eles nunca alegaram saber com certeza. Talvez não fosse assim. Mas Lucas não estava se mexendo. Ele estava preso profundamente naquele terrível, interminável fogo. Eu peguei sua mão; estava mais fria do que o usual, profundamente gelada pela neve em torno de nós. Seus dedos estavam pesados, sem resistência. — Lucas? — Eu sussurrei, mas eu sabia que ele não podia ouvir.
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O único jeito de livrá-lo de seu tormento seria decapitá-lo. Perder ele para sempre. Nas horas depois do ataque de Charity, eu tinha enfrentado a decisão de matar Lucas ou não; agora eu tinha que enfrentar de novo. Mas eu não podia. Eu simplesmente não podia. Eu apertei mais forte sua mão. Dana, que tinha começado a soluçar, ergueu a mão para enxugar seu rosto. A cabeça de Lucas, livre de seu suporte, pendeu para o lado. Sangue do corte de sua testa tinha escorrido até a sua garganta, se concentrando logo abaixo de seu pomo de Adão. Lembrou-me de como ele tinha parecido na primeira vez que eu o mordi. Sangue de vampiro, eu pensei. Durante o ritual, tinha me atraído poderosamente. Tão poderosamente como se o sangue fosse vida. Então tudo me veio de uma vez: Como beber o sangue de Lucas tinha sido parte do que manteve minha vida como uma vampira, como eu tinha me sentido mais viva do que em qualquer outro momento. Como vampiros se juntaram a vampiros para criar crianças como eu, porque fantasmas e vampiros eram duas metades de vida, capazes de juntos acender uma chama. Como o ritual de ressurreição da Sra. Bethany tinha sido designado a me destruir e me tornar um vampiro, para nos fundir em um. Como o sangue de fantasmas era venenoso para vampiros, mas seu sangue era vida para nós. Como Lucas e eu nos tornamos parte um do outro desde a primeira vez em que eu cedi ao me desejo e o mordi. Eu era Lucas, e ele era eu. E eu soube o que fazer. — Se afastem, — eu disse. Todo mundo me encarou, mas eles fizeram o que eu pedi, vacilando atrás do corpo esparramado de Lucas. Dana deitou a cabeça dele suavemente antes de ficar em pé, onde Raquel a abraçou fortemente por trás. Ranulf tinha abaixado à cabeça, e Vic, segurando a mão de Maxie, fungou que se estivesse à beira das lágrimas. Meus pais ficaram um pouco separados do restante, mas eu pude ver que a preocupação no rosto deles por Lucas era real. Alguns outros se reuniram, também — apenas um pequeno grupo de alunos, vampiros e humanos, incertos do que pensar. Skye tropeçou em nossa direção, tonta e fraca por causa da sua provação, mas não queria deixar Lucas se ele estava em apuros. Quando ela oscilou em seus pés, Balthazar rapidamente a apoiou firmemente em seus ombros.
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A neve ao redor de Lucas estava manchada com seu sangue. Novos flocos tinham começado a cair. Um vento frio passou por nós, arrepiando os cabelos dele. Eu ergui minha mão para Maxie; após um momento de confusão, ela entendeu e me entregou meu broche de azeviche, para assim eu poder estar totalmente sólida outra vez. Eu precisava daquilo agora. As bordas afiadas das pétalas das flores cortaram minha mão. Eu pensei no quanto eu amava ele, o quanto eu queria que ele fosse uma parte de mim. Eu sonhei com a riqueza de seu sangue, e como ele me fazia sentir viva. Eu me lembrei de ser um vampiro — e senti minhas presas aparecerem outra vez, afiadas contra meus lábios e lingua. O vampiro em mim permaneceu parte de mim, apesar da minha morte. Então eu me abaixei e mordi a garganta de Lucas. Sangue. Frio, mas ainda seu sangue, ainda ele. O sangue de vampiro carregava conhecimento, e então eu senti tudo que ele tinha sentido, soube tudo que ele tinha conhecido. Eu senti seu amor por mim, e seu medo, quando ele tinha estado na torre tentando me salvar. Eu vi a luta através de seus olhos, um turbilhão de lâminas, golpes, e a neve caindo. Eu engoli mais profundamente, bebendo o máximo do sangue dele quanto eu possivelmente podia, mais do que eu já tinha tomado como um vampiro antes. Ao redor de mim, eu podia ouvir vagamente alguns dos outros protestando, mas eles estavam muito distantes para eu prestar atenção. E então eu o reconheci — Lucas, seu espírito, sua alma, aqui no centro de seu ser. Bianca. Onde nós estamos? Juntos. O que está acontecendo? Eu estou bebendo seu sangue. O fazendo meu. Lucas — beba de mim. Eu pressionei minha mão contra sua boca, para que a parte macia entre o polegar e o indicador seguisse a curva de seus lábios. Confie em mim. Beba. Ele estava paralisado além da capacidade de morder, então eu pressionei a pele macia contra a agudeza de seus dentes, até que eles rompessem a pele. Eu senti a dor tão nitidamente como eu nunca tinha sentido em qualquer ferimento mortal, mas eu nunca vacilei. Sangue escorreu pela garganta dele. O que teria o queimado antes não o fez agora, porque eu tinha misturado seu sangue e o meu. Agora o
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poder corrosivo do sangue dos fantasmas não o podia tocar mais. Ele estava livre para bebê-lo. Livre pra tomar a vida. Senti-me ficando tonta à medida que o elo entre nós se aprofundava. Nós éramos um sistema agora, um ser, um fluindo dentro do outro. Quando eu cedi, senti os contornos de seu corpo tanto quanto eu senti os meus; os cortes na testa e na bochecha queimaram, e a neve estava fria embaixo. E eu soube da sua admiração enquanto ele sentia como era ser como eu — o angulo de meus membros, o gosto de seu sangue, a proximidade do meu espírito. O sangue que eu bebia começou a aquecer. É isso que significa morrer? Lucas pensou. Porque eu não estou com medo mais. Não se isso significa finalmente ficar perto de você. Eu concentrei toda minha energia nele, me direcionando a essência dele, para o rubor de seu coração. Isso não é morte. Isso é vida. Lucas ofegou sem fôlego, e eu me sentei. Seu sangue estava pegajoso em minha boca, e ele parecia mais ensangüentado do que antes, mas seus olhos estavam bem abertos. Ele respirou fundo outra vez, e outra. — O que você fez? — Balthazar disse. Raquel, se inclinando em torno de Dana, disse, — É, isso foi uma RCP de vampiros ou algo assim? Eu nunca tirei os olhos de Lucas. Os cortes em seu rosto estavam se fechando, mais rápido do que a cicatrização de vampiros, parte de sua recuperação final. Ele me encarou, obviamente fraco por causa de suas lesões, mas com um sorriso incrédulo em seu rosto. — É impossível. — Não é. — Eu comecei a rir de pura alegria. — É real. — Você está curando, tipo, loucamente rápido, mas você ainda está sangrando, cara. — Vic estendeu um pedaço de pano. — Sangrando, — Balthazar disse, sua voz afiada e urgente. Ele tinha visto agora, mesmo se ninguém mais tivesse. — Bianca, você fez. — Fez o que? — Dana disse. Eu abracei forte Lucas. Dessa vez, quando ele me abraçou de volta, ele estava quente. — Eu estou vivo, — Lucas sussurrou. — Bianca me trouxe de volta a vida.
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Todo mundo ao redor de nós começou a falar de uma vez — maravilhados ou confusos ou alegres. Dana realmente pulou no ar com as mãos acima da cabeça, um salto da vitória. Eu não prestei atenção. Tempo para explicações e comemoração mais tarde. Tudo que eu queria fazer nesse momento era ficar nos braços de Lucas, minha cabeça contra seu peito, ouvindo a batida de seu coração. Dentro de uma hora, carros da emergência começaram a aparecer — carros de policia, ambulâncias, e alguns caminhões de bombeiro, embora não restasse nada da cabana da Sra. Bethany além de cinzas ardendo. Meus pais tinham encontrado um telefone fixo lá dentro que ainda funcionava após todo esse grande negocio de congelamento e descongelamento, e eles ligaram pro 911. — A escola está morta agora, — minha mãe tinha explicado antes, enquanto Ranulf arrastava um grupo de vampiros mortos até o fogo para minimizar o constrangimento quando a lei chegasse. — Sem a Sra. Bethany, não existe a Academia Meia Noite. Esses alunos precisam ir para casa para suas famílias. — O que esse lugar vai virar? — Eu disse, olhando para as torres de pedra maciça contra as nuvens de neve no céu. — A mansão de alguém milionário, talvez. Ou o estado talvez transforme isso em alguma coisa — uma casa para pessoas com problemas. Outra escola. — Minha mãe sorriu gentilmente para meu pai. — Ainda bem que nós nunca vendemos o Arrowwood, hein? — Nós não podemos voltar lá, — ele corrigiu. — As pessoas que se lembrar de nós vão saber que nós parecemos muito novos. — Eu sei, querido. Eu tenho feito isso há um tempo, também, lembra? — Ela o cutucou, carinhosamente provocando. — Mas nós podemos vender a casa agora, e usar o dinheiro para ir para outro lugar. Ele colocou um braço ao redor dos ombros dela. — Saudades da Inglaterra? Mãe se iluminou, e eu suspeitei que a nova casa deles seria em algum lugar perto da amada Londres. Mas ela permaneceu focada em mim. — E você, Bianca? — Vou ficar com Lucas, — eu disse, — mas não importa agora onde eu fique. Eu posso estar com vocês em um piscar de olhos. Então
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nós vamos nos visitar o quanto quisermos. Não existe tal coisa como estar longe de vocês, não mais. Ela se curvou um pouco. — É tão injusto. Que você pode dar vida a alguem, mas você é um fantasma para sempre. — Mãe, está tudo bem. — Eu estive pensando nisso por dias, e depois dos eventos surpreendentes de hoje à noite, eu finalmente soube o que eu queria dizer a ela. — Pare de pensar que algo terrivel aconteceu comigo, ok? Vocês, todas as pessoas, deveriam perceber que a morte não é o fim. Além disso — eu fui designada a ser um fastasma. Eu sinto isso agora. Esses poderes, essas habilidades — eu já não posso imaginar não ter eles. Esse é meu destino. Isso é o que eu devo ser. — Após um momento de pausa, eu adicionei, — E é divertido. Ambos meus pais começaram a rir, e me puxaram em seus braços para um abraço forte, Enquanto os policiais continuavam a pegar depoimentos extremamente confusos de vários estudantes, e um muito cuidadoso depoimento de Lucas, as luzes vermelhas e azuis de seus veículos giravam ruidosamente, fazendo a neve ficar de diferentes cores. Vic e Ranulf ajudaram Skye descer os degraus da frente de Meia Noite; eu pude ver que ela continuava a tremer, e era desajeitado quando ela tentava lidar com uma mochila tão grande quanto ela. Quando eles passaram por nós, eu a ouvi dizer, — Vampiros e caçadores de vampiros e fantasmas — e eles todos estão em guerra? — Exceto a presente companhia, — Vic disse, com um sorriso por cima do ombro. Eu podia sentir que Maxie pairava ali, perto do seu lado. — Sabe, se você me perguntar, esse não deviam ser os lados. Ao contrário, deveria ser o normal, pessoas incriveis contra as pessoas loucas. Muitas pessoas e vampiros e fantasmas em ambos os lados dessa esquação, sabe? — Nós estamos entre os incriveis, — Ranulf disse solenemente. — O que você disser. — Skye pareceu muito como se ela quisesse ficar muito longe de qualquer coisa sobrenatural e tirar uma soneca. Eu não podia culpar ela, mas eu não queria deixr ela ir sem dizer obrigada. — Skye, — eu chamei enquanto andava. Ela me olhou cansadamente. — O que você fez aqui — eu serei sempre grata. Eu e Lucas, ambos. — Lucas salvou a minha vida, — Skye disse. — Eu queria ajudar ele, o
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que significou ajudar você. E, como eu disse, eu iria querer que alguém fizesse isso por mim. A voz dela estava tão cansada, e seus olhos permaneceram assombrados. Escolhendo minhas palavras com cuidado, eu disse, — Eu possuí você por um bom tempo, e algumas coisas sobrenaturais intensas estavam acontecendo. Você tem certeza de que você está bem? A expressão de Skye endureceu. — Eu vou ficar bem assim que eu sair daqui. — Ela respirou fundo. — Diga a Lucas que eu estou feliz por você. E... Diga a ele — adeus. — Então ela marchou através da neve até o carro da policia sem olhar para trás. À distância, eu vi Balthazar parado longe de todo mundo. Eu andei através da neve para o lado dele. O casaco de meu pai estava tão largo em meus ombros que eu senti como se eu estivesse usando uma capa. Balthazar não se virou quando eu me aproximei, mas quando eu o alcancei, ele disse, — Alguém vai ter que tomar conta dos estábulos. Eu segui o seu olhar para o estábulo da escola, onde alguns estudantes tinham mantido suas apreciações por andar em cavalos. — Eu não tinha pensado nisso. — Eu vou lá essa noite, me certificar de que os cavalos estão alimentados e aquecidos, — ele disse quietamente. — Os donos deles vão vir por eles cedo, provavelmente, mas eu vou continuar checando. Oh, aliás, enquanto nós estávamos procurando por você hoje — eu peguei isso. — Do seu bolso, Balthazar retirou minha pulseira prata de coral e a deixou cair na minha mão. — Estava debaixo da cadeira-puff. Eu acho que a Sra. Bethany escondeu lá quando ela a substituiu pela armadilha. — Obrigada, — eu disse, mas não era o bastante. Palavras não ditas pairaram entre nós, e eu soube que nós tínhamos que lidar com isso imediatamente. — Eu bebi o seu sangue, também, — eu disse. — O que eu fiz por Lucas — à volta a vida — isso pode funcionar para você. Se você quiser. Beber o sangue de alguém era um ato profundamente intimo, e por qualquer outra causa, eu nunca teria oferecido; seria como trair Luca. Mesmo assim eu sabia que Lucas nunca iria negar Balthazar à chance de viver outra vez. Para minha surpresa, Balthazar balançou a cabeça. — Não. Não há garantia que funcionaria, e se não, eu estaria envenenado.
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— Vale tentar. — Não funcionaria. — Seus olhos se estreitaram quando ele olhou para o horizonte, como se ele estivesse cego pela luz da lua na neve. — O que aconteceu hoje a noite — não era sobre sangue. Era sobre o laço entre vocês. Vocês dois são parte de um inteiro. Isso é algo que você e eu nunca fomos. Pousei minha mão em seu ombro. — Balthazar, eu sinto muito. Ele deu de ombros. — Eu não estou pior do que eu estava antes. E — eu estou feliz por Lucas. Sério. Rapidamente eu fiquei na ponta dos pés para beijá-lo na bochecha. Balthazar sorriu para mim, mas eu podia dizer que ele queria muito ficar sozinho. Então eu voltei para ajudar com a limpeza, e torci para que a polícia acreditasse na nossa versão dos eventos. Eles iriam, é claro. Ia ser muito mais fácil para ele acreditarem que uma encanação quebrou e inundou a escola, criando gelo em uma noite fria e causando um curto-circuito na energia da cabana para começar o incêndio. Porque eles iriam algum dia acreditar em alguns adolescentes em pânico tagarelando sobre fantasmas? Não se podia prever com precisão como os relatórios finais oficiais ficariam, mas eu sabia como eles iriam terminar: com a confirmação que a Academia Meia Noite não existia mais. Em torno do amanhecer, Raquel e Dana nos levaram todos para a cidade onde elas viviam. Embora o hotel delas fosse tudo menos elegante, estava limpo e seguro, e havia toneladas de vagas. Se o cansado casal que comandava o hotel ficou confuso por de repente dar entrada em sete convidados às duas da manhã, eles não disseram nada. Meus pais também não disseram nada quando eu fui pro quarto de Lucas com ele. Minha mãe até checou o curativo de Lucas antes de nós irmos e ela disse a ele para por Neosporin de manhã. Ele engoliu em seco quando ele acenou com a cabeça, e eu sabia que ele estava sentindo falta de sua mãe, e do jeito que ela tinha se preocupado com ele. Mamãe e papai provavelmente pensaram que nós iamos simplesmente cair nos braços um dos outro. Eu gostei da ideia, mas eu sabia qe Lucas e eu tinhamos que tomar muitas decisões essa noite — decisões que iam definir todo nosso futuro.
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Quando nós estavamos sozinhos no quarto, eu o ajudei a tirar sua jaqueta e camisa. Qualquer movimento o fazia estremecer. Eu disse, — Sabe... Agora que você é humano outra vez… se você quiser ligar para Kate... — Não quero. — Ele me olhou, e embora seus olhos estivessem tristes, eu sabia que ele realmente falava sério. — Eu ainda amo minha mãe. Eu sempre vou. Mas eu sei agora, que ela tem… Limitações. Ela não pode ver através de seu medo. Não existe jeito de ela ser parte de nossas vidas. Talvez algum dia, eu possa — eu não sei, a deixar saber o que aconteceu. Seria uma sobrecarga pra mente dela, saber que eu me transformei de volta. Mas eu nunca vou ver ela de novo. Eu sentei na cama do hotel perto dele. — Você está triste? — Não. Eu sabia que nós nunca estaríamos juntos outra vez faz um tempo. — Ele colocou a mão na curva da minha mandíbula e sorriu. — E como eu poderia estar triste hoje? Deus, Bianca, você é um — milagre. Eu peguei suas mãos nas minhas. — Você está vivo outra vez, — eu disse, minha voz tremendo. — Você pode ter qualquer tipo de vida que você quiser. Então eu só quero que você saiba que você é livre, ok? Você é livre para tomar suas próprias decisões. Mesmo se — mesmo se isso significa me deixar. — O que? — Lucas me encarou como se ele não pudesse acreditar em uma palavra do que eu disse. — Porque eu sequer iria querer te deixar? — Você não tem que lutar com vampiros ou fantasmas mais. Você me disse o quanto você sempre quis uma vida normal, e agora você pode ter uma. Lucas, você poderia ir ao colégio, como você costumava sonhar. Conhecer alguma garota que esta viva e bem e nunca — nunca teve que atacar ninguém, ou aprender a matar. — Eu não podia olhar em seus olhos mais. — Algum dia você poderia se casar. Ter filhos. É algo que eu nunca posso te dar. Lucas me encarou, chocado no silêncio. Ele tinha que estar pensando no que eu tinha acabado de dizer. Eu não esperava que ele concordasse imediatamente, mas ele tinha que ver a verdade disso em alguma posição. Dado tempo, ele iria escolher cumprir seu mais antigo sonho: viver como as outras pessoas viviam. Ter uma casa, um emprego, uma família. Por de lado as antigas batalhas para sempre. Então ele disse, — Como você sabe?
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— Como eu sei o que? — Que nós não podemos ter filhos. Isso me pegou desprevenida. Honestamente, eu nunca tinha pensando que eu seria capaz de ter filhos; a maioria dos vampiros nunca teve, meus pais eram uma rara exceção. Tornar-me um fantasma só tinha confirmado essa impossibilidade. — Lucas, eu estou morta. — Seus pais também estavam. — Eu não tenho um corpo. Ele pegou meu rosto em suas mãos, tão ternamente que me fez tremer. — Pra mim parece que você tem um. Eu poderia ter um corpo se eu quisesse um, não podia? Não parecia ter algum limite, de quanto tempo eu podia mate-lo. — Nós não sabemos se isso é possível, — eu protestei. — Nós não podemos ter certeza. — Isso significa que nós não podemos ter certeza de que é impossível também. — Lucas sorriu para mim, seus olhos verde escuro brilhando. — Bianca, antes de hoje à noite, ninguém nunca sonhou que você seria capaz de me trazer de volta a vida daquele jeito. Você fez aquilo acontecer. E agora nós acharemos um jeito. Eu não estou falando sobre crianças, ou pelo menos não só sobre crianças. Eu digo, não importa o que está à frente de nós. Nós faremos isso funcionar. Porque eu te amo muito pra te deixar ir. Alegria me percorreu. — Tem certeza? — Você tem? — Por um momento, hesitação cintilou em seu rosto. — Você é a criatura sobrenatural mais incrível do mundo, e eu só sou um cara que vai envelhecer eventualmente. — Vou fazer meu cabelo ficar branco para combinar com o seu, — eu prometi. — E vou adicionar rugas quando você tiver. — Eu não sabia que eu podia sentir como se estivesse chorando e rindo ao mesmo tempo. — Mas, Lucas — e sobre ter uma vida normal? — Esqueça o normal. — Ele sorriu. — Nós vamos ser extraordinários. Nós nos beijamos, e pela primeira vez desde que eu havia mudado, não havia nenhuma barreira entre nós, nenhuma hesitação.
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Evernight
Livro 4
E acontece que, com um pouco de concentração, eu não tinha mais que tirar minhas roupas. Se eu quisesse que elas não tivessem mais lá, elas não estavam, de modo que apenas a minha pulseira prata de coral brilhou no meu pulso. Eu me senti diferente, estando com ele agora que ele estava vivo e eu não. De alguma forma, isso pareceu ainda melhor. Quando nós estavamos juntos, eu podia sentir tudo que ele sentia, estar consciente de seu prazer junto com o meu. E seu toque não era mais uma simples conecção de nervos e neoronios, não mais criando uma mera resposta física. Ao invés, eu senti seu toque como era — uma expressão do amor entre nós — e aquilo me excitou como nada nunca fez ou poderia. — Bianca, — Lucas sussurrou contra meu pescoço, sua respiração quente outra vez, o cheiro de sua pele outra vez ao meu redor. — Você é minha vida. — E você é a minha. — Era verdade. As batidas de seu coração, seus músculos, tudo que fazia ele humano ressoava dentro de mim tão forte quanto minha própria vida um dia o fez. Dentro de mim eu segurava tudo que era incrível em ser sobrenatural, e tudo que tinha sido incrível em estar vivo. Isso era o que significava estar ancorado — ser amado. Mais tarde, quando nós estávamos emaranhados um no outro, Lucas penteou meu cabelo com os dedos. Enquanto ele encarava o teto, disse, — Somente uma coisa me incomoda. — O que? — A única coisa que eu não gosto sobre o que significa ser mortal — eu tenho que te deixar. Não até o fim da minha vida, e acredite em mim, eu pretendo viver um longo tempo, mas mesmo assim. É aonde chegaremos, um dia. Uma pontada aguda me fez abraçá-lo mais forte. — Vamos encarar que o tempo vem. Se eu sou capaz de ter os próximos cinqüenta ou se senta anos com você — se nós podemos ficar juntos e felizes pela sua vida inteira — então é o que eu quero. Eu prefiro chorar quando eu te perder a não estar com você nunca. Lucas me beijou profundamente, então me envolveu em seus braços. — Então é o que iremos fazer.
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Evernight
Livro 4
— E você? — eu sussurrei. — Eu sei o quão feliz você está em estar vivo de novo, mas... Você ia viver para sempre, e agora você não vai. Você perdeu sua imortalidade. Isso é estranho? — Eu nunca vou morrer, — ele disse. Antes que eu pudesse protestar, Lucas colocou dois dedos nos meus lábios. Seu sorriso gentil pareceu preencher o quarto com luz e eu percebi que ele estava dizendo um tipo mais profundo de verdade que eu jamais conheci antes. — Você vai viver para sempre, e ser lembrado por você é a única imortalidade que eu um dia vou precisar. Se eu somente viver como parte de você, — Bianca, essa é minha idéia de céu.
Fim
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