COSTURAS URBANAS | da fragmentação à articulação do território

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COSTURAS URBANAS



JULIA DE ANDRADE REIS

C O S T U R A S

U R B A N A S

DA FRAGMENTAÇÃO À ARTICULAÇÃO DO TERRITÓRIO

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie sob orientação do professor Marcos Carrilho, para obtenção do título de arquiteto e urbanista.

SÃO PAULO 2013



Guilherme Motta, pelas discussões e estórias; Marcos Carrilho, pela orientação; Abílio Guerra e Marta Bogéa, por aceitarem o convite; Julia Machado e Maria Claudia Levy, pela união e pelos sonhos; Anna, Aline, Carolina, Daniela, Marcella, Lucas, por todos esses anos; Luiza, Mariana, Marjorie, Marina, Isabella por me esperarem; Aos colegas da prefeitura, pela compreensão; Ko e Edson pelas boas referências; Ao APE, por me incentivar à reflexão; Minha mãe, Marina, por me ajudar com as decisões e mudanças e assim me ensinar sobre a vida; Meu pai, Fernando, pelo enorme apoio e força de sempre, que me fazem seguir; Minha irmã, Paula, pelas dicas; Minha vó, Marina, pelo carinho e por me introduzir ao paisagismo; Minha tia, Cecília, por um dia me ter dito que para escrever era preciso primeiro saber o que se queria dizer; Ruth, por me encorajar à criação; Simón Fique, por estar junto, mesmo que longe; Todos os outros que fizeram parte desse trabalho,

OBRIGADA



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INTRODUÇÃO

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P A R T E I . INFRAESTRUTURA

017 018 018 022

1. DEFINIÇÃO 1.1 Etimologia 1.2 Meio 1.3 Estrutura 1.4 Superestrutura

045 051

2. CONCEITUAÇÃO 2.1 Permanência e identidade 2.2 Velocidade e atrito (tempo) 2.3 Escala Metropolitana e Escala Local (espaço) 2.4 Não lugar 2.5 Pontos de contato

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P A R T E I I . CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO

060 061 063 064

1. URBANIZAÇÃO 1.1 Espaço produtivo 1.2 Expansão viária 1.3 Espaço fragmentado 1.4 Industrialização

068 074

2. TRANSPORTE 2.1 Transporte sobre trilhos 2.2 Transporte sobre pneus

027 029 039


3. MIGRAÇÃO DA INDÚSTRIA 083 3.1 Migração 088 3.2 Vazios 095

PARTE III . PÁTIO BRESSER

1. TEMPO 097 1.1 Descaracterização e legado 102 1.2 Mudança de Paradigmas 2. ESPAÇO 107 2.1 Infraestrutura e escala urbana 115 2.2 Infraestrutura e projeto urbano 117 121 125 141 159

3. PROJETO URBANO 3.1 Premissas 3.2 Demanda 3.3 Proposta 3.4 Circulação e Articulação 3.5 Módulo e Transposição

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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BIBLIOGRAFIA | CRÉDITOS IMAGENS

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ARQUIVO




INTRODUÇÃO O ato de percorrer uma metrópole como São Paulo, implica vencer suas barreiras. Cruzar avenidas, subir escadas, ladeiras, descer, correr, pegar o metrô, transpor um rio, esperar, embarcar num trem, pegar um onibus, chegar.

Eixos de comunicação de grande porte, proporcionais à escala da metrópole, percorrem todo o território. Correm, voam, transpassam, submergem, ignoram os lugares que atravessam. O movimento em detrimento do atrito, do local, do encontro.

Em meio a tantos desafios torna-se necessário encontrar maneiras de resgatar aquilo de fundamental: as relações. O contato se transforma em elemento de valor dentro de uma sociedade que vive no intervalo entre um lugar e outro, um compromisso e outro. Assi, como identificar e potencializar os pontos de contato? Em um primeiro momento, nos aproximamos do conceito de infraestrutura, uma forma de nos familiarizarmos com o tema, que me parece ser o cerne da discussão. A infraestrutura como meio, como estrutura e como superestrutura. Logo, busca-se uma análise do crescimento e desenvolvimento da metrópole de São Paulo a partir da ótica do território. Passamos a entender a formação da cidade a partir de um olhar sobre os grandes pilares de estruturação da metrópole, dentre eles o processo de industrialização, a implantação da ferrovia e a expansão do sistema viário. Recorremos aqui a projetos que negam, afirmar ou procuram maneiras de trabalhar melhor uma lógica progressista e rodoviarista, herança do final do século XX.

O pátio ferroviário, alem de servir como palco para um projeto que traz possíveis soluções para as questões abordadas no primeiro e segundo capítulos, funciona como um pretexto para um aprofundamento maior do tema das infra estruturas de circulação e seus vazios derivados. Um estudo de caso que procura desenvolver um debate em torno do tema da fragmentação do espaço e possíveis maneiras de reverter esse quadro, através da articulação do território, ou das aqui nomeadas: costuras urbanas.





I

INFRAESTRUTURA


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“La organización de La economía y de la sociedad (como dominios que se influyen mutuamente) es lo que primero inventó y ahora conduce y deforma a las constelaciones concretas que llamamos ciudades. Ambas son el “ADN” de la ciudad, su armazón, su estructura última. Tal vez las infraestructuras, más que ninguna otra cosa, constituyen el elemento histórico de las ciudades, son predominantemente sus motores de cambio.” Rem Koolhaas




1 Definição 1.1 ETIMOLOGIA

ACIMA: OMA, EURALILLE: CENTRE INTERNATIONAL D’AFFAIRES, LILLE (FRANÇA), 1996. ABAIXO: CRISTINA DÍAS MORENO, EFRÉN GARCÍA GRINDA, CONCURSO INTERNACIONAL DE IDEAS: MAR ARTIFICIAL (1º PREMIO), NUDO SÚPER-SUR DE LA M-40, 1998.

Infraestrutura no sentido etimológico da palavra, como apresentado no dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é construída por “infra” + “estrutura”. O prefixo infra tem o sentido de “abaixo, em baixo, em posição inferior”, enquanto estrutura, “organização, disposição e ordem dos elementos essenciais que compõem um corpo, e cujo prefixo vem do verbo latino struo, que significa “dispor em pilhas, empilhar, reunir, ajudar, amontoar, criar, construir, erguer”. Nesse mesmo sentido, o dicionário Aurélio nos oferece duas outras significações para a mesma expressão: 1. parte inferior de uma estrutura. 2. Base material ou econômica de uma sociedade ou de uma organização. [BRAGA, 2006:173] É a partir dessa acepção do termo, que esse trabalho vai se desenvolver, procurando contemplar primeiro, em um olhar mais amplo, algumas de suas possíveis interpretações para logo se aprofundar na infraestrutura de expressão espacial, que ostenta uma presença significativa sobre o espaço construído da cidade, mais especificamente a infraestrutura de circulação e transporte.

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1.2 MEIO

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No sentido clássico da palavra, infraestrutura pode ser entendida como “conjunto de instalações e meios prévios para o funcionamento de uma atividade” [SUMMER, 2002: 21]. Estradas, aquedutos, canais, pontes, diques, obras de saneamento, ferrovias, estações. Desde os primórdios da história, as atividades básicas à vida do cidadão sempre dependeram, de um modo ou de outro, de uma rede de sistemas infraestruturais. Infraestrutura entendida nesse caso, como o suporte físico de um determinado serviço - urbano ou não. No contexto urbano, pode então ser distinguida das demais estruturas da cidade, por seu caráter de elemento formador do território, sendo em si a base para que os eventos de um determinado lugar aconteçam. E, portanto, como bem observa Braga, “não são atividade com uma finalidade em si, mas sim o meio para que as atividades fim urbana possam ser desenvolvidas”. [BRAGA, 2006:133]

1.3 ESTRUTURA

No contexto da metrópole, as redes de infraestrutura desenvolvem papel importante no sentido de organizar os sistemas e subsistemas urbanos, estruturando o território

▲ INFRAESTRUTURAS COMO MEIO OU SUPORTE PARA AS ATIVIDADES.

▼ AQUEDUTO DE SEGÓVIA.

CONSTRUÍDO DURANTE OS SECULOS I E II d.C.


da metrópole e os serviços básicos de uma cidade. Devem ser entendidas também como elemento “agregador”, uma vez que são peças fundamentais na conectividade e inter relação entre as partes da cidade, evitando assim a não desejada fragmentação do espaço urbano em zonas desconexas. “A hipótese de que as grandes infraestruturas urbanas ganharam a prerrogativa de funcionar como elemento “agregador” do território metropolitano torna-se evidente. Deixando de ser apenas “redes abstratas que enfeixam conexões funcionais”, a infraestrutura urbana contemporânea cumpre a função básica de organizar os sistemas e subsistemas urbanos, estruturando a metrópole, garantindo as continuidades ameaçadas pela fragmentação e organizando os fluxos que evitam a dispersão funcional.” [MEYER, 2004: 8]

Ao deixarem de ser “redes abstratas que enfeixam conexões funcionais”, devem atuar então como uma malha, que ordena e atribui sentido a uma série de volumes favorecendo a interconectividade e a continuidade dentro do sistema. Esse conjunto superposto de tramas que se articulam sobre o território são capazes de qualificar determinados espaços, da mesma maneira que negam outros. [PORRAS, Dicionário Metápolis de Arquitectura Avanzada, 2000: 385]. A maneira como é organizado o sistema viário sobre o tecido urbano, vai determinar a valorização social, econômica e histórica de certas edificações ou lugares em detrimento de outros, aos quais já não é possível atribuir caráter identitário, relacional ou histórico , e que se transformam nos chamados não-lugares. [AUGÉ, 2007: 75]

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Possuem, dessa forma, uma lógica de natureza muito mais flexível e infraestrutural que pura e rigidamente estrutural. Esse traçado permite em certa medida, algumas deformações capazes de articular e acolher transformações tanto do território em si ou das atividades que ali acontecem, como possíveis mudanças externas que afetem aquele sistema. A malha contemporânea, formalmente mais espontânea, passa a ser então muito mais maleável que a retícula moderna.

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Colocando em cheque a questão “Como construir uma cidade?”, Rem Koolhaas apresenta no capítulo introdutório de Mutaciones, as instruções básicas para instalação e configuração de uma cidade – uma espécie de jogo baseado no sistema operativo da cidade romana.[trabalho de autoria de alunos de Harvard – PG 14] Como instalações básicas de implantação, pressupõem-se: edifícios, monumentos, comércio, serviços e infraestrutura. E, como infraestrutura, pontua: o aqueduto, as vias e os limites. “El acueducto: es el sistema infraestructural que se usa para El transporte y La distribución del agua. Las vías: son la red de rutas de pavimentos de piedra que conectan las ciudades entre sí y con Roma. Las vías tienen de 4 a 6 metros de anchura y posibilitan la actividad comercial a gran escala. También permiten un eficiente (y regulado) flujo de productos comerciales, esclavos, animales y correo. Los límites: son un sistema de bordes. Los límites pueden ser murallas (como el caso de Britannia y

▼ ESQUEMA DE UMA CIDADE ROMANA, ELABORADO POR REM KOOLHAAS COM SUAS PRINCIPAIS FUNÇÕES E ATIVIDADES.


algunas zonas de la Europa del Norte) o zanjas como en el caso de Germania. Los límites pueden utilizarse como fortificación para la exclusión de los invasores bárbaros, aunque es más común que los bordes sirvan como reguladores del comercio, controlando el flujo de bienes que entran y salen del Imperio. A escala urbana, las murallas romanas también sirven como contenedores, estableciendo la cualidad de interior de la ciudad.” [KOOLHAAS, 2000:15]

Entendendo primeiro o aqueduto e as vias como elementos chave da vida dentro do centro urbano, como meio utilizado para o transporte e a distribuição de água, pessoas e atividades, respectivamente, introduz em seguida a função dos “limites”, deixando claro dessa vez a importância de tais elementos na estruturação e delimitação daquele espaço, assim como seu caráter poroso, capaz de regular as trocas entre o interior e o exterior. As vias, dessa maneira, entram também nesse grupo, regulando a circulação e o fluxo de pessoas e mercadorias de acordo com a largura da faixa de pavimentação. Um pouco mais adiante no texto, ao ditar os princípios básicos de funcionamento de cada elemento da cidade, coloca as infraestruturas dentro da categoria conexão: “Usa los elementos infraestructurales estándar (acueductos, vías y limites) para establecer conexiones entre ciudades. Es importante recordar que el espacio entre las ciudades puede ser tan dinámico como el espacio interior del contenedor de cada generici(u)dad. Programando el espacio entre ellas, no sólo puedes activar tu generici(u)dad sino que también tienes la oportunidad de configurar un sistema en movimiento constante.” [KOOLHAAS, 2000: 18]

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Conexão então como aquilo que articula territórios, “configurando um sistema em movimento constante”. De novo, nos é apresentado com clareza o valor das infraestruturas na coesão daquele espaço, capaz de interconectar áreas dispersas em um vasto território como a paisagem romana em questão.

1.4 SUPERESTRUTURA

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Outra interpretação possível seria o contraponto entre infraestrutura e superestrutura. De novo, recorremos ao dicionário Houaiss para melhor entendimento dos termos aqui destacados. Infraestrutura n substantivo feminino 1 suporte, ger. escondido ou invisível, que é base indispensável à edificação, à manutenção ou ao funcionamento de uma estrutura concreta ou abstrata, visível ou percebida racionalmente Superestrutura n substantivo feminino 1 construção que se sobrepõe a outra 2 Rubrica: engenharia, tecnologia. parte de uma construção situada sobre o solo, em nível Ex.: viadutos são s. da rede viária 2.1 conjunto de obras executadas acima da terra Ex.: s. de uma ponte


Ambas definições, apesar de um tanto restritas, nos ajudam a entender algumas questões e levam o leitor a uma análise do termo por outra perspectiva, num sentido muito mais físico e material, e menos abstrato. Enquanto infra-estrutural, no sentido literal da palavra portanto, se opõe a idéia de super-estrutural, aquilo que está sobre, é interessante notar que grande parte das infraestruturas se encontram acima do nível do solo, tendo ainda, muito freqüentemente, profundo impacto visual no cenário onde se situa, de maneira que já não é possível desassociar um termo do outro.

FOTOGRAFIAS AÉREAS DE CASSIO VASCONCELLOS, GRANDE SÃO PAULO. ▼ SUPERPOSIÇÃO DE VIADUTOS

EM OSAKA, JAPÃO.

Tomando os itens 1 ( construção que se sobrepõe a outra) e 2.1 (conjunto de obras executadas acima da terra), constatamos que esse sentido poderia ser atribuído também às infraestruturas, que sobrepõemse em camadas sobre os tecidos urbanos existentes, criando uma multiplicação de tramas de tipos variados que se apóia sobre o território construído. Tal análise nos leva a crer que hoje, as infraestruturas adquiriram um caráter que se aproxima das superestruturas pelo impacto físico e material que causam onde são implantadas. Nesse sentido, é justamente essa interface entre infraestrutura e arquitetura ou ambiente construído, de que vamos tratar ao longo desse trabalho. Vale notar ainda que, com o advento das novas tecnologias informacionais, o sentido da palavra se expandiu, e as infraestruturas não mais se referem apenas a sistemas físicos, como também às chamadas “redes virtuais”. O mundo globalizado contemporâneo tornou mais complexo o quadro das infraestruturas com suas redes de telecomunicação, sistemas telefônicos, antenas de televisão, redes de satélite e internet etc.

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“Se pode dizer que hoje as infraestruturas possuem uma pequena parte de todas as coisas: é a expressão sistêmica do capital, do dinheiro negro, das taxas de juros, dos instrumentos de crédito, dos acordos comerciais, das forças do mercado e das instituições que o apóiam; é água, combustível e reservas elétricas, rotas e níveis de abastecimento; é mutação geográfica e migração, redes de satélites e loterias, logística e coeficientes de abastecimento, computadores de tráfego, aeroportos e eixos de distribuição, técnicas cadastrais, rotinas jurídicas, sistemas telefônicos, (...), prisões, metrôs, auto estradas e suas conexões, bibliotecas e aparatos de monitorização meteorológica, redes de coleta de lixo e reciclagem, estádios esportivos e as instalações para o processamento e envio de informação que operam os estacionamentos; grupos escolares e máquinas ATM; (...) nós e redes ferroviárias, programação televisiva, sistemas inter estatais, portos de entrada e os bens públicos e agências associadas a eles (...); programas de manutenção das estruturas civis, logaritmos epidemológicos, sistemas de conexão por cabo (...), infraestruturas de internet, normas sobre armas de fogo, silos e depósitos de água, procedimentos de ocupação militar, esquemas de iluminação de ruas e auto estradas; em uma frase, a infraestrutura afeta os regimes de cálculo técnico de qualquer tipo.” [KOOLHAAS, Mutaciones, 2000: 495-497]

As interpretações são inúmeras e as classificações várias. Com objetivo de simplificar essa gama tão ampla, geralmente recorre-se a uma divisão em subsistemas menores, sendo estes: subsistema de circulação, de drenagem pluvial, abastecimento de água, esgotos sanitários, energético e comunicações. Dessa maneira, tendo explorado (conhecido) em linhas gerais algumas das leituras relativas ao termo, pode-

▲ REDES DE ALTA TENSÃO,

VIADUTOS, CANAIS DE ABASTECIMENTO E MÁQUINAS ATM.


se dizer que esse trabalho propõe um olhar sobre as infraestruturas fundamentalmente como (1) meios viabilizadores dos serviços e atividades, (2) elementos estruturadores do território e (3) superestruturas, pela sua materialidade na paisagem que permite o dialogo com a arquitetura, e que o enfoque eleito incide precisamente sobre o subsistema de circulação.

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2 Conceituação 2.1 PERMANÊNCIA E IDENTIDADE

“No caso específico de São Paulo, cidade reconstruída três vezes sobre si mesma ao longo do último século, as marcas configuradas pelo sistema infraestrutural são dos poucos registros que resistem à velocidade de substituição das construções tornadas diminutas diante do expressivo crescimento da metrópole. Essas infraestruturas trazem um valor de permanência decorrente de um primeiro atributo, encontrado na sua capacidade de servir de referência para ações presentes e futuras.” [FRANCO, 2005:108]

Como bem observa Franco, as infraestruturas são um dos elementos de maior perenidade de uma aglomeração urbana. Construídos como suporte de toda a estrutura básica da cidade, tendem a ter longa permanência no tempo, devido ao alto custo para serem erguidas e grande dificuldade de transformação e adaptabilidade técnica. Por serem também fundamentais para a existência das construções e atividade a que servem, uma vez constituída, sua permanência acaba sendo justificada ou mesmo exigidas pelas mesmas. São a base de serviços de uma cidade que não podem ser interrompidos, de

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maneira que quando necessário tendem a sofrer alterações e adaptações mais conjunturais e menos estruturais. Tornam-se perenes assim, justamente por sua condição de meio. [BRAGA, 2006:175] Essa concepção se aproxima do conceito de rugosidade definido por Milton Santos ao analisar o espaço como testemunho dos modos de produção pela memória do espaço construído. “O estudo da paisagem pode ser assimilado a uma escavação arqueológica. Em qualquer ponto do tempo, a paisagem consiste em camadas de formas provenientes de seus tempos pregressos. (…).” [SANTOS, 1992: 55]

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Rugosidade é então aquilo que “fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as cosias se substituem e acumulam em todos os lugares.” [SANTOS, 1999: 113] O elemento rugoso é então aquele que vai ser facilmente lido, através do tempo, no cenário de cada lugar. O espaço urbano anseia por elementos legíveis que orientem o habitantes que dele usufruem. Santiago, no Chile, assim como Bogotá, na Colômbia, tem as montanhas como elementos conformadores do território e ao mesmo tempo norteadores dos deslocamentos. No caso colombiano, por exemplo, é possível saber se estamos indo no sentido correto de uma via, simplesmente ao observar a localização da cordilheira à leste ou à oeste. Ao mesmo tempo que orientam, esses elementos dão unidade ao lugar e lhe atribuem identidade. É fácil identificar a cidade do Rio de Janeiro, ao observar uma imagem do Pão de Açúcar, por exemplo.

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PROJETO ESPECIAL DESENVOLVIDO DURANTE O ARTE CIDADE ZONA LESTE EM 2002, POR RICARDO RIBENBOIM E LULI HUNT. ATRAVÉS DA PINTURA DOS VAGÕES, BASEANDO-SE NAS EXPERIÊNCIAS SEMELHANTES DESENVOLVIDAS PELA VANGUARDA RUSSA, O TREM PASSA A ORGANIZAR AQUELE ESPAÇO E TORNA-SE UM ELEMENTO DOADOR DE IDENTIDADE.


Em São Paulo, particularmente, onde as referência visuais naturais são, de certa forma, menos evidentes, as redes de infraestrutura tornam-se elementos importantes capazes de referenciar o espaço da metrópole. Milton Braga defende a idéia de que as linhas da CPTM são medidoras da dimensão da mancha urbana de São Paulo, na medida em que cada uma atravessa a cidade diametralmente. Mas, ao nortear, essa presença nos consome. Sua materialidade torna-se muitas vezes, agressiva, violenta e impositiva. Instalações e circuitos passam a ocupar uma parte significativa da paisagem das metrópoles e grandes centros urbanos. Principalmente a infraestrutura de circulação, mas não somente, tem cada vez mais adquirido uma presença impactante sobre o cenário urbano e sobre as pré existências.

2.2 VELOCIDADE E ATRITO (TEMPO)

“Ora, se a vida de um organismo depende da circulação dos elementos que o compõem – a natureza oferece de bandeja uma metáfora –, entender o modo da circulação e suas conexões é necessário para que se compreenda esse organismo como um todo. Suas partes não podem ser entendidas como partes isoladas, mas como partes articuladas por sistemas.” [BOGÉA, 2006: 156]

A multiplicação dos eixos de circulação e transporte em redes cada vez mais complexas, responde proporcionalmente ao simples fato de que o ser humano precisa se deslocar. Sabemos que as conexões são parte elementar

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no funcionamento de uma cidade e elemento de valorização de um território. “Assim, a habitabilidade é hoje pautada pela conexão, amparada em deslocamentos. Uma evidência disso é que interromper as conexões físicas ou virtuais significa interromper o curso esperado das dinâmicas nas cidades. Marc Augé comenta as operações de bloqueio de tráfego: Con una intuición notable, los manifestantes golpean hoy a la sociedad en su punto débil y vital: nos referimos a las “operaciones caracol”, barreras en las autopistas que buscan ralentizar o bloquear la circulación. Interrumpir el tráfico para hacerse oír: la interrupción del espacio público en la materialidad del no-lugar .

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Seja como impedimento, seja como transgressão de acesso, o que esses movimentos indicam é que pertencer e ocupar o território implica a consciência, hoje ainda mais evidente, de que é a circulação que vitaliza o pulso e a existência das cidades.” [BOGÉA, 2006: 152]

Da ligação entre os pontos e do movimento entre eles dependem então as atividades e serviços de um meio urbano. Nossos trajetos são subordinados aos pontos. Nos movemos de um ponto ao outro.

IMAGENS DO PROJETO KINOTREM REALIZADO DURANTE O ARTE CIDADE DO MESMO ANO.

Nas metrópoles, o movimento exige velocidade. A velocidade, por sua vez, esvazia o espaço por onde passa. O atravessar em detrimento do adentrar. Um incessante ir e vir no qual o objetivo é atingir um determinado lugar, e já não depende portanto do espaço entremeio, que torna-se fugaz na medida em que surge e desaparece sendo dificilmente apreendido.



Ao embarcarmos em um trem em alta velocidade, o caminho torna-se difuso, a paisagem se dissolve, nos afastamos e de certa forma, levitamos sobre o espaço por onde passamos. A desterritorializacão. “C’est le début d’une nouvelle perception, partielle et discontinue, de l’espace: Le train est comme un bateau terrestre, parcourant la campagne qui se donne en spectacle à travers les fenêtres des “voitures à voyageurs”. [LEMOINE, 2012: 48]

Em um ônibus a sensação, mesmo que mais suave, é a de distanciamento, observar sem fazer parte. Talvez apenas o caminhar ainda reserve a qualidade da observação e do pertencer ao ambiente que atravessamos. 34

O Arte-cidade Zona Leste, através de intervenções urbanas sobre o espaço construído da metrópole, mais especificamente sobre os eixos ferroviários e espaços residuais ao longo de sua orla, atua como uma experiência de inversão da lógica dos trajetos de circulação através dos trilhos. Um trem que fica indo e vindo, em um trecho da linha férrea, em menor velocidade, desacelerando e freando, criando um percurso de novas paisagens e percepções. Nas palavras do idealizador do projeto, Nelson Brissac: “ O dispositivo ferroviário é transformado experimentalmente no seu inverso: um vetor de fluidos, sem direção nem velocidades fixas. Introduzem-se alterações no tempo (horários) e no espaço (trajeto), criando um fluxo contínuo, sem linearidade nem constância.” [BRISSAC, 2012: 189]

E, mais adiante, acrescenta:

▲ acima: PAISAGEM A PARTIR DA JANELA DE UM AUTOMÓVEL EM ALTA VELOCIDADE abaixo: TREM ACELERANDO EM MOMENTO DE SAÍDA DA ESTAÇÃO BELÉM, EM SÃO PAULO.


▲ BRASÍLIA, EIXO MONUMENTAL, 2013.DUAS VELOCIDADES.


“Num espaço assim não há pontos ou posições, como numa estrutura. Aqui temos linhas de trem que não delimitam nada, sem dentro nem fora, sem começo nem fim. Em variação contínua. Bastam movimentos diferenciados, velocidade ou lentidão, para refazer um espaço sem marcos ou referencias.” [Ibid. : 189] ▼ MAQUETE DESENVOLVIDA POR

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A forma como o urbanismo moderno tratava o problema dos fluxos, como uma questão de ordem técnica e funcional, mecanismo de potencialização das atividades e da produtividade nos meios urbanos, nos ajuda a entender a relação ponto-movimento. Como meios de interligação entre as zonas habitacionais, de trabalho e comércio, os espaços de circulação serviam como meras pontes de articulação. A relação entre os eixos de transporte (movimento) e os lugares pelos quais passavam (pontos) era vislumbrada de forma secundária. Priorizava-se a eficiência do movimento. “En la Carta de Atenas, el movimiento quedaba circunscrito a una de las cuatro grandes funciones urbanas. Junto a la vivienda, el trabajo y el ocio, la ciudad tenía que prever las zonas del transporte. Era, ciertamente, el reconocimiento de su importancia, pero seguía siendo objeto de un tratamiento separado, sustantivo, que tendía a dejar en manos de los expertos en transporte la definición física de esta función y su localización en zonas especializadas.” .[SOLAMORALES, 1996: 14]

Mais tarde, a partir da década de 1950, a crítica aos preceitos da Carta de Atenas do III C.I.A.M (1933) vai substituir a noção de movimento pela noção de moção ou mobilidade. Os fluxos passam a ter então considerável

OCASIÃO DA EXPOSIÇÃO “HIGHWAYS AND HORIZONS” -MAIS CONHECIDA COMO FUTURAMA - NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA IORQUE, EM 1939. O OBJETIVO ERA MOSTRAR COMO SERIA O MUNDO DO FUTURO, DAÍ A 20 ANOS, EM 1960, A INSTALAÇÃO, ORGANIZADA PELA GENERAL MOTORS, MOSTRAVA COMO SERIAM NO FUTURO OS SISTEMAS AUTOMATIZADOS DE AUTOPISTAS.


importância na concepção dos projetos urbanos da época, e a serem entendidos não apenas como movimento, mas também como indutores de relações. “Redes, mallas, conductos, movimiento stacatto (destacado), empiezan a ser figuras recurrentes en un modo de proyectar donde cada vez mas los movimientos de todo tipo forman la sustancia misma del proyecto.” .[Ibid.]

Busca-se o chamado “desenho do movimento”, presente no trabalho de diversos integrantes do Team 10, como o projeto de Candilis, Josic e Woods para Toulousele-Mirail, de 1961 ou a proposta de Allison e Peter Smithson para o Centro de Berlin, de 1958. Essa última é analisada da seguinte maneira em um blog espanhol:

▲ A+P SMITHSON, BERLIN

HAUPTSTADT, 1958. SOBRE A MALHA URBANA EXISTENTE É CRIADA PLATAFORMA PEATONAL EM REDE, DIVIDINDO A CIRCULAÇÃO DE CARROS E PEDESTRES.

▲ CANDILIS, JOSIC E WOODS,

TOULOUSE-LE-MIRAIL, 1961. ATRAVÉS DA ORGANIZAÇÃO EM STEM E CLUSTERS, O ESPAÇO URBANO ERA ESTRUTURADO, SENDO O SISTEMA EM SI UM PASSEIO DE PEDESTRES E UM ESPAÇO DE ENCONTROS. ASSIM, SEPARAVA-SE A CIRCULAÇÃO DE PESSOAS E VEÍCULOS.

“Lo interesante de la propuesta de los Smithson es la presencia de elementos como la movilidad y las infraestructuras ; factores físicos y sociales derivados de las nuevas formas de vida emergentes en la Europa de aquellos años. Los dibujos presentados mostraban un nuevo modelo de ciudad, que partía de la definición de nuevas estructuras de comunicación. Sin embargo, A+P Smithson no descuidaban la necesidad en las ciudades de poseer unos vínculos de identidad. Como ingredientes para la formalización de estas ideas, tenemos el más característico de los elementos, que era una plataforma peatonal que separaba la movilidad motorizada de la movilidad peatonal. Esta plataforma se elevaba sobre la ciudad barroca y establecía una verdadera red peatonal conectada entre si, mediante un patrón irregular. Estos recorrido elevados tendrían numerosas perforaciones que conectarían edificios torres con la calle preexistente y la red peatonal. Además de tener otras uniones directamente conectadas

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▲ A+P SMITHSON, BERLIN

HAUPTSTADT, 1958. DESENHOS DA PROPOSTA. NÚCLEOS DE CONEXÃO ENTRE A PLATAFORMA ELEVADA, A MALHA PRÉ EXISTENTE E AS AUTOPISTAS PARA CARROS.

ESQUEMA MOSTRANDO AS INTERLIGAÇÕES ENTRE OS NÚCLEOS CENTRALIZADORES DE ATIVIDADES.


con la ciudad mecánicas.

preexistente,

mediante

escaleras

La estrategia principal, fue la superposición de una nueva geometría que respetase las preexistencias, pero a la vez diese libertad a los nuevos movimientos y cambios que necesitaba la ciudad moderna. Una superposición de geometrías opuestas, que diferenciaban claramente las dos movilidades; en un ejercicio de querer ordenar el caos (…).” [FUENTES, 2011].

Essa proposta representa de forma bastante coerente a idéia de movimento presente na crítica do pós-guerra. Ainda segundo Sola-Morales:

FLUXUS FOI UMA REVISTA, PUBLICADA ENTRE 1962 E 1978, ENCABEÇADA PELO ARQUITETO, DESENHISTA E ARTISTA GEORGE MACIUNAS. MAIS QUE UMA PUBLICAÇÃO, FOI UM MOVIMENTO DE NEOVANGUARDA, ASSIM COMO O GRUPO COBRA E OS SITUACIONISTAS. SURGIU COMO CRÍTICA AO MOVIMENTO MODERNO E COM O OBJETIVO DE REFLETIR SOBRE O FENÔMENO DA DISTRIBUIÇÃO NA CULTURA URBANA CONTEMPORÂNEA.

“No un flujo – como el de la autopista o el teléfono – sino la yuxtaposición de una multiplicidad de flujos, es la primera constatación de que la realidad en la que vivimos está formada por mallas que acumulan interconexiones ante las cuales la idea del simple conducto o vía es reductora e insuficiente. La producción artística intermedia que experimenta Fluxus, pone el acento en la interconexión y el cruce como los lugares en los que se producen los acontecimientos de la máxima densidad estética.”. [SOLA-MORALES, 1996: 15]

Assim, enquanto no urbanismo moderno, a contigüidade e a relação entre as partes é delegada para um segundo plano, no mundo contemporâneo ganha cada vez mais força a idéia de que o movimento implica pontos de atrito, de desaceleração e frenagem que venham a permitir o contato. Um atrito que possibilite, a medida que nos movemos, criar relações, trocar, descobrir, aprender, fazer, viver.

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A lógica se inverte portanto, na medida em que os deslocamentos e a circulação por entre os espaços construídos, nas redes de espaços livres intersticiais, devem permitir agora momentos de permanência – mesmo que por períodos menores de tempo -, encontros e trocas. Nesse sentido, os nós desses sistemas em rede possuem enorme importância como espaços aglutinadores, de acolhimento em meio ao movimento frenético típico dos grandes centros urbanos. Entendidos como pontos de contato, são esses, praças, largos, cruzamentos, esquinas, estações, parques.

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Nos momentos em que estamos em um ponto fixo, estático, relacionado normalmente às atividade da vida habitual, podemos dizer que nos situamos em uma estrutura ordinária [BRAGA,2006:181]. São elas os edifícios de uso comercial, residencial e de serviços, as infraestruturas capilares e os equipamentos públicos de pequeno porte. Em contraposição, temos as estruturas extraordinárias [BRAGA,2006:181] – que em certa medida se assemelham às superestruturas - equipamentos de grande escala e infraestruturas de abrangência urbana ou metropolitana. Notáveis no contexto da metrópole, se destacam tanto fisicamente, quanto sócio economicamente e podem não fazer parte do contexto diária do cidadão. Na análise de Milton Braga, é possível distinguir aquelas estruturas que de alguma maneira promovem as relações e aquelas que por sua vez, de maneira geral, visam cumprir prioritariamente com a função para qual foram criadas.


Olhando especificamente para o sistema viário, por exemplo, temos a parte ordinária e a parte extraordinária. No primeiro grupo estão as capilaridades do sistema, do qual se destacam as vias, alamedas, travessas, escadarias, passagens, vielas. Desde os calçadões cariocas, passando pelas ramblas espanholas até os bulevares franceses. São espaços passíveis de vivência coletiva e com caráter de espaço de uso público. Por outro lado, a parte macro do sistema é composta pelas vias expressas, estradas, avenidas, pontes, viadutos, grandes bolsões de acesso, alças viárias etc. Muito mais caracterizados pela funções que exercem, que por usos e atividades de convivência. 2.3 ESCALA METROPOLITANA X ESCALA LOCAL ( ESPAÇO)

Essas duas velocidades (tempos) de que tratamos acima, a da circulação e a do contato, se referem respectivamente a duas escalas (espaços) : a escala da metrópole e a escala local. Ao contexto da metrópole combina-se fluidez, velocidade e eficiência. As infraestruturas metropolitanas de circulação, de natureza sistêmica, são elementos de articulação em grande escala que atendem prioritariamente às normas técnicas de engenharia e tráfego. ▲ PESSOAS REUNIAS NA PLAZA

DE MAYO EM BUENOS AIRES. A PRAÇA SE TRANSFORMOU EM LOCAL DE ENCONTROS, DEBATES E MANIFESTAÇÕES.

Respondem a questões de ordem matemática, calculando qual deve ser a largura de uma determinada via, para que consiga receber maior quantidade de veículos a uma velocidade tal que garanta a eficácia daquele eixo

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viário. Ou, retomando então a idéia de atrito, qual o raio de curvatura de uma alça de acesso para que uma avenida de alta capacidade de tráfego permita a acessibilidade a um determinado local fazendo com que os veículos que por ela trafegam reduzam a velocidade e assim possam adentrar o território. O desenvolvimento maciço em escala metropolitana, através da implantação violenta das obras de grande porte, vai prejudicar localmente, a nível de bairro, a paisagem e a qualidade do tecido urbano que atravessam. Ao atender as demandas da metrópole, “desconsideram os lugares por onde passam, sem criar nenhum tipo de enraizamento, tampouco oferecendo os seus serviços a esses mesmos setores.” [FRANCO, 2011: 136]. Assim, implantadas de forma a trazer melhorias na esfera macro da cidade, desarticulam espaços vitais às relações humanas. 42

Ao ligar dois pontos de um território, o dividem. “A acercar lo lejano, aleja lo cercano” [FUENTES, 2011]. Essa dicotomia entre escalas é traduzida nas palavras de Franco: “As obras de infraestrutura vão deixando um rastro de degradação ao longo de sua implantação. Isso porque operam sobre duas escalas distintas, tanto de espaço quanto de tempo. Sua proporção física e a velocidade dos fluxos e serviços, dimensionados para responder às demandas metropolitanas, são incompatíveis com os locais por onde passam.” [FRANCO, 2011: 140]

O arquiteto Manuel Gausa, ao entender a cidade contemporânea como uma “colcha de retalhos” (patchwork) também se refere a desarticulação do tecido urbano, como uma combinação dispersa entre construção, paisagem e infraestrutura:


“La forma de la ciudad tradicional se ha disuelto en un paisaje múltiple. Es un proceso a escala mundial, en el que la ciudad ha dejado de ser un recinto limitado para pasar a manifestarse como una combinación de retales, múltiple y fragmentada. Su manifestación más evidente seria, en efecto, la de una estructura definitivamente abierta (por noprecintada, por incompleta y por inacabada) referida a una triple combinación entre archipiélagos edificados, espacios libres intersticiales y soportes arteriales – es decir, más sintéticamente, entre edificaciones, paisajes e infraestructuras – como descriptores básicos – sintéticos – de las actuales – y fractalizadas – estructuras urbanoterritoriales.” [GAUSA, 2000: 462]

Partindo de uma interpretação similiar, observa Jorge Bassani: ▲ NA TEORIA DE WILLEM JAN

NEUTELING, DA DÉCADA DE 1990, A METRÓPOLE ERA VISTA COM UMA COLCHA DE RETALHOS (TAPIJTMETROPOOL). EM SUAS PALAVRAS: “LA ALFOMBRA DE RETALES NO ES UN MODELO SINO UN ESCENARIO DE TRANSFORMACIONES, UN CAMPO EN PERMANENTE EVOLUTIVIDAD Y REAJUSTE EN EL QUE IMPORTAN, SOBRE TODO, LAS LÍNEAS DE CONEXIÓN Y LOS PAISAJES DE RELACIÓN. (...) EL OBJETIVO ÚLTIMO ES TANTO POSICIONAR NUEVOS PROGRAMAS IDENTIFICADOS COMO CREAR UN NUEVO EQUILIBRIO QUE SUBRAYE ESA CUALIDAD DE ALFOMBRA O PATCHWORK COMO UN TODO GLOBAL INTERCONECTADO.” [NEUTELINGS, 1992]

“Ao longo desses eixos, que passam e não conectam, tecidos ortogonais aparecem como retalhos de um patchwork não costurado, justapostos a desenhos mais espontâneos ou definidos por alguma geografia.” [BASSANI, 2005: Capítulo 4, pg.7]

Por onde passam deixam espaços vazios, fragmentados, recortes negativos ao desenho que traçam. Prejudicam a conexão entre as parte de um tecido urbano, antes coeso, contínuo. A micro acessibilidade é debilitada, e conseqüentemente esses lugares acabam sendo abandonados, uma vez que tornam-se grandes ilhas inacessíveis à margem da cidade. Surgem os denominados espaços intersticiais. Lugares esquecidos, esvaziados, que em geral aparecem como sobras de um planejamento de maior escala sobre uma

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malha urbana pré existente. Produzem assim o insulamento dos mais importantes espaços e, pela ruptura das continuidades, promovem a diluição do sistema de espaços públicos da cidade. A rede ferroviária conecta pontos ao mesmo tempo que corta a os tecidos consolidados dos bairros que atravessa. As vias, tem seu traçado segmentado, interrompendo a fluidez do circular interno àquela região, enquanto: “A rede de transmissão de energia elétrica atravessa São Paulo de forma aérea, retalhando tecidos urbanos consolidados e gerando feixes de áreas não edificáveis ao longo do seu percurso. No solo livre é usual a prática de agricultura urbana.” [FRANCO, 2011:140]

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Abordando aspectos semelhantes, da verticalização das cidades ao condicionamento estrutural impactante sobre paisagens pré existentes, ao analisar o caso da cidade de Houston, nos Estados Unidos, Koolhaas faz as seguintes constatações:

▲ IMAGEM DE SATÉLITE DE UMA

FERROVIA CORTANDO O TERRITÓRIO, NA ZONA LESTE DA CIDADE E O RASTRO DE UMA LINHA DE ALTA TENSÃO (LINHÃO).

“La ciudad frontera americana está cruzada a menudo por servidumbre, como vastas juntas de dilatación que liberan la presión de construir en altura de ciertos núcleos locales hiper-desarrollados. En Houston, estas vastas vías crean rutas de acceso a oleoductos, vías navegables, cables eléctricos, incluso pastos…Como la Haussmanización de París un siglo antes, la superficie de esta malla conectiva eficiente impone un orden oculto de proporciones y efectos casi militares.. Incluso entre el aparente abandono de estos espacios, se está produciendo un extraordinario proceso de demarcación y destrucción, un inmenso despliegue narrativo “tramposo” a escala industrial y metropolitana… A la vista de ojos convencionales, estas servidumbres y utilidades meramente se deslizan

▼ RODOVIA EM SÃO PAULO

FOTOGRAFIA:CÁSSIO VASCONCELLOS.


EM SEU LIVRO MUTACIONES, KOOLHAAS, ANALISA A CIDADE DE HOUSTON, NOS ESTADOS UNIDOS ATRAVÉS DE SEUS SISTEMAS DE INFRAESTRUTURA URBANA E SUBURBANA.


por el paisaje, creando astillas diminutas e inútiles de desperdicios urbanos y espacio perdido… Pero desde otra perspectiva, crean una vasta red racional de espacio continuo, semifuncional, enfrentado sólo por el sistema de autopistas…” [KOOLHAAS, 2000: 565]

O território metropolitano é, portanto, espacialmente fragmentado e disperso. Torna-se gritante a necessidade de manter o território coeso, diante da permanente ameaça da diluição. Sob a ameaça da dispersão e da fragmentação urbana, a coesão territorial e social tornou-se elemento essencial da urbanidade contemporânea, a qual depende de forma muito clara da qualidade dos espaços públicos oferecidos para a população exercer sua vida urbana cotidiana. [MEYER, 2004]

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O terrain vague, para nos utilizarmos da expressão de SolaMorales, apresenta-se extremamente útil na reabilitação de espaços desconexos. Vislumbra-se então uma apropriação positiva dessas sobras urbanas. Substituir o espaço em retalhos por um lugar mais integrado utilizando-se justamente dos espaços resultantes dessa fragmentação. O terrain vague como possibilidade de projeto: “ Espacios intersticiales, grandes vacíos urbanos, vastas áreas obsoletas que, por su particular disposición y configuración, constituyen territorios de ensayo idóneos para explorar las condiciones de La nueva ciudad. “Zonas estratégicas de fricción” presentes en la mayoría de las grandes metrópolis europeas en transformación, a menudo al margen de – o sobre – grandes infraestruturas de transporte o producción.” [GAUSA, 2000: 578]

▼ O TERRAIN VAGUE COMO

POSSIBILIDADE DE PROJETO,


2.4 NÃO-LUGAR

Também Augé, discorre sobre o tema da dualidade de escalas, ao definir os chamados não lugares, espaços resultantes de uma supermodernidade, relacionados mais à idéia das redes que a da contigüidade, ou seja, pertencentes muito mais à metrópole ou ao mundo, que ao lugar. E, ao exemplificar, infraestruturas:

▲ AEROPORTO ABANDONADO EM FRAMAGUSTA, NO CHIPRE.

se

aproxima

do

conceito

de

“Os não lugares, contudo, são a medida da época: medida quantificável e que se poderia tomar somando, mediante algumas conversões entre superfície, volume e distancia, as vias aéreas, ferroviárias, rodoviárias e os domicílios móveis considerados “meios de transporte” (aviões, trens, ônibus), os aeroportos, as estações e as estações aeroespaciais, as grandes cadeias de hotéis, os parques de lazer, e as grandes superfícies da distribuição, a meada complexa, enfim, redes a cabo ou sem fio.” [AUGÉ, 2007: 74-75]

Para melhor entendimento recorro aqui a um caso onde essa lógica foi invertida. Na cidade de Lagos, na Nigéria, o espaço se configurou de tal maneira que não é possível distinguir padrões de ordenação do território, ou aquelas instalações e sistemas que definem a palavra “cidade” como resultado de um planejamento urbano . Os sistemas se dissolveram para atender a lógica intrínseca àquele local, contribuir com a demanda e as especificidades da vida naquela cidade. Enquanto, na concepção de Augé, as infraestruturas são elementos desprovidos de caráter “identitário,

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relacional e histórico” [AUGÉ, 2007: 73], em Lagos a população multiplicou as formas de apropriação desses sistemas, reinterpretando e convertendo-os em lugares funcionais.

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“La carencia de un zoning claro para usos industriales más Allá de los cercados de las multinacionales, y el incesante cercado de La ciudad, ha empujado al mercado de trabajo a ocupar los limites de la propiedad privada y de las infraestructuras urbanas. Los terraplenes de las carreteras, los “debajos” de los viaductos, la vía del tren, y las múltiples líneas de contacto de la ciudad han sido colonizadas por una multitud de industrias y servicios secundarios – fábricas de bloques de hormigón, vulcanizadores mecánicos, mercados de carretera, peluqueros, etc. (…) Los pilares de las autopistas se usan como divisiones espaciales, las zapatas de cimentación como superficies de trabajo, y las zonas abiertas como zonas de exposición y almacenaje de materiales o como mercados. (…) Su visión en planta parece tener sentido – “la ciudad está interconectada”-. Pero en cada uno de los cruces del plano esta comprensión global de hunde. La “calle” de Lagos se describe inadecuadamente con términos de manual como “canal”, “artefato comunicador”, “espaço de flujos” o “foro para la expresión social” Lagos no tiene calles. (…) Algunas áreas podrían parecer calles; incluso podrían parecer superautopistas. Pero hasta la autopista de Lagos tiene paradas de autobús sobre su calzada (calzada aquí como pavimentação da via), mezquitas bajo ella y mercados y factorías de desguace a lo largo. Lagos es más un sistema de circulación de lo que cualquier otro sitio lo es.” [KOOLHAAS, 2000: 696]

Todo e qualquer espaço pode converter-se em área de utilidade pública. Locais inóspitos tornam-se capazes de potencializar relações das mais diversas. Um mercado é

▲ COLAGEM DO LIVRO MUTACIONES, DE REM KOOLHAAS.

▼ ROTATÓRIAS OCUPADAS NA CIDADE DE LAGOS, NIGÉRIA. O URBANISMO ELÁSTICO, DESCENTRALIZADO E CONGESTIONADO DA CIDADE ATINGE SUA MÁXIMA CONDIÇÃO AO PERMITIR QUE A CIDADE FUNCIONE COM MAIS DE 15 MILHÕEs DE PESSOAS VIVENDO NELA.


▼ próxima página

O MERCADO DE OSHODI, COMO O ELEMENTOS MAIS CARACTERÍSTICO DA CIDADE DE LAGOS, ONDE AS PESSOAS E OS PRODUTOS SE DESLOCAM AS INFRAESTRUTURAS SE MANTÉM, SE TRANSFORMAM OU SE REFORÇAM; SE TORNAM ELÁSTICAS.

instalado sobre os trilhos de uma ferrovia e se adapta aos intervalos de seu trajeto. Os elementos se integram em um ambiente que apesar de repleto de barreiras se apresenta fluído. Não há limites nem fronteiras. O mercade de Oshodi, é considerado o elemento maior representativo da identidade de Lagos. Instalado no cruzamento entre dois eixos importantes da cidade, a rodovia Apapa Oworonsoki, e a linha férrea, subutilizada, como conexão norte-sul, se apropria de obras inacabadas de um trevo sobre a malha viária. “El abortado sistema en trébol de Oshodi respeta la prioridad de paso de la Corporación Ferroviaria Nigeriana, pero ignora la lógica Del flujo de vehículos entre ejes perpendiculares.” [Ibid.]

▼ ESQUEMA MOSTRANDO A

LOCALIZAÇÃO DO MERCADO NO TERRITÓRIO E SUA RELAÇÃO COM AS CIDADES DO ENTORNO.

Da mesma maneira, Oshodi respeita a passagem do trem. Oficialmente provisório, se refaz continuamente, de forma que consegue abarcar uma maior quantidade de atividades em um mesmo período de tempo. Seu desenho incompleto e em constante mutação permite fluxos e permanências em diferentes níveis de intensidade. Mais especificamente, “esta franja de tierra territorializada está dividida en 20 o 30 bandas paralelas (...). Contenido por mercados más permanentes e especializados – el mercado de la electrónica al oeste y el punto de distribución al este – este mercadillo se hace más temporal cuanto más se condensa hacia el centro.” “Aprovechando la interacción de los dos tipos de tráfico diferentes – el paso elevado co su circulación rápida y el tránsito peatonal lento, a lo largo de la vía de tren – una multitud de servicios y entretenimientos colonizan las rampas de salida y sus alrededores. Consideradas en su conjunto, forman una compleja superposición de programas: una estación de tren, varias estaciones de autobuses urbanos e suburbanos,

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paradas de camioneros, multitud de mercadillos, garajes para coches, una escuela, al menos una iglesia y cientos, si no miles, de tenderetes. Al estar inacabado, el cruce tiene un efecto perjudicial sobre el tráfico metropolitano durante las horas punta. Pero valorado en otros términos de eficiencia, al margen de la velocidad, este cruce es enormemente funcional: su “no-ir” convierte la congestión en destino.” [Ibid.]

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Talvez seja então justamente por se tratarem de elementos de conexão é que o mercado se apropria das infraestruturas. Para tirar melhor proveito dela. Como observa Koolhaas, a perda de velocidade do tráfego de veículos, resultado de uma má implantação do sistema viário naquele local, é que colabora com o êxito do mercado, transformando o lugar do congestionamento em lugar de destino. Através do uso comercial, potencializase um não lugar, beneficiando-se de sua maior função: a articulação e seus nós.

▲ MAPA DA FERROVIA NIGERIANA,

COM OS PONTOS ONDE O MERCADO INFORMAL SE APROPRIOU DA TERRA.

▲ A PASSAGEM DO TREM EM MEIO A ATIVIDADE INCESSANTE DO MERCADO.


2.5 PONTOS DE CONTATO Na tentativa de conciliação de escalas dicotômicas, aos não lugares deveríamos então propor alternativas de entrelaçamento. Potencializar pontos de contato e acessos as estruturas de grande porte, procurando criar permeabilidades entre os fluxos e os lugares, as linhas e os pontos. Tornar o espaço permeável e acessível pelas conexões e acessos locais. Reativar os atritos necessário a convivência entre duas escalas contrárias. Segundo Marta Bogéa: “Entre mobilidade e deslocamento, essa questão parece nos levar à crise das permeabilidades, na qual movimento não significa apenas passagem, mas entradas nas quais o acesso não é apenas virtual, mas também físico.” [BOGÉA, 2006: 163]

E conclui: “Acreditamos que o cerne do conflito está em como fazer circular corpos distintos com velocidades distintas sem que ocorra um colapso.” [Ibid: 158]

▲ A PASSAGEM DO TREM EM DIA DE FESTA EM LA PAZ, BOLÍVIA.

Conciliar as várias velocidades é o desafio de qualquer projeto contemporâneo. Ter 80km/h e ao mesmo tempo 5km/h. Conciliar as escalas local e metropolitana, sendo capaz de criar uma boa relação entre grande infraestruturas e tecido delicado vizinho. [Milton Braga, em palestra para o seminário ZL Vórtice, 2013] Os pontos de contato, ou de atrito, como já mencionados anteriormente, são em termos espaciais as paradas dos sistemas de conexões. As estações, plataformas, parada

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de ônibus, praças, portos, aeroportos etc. Enquanto pontos fixos, podemos entender as estações como a transição, o lugar intermédio entre uma escala e outra. Como não lugares as estações são capazes de representarem em si a união de escalas. São os pontos de articulação entre os espaços metropolitano e regional, e serão nesse sentido fundamentais para que ambos, possam coexistir, beneficiando-se mutuamente. Sobre as “gares” ou estações ferroviárias, Bertrand Lemoine aponta: “En tant que nœuds dans le réseau ferroviaire, les gares forment l’interface architecturale entre Le monde technique Du système de transport ET La société civile.” Le train arrive [LEMOINE, 2012 : 49]

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Ao entender que, as muralhas da cidade romana, na citação de Koolhaas no começo desse capítulo (pg.18) , ao mesmo tempo que delimitavam e organizavam um espaço, permitiam e regulavam os contatos e as trocas, termino esse capítulo com a intenção de “fazer das portas, passagens e não ilhas impermeáveis”, nas palavras de Bogéa, e os seguintes questionamentos: Como potencializar os pontos de contato? Como conciliar velocidade e atrito? Como rearticular territórios? Como costurar tecidos desconexos em prol de uma melhor vivência do espaço urbano?


▲ RODOVIÁRIA DE BRASÍLIA, COMO LUGAR DE AGLOMERAÇÃO PESSOAS E COEXISTÊNCIA DE FLUXOS DISTINTOS.

COMÉRCIO DE ALIMENTOS NO INTERIOR DA RODOVIÁRIA.







II

CONSTRUÇÃO

DO

TERRITÓRIO


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“São Paulo está a 800 metros sobre um planalto acidentado cuja terra é vermelha como brasa e a cidade parece padecer ainda, assim como seu sítio, da carga espiritual autocrática dos plantadores de café que comandavam outrora os escravos e que hoje são como governadores severos e insuficientemente ativos.” Le Corbusier



1 Urbanização 1.1 ESPAÇO PRODUTIVO

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Regina Meyer entende o processo de metropolização de São Paulo como “expressão da lógica de racionalização do modo de produção instalado no país” [MEYER, apud. KON, DUARTE, 2008: 40]. A construção da paisagem urbana se destinava a um objetivo específico: atender as demandas da produção (industrial). Da organização desse território e de sua capacidade de responder à essas demandas é que vai depender a inserção da metrópole no cenário econômico mundial. Os investimentos massivos em infraestrutura, portanto, vinham responder às premissas de um espaço produtivo, fluído e veloz. Assim, é fácil perceber que, além das condições geográficas nas quais foi implantada a cidade, foram as obras de infraestrutura viária e de transporte, subordinadas essas por sua vez às características do meio físico, que sempre estiveram a frente no processo de configuração da metrópole. Segundo o arquiteto Fernando de Mello Franco, “diante da magnitude das demandas geradas por uma urbanização acelerada, os investimentos em infraestrutura, e em particular o modo como eles se materializaram no território, é que estruturaram São Paulo”. [FRANCO, 2011: 136] Na análise de Jorge Bassani, esses dois elementos

▼ ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS GEOMORFOLÓGICAS DO SITIO DA CIDADE DE SÃO PAULO, POR AZIZ AB’SABER, 1956.


primordiais na construção da cidade, viriam a configurar mais tarde um quadro composto pelas chamadas “fraturas geográficas”, conseqüência de uma formação geológica de morros e pequenos maciços montanhosos, acidentados e irregulares, entremeados por baixadas e vales, e as “fraturas construídas”, fruto de uma expansão e crescimento urbano acelerados [BASSANI, 2005].

1.2 EXPANSÃO VIÁRIA

▲ DIAGRAMA DE VICTOR DA SILVA

FERREIRA PARA SÃO PAULO, 1911.

▼ ESQUEMA DO PLANO DE AVENIDAS, DO ENTÃO PREFEITO PRESTES MAIA, 1935.

O diagrama viário de Victor da Silva Freire já em 1911 indicava o Centro da cidade de São Paulo como local de articulação com outras regiões. Vias radiais conectavam os novos bairros em crescimento, enquanto um outro conjunto de perimetrais fazia a ligação direta entre os mesmos, configurando a chamada rótula. Esse esquema urbanístico já era empregado em cidades européias desde a segunda metade do século XIX e indicava a vontade de se conectar o triangulo central aos bairros residenciais em expansão. O rápido crescimento populacional e com ele a multiplicação da quantidade de veículos, tornou necessários planos de ampliação do sistema viário na área central, visando resolver problemas de congestionamento, melhorar a acessibilidade e estruturar o território. O Plano de Avenidas de Prestes Maia, de 1929, vinha de encontro a essas ansiedades. Em 1945, final da primeira gestão de Maia como prefeito, foram então concluídas as obras de uma série de grandes avenidas que viriam

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como tentativa de solução a circulação de veículos. Nos anos que se seguiram, outro projetos de reorganização viária foram executados, buscando-se resolver as mesmas questões. Na década de 1950 o tema tornou-se central para o urbanismo e a necessidade de reformulação da estrutura radioconcêntrica era urgente. É a adesão da via expressa, como elemento chave do espaço urbano centrífugo, que vai marcar a transformação do modelo de mobilidade adotado, baseado agora em vias estruturadoras diametrais “capazes de abrigar os transportes público e privado para os novos caminhos da urbanização ilimitada”. [MEYER, 2010: 25]

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Através da influência do engenheiro e urbanista americano Robert Moses, defensor das chamadas “expressways” e adepto das grandes transformações urbanas através do tráfego de veículos, o novo modelo viário para a cidade de São Paulo é amplamente aceito. Propostas que levavam em consideração sistemas de transporte coletivo de massa, como a da companhia Light & Power em 1927 para uma ligação de alta velocidade sobre trilhos, a partir da evolução da rede de bondes, foram relegadas para outro plano. E, dessa forma, em 1965, a construção de duas grandes obras viárias, a Radial Leste e o complexo viário do Parque D. Pedro II, vai ser marcante no processo de metropolização da cidade, pela expansão linear através de grandes eixos.

▼ PLANTA GERAL DOS

MELHORAMENTOS CENTRAIS, COM A VERSÃO DEFINITIVA DA AVENIDA DE IRRADIAÇÃO, 1945.


1.3 ESPAÇO FRAGMENTADO

“Muitos urbanistas apontam a forma fragmentada como o traçado original foi incorporando a novas vias, deixando o tecido urbano histórico destituído das continuidades desejáveis. Embora chegar ao centro, circular pelo centro e conectar novas áreas urbanizadas tenha sido o motor das transformações, essas modificações não produziram uma malha urbana renovada. O tecido urbano foi adaptado de forma extremamente circunstancial, muitas vezes aleatória e dissociada das demais dimensões urbanas.” [MEYER, 2010: 21]

Na busca por um território coeso e articulado em toda sua dimensão as grandes obras eminentes, assumiram um papel funcional e estratégico de tamanha importância que deixaram de considerar o impacto local causado por essas enormes travessias. “A conciliação das duas dimensões – a intraurbana (ou local) e a metropolitana – surge como exigência descabida diante dos benefícios funcionais que os novos projetos estariam oferecendo a integração da metrópole.” [MEYER, 2010: 36]

O rompimento da rede de espaços públicos e a diluição do tecido urbano dos bairros centrais e industriais é reflexo de uma urbanização às custas da fragmentação de um território consolidado. “Pouco podemos falar de monumentos ou tecidos históricos. O principal patrimônio dessa cidade são suas redes de infraestrutura.” [FRANCO, 2011: 138]

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1.4 INDUSTRIALIZAÇÃO Paralelamente ao processo de metropolização do território ocorre a descentralização das atividade, reforçando a polinucleação, que caracteriza a transformação funcional sofrida pela área central, em função do crescimento da cidade.

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O sistema infraestrutural de circulação e transportes, apesar de contribuir com o retalhamento e esgarçamento dos tecidos locais, teve papel fundamental na viabilização da industrialização e no processo de urbanização da cidade. Mobilidade e acessibilidade são princípios básico a expansão do território. Junto à oferta de energia, mão de obra abundante e à disponibilidade de grandes glebas – caracterizado como o trinômio definido por Langenbunch - tornou possível a instalação do espaço produtivo à leste do centro histórico. [LANGENBUNCH, apud. FRANCO, 2005:109]. É na várzea, onde havia abundancia de água, a topografia era plana e o custo da terra baixo, onde se inicia então, à finais do século XIX, o processo de industrialização da cidade. Todos esses fatores atrelados conformavam as condições ideais para a implantação das linhas férreas e das plantas industriais ao longo desse território. Industrialização e urbanização caminharam juntas no caso de São Paulo. Dessa maneira, a estruturação da metrópole se apóia sobre dois pilares vitais a expansão urbana: a consolidação do sistema ferroviário e, mais tarde, a partir dos anos 40, a instalação da rede rodoviária.

▼ A CHEGADA DA ENEGERIA

ELÉTRICA NOS BAIRROS À LESTE DO CENTRO, ALÉM DA VÁRZEA DO CARMO, CONTRIBUÍRAM PARA O ESTABELECIMENTO DA INDÚSTRIA NESSA REGIÃO.


▲ MAPA DA CONCENTRAÇÃO

INDUSTRIAL EM 1914 E 1997, RESPECTIVAMENTE.




2 Transporte 2.1 TRANSPORTE SOBRE TRILHOS

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De caráter fundamentalmente econômico, voltado ao transporte de carga, o sistema ferroviário foi implantado em poucas décadas na segunda metade do século XIX. Constituía-se então de cincos principais ferrovias: São Paulo Railway, Companhia Paulista, Estrada de Ferro Sorocabana, Companhia Mogiana e a Estrada de Ferro Central do Brasil. Ao analisar os traçados ferroviários é fácil notar que se estabeleceram sobre uma série de caminhos utilizados primordialmente, desde a fundação da cidade. “O sistema ferroviário que então se constitui amoldase como é natural, a tal estrutura (correspondente ao centro econômico e geográfico da província), e é de São Paulo que vão irradiar as novas vias de comunicação. Basta observar o mapa de São Paulo para se verificar que as estradas de ferro repetem, com pequenas variantes, os antigos caminhos de penetração, fluviais e terrestres, da Capitania. [PRADO Jr, apud. FRANCO, 2005: 104].

Essa conformação radial, centrífuga, indica a localização privilegiada da cidade São Paulo como “nó articulador dos fluxos” de toda a região [FRANCO, 2005: 104]. É nesse sentido que se dá a importância do espaço industrial e as áreas lindeiras às ferrovias, como territórios em

▲ PLANTA DA CIDADE DE SÃO PAULO, 1810.


contato constante com o interior do Estado, o porto de Santo e também a capital do país. As industrias se localizavam em qualquer ponto ao longo das linhas férreas, conectando-se à ela pela construção de pequenos ramais de conexão que facilitavam o embarque e o escoamento da produção. Morfologicamente, a expansão habitacional, por sua vez, dá-se primeiro de forma linear e polarizada, sobre esses núcleos de contato entre o sistema metropolitano e o bairro. Mais uma vez notamos o papel das estações na urbanização das áreas mais longínquas ao centro. Como pontos de contato, seguindo a análise desenvolvida no capítulo anterior, os nós de acesso aos sistemas exercem enorme atratividade à proliferação de áreas habitacionais. “A suburbanização residencial foi restringida aos pontos de parada do trem, únicos locais a partir de onde era possível ter acesso ao sistema. Sendo em pequeno numero, implicaram na valorização de localidades específicas, a partir das quais se estruturaram focos embrionários de urbanização em seu entorno. Caracterizou-se desta forma um modelo de urbanização linear, polarizado e concentrado a partir dos pontos de conexão pertencentes à ferrovia.” [FRANCO, 2005: 110]

▲ PLANTA DA CIDADE DE SÃO PAULO, 1897.

Surgem os bairros operários, atrelados à esses sistemas infraestruturais e seus respectivos nós de articulação. Paralelamente à construção de grandes galpões voltados à produção, são erguidas as vilas operárias, visando suprir a demanda por habitação dos recém chegados imigrantes italianos e espanhóis que vinham à São Paulo em busca de trabalho. A oferta de mão de obra e sua proximidade ao local de

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trabalho, eram fatores triviais para o desenvolvimento da industria emergente, de maneira que, muitas vezes, os lugares destinados à moradias eram situados entre os espaços destinados às fábricas, galpões e pátios ferroviários, dando origem aos chamados cortiços, alojamentos impróprios, pequenos, insalubres e não raramente compartilhados pelo sistema de aluguel. As vilas operárias chegavam a ser construída muitas vezes pela própria indústria, sendo pensadas muito mais como forma de atender às demandas da produção que da morada ou em termos de qualidade de vida.

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A eterna crença no progresso e no desenvolvimento como norteadores da metropolização levaram, às cegas, à um conjunto de ações implantado que acabou por transformar o território em um artefato técnico e pouco humano, resultando em uma urbanização sem urbanidade. À nível urbano, o espaço não era pensado para a morada ou para a qualidade de vida dos cidadãos, mas sim para atender a lógica da produção.

Também os bondes, pioneiros na conquista do território (por volta de 1900 foi inaugurada a primeira linha), determinaram o crescimento urbano da cidade e a valorização fundiária dos bairros novos. Implantados sobre trilhos, mas diretamente sobre o traçado viário pré existente, configuravam uma nova modalidade de transporte, de certo modo, mais flexível e aberta a coexistência funcional entre os meios de transporte. Porém, a infraestrutura necessária a sua implantação – trilhos e eletricidade - implicava altos custos e por isso se restringia a apenas algumas zonas da cidade. A oferta fica então abaixo da demanda, exigindo novas formas de compensação através de meios alternativos de transporte.

▲ TÍPICO CORTIÇO DOS BAIRROS OPERÁRIOS DO SÉCULO XIX.

▼ TRABALHADORES DA FÁBRICA DE

TECIDOS CRESPI. OS OPERÁRIOS DA FÁBRICA ERAM HOMENS, MULHERES E CRIANÇAS.

▼ TRILHOS SENDO ABERTOS PARA

PASSAGEM DOS BONDES EM LARGO NO BRÁS, 1900.


▲ PLANTA DA CIDADE DE SÃO PAULO E SEUS SUBÚRBIOS, 1947, POR MANUEL DA FONSECA LIMA E SILVA.

▲ PLANTA DA CIDADE DE SÃO PAULO E SEUS SUBÚRBIOS, 1968. AQUI JÁ É POSSÍVEL NOTAR A PRESENÇA DAS ESTRADAS DE FERRO


PLANTA DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1890, POR JULES MARTIM. O TRAÇADO DAS LINHAS FÉRREAS SE APROXIMAVA DOS CAMINHOS EXISTENTES ANTERIORMENTE.


笆イ PLANTA GERAL DA CIDADE DE Sテグ PAULO, 1890, POR GOMES CARDIM. MOSTRA A EXPANSテグ DA CIDADE NO SENTIDO LESTE.


2.2 TRANSPORTE SOBRE RODAS

O transporte sobre rodas surge primeiro como elemento complementar à linha férrea. Subsistemas de alcance local, que atendem a demanda deixada pelos bondes. Ao mesmo tempo, uma vez que atuam na conexão dos bairros às estações de transporte de longa distância, as fortalecem, criando espaços centralizadores de sistemas, relações e atividades cada vez mais potentes.

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“A partir do momento em que esses focos de urbanização cresceram para alem das distancias percorridas a pé, foi necessária a atuação conjunta do trem com o modal sobre rodas, atuando este como alimentador do sistema troncal desempenhado pela ferrovia.” [FRANCO, 2005: 111]

O transporte público em primeira instancia, ou melhor o ônibus, permite adentrar lugares antes impenetráveis através dos trilhos. Na ramificação e na plasticidade do sistema encontra-se a vantagem do modal em detrimento do trem de passageiros. A chegada dos primeiros automóveis na década de 1920, vai ser o marco de transformações irreversíveis na paisagem e no funcionamento da metrópole. “O transporte individual – o automóvel – determinou seu próprio modelo de cidade, cujo traço central é o crescimento horizontal ilimitado. (...) Foi criado através do potencial, melhor dizendo, de uma promessa de mobilidade e acessibilidade, um ciclo de subvenção do sistema viário e a criação de novas fronteiras.” [MEYER, 2004:30]


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FOTOGRAFIA DA SÉRIE CARROS, DE CÁSSIO VASCONCELLOS

▼ CONFLUÊNCIA DE VIADUTOS EM

PERIFERIA DE SEATTLE, ESTADOS UNIDOS.


E, como bem observa Pompeo: “Além de tudo, o automóvel se tornou imediatamente um símbolo de status. Naquela época, tratava-se de um requintado item de importação, comprado a preços altíssimos. Por isso, a aquisição de um automóvel era possível apenas para os mais ricos. Isso significa que, ao contrário do confortável – porém coletivo – bonde elétrico, o automóvel permitia aos seus usuários o desejado isolamento da população das classes mais baixas. Logo de início o automóvel já servia como barreira segregadora de classes.” [POMPEO, 2009: 23]

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▲ PROPAGANDA DE AUTOMÓVEL

A implementação em grande escala do novo veículo de transporte já apresentava alguns entraves naquela época. A malha viária ainda tímida, composta basicamente por vias de paralelepípedo e cortada pelos trilhos dos bondes, vai exigir novos projetos de expansão do sistema. Como já assinalado anteriormente, é nesse momento, entre as décadas de 1920 e 1930 que se inicia então o debate e quando surgem os primeiros projetos das futuras infraestrutura viária de grande porte que mudariam a feição da cidade de São Paulo.

AMERICANA QUE CHEGA A COMPARAR A VELOCIDADE DO VEÍCULO COM A DE UM FOGUETE.

Enquanto, a década de 1870 ficou marcada como a “segunda fundação de São Paulo” [PAULA, 2004: 52], pois foi quando a cidade “passou de um conglomerado urbano a uma grande cidade” através da expansão pela ferrovia, a década de 1970 foi caracterizada pelo surto rodoviário com a multiplicação de sua malha viária e a construção da grande maioria vias expressas que hoje encontramos na cidade.

▼ CONSTRUÇÃO DA MARGINAL

▲ PROPAGANDA DE AUTOMÓVEL

BRASILERA. REVISTA O CRUZEIRO, 1959.

TIETÊ. FOTO - X BIENAL DE ARQUITETURA.


“O SIGNO DISTINTIVO DO URBANISMO OITOCISTA FOI O BULEVAR, UMA MANEIRA de REUNIR EXPLOSIVAS FORÇAS MATERIAIS E HUMANAS; O TRAÇO MARCANTE DO URBANISMO DO SÉCULO XX TEM SIDO A RODOVIA, UMA FORMA DE MANTER SEPARADAS ESSAS MESMAS FORÇAS.” MARCHALL BERMAN

▼ ROBERT MOSES E SEU PLANO

DE DESENVAOLVIMENTO PARA NOVA IORQUE.

Marshall Berman, em “Tudo que é sólido desmancha no ar”, discorre sobre o tema do automóvel e da modernidade. Segundo o autor, enquanto o signo distintivo do urbanismo oitocentista foi o Bulevar, o traço marcante do urbanismo do século XX foi a rodovia. [BERMAN, 1986: 159] Berman, coloca em cheque a modernidade, o progresso, a renovação, citando Moses como o pai de todas essas transformações. O engenheiro norte americano defendia a implantação das vias expressas como elementos de valorização da cidade - “cities are created by and for traffic. A city without traffic is a ghost town” [do documentário “New York: A Documentary Film” de Ric Burns] e apoiava um ideário de modernidade, que apesar de transgressor era inteiramente abraçado pela sociedade da época. A urbanista Jane Jacobs, ia de encontro a essa visão e defendia a rua como elemento articulador das relações humanas e o espaço em funcionamento contínuo como forma de garantir a segurança das vias. Em L’Urbanism, de Le Corbusier, encontramos no prefácio a descrição de uma situação vivida por ele, onde é possível distinguir de forma interessante esses dois pontos de vista e mais profundamente a mudança de paradigmas da vida moderna, cujo elemento mais representativo talvez tenha sido o automóvel. Ao sair de sua casa, em um final de tarde de 1924, e estando em meio a Champs-Élysées, Le Corbusier vai se deparar com uma enorme quantidade de veículos indo e vindo em alta velocidade. Aquela situação o surpreende e o intimida de tal forma que ele descreve suas impressões:

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“Foi como se o mundo tivesse subitamente enlouquecido (…), a fúria do tráfego crescia. A cada dia sua agitação aumentava. (…) Deixar nossa casa significava que, uma vez cruzada a soleira da porta, nós estávamos em perigo e podíamos ser mortos pelos carros que passavam”. [CORBUSIER apud. BERMAN. Op. cit.:161]

E, a partir da análise que o próprio Berman nos propicia, “Depois de abrir caminho através do tráfego, mal tendo sobrevivido, ele dá um salto súbito e ousado: identifica-se por inteiro com as forças que o estavam pressionando”. Mais adiante no texto, o discurso de Le Corbusier sofre então uma mudança brusca e ele conclui:

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▲ AVENUE DES CHAMPS-ELISÉES, PARIS, DÉCADA DE 1920.

“Naquele 1º de outubro de 1924, eu assistia ao titânico renascimento de um novo fenômeno (...), o tráfego. Carros, carros, rápidos, rápidos! Uns disparam, repletos de entusiasmo e alegria (...), a alegria do poder. O simples e ingênuo prazer de se encontrar em meio ao poder, à força. Outros participam disso. Outros fazem parte dessa sociedade, que está apenas despertando. Outros confiam nessa sociedade: encontrarão a magnífica expressão do seu poder. Outros acreditam nisso. [Ibid.]

A inserção do transporte sobre rodas e suas autopistas de alta capacidade na cidade de São Paulo é, assim como em outras inúmeras cidades naquela mesma época, reflexo direto dessa ideologia das autopistas da primeira metade do século XX. O homem moderno abandona todas suas crenças em nome de um objetivo único: a modernidade. Segundo Berman, “(…) Agora, em vez de sentir-se ameaçado, ele se sente imerso, crente, participante. (...) O homem na rua se incorporará ao novo poder tornando-se o homem no carro.” [Ibid.]

▲ HIGHWAYS EM JACKSONVILLE, FLÓRIDA,s/ano.


A rua adquire outra conotação, sendo entendida agora como uma “máquina para o tráfego”. A rua para o carro e não para o homem, e o homem, assim como na fábrica moderna, como um simples operador da máquina carro. ▼ LINHA DE MONTAGEM DA VOLKSWAGEM.

▼ RUA GRAMADA POR UM DIA,

LEEDS. ROSS-PARRY AGENCY. A RUA COMO ESPAÇO DE ENCONTROS E TROCAS, COMO DEFENDIDO POR JACOBS.

A visão de Moses se apóia dessa maneira em tais conceitos, enquanto a rua urbana, de Jane Jacobs, com sua volátil mistura de pessoas e tráfego, negócios e residências, ricos e pobres, é substituída agora pela via expressa. A rodovia exigia uma escala diferente de cidade, distinta daquela do século XIX, subdividida em pequenos quarteirões. De acordo com essa visão, a estrutura da cidade deveria então ser transformada. Apesar de Berman enfatizar o fato de que as obras pública de Moses terem sido “concebidas para acrescentar algum elemento à vida da cidade, e não para subtrair a própria cidade”, elas acabaram por representar de alguma forma a ruína da cidade e da rua urbana [BERMAN, 1986: 291]. Em uma época de progresso, o filósofo falava sobre a existência de duas esferas: a da vida pública, de encontros, trocas e a da rodovia. As duas não podiam conviver, uma deveria sair. Saiu a cidade. “Realmente, as pessoas, as visões e as instituições da cidade criaram a rodovia. Agora, entretanto, por obra de uma dialética fatídica, como a cidade e a rodovia não se coadunam, a cidade deve sair.” [Ibid.: 306]

Cinco anos mais tarde, em 1929, Le Corbusier viria ao Brasil. A proposta do arquiteto para São Paulo, reflexo direto de suas impressões naquele fim de tarde na Champs-Élysées, teria então a auto-estrada como

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personagem principal, tornando-se o objeto central do projeto para a cidade paulista. Ao chegar à São Paulo, estando na América Latina por ocasião das dez conferencias realizadas em Buenos Aires em 1929, e a partir da interpretação de sua geografia e condicionantes físicos, relata acerca de seu sistema viário e conexões: “Ora, São Paulo, a perder de vista, soma suas colinas. O funcionário encarregado, já que deve considerar as colinas, traça ruas curvas e viadutos, uma rede que se contorce como lombrigas.” [CORBUSIER, 2004: 232]

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Para Le Corbusier, a simples abertura de avenidas no nível do solo não seria suficiência, considerando o perímetro da mancha urbana: 45 quilômetro na época. Propões então a criação de dois grandes eixos, perpendiculares entre si implantados de colina em colina. “Os senhores não sobrevoarão a cidade com seus automóveis, mas a “sobre-correrão”. Essas autoestradas que proponho são viadutos imensos. Não construam arcos onerosos para sustentar os viadutos, mas sustentem-nos por meio de estruturas de concreto armado que constituirão escritórios no centro da cidade e moradias na periferia.” [Ibid: 232]

A proposta não passa de um extenso projeto infraestrutural que organizaria todo aquele espaço, resolvendo o problema da mobilidade por entre o mar de morros paulistano. Em essência, uma infraestrutura, “um aqueduto maior do que o de Segóvia, uma Pont Du Gard gigantesca!.” Muitos foram os projetos naquela época que tinham como protagonistas as autopistas. Um segundo, intitulado Road

▲ PONT DU GARE, SUL DA FRANÇA. A PONTE É PARTE DE UM AQUEDUTO MAIS EXTENSO QUE ABASTECIA AS CIDADES DESSA REGIÃO.

▼ PROJETO DE LE CORBUSIER PARA SÃO PAULO, 1929.


▼ EDGARD, CHAMBLESS, ROADTOWN, 1910.

Town, evoca a idéia de edifício-viaduto desenvolvida em São Paulo por Le Corbusier. “The Roadtown is a scheme to organize production, transportation and consumption into one systematic plan. In an age of pipes and wires, and high speed railways such a plan necessitates the building in one dimension instead of three - the line distribution of population instead of the pyramid style of construction. The rail-pipe-and-wire civilization and the increase in the speed of transportation is certain to result in the line distribution of population because of the almost unbelievable economy in construction, in operation and in time.” [CHAMBLESS, 1910].

A tentativa de criação de um sistema linear que funcionasse ao mesmo tempo como infraestrutura de circulação e contemplasse todas os espaços necessários à vida urbana, demonstra a busca por macro-sistemas tecnologicamente sofisticas e universais que fossem capazes de superar a complexidade e a flexibilidade da cidade tradicional. Essa propostas, como macroestruturas, se inserem no campo das propostas utópicas urbanas do final do século XIX e do início do século XX. Hoje, o cenário urbano das grandes metrópoles é testemunho daquele momento histórico. Em São Paulo existe um carro para cada três habitantes e a frota de veículos chega a quase sete milhões (DENATRAN SP).

▲ OBRAS DE EXPANSÃO VIÁRIA PARA A COPA DO MUNDO 2014.

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3 Migração da Indústria 3.1 MIGRAÇÃO

A desconcentração da industria nos últimos 25 anos, migrando para outras áreas da metrópole, mais afastadas do centro, e a reestruturação produtiva, ou seja, a fragmentação dos processos da indústria, tem, como produto principal, o esvaziamento dos setores industriais urbanos. Esse processo de reestruturação econômica, ao mesmo tempo que gera grandes áreas ociosas e subutilizadas, deixa para trás um rastro de degradação: “desemprego, perda do dinamismo econômico, desgaste dos tecidos sociais organizados tradicionalmente em torno da fábrica.” [SOMEKH, CAMPOS, 2005]

CADILLAC RANCH, DE CHIP LORD E ANT FARM, 1974. O AUTOMÓVEL COMO O SÍMBOLO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NA AMÉRICA.

“A ruptura desse modelo acarretou um conjunto de profundas transformações no modo de produção e na organização do território, ambos frutos da reestruturação global do capitalismo. (...) Em essência, todos esses estudos ressaltam a conjugação de duas tendências – a dispersão produtiva e a centralização de operações baseadas nos serviços avançados, que estão na base do desenvolvimento das metrópoles contemporâneas.” [MEYER, 2004: 28]

O “novo espaço industrial”, como é chamado por alguns estudiosos, característico da fase atual das metrópoles contemporâneas, atende às demandas da nova lógica

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produtiva, voltada a indústria de alta tecnologia com base na microeletrônica e estruturada na comunicação informacional. Da metrópole monocentralizada, passa-se a um “sistema urbano pluriarticulado de produção, de infraestrutura e de serviços” [MEYER, 2004: 28] onde o centro único deixa de exercer papel organizador. “De certa maneira, a unidade de produção deixa de ser o antigo núcleo fabril e começa a ser identificada com a própria cidade, com a região ou com uma rede transnacional, que passa a sediar um intrincado complexo de atividades produtivas e terciárias, organizadas de maneira flexível e fragmentada.” [Ibid.]

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O desenvolvimento do sistema produtivo torna-se então cada vez mais dependente de redes e articulações viárias e de transporte que conectem esses centros, garantindo a eficiência e a flexibilidade produtivas. Do ponto de vista do que fica para trás, o resultado da “desindustrialização” é o terreno vago (terrain vague)[SOLA-MORALES, 2002]. Esses locais são como o negativo de uma malha urbana pensada dentro de um determinado conjunto de características do sistema de produção industrial. Espaços indefinidos e incertos que representam a instabilidade do tecido urbano nesse processo. Como bem observa Nelson Brissac em “Paisagens Urbanas”, “O interstício é o paradigma da cidade contemporânea”. [BRISSAC, 2004]

▲ ▼ GÁS WORKS PARK, SEATTLE. RICHARD HAAG.


A MOTOWN RECORDS (MOTOR TOWN)

O processo de esvaziamento pelo qual passou Detroit, a cidade símbolo da indústria automobilística americana do século XX, talvez seja o exemplo mais expressivo a que podemos recorrer para melhor entender o processo de desindustrialização. Nesse caso, de uma cidade inteira. Com o crescimento da concorrência das indústrias automobilísticas japonesas na década de 1970, a economia da cidade, mais potente centro mundial voltado ao automóvel até então, entrou em recesso. Não apenas um processo de reestruturação industrial, mas um declínio econômico e financeiro, de decadência de sua atividade econômica principal, levou a cidade a declarar estado de quebra em julho desse ano (2013).

▲ ▼ CASAS E FÁBRICAS

ABANDONADAS NA CIDADE DE DETROIT. A CIDADE PERDEU 25% DE SUA POPULAÇÃO DE 2000 PARA 2010.

O êxodo urbano fez sua população caísse para menos da metade desde 1950, passando de 1,8 milhões de pessoas a 685 mil habitantes atualmente. Ruínas, casas abandonadas, terrenos vazios. Em Detroit há 78 mil edifícios abandonados. Dotado de certo sentido de ironia, Detroit, símbolo da produtividade urbana, da velocidade e da cultura do automóvel - ali foram criados grupos de rock como o MC5 (“Motor City 5”) e a legendária discografia da “Motown -, torna-se vazia, lenta e, hoje, a cidade mais verde dos Estados Unidos. Vale notar que com a queda populacional e o barateamento da terra, a cidade hoje está vivendo um processo inverso: as pessoas estão voltando dos subúrbios para o centro. E, como resposta à crise, seus habitantes iniciaram nos últimos anos um processo de produção de

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▲ DETROIT, A CIDADE AMERICANA

SÍMBOLO DO PODER INDUSTRIAL AUTOMOBILÍSTICO DA COMEÇO DO SÉCULO XX, COM O ESVAZIAMENTO IDUSTRIAL E POSTERIOR QUEBRA ECONÔMICA, É HOJE A CIDADE MAIS VERDE DOS ESTADOS UNIDOS.


alimento nos espaços livres da cidade. A agricultura urbana tornou-se então uma oportunidade que tem atraído uma quantidade considerável de organizações nessa área, como é o caso da Urban Farming, uma instituição mundial de produção de alimentos. ▲ “ENQUANTO UMA PARTE

3.2 VAZIOS

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Muitas dessas áreas, depois de abandonadas pela indústria, se encontram em estado completo de esquecimento. Outras, passam por processos de reestruturação funcional que buscam atender as novas demandas da metrópole. Uma incipiente parcela também tem sido alvo das transformações regidas pelo mercado imobiliário. “Algumas cidades, sobretudo aquelas situadas em países desenvolvidos, têm criado políticas públicas para enfrentar os problemas decorrentes desse processo e, ao mesmo tempo, para aproveitar as novas oportunidades de reestruturação de setores urbanos da metrópole.” [MEYER, 2010: 43-44]

A urgência por recuperar áreas em desuso localizadas nas bordas das linhas férreas é evidente em centros urbanos que enfrentam cada vez mais o problema da escassez de espaços. Os terrenos lindeiros, muitas vezes em estado de abandono oferecem grande potencial de dinamização

SIGNIFICATIVA DO MUNDO HOJE RECICLA E AUMENTA SUAS CIDADES ATRAVÉS DA CONSTRUÇÃO INCESSANTE, O QUE MAIS CRESCE NOS QUARTEIRÕES URBANOS DA CIDADE DE HENRY FORD SÃO O TOMATE, A PIMENTA, O MILHO E A BERINGELA.” [X BIENAL DE ARQUITETURA].


de seus bairros adjacentes. São importantes também no contexto da cidade, por sua localização privilegiada próximos aos sistema de transporte público e em muitos casos à estações de trem ou metrô. Em São Paulo, especificamente, em decorrência do processo de transformação no modo de produção, a privatização operacional das companhias de transporte ferroviário, desvinculada da propriedade dos terrenos adjacentes aos trilhos, originalmente pertencentes à Rede Ferroviária Federal (RFFSA), gerou uma sequência de espaços vazios antes atrelados ao funcionamento do sistema ferroviário e marcados pela presença dos ramais que se ramificam sempre com as mesmas angulações, sendo esses: fábricas, armazéns de manutenção, pátios de manobra, pátios para carga e descarga de mercadorias, garagens, dentro outros. “Viagem por um mundo em suspensão: apesar da passagem do trem, reina a mais completa imobilidade. (...) Lugares desativados que foram em parte demolidos e refeitos. Com jardins tropicais brotando nas áreas que perderam o telhado. Tudo aos poucos destruído. Obra em construção e ruína ao mesmo tempo. (...) Locomotivas e vagões, abandonados, enferrujados, depredados, jazem imóveis. (...) Esses espaços estão à espera de que alguma coisa aconteça. Aqui, o passado aguarda o futuro.” [BRISSAC, 2002: 108]

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Hoje, muitos deles estão vazios e abandonados, poucos sofreram algum processo de reconfiguração e outros foram apropriados por assentamentos informais ou empresas privadas, como é o caso do Pátio Bresser.

PÁTIOS FERROVIÁRIOS SUBUTILIZADOS EM NOVA IORQUE, GRANADA, PARIS E SÃO PAULO, DE CIMA PARA BAIXO.

FÁBRICA DE CERVEJAS DA ANTÁRTICA DESATIVADA NA MOOCA. TREM ABANDONADO. FOTOGRAFIA CIA DE FOTO, PARA O ARTE CIDADE ZONA LESTE.

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▼ FRAMES DE VÍDEO GRAVADO

DURANTE PERCURSO CENTROPERIFERIA DE TREM EM BUENOS AIRES, ARGENTINA

ORLA FERROVIÁRIA EM BUENOS AIRES. ENQUANTO BOA PARTE DOS TERRENOS ESTÁ SUBUTILIZADA, ALGUNS GALPÕES FORAM OCUPADOS E SÃO USADOS COMO MORADIA POR FAMÍLIAS SEM-TETO.






III

PÁTIO

BRESSER


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O espaço delimitado para a ação projetual é então resultado direto (1) da estruturação da metrópole e consequente fragmentação dos tecidos pelas infraestruturas ferroviárias e rodoviárias e (2) do processo de migração da indústrias para áreas mais afastadas do centro, que tem como produto uma vasta área desativada ou subutilizada.


1 Tempo 1.1 DESCARACTERIZAÇÃO E LEGADO

▼ GALPÃO E ANTIGO PÁTIO DE

MANOBRAS DO ABRIGO ENGENHEIRO SÃO PAULO, 1930.

“São as tensões, entre o passado que se perdeu e o futuro que não se realizou. A cidade é cheia de vazios: essas lacunas monumentais são vestígios de possibilidades abandonadas de futuros. Nesses intervalos abertos na paisagem urbana, nesse tempo interrompido, é que algo pode acontecer: a emergência de um tempo e de um espaço mais amplos” [BRISSAC, 2002:108]

O triangulo ferroviário, objeto de projeto desse trabalho, também conhecido como Pátio Engenheiro São Paulo (em homenagem à João José de São Paulo – Engenheiro Ajudante da EFCB), foi a principal estação de cargas da Companhia da Estrada de Ferro Central do Brasil. Hoje, tem parte de sua área utilizada pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), para manutenção dos carros, e os outros galpões remanescentes sublocados por uma empresa de logística, a Brasil Maxi e outra de cimentos, a Ibitirama. Com o aumento da frota dos chamados trens de subúrbio, que atendiam a Zona Leste da cidade, o antigo pátio Roosevelt (ou Oficina Roosevelt), localizado no Brás,

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torna-se insuficiente para manutenção dos trens. Dessa maneira, em 1920, é inaugurada, em parte do terreno do antigo Hipódromo da Mooca, uma nova oficina e estação de cargas, chamada primeiramente de Mooca e Norte Cargas, que contava com um vasto pátio por onde entravam os ramais ferroviários e com dois armazéns, um voltado para exportação e outro para importação, concluídos entre 1921 e 1922.

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“Engenheiro São Paulo foi o terminal de cargas mais importante da Estrada de Ferro Central do Brasil em São Paulo, e ao longo dos anos o complexo foi sendo modificado para atender novas exigências. Em data incerta, o maior dos armazéns, o Armazém N.º 2 (importação) foi demolido e, no início de 1968, quando foi inaugurado o transporte de contêineres entre São Paulo e Rio de Janeiro, o terminal passou por algumas adequações para que pudesse ser utilizado para este fim. Sua última e grande reforma foi na década de 70 quando o pátio foi todo remodelado, sendo construído um novo edifício de controle de operações. Da parte original resta hoje o Armazém N.º 1 (exportação) que é utilizado como terminal de cimento ensacado.” [RAYMUNDO, 2012]

A presença de uma pequena estação de passageiros ainda pode ser notada, ao lado dos galpões destinados a manutenção dos trens da CPTM. A estação, que funcionou por um curto período de tempo, sendo suprimida na década de 30, era chamada de “Segunda Parada”, por ser o segundo ponto de desembarque a partir da antiga Estação do Norte/ Roosevelt, no Brás.

▲ ARQUIBANCADA DO ANTIGO

HIPÓDROMO DA MOOCA, NA RUA DO HIPÓDROMO.

▼ ARMAZÉM Nº1, ÜNICA

EDIFICAÇÃO RESTANTE DO PROJETO ORIGINAL.


▲ MAPA SARA BRASIL, 1930,

INDICANDO A ÁREA DO HIPÓDROMO SOBRE O TECIDO HISTÓRICO E O PÁTIO, QUE NA ÉPOCA AINDA CONTAVA COM O ARMAZÉM DE EXPORTAÇÃO (mais à direita).


▲ VISTA DO PÁTIO A PARTIR

DA FERROVIA. A CHAMADA “SEGUNDA PARADA” AINDA PODE SER RECONHECIDA EM MEIO AOS TRILHOS.



1.2 MUDANÇA DE PARADIGMAS A partir da década de 1920, a construção de rodovias pavimentadas foi ampliada, passando a competir com as ferrovias por recursos públicos e pelo transporte de cargas e passageiros. Ainda assim, nos 30 anos que se seguiram a malha ferroviária nacional se expandiu consideravelmente, devido principalmente ao aparecimento de novas tecnologias que permitiram a substituição de trens movidos a vapor por veículos de tração elétrica e, logo, por motores a diesel. 108

Hoje, depois de décadas de investimentos nacionais no modelo rodoviário, essa competição se acirrou, fazendo com que muitas empresas optem pelo transporte sobre rodas, pelas vantagens em termos de eficiência e velocidade. Ao transporte ferroviário ficam restritos portanto, hoje no Brasil, principalmente os minérios, pelo seu alto peso e por serem transportados em grandes quantidades. “O Brasil tem 29.817 quilômetros de ferrovias. Esse número permanece inalterado há 40 anos. Os EUA, com uma área pouco maior do que a nossa, possuem 10 vezes mais. Atualmente, um quarto da produção brasileira roda sobre trilhos. Na Federação Russa - nação cuja matriz de transporte se baseia muito nos trens -, esse índice chega a 80%. [“Mais trens e barcos, menos caminhões”. Folha de S.Paulo, abril de 2009]

▲ ▼ A OPÇÃO PELO TRANSPORTE

DE CARGA RODOVIÁRIA EM DETRIMENTO DO FERROVIÁRIO GERA CONGESTIONAMENTOS FREQUENTES NO PORTO DE SANTOS. abaixo: FERROVIA E RODOVIA ANHANGUERA EM CUBATÃO.


Os terminais de carga e descarga urbanos, ou os chamados “portos secos”, considerados “o ponto de conexão entre o tráfego sobre estradas de rodagem e sobre trilho”, segundo descrição do livro “Neufert: Arte de Projetar em Arquitetura” [NEUFERT, 1976], vem passando hoje por uma redefinição de funções. A grande maioria das transportadoras localizadas dentro dos centros urbanos, já substituiu as estradas de ferro pelas rodovias.

▼ ALGUNS DOS POUCOS CONTAINERS

AINDA USADOS PELA BRASIL MAXI.A MAIOR PARTE JÁ FOI SUBSTITUÍDA POR RECIPIENTES PRÓPRIOS PARA OS CAMINHÕEs.

A mudança no papel da ferrovia em São Paulo, antes usada prioritariamente para transporte de cargas e agora voltado principalmente ao transporte de passageiros alterou drasticamente a relevância da localização de empresas de armazenagem nessa área central da cidade. Para a CPTM, o pátio é de grande importância como abrigo para os trens em período de manutenção e modernização, uma vez que já não há disponibilidade de terrenos como esse, de grandes proporções, em áreas urbanizadas da cidade. Por outro lado, a Brasil Maxi, única empresa de logística e transporte localizada no coração da cidade e originalmente instalada em um terreno próximo a ferrovia para escoamento de sua produção, já não se utiliza da linha férrea para tal fim, optando pelo recebimento e distribuição de seus produtos através do transporte rodoviário. Dessa forma, a relevância da localização de uma empresa de logística no centro da cidade se enfraquece. É nesse sentido que o projeto aqui apresentado vai manter o funcionamento dos galpões da CPTM, ao mesmo tempo que reabilita as outras edificações, atribuindolhes novos usos.

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▼ PÁTIO BRESSER. SITUAÇÃO ATUAL, COM TRILHOS REMANESCENTES.


ARMAZÉM DE CIMENTO ENSACADO.

▼ VISTA DO PÁTIO COM ARMAZÉm AO FUNDO E TORRES DE ILUMINAÇÃO.


A PASSAGEM DO TREM SOB O VIADUTO BRESSER E O ESPAÇO DESTINADO AO PEDESTRE SOBRE O MESMO VIADUTO.


2

Espaço 2.1 INFRAESTRUTURA E ESCALA URBANA

O pátio faz parte de um vazio ferroviário muito maior, conformado também pelo pátio da estação Belém, que ocupa uma faixa extensa paralela aos trilhos e está localizado em um ponto entre três bairros distintos: Mooca, Brás e Belém.

ANTIGA CENTRAL DO BRASIL, HOJE A LINHA FÉRREA É USADA PELOS TRENS DA CPTM (LINHA 11-CORAL) E PELO METRÔ (LINHA VERMELHA).

O espaço é cortado por eixos de transporte de grande porte e abrangência metropolitana. A linha férrea como presença marcante, separação norte-sul do terreno. A Radial leste, paralela aos trilhos, como eixo estrutural de grande fluxo de veículos, artéria vital de acesso à Zona Leste da cidade. Completando a geometria, o terceiro lado do triangulo, acontece no sentido norte sul como conexão viária de veículos – um viaduto que transpõe a ferrovia sobre a rua Bresser, antiga rua do Hipódromo. Tal configuração, historicamente marcada pela abertura da Radial Leste nos anos 60, somada a implantação das linhas 11-Coral da CPTM, e 3, Vermelha, do Metrô, é responsável pela consolidação do caráter metropolitano da área, descaracterizando de maneira avassaladora o

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ESTAÇ ÃO B R ESSER MOOCA ESTAÇÃO R OOSEVELT

ESTAÇÃO BRÁS

M U SEU DA IM IG R AÇ ÃO


ESTAÇ ÃO B ELÉM

PÁTIO B ELÉM

PÁT I O B RES S ER

CLUBE ESCOL A MOOCA


traçado pré-existente. O resultado é o insulamento, a conversão de uma grande parcela da malha urbana em um território ilhado, de difícil acesso. O próprio pátio, hoje subutilizado, conforma-se, junto às estruturas metropolitanas de circulação, como uma barreira. “O ramal ferroviário e suas ruínas industriais, são como um corte que desagrega todo o desenho urbano da área, que rompe sua homogeneidade e continuidade, levando-o ao colapso. É um buraco negro, um vazio que se abre e engole a cidade. Uma “arquitetura entrópica”: um processo dinâmico de desorganização do tecido urbano.” [Brissac, 2012: 111]

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Ao analisar a evolução histórica da malha urbana, é fácil notar as rupturas das continuidades dos traçados das vias. Originalmente destinado a um equipamento de grandes proporções, o antigo Hipódromo da Mooca, o território foi sendo subdivido por caminhos e vias de menor envergadura, que logo tiveram seu desenho interrompido pela implantação ou dos trilhos da ferrovia ou de vias de maior capacidade de tráfego. Regina Meyer aponta algumas das deficiências encontradas nas tentativas na solução do problema da travessia dos trilhos: “Obras viárias de grande porte foram gradualmente adequando os bairros ao sistema de comunicação viária de longa distancia, resolvendo as questões de ultrapassagem da ferrovia. Porém, os problemas de microacessibilidade, cuja origem é a presença do sistema ferroviário e de glebas de grande porte no interior do tecido urbano, não foram objeto de nenhuma obra específica. É possível até mesmo afirmar que, alem dos problemas já existentes, as novas ligações destinadas à

▲ MAPA SARA BRASIL, 1930,

MOSTRANDO O TRAÇADO VIÁRIO POSTERIORMENTE FRATURADO PELA RADIAL LESTE.




▲ O TECIDO FRATURADO, ILHADO E DISSOLVIDO.


estruturação metropolitana incrementaram outros relacionados com a acessibilidade local.” [MEYER,2010:79]

Apesar de situado entre duas estações de metrô (Estação Bresser-Móoca e Estação Belém), uma via arterial de importância metropolitana e um enorme viaduto que liga o bairro do Brás e do Belém ao bairro da Mooca, a acessibilidade local é deficiente. O resultado é um lugar que sofre movimentos de fora para dentro e tem suas particularidades locais e suas dinâmicas intrínsecas fortemente oprimidas.

120

A conexão entre os equipamentos públicos e privados de grande porte e importância presentes na área, como a Universidade São Judas, o Clube Escola Mooca, o Instituto Brasileiro de Controle do Cancer e o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), fica debilitada, uma vez que a circulação de pedestres não é priorizada, com calçadas em péssimo estado, pouca iluminação e áreas extensas sem praticamente nenhum uso ou atividade. Com a construção da Radial Leste, por exemplo, toda a área marginal da via foi reconfigurada, com a criação de serviços voltados principalmente à população flutuante e ao acesso através do automóvel. O comércio local é escasso nessas áreas, contribuindo ainda mais para a desestruturação do território. Em busca de uma análise mais profunda sobre as relações espaciais desse local, o projeto procura reconectar o tecido existente, recuperando as relações perdidas entre as três regiões pela fragmentação do espaço urbano. Ao potencializar uma realidade, o vazio infraestrutural, conformado por eixos metropolitanos,

▼ EQUIPAMENTOS DE GRANDE PORTE. ESTAÇÃO BRESSER-MOOCA, CLUBE ESCOLA DA MOOCA, HOSPITAL SALVALUS E UNIVERSIDADE SÃO JUDAS.


encontra a possibilidade de se refazer enquanto elemento articulador do território. O espaço residual resultado da escala agressiva da metrópole, se volta contra ela e se converte no grande protagonista da transformação do lugar, aproveitando-se daquelas infraestruturas que ao mesmo tempo que o configuram, o condenam.

2.2 INFRAESTRUTURA E PROJETO URBANO

▼ EIXOS DE ARTICULAÇÃO DO TERRITÓRIO.

Porém, são esses mesmos eixos que atravessam esse território, que promovem sua conexão e articulação com o restante da metrópole. “A antiga barreira, hoje transformada em orla ferroviária, criou uma interessante contradição, pois, do mesmo modo que gerou um tecido urbano descontínuo, interrompendo a malha urbana, sua presença hoje oferece a possibilidade de deslocamento rápido através do extenso território metropolitano de leste a oeste.” [MEYER, 2010: 80]

Os projetos urbanos desenvolvidos junto a infraestrutura de escala metropolitana tem um raio de abrangência que ultrapassa os limites do entorno do terreno, para ir alem da região de implantação. Sua importância se dá na escala da cidade, e alcança outro bairros, regiões, ou mesmo outras cidades. Uma vez que adquirem caráter de centralidade, devem servir a uma proporção muito maior da população, do que somente àquela daquele local específico.

121


O SESC, entendendo essa lógica, se localiza sempre próxima a grandes estruturas de transporte (terminais de ônibus, metrô, vias de alta capacidade de tráfego). As Universidades, já muito antes também haviam percebido essa oportunidade. É muito mais viável do ponto de vista da atratividade, instalar um equipamento em locais com alto nível de acessibilidade, tornando-o parte integrante do caminho do público a ser atingido. “Além de tirar partido dos atributos funcionais de acessibilidade e consequentemente, de centralidade, conferidos pelas grandes infraestruturas aos lugares a que servem, um dos desafios do urbanismo contemporâneo é torná-las em si mesmas fatores de melhoria do espaço urbano e indutoras de transformações vizinhas.” [BRAGA, 2006: 182]

122

▲ LOCALIZAÇÃO DO PÁTIO EM

RELAÇÃO AO CENTRO, CONECTADO AO RESTO DA METRÓPOLE POR IMPORTANTES EIXOS VIÁRIOS E FERROVIÁRIOS.


3

Projeto Urbano 3.1 PREMISSAS

ESCALAS O projeto vai então se apropriar do caráter metropolitano da área ao mesmo tempo que procura reintegrar o tecido à malha urbana existente, devolvendo o espaço à população local dos bairros adjacentes. A quantidade e qualidade das infraestruturas urbanas ali instaladas contribui e norteia o desejável processo de requalificação daquele local, através da inversão do cenário atual de degradação ambiental e baixa qualidade da ocupação espacial urbana. Além de se localizar entre duas estações de metrô, o lote em questão é de propriedade do Metrô (Companhia do Metropolitano de São Paulo), sendo sublocado pelas empresas privadas ali presentes. Esse fato contribui para a instalação, através de uma parceria públicoprivada, de um equipamento de uso público, com investimentos da própria companhia do Metrô, uma vez que o projeto atenderia em grande parte aos seus usuários.

123


Através da costura do território, vencendo as fraturas conformadas ao longo do tempo, o objetivo é criar uma nova centralidade metropolitana e ao mesmo tempo regional. A fusão entre essas duas escalas torna-se a ambição central do trabalho. A partir das transformações territoriais propostas, busca-se um desenvolvimento local que atenda as demandas sociais urbanas. A criação de uma pólo, capaz de integrar aquele território, possibilita a geração de empregos e renda e potencializa o comércio local. As atividades profissionalizantes previstas no programa e as unidades de comércio desenvolvidas nesse trabalho, uma vez baseadas na análise das dinâmicas do próprio bairro, devem ser entendidas nesse sentido. 124

Em análise sobre os grandes projetos urbanos, em regiões que sofreram esvaziamento industrial e processos de estruturação econômica, Nadia Somek e Candido Malta Campos identificam uma série de deficiências em intervenções desse porte, onde muitas vezes os investimentos capazes de alavancar tais projetos não geram melhorias no âmbito local, das comunidades, e os lucros dificilmente são empregados em obras de infra estrutura, habitação ou equipamentos sociais. Um exemplo interessante seria o Puerto Madero em Buenos Aires, onde os galpões do antigo porto foram reconvertidos em escritórios de alto padrão e seus térreos em restaurantes e bares caros, de forma que lugar têm sua função integral limitada aos grupos dominantes. Visto isso, apontam: “Se o modelo dos grandes projetos urbanos estratégicos

▲ COMÉRCIO LOCAL NAS RUAS DO

ENTORNO DO PÁTIO. PREDOMINAM AS LOJAS DE SACARIA (SACOS, PANOS DE PRATO, TAPETES E TECIDOS) E MAQUINARIA (EQUIPAMENTOS GRÁFICOS).


mostra sinais de esgotamento nesse sentido, qual seria a alternativa? Entre os muitos caminhos em discussão, é possível identificar, ao longo da última década, a emergência de iniciativas menos ambiciosas de renovação urbana, voltadas aos interesses e às perspectivas de cada localidade, que podemos denominar projetos urbanas de desenvolvimento local.” [SOMEK, CAMPOS, 2005]

Na mesma linha de raciocínio, o projeto aqui desenvolvido se baseia no princípio da “intervenção mínima”, partindo de uma posição realista e pondo em cheque a viabilidade de projetos urbanos de macro planejamento hoje na cidade de São Paulo. Tem como premissa a manutenção do desenho urbano atual da região, sem que sejam apresentadas mudanças estruturais em relação ao traçado viário e ferroviário, assim como a conservação do antigo pátio de manobras. ▲ A PARTIR DA ANÁLISE DE

DEMANDAS SOCIAIS DO BAIRRO, BUSCA-SE O DESENVOLVIMENTO LOCAL.

A intervenção é portanto, uma tentativa de projeto, ou mesmo um estudo de caso, sobre uma condição pré existente, de contraste entre escalas diferentes, infraestruturas metropolitanas e tecidos históricos, presente aliás em diversos pontos da cidade, fruto do processo de metropolização da cidade e do esvaziamento industrial. Ao colocar lado a lado as duas escalas, a fim de aproximá-las, optamos pela contigüidade em oposição à dispersão, típica do território metropolitano. Transformamos um não lugar em lugar. Dotamos o espaço novamente de um sentido identitário, relacional e histórico, condições básica para a existência do lugar, na concepção de Augé. [AUGÉ, 2007: 73]

125


▼ NOVOS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS NO BAIRRO DO BRÁS (à esquerda) E DA MOOCA (à direita).


3.2 DEMANDA

A região de estudo passa hoje por um processo de adensamento estrutural, tendo sua população aumentado de 308,596 habitantes em 2000 para 343.980 em 2010. Estando dentro do Perímetro de Ação Integrada (PAI) e através do incentivo à implantação de habitação de interesse social pela demarcação como área de ZEIS3, prevê-se um aumento ainda maoior da densidade habitacional da área. Assim como inúmeros outros bairros da Zona Leste, também tem sido alvo do mercado imobiliário com a construção de edifícios residenciais de médio e alto padrão, que se aproveitam da alta oferta de terra, da infraestrutura instalada e da proximidade ao centro da cidade.

Lançamentos Residenciais Verticais Município de São Paulo 2002 - 2011

Rod. Anhangüera

Rod. Bandeirantes

Rod. Pres. Dutra

Rod. Ayrton Senna

Marginal do Tiête

Marginal do Pinheiros

Av. Brig. Faria Lima

Rod. Anchieta Av. do Estado

Distritos

Rod. dos Imigrantes Av. Prof. Abraão de Moraes Av. Ricardo Jafet Av. Dom Pedro I

Represas

Av. Paulista

Principais Parques

Av. Eng. Luiz Carlos Berrini

Número de Lançamentos Residenciais Verticais, por área de ponderação 80 74 69 64 58 53 48 42 37 32 26 21 16 10 5 0 0

6

12 Quilômetros

Fonte: Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio - Embraesp. Elaboração: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU; Departamento de Estatística e Produção de Informação/Dipro.

▲ LANÇAMENTOS RESIDENCIAIS

VERTICAIS. 2002-2011 PREFEITURA MUNICIPAL DE SP.

18

Entretanto, esse crescimento populacional tem acontecido de forma não planejada, fazendo com que a oferta de equipamentos e áreas verdes não aumente na mesma proporção. Da mesma forma, o incentivo às áreas de ZEIS-3 hoje se limita a construção de habitação social em áreas vazias ou subutilizadas, não sendo obrigatórios projetos de adequação do território existente à nova população. Não são previstos incentivos ao comércio local ou mesmo construção de equipamentos que sirvam aos novos moradores. A Revisão do Plano Diretor Estratégico do ano de 2013 procura inverter essa lógica ao definir:

127


“§ 1º. Os planos de urbanização e regularização fundiária mencionados no “caput” obedecerão aos princípios e objetivos desta lei e conterão, no mínimo: (...) IV – projetos das intervenções urbanísticas necessárias à recuperação física da área incluindo, de acordo com as características locais, soluções para a adequação das redes de infraestrutura existentes, para reforma e adequação de cortiços, reforma de edifícios para adaptação ao uso habitacional e usos complementares ao habitacional, com oferta de áreas verdes públicas, instalação de equipamentos sociais, construção de espaços públicos na dimensão e qualidade adequada à demanda existente;” [PREFEITURA DE SÃO PAULO, retirado da página GESTÃO URBANA].

128

Apesar da imensa disponibilidade de área livre e da baixa densidade demográfica, a área hoje administrada pela Subprefeitura da Mooca, que compreende os bairros da Água Rasa, Belém, Brás, Mooca, Pari e Tatuapé é hoje a região com menos área verde por habitante da cidade. Segundo dados da Rede Nossa São Paulo, cada morador conta com 0,35 m² de área verde pública. A área da subprefeitura da Sé por exemplo apresenta um índice quatro vezes maior, com 1,34 m² por habitante e com densidade demográfica quase duas vezes superior – 16 hab/km² para 9 hab/km² na Mooca (IBGE – Prefeitura Municipal de São Paulo). Organizações como o Movimento Mooca Verde tem procurado reverter esse cenário, através de pressões às entidades governamentais pela revitalização de praças e locais degradados e a transformação de grandes

▼ TABELA DE ÁREA VERDE POR HABITANTE POR BAIRRO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO


parcelas livres do território em áreas arborizadas de uso público. Como se pode observar no mapa de equipamentos públicos, não existe demanda por serviços de saúde, educação e esportes. Somente na área de estudo, existem dois grandes hospitais (Salvalus e HC) e 12 CDC (Clubes da Comunidade). Em contrapartida, a oferta de equipamentos de cultura é mínima, há pequenos teatros e poucas bibliotecas ou Casas de Cultura. O mesmo acontece com as áreas de lazer. Os equipamentos existentes carecem de integração. Estão dispersos pelo território, de maneira que o acesso pelos usuários locais àquela região é prejudicada, situação descrita anteriormente nesse capítulo. ▲ MOVIMENTO MOOCA VERDE. ▼ MAPA DE ANÁLISE DE DEMANDA.

EDUCAÇÃO CULTURA ASSISTÊNCIA SOCIAL SAÚDE ESPORTES

Em relação ao local escolhido para desenvolvimento do projeto, não sendo objeto de incentivo à construção de habitação, devido à sua condição de terreno fronteiriço à dois eixos de circulação de grande porte e à manutenção de um de seus usos principais, pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), torna-se relevante sua reestruturação como equipamento de uso público, de apoio às zonas habitacionais existentes hoje, aos novos empreendimentos residenciais e, dentro de um futuro quadro de adensamento, as desejáveis unidades de HIS. Devido a sua localização privilegiada, como um nó entre três bairros, também é pertinente como elemento articulador dos pólos ou ilhas de atividades que ali encontramos: as zonas habitacionais, os equipamentos públicos e as centralidades comerciais, como a Rua da Mooca e Av. Celso Garcia.

129


▼ ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL (ZEIS3) E NOVOS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS.

▼ GRANDES EQUIPAMENTOS PÚBLICOS.

▼ ESTAÇÕES DE METRO E PARADAS DE ÔNIBUS.

▼ NOVOS FLUXOS DE PEDESTRE POR DENTRO DA ÁREA DE INTERVENÇÃO, CONECTANDO AS CENTRALIDADES EXISTENTES.


3.3 PROPOSTA

“A arquitetura como construit portas, de abrir: ou como construir o aberto; construir, não como ilhar e prender, nem construir como fechar secretos; construir portas abertas, em portas; casas exclusivamente portas e teto. O arquiteto: o que abre para o homem (tudo se sanearia desde casas abertas) portas poronde, jamais portas-contra; por onde, livres; ar luz razão certa.”[MELO NETO, 1999]

O projeto proposto pretende então reconectar os três bairros adjacentes e suas centralidades, através da recuperação do tecido existente. Mantendo a configuração espacial do pátio, visa-se reabilitar e dar novos usos aos antigos galpões. A reativação da área deve gerar uma série de novos fluxos através do território - hoje uma barreira a circulação de pedestres - facilitando o acesso aos equipamentos espalhados pela região e incentivando o uso daquele próprio espaço.

131




NORTE

VENTOS

▲IMPLANTAÇÃO.



PRAÇA MOLHADA

GRAMADO

10.820M2 4.190M2

20.150M2

PRAÇA SECA

VEGETAÇÃO DENSA

16.900M2


TÉRREO Na cota zero, o território é dividido em três partes, à nível de implantação: Parque, Praça Molhada e Praça Seca. Antigo pátio de carga e descarga, o triangulo ferroviário conta hoje com uma imensa área livre, repleta de trilhos, por onde uma vez entraram os trens de carga da Estrada de Ferro Central do Brasil e que será transformada em parque, atendendo a demanda da região por área verde e espaços de lazer. Na porção leste do pátio, uma área de vegetação mais densa, com árvores de grande porte, mais protegida e fresca, e na porção oeste um gramado e vegetação rasteira, que configura um dos acessos ao pátio. Os vazios configurados pelos galpões, por onde ora passavam os trens, ora eram depositados os containers de transporte de mercadorias, são incorporados ao projeto na forma de praças públicas, denominados então: Praça Seca e Praça Molhada. A Praça Seca se abre para a rua Bresser, por baixo do viaduto, e portando à estação de metrô Bresser-Mooca, cujo acesso se dá pela continuação dessa rua. Permite assim, que o fluxo de pedestres que passa por ali se estenda para dentro do lote, convidando-nos a usufruir daquele espaço. Com o rebaixamento de alguns espaços, cria ambientes de estar e reunião, assim como pequenos auditórios ao ar livre e espaço para crianças. Um pouco mais adiante, uma série de tanques repletos de água e vegetação filtrante, criam o que foi chamado

137


▲PRAÇA SECA


▲PRAÇA MOLHADA


de Praça Molhada. Entremeados por passarelas que continuam o desenho da primeira praça, distribuindo as circulações, essa área se alarga até encontrar o gramado e a estrutura metálica do Galpão 3, organizando também esse espaço.

O Galpão 2 será reativado por meio da criação das chamadas Oficinas de Criatividade (cerâmica, escultura, pintura, gravura, costura e tecelagem), e tem como módulo básico de organização do espaço o container, onde acontecem as aulas. Também conta com um restaurante/bandejão e uma cozinha industrial. Já o terceiro, Galpão 3, será transformado em viveiro de plantas, onde acontecem as oficinas externas, com aulas de jardinagem e hortas comunitárias. Esse último será despido de sua roupagem original, sendo mantida apenas sua estrutura metálica, as quais devem ser envolvidas pela vegetação natural ao longo dos anos.

▲GALPÃO 1.

INTERVEÇÃO DE ÂNGELO VENOSA NO ARTE CIDADE ZONA LESTE. O GALPÃO ENCONTRÁVA-SE NA ÉPOCA SOMENTE COM A ESTRUTURA DO TELHADO E VAZIO. O ANTIGO BLOCO DE ADMINISTRAÇÃO DO ARMAZÉM DE EXPORTAÇÃO SERÁ REABILITADO E USADO COMO RECEPÇÃO (NO TÉRREO) E ADMINISTRAÇÃO DO COMPLEXO CULTURAL (1º PAVIMENTO).

140

Os galpões de interesse históricos serão aproveitados e abrigarão o que poderíamos chamar de “usos fixos”. Em linhas gerais, recebem usos culturais/educacionais e de lazer. O Galpão 1, única edificação restante da configuração original do pátio da EFCB, à borda da Rua Pires do Rio, contará com um espaço receptivo e informativo, além de uma área para descanso com redes e outra para exposição de trabalhos desenvolvidos no próprio centro. Também são instaladas a parte administrativa do pátio, uma biblioteca, que deve atender à parte da rede municipal e estadual de educação e à Universidade São Judas, uma sala de projeções e uma arena para apresentações menores – sendo esses espaços usados como apoio às atividades que acontecem nos outros galpões.

▼ GALPÃO 3 SITUAÇãO PROPOSTA.


▲GALPÃO 1.

COLAGEM PROPOSITIVA DE INTERVENÇÃO.

GALPÃO 1. SITUAÇÃO PROPOSTA acima: SALA DE PROJEÇÕES abaixo: ENTRADA, RECEPÇÃO E ADMNISTRAÇÃO.


▲ GALPÃO 1 : SEM ESCALA

PLANTA TÉRREO.

▲ GALPÃO 1 : PLANTA PAVIMENTO SUPERIOR. SEM ESCALA

▲ GALPÃO 2/3 : SEM ESCALA

PLANTA TÉRREO.

▲ GALPÃO 2 : PLANTA PAVIMENTO SUPERIOR. SEM ESCALA


▲PLANTA TÉRREO. SEM ESCALA


USOS O conjunto de atividades proposto, com a sobreposição de usos diferentes e complementares, tem como objetivo garantir a diversidade de público e interesses, possibilitando uma vivência heterogênea daquele espaço. “A fragmentação criativa na escala urbana que aceita a mistura, a ambigüidade e o conflito típicos da cidade.”[MONTANER, 2009, 168].

144

A tradição manufatureira do bairro, e a forte presença hoje de instituições profissionalizantes voltadas ao ensino industrial, como o SENAI, e também de centralidades de comércio especializado em maquinaria e sacaria, indicam a necessidade ainda presente de atividades manuais que poderiam contribuir para a continuidade e desenvolvimento do comércio local latente. Assim, foram incorporados atividades de produção e criação, através das Oficinas. A idéia de oficina, a meu ver, está associada à idéia de fábrica, de produção . O parque e as praças públicas por sua vez buscam o lazer. Procurase portanto, assim como na proposta de Lina Bo Bardi para o SESC Pompéia de 1982, o entrelaçamento entre esses dois conceitos. A produção prazerosa. “O lazer vive com o complexo inferioridade versus o trabalho. Um mundo de lazer é a volta à individualização do trabalho contra os ‘instintos dos animais; é a base da Civilização (nas qual eu acredito profundamente). Acho que a dialética trabalho-lazer é uma saída.” [Lina Bo Bardi, Exposição SESC 30 anos com curadoria de André Vainer e Marcelo Ferraz]

Ninguém soube tão bem como Lina, como “construir portas”, da citação de João Cabral de Melo Neto.


OFICINAS DE ARTE PINTURA GRAVURA

OFICINA ESTAR CIRC. VERTICAL CULINÁRIA BANHOS

ESTAR/ COMÉRCIO

BANDEIJÃO COZINHA CIRC. VERTICAL

CERÂMICA

OFICINAS JARDINA

ZONA DE ESTAR COMÉRCIO REDES

VIVEIRO

ZONA DE COMÉRCIO

BANHOS

BANHOS

TECELAGEM ESCULTURA

GALPÃO 2

GALPÃO 3

GALPÃO 1

BANHOS CIRC. VERTICAL BIBLIOTECA

BANHOS

ARENA

SALA PROJEÇÃO

CIRC. VERTICAL RECEPÇÃO

ESTAR REDES

EXPOSIÇÕES


Construir portas entendido aqui como metáfora primeiro a desobstrução do espaço, o espaço livre e aberto a cidade, e segundo como portas de oportunidades. Criamse no SESC, possibilidades de apropriação daquele espaço por toda e qualquer pessoa que dele se utilize, e almeja-se a integração entre essas pessoas: “A idéia elementar de Lina foi criar um espaço onde qualquer um, criança, estudante ou carpinteiro, tivesse ocasião de expressar sua forma de vida, de se comunicar e articulá-la em um contexto dignificador. Cultura como construção de uma comunidade. Não cultura como museu, como ritual acadêmico que separa socialmente o indivíduo de sua comunidade(...).” [SUBIRATS, 1991]

Da mesma forma que o projeto da arquiteta ítalo-italiana, uma “arquitetura com o tempo” segundo interpretação de Montaner [MONTANER, 2009: 107], que possibilita transformações e adequações através da participação dos próprios usuários ao longo do tempo, o Centro Cultural Matadero se apresenta como um projeto aberto e suscetível ao tempo. Uma bem-sucedida requalificação de um patrimônio através de um equipamento de cultura funcionalmente múltiplo e heterogêneo. Nas palavras de Montaner:

▲SESC POMPÉIA. LINA BO BARDI 1982.

146

Nesse sentido, a dissolução antigo pátio ferroviário, por meio dos novos fluxos que o entrecortarão, e a tentativa de manter sua configuração original, tanto dos cheios como dos vazios, funciona como um esforço por “construir portas” no sentido “espacial” da expressão e, a diversidade de usos atribuída a esse lugar um “abrir portas” em seu sentido metafórico

▲ CENTRO CULTURAL MATADERO, MADRID, ESPANHA.


Naves del español (Teatro)

Nave de la música

Nave 16

Oficina

Plaza Matadero

Cafeteria Cineteca y Archivo Documenta

Café

Central de Diseño

Casa del lector

Intermediae (Centro experimentaçao)

“São arquitetura da realidade, que admitem que a passagem do tempo as modele segundo a vontade, as intenções e as possibilidades dos seus habitantes. O ponto de partida é afirmar o caráter sempre dinâmico da realidade e negar a arquitetura como um objeto acabado. Nesse sentido, o que se obtém, é uma estrutura arquitetônica e urbana básica sobre a qual, com o tempo, os habitantes vão introduzindo operações de ampliação e transformação segundo suas possibilidades.” [MONTANER, 2009: 107]

ATIVIDADES ESPECIAIS EXPOSIÇÕES GRUPOS DE PESQUISA PALESTRAS/SEMINÁRIOS OFICINAS E WORKSHOPS MÚSICA TEATRO CINEMA INSTALAÇÕES CAFÉ/RESTAURANTE

3.4 CIRCULAÇÃO E ARTICULAÇÃO PAVIMENTO SUPERIOR Como temos enfatizado até aqui, a articulação do território pode ser considerada como a parte fundamental desse projeto. Partindo do pressuposto de que para a integração desse território se tornam necessárias costuras, ou elementos de coesão capazes de vencer as interrupções do tecido histórico e ao mesmo tempo organizar o espaço fraturado, é criada uma rede de passarelas sobre a cota existente dos galpões, a fim de coletar e distribuir novos fluxos de pedestres para os bairros adjacentes a ele.

▲ ESTUDO DE POSSIBILIDADES

DE PROGRAMA. FOI FEITA UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES QUE ACONTECEM HOJE NO CENTRO CULTURAL ESPANHOL, MATADERO, E AS OPORTUNIDADES DE USO DO PÁTIO BRESSER.

A trama se aproximam dos galpões, tocando-os em alguns pontos, tangenciando-os e até atravessando-os em outros. Sobre ela são dispostos módulos cúbicos de atividades e serviços que potencializam seu uso.

147


O pátio torna-se o centro dessa malha aérea de passarelas que aproxima uma série de pontos localizados no entorno imediato ao lote, transpondo os principais obstáculos de segregação físico-espacial. Visa-se portanto conectar, a partir da recuperação do pátio, equipamentos e centralidades já existentes, hoje isolados.

As passarelas, entendidas como uma infraestrutura de circulação, organizam e estruturam o espaço do pátio. Atuam como um mecanismo agregador, peças fundamentais na conectividade e inter relação entre as partes do projeto, garantindo a conectividade e a continuidade dentro do sistema. Essa rede cria uma espécie de loggia, um percurso coberto que se espalha por todo o pátio, permitindo deslocar-se de forma protegida.

▲ A LOGGIA É UM ELEMENTO COMUM NA ARQUITETURA ITALIANA DO SÉCULO XVII.

148

O malha é desenhada de acordo com as conexões necessárias. Articulam-se, além dos espaços do próprio pátio, os hospitais, o Clube Escola da Mooca, as estações de metrô, as zonas habitacionais, as paradas de ônibus, as faixas de pedestres, as igrejas, os centros comerciais, as centralidades lineares de comércio popular (Rua da Mooca, Av. Celso Garcia), praças, escolas, equipamentos de assistência social etc. A trama se estende em todas as direções, encontrando ora uma via peatonal (Rua Pires do Rio), ora uma rua sem saída - resultado da implantação da linha férrea - ora uma rotatória ou um canteiro central, sendo estes seus pontos de apoio, de conexão entre o nível superior da passarela e nível do solo.


GALPÕES CPTM

GALPÕES REABILITADOS

NOVA CAMADA

MÓDULOS PROGRAMÁTICOS

NÓS


▲PASSARELA SOBRE AS PRAÇAS


▲PASSARELA EM MEIO AO PARQUE


▲ PLANTA PAVIMENTO SUPERIOR.

USOS

NUCLEOS ESTAR

ACESSOS

SEM ESCALA.



bb

PARQUE

PRAÇA MOLHADA

ACESSO

▲CORTE AA

aa

ACESSO VIADUTO ▲CORTE BB

R. PIRES DO RIO

G1

PRAÇA SECA

TORRE


VERTICAL

G2

PRAÇA SECA

GALPÕES CPTM

ACESSO PRINCIPAL

TRANSPOSIÇÃO FERROVIA

R. BRESSER

ACESSO PASSARELA


COBERTURA E FECHAMENTO EM CHAPA DE AÇO PERFURADA

COBERTURA E FECHAMENTO EM PAINÉIS DE POLICARBONATO ALVEOLAR MULTIFACETADO COM PELÍCULA REFLETIVA DUPLA

PISO TIPO GRADE DE PISO EM AÇO INOX DECK ESPAÇOS DE PERMANÊNCIA

MÓDULOS FIXOS COMÉRCIO, SERVIÇO E PERMANÊNCIA

ESTRUTURA METÁLICA

MÓDULOS MÓVEIS COMÉRCIO, SERVIÇO, CIRCULAÇÃO VERTICAL E PERMANÊNCIA

TRILHOS PARA DESLOCAMENTO DOS MÓDULOS

▲SISTEMA ESTRUTURAL DA MALHA DE PASSARELAS.



A malha torna-se também um elemento marcante na paisagem, capaz de referenciar aquele espaço e lhe atribuir identidade. Também contribuem para tal, duas torres de circulação vertical que balanceiam a horizontalidade do projeto e servem também como mirantes para o entorno e referencia para os bairros. Os acessos se dão basicamente de três formas: por meio de torres de circulação vertical com elevadores e escadas, núcleos de escadas distribuídos ao longo de sua extensão, e através do interior dos próprios galpões. Quando as passarelas se conectam aos mezaninos dos mesmos, a transposição de um nível ao outro é dada pelo interior das edificações, por meio de rampas circulares e elevadores (ver planta Pavimento Superior, pg. 146). 158

Alguns projetos me parecem úteis para ilustrar a idéia de identidade e referência: o Red Ribbon Park, em Qinhuangdao na China, a intervenção realizada nas Indústrias Matarazzo no Arte Cidade Zona Leste e os projeto desenvolvidos pelos integrantes do Team 10. Enquanto o projeto chinês se utiliza de um banco vermelho que serpenteia todo o parque, orientando os visitantes e criando uma identidade para o mesmo (daí o nome do parque), a intervenção do Arte Cidade para o Moinho e as antigas industrias Matarazzo, cria passarelas e torres, também vermelhas, de forma a organizar aquele espaço, as passarelas vencendo as barreiras e transposições e as torres servindo de mirantes. Também o já mencionado projeto para o centro de Berlin de A+P Smithson, ao trabalhar com o conceito de cluster, desenvolve um sistema de plataformas peatonais que, de

▲INTERVENÇÃO DESENVOLVIDA NO

ARTE CIDADE ZONA LESTE SOBRE O MOINHO CENTRAL E AS INDúSTRIAS MATARAZZO POR PAULA SONTORO.

▲RED RIBBON PARK, QINHUANDAO, CHINA.


forma similar, estrutura toda a intervenção.

▲ BERLIN HAUPTSTADT – A+P SMITHSON.

É interessante notar a forma com que os integrantes do Team 10 tratavam o tema das infraestruturas e dos fluxos. O encontro em Royaumont na França, em 1962, tinha como tema central “The Issue of Urban Infrastructures” (o problema das infraestruturas urbanas) e procurava discutir alguns desses conceitos. O evento, organizado por Candilis-Josic-Woods contou com a participação de Giancarlo de Carlo, Aldo van Eyck, Alison e Peter Smithson, José Antonio Coderch, dentre outros. “Theme of the meeting: would focus on reciprocal urban infra-structure/building group concepts. That a communication system can both ‘structure’ and offer ‘building organization potential’ is clear: what is less clear is how to sustain this building organization potential in the actual building groups, in the ‘infill’ of the infra-structure.” [HEUVEL; RISSELADA, 2005:99]

Como as infraestruturas deveriam ser implantadas em relação ao tecido pré existente? Como deveriam se adaptar à realidade e a lógica da cidade e da paisagem? Dois tipos de lógica predominavam: os clusters e os mat-buildigs, sistemas expansíveis e mutáveis: “Nos clusters, as articulações estiram-se e se deformam até se tornarem mais irregulares e versáteis, abertas e orgânicas. Os mat-buildings são interseções que se vão repetindo até formar uma malha, um sistema modular e perfectível.” [MONTANER, 2009: 92].

Em relação aos fluxos, alguns defendiam a integração total entre os novos usos dos edifícios e as infraestruturas

159


de transporte e outros, como os Smithsons, partiam do princípio da intervenção mínima, separando o tráfico de pedestres o tráfico de automóveis, através da rede peatonal proposta. Muitos dos projetos apresentados nessa ocasião trabalhavam com a tridimensionalidade, através dos sistemas de interseções, sobreposições e entrelaçamentos de fluxos de tráfego de veículos e de pedestres no espaço. É o caso por exemplo do Plano Pampus para Amsterdã, de 1965, desenvolvido pelo Architectenbureau Van den Broek en Bakema, onde:

160

“As formas de articulação e interseção têm como missão potencializar as conexões. Desse modo, os distintos fluxos – de veículos, rápido e lento; de pedestres; de transporte coletivo, de carga e descarga etc. – cruzam-se em sistemas lineares neoplasticistas, independentes e conectados, formando plataformas, ruas de pedestres, vias elevadas, escadas rolantes e elementos de transição.” [Ibid.:31]

Também em Toulouse-Le-Mirail, de Candilis-Josic-Woods, o sistema em stem previa caminhos de pedestres separados do tráfego rodado. Espaços de serviço, estacionamente e vias eram rebaixados para permitir o movimento livre do pedestre. A proposta para o antigo terminal ferroviário recupera alguns desses conceitos, no desenvolvimento das passarelas de pedestre. A partir de um sistema modular estrutural, da mesma maneira que se conformavam os matbuildings, é criada uma malha de circulação, sobre o nível do solo.

▲ PLANO PAMPUS.

ARCHITECTENBUREAU VAN DEN BROEK EN BAKEMA, 1965.

▲ VILLE RADIEUSE, LE CORBUSIER, 1924.


O fluxo de pedestres acontece livre e paralelamente à circulação de automóveis e trens, estando cada um em uma superfície distinta, de forma que as duas escalas, metropolitana e local, acontecem simultaneamente. Essas alternativas de intervenção do espaço urbano da década de 1950/1960 exprimiam uma vontade de trazer de volta o conceito da comunidade, através das relações tridimensionais, uma vez que: “a coesa cidade tradicional – onde cada peça configurava-se em relação às contíguas, criando praças e tecidos urbanos – estava sendo perigosamente subdividida e desagregada devido a uma aplicação simplista dos princípios do urbanismo moderno”, segundo Bakema. [Ibid.:32] É com essa mesma intenção que a malha de passarelas proposta para o pátio Bresser é concebida não apenas como um espaço de transposição e circulação, mas também de permanência, possibilitando encontros, trocas e relações.

161


G3

PRAÇA MOLHADA

G1


RADIAL LESTE

TEATRO EM VAGÕES ABANDONADOS

MATA DENSA

FERROVIA


▲ UNIDADES DE COMÉRCIO

DESENVOLVIDAS PELO PROJETO USE (UNCERTAIN STATES OF EUROPE), DE STEFANO BOERI Y MULTIPLICITY.


3.5 MÓDULOS E NÓS

ATIVIDADES Tornar habitável um espaço de transição só é possível a partir da atribuição de algum outro uso à ele. Foram criados, com esse fim, módulos de 3x3x3m capazes de abrigar atividade diversas, que são distribuídos pelas passarelas. Desde espaços para o ócio e a contemplação até banheiros passando por pequenas unidades de comércio local, kiosques de alimentação, pontos de taxi e paradas de ônibus, esses pequenos blocos devem incentivar a movimentação de pessoas pela área, assim como sua permanência. A multiplicidade de usos é importante já que a vitalidade de um espaço está diretamente ligada ao seu uso. A criação de atividades constantes, comerciais e de serviços dedicados ao pedestre, possibilita um espaço de uso público, democrático, pleno de vitalidade, atraente para a localidade. Da mesma maneira, o incentivo ao comércio de bairro, contribui para o desenvolvimento local e a geração de empregos. ENTRE A DISPERSÃO E O MEGAOBJETO A opção pela distribuição das atividade no espaço em detrimento da solução da unidade, e do mega-objeto tão

165


笆イ POSSIBILIDADE DE USO: BANCA

DE FLORES, KIOSQUE DE COMIDAS, BAR, PONTO DE テ年IBUS.



utilizada nos dias de hoje, pretende criar relações de espaços que se integram e se articulam. Montaner, discorre sobre o tema da dispersão e da fragmentação no projeto contemporâneo, compreendendo que existem duas maneiras de intervir no espaço a partir de fragmentos:

168

“Por um lado, a articulação de peças em um novo resultado coerente, baseado na sobreposição e interação, em que às vezes se pretende reagrupar os fragmentos em mega-objetos ou edifícios-massa; e, por outro, a dispersão irrecuperável dos fragmentos em mônades ou peças autônomas e desconexas. Nesse livro, defende-se uma fragmentação baseada na interação, contrariamente a uma fragmentação que conduz à desconexão, à segregação e à guetificação.”[MONTANER, 2009, 168]

O Parque de La Villette, de Bernard Tschumi, ilustra de forma clara essa idéia, com a construção de um sistema composto pelas chamadas folies, pequenas construções dispersas sobre uma malha reticulada de circulação. Cada uma abriga funções variadas de cultura e lazer, fruto de um programa descontínuo e fragmentado. Enquanto implantação, o projeto de Tschumi funciona de forma semelhante ao projeto do qual tratamos aqui. O arquiteto se utiliza da sobreposição de três sistemas independentes: as folies, como pontos sobre uma retícula, as passarelas e caminhos como linhas; e as superfícies, massas vegetais e edifícios. No presente projeto, no nível do térreo os módulos podem ser fixos ou móveis, podendo ser deslocados por

▼ A FRAGMENTAÇÃO DO EDIFÍCIO

NAS CHAMADAS FOLLIES. PROJETO DE BERNARD TSCHUMI PARA O PARQUE DE LA VILLETTE, EM PARIS.


meio de trilhos, o que lhes dá certa flexibilidade espacial. Torna-se possível associá-los em grupos maiores, de acordo com a demanda, conformando espaços mais compactos e dinâmicos.

▲ POSSIBILIDADE DE DESLOCAMENTO DOS MÓDULOS EM FUNÇÃO DA DEMANDA.

Banheiros, unidades de comércio que utilizam sistema de água e esgoto terão uma localização específica, enquanto outros tipos de atividade como bancas de jornal, barracas de flores ou frutas e módulos de estar e arquibancadas poderão se movimentar conforme as variantes. Assim, será possível, em um dia de feira, aglutinar a quantidade necessária de módulos para aquele evento. Já no nível superior, essas unidades são fixadas a um lugar específico e estão reunidas em núcleos cobertos, que protegem do sol e da chuva, distribuídos ao longo dessa malha. Formam-se espaços mais resguardados que permitem a permanência e o contato prolongado. Dependendo da atividade a que vai atender, os módulos podem ser expandidos chegando ao dobro de seu comprimento, como também associados entre si para multiplicação do espaço.

169


Enquanto a estrutura do módulo se mantém, os painéis de vedação variam com a necessidade do programa que abrigam. Ora são portas basculantes que se abrem para cima com ajuda de um pistão, conformando uma área coberta, ora se abrem horizontalmente, transformandose em painéis que podem ser utilizados para exposição de avisos, venda de produtos etc. Da mesma maneira, alguns desses painéis possuem partes pivontantes, que desdobram-se em mesas ou bancos. Dessa maneira, podem estar fechados durante a noite, encaixados nos painéis e abertos, durante o dia.

170

Foram empregados materiais de natureza industrial, e maior resistência ao uso e às interpéries. Os painéis podem ser em policarbonato, MDF, grade metálica, podendo se adequar a cada situação. O piso, em chapa metálica xadrez e a cobertura, em painel metálico perfurado e placa de policarbonato, que deixam passar a luz.



COBERTURA E FECHAMENTO EM CHAPA DE AÇO PERFURADA. i= 1%

PAINEL EM POLICARBONATO

COBERTURA E FECHAMENTO ALVEOLAR TRANSLÚCIDO EM CHAPA DE AÇO PERFURADA. i= 1%

PAINEL EM POLICARBONATO ALVEOLAR TRANSLÚCIDO

TABULEIRO DE COBERTURA EM AÇO PERFIL “U” SIMPLES 100X200MM

TABULEIRO DE COBERTURA EM AÇO PERFIL “U” SIMPLES TABULEIRO DE PISO EM AÇO 100X200MM

PERFIL “U” DE CHAPA DOBRADA SIMPLES 100X200MM

TABULEIRO DE PISO EM AÇO PERFIL “U” DE CHAPA TABULEIRO DE FECHAMENTO DOBRADA SIMPLES ESTRUTURA EM AÇO 100X200MM PERFIL 50X70MM TABULEIRO DE FECHAMENTO ESTRUTURA EM AÇO PERFIL 50X70MM

PAINEL DE VEDAÇÃO (POLICARBONATO ALVEOLAR/ GRADE METÁLICA/ MDF) PAINEL DE VEDAÇÃO ...

(POLICARBONATO ALVEOLAR/ GRADE METÁLICA/ PISO EM CHAPA METÁLICA MDF)XADREZ ANTIDERRAPANTE ... PISO EM CHAPA METÁLICA XADREZ ANTIDERRAPANTE


▲ OTRANTO URBAN REGENERATION WORKSHOP, RENZO PIANO, 1979.

Renzo Piano, desenvolve em 1979, para o workshop de reabilitação de centros históricos das cidades européias, patrocinado pela UNESCO, uma unidade cúbica pré fabricada de aproximadamente 2 m de lado que poderia ser transportada por um caminhão comum. Depositado o dispositivo em meio a uma praça pública no centro de Otranto, Itália, e tendo sido aberto em sua totalidade, tendo agora mais de 36 m2 de área coberta, serve como base para o desenvolvimento de atividades junto a comunidade e ressignifica de forma expressiva aquele lugar. Segundo Bogéa: “O entendimento de certa errância como parte intrínseca da cidade faz desses movimentos uma “dança” no tempo, a animar o dia a dia das cidades, de forma bastante similiar aos circos nas pequenas cidades.” [BOGÉA, 2009: 124].

ARQUITECTOS, 2012.

Outros projetos itinerantes e intervenções em pequena escala nessa mesma linha são cada vez frequentes nos dias de hoje. Transformar um vagão de um trem em um dispositivo de ensino (El Vagón del Saber) ou vice versa (Potteries Thinkbelt), e um container em uma biblioteca são apenas alguns dos exemplos de experiências capazes de transformar o espaço a partir de unidades mínimas de dinamização. POTTERIES THINKBELT CEDRIC PRICE. OS VAGÕES DA ESQUERDA FUNCIONAVAM COMO UNIDADES DE AUTO APRENDIZADO, COM ESPAÇO DE ARMAZENAMENTO DE DADOS E OUTROS MATERIAIS. À DIREITA TEMOS AS UNIDADES INFLÁVEIS DE PALESTRAS E APRESENTAÇÕES. TUDO ACONTECIA SOBRE OS TRILHOS DE UMA FERROVIA.

▲ EL VAGÓN DEL SABER. AL BORDE

173



▲ CARRINHOS UTILIZADOS PARA

O COMÉRCIO INFORMAL NO CENTRO DE SÃO PAULO. DURANTE O DIA SE ESPALHAM PELAS CALÇADAS DA CIDADE, SERVINDO À VENDA DOS MAIS DIVERSOS ARTIGOS, E À NOITE, DEVIDAMENTE FECHADOS E COBERTOS POR UMA LONA AZUL, SÃO LEVADOS ATÉ ALGUM ESTACIONAMENTO, ONDE SÃO ALOJADOS ATÉ O DIA SEGUINTE.


NÓS Da mesma forma, as chegadas desse sistema de passarelas - estruturas metálicas tridimensionais em grelha que lembra os projetos utópicos de Cedric Price e Yona Friedman - se dinamizam através da existência desses mesmos módulos, que se articulam em núcleos parcialmente fechados, dispostos ao longo do percurso que vai desde o nível do solo até o nível da passarela.

176

Após a transposição da Radial Leste ou da ferrovia, nos pontos onde a malha encontra a cota zero, a circulação acontece por meio de rampas e escadas e se organiza através de plataformas distribuídas a cada 1,50m de altura. É possível alcançar o nível da passarela de forma mais rápida, pelas escadas, mas também é a criada a oportunidade do percurso, por entre as rampas, dotadas de paradas intermediárias, que contam com os módulos de descanso, serviço, comércio etc.

YONA FRIEDMAN

▲ FUN PALACE - CEDRIC PRICE

COMÉRCIO INFORMAL PRÓXIMO DE ACESSO À ESTAÇÃO BRESSER DO METRÔ

Em deriva pelo bairro, eis que nos deparamos com uma situação muito semelhante. No final de uma rua sem saída, o acesso à estação Bresser Mooca se dá por meio de rampas. Logo ali ao lado, alguns comerciantes informais, instalaram seus carrinhos, se aproveitando justamente do fluxo de pessoas durante todo o dia. É bastante comum encontrarmos tais comerciantes posicionados estrategicamente nesses pontos próximos aos eixos de circulação, às estações ferroviárias, às paradas de ônibus, nas bocas de acesso do metrô. Criamse nós. A concentração de pessoas nesses lugares é capaz por si só de dinamizar, promover encontros e trocas e trazer maior segurança à esses locais.

▲ VILLE SPATIALLE PARIS -


177


▲ CORTE DESDOBRADO DA

TRANSPOSIÇÃO DO NÍVEL DA PASSARELA AO NÍVEL DO SOLO.


▲ TRANSPOSIÇÃO DE NÍVEL TIPO.





.

CONSIDERAÇÕES

FINAIS


“A experiência dos lugares se constitui entre mobilidade e a permanência.” [BOGÉA, 2006: 151]

a

A conciliação de duas escalas distintas é o grande desejo desse trabalho. Se apropriar de um espaço onde essas duas esferas coexistem, mas não se articulam e transformá-lo em um lugar aberto tanto ao forasteiro quanto ao próprio morador daquele bairro. De que maneira deve se dar essa articulação? Como sugere Bogéa: 184

“Talvez deixando de entender o deslocamento enquanto eficiente para cumprir o esperado e passando a considerá-lo como o desafio daquilo que amplia as possibilidades do imprevisto e o encanto que as cidades já demonstraram possuir, nos espaços públicos agora necessariamente ampliados.” [Ibid.: 167]

O Elevador Lacerda e exemplo na medida que sua função principaldaqueles territórios

as Escadas de Toledo são um belo conectam dois lugares – cumprindo mas criam também novas percepções que atravessam.

“Apesar das distinções óbvias, esses projetos se aproximam por sua peculiaridade de constituir caminhos; em ambos projetos, mais do que o destino, importa o trajeto. E, desse modo, pressupõem o entendimento de uma circulação que no seu movimento não abstrai ou desconecta espaços, mas, ao contrário, os revela em outras possibilidades. (...) Esses projetos correspondem, de certo modo, a uma espécie de ocupação que busca reconstituir acesso e contato,

▲ ESCADAS DE TOLEDO. ELÍAS TORRES Y JOSÉ ANTONIO MARTÍNEZ LAPEÑA, 2000.


ou seja, fazer dos espaços de trânsito, passagens, com possibilidade de relações e contatos.” [Ibid.: 174]

Nesse projeto, ao desenhar passarelas, módulos e nós, é criada uma infraestrutura que ao invés de atender à uma lógica puramente técnica e funcional, a transgride, colaborando na criação de um espaço rico, dinâmico e capaz de potencializar relações. “Deste modo, o projeto arquitetônico atua no tecido urbano como uma ferramenta articuladora de linguagens, uma infraestrutura de reinvenção do cotidiano, conciliando contrários, transformando hábitos e estimulando o desejável modo de vida coletivo das cidades, preocupando-se mais em projetar condições do que condicionar o projeto.” [WINKEL, 2013: 45]

Ao mesmo tempo, o investigação procurou demonstrar que a reconversão de antigas áreas ferroviáriasé de extrema relevância para uma região como a Móoca. Em um momento em que enormes conjuntos habitacionais estão sendo erguidos, e em que o novo sempre predomina em relação ao existente, é necessário despertar a atenção para espaços como esse. A sobreposição de atividades ao longo do tempo e o diálogo com o preexistente é natural e necessário para o bom funcionamento de uma cidade. Áreas como essa, que já apresentam uma rede densa de transporte e serviços, são potenciais de reocupação sem que sejam necessários grandes investimentos em infraestrutura. O projeto desenvolvido é uma tentativa de conservar a memória daquele lugar e fazer de um local esquecido uma área de convivência e reunião. São propostos novos percursos por dentro da área visando a integração do

185


local ao entorno e dando um novo valor a própria linha férrea, que integra-se ao projeto, convivendo com as novas atividades propostas. Um local de encontro de três importantes bairros de características históricas tão potentes pode e deve ser reestruturado e ressignificado como espaço de articulação entre territórios hoje fragmentados pelos grandes eixos de circulação e transporte. A devolução à cidade de uma área vaga tão vasta no coração da Zona Leste torna-se necessária.

186

Esse trabalho se dá na escala do debate urbano e não pretende trazer soluções prontas, mas sim diretrizes e caminhos para a desejável articulação dos espaços da metrópole, fragmentos dispersos carentes de contato.



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ARQUIVO





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▼ ENTREGA 1

▼ ENTREGA 2


▼ ENTREGA 3


▼ ENTREGA 4



▲ CADERNO ARTE-CIDADE,

CANTEIROS DE OPERAÇÕES - CIA DE FOTO.

▼ PROCESSO DE SERIGRAFIA PARA CAPA.


DEZEMBRO . 2013 | FAU . MACKENZIE



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