De lesbos

Page 1

1



pulsam como se fossem de carne as borboletas

- Hilda

3




refundar

sentir a textura pele da lésbica era

m a t a p o t ê n c i a l a t e j a n t e

no território sem território não havia pele morta a se vestir era uma dança de natureza, bocas selvagens que

sentiam o gosto do novo do que não tinha desenho nem imagem apenas memória do agora

escuta o

p u l s o

nossas corpas livres

os antigos fósseis-imagens de homem-mulher haviam se descolado de minha pele não me habitavam ali

6


nós duas lambendo e farejando e engolindo éramos apenas

nós duas na mata virgem num ritual a nada em prece

de vida sem nome as lésbicas nuas como o caroço da acerola cheias de reentrâncias molhadas de lambida e de fruta ali no território não desbravado do selvagem existir

- e eu sabia de outras que já haviam atravessado

essas

frestas

-

ali, a natureza pousava os olhos com imunda alegria onde a lama e a lágrima existiam simplesmente existiam

sem pecado nem perdão, ali diante do prazer das

lésbicas apaixonadas, ali a vida-pulsa deleitava os olhos e em silêncio dizia:

s i m

7



Mulher Eu sonho com um lugar entre seus peitos pra construir minha casa como um abrigo onde planto leiras em seu corpo

uma vasta colheita

onde a rocha mais simples

ĂŠ pedra da lua e ĂŠbano opala

amamentando todas as minhas fomes e sua noite se derrama sobre mim como uma chuva nutriz. - Audre

9


será que ela pensa em mim será que também pergunta o que aconteceu

com as boas garotas

de sodoma, essas que sempre

se beijavam nas escadas sumiam nas bibliotecas preferiam virar sal? - Angélica

10



a mulher da mulher barbada 2 no princípio foram os bigodes de Frida

os olhos no teto

e voava pra ilha de Barbados. vou lançar a teoria da nódoa na Amélia desexplicar

e no assoalho, deitada sonhar meu casamento

com a mulher barbada. - Karina

12






As cadeiras lésbicas Na sala só havia uma cadeira e elas eram duas

como quer fazer isto? no chão não é próprio está sujo

ao colo parece mal

e assim as duas ficaram de pé bem afastadas uma da outra

e a cadeira ficou sentada muito contente ao meio

- Adília

17


Essa é pra Ela Me aperta forte Não se aparta

seu beijo é meu norte carícia farta A flor da pele

é lava, é neve Afaga de leve Frenética

com mil mãos poéticas Na pegada escreve

Junt(A) comigo um poema de Safo, o meu lema

Essa mistura de guerreira e anti musa U tema

Com sua língua me lambuza peço pra tirar a blusa da hora o eskema

mexo remexo o seu eixo cai meu queixo

Resistente e bela “Ela é favela” - Formiga

18




Intimidade não é luxo Intimidade não é luxo aqui.

Não mais telefones pendurados ou linhas sempre ocupadas

ou conversas ainda censuradas. Não mais mirar nossas mãos temendo dá-las ou se dadas

temendo soltar.

Nós estamos aqui.

Após anos de separação,

mulheres tomam seu tempo

dispensam velhas animosidades.

Tribadismo é uma panaceia ancestral e vale o risco

uma panaceia ancestral e vale o risco. - Cheryl

21


canção de lilith

canto I eu a desejava

aquela que era a nova mãe de todos os seres tinha asco de vê-la a serviço do débil Adão filho do deus dos homens

ela, linda, caminhava no Jardim e eu sentia seu cheiro mulher

o deus dos homens negava a ela o Saber negava o fruto, o meu fruto a bela Eva

minha distante e próxima irmã

não podia se afastar do Saber que brotava de baixo que nutria raízes

que balançava nas árvores pendia nos frutos

ela veio até mim quando cantei

reconheceu meu chamado, uivo-fêmea o fruto é nosso

o deus dos homens não pode nega-lo a nós

22


queria o corpo dela roçado no meu

e que ela sentisse o sabor da fruta a nossa seiva

escorria nos lábios dela

e ela soube de onde vinha

lugar para não ser esquecido paisagem lua luz noturna anterior a Adão

anterior ao deus dos homens somos nós

anteriores ao Sol

carregamos o saber da fruta do ciclo lunar

até que Adão invejoso nos encontrou estávamos em deleite fruto na boca

sem convite, ele quis comer

mas o Saber não se revela a quem tenta dominá-lo

é preciso receber o fruto na sua graciosa entrega o deus dos homens havia me destituído e agora baniu Eva e Adão também mas o saber do fruto eu e Eva

carregamos conosco

23



Nada, Esta Espuma Por afrontamento do desejo

insisto na maldade de escrever

mas não sei se a deusa sobe à superfície ou apenas me castiga com seus uivos. Da amurada deste barco

quero tanto os seios da sereia. - Ana

25


26


Vem até mim também agora, e liberta-me

duros pesares, e tudo o que cumprir meu

dos

coração deseja, cumpre; e, tu mesma, sê minha aliada de lutas. - Safo

27



29


referências capa

mapa da Grécia, Atlas Histórico Mundial: de los orígenes a la Revolución Francesa, Madrid: Ediciones Stimo, P.56 3

X (trecho), Hilda Hilst. Em: Do desejo, Ed. Globo,P.26 5

fonte: http://vintagelesbian.tumblr.com 6/7

refundar ,Julia Francisca, autora da zine [nectarina] edição 1 e 2 8

fotografia do livro Eye to Eye: Portraits of Lesbians, 1979, Joan E. Biren 9

Mulher, Audre Lorde; lésbica negra, feminista, estadunidense. fonte: https://traduzidas.wordpress.com 10

siobhan 4 (trecho), Angélica Freitas. Em: Rilke Shake, CosacNaify, p.51 11,13,16,19,20,24,28

ilustrações por Julia Francisca 12

a mulher da mulher barbada 2, Karina Rabinovitz. Em: é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!, P55 edições. P.5 14/15

fotografia de 1930. Fonte: http://www.autostraddle.com/ 150-years-of-lesbians-144337/

30


17

As cadeiras lésbicas, Adília Lopes, poeta portuguesa. Em: Antologia. CosacNaify. P.67 18

Essa é pra Ela, Formiga, poeta lésbica, negra, da periferia de São Paulo. Em: zine Eu-Lésbika. P.38-39 21

Intimidade não é luxo, Cheryl Clarke; lésbica negra feminista estadunidense. Em: The days of good looks: the prose and poetry of Cheryl Clarke, 1980 to 2005. New York: Da Capo Press, 2006. p.101. fonte: https://traduzidas.wordpress.com 22/23

Canção de Lilith, Julia Francisca, publicado em www.tramaceleste.com.br 25

“Nada, Esta Espuma”, Ana Cristina César. Em: A teus pés, Ed. Brasiliense, 3a. ed., p. 29 27

“Hino a Afrodite” (trecho), Safo de Lesbos. Em: Hino a Afrodite e outros poemas, tradução Giuliana Ragusa, Ed. Hedra, p. 76 33

grupo de lésbicas em 1910. fonte: http://www. autostraddle.com/150-years-of-lesbians/

31


Safo de Lesbos, poeta da grécia arcaica, emprestou o

nome da ilha em que nasceu para batizar as lésbicas. A existência lesbiana, desde a origem, carrega um tanto de lirismo. Nesta

zine

reunimos

poesias

que

costurar

uma

nos

remetem

à lesbiandade, de autoras lésbicas ou não. É uma tentativa

de

criar

e

memória

sobre

nossas existências. Tempos sobrepostos, fotografias de passados apagados, poetas vivas e mortas de diferentes

lugares. Os desenhos são recentes, retratam algumas amigas que amam mulheres e vivem em São Paulo.

Agradecemos às manas que contribuíram com esta zine. A existência lésbica é resistência política.

32


zine Lesbos edições [nectarina] São Paulo, agosto 2016, 1a. edição nectarinazine@gmail.com / facebook: nectarina

33





Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.