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julia krauss stabel relatório de qualificação pgd experimental Projeto entregue à disciplina Projeto VIII (PGD fase 2), 8º semestre, como parte dos requisitos exigidos para obtenção do grau de Bacharel em Design pela ESPM São Paulo. Professor(es) Orientador(es): Luciano Cardinali (fase 1) e Marcelo Pliger (fase 2) São Paulo, 2016
sumario 4
94 impeachment ou golpe
16 motivações 20 objetivos 22 o jovem rebelde 28 contexto 38 a cidade inserida 52 ação direta 92 experiências diretas
138 ninguém é livre se há opressão
142 a gravata 156 sistema podre 168 cidade suporte 188 conclusão 192 bibliografia
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14 introdução
136 o pós banca
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municação visual de protesto, onde foi estudado o design com um viés politizado e como ele pode ser uma ferramenta de reação, contestação e principalmente de utilidade civil. Outra intenção deste relatório é entender qual é o papel da cidade nas intervenções políticas autônomas e como a sociedade já fez uso de elementos gráficos para disseminar ideias e contestar instituições. Durante o processo de desenvolvimento e produção do trabalho realizei intervenções em reação ao cenário político social contemporâneo. O resultado são reflexões, registros, observações, sentimentos, ações e fotografias que refletem meu pensamento e entendimento da importância da comunicação visual para representar inquietudes e denunciar comportamentos e opressões. This report consists in a study of visual communication in protests, where i studied the politicized design and how it can be a reaction tool, that contest something and can have civil usability. Another intention of this report is to understand what is the role of the city in the interventions and how society has used graphics to disseminate ideas and to oppose against institutions. During the development and production of this work interventions were made in response to the social political scenario of now days. The result are reflections, records, observations, feelings, actions and photographs that reflect my belief and understanding of the importance of visual communication to reflect concerns and report behaviours and oppressions.
palavras chave: design / projeto de conclusão de curso / ativismo / cultural jamming / design politizado / subversão / reação / opressão keywords: design / undergraduate project / ativism / cultural jamming / politic design / subversion / reaction / oppression
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resumo Este relatório de PGD é composto por um estudo sobre co-
“Con espíritu anarquista me refiero a aquel profundo sentimiento humano, que apunta el bien a todos, la libertaad y justicia para todos, solidaridad y amor entre las personas; lo cual no es una característica exclusiva solo de los auto-declarados anarquistas, sino que inspira a todos quienes tienen un corazón generoso y una miente abierta” ERRICO MALATESTA, Umanita Nova, 13 de Abril de 1922.
8 Agradeço, portanto, a todas as pessoas que cruzaram meu caminho até aqui com seus corações generosos e suas mentes abertas, que agregaram sempre, de alguma forma, e me levaram a pensar num mundo mais livre e justo, pessoas com quem aprendi que a luta é todo dia. À minha família, que mesmo sem concordar com todas minhas posições políticas me apoiou e me proporcionou todo o espaço para eu desenvolver este trabalho. À minha fiel escudeira, Victoria Carvalho, que me ouviu e me incentivou em todos os momentos de crise e desespero, seja com este trabalho seja com a vida em geral. Aos meus queridos orientadores e banca, Cardinali, Pliger e Edu, que com seus corações generosos e suas mentes abertas me ajudaram a tornar este trabalho possível dentro das circunstâncias de temperatura e pressão.
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11 primeiramente fora temer
dissidente, 12
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dis.si.den.te (latim dissidens, -entis, particípio presente de dissideo, -ere, estar afastado, estar separado, discordar) adj. não conforme, que dissente, diverge, não concorda, não se conforma. || cismático, separatista: agressivo para com as igrejas dissidentes (eça, notas contemp, p 258, ed. 1913). || (pol) aquele que diverge da opinião do seu partido, facção, opinião ou crença gerais. || f. lat dissidence
introducao Os últimos 50 anos foram marca14
dos por intensa efervescência cultural, social e política no Brasil e no mundo. As artes visuais e o design serviram de ferramenta de comunicação e de mudança em diversos desses episódios: desde maio de 68, na França, até as jornadas de junho de 2013, em São Paulo e em diversos outros locais do Brasil. Uma ferramenta que foi de extrema valia, seja na forma de comunicar e convocar as pessoas às ruas, seja com a produção de cartazes, intervenções urbanas, etc.
“É ridículo, absurdo e mesmo estúpido, no mais alto grau, pretender que a arte fique indiferente às convulsões da época atual. Os homens preparam os acontecimentos, realizam-nos, sofrem os efeitos e ficam sob o impacto de suas reações. A arte, direta ou indiretamente, reflete a vida dos homens que fazem ou vivem os acontecimentos. Isso é verdadeiro para todas as artes, da mais monumental à mais íntima”. Neste trecho,
Leon Trotski (Literatura e Revolução, 2007) mostra como o contexto sociocultural e até mesmo econômico influencia a produção visual e artística de seu tempo. O design não deve ficar fora desse espectro, sendo assim muito importante situar o designer no contexto vigente e colocá-lo como agente
modelados pelo ambiente urbano. Tempo e espaço se mesclam à ação humana para definir o espaço de convivência e definir um ambiente de anseios e esperanças. Talvez ao se reunirem, como têm se reunido, as sociedades humanas despertem no indivíduo o gosto pelo poder, pela riqueza e pelo privilégio, criando barreiras sociais pautadas pelo preconceito ou pela segregação, num ambiente em que uns mandam e outros se submetem e obedecem. Nessa lógica maniqueísta é que surgiu a cidade moderna (KON e DUARTE, 2008). Neste trabalho procuro ir ao encontro de iniciativas políticas que não concordam com a lógica de poder estabelecida e pretendo, dessa forma, estudar os últimos 50 anos de protestos, abordando as lógicas que se envolvem nesses meios e permeiam a cidade, para assim entender como o design deve ser ativo nas causas culturais e sociais na origem da cidade como elemento contestador e dissidente.
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ativo no processo de comunicação, visual ou não. O Brasil vive um momento político dinâmico e de grande participação popular: observa-se o surgimento de novas mídias independentes, com conteúdo jornalístico alternativo e grupos ativistas engajados que, com a ajuda de redes sociais e manifestações nas ruas, têm cada vez mais voz frente à grande mídia e ao Estado. A facilidade de acesso e a diversidade de informação é cada dia mais presente nas mais diversas camadas sociais e é essencial como ferramenta para a liberdade de expressão. O design, como comunicação visual, pode facilitar isso. Também se observa como a cidade se transforma no tempo – como foi gerada e como a situação atual afeta sua forma estabelecida. Sua organização, as práticas políticas, os movimentos culturais, as exigências, as influências, os comportamentos e todas as experiências humanas – individuais ou coletivas– são elementos modeladores e
motivacoes
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A primeira vez que me senti livre da bolha social em que eu vivia, em que cresci, foi quando, aos meus 14 anos, fui para uma nova escola e o único jeito de voltar para casa era usando transporte público. Os três anos seguintes foram de muitos ônibus para ir e voltar para casa – e pode parecer banal, mas no lugar em que eu vivia ninguém da minha idade andava de ônibus: todos tinham motoristas particulares, serviços de perua contratados, pais que buscavam e levavam para todos os cantos e aos 18 anos a grande maioria ganharia seu próprio carro, sem ter trabalhado um dia sequer. As idas e vindas serviram como meu primeiro exercício de contestação do mundo. Pois ali, mesmo que de escanteio, pude observar pessoas de diferentes realidades e sentir que existiam problemas que jamais chegavam até mim. Por essas viagens, que não duravam mais de 40 minutos, comecei a ser crítica à cidade, com sua organização e suas instituições e cada dia que passava eu via como o “andar de ônibus” estava me fazendo crescer, estava me fazendo coexistir com pessoas diferentes e como aquilo, de alguma maneira, estava me formando. Passaram-se os três anos, entrei
na faculdade de arquitetura e urbanismo e, ao contrário dos meus colegas de colégio, eu não via a hora de me mudar para a cidade grande. Como o “animal político” de Aristóteles, conceito em que o filósofo discorreu sobre como o ser humano é carente e imperfeito e que só consegue sua plenitude quando busca a vida em comunidade, fazendo dele, assim, um ser, necessariamente político, eu via dentro de mim a necessidade de ir ao encontro da “Pólis” –na busca para me sentir completa ao me relacionar com outras pessoas –comunidade– e outras coisas para participar da cidade como cidadã. Vim morar em São Paulo com um grupo de estudantes estrangeiros recém-chegados que conheciam tanto da cidade quanto eu – mesmo na condição de “nativa” eu me sentia visitante na imensidão da cidade. Nos anos que se seguiram eu me mantive muito ativa na busca por entender o meu papel como parte integrante daquele mundo chamado São Paulo, Brasil e América Latina. Com isso este trabalho pode e deve ser visto como uma ferramenta de exercício da minha atuação como designer no mundo e como um novo jeito de ser cosmopolita, cidadã do mundo e na cidade em que vivo atualmente, São Paulo.
FOTO Arquivo Pessoal
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relevancia No campo das artes visuais, das artes plás-
“A principal virtude do cinema, a que assegura a sua força no rumo dos acontecimentos coletivos, é a sua disposição para falar sobre assuntos que os outros meios de comunicação de massa não comentam. Talvez por isso o cinema atraia tantos espíritos corajosos, libertários e contestadores. Apesar dos elos capitalistas inevitáveis, o cinema é o mais crítico, mais democrático e até mais desassombrado do que as outras artes.” (MACIEL, 2001)
O design por sua vez, parece que sempre se manteve como algo voltado mais para o mercado, como um serviço a corporações. Isso me parece que vem de uma necessidade que o design tinha de se mostrar neutro, de se manter “profissional”, mesmo que às vezes a subordinação ao mercado fosse antiética, por demandas dele próprio. Como designer, é possível falar e transmitir mensagens visuais se posicionando em relação a questões relevantes cultural, social e politicamente. Mesmo que o “ser político” rejeite demandas absurdas. Portanto, este trabalho explora o design como ferramenta de transformação social-política, como mecanismo para difundir ideias e ideais, colocando o fazer design não apenas a serviço mas como um serviço. Posicionando-se não apenas como um prestador de serviço que obedece a uma hierarquia, mas como uma força paralela que diz algo a alguém.
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ticas, do teatro e do cinema, de alguma forma, sempre houve grupos contestadores –tanto para criticar comportamentos, para julgar governos e instituições como para subverter sistemas culturais ou políticos. Como Carlos Maciel, aclamado como o guru da contracultura no Brasil, fala sobre o cinema e os grupos que fazem cinema:
objetivos Este trabalho surge num momento delicado de Brasil,
FOTO Yuri Cortez/NewYork Times
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com efervescências políticas instáveis e com o convívio social cheio de tensão. Ao mesmo tempo, também, num momento critico do design, que nesse dado espaço, na minha opinião, muito se limita. Passamos 4 anos dentro de uma instituição que nos diz ensinar a praticar design, mas se fecha numa parcela da área que tem seus dias contados, o meio impresso, o mundo gráfico é cada dia mais substituível, enquanto as áreas relacionadas ao mundo digital e audiovisual crescem a faculdade parece que não se adapta aos novos tempos. O entender design deveria ser pensado em termos mais amplos, como bem sugere, teoricamente, o nome do curso: Comunicação Visual. Comunicação, seja ela impressa, dimensional e espacial, digital, audiovisual ou teorizada, desde que seja visual. O design é mais, tudo é projeto, tudo que o homem produz é design. Este trabalho, então, surge de uma inquietação que tenho para ir contra os moldes e modelos pré-estabelecidos no ensino de design no Brasil, e como, talvez, podemos considerar o design mais como uma ferramenta política do que uma carreira voltada para um mercado determinado. Vem, também, para dizer que não existe mau design e bom design, existem maneiras de comunicação, com cunhos diversos, e o que pretendo aqui é justamente mostrar o cunho político do design como ferramenta, o design como algo reativo ao mundo ao seu redor.
21 Professores normalistas em confronto com a polĂcia em Tixtla(MX) pelo desaparecimento dos 43 estudantes de Ayotzinapa
“A tarefa não era só mudar a sociedade porque existem pessoas que morrem de fome, as diferenças sociais e econômicas e as injustiças. As vítimas do Sistema não eram só os pobres da sociedade; a classe média e a rica também eram vítimas porque suas mentes estavam mal organizadas, malformadas, mal-orientadas etc. – de maneira que a vida neurótica e insatisfatória que as caracterizava tinha também de ser transformada.” (MACIEL,2001)
22 James Dean
rebelde”, a infinidade de links que se oferecem é em sua maioria, destinado a mães para “como lidar com um filho rebelde”. Entre textos religiosos e blogs de maternidade o tema soa como um problema, algo que altera alguma ordem imposta, algo que desobedece uma hierarquia. Porém, entre esses links de autoajuda para períodos cabulosos de maternidade, surge uma sugestão de assunto, o filme “Juventude Transviada” estrelado pelo ícone do jovem rebelde, James Dean. Tal filme marcou a geração que cresceu nos anos 50, e parece impossível perceber a importância de uma obra como essa ao revê-la atualmente. Carlos Maciel (As Quatro Estações, 2001) fala que, ao contrário do que acontece hoje, quando a rebeldia parece algo romântico, antigo, e acima de tudo, ineficiente, no sentido que se rebelar contra qualquer coisa não vai adiantar nada, que tudo simplesmente é como é e que por isso não vai se modificar só porque alguém se rebelou; pois bem, ao contrário, a geração dele, a mesma que viu o lançamento do filme, tinha um mito na rebelião: era bonito ser rebelde. E talvez o cinema tenha sido uma nova faísca para essa geração, que viveu seu auge exatamente naquela época. Esse mito do rebelde se estendeu até seu pico nos anos 60, surgindo, então, como algo bem mais radical, e aparentemente mais politizado, sempre mais vinculado a ideais de esquerda (mesmo que as “forças conservadoras” sempre os declaravam simplesmente como “comunistas”). E foi nesse processo de politização que eles se propuseram um momento de reflexão e questionamento mais profundo sobre a sociedade, do comportamento e do modo de viver, chamando a emergência de um pensamento contra cultural. Era, portanto, o amadurecimento da visão rebelde. Os jovens dos anos 60, colocaram tudo em questão, não aceitavam as mentiras do mundo organizado passivamente como se aceita agora. A moda era contestar (MACIEL,2001).
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o jovem rebelde Numa simples busca no Google por “jovem
contracultura
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Para esses indivíduos, principalmente dos anos 60, quanto mais a sociedade de consumo transformava as pessoas em coisas e infiltrava objetos com uma aparência de subjetividade, maior era o descontentamento, e quando essa insatisfação amadurecia, virava revolta (HOME, 2004). Esses indivíduos com interesses em comum transformaram tais sentimentos em mobilização antissocial abraçando a cultura underground, alternativa e marginal, tentando transformar a consciência, os valores, os comportamentos e a cultura da época. Se no começo a palavra contracultura era vista só pelos seus sinais mais evidentes como os cabelos compridos, roupas coloridas, misticismo, um e outro tipo de música e drogas –como um conjunto de manifestações culturais novas para as famílias de classe média– logo ficou evidente que esse movimento não se limitava só àquilo - não eram só aparência, e sim um movimento social com caráter fortemente libertário que questionava valores da cultura ocidental, como sintetiza Luís Carlos Maciel na Revista Careta de 1981:
A contracultura surgiu do confronto entre a cultura, reconhecida como doença, e a visão juvenil, cujo instinto natural é para a saúde. A audácia dessa visão não pode ser considerada mera precipitação ingênua, pois funde-se, antes, num desencanto radical - atingido por saturação, maturidade - com o mundo tal como o conhecemos. As vertentes que confluíram para a formação de contracultura são várias, de naturezas aparentemente diversas, mas sublinhadas pelo denominador comum da intenção libertária. E a fonte instintiva dessa intenção é, sem dúvida, a visão juvenil (MACIEL apud PEREIRA, 1986). A contracultura dos anos 60 teve sua dissolução nos anos 70, muito
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Movimento Flower Power, que pregava a ideologia da não-violência e o repúdio à Guerra do Vietnã.
porque seus principais “líderes” (ou gurus, como eram chamados) morreram, ou acabaram por montar família e se estabeleceram na sociedade tradicional, ou ainda, como foi dito, que os principais objetivos do movimento haviam sido atingidos (até certo ponto pelo menos), como direitos políticos, liberdades civis, igualdade de gênero, sustentabilidade e o fim da guerra do Vietnam, além da dita “revolução sexual” ter sido incorporada à sociedade mainstream da época. Esses fatores levaram ao suposto fim da contracultura, mas como como ressalta Luiz Carlos Maciel (1981) no trecho acima talvez contracultura esteja pre-
sente mais numa reação dos jovens à cultura tradicional vigente e não algo que simplesmente aconteceu e depois disso foi relegado a alguma coisa que aconteceu exclusivamente no passado. Talvez a contracultura seja um processo, parte de um ciclo, que se repete ao longo de um tempo. O movimento punk, por exemplo, na década de 80, pode ser considerado não apenas uma subcultura, mas uma forma de contracultura. E assim por diante… é, portanto, uma reação cultural a um status quo da cultura da época que é sobreposto por um novo movimento cultural, com demandas politizadas.
FOTO AFP
26 Loukanikos, em mais um protesto anti austeridade enfrentando a polícia grega na linha de frente
reatividade Em movimentações sociais, vale a terceira lei de Newton de ação e reação, onde “para toda interação, na forma
de força, que A aplica sobre B, A irá receber uma força de mesma direção, intensidade e sentido oposto”. Assim
a maioria dos protestos, pelo menos dos últimos 50 anos, aconteceu como reação a fatores, fatos e decisões externas, sejam elas políticas, burocráticas ou culturais. A velocidade em que tudo isso acontece é paralela ao fluxo de informações dos noticiários e da mídia onde as pautas estão em constante
bem descreve um trecho de um manifesto: “A cultura é
o substrato material da política, as fundações enlameada sobre as quais foram construídas, e essas fundações não podem ser alteradas da mesma forma que você pode desfazer uma lei - elas são transformadas se infiltrando no nível molecular, nas linhas falhas, poros e lacunas, escavando para dentro uma imensidão de potenciais cruzamentos” (LABOFII, 2011). É preciso, então, conhecer bem conhecer melhor as forçar opressoras contra as quais você está se manifestando: como ele age, reage, se transforma e como ele mente, assim como as pessoas ao seu redor, os movimentos engajados contra e a favor, tanto quanto os espaços a serem ocupados, e os desejos envolvidos.
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atualização, e suas reações precisam ser imediatas para serem efetivas. Com isso, a produção e planejamento das “ferramentas”, atos, ações, manifestações, cartazes, bandeiras, manifestos, mensagens e gritos acontece de uma maneira muito espontânea e veloz. A produção visual desses episódios tende a obedecer a essa espontaneidade, como bem sintetiza o autor Joseph Beuyssaid: “Don’t wait to begin, use what you have” (“Não espere para começar, use o que já tem” em tradução livre) (BEUYSSAID apud LABOFII, 2011). Seguindo essa ideia torna-se necessário conhecer muito bem o que está acontecendo e em qual contexto está inserido. Ainda mais quando os agentes causadores das insatisfações são grandes instituições ou corporações. É preciso desmontar pela raiz, entender a cultura que os envolve –como
FOTO Marc Riboud
Militantes em protestos de maio de 1968 de Paris
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Os últimos 50 anos foram politicamente muito efervescentes, marcados por diversos protestos, causas, mudanças no mundo –principalmente políticas– e novas manifestações culturais. É notável como o ano de 1968 foi uma faísca inicial para tantas movimentações que vieram depois e que repercutem até hoje. De fato, foi um ano muito especial para as causas sociais, estudantis e das minorias ao redor do mundo, provocando discussão de tantas e tantas questões. Ao mesmo tempo que houve muito embate no velho continente, aconteciam, em paralelo, as principais ditaduras na América Latina, marcadas por censura, repressão, e limitação dos direitos humanos. Na França, o fechamento da Universidade de Nanterre, perto de Paris, culminou em uma greve geral de estudantes que vinham lutando contra algumas formas burocráticas universitárias. Aos poucos, depois de uma sucessão de atos, os alunos de Nanterre receberam apoio de estudantes como os da Sorbonne, e tomaram as ruas do Quartier Latin, um bairro majoritariamente universitário em Paris. Após uma série de protestos com repressão policial, a
causa não era mais apenas dos estudantes: ativistas de diversas causas aderiram às movimentações que agora eram compostas por pessoas de todas as camadas sociais, superando barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe. Essa efervescência política e cultural se colocou à época como uma oportunidade de “sacudir” antigos valores de uma sociedade conservadora - debatendo educação, guerras (Guerra do Vietnã, Guerra Fria), sexualidade, comunismo e anarquismo. Essas ideias reverberaram e se adequaram a outros contextos no ano de 1968 e os anos que seguiram. (VENTURA, 2008) Na América Latina, nesta mesma época, ferozes ditaduras militares estavam em curso (no Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e Chile, por exemplo) e a consciência política estava viva – tanto nas ruas, quanto nas artes, com músicas contestadoras e cartazes influenciadores, por exemplo. Era nítida a influência da Guerra Fria, quando os Estados Unidos implantaram políticas externas para conter o comunismo, e assim instaurar e financiar as ditaduras na América do Sul. No Brasil, a censura foi oficializada, em 1968, pelo Ato Institucional no. 5 que obrigava que qualquer peça cultural passas-
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contexto
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se pelo Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP) onde era avaliada sua publicação, o que fomentou muito a produção cultural e exigiu uma criatividade ainda maior dos artistas para burlar o órgão de censura. No campo da música, Chico Buarque, Gal Costa, Tom Zé, Mutantes, Ney Matogrosso e no cinema, Hector Babenco, Glauber Rocha e Zé do Caixão são alguns exemplos de artistas que sofreram com o DCDP. Os governos militares da América do Sul dos anos 60 e 70 criaram um forte vínculo entre si e com os Estados Unidos, com uma poderosa rede de comunicação para reprimir qualquer tipo de oposição – Operação Condor– e, assim, juntos, perseguir opositores, esquerdistas e quaisquer pessoas tachadas de “antipatriotas” independentemente de suas nacionalidades. As ferramentas para realizar isso eram das mais opressivas possível: imprensa ferreamente censurada, sequestros e tortura legitimada por lei. O período dos governos ditatoriais de militares na América do Sul durou mais ou menos até o fim dos anos 80. Durante esse tempo, cada qual à sua maneira sofreu intensa repressão física e intelectual, mas a violência, por outro lado, foi importante para fomentar discussões e maneiras de organização de combate às forças repressivas. Os anos seguintes a esse período trouxeram a democracia, a liberdade de expressão, o direito de ir e vir e os direitos políticos. No Brasil a abertura política veio com as Diretas Já, um movimento civil que reivindicava eleições presidenciais diretas, e levou milhares de pessoas às ruas. No Chile, as pessoas foram às ruas exigindo um plebiscito que exigiu o fim do governo militar de Pinochet para assim eleger o próximo presidente. Ambas sustentadas com materiais visuais, como foi a campanha do “NO” no Chile. Com o fim da Guerra Fria, em 1989, a polarização política (comunistas versus capitalistas) termina para se estabelecer uma nova ordem mundial, com os Estados Unidos como a grande e única potência do mundo. Paralelamente ao surgimento da internet e a popularização dos computadores pessoais aquecia o fenômeno da globalização. O processo acarretou profundas mudanças nas relações sociais pessoais e entre os Estados do mundo. A evolução dos meios de comunicação, por causa da internet, resultou em uma mudança de velocidade das trocas, que agora poderiam acontecer quase que instantaneamente entre quaisquer partes do mundo (RUARO; HAINZENREDER JR., 2012).
FOTO Evandro Teixeira
31 Foto publicada pelo Jornal do Brasil que registrou a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro
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A globalização, contudo, pode se mostrar perversa: o desemprego se tornou crônico, a pobreza aumentou, novas enfermidades se instalaram, os índices de mortalidade infantil se mantiveram altos, a educação de qualidade é cada vez mais inacessível e o consumo é cada dia mais considerado como fonte de felicidade. Essa perversidade se manifesta com muita força, pois está vinculada ao sistema. O sistema capitalista é uma rede perversa, pois os problemas sociais deixam de ser fatos isolados passando a ser considerados como algo “natural” e se esquece que esses problemas são produzidos politicamente e por interesses do
“Há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel capital. Como reitera o autor:
político das empresas na regulação da vida social”
(SANTOS, 2001). Com esse processo de globalização, vieram algumas reuniões de cúpulas globais de cunho principalmente comercial como a de criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), FMI (Fundo Monetário Internacional), ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), NAFTA (Tratado Norte Americano de Livre Comércio), o Consenso de Washington e o G8. Para cada uma dessas ações houve reações populares autônomas, sem vínculos partidários, que reivindicavam o fim desses acordos comerciais de livre trânsito do capital financeiro internacional. Essas manifestações foram chamadas de ‘antiglobalização’ e tiveram seu estopim em Seattle em novembro de 1999, em reunião da OMC. Na ocasião, de 40 a 100 mil pessoas, entre ecologistas, anarquistas, trabalhadores sindicalizados, estudantes, pacifistas e humanistas, se mobilizaram, cada grupo com suas reivindicações, contra o avanço de políticas neoliberais pois seriam ameaças aos direitos humanos, políticas de saúde, educação e distribuição de renda nos países subdesenvolvidos.
33 Manifestantes antiglobalizaรงao protestam contra a ALCA na Av. Paulista em 2001
Manifestantes de oposição ao presidente egípcio Mohamed Morsi se manifestando contra ele e membros da Fraternidade Mulçumana em protesto na praça Tahrir, em Cairo
34 FOTO Reuters
No Brasil, essa onda de protestos antiglobalização ficou marcada no ato contra a ALCA, em São Paulo, em 2001. A ALCA era vista como uma ferramenta de imperialismo dos Estados Unidos frente à América Latina e foi muito mal recebida por esses grupos, agora organizados como Ação Global dos Povos (AGP). O protesto na Avenida Paulista foi marcado por uma intensa repressão policial em plena luz do dia. (FOLHA DE S. PAULO, 2001)
A década que começou no ano de 2010, foi e é marcada pelo avanço do alcance e da influência das redes sociais, como Facebook e Twitter, no mundo e a popularização dos “smartphones”. A Primavera Árabe, que começou no fim de 2010, na Tunísia, foi uma movimentação popular que aconteceu com a ajuda das mídias sociais, que foram essenciais para convocar e marcar os atos, denunciar abusos policiais nas ruas e
35 trazer o debate para questões políticas dos países, além de propagar os fatos, internamente e para o mundo. A série de protestos na Tunísia desencadeou outros protestos no norte da África e Oriente Médio, que viviam situações políticas semelhantes – de repressão, intolerância e sem liberdade de expressão. Todos esses acontecimentos resultaram em diversos governos depostos e relevantes mudanças políticas em mais de 15 países. (THE SQUARE, 2014)
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A situação nos países árabes repercutiu pelo mundo, e no começo de 2013, com o anúncio do reajuste das tarifas de transporte público em várias das mais importantes cidades brasileiras, uma série de manifestações começou a pipocar nos mais diversos pontos do país. Os atos eram convocados por eventos de facebook principalmente, e de ato em ato, mais e mais pessoas saiam as ruas. No segundo ato em São Paulo, porém, organizado pelo Movimento Passe Livre, manifestantes foram duramente reprimidos pela polícia, que usaram balas de borracha, gás lacrimogênio, cassetes e força tática, mesmo sendo um ato pacifico. Depois disso as massas se inflamaram e lotaram as ruas pelo Brasil nos atos que seguiram. Aos poucos o ato de sair às ruas para se manifestar ampliou as motivações e demandas, que deixaram de ser apenas pelo reajuste de vinte centavos na tarifa do ônibus e passaram a ser sobre a corrupção, impunidade, sobre os gastos com a copa do mundo de 2014 e sobre a aprovação das PEC’s 33 e 37. Em junho de 2013 os atos tiveram seu pico de aderência, levando aproximadamente 1,25 milhões de pessoas às ruas pelo Brasil. (GLOBO.COM, 2013) O reajuste da tarifa foi revogado e as PECs não foram aprovadas. Prometia-se que os protestos voltariam às vésperas da Copa do Mundo de 2014, que aconteceria em junho do ano seguinte. Nas ruas, mensagens como “NÃO VAI TER COPA”, “FIFA GO HOME” e “COPA PRA QUEM?” se tornavam muito frequentes e em 2014 os atos contra a copa voltaram a acontecer, com muita repressão policial, mais uma vez. O mês que antecedeu o início da competição foi marcado, por 9 atos de intensa adesão popular, manifestações de professores e diversas greves, como a dos cobradores e motoristas de ônibus e dos metroviários em São Paulo.
FOTO Mídia Ninja
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Topo do Congresso Nacional, em Brasília, ocupado por manifestantes no dia 17 de junho de 2013
FOTO Gabriel Uchida
Pixo em frente a Arena Corinthians, estádio da Copa em São Paulo
FOTO Gabriel Uchida
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conquistas políticas e sociais ao redor do mundo com certeza não tiveram origem em iniciativas de pessoas engravatadas dentro de seus gabinetes. É notável que o uso das ruas para comunicar descontentamentos populares é essencial para efetivação de mudanças. Isso se observa tanto nos últimos 50 anos, como foi descrito anteriormente, quanto na história de guerras e revoluções –sejam elas populares ou burguesas. A ocupação dos espaços públicos é uma grande resistência e forma de combate. Ir às ruas, somar em quantidade nos atos, pichar, colar cartazes contestadores, distribuir materiais impressos nas ruas, são atos políticos e só são possíveis no espaço urbano. O campo geralmente não é cenário para isso. “Assim, a cidade
não é um lugar, nem um princípio, mas um artefato” (DI GIOVANNI, 2015).
Aliados com a luta por práticas de mobilidade urbana, um grupo de contracultura foi muito inovador ao ocupar a cidade como forma de protesto, os Provos, este grupo de Amsterdam, tinha uma filosofia muito peculiar de relacionamento com a cidade. Acreditavam que o espaço social, que é o espaço urbano, a rua, estava sendo tomado pelo trânsito, e os carros tinham mais direitos que os pedestres; “havia um constante crescimento de depósito de propriedades privadas em solo público –os estacionamentos– que ocupavam espaços que não lhes pertencia”. Assim, todas as mobilizações do grupo giravam em torno dessa temática, da reconquista do espaço público, o espaço de socialização e de convívio. Como um grupo de contracultura ligado de certa forma à arte, eles pretendiam ser vistos como uma imagem; sabiam que viviam em uma sociedade de espetáculo e que não seriam eles que iriam mudar o mundo praticando aquela forma de ativismo, mas sabiam que talvez tudo aquilo podia ser um primeiro passo para mudanças reais. Todos os materiais de comunicação do
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a cidade inserida A verdade é que as principais
“Se esse espaço urbano fosse planejado para ir de encontro com as necessidades de uma sociedade não fundamentada só no trabalho, não seria preciso fugir dela, essas saídas para o campo não são pra observar a natureza, são mesmo pra fugir da lógica única de trabalho” (GUARNACCIA, 2001).
FOTO Cor Jaring
40 Happening “White Bikes” do grupo Provos, em Amsterdam
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grupo, sejam ele zines, manifestos, ou mesmo os planos brancos tinham uma unidade visual que hoje podemos dizer que era uma identidade visual, tinham, portanto, design. E o usavam como ferramenta para serem reconhecidos como grupo. Com a intenção de fazer da cidade um espaço mais acolhedor, criaram vários planos brancos. O principal deles foi o da bicicleta branca, com que propunham uma nova alternativa de transporte público. Pintaram, então, algumas bicicletas de branco (e o branco não era pelo simbolismo de paz, mas porque tudo que faziam acontecia mais na parte da noite e o branco era uma cor um pouco mais visível) e essas bicicletas ficavam à disposição de quem quisesse usá-las pela cidade. Eles foram duramente reprimidos pela polícia e pelo governo e todas as bicicletas acabaram confiscadas. Porém com certeza serviu como uma faísca para o que Amsterdam tem hoje como plano de cidade. Para a época aquela ação parecia visionária e foi reprimida por grupos conservadores, o Estado e sua força policial. Pela filosofia de desenvolver a cidade, o movimento acreditava que a nova cidade que se formava era, sim, como diziam, uma nova babilônia, uma cidade capaz de incluir todas as culturas nos espaços de convívio. Uma cidade inquieta e inconstante. Num manifesto publicado pelo grupo, essa nova babilônia foi teorizada e se discutiu que esses comportamentos coletivos e de solidariedade só podem existir no espaço urbano.
new babylon Um dos maiores dilemas
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do homem criativo é que o mundo de ontem está prestes a terminar, enquanto o mundo de amanhã ainda não tomou forma (GUARNACCIA, 2001). Os conceitos de New Babylon, como os Provos teorizaram, se insere onde esse novo mundo, complexo, deixa a cidade moderna para trás e cria comportamentos de um “novo homem”, o homo ludens, que está numa constante busca por se transformar e recriar aquele ambiente e aquele mundo, de acordo com as suas novas necessidades (NIEUWENHUYS, 1961). Essa constante busca coloca o homo ludens em um processo intenso de exploração, num ciclo de criação e re-criação. A New Babylon ultrapassa esse conceito para um projeto de cidades que estão em transformação contínua: cidades temporárias, inconstantes e espontâneas.
“New Babylon tem sobre o homem ‘o mesmo efeito de um strip tease’, excitando-o e fazendo nascer nele o desejo de agir” (NIEUWENHUYS, 1961).
Nessa nova ideia de cidade, começam a se pensar, mesmo que utopicamente, ideias de organização, ideais e diretrizes urbanísticos para se construir esse novo modelo de cidade, que é chamado de New Urbanism. Para esse novo modelo de cidade que se forma, os moldes preestabelecidos de Le Corbusier, em 1933, das quatro funções da cidade –viver, trabalhar, trânsito e lazer– se mostram como uma excessiva simplificação e não condizem com os desejos da nova
cidade desejada pelos homo ludens. Assim, são propostas algumas diretrizes e conceitos para o New Urbanism (NIEUWENHUYS, 1961). Com a evolução dos meios de produção há um aumento crescente do tempo livre, que leva à ideia de que diversão já não tem mais tanto sentido: “A diversão é a indenização da energia observa-se cada vez mais, jovens usando o tempo livre a iniciativas comunitárias. Esses comportamentos comunitários não têm lugar no campo, precisando da cidade, pois os jovens querem ser ouvidos, indo ao encontro de outras iniciativas. Outra questão é a invasão do trânsito nos espaços sociais, que provocou uma violação dos direitos humanos fundamentais. Os códigos de trânsito degradam o indivíduo-pedestre e sua liberdade, a ponto de, hoje, um carro ter mais direitos do que ele: os espaços públicos têm mais acesso aos carros do que aos pedestres. Os indivíduos que desejam ter contatos sociais acabam tendo que recorrer a um lugar privado ou comercial (casa de algum conhecido, bares ou restaurantes) - onde, de certa forma, acabam se tornando verdadeiros prisioneiros. A cidade, assim, vai perdendo sua principal função social, a de ponto de encontro. Torna-se cada vez mais evidente essa luta dos jovens contra antigas regras para a retomada de espaços sociais-públicos. (GUARNACCIA, 2001). Alinhando a origem artística de muitos dos integrantes do grupo e essa nova cidade que aspiravam, via-se que essa nova babilônia era um ótimo palco para os happenings. E foi por meio destes que o grupo se comunicava com a cidade e com a sociedade de Amsterdam. E mesmo hoje em dia me parece que estamos vivendo nessa nova babilônia, onde os jovens são cada vez mais ativos nas causas sociais que envolvem o espaço urbano e que esse lugar se torna o cenário ideal para diversas manifestações visuais contestadoras.
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perdida durante o processo de trabalho”. Por isso,
Yard, 1961 Allan Kaprow “Environments, Situations, Spaces” New York
FOTO Ken Heyman
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com Allan Kaprow em 1959, um artista que por motivos espaciais viu-se obrigado a levar suas obras para fora das galerias, e ao fazê-lo percebeu que não eram apenas obras de arte e sim ambientes a serem vividos. Aquilo extrapolava a arte, ia além de um objeto entre paredes brancas: não poderia ser levada para casa, não poderia ser comprada – ela deveria apenas ser vivida e estimulada. Como reforça o artista e escritor Matteo Guarnaccia:
“É da interação entre as atividades orquestradas para entender os espectadores e sua reação que surge o happening” (GUARNACCIA, 2001). Com isso muda-se o público expectador, muda-se o objetivo. Agora a “arte” não depende apenas de alguém entrar na galeria para vê-la; agora qualquer um, independente de interesse artístico, classe social, gênero ou idade, pode vivenciar o happening - vai ao espaço público para tornar-se público. Mesmo com esse caráter efêmero, viu-se que esses acontecimentos começaram a atrair cada vez mais e mais pessoas, com isso não se atingia somente o público passante. Tornaram-se encontros muitas vezes politizados, como ferramenta de luta, como teoriza Jean-Jacques Lebel, ou em suas
“um meio de assalto para mudar a sociedade, influenciando os homens e obrigando-os a abandonar qualquer rotina” (LEBEL, 1966). palavras,
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happenings A ideia de happenings começou a florescer nos EUA
internacional situacionista A Internacional Situacionista foi um movimento artístico político ativo na Europa entre 1957 e 1972, muito convergente com os Provos. Seus principais membros eram artistas e escritores de vanguarda. Apesar de não se autointitularem como um movimento político, tinham interesse na construção de momentos da vida e de repor passividade e dúvida por afirmação. Durante o período de atuação publicaram revistas, livros, montaram exposições, fizeram filmes e quadrinhos, distribuíram mensagens em paredes das cidades e ajudaram a detonar as manifestações estudantis de 68 em Paris. Podemos sintetizar o lema do grupo com uma frase de Guy Debord (1997):
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“De agora em diante a arte do futuro vai ser a criação de situações, ou então não será nada”. Os situacionistas pretendiam desvalorizar tudo o que a sociedade moderna gerasse, como o “mercado da arte”, pois viam
o ato de negociar arte como algo que deveria ser extinto. Desejavam assim negar a arte, mas ao mesmo tempo “torná-la real”, como bem sugeria Debord, tornar a arte algo cotidiano, como uma vivência criativa, original, delirante e estética – uma experiência, uma situação. (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2002) Eles se preocupavam muito com a crescente comercialização do mundo da arte, a constante transformação dos bens em mercadorias e a apatia da vida urbana moderna. Depositavam muita fé na agitação e na revolta útil. Diziam que “se nós não queremos participar do espetáculo do fim do mundo, teremos de trabalhar no sentido do fim do mundo do espetáculo”. Os situacionistas acreditavam em alguns métodos que seriam chaves para “mudar o mundo”- duas técnicas sucintas, e até poéticas:
Derivé ou Deriva, que consistia em pessoas caminhando pelas cidades e sendo impelidos por atrações que podem ser encontradas na cidade, ou sentir repulsa por coisas que são feias e odiosas no meio urbano.
Deixando assim a cidade, com os seus próprios elementos te guiar, te fazendo pensar na cidade que você vive de uma outra forma. Viam como um caminho para descobrir a utopia, descobrir o que se odeia e o que se ama. (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, Detournamént ou Deturpação era a recusa das criações originais. Assim, tudo que precisava ser dito, já existe, já está aí, somente esperando para ser coletado. Só era necessário colocar tudo junto de outras e novas formas, como uma colagem, e assim oferecer uma nova visão de mundo para as pessoas (INTERNA-
CIONAL SITUACIONISTA, 2002). Acreditando que a atividade política se perdeu nos gestos e tratos do dia a dia e que a experiência vivida foi transformada num espetáculo e num desejo de consumo, os situacionistas sempre batalharam por um projeto de comunicação, uma tentativa de descobrir formas de liberdade de expressão..
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2002)
artivismo O protesto político se revela como um momento de
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desorganização e reorganização da experiência social, aproximando-se em seu caráter experimental dos processos de criação artística, unindo causas a pessoas por meio da arte. Essa união cria alianças até então impensáveis, mas que se mostraram possíveis entre sindicalistas e ecologistas, entre agricultores, indígenas e punks anarquistas, carnavais anticapitalistas, vandalismos poéticos, marionetes clandestinas, bailarinos usando máscaras de gás, batalhões armados de pistolas de água, bichos de pelúcia bélicos, fanfarras, rituais xamânicos, afastando-se, então, de uma lógica de reivindicações e resultados (DI GIOVANNI, 2015). Ao se afastar da obrigatoriedade de resultados, comum aos meios legais, a arte ativista é encarada muito mais como uma provocação do que uma ação direta, mas que ao mesmo tempo tem tanta efetividade quanto. Ela incomoda as instituições superiores, basta pensar em quantos artistas e pessoas relacionadas à cultura e arte foram perseguidas e censuradas nos períodos dos governos militares na América Latina. Talvez esse uso da arte como provocação seja e tenha sido uma reinvenção do protestar como modelo clássico de manifestações mas, graças a essa onda de reinvenção das formas de protesto, a criatividade plástica e a atenção à dimensão estética e simbólica das ações coletivas passaram a assumir um lugar cada vez mais importante para os movimentos sociais (BLANCO, 2014), movimentos que finalmente unem pessoas com objetivos diferentes, solidárias entre si e que se complementam pelas mesmas causas, mas de formas diferentes. Portanto, a arte e a política são maneiras de se recriar as “propriedades do espaço” e os “possíveis do tempo”, as condições históricas a partir das quais dividimos e percebemos o que é ruído do que é palavra, o que é visível do que é invisível, os que fazem parte da cena ou dela estão excluídos (CAMPBELL, 2015).
49 “TUCUMÁN ARDE” É um dos exemplos mais destacados na América Latina de arte política, arte ativista. No início de 1968, um grupo de artistas, jornalistas e sociólogos de Buenos Aires e Rosario montaram uma exposição para, através da arte, denunciar a distância entre a realidade e a política. Tucumán Arde atuou à margem da propaganda oficial e denunciou a crise da região de Tucumán pelas políticas neoliberais ali aplicadas. Fizeram parte dessa ação Graciela Carnevale, Leon Ferrari, Roberto Jacoby, Ana Longoni e Norberto Puzzolo.
Grupo 3Nós3 em São Paulo realizando intervenção em estátuas denominado “Ensacamentos”, em 1968
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FOTO Paz Errázuriz
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Grupo chileno Yeguas Del Apocalipsis em performance intitulada de “La Conquista de America”, em 1989, em Santiago do Chile. A ação consistia em dois homens performando uma dança típica chilena, La Cueca, tipicamente realizada entre casal de homem com mulher, criticando a cultura heteronormativa. Dançavam sob um mapa da América Latina com pedaços de garrafas de Coca Cola ao chão, traçando um paralelo com a conquista colonial da America do Sul e o imperialismo estadunidense que financiou as ditaduras latinas.
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acao direta Entende-se por ação direta, atos e ações que não aceitam subordinação, que não aceitam esperar que pelas as normas legais e burocráticas da sociedade se chegue a resultados. É sobre não se acomodar e fazer as coisas na prática, como bem descreve o autor a seguir:
“A ação direta mescla práxis, catarse e imagem. Para envolver-se na ação direta, é preciso sentir-se suficientemente apaixonado para pôr os seus valores em prática; [a ação direta] consiste, literalmente, em dar corpo aos seus sentimentos, em atuar a sua política” (JORDAN, 2001).
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Garis do Rio de Janeiro em uma das manifestações realizadas durante a greve da categoria, em março de 2014
FOTO Mídia Ninja
Portanto, é uma ferramenta de ativismo que busca métodos imediatos e disponíveis para dar um fim a práticas consideradas condenáveis ou criar condições mais favoráveis para que os objetivos sejam atingidos. E talvez o design possa ser um ferramenta visual para realizar ou comunicar tais atos. As ações diretas incluem greves, boicotes, ocupações, bloqueios de avenidas e até ações de desobediência civil. São métodos classificados como diretos pois se opõem a métodos considerados indiretos como eleger representantes que podem talvez providenciar soluções posteriormente (THOUREAU,1997). Geralmente são realizadas por minorias, ou grupos até com pouco apoio e por outros ativistas que são solidários à causa. A ação direta, se caracteriza por eliminar o “atravessador” num processo de decisão: “você faz e decide tudo o que lhe diz respeito”.
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cultural jamming
Cultural Jamming é uma forma de comunicação de guerrilha, que se apropria de elementos urbanos — como placas, outdoors e anúncios— para protestar ou contestar elementos do capitalismo, subvertendo a cultura mainstream na qual se inserem. Essa forma de protesto defende o ponto de vista de que o público tem o direito de responder às imagens que nunca pediram para ver, rejeitando assim signos que induzem e incentivam consumo e imagens corporativas instauradas para aquecer o capitalismo. Assim, Cultural Jamming se propõe a fazer comentários sobre e nossos meios de comunicação de massa utilizando eles mesmos como suporte, como ferramenta de Ação Direta. Isso pode acontecer como intervenções junto às propagandas, como os jovens de Paris em 2003 que saíram às ruas a fim de desfigurar o máximo de anúncios possível, pintando um “X” gigante nas imagens e escrevendo frases como: “o corpo não é uma mercadoria”, “o ideal de beleza é transitório” e “não ao pronto-a-pensar”, em spray. Ou então, como aconteceu na Marcha Mundial das Mulheres, em São Paulo, em 2004, quando manifestantes intervieram em outdoors que continham fotos de mulheres em posições supostamente sensuais, com frases como: “o capitalismo
FOTO Mídia Independente (CMI)
Feministas subvertem outdoor em marcha em São Paulo
FOTO André Mesquita
Exemplos de subvertising
FOTOS Arquivo Pessoal
avança, o machismo abunda”, “de escravas do lar a escravas do corpo” e “somos mulheres, não mercadorias”, fazendo, assim, uma crítica explícita à publicidade que coloca as mulheres como objeto para vender “sonhos” de consumo. Esse tipo de intervenção também é chamado de Stopub (LEFEBVRE, 2004). Essa prática usa símbolos e signos que nos cercam, para produzir confusão e distorção que fisga a atenção de quem passa¬— e assim combater simbolismo com um contra simbolismo. Podemos então, considerar que Cultural Jamming é um gesto público de autodefesa contra a evidente influência comercial a que todos estamos sujeitos diariamente, porque imagens são um dispositivo político fundamental, e é necessária uma interferência anticorporativa/anticapitalista sobre os sinais que circulam neste mundo midiatizado. (MESQUITA, 2008). Outro bom exemplo de prática de Cultural Jamming é chamado de subvertising, quando são feitas paródias de propagandas. Esse método é um aperfeiçoamento sutil, quase idêntico aos outdoors originais, como se eles tivessem sido reimpressos com novas informações que sugerem repensar a mensagem que havia anteriormente.
Foto das ações no metrô de Paris em novembro de 2003
Alguns exemplos de campanhas produzidas pelo Adbusters que criticam a sociedade de consumo
FOTOS Adbusters/Divulgação
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a tomada hostil dos nossos ambientes psicológicos, físicos e culturais por forças comerciais”: Assim os adbusters são definidos em seu site. O grupo, baseado em Vancouver, começou em 1989 com o objetivo de desenvolver um tipo diferente de ativismo nessa nova era de informação que estava se desenvolvendo. A primeira grande ação do grupo foi em 1988 como reação a uma campanha da indústria madeireira, encabeçada pela British Columbia Council of Forest Industries, do Canadá. Essa campanha foi veiculada devido à relevância que a questão ambiental ganhava na época. O movimento ambientalista estava crescendo, o que obrigava as empresas a serem mais sustentáveis, já que agora era uma exigência e preocupação do público consumidor. Com isso surgiu o greenwash, uma errada apropriação de virtudes ambientalistas por parte das empresas que tentavam convencer seus consumidores e criar uma imagem positiva em relação à responsabilidade ambiental, ocultando o verdadeiro impacto negativo gerado por elas. Indignados com essa ação da madeireira, o grupo lançou o comercial modificado —subvertising— transmitindo a verdadeira mensagem sobre a extração de madeira, que “uma fazenda de árvores não é uma floresta”. Os criadores da campanha não conseguiram comprar tempo na tv nos mesmos meios em que a propaganda original era transmitida, mas já foi um primeiro passo para as próximas ações do Adbuster.(ADBUSTERS, sd, sa) A fundação observa que a preocupação com o fluxo de informação vai além do desejo de proteger a transparência democrática, a liberdade de expressão ou o acesso do público ao rádio. Embora suportem essas causas, a fundação se situa na batalha da mente, lutando para combater a publicidade pró-consumismo, pois não é feita como um meio para um fim, mas sim como o fim em si mesmo. Essa mudança de ênfase é um elemento crucial do ambientalismo mental. Assim, de 1988 para cá publicaram revistas, mas também foram responsáveis por diversas campanhas contra o capitalismo-consumismo e desmatamento. O movimento é muito conhecido por usar como ferramenta para comunicar suas insatisfações, o subvertising.
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adbusters “Uma revista sem fins lucrativos que luta contra
FOTOS STRIKE!Mag/Divulgação
coletivo strike! No primeiro dia útil de 2015, alguns vagões do metrô de Londres começaram a funcionar com propagandas internas diferentes do normal. O espaço para anúncios no interior dos vagões geralmente é ocupado por promoções de produtos de grandes corporações ou mensagens institucionais do governo, mas naquela manhã as mensagens eram outras:
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“How can one even begin to speak of dignity in labour when one secretly feels one’s jobs should not exist?”
“Como sequer podemos começar a falar de dignidade no trabalho quando secretamente sentimos que nem nosso emprego deveria existir? ” (tradução livre).
“It’s as if someone were out there making up pointless jobs just for the sake of keeping us all working” É como se tivesse alguém lá fora criando os postos de trabalho sem sentido apenas por questão de manter todos trabalhando” (tradução livre).
“Huge swathes of people spend their entire working lifes perfoming tasks they scretly believe do not really need to be performed”
“Um grande número de pessoas passa toda a sua vida produtiva realizando tarefas que secretamente acredita que não precisam ser executadas” (tradução livre). Essa ação virilizou algumas frases de um artigo do antropólogo David Graeber, em que ele questiona a importância do trabalho para o cérebro humano –questionando como, num sistema capitalista, existem pessoas que estão sendo pagas para fazer coisas que não precisam ser feitas e como essas pessoas não gostam das tarefas que exercem. O sistema capitalista é colocado em cheque.
#DSEI
Em setembro de 2015 Londres recebeu o DSEI, a maior convenção de armas do mundo, onde líderes dos mais autoritários regimes foram “prestigiar” o evento. Porém a cidade de Londres preferiu não anunciar o evento pela cidade, para evitar polêmica, uma vez que aquela indústria proporciona muitos empregos no país. Isso pareceu uma atitude hipócrita, pois para muitos a Inglaterra não deveria fomentar esse tipo de atividade, assumindo uma postura de defesa dos direitos humanos. A decisão fez com que alguns artistas tanto do Strike! quanto independentes, inclusive o artista inglês Banksy, fizessem algo a respeito. (NEWSWEEK, 2015) A ação tinha por objetivo gerar consciência na população sobre a realização de tal evento na cidade e
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Essa ação foi idealizada e realizada pelo coletivo Strike! de Londres, que se mobilizou como uma plataforma para pessoas envolvidas e solidárias à resistência popular, políticas ante opressão, e temas relacionados. Priorizou vozes de pessoas diretamente afetadas pelas estruturas opressivas, aquelas de linhas de frente da mudança política. A revista Strike! apresenta textos e artigos de política radical fazendo uso de uma linguagem acessível, rica em design e boas imagens. É bimestral, e tem formato tabloide e é impressa em papel jornal. Sua produção acontece de forma colaborativa e sem fins lucrativos – todo dinheiro arrecadado é direcionado para a produção da revista. (HUCK MAGAZINE, 2014). Seu conteúdo não se limita apenas à impressão das revistas, já que é responsável por diferentes ações diretas que tomaram Londres e ficaram mundialmente conhecidas, por seu caráter subversivo e oportunista: #DSEI
do que aquilo significava como política externa. Assim, foram convocados artistas para criar anúncios para o evento dizendo apenas verdades, anúncios para serem aplicados em abrigos de ônibus pela cidade. Foram mais de 300 posters espalhados pela capital inglesa, com a ajuda de um kit de ferramentas específica que Strike! vende em seu site junto com um poster-manual de como abrir e aplicar as caixas de propaganda dos pontos de ônibus. Tal atitude também é chamada de Brandalism.
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“The UK licensed £4000000 of arms sales to israel in four months following the unlawful bombing of Gaza”
“O Reino Unido licenciou £4000000 em venda de armas para Israel por quatro meses seguidos durante o bombardeio ilegal da faixa de Gaza” (tradução livre).
“A Grã-Bretanha já vendeu £12 bilhões em armas para alguns dos piores violadores de direitos humanos do mundo, incluindo Israel cujo ataque brutal em Gaza no último verão deixou 12000 famílias desabrigadas e causou a morte de 1500 crianças palestinas. Israel vai exibir suas armas testadas em campo em uma gigante feira de armas em Londres em setembro” (tradução livre).
FOTOS STRIKE Mag/Divulgação
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”Britain has sold £12bn of arms to some of the world’s worst human rights abusers, including Israel whose brutal assualt on Gaza last summer flattened 12000 homes and caused the death of over 1500 palestinian children. Israel will be exhibiting its ‘battle-tested’ weapons at a massive weapons fair in London this september”
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“Travelling on the DLR from 15th to 18th September? This September, a swarm of arms dealers will be descending on the DLR. Travelling to the ExCel Centre to attend DSEI, the world’s biggest Arms Fair. These visitors make huge amounts of money from weapons and equipment that kill people in wars all over the world. Your taxes help pay for it. Customers are requested to help stop the arm fairs.”
“Vai viajar no DLR de 15 a 18 de setembro? Em setembro, uma multidão de negociantes de armas vai descer do DLR para o ExCel Centre para participar DSEI, a maior feira de armas do mundo. Esses visitantes ganham enormes quantidades de dinheiro a partir da venda de armas e equipamentos que matam milhares de pessoas em guerras em todo o mundo. Seus impostos ajudam a pagar por isso. Os passageiros são solicitados a ajudar a parar essa feira” (tradução livre). (Esse formato de anúncio é usado normalmente para informar os passageiros do metrô que alguma parte das linhas de metrô está paralisada para manutenção convocando os usuários a fazerem caminhos alternativos)
Em dezembro de 2014, cartazes que pareciam muito com uma campanha publicitária da Polícia Metropolitana de Londres apareceram em diversos pontos ao redor da cidade. Mas em vez de tentar convencer os cidadãos a serem agentes comunitários em seu tempo livre, diziam que a força policial é institucionalmente racista e que possui comportamentos inexplicáveis. Assim, alguns ativistas ante policiais substituíram os anúncios habituais dos abrigos por esses outros. A polícia, como reação, isolou vários abrigos de ônibus em torno de Londres como se fossem cenas de crime... Essa ação foi assinada pelo Strike! e além de criticar o comportamento policial, criticava o fato da polícia gastar uma enorme quantia de dinheiro por ano para fazer propaganda para se glorificar – tentando convencer a população de que a corporação não é violenta, nem racista e nem corrupta. “Existem evidências que nos mostram que dar às pessoas informações sobre a ação da polícia em sua área pode aumentar a confiança que elas têm na polícia. E esses bairros foram escolhidos por serem locais onde a confiança no policiamento é menor do que a média”, dizia a reportagem do DailyMail. Os cartazes ficavam disponíveis no site da Strike! para quem quisesse baixar, imprimir e colar pela cidade.
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TOTALLY POINTLESS
FOTOS STRIKE! Mag/Divulgação
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“In 2013 we spent £9.6m telling you we’re not violent, racist and corrupt. It’s propaganda pure and simple” “Em 2013, nós gastamos £9.6 milhões falando que nós não somos violentos, racistas e nem corruptos. É pura e simplesmente propaganda” (tradução livre).
“We’ve pointlessly targeted cannabis users in Lewisham, while other people legally drink their drugs”
“Nós inutilmente nos focamos em deter usuários de cannabis em Lewisham, enquanto outras pessoas bebem legalmente suas drogas” (tradução livre).
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“You’re 28 times more likely to be stopped and searched in London if you don’t have white skin, becausa we’re still really racist” “Você tem 28 vezes mais chance de ser parado e revistado em Londres se não tiver pele branca, porque nós ainda somos super racistas” (tradução livre).ção minha).
IMAGENS Território Livre/Divulgação
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gundo informações apenas encontradas na Wikipedia, o Território Livre é um grupo ativista de estudantes, em sua maioria da Universidade de São Paulo que luta pela organização popular e deseja combater o que julga serem os dois grandes males da atual sociedade brasileira: a forte repressão - policial, burocrática e estatal - e a falta de perspectiva para os jovens. O grupo começou a atuar em 2006 durante a greve contra a presença dos policiais no campus da Cidade Universitária, mas foi durante as jornadas de junho de 2013 que ganhou maior visibilidade, quando percebeu que deveria haver combate a algumas pautas que eram consideradas afrontas diretas aos direitos coletivos: o aumento da tarifa, os gastos excessivos com a Copa do Mundo, e a crise hídrica que acontecia em São Paulo. Depois da Copa o movimento apoiou a ocupação nas escolas estaduais de São Paulo contra a reorganização proposta pelo governador Geraldo Alckmin. Os cartazes do movimento se destacavam muito pela cidade por sua cor vermelha, identitária dos movimentos de esquerda, e construção simples. Transmitiam as mensagens com muito pouco texto, mas com muita clareza e objetividade
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territorio livre Se-
o cartaz A cidade moderna envolve e é envolvida
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por seus personagens, e por mais caótica que possa ser, esses personagens, humanos ou não, têm uma função essencial para a formação do espaço urbano – pessoas, mensagens, trânsito, postes, carros, paredes, motoristas, pedestres, placas. Esses elementos existem para comunicar, cada qual sua mensagem, todos transmitem ideias. A urbe se faz por essas trocas, sendo sempre um centro de convergências, já que a multiplicidade de funções individuais vai se interseccionando e possibilitando a dinâmica social (RODRIGUES, 1980). Essa troca de informações só é possível se houver ocupação dos espaços urbanos, para que os usuários consumam a cidade de forma a transformá-la em objeto de uso. Esse mundo de informações dentro do espaço urbanizado, muito se dá pela inserção repetida, redundante e poluída de mensagens. Muitas dessas mensagens se colocam na cidade em forma de cartazes, outdoors, anúncios. O cartaz no espaço urbano surge como ferramenta de publicidade que se multiplica nos espaços e transmite mensagens. Mensagens em imagens, reproduzidas em escala, adequadas à escala humana, cujas dimensões estão relacionadas à maneira que serão consumidas. A ideia de cartaz começa como uma imagem comentada, nunca só uma imagem, uma imagem pura - como explica a pesquisa realizada pela prefeitura de São Paulo em 1980: “O cartaz de imagem pura, sem acessório semântico da escrita, é inviável numa civilização de consumo como a nossa, onde a sensibilidade artística do usuário é desprezada. Os cartazes podem ainda ser institucionais ou promocionais”. O cartaz é institucional quando promove alguma coisa e não só informa (RODRIGUES, 1980). Os cartazes tiveram suas primeiras aparições, no séc XVI, como veículos para informar, seja sobre bens de troca, seja sobre feiras e informações locais importantes tais como
verticalmente e à altura dos olhos do espectador - determinações essas que visam chamar a atenção do espectador, persuadi-lo quanto à compra e, por último, atingir um grande número de pessoas (POSHAR, 2013). A partir dos cartazes de Chéret a parcela estética dos cartazes finalmente é relevante, com a crescente preocupação com o uso das imagens, a escolha da tipografia, as combinações de cores, elementos gráficos e sua diagramação. Enfim: design. Os cartazes ganham uma conotação política na Rússia na década de 20, com o construtivismo russo, que foi um movimento político-estético de vanguarda no país: eles negavam a arte como algo puro, aboliam a ideia de que arte é algo muito especial da criação humana, separada do mundo cotidiano. Influenciado pelos prinícpios modernistas de design, tinham como características usar elementos geométricos, cores primárias, fotomontagens e tipos sans serif. O construtivismo coloca a arte como um instrumento de transformação social, que participa da reconstrução do modo de vida e da “revolucionarização” da consciência do povo, não a arte política, mas
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assuntos relacionados à saúde e cobrança de impostos - com apelo meramente textual, impressos por prensa de tipos móveis, preto e branco. Mais adiante passaram a ser realizados por xilogravura. Em 1796, porém, com o surgimento da litografia tornou-se possível a impressão de imagens junto com textos, algo impossível até então. Isso aperfeiçoou a função do cartaz como mídia, que deixou de se comunicar apenas com pessoas alfabetizadas, já que passou a possuir maior apelo visual - as imagens eram maiores que os textos conseguindo, assim, transmitir mensagens de mais fácil compreensão e assimilação por todos, o que aumentava seu poder persuasivo. Mas foi só depois da cromolitografia, em 1886, criada pelo cartazista Jules Chéret que o cartaz atingiu seu ápice como peça comunicadora, graças à impressão a cores. Chéret passou a aperfeiçoar a disposição das informações (diagramação), seu formato e tamanho, assim como a localização de aplicação, determinando as características primordiais que constituem o cartaz até hoje: peças retangulares, dispostas em vias e locais públicos,
a socialização da arte. No Brasil, porém, o cartaz manteve sua função majoritariamente publicitária até o período da ditadura, embora durante a revolução de 1930 já houveram algumas ocorrências, foi na década de 60 quando alguns cartazes de cunho político começaram a aparecer mais pelas ruas das capitais do país, formados por uma imprensa de resistência que “conseguiu se im-
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por graças à capacidade de inovar não apenas a agenda temática, mas a própria linguagem e os códigos formais com que se expressava o debate público no país” (SACCHET-
TA, 2012). Na época esses cartazes políticos saiam da junção de artistas gráficos com jornalistas de combate, já que “jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados”, como bem narra Millôr Fernandes. Hoje em dia, com o surgimento de novas mídias (para a publicidade, por exemplo) a mídia que um dia foi o cartaz vira arte. Hoje observamse poucos cartazes vendendo ou promovendo produtos na rua. O que se nota é uma conotação estética nos lambe-lambes, que não deixam de ser informativos e muitas vezes uteis, mas peças que agora tomam partido e são peças de design.
Alguns exemplos de cartazes construtivistas russos, década de 1920.
first things first First Things First foi um manifesto pu-
“We think that there are other things more worth using our skill and experience on. There are signs for streets and buildings, books and periodicals, catalogues, instructional manuals, industrial photography, educational aids, films, television features, scientific and industrial publications and all the other media through which we promote our trade, our education, our culture and our greater awareness of the world”. “Pensamos que há outras coisas a que vale mais a pena dedicar nossa habilidade e experiência. Há sinais de ruas e edifícios, livros e periódicos, catálogos, manuais de instrução, fotografia industrial, auxiliares educativos, filmes, recursos de televisão, publicações científicas e industriais e todos os outros meios através dos quais promovemos a nossa troca, nossa educação, nossa cultura e a nossa maior consciência do mundo” (tradução livre). A ideia não era acabar com a propaganda para o consumidor, era propor uma inversão de prioridades em favor das formas mais úteis e mais duradouras de comunicação. Ele se contrapôs à cultura consumista que era puramente preocupada com a compra e venda das coisas e tentou destacar a dimensão humanista com a teoria de design gráfico. Mais tarde, foi atualizado e publicado por um novo grupo nomeado de First Things First 2000 manifesto.
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blicado em 1964 por Ken Garland, renomado designer inglês, e foi apoiado por mais de 400 designers gráficos e artistas. O manifesto tentava re-radicalizar uma indústria de design em que os designers se sentiam como se tivessem se tornado preguiçosos e sem uma posição crítica sobre as coisas. A Escola de Frankfurt e da contracultura influenciaram o documento e isso ajudou a reafirmar a crença de que o design não é um processo neutro e livre de valores.
72 Inserções em circuitos ideológicos – Projeto Cédula (1975), de Cildo Meireles
dula de dinheiro? Essa é uma forma de passar a mensagem e mostrar sua indignação perante o Estado”, diz a descrição da página Cédulativa no Facebook. Intervir em notas é uma forma de propagar informações e revoltas contra o sistema capitalista utilizando como suporte o mais simbólico ícone do próprio sistema: a cédula de dinheiro, as notas. É uma manifestação espontânea que se propaga naturalmente e sem nenhum tipo de produção: as notas circulam e estão em constante troca de acordo com o consumo da sociedade. As mensagens em geral possuem dizeres anti capitalistas, críticas à sociedade de consumo e de cunho libertário. Entre 1970-1975, durante o período da ditadura militar vigente no Brasil, Cildo Meireles, artista plástico neoconcretista, produziu uma série de trabalhos que imprimiam frases subversivas em cédulas de dinheiro. Ele tomava as notas, interferia sobre elas e as devolvia ao mercado. Ele fez ação semelhante com garrafas de Coca-Cola. O artista carimbou em notas de dinheiro a frase “Quem matou Herzog?” A provocação foi considerada muito efetiva pois atingiu uma enorme quantidade de pessoas e era impossível ser barrada pelos departamentos de censura. Ele nomeou a obra de “Inserções em Circuitos Ideológicos”
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cedulativa “Já imaginou quantas pessoas pegam a mesma cé-
sujo sua cara Em 2010, houve
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eleições presidenciais, e durante o período eleitoral a quantidade de propaganda política que tomou e se acumulou nas ruas foi enorme - panfletos com os rostos dos candidatos e seus números e cavaletes com as mesmas informações. A aplicação desse tipo de material possui normas. Em 2010 um grupo de gaúchos se viu indignado com a aplicação irregular dessas peças e a falta de parcimônia da propaganda política em geral e decidiu intervir nessas peças em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. De acordo com a lei, é ilegal: Propaganda eleitoral (mesmo pichações, inscrições com tinta, faixas, adesivos) em postes de iluminação pública, semáforos, placas de sinais de trânsito, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus, orelhões e outros equipamentos urbanos. Propaganda eleitoral em árvores e jardins em praças e áreas públicas, bem como muros, tapumes e cercas. Cavaletes, bonecos, cartazes, mesas, bandeiras que dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos e qualquer outra propaganda eleitoral após as 10 da noite. A ação foi de rabiscar “bigodinhos”, “chifrinhos” e outros sinais gráficos, com o objetivo
75 FOTOS SUJOSUACARA/Divulgação
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de subverter o discurso oficial, tendo como justificativa que as peças de propaganda dificultavam a circulação das pessoas e contribuíam para poluição visual. O movimento foi nomeado de “Sujo sua cara”, e foi uma resposta ao incômodo gerado pelas peças expostas ilegalmente nas ruas. O movimento foi para a internet para ser divulgado e para ganhar visibilidade - foi criado um Tumblr onde eram documentadas todas as placas alteradas e isso gerou grande adesão de simpatizantes. Depois, em 2012, foi lançada a página no Facebook “Você suja a minha cidade, eu sujo a sua cara” que reunia notícias, charges e fotos de peças de propaganda política subvertidas por pessoas de várias cidades do Brasil – a ideia tinha se propagado. De acordo com o movimento, mais do que pichar as placas em circulação, o objetivo era que houvesse uma redução significativa do material de propaganda política nas ruas. Isso nos leva a questionar a crença dos indivíduos na legitimidade da democracia representativa como sistema político. Essa ação é mais uma daquelas que procuram desestabilizar e produzir tensões nas interações entre o discurso oficial, do qual a propaganda faz parte, e os sujeitos aos quais se endereçam (CORREA; SALGADO, 2014).
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FOTOS SUJOSUACARA/Divulgação
FOTO HOLOGRAMAS POR LA LIBERTAD/Divulgação
hologramas por la libertad (ESP)
Em dezembro de 2014, o congresso espanhol aprovou a “Leyes Mordaza” que proibia qualquer pessoa de se manifestar em frente ao congresso dos deputados de Madrid, organizar-se em assembleias nos espaços públicos da cidade e participar de qualquer manifestação sem aviso prévio. Proibia, assim, o direito de reunião pública e restringia a liberdade dos cidadãos para se manifestar. Frente a essa realidade de agressão à liberdade de expressão, um grupo de pessoas, em março de 2015, decidiu reagir da única forma que a lei permitiria, sem encontro físico nas ruas e foi organizada a primeira manifestação por hologramas do mundo. Um protesto de massa que provou que, apesar dos obstáculos, o governo não poderia silenciar a voz dos manifestantes - mesmo que a manifestação fosse em hologramas. O ato foi idealizado e produzido por um grupo chamado “No Somos Delito”, formado por mais de 100 organizações de cidadãos, ativistas e juristas, que nasceu para informar o público sobre a importância dessas reformas nas leis de segurança pública, e como elas iriam restringir os direitos fundamentais de cada um. Assim, era preciso pressionar o governo a derrubar essas medidas imediatamente. A ação repercutiu pelo mundo inteiro e cumpriu sua função, como manifestação legal e inovadora.
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um grupo de comunicação e ativismo formado por 15 cariocas que retratam sua consciência política através de projeções nas ruas - seus primeiros experimentos foram nas manifestações de junho de 2013. Depois de um ano, já em maio de 2014, com as manifestações ante copa em curso, o grupo resolveu aderir à catarse, plataforma de financiamento coletivo, para otimizar suas ações e alcançar mais pessoas. Transformando o grupo em plataforma de projetação, seria comprado um kit para uso coletivo, capaz de oferecer a estrutura e a mobilidade necessárias para multiplicar as ações de apoio aos movimentos e fomentar o debate político, ocupando os espaços públicos com soluções criativas para burlar as barreiras impostas por esse sistema paralisante. “Nosso objetivo principal é gerar nas pessoas
que estão nos movimentos ou que estão na rua sem muita ideia do que está acontecendo, uma reflexão sobre questões políticas e sociais, através de mensagens diretas e de impacto”, disse Júlia, ativista do grupo que transmite a
voz do coletivo em uma entrevista ao Catraca Livre. Antes do financiamento as projetações aconteciam com equipamentos emprestados, cedidos e despesas pagas pelos ativistas. Eles nomearam as ações com projeções politizadas de projetaços, e além dos projetaços o grupo também promove cineclubes, debates e aulas abertas.
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coletivo projetacao (RJ) O Coletivo Projetação é
monstruario 2016 Monstruário foi uma performan-
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ce de um artista carioca chamado Rafucko em que ele criou uma loja anti-souvenir da Olimpíada do RIO 2016. Em um vídeo postado em sua página no Facebook o artista descreve, um a um, os produtos vendidos no espaço. Cartões postais temáticos do apartheid, com uma imagem de jovens negros sendo revistados fazendo referência à realidade da polícia brasileira em que 61% das vítimas de morte por policiais são negras. Outro postal era uma foto da Vila Autódromo, com um pequeno pedaço do muro original da região, local que foi inserido nas promessas para a Olimpíada e que iria se tornar um bairro renovado, com prêmios de urbanismo, sendo que o que realmente aconteceu foram remoções de famílias que tiveram suas casas bombardeadas pela prefeitura do Rio de Janeiro. A Vila Autódromo simboliza o legado de remoções e desapropriações para a Olimpíada, num total de 20.300 famílias. (GLOBO. COM, 2015) Souvenir típico do Rio de Janeiro, Rafucko dispunha de sandálias havaianas com estampa de jovens negros sendo revistados em frente ao ônibus a caminho da praia, fazendo alusão a um caso que aconteceu em setembro de 2015 em que policiais realizaram tal ação e afirmaram que revistariam todos os ônibus de vinham da periferia, como bairros da zona norte, para as praias da zona sul - região nobre da cidade e a mais procurada pelos turistas. (GLOBO.COM, 2015) Uma miniatura de carro baleado com 111 tiros também era vendida na loja fictícia, juntamente com o quebra cabeça Costa Barros, objetos que fazem referência a uma ação policial que matou 5 jovens em um carro na Avenida Costa Barros, no Rio de Janeiro. Uma caneca com uma foto estampada do secretário de segurança da capital fluminense, e soldados do BOPE, Batalhão de Operações Policiais Especiais em que qualquer bebida fica “intragável” como descreve o artista no vídeo. Além disso, mascotes de pelúcia para o público infantil – “Tratorzão” e “Caveirinha”. Tratorzão, como símbolo do responsável pelas demolições e remoções ilegais de famílias; e Caveirinha para alu-
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dir ao Caveirão, carro oficial do BOPE. Para finalizar há também um pano de prato do “O Globo”, com uma capa de jornal estampando a pequena nota na capa do jornal em que era noticiado que cinco meninos foram fuzilados com 111 tiros pela polícia. A ação ficou exposta e até realizava a venda dos produtos no Centro de Arte Hélio Oticica no Rio de Janeiro, eram anti produtos que criticavam a lógica suja de consumo, evidenciando a realidade das preparações para o grande evento (MONSTRUÁRIO, 2016). A venda dos objetos gerou polêmica, uma vez que o público chegou a questionar se o artista não estaria justamente visando lucro, que se defendeu e disse que o objetivo não era aquele e os preços expostos era o exato custo de produção dos objetos. Outro ponto que vale o destaque é o formato do protesto, como performance e pela escolha de produzir objetos que constestam. Pois ao invés de criar panfletos com as informações para conscientizar a população; o choque, o impacto se dá por outra via, o canal da sátira e do objeto físico-palpável. FOTO Rafucko/Divulgação
panfletagem para imigrantes (UK) Em uma tarde de sábado em Londres, fui a uma feira de
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livros em um bairro de maioria imigrante. Saindo da feira, em direção à estação de metrô mais próxima, recebi um pequeno folheto, talvez tamanho A5. Nele havia algumas informações sobre os direitos dos imigrantes em situações de despejo ou repressão policial. Eram informações simples, “você não precisa responder nada”, “você pode ir embora se não houver um mandado de prisão”, “se não houver um mandado de prisão os policiais não podem te perseguir”. Além dessas dicas, o folheto orientava a sempre filmar e gravar qualquer tipo de atitude semelhante. E sempre que houvesse dúvidas ou mesmo quando o auxílio de advogados fosse necessário, os autores do folheto se colocavam à disposição. Era um ato de solidariedade e de utilidade pública, considerando, em especial, o público visado, pessoas que muitas vezes chegam desinformadas sobre seus direitos nos novos países. Aquele folheto usou design para transmitir informações difíceis de serem compreendidas, as leis e direitos, e as tornou acessíveis ao público, ao mesmo tempo em denunciava um comportamento racista da polícia local. Quem assina a autoria de tal panfletagem é um coletivo londrino chamado Network23, que agrupa essa e outras ações em Ante Raids Network (rede ante invasões). A Network23 é uma rede de grupos e pessoas que buscam construir resistência a ataques a imigrantes através da produção e distribuição de materiais informativos. Os materiais contra as invasões foram produzidos em conjunto com advogados de imigração e ficam disponíveis no site para quem queira imprimir e distribuir. Acreditam que todas as pessoas devem ser livres para viajar e viver onde quiserem, independentemente de onde nasceram, onde moraram, se nasceram pobres ou ricos, sejam
quais forem os documentos e quais passaportes possuam. São contra todos os controles de imigração, pois acreditam que ninguém é ilegal. Acreditam na liberdade de movimento, opondo-se a toda repressão estatal, sendo que as pessoas não deveriam sofrer ataques diretos ou indiretos do Estado. O racismo é colocado como principal problema dessas instituições. Em seu manifesto o coletivo expõe que os controles de imigração são parte de um sistema global vicioso do capitalismo e do colonialismo, em que poderosas corporações e governos ainda estão colonizando e destruindo o mundo visando apenas o lucro. Procuram combater isso com sua maior
“A única maneira de lutar contra os controles de imigração e outros ataques dos ricos é a criação de redes de resistência que unem indivíduos e comunidades” Usam então, a lei para se opor a controles de imigração, para desafiar a legalidade das invasões, e para divulgar informações sobre os direitos dos cidadãos (NETWORK23, sd).
FOTOS Arquivo Pessoal
arma, a solidariedade:
design colaborativo A Feira de Livros Anarquistas de 86
São Paulo todo ano faz uma convocatória para quem quiser fazer um cartaz de divulgação do evento. Não há um cartaz oficial único, existem vários - é um processo de democratização da produção das peças de divulgação, democratização do design gráfico. Abre-se, assim, uma mostra de diversidade visual sobre o tema, não se fechando na ideia criativa de uma só pessoa ou uma pequena equipe. Mais adiante todos os cartazes são expostos no evento. Eu já tinha observado essa linha de design colaborativo em Londres pelas manifestações contra o desaparecimento dos 43 estudantes mexicanos. No Chile, conheci um grupo que convoca mulheres a criarem cartazes sobre a legalização do aborto e contra o machismo. Nesses exemplos a convocação é feita pelas redes sociais –é criada uma plataforma para receber as inscrições e divulgar o material recebido, sempre deixando disponível o arquivo em alta resolução para quem desejar fazer o download, imprimir e colar pela cidade e o possa fazer com a qualidade ideal de impressão. Depois de alguns desses já na rua, colados em paredes e postes servem como divulgação da ação que fecha um ciclo que propaga muito bem as informações. No cenário atual da política do Brasil, com muitas manifestações pró e contra governo saindo às ruas, nasceu uma dessas plataformas de produção de cartazes colaborativos: “Arte pela Democracia”, que recebe cartazes contra o impeachment da presidente Dilma e os divulgam em uma página de facebook. Outro ótimo exemplo foi durante os protestos de 2011 na Espanha, que com o mesmo tipo de plataforma, mas em um site e não no Facebook, jovens criaram o Voces con Futura. O nome sugere cartazes que usam a fonte Futura, por justamente terem um cuidado gráfico e tipográfico para comunicar as mensagens.
FOTOS Arquivo Pessoal
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Alguns cartazes do coletivo em Santiago, Chile.
IMAGENS ArtePelaDemocracia/Divulgação
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IMAGENS VocesConFutura/Divulgação
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ayotzinapa font (MEX)
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Em 26 de setembro de 2014, 43 alunos da Escola Normal Rural Ayotzinapa foram atacados pela polícia e nunca mais foram vistos. Desde então, a prioridade dos pais dos desaparecidas é de encontrá-los e exigir justiça. Nesse contexto, os tipógrafos mexicanos Raul Plancarte e Christopher Henestrosa, criaram a Ayozinapa Font, em solidariedade a famílias arrecadando dinheiro que é inteiramente doado. O uso da fonte Ayotzinapa é destinada, principalmente, a cartazes com conteúdo revolucionário e militante.
AYOTZINAPA FONT ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz 1234567890 Fonte idealizada pelos tipográfios Raul Plancarte e Christopher Henestrosa, publicada em 2015
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IMAGENS AyotzinapaFont/Divulgação
ou seja, todos os exemplos que citei que aqui nessa parte do trabalho como experiências correlatas, mostraram como se inovou no jeito visual de protestar nos últimos anos, reafirmando que o design, ou a comunicação visual, são fundamentais para transmitir mensagens claras e contestadoras. Evidenciando, portanto, como o desgin foi e é ferramenta para comunicar inquetações pessoais e políticas, sejam elas de pes-
soas e cidadões, designers ou não. Importante destacar também que todos os casos citados aqui buscaram fugir da lógica comum de ativismo, ou seja, poucos exemplos encontraram sua resolução em cartazes e folhetos, saindo assim da lógica quase que unica do design gráfico com peças gráficas. Mostrando que é possível fazer design e comunicar sem produzir somente folhetos e cartazes, embora ainda sejam bem úteis.
experiencias diretas
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93 A metodologia deste trabalho pode ser descrita por diversas ações que tornaram o processo do fazer uma experiência ainda mais interessante e coerente com os objetivos do projeto experimental: -workshop e cursos relacionados ao tema -participação ativa em manifestações e atos políticos -registros fotográficos, notas e áudios realizados nos eventos de que participei -pesquisa em literatura -descrição de experiências anteriores -aplicação e intervenção em espaços urbanos
impeachment ou golpe 94
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No segundo domingo de março, dia 13, a Avenida Paulista ficou lotada de pessoas que desejavam o impeachment da então presidente. Vestiam verde e amarelo, camisetas da seleção de futebol, hasteavam bandeiras do país. Segundo o Datafolha, os manifestantes eram em sua maioria, 57% homens; em média 45 anos de idade, 77% tinham ensino superior completo e eram brancos. 50% com renda de 5 a 20 salários mínimos. Nesse dia, quando usei o metrô, vestia branco, e acabei confirmando muito dos estereótipos que tinha na cabeça quando começaram a desenhar esse perfil de manifestantes dos atos contra o governo — eu achava que era puro preconceito meu, mas o fato de eu estar no metrô naquele dia e não estar nos trajes “adequados” para aquela “ocasião” me rendeu diversos olhares estranhos e pessoas gritando em minha direção. Esse micro episódio abriu meus olhos para questões relativas a este trabalho. Era impossível ignorar todo o cenário e crise política que o Brasil vive estudando tudo aquilo que eu estava estudando. Comecei a pensar que esse momento tinha que ser registrado, pois como muito estudei aqui, boa parte das ações visuais analisadas são reações a acontecimentos históricos, e sempre têm relação com o contexto atual. Na sexta feira seguinte, dia 18, haveria um ato denominado a favor da democracia, contra um impeachment sem crime de responsabilidade, contra o golpe. Era então fundamental que eu estivesse lá para começar a entender os dois lados, e observar as manifestações visuais de tudo aquilo que estava acontecendo. Se no domingo, um tom de ódio aos diferentes parecia tomar conta, o ato de sexta foi o totalmente o oposto, receptividade e esperança eram dominantes. Ali questionavam a legitimidade do impeachment e se tudo aquilo não era um golpe de estado, como o de 1o de abril de 1964- como se a História estivesse se repetindo. Entendendo isso procurei fotografar com uma estética que remetesse a algo mais “de época” para quem sabe tentar comparar os dois momentos com fotos de 1964 e de hoje. Comprei filmes e fotografei com uma câmera analógica. A ideia era retratar pessoas e não bandeiras. Tentei ao máximo desenquadrar nas fotos qualquer menção a siglas, partidos e organizações. Queria poder fazer um contraponto que, no fundo, são pessoas e é irracional julgá -las e “condená-las” só pela cor de roupa que vestem. Para isso, depois que
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revelei as fotos, fiz novos enquadramentos e deixei em tons de cinza, para que não se pudesse, realmente, julgar pessoas pela cor de sua roupa. Depois tentei transformar essas imagens em cartazes, e sugiram vários questionamentos sobre se deveria ter ou não ter mensagens verbais- será que para ser cartaz precisa de texto? Será que as imagens com esse simples recorte P&B já não dizem o que eu quero falar? Nesse vai-e-vem, tentei pensar em textos e frases que poderiam transmitir minha mensagem, mas eu também não estava certa sobre que mensagem eu queria passar. Não queria me colocar de um lado ou de outro, por mais que eu estivesse inclinada para a causa de um deles, mas também não queria ficar em cima do muro - todas as manifestações visuais politizadas que eu tinha estudado tinham uma posição marcada. Essa polarização me parecia absurda, pois não existem só dois lados, e a minha posição política poderia servir como uma terceira força de questionamento, para colocar em cheque o sistema em que vivemos e não me refiro aqui apenas ao governo. Mas acabei chegando à conclusão de que o que realmente está acontecendo é uma guerra de informações- o que é ou não legal, quem cometeu e quem não cometeu crimes, que deputado vai votar a favor ou contra o impeachment, o se é ou não é golpe, entre outros pontos. Nesse fluxo todo de ter que explicar muitas coisas, ter que cobrir muitas opiniões, ir atrás de voto de parlamentares, verificar boatos e fofocas, a mídia parece que deixou de dar destaque para outras questões que são tão importantes quanto a crise política. Assim, comecei a listar assuntos que não estavam mais sendo falados e que deveriam ter mais destaque: legalização do aborto (em casos de zika ou não), intolerância religiosa, demarcação de terras indígenas, taxação de grandes fortunas, o caso das merendas escolares em São Paulo, trabalho escravo, repressão policial contra negros nas periferias, kit ante homofobia nas escolas, as infinitas obras em andamento do metrô, os desfechos do desastre em Mariana, etc.
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INTERVENCOES CAPAS DE JORNAL Na se-
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mana que antecedeu a votação do impeachment na Câmara dos Deputados em Brasília, a mídia, seja impressa, online ou na televisão, só falava disso. Especulava-se que deputados estavam a favor, quais estavam contra - cada dia havia um infográfico sobre isso, mostrando quem havia mudado de opinião, etc. Parecia que esse era o único assunto em pauta, ou pelo menos o único que ganhava destaque e estava sendo debatido. A ação, portanto, era para levantar outras pautas que são tão importantes quanto aquela e que precisam ser discutidas. O suporte escolhido ia de embate com a mídia que escolheu noticiar sobre um só tema, as próprias capas dos jornais da semana. O local escolhido, pilares do MASP, são ícone das manifestações que aconteceriam no fim de semana pró e contra governo. Escolhi fita adesiva para ser a base dos escritos por justamente remeter a algo que passa por cima, translúcido não deixa ver o que está por baixo. A unidade entre as mensagens se deu pelo início de cada sentença começando por “...E”.
FOTO Victรณria Carvalho
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104 IMAGEM Arquivo Pessoal
105 “...E quem vai punir o cara da merenda?” “...E a legalização do aborto?” “...E a repressão policial na periferia?” “...E a demarcação das terras indígenas?” “...E quem vai punir a Samarco?”
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Imagens do processo
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FOTO Victória Carvalho Coletei o Estado de S. Paulo durante a semana e separei as capas. Com uma liga de cola branca e água fixei-as sobre a parede. Depois colei pedaços de fita vermelha para serem suporte para a escrita e para “esconder” o conteúdo do periódico. Por cima, com “canetões” escrevi as mensagens
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108 Saindo pela Paulista depois de terminar a ação vi dois garotos do PCO (Partido da Causa Operária), cobrindo todos os tapumes do MASP com seus cartazetes. No dia seguinte, dia que os grupos pró e contra governo sairiam às rua para acompanhar a votação da câmara dos deputados, fui ao local da intervenção ver se os jornais continuavam lá. Por sorte, minha intervenção foi respeitada pelos meninos do PCO e continuavam visíveis e ativas.
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Duas semanas depois, os jornais foram cobertos por cartazes convocando para a manifestação do 1o de maio, Dia do Trabalho. o que faz parte da dinâmica urbana da multiplicidade da ações anônimas. O espaço público urbano é de todos...
FOTOS Arquivo Pessoal
FOTO Arquivo Pessoal
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cordâncias que o Brasil atravessa hoje, observei que muitas pessoas se mostram simplistas e são levadas a ter opinião inteiramente favorável ou radicalmente desfavorável a este ou àquele grupo, tomando por base exclusivamente a posição que o grupo tenha em relação ao tema que está em foco. Fiquei pensando se essas pessoas sabem o real significado de determinadas palavras . Fui ao dicionário e busquei alguns termos que me pareceram relacionados com o contexto atual, separei as definições encontradas, que a mim mesmo surpreenderam. Foi a partir dessa busca que resolvi o tipo de conteúdo textual que buscava para meu trabalho, um conteúdo capaz de gerar reflexão. Fiz, então, cartazetes, tamanho A3, com as definições de algumas palavras, busquei transcrever todos os formatos típicos de dicionários para que a associação fosse direta. Imprimi o texto em vermelho sobre papel verde e fui colá-los aos arredores do MASP, justamente, como assinalei, por ser um centro de manifestações, um ponto de encontro político. A intervenção aconteceu no dia seguinte ao anúncio de afastamento da presidente Dilma, após votação no Senado em Brasília. Manifestações estavam marcadas e era o momento certo para falar alguma coisa. As palavras escolhidas foram: GOLPE, GOLPISTA, RESISTÊNCIA, RESISTIR e FASCISMO.
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CARTAZES DICIONARIO No cenário de dis-
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Fotos realizadas logo após a aplicação com a cola ainda molhada
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114 Nessas fotos vemos a reação dos cartazes às fortes chuva que atingiram São Paulo, que fizeram por diluir o papel do cartaz
IMPEACHMENT OU GOLPE
115 No dia seguinte, já haviam interferido no cartaz aplicado por cima de um “Fora Temer” , houve dissidencia portanto.
PROTESTO CALADO Aos 16 anos, li o renomado livro de Eduardo Galeano “As Veias Abertas da América Latina”, na época eu não podia dimensionar o tamanho do “estrago” que tal livro faria na minha vida, mas uma das principais coisas que fiquei feliz de conhecer ao lê-lo foi o autor. Ali descobri que muito poderia aprender com escritor uruguaio. Uma frase
“Quando as palavras não são tão dignas quanto o silêncio, é melhor calar e esperar”. Trouxe esse trecho para minha realidade ponderando que dele que sempre me marcou foi a seguinte:
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quando não sei exatamente o que falar é melhor falar pouco e escutar. É válido assumir as fraquezas ou ao menos entender que nada adianta falar se ninguém irá ouvir. Muitas reações não valem a discussão. No cenário atual, os diálogos foram substituídos pelos insultos e todos os dias absorvemos palavras e mais palavras de ódio. São ataques de todos os lados, acusações e arrogância, sempre que nos confrontamos com o diferente. Porém, quando estamos no nosso próprio círculo social, as divergências somem e todos “falamos a mesma língua”. A rua, no entanto, recebe todos os dias as mais diversas opiniões e discursos em forma de pessoas, que circulam e vivem a cidade de forma a conviver em conjunto, em sociedade, mesmo que em silêncio, sem se expor. No experimento anterior, dos cartazes dicionário, explorei o conteúdo por si só, uma provocação velada, que apenas oferecia uma reflexão aos que passavam. Nessa guerra intensa de informações a ação foi provocativa nem 24h depois da aplicação, dois já haviam sido retirados das paredes. Tais atos de dissidência só reiteram como estamos sensíveis a qualquer tipo de reflexão e contestação. Mas talvez também mostre uma saturação evidente de informações que nos confundem e não nos deixam refletir friamente sobre os fatos. Independentemente dos motivos ou provocações, que podem ter sido lidas no cartaz de puro conteúdo e simplesmente tipográfico, decidi, então, ir na mão contrária de funções gráficas utilizadas; que fosse uma provocação ouvinte e puramente visual: só foto. Escolhi então, imagens dos meus registros das ruas, dos dias de protesto.
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Exclui qualquer imagem que pudesse ser lida com tons de ódio ou insulto, determinei que só imagens positivas e de luta seriam retratadas, de ambos os lados, dos “vermelhos” e dos “verde amarelos”. Depois dessa busca, cheguei a algumas imagens possíveis que tinham muito significado e retravam demais os estereótipos. Das manifestações contra o impeachment, imagens de multidões, personagens em luta. Dos atos a favor do afastamento de Dilma, vendedores de bandeiras, pessoas mais simples, policiais inseridos na paisagem. Entendendo que quando fiz essa seleção a presidente já tinha sido afastada de seu cargo pude analisar, também, que todas as imagens selecionadas retratavam os grupos que estavam sendo oprimidos pela crise política: trabalhadores, a esquerda e as pessoas a favor da democracia. Assim, na primeira aplicação tentei explicitar justamente isso, de grupos reprimidos que foram pisados e jogados ao chão com tal derrota no Senado. Quase que literalmente foi isto que fiz, a colagem das fotos começa no chão e prossegue pela parede, subindo, em ascensão. Inclui os dois lados, pois acredito que os dois “grupos” perderam com tal cenário, mas dou destaque ao personagem que estava ali no ato a favor do impeachment mas como uma oportunidade de trabalho e não necessariamente por concordar e buscar tal manobra política. Depois, mudei de cenário, busquei outra locação e outra forma de dizer. Agora, apliquei as ampliações das fotos de modo que o centro ficasse deslocado, as metades não se encontram, mas são a mesma coisa, a mesma foto. Aqui o argumento é que entrando ou saindo, a luta e o cenário são os mesmos, vai ter dissidência, vai ter luta. O fato das fotos serem coladas nas paredes também reforça a ideia de que o “cartaz” é um registro para a cidade, uma faísca que faz lembrar eventos e fatos que já aconteceram, “eternizando” assim uma voz que esteve nas ruas e que não pode ser ignorada.
FOTOS Arquivo Pessoal
118 Aplicação das ampliações das fotos
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Detalhe da aplicação das fotos
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Parede com restos de cartazes do Congresso da UNE de 2015. No detalhe, a palavra DEMOCRACIA.
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Detalhe da palavra DEMOCRACIA com a foto aplicada ao redor.
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Sorridente, contou que foi para Belo Horizonte há 35 anos, e há 15 vive em situação de rua. Contou, que certa vez viu um senhorzinho vendendo letrinhas no Mercado Central. "Ele dizia que tinha que se desfazer daquilo, mas que era sua paixão. Mas eu não sabia para que eram aquelas pequenas coisas". Com a Funarte-MG ocupada, ele estava dormindo por ali. E se empolgou ao ver que aquela oficina era para ele também. "O que você quer dizer para as autoridades?", alguém perguntou. Foi lá e fez. Depois apresentou, explicou por que era tão importante que existissem banheiros públicos 24h. Fez vários. E aí entendeu para que servem aquelas letrinhas.
anúncio de Facebook, de uma das diversas oficinas que aconteceram nas Funartes ocupadas pelo país. Impressionante como a auto-gestão dos espaços, quando ocupadas, transformou aqueles centros em verdadeiramente culturais com programação ativa e rica durante todo o dia, todos os dias. No dia que estive lá, fui para uma oficina de tipografia de resistência, como se intitulavam nas redes. Chegando lá, o acampamento formado no pátio central parecia ser apenas de pessoas em situação de rua que finalmente tinham alguma estrutura –em um espaço público–, com banheiros e abrigo, para viver. A entrada ao lugar era controlada e parecia que não permitam pessoas meramente curiosas. “Vou à oficina de tipografia” disse para poder entrar. Cerca de 20 pessoas estavam ali, numa produção colaborativa de materiais gráficos para os protestos que estavam marcados para dali a três dias por todo o país. Seria um ato de comoção nacional contra o governo provisório e ilegítimo de Michel Temer. Tipos móveis de madeira, faixas com letras desenhadas e posteriormente pintadas, além de coletes-placas eram alguns dos objetos que estavam sendo desenvolvidos por ali. Os tipos móveis geraram diversos cartazes, com dizeres mil, que haviam sido devidamente planejados em uma oficina anterior sobre poesia política. Fazendo daquele encontro, então, um exercício mais voltado para a reprodução e multiplicação daquelas frases e palavras, com uma delicadeza visual mais pensada. Entre as pessoas que ali estavam, “colocando a mão na massa”, conversei com algumas e boa parte eram estudantes ou professores universitários de carreiras “visuais”, como artes plásticas, arquitetura e design, da Universidade Federal de Minas Gerais(UFMG). Aparentemente, todos ali eram de classe média. Em algum momento daquela tarde tão produtiva, um senhorzinho me cutucou e perguntou se eu poderia fazer para ele um cartaz para sinalizar “jogue lixo no lixo”, pois segundo ele, o banheiro da ocupação estava uma zona e “a galera não tava respeitando a limpeza do chuveiro”. Sem saber muito como reagir, falei que ele mesmo poderia fazer e lhe expliquei como. Ele, espantado,
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FUNARTE OCUPADA Fui a Belo Horizonte depois de ver um
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perguntou se ele podia estar ali e mexer em todas aquelas coisas. “Claro”, respondi, “Isto é um espaço aberto, qualquer um pode fazer as coisas aqui”. Meio tímido, ele só pediu um pedaço de papel e escreveu à mão o que queria. Depois dessa aproximação alguns de seus colegas de acampamento começaram a entrar no galpão e observar, alguns até questionando tudo que estava sendo feito ali. Até que o senhor que mencionei deixou a timidez de lado e resolveu tomar iniciativa, participar, e aí sim integrar tudo o que a ocupação de equipamentos públicos teoricamente sugeria – uma democratização dos espaços culturais das cidades, “devolvendo” os espaços públicos para o público com forma de resistência a todas as transformações que o novo governo havia proposto com a nova secretaria de cultura. Imaginei essa experiência toda como um outro experimento do pgd pois ali vivenciei uma produção coletiva e politizada de design. Ali pude viver o design como agente transformador, que não se cala ou se diminui diante das injustiças político-sociais que o país estava vivendo. Ali vi, na prática, um design de reação- tanto pela rápida convocação online do evento como pela produção efetiva de peças que iam ocupar as ruas durante os protestos, e comunicar mensagens em tais eventos. Talvez tenha sido um experimento muito mais sensorial do que prático, já que envolvia um coletivo já existente e onde o meu pgd não era o foco. Ali presenciei tudo que eu tinha estudado como experiências correlatas, e que me inspiraram a me manter firme nesse tema de projeto. Ali colaborei para um design politizado, colaborativo, de reação e inclusivo. Mas ao mesmo tempo que a experiência toda me valeu de muita satisfação pessoal, aquele dia me rendeu altos questionamentos a um dia da banca de qualificação. Seria este um projeto individualista? Que só fala por mim, uma simples garota, estudante de 22 anos? Um trabalho com esse tema não faria mais sentido se falasse por algo mais coletivo e de comunhão de mais pessoas? Será que não estou sendo arrogante ao querer botar na rua reações pessoais para temas que são tão coletivos e que envolvem tantas pessoas, tantos sentimentos alheios à minha realidade e vida?
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Tipos mรณveis na Funarte-MG
Entrada da Funarte-MG ocupada com cartazes feitos na oficina
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o pos banca Em um trabalho sobre rea-
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ções, fiquei muito ansiosa para saber justamente qual seria a reação de cada professor no dia da banca de apresentação da primeira parte deste trabalho. Em parte, porque eu acreditava que era um assunto muito delicado e tênue balançando entre o dar muito certo e o dar muito errado, tanto pelo fato de eu ter estudado diversas iniciativas de coletivos e grupos ativistas e isso ir de frente ao fato deste trabalho ser um projeto individual que parecia muito, ao meu ver, como individualista, que falava apenas por mim, de mim, mas que ao mesmo tempo eu o via como algo muito relevante de ser debatido dentro de uma instituição de design. Mesmo com essas questões martelando minha ansiedade, a apresentação transcorreu bem dentro do possível. Com reações positivas e algumas sugestões pontuais, pudemos debater o tema e concluir que dentro dos moldes da faculdade como academia, não fazia sentido o segundo semestre ser focado em produzir simplesmente um produto físico de experimentação gráfica. Talvez, valesse mais a pena, mesmo, o percurso como um todo com diversos testes e reflexões, sobre as inúmeras possibilidades de reações políticas ou não sobre os assuntos que permeiam a nossa forma de organização como sociedade. O primeiro semestre de 2016 foi muito intenso de acontecimentos políticos que colocaram em cheque a democracia que teoricamente vivemos no Brasil. Tudo o que acontecia nas ruas e avenidas das cidades não poderia passar despercebido. Os experimentos aconteceram basicamente em torno disso, e talvez tenham se limitado demais por isso: não “esperar algo acontecer na política” para aí sim agir e reagir visualmente. Por mais que
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o julgamento da presidente estivesse marcado para agosto, e os desdobramentos de tal evento fossem realmente algo a se considerar, questionei que esse trabalho pudesse transpassar essas questões “pontuais” e datadas. Foi com isso em mente que a pausa das aulas e orientações em julho me fizeram questionar esse ecossistema todo que tendia cada hora mais ao insustentável. O momento de pausa nas polêmicas manchetes durante o mês de julho me fez pensar que talvez fosse melhor colocar em questão pontos que se situam mais na raiz do que na superfície, pontos que geralmente duram apenas algumas semanas nas manchetes dos jornais. Durante o período de julho fiz um curso com um dos grandes autores de minha bibliografia até então. André Mesquita escreveu “Insurgências poéticas: arte ativista e ação coletiva” que foi uma das principais bases do meu relatório durante a primeira fase do projeto. No curso, intitulado como “Ativismo artístico em um mundo em crise”, ele traça um breve panorama de como fazer política com nada e o fazer arte com muito pouco, defendendo o ponto de vista de que as ideias de arte-ativismo são coletivas e se reciclam ao longo do tempo, servindo para diferentes propósitos, como os siluatezos argentinos das mães de maio e o “NO+” chileno. Esse mote chileno, até então inédito, depois de algum tempo ressurgiu (se dizendo inédito) em outras partes do mundo como ferramenta para outras pautas. André Mesquita também apresentou diversas referências de grupos ativistas desde 11 de setembro de 1973 no Chile até o levante zapatista no México em 94, exemplos que foram expostos durante exposição “Perder la forma humana” do museu Reina Sofia de Madrid da qual o ele foi curador e eu pude visitar em sua versão itinerante em Lima, no Peru, no começo de 2014. Todos esses encontros expositivos durante o período do curso me fizeram reafirmar que talvez fizesse mais sentido me aprofundar num tema político geral que fosse mais comum a todos do que esperar as notícias saírem nos jornais para só então, efetivamente, fazer algo a respeito. Assim, no primeiro encontro com novo orientador do projeto, o Pliger, trouxe essas questões das férias, mas já sabendo que eu deveria me focar num tema só. Em verdade eu não fazia ideia do que produzir graficamente. Levantei, portanto, alguns assuntos que talvez fizessem sentido para seguir em frente. Porém todos eles cruzavam com um tema mais geral, a opressão.
ninguem e livre ˜ se ha´ opressao 138
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“La violencia se compone de cuatro cosas: peso - fuerza - movimiento golpe. La mas poderosa de ellas es la que menos duración tiene” LEONARDO DA VINCI (Breviarios 1492)
ninguem e livre se ha opressao “A gen-
sileira, escreveu, em 1972, esse trecho, num texto maior, que parece não sair de época, sobre coisas cotidianas com que nos acomodamos. Me parece que a gente ainda vive nesse modo automático, tentando evitar conflito o tempo inteiro, e ao fazê-lo vamos absorvendo pequenos incômodos que aos poucos se acumulam, e não deveriam. A gente guarda os problemas, e eles vão nos corroendo por dentro, e não deveriam. Tenho impressão de que estamos tão mergulhados nas rotinas, no dia após dia, de segunda a sexta, que às vezes deixamos de analisar como somos oprimidos diversas vezes por dia, todas as semanas, ano após ano. Tal inércia parece que nos vai levando, a cada nova primavera. Isso me faz pensar em muito do que estamos vivendo hoje, uma intolerância que não enxerga o outro como indivíduo, que julga sem saber quem é, e que condena sem saber de onde vem –acumulamos tantos pequenos problemas que uma hora eles transbordam. E isso vem dessa inércia, da falta de consciência do todo, vem desse mergulho sem fim numa rotina de trabalho e só trabalho. Lemos uma fonte, um lado da informação, e a tomamos como verdade – não temos tempo, literalmente, para ir mais a fundo e sacar as perversidades dos meios de comunicação e como eles nos manipulam, seja como mídias de informações, canais de jornalismo, ou meios de comunicação do capital; a propaganda que nos estimula a cada esquina a comprar e consumir mais e mais, comprar uma vida, ou um estilo de vida, que não existe, uma ilusão que nos vendem como felicidade. São coisas muito simples, que na correria do dia-a-dia, não fazemos questão de questionar ou nos opor, simplesmente relevamos. Mas se analisarmos uma parte de cada vez, poderemos entender que o problema, ou os problemas, são maiores e que devemos sim, questioná-los.
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te se acostuma a coisas demais. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. [...] A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma a poupar a vida, que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”. Mariana Colasanti, uma escritora ítalo-bra-
a gravata 142
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arárquica gravata O capitalismo estabelece uma ordem hiede patrão-trabalhador, onde o trabalhador troca sua
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força de trabalho por um salário. O burguês-patrão, então, se apropria dessa força de trabalho para controlar todo o processo de produção, determinando e ditando suas regras, determinando o preço da força de trabalho (o salário a ser pago), o tempo de trabalho, e as condições em que ele será feito. Nesse processo de determinação de condições de trabalho, seguindo uma constante formalização da mão de obra e dentro da necessidade de se copiar modelos exteriores, a gravata acabou se tornando um símbolo, uma associação visual direta a quem trabalha sério, ganha seu próprio dinheiro justo, mas principalmente um símbolo de respeito, tornando-se o traje adequado para trabalhadores respeitáveis. Sem entrar na questão do local geográfico em que vivemos (que faz esse acessório algo realmente questionável) ele também se torna um símbolo-chave do capitalismo, sistema baseado no microcosmo onde tudo gira em torno do capital, trabalho, consumo e do status social. Mas será que os uniformes determinados pelas forças hierárquicas do trabalho determinam a dignidade e honestidade do trabalhador? Será que faz sentido o terno e a gravata terem se tornado um uniforme, transformando-se em mecanismo capaz de tirar a individualidade de cada pessoa, deixando todos visualmente iguais, como uma gigante massa que seja de mais fácil controle? A gravata como objeto surgiu nas discussões como algo repressivo, sem função prática, de opressão dos canais capitalistas contra a individualidade e dignidade de cada um que trabalha duro o dia todo e não recebe o que merece, seja isso um valor monetário ou algo não quantitativo em forma de respeito da sociedade. E a gravata acaba chegando a este projeto também como um acessório que nos enforca todos os dias sem nos darmos conta da pressão física que causa em nossos corpos diariamente.
GRAVATA FEMINISTA A ideia de mudar o formato da
típica gravata, surgiu em um dos atendimentos ao longo do semestre, mas me fez pensar se não seria mais um gesto de compactuar com um sistema de produção que, sim, exclui a mulher, mas que gera opressão em ambos os gêneros. Sugerir uma maior e melhor inserção da mulher no mercado de trabalho não é também eu compactuar com essa máquina que coloca o seu trabalho como a coisa mais importante da vida? Não estava querendo falar de liberdade?
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Então o que fazer com esse insight que é tão simbólico e ao mesmo tempo tão pouco questionado? Num primeiro momento, nos digladiamos sobre as questões intrínsecas à gravata, como, por exemplo, que é um objeto puramente masculino, que até possui uma forma meio fálica e que exclui a mulher como ser produtivo, pensante e digno da sociedade do capital. E como a gravata também foi usada para suicídio, ou a encenação dele, na época da ditadura no Brasil e durante a crise de 29 nos Estados Unidos. Seria o caso então de produzir uma gravata feminista? Ou fazer uma que evidenciasse esse poder do objeto para conferir status? Ou reproduzir a ideia do enforcamento? Ou então questionar a livre associação do uniforme com a dignidade da pessoa? Ficamos então entre fazer uma gravata em forma de vagina, criar uma gigante gravata, realmente comprida, que também tivesse referência mais explícita ao homem, com o tamanho de seu documento sexual, ou estampar uma gravata com imagens de opressões do sistema ou mesmo fazer um ensaio fotográfico que humanizasse pessoas que também trabalham uniformizadas, mas não recebem o mesmo respeito e admiração que os engravatados. Optamos por tentar seguir com todas as alternativas, mas o percurso de produção não foi nada efetivo:
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Além desse questionamento conceitual, surgiu uma dúvida em relação ao aspecto visual desse tipo de ação, ou reação. Por ora me colocava a pensar que sim, eu deveria me manter como uma designer que fala de opressão, mas em outros momentos me via como o contrário, como um ser humano falando de opressão tentando usar design. E essa questão permaneceu por um tempo e, nesse momento de tentar colocar alguma coisa em alguma caixa, não consegui ver como o fazer uma gravata com um formato diferente era design ou se encaixava nesse projeto. Isso valeu, então, para a ideia da gravata em forma de vagina e para a ideia da gravata exageradamente longa como símbolo da obsessão masculina de status e tamanho de pênis.
GRAVATA ESTAMPADA Usar o símbolo,
a gravata, já carregada de seu significado, mas com alguma intervenção que revelasse outro tipo de sentido foi o me levou a pensar na estampa como algo que escancarasse outro tipo de opressão. A primeira ideia era pegar um personagem que trabalha dignamente, mas que não recebe o mesmo respeito que um engravatado e colocar-lhe uma gravata e com esse tipo de imagem estampar uma outra gravata. Porém, num primeiro e simples teste de manipulação de imagem, no momento em que coloquei uma gravata num senhor com uniforme de gari, ele já não parecia mais um gari, ele parecia mais um engravatado que trabalha diretamente para o
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capital. E isso foi ao encontro justamente da ideia dos uniformes como mecanismos de opressão, que tiram a individualidade de cada um, somando mais uma unidade à massa homogênea, que pode ser manipulada mais facilmente. Talvez o espaço físico reduzido da gravata para tal imagem facilitasse esse tipo de representação e não identificação com o objeto em questão, mas isso me fez buscar imagens que fossem mais icônicas e de mais fácil associação com o tema que eu procurava atingir. Em paralelo, toda a situação política do Brasil caminhava para a aprovação da PEC241(que sugere congelar os gastos públicos por 20 anos), e associações ao período da ditadura começaram a surgir entre grupos de esquerda. Me pareceu, então, que trazer alguma imagem desse período tão sombrio e repressivo da história do Brasil seria um caminho. Na minha memória, de alguém que não viveu o período, a imagem mais marcante é a do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, que não por acaso também faz todo sentido por revelar outro uso da gravata. Queria também uma imagem mais recente que retratasse bem outros abusos de poder, e a primeira que me veio à mente foi uma foto de um fotógrafo revelação(aos 23 anos, em 2013, foi finalista do prêmio Esso de Fotografia), Drago, que é um tanto surreal, mas foi um marco nas imagens produzidas durante as jornadas de junho de 2013 em São Paulo. Se por um lado ela parece sair de uma cena de videogame, ela também revela o poder opressivo da polícia militar bem em frente à prefeitura da cidade. Depois então, de produzir as duas gravatas com tais estampas fiquei pensando qual o uso delas e que relação com a cidade poderia construir com esses
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objetos. A primeira ideia era aplicá-las em lugares de tortura, como as torturas presente nas fotos, a antiga sede do DOPS, ou algum centro de policiamento, delegacia ou afim. Mas provavelmente encontraria dificuldades, devido à possível irracionalidade da classe policial insensível à razão deste trabalho, e por isso essa aplicação foi abandonada. Em seu lugar, lembrei-me que recentemente o atual prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, sancionou dois projetos que mudam nomes de logradouros da cidade e assinou um decreto tornando permanente o programa Ruas de Memória, projeto que identificou ruas, viadutos e praças que homenageiam pessoas que violaram os direitos humanos no período da ditadura, sendo indicados ao menos 22 logradouros que teriam mudança mais urgente, com a justificativa de serem símbolos que reiteram a sensação de impunidade, e a mudança imediata de tais homenagem serve como reparo às vítimas e seus familiares. Porém tal medida, até o momento, só se efetivou na mudança para dois espaços da cidade, o Minhocão, via elevada no centro de São Paulo que levava o nome do general Costa e Silva, e uma avenida na região do Grajaú que homenageava o General Golbery do Couto e Silva. Está em processo a mudança do viaduto 31 de Março, também no centro. Mas ainda existem símbolos pela cidade que prestam continência a militares e pessoas que violaram diretos humanos
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Detalhe do tecido da gravata feito com impressão em tecido por sublimação
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no passado. Fui atrás então desses lugares, que carregados de significados opressores, poderiam ser ótimos para a implantação do meu experimento das gravatas. Encontrei um documento da prefeitura de São Paulo que lista os 22 locais do projeto Ruas da Memória, que citei a acima, e o documento explica quem são as pessoas citadas e porque não deveriam ser homenageadas. Separado por bairros me deparei com uma rua no bairro onde moro, Rua Sergio Fleury. Fleury foi delegado da polícia, onde serviu no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo) e posteriormente no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna), tendo participado de casos de tortura e ocultação de cadáveres. Morreu em 1973, ao que tudo indica por obra de militantes de resistência ao regime. Depois, numa busca na internet e perguntando para amigos próximos, tentei encontrar locais com esse tipo de homenagem, em forma de bustos ou estátuas – para vestir-lhes com minhas gravatas, e assim criar o contraste que tanto busquei: a gravata “oprimindo” os opressores lembrando das opressões que eles pessoalmente ou como instituição (que representam) cometeram. Nessa busca cheguei a três ideias de lugares: o Mausoléu da Policia Militar, no cemitério do Araçá; o Clube Militar, na zona sul, perto do parque Ibirapuera e a praça em que fica a Etesp, na av.Tiradentes. Em primeira visita ao cemitério, a ideia de realizar a intervenção logo falhou, já que, a uma semana do feriado de finados, o mauso-
Mausoléu da Polícia Militar no Cemitério do Araçá, em São Paulo
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léu tinha a presença de cinco agentes da polícia militar fazendo a limpeza do local, o que impossibilitou minha intervenção. Resolvi, então, voltar ao local, depois do feriado em um horário mais tranquilo - percebi que hora do almoço é um período cheio de visitantes. Sábado fim de tarde, cheguei no Araçá, fui em direção ao Mausoléu, vejo uma viatura da polícia militar em movimento, e logo imagino que não vou poder fazer minha ação pela presença deles, mas o carro desviou e parecia apenas estar fazendo ronda pelo local. Fiquei um tempo sentada na frente do espaço para ver se a viatura iria passar por ali. Decido simplesmente fazer. “Acho que não vão passar por aqui agora”, pensei. Quando me aproximo da estátua do policial, vejo que há uma câmera de vigilância ali. Busquei um ponto cego, coloquei a gravata, fiz as fotos e logo sai andando. Se a ideia era deixar a gravata posta, as cameras me fizeram desistir disso, infelizmente. Depois fui realizar a mesma intervenção em uma das ruas da memória, num lougadouro que ainda homenageia o exdelegado da polícia Sergio Fleury, que serviu no DOPS e no DOI-CODI. Em alguns momentos a ideia de realizar essa intervenção num cemitério, gerou dúvidas. Em parte por essa relação com mortos e morte ser algo tabu, em parte por não ter como pesquisar e julgar ao certo essas pessoas que ali foram homenageadas. Por mais que o mausoléu seja apenas para oficiais da policia militar que morreram em serviço, boa parte das estátuas eram de anos anteriores ao periodo da ditadura militar, o que nos afasta mais da história individual de cada um deles. Mas, ao mesmo tempo, a classe policial sabe a instituição que representam, muitos até tem orgulho disso, então acho que essa intervenção se direciona muito mais a instituição repressora que a polícia em geral representa, do que aos seres humanos cada um com sua história original, digna ou não, vestem a tal farda.
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154 Sergio Fleury foi delegado DOPS e DOI-CODI
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sistema podre 156
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sistema podre Nesse longo percurso para tentar entender quais são as opressões diárias que nos de-
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solam como cosmopolitas, cidadãos do mundo, e de como isso se desenrola num universo globalizado como o que temos, me parece que estamos em constante busca por certezas, à procura por um lugar para chamar de seu, um emprego para ter menos preocupações, fechando-se em muros e barreiras em busca de proteção e, assim, vamos formando um grande currículo de vida que nos estabelece perante o mundo como pessoas estáveis, estabilizadas, com menos problemas. Mas essa busca para se manter em inércia, de ir levando, de ticar uma gigante lista de coisas a fazer, talvez nos prenda e nos amarre a coisas que não são totalmente puras ou com as quais não concordamos plenamente, inclusive, seguindo a lógica de condomínio, proposta pelo psicanalista Christian Dunker. Ele descreve o condomínio como um espaço criado pelas pessoas, com muros que as protegem do mal e do feio que pode ser visto no seu exterior, ao seu redor. Dentro desse espaço as pessoas sentem-se livres para adormecer, sonhar em paz, acreditar que com a construção do muro o mal estar da civilização ficou do lado de fora. Mera ilusão (DUNKER, 2015). Todos esses sentimentos estão envoltos em um sistema maior, que estabelece e erradica a pobreza geradora maior da violência. É um sistema podre, fruto da globalização, como citei no começo desse relatório, que pode se revelar perversa: o desemprego tornou-se crônico, a pobreza aumentou, novas enfermidades se instalaram, a mortalidade infantil permanece alta, a educação de qualidade é cada vez mais inacessível e o consumo é cada dia mais representado como fonte de felicidade. Essa perversidade se manifesta com muita força, pois está vinculada ao sistema. O sistema capitalista é uma rede perversa, pois os problemas sociais deixam de ser fatos
Obra do escritório Sagmeister & Walsh em Lisboa
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isolados passando a ser vistos como algo “natural” e ignoram o fato de que esses problemas são produzidos politicamente e por interesses do capital (SANTOS, 2001). Assim, queria um jeito visual e simbólico que pudesse transmitir a imagem de um sistema que nos condena e domina e que é realmente podre. Comecei pensando em coisas que nos trancam, que nos fecham e cercam. E logo veio a ideia de usar de alguma forma grades. Tentei pensar inicialmente como poderia escrever com grades, pensei em destacar letras, depois comprei arrames e tentei escrever com eles... não deu certo. Foi depois de conhecer um projeto em especifico do estúdio Sagmeister & Walsh de Nova Iorque que me veio o melhor insight. Em 2010, na cidade de Lisboa, Portugal, Sagmeister buscou trabalhar com as propriedades jornal como papel para pensar o substrato como ferramenta de comunicação. Usando o jornal para formar as letras ele expôs a obra ao sol, num grande outdoor com a seguinte mensagem: “COMPLAINING IS SILLY. EITHER ACT OR FORGET”, e devido à exposição ao sol a mensagem se fixou no papel base, mas ao ser colocada como outdoor, em área externa com a luz do sol as letras pouco a pouco foram sumindo e isso remetia justamente à frase escrita, caiu no esquecimento. (DESIGNBOOM, 2010)
160 Ceagesp, numa quarta feira a noite, na primeira tentativa de coleta de material podre para a intervenção
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Primeira letra feita com tomates podres na grade
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Assim, pensando na sociedade do espetáculo de Guy Debord e na perversidade do sistema capitalista globalizado de Milton Santos, cheguei à ideia de produzir uma intervenção com tomates podres, que com o tempo apodrecessem mais e mais como uma gradação da vida real que a cada dia se deteriora sem parar. Ainda querendo usar a grade como elemento agregador, decidi escrever com os tomates em uma grade de uma fábrica perto de onde moro. O primeiro desafio foi conseguir coletar os tomates – nessa busca percebi que o trabalho de limpeza da cidade é eficaz, em dois dias cheguei uma hora após o termino da feira e já não tinha mais nenhum vestígio do evento; em outro dia me vi “competindo” com pessoas em situação de rua próximos ao Ceagesp que, assim que acaba a feira, das quartas feiras à noite logo vão em busca de restos para se alimentar, tudo muito rápido. Por fim, era feriado e resolvi bater ponto na feira livre do bairro que acontece às quartas feiras. Duas da tarde em ponto estava eu lá em busca de restos e descartes de tomates. Circulando pela rua encontrei uma árvore caída e entre os galhos uma infinidade de tomates passados. Comecei a recolher ali e logo encontrei uma caixa cheia deles, perguntei se era lixo e fui levando para casa. Eu precisava de mais ou menos 130 tomates, mas não tinha certeza se tinha recolhido o suficiente. No mesmo dia em que guardei os tomates não pude sair à noite para fazer a intervenção, no dia seguinte à noite caiu com uma chuva torrencial que inviabilizava a ação. Acabou ficando para sexta feira, dois dias depois. Enfrentei uma certa dificuldade para começar a encaixar os tomates na grade, mas finalmente consegui bolar um jeito: era necessário fincá-los na vertical. Mesmo com cheiro forte, comecei a desenhar as letras a fim de escrever SISTEMA PODRE. Chegando à letra T percebi que já não havia mais tomates íntegros na caixa, já tinham apodrecido tanto que
Lugar perto da feira livre de onde recolhi uma parte dos tomates podres para a intervenção
164 tinham se desconfigurado. Então me vi ali com metade de uma palavra feita, uma caixa com quase 5kg de restos de tomate podres, e um cheiro muito forte em tudo, roupas, mão, tênis. Abortei a missão. O sistema de comunicação que adotei se mostrou tão podre que não foi efetivo para comunicar, o que já serviu como analogia para o que eu queria efetivamente dizer. Nas outras intervenções feitas até aqui, uma coisa que era relevante pensar era a reação da cidade e das pessoas em relação a tudo o que eu estava colocando na rua. Em quase todas as outras a reação foi de retirar aquilo, rasgar, não concordar, ou seja, houve em todas, dissidência. Porém, nesta não houve. Obviamente porque não foi finalizada, então não correspondia ao seu sentido completo, mas tanto porque se tratava de algo orgânico e digamos, nojento. Tentei nas semanas seguintes coletar mais tomates para continuar a intervenção, mas não consegui pelos mesmos problemas que comentei acima; o ideal são feiras de rua durante a semana. Mas fiquei pensando se a intervenção iria ser retirada dali se a mensagem fosse completa...
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Detalhe da cerca com os tomates
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cidade suporte 168
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cidade suporte Numa retomada da minha pesquisa do pri-
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meiro semestre sobre como essas manifestações políticas só têm espaço na cidade, procurei pensar como a cidade poderia ser suporte para as reações políticas da vida em sociedade. Tentei identificar equipamentos do mobiliário urbano que são, ou que poderiam ser, peças de comunicação da cidade, com a cidade. Cheguei a uma lista: homens placa, folhetagem, paraciclos, estátuas, empenas de prédios, pontos de ônibus, bancos de ônibus, orelhões, caçambas e latas de lixo, elementos de que a publicidade já se apropriou para vender imagens e sonhos da e para a sociedade do consumo. Mas resolvi entender melhor um desses elementos, que talvez seja o que mais carrega significado, os homens ou mulheres-placas. Em um recente projeto de dois amigos, Paula Sacchetta e Peu Robles, financiado pelo catarse, plataforma de financiamento coletivo, eles buscavam entender melhor a relação dessas pessoas com a cidade em si; para quem trabalham e à custa de quem transformam seus corpos em estandarte. O projeto, nomeado de “pessoa-coisa, cidade-torre”, conta que o urbanismo vem desempenhando um papel fundamental no reinvestimento de lucros e com isso, “o capital determina que precisa sempre de ter-
ritórios férteis para sua expansão - em sentido literal e metafórico – e populações navegam sob as marés de interesses pouco claros, tendo em jogo a necessária criação de seu ambiente de habitação e convivência”, e
isso vai ao encontro do direito à cidade, como espaço que temos para viver e transformar, e que talvez seja necessário refletir sobre o quanto do ritmo de urbanização dos últimos anos contribuiu para nosso bem-estar. O trabalho dessas pessoas é extremamente precarizado. “Carece de proteção legal, não há a mais remota sombra de uma carteira assinada e não é fiscalizado, regulamentado ou regido por qualquer tipo de lei trabalhista que as proteja. A única lei que se ocupa deles, no caso, é a Lei Cidade Limpa, que protege a cidade, mas não seus cidadãos-trabalhadores” (PESSOA-COISA CIDADE-TORRE, 2016) Porém esse tipo de trabalho informal não é de hoje, há relatos desse tipo de mídia nas ruas de São Paulo em 1918 (ESTADÃO, 2011), na compra e venda de ouro, sua forma mais tradicional, anterior à do boom imobiliário.
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O TRABALHO APRISIONA A ALMA Assim como os homens-setas
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que anunciam empreendimentos imobiliários, os senhores que anunciam a compra e venda de ouro no centro da cidade também são super explorados. Numa primeira abordagem, tentei conversar com um senhorzinho que fica sentado bem em frente ao Teatro Municipal de São Paulo. Com poucas palavras ele falou que não podia conversar durante o serviço. Contou que seu “acordo” de trabalho é fixo, tem chefe e não pode desfocar, precisa “merecer” os R$40 fixos que ganha todos os dias. Mas me contou que há outros senhores que não têm esse vínculo com nenhum dos donos e que talvez esses pudessem conversar melhor comigo. Tentei conversar com outros dois que me contaram que também eram fixos, até que numa esquina da Barão de Itapetininga conheci o Araújo. Sr Araujo ganha só comissão sobre os clientes que leva até a loja, não tem horário fixo e pode ir embora à hora que quiser. Mas tenta chegar sempre as 9h da manhã no centro da cidade. Contei a ele o que eu queria fazer, e que, portanto, precisava dele para usar o meu jaleco por algum tempo e caminhar pelo centro, para eu ver a reação das pessoas. Depois de me contar que certa vez uma produtora de um comercial da Fiat o contratou como figurante de um anúncio de carro e ter ganho R$1500 para 5 segundos de aparição, topou me ajudar, combinei garantir-lhe o valor do dia de seus companheiros e ele, todo feliz, comemorou que assim poderia comer marmita no dia. Acertei com ele que na semana seguinte, numa segunda feira, iria procurá-lo por volta das 9h da manhã. Tudo acertado, parti para a produção do tal jaleco, ali pelo centro mesmo. Comprei um colete amarelo numa loja de esportes, na Galeria do Rock, fiz as telas de serigrafia e fui para casa imprimir. Na parte da frente do jaleco imprimi “eles vendem a sua vida” e no verso “você compra uma vida que não existe”. Chegando ao centro da cidade às 9h não consegui localizar o Madruga. Por um momento achei que tinha se esquecido, e como não tinha feito nenhum outro contato –não trocamos whatasapp por exemplo, pois nem celular ele parecia ter– sai perguntando para seus colegas “Já viram o Seu Madruga hoje?” “Ainda não”, me respondiam. Enfim ele apareceu, disse que
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Seu Araújo, ou Madruga para os íntimos, dá informação, anuncia a compra e venda de ouro, sugere advogados trabalhistas, trabalha para outros. Seu Araújo não tem contrato e nem combinou exclusividade com nenhum de seus anunciantes. Ganha apenas comissão, pois não quis os R$40 diários que seus colegas fixos recebem. Seu Araújo é trabalhador informal e uma vez fez uma placa onde escreveu que o que aprisiona a alma não é o amor, e sim o trabalho.
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se atrasou porque parou no caminho para tomar um café. Eu não tinha dito nem explicado muito o projeto para ele, só tinha dito que “era um trabalho de escola”. Quando lhe entreguei o jaleco, fiquei ansiosa para saber qual seria sua reação com a frase. Assim que leu ele contou que uma vez escreveu num papelão a seguinte frase “o que aprisiona a alma não é o amor e sim o trabalho”, vestiu a placa e saiu andando pelas ruas. Contou que vive um dia de cada vez e que não gostaria de depender tanto de dinheiro para viver. Na minha cabeça, só conseguia pensar que não poderia ter conhecido pessoa melhor para me ajudar nessa intervenção. Antes de vestir, ele pediu para irmos até a esquina, “para não atrapalhar as pessoas que passam, né?”. Pedi que desse um passeio pela região, Barão de Itapetininga, 7 de abril, Avenida Ipiranga, etc. Ele seguiu, e o acompanhei meio de lado para ver quais seriam as reações por parte das pessoas que ali circulavam ou trabalhavam. No caminho, quando Sr Araujo (Madruga) cruzava com seus companheiros de função, só ouvi elogios “Ai sim, hein, finalmente um jaleco bonito” “Nossa, mandou bem, Madruga! ”. Percebi um sentimento de comunidade, que todos sabem que estão vendendo sua vida em forma de trabalho, que, portanto, aquele protesto era totalmente válido. Senti-me realizada! Por parte dos passantes percebi um certo estranhamento, alguns diminuíram o passo para ler o que estava escrito, outros tiraram fotos. Sem reações opostas, acho que essa foi a intervenção em que mais atingi pessoas, que houve menos dissidência mesmo sendo algo que em si fosse dissidente por definição, que se opõe a uma ordem preestabelecida. Acho que foi a que mais conversou entre os iguais, para os diferentes. Sobre as questões mais visuais da ação, minhas escolhas seguiram na linha que camuflar a mensagem num canal existente e comum aos olhos de quem passa, usando como referência o subverting que cito anteriormente. Por isso optei pelas mesmas cores e tipo de fonte alta e grossa.
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Sr. AraĂşjo jĂĄ com o jaleco do projeto
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Processo e telas de serigrafa para a impressĂŁo das frases no janelo amarelo
nao pense, trabalhe De-
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pois de entender quais são os equipamentos de comunicação que usam a cidade como suporte, achei que podia partir para o mais simples deles, para ainda assim, falar de todos esses assuntos que me rodeiam, seja dessa opressão do mercado de trabalho, seja do novo e ilegítimo governo de Michel Temer na presidência do Brasil. Talvez valesse a pena não complicar, e transmitir a mensagem clara e direta. Veio então a ideia das faixas poste a poste que vemos constantemente pela metrópole. De produção simples mas de aplicação ilegal, talvez pudesse ser um gatilho para uma crítica a trabalhos que não precisariam existir, como já citei aqui, os Bullshit Jobs(pág.58). Essa fiscalização da rua, essa ronda pela “cidade limpa”, é realmente necessária? Qual é a luta entre os meios de comunicação oficiais e os populares? Em seu primeiro discurso como presidente interino do Brasil, Michel Temer sugeriu aos brasileiros que parassem de falar em crise para rever o ânimo. O peemedebista contou que ao passar por um posto de gasolina no interior de São Paulo viu uma placa com o seguinte dizer: “Não fale em crise, trabalhe”. E, em seguida, pensou em replicar em vários pontos do país. Segundo ele, isto ajudaria a “reverter o clima de crise. ” (BRASIL POST, 2016). Essa frase de Temer viralizou, foi aplicada em outdoors, adesivos em carros, além de muito debatida pela internet.
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FOTO COLETIVO PORO/Divulgação
Intervenção Perca Tempo do Coletivo Poro, em Belo Horizonte
Tentando mesclar a polêmica frase de Temer, com a crítica que eu já vinha desenvolvendo ao trabalho formal e para o capital, cheguei à frase “Não pense, trabalhe”. E uma grande inspiração para a produção dessa ação foi o trabalho do Coletivo Poro, com seu projeto “Perca Tempo” onde a ideia também era produzir momentos de suspensão ou micromudança na percepção das pessoas ao cotidiano cada vez mais mecanizado e acelerado dos
grandes centros urbanos. No trabalho do Poro os manifestantes se apropriaram da lógica comercial que se vale de frases como “não perca tempo” ou “tempo é dinheiro” e criaram uma campanha publicitária com a mensagem “perca tempo”. A frase foi estampada em uma faixa que se abre na área de travessia de pedestres enquanto o semáforo está fechado para os carros (CAMPBELL, 2015).
Faixa aplicada na rua Libero Badarรณ no centro de Sรฃo Paulo
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Instalação da faixa no centro de São Paulo
184 Fiz a faixa, então, e tinha ideia de colocá-la perto da Bolsa de Valores, pelo que o lugar representa para o capitalismo. Mas, infelizmente, tal região da cidade não possui mais postes, o que inviabilizou a ação. Assim percorri um trajeto da Bolsa de Valores até o Viaduto do Chá e encontrei um lugar aplicável, a uma quadra do prédio da Prefeitura, na rua libero Badaró. Por sua própria localização, a rua abriga diversos órgãos públicos municipais, o que mantinha alguma relação à faixa. Entre a eminência de estar fazendo algo ilegal em plena luz do dia, e estar a 40 metros de um prédio cercado pela Guarda Civil, consegui aplicar a faixa com a ajuda de dois funcionários da gráfica. Ao lado de um ponto de ônibus, a manifestação dividia sentimentos. Vi gente achando legal, tirando fotos, mas também ouvi uma senhora resmungar: “Não proteste, trabalhe”. Dois dias depois fui até o local e a faixa já não estava mais lá.
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diferente, ele apenas é. O mapa guarda memórias, injustiças, acontecimentos, e tudo que acontece nos centros urbanos e não urbanos. Mas o mapa que guardamos na cabeça é diferente do mapa da cartografia, um mapa geograficamente traçado, calculado e desenvolvido, que retrata o que há de caminhos na cidade. O mapa da nossa cabeça é muito mais parecido com o que falaram os “situacionistas” na década de 60 do que com esse que acessamos pelo google, o google maps. O mapa do google chega às ruas e vielas por meio de um carro, um automóvel impessoal com um gigante aparato não identificável por cima– chega sem pedir passagem, sem pedir espaço, simplesmente chega. Esse mapa contém imagens que não são publicáveis em jornais, tabloides ou pela mídia em geral. Sem saber, o mapa registra o avanço imobiliário desumano, a gentrificação, os abusos policiais, crianças trabalhando na rua. O mapa representa uma gigantesca instituição onipresente, que representa algo abstrato. O capital mesmo, é algo abstrato e ao mesmo tempo muito pessoal. Tem muito a ver com a forma como cada um se relaciona com aquilo e com as ideias que permeiam os conceitos que dizem sobre ele. Assim, o mapa diz muito sobre as gigantes corporações de hoje, que estão numa constante busca para serem transparentes: querem estar na sua vida sem que você perceba, querem ser neutras, querem ser indiferentes, e elas sempre estão lá, super presentes, queira você ou não. Já pensou ficar sem google maps? Sem celular? E por mais que os mapas sejam feitos por pessoas, parece que elas o fazem com a mesma indiferença, buscando a mesma neutralidade, cuidando apenas para tirar de foco o rosto das pessoas fotografadas. Mas é necessário descobrir as relações entre as questões, pensar sobre as informações que recebemos sem pedir, sentir as inquietações serem ab-
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conclusao Estamos dentro do mapa, o mapa é in-
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sorvidas por nós, e é preciso idealizar e realizar como lidar com isso, seja pessoalmente, seja esteticamente. É preciso macular as estruturas para que possamos vê-las. Este trabalho foi sobre isso, foi uma busca interna de como vou me relacionar com as inquietações que tenho dentro de mim e como busquei externá-las, esteticamente ou em conteúdo. Porém, em algum momento, houve uma questão sobre se tudo que eu tinha feito não tinha sido algo superficial graficamente, para um trabalho experimental de conclusão de curso de design gráfico. Acho que não, acho que tudo que aconteceu nesse período deve ser pensado com cautela (muito também pela delicadeza política que estamos vivendo), e ponderando que o que eu decidi fazer também foi um jeito de dizer não, de ser dissidente com o design que cursei na faculdade. É muito mais sobre ir contra pequenas elites que têm como capital um conhecimento que a maioria não tem, e sobre querer conseguir falar com todo mundo, desde Sr Araujo, até a senhorinha que acha que em vez de eu protestar, eu deveria trabalhar... foi uma escolha, eu preferi não me voltar para ganhar algum reconhecimento de uma pequena parcela de pessoas que podem analisar –com profundidade– e esteticamente as coisas, e sim gerar um diálogo com a cidade e com a sociedade em que estou inserida, me comunicando visualmente, como também sugere o nome do curso, e assim, teoricamente, sugere o curso em si, o que faz meu pdg igualmente inserido. A busca incessante foi por aí, foi entender como a minha cabeça moldada no design entende os problemas da vida em uma sociedade capitalista, e como isso é diferente de um advogado que também pensa sobre o mundo. Claro que a minha formação pessoal, e o meu interesse sobre os assuntos que abordei, já me direcionam a pensar e ser critica ao design grafico atualmente. Mas não posso negar que o “ser designer”, a minha formação acadêmica,
Nunca é noite no mapa.
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formal, dentro de um sistema educacional até que bem engessado, também me mostrou que eu penso e vejo as coisas que acontecem de outra maneira, com diferentes interesses, principalmente tentando sempre valorizar o que há de mais rico visualmente, e com esse trabalho consegui relacionar que é possivel protestar e falar visualmente contra qualquer tipo de questão, seja ela política, economica, social ou comportamental. A experiência que tive ao viver diariamente esse trabalho, se revela também em uma nova militância pessoal de compartilhar com as pessoas mais todas as coisas que fui descobrindo ao longo do caminho, dessa pesquisa, desde grupos que inovam nessa área ativista, quanto sobre as pessoas que conheci no percurso, o Sr. Araújo, o pessoal da Funarte-MG, o pesquisador André Mesquita, etc. Foram muitas descobertas, e a cada nova iniciativa que encontrava, mais coisas sobre contextos externos a minha realidade eu aprendia. E acho que esse relatório serve muito para isso, serve para repassar tudo que fui descobrindo e testando para outras pessoas que possam, talvez, vir a ler este texto. João Bittar, fotógrafo (famoso por ter feito a foto do Lula com um dedo no umbigo), dizia que uma foto boa é aquela que nos instiga a sair por aí fotografando e, portanto, acho que a principal função deste trabalho foi me provocar para querer pensar e fazer algo a respeito e isto só será um bom trabalho se instigar outras pessoas a pensarem em suas próprias realidades, e a partir desse tipo de reflexão começar alguma mudança local.
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