Revista Cena

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Projeto III Cultura e Informação Marise de Chirico Marketing II Vivian Strehlau Produção Grafica Antonio Celso Collaro Módulo de cor Paula Csillig Comunicação e Linguagem II Regina Ferreia da Silva Projeto Editorial e Grafico Dandara Hahn Julia Gargioni Julia Krauss Marina Lima Pedro Freire Victoria Carvalho Graduação em Design 3A/2013

CENA, cinema e cultura, Ano1/Nº1 é uma publicação bimestral da Editora ESPM. Venda Excluisa em bancas pelo preco da última edição em banca mais despesa de remessa. Solicite ao seu jornaleiro. Distribuída em todo o país pela Dinap S.A, distribuidora nacional de publicações, São Paulo, CENA não admite publicidade redacional.

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CARTA AO LEITOR Sem linguagem nova, não há realidade nova. Essa frase de Glauber Rocha, ícone no cinema brasileiro, reflete esta fase em que o cinema brasileiro tem ocupado tanto espaço na nossa cultura e no mercado. Sendo assim, é mais do que necessário que exista uma publicação sobre o assunto; tanto para os mais interessados como para os curiosos. A revista Cena pretende introduzir o cenário cinematográfico brasileiro, apresentando a cada leitor, desde o pensamento e o cinema de Glauber Rocha, que nesta edição estará na seção Em Foco com uma entrevista intimista em que ele fala não só do seu cinema, como de todo o cinema brasileiro, o futuro que ele imaginava e como ele o via diante do cinema estrangeiro. Apresentamos também uma matéria interessante sobre o novo concorrente ao Oscar “O som ao redor” - filme brasileiro, que saiu direto do Ceará em direção a Los Angeles. Na seção Do Lado de Lá você vai ler uma matéria sobre um brasileiro, que dirigiu um documentário internacional de muita qualidade sobre o designer Pablo, que poucos conhecem e que tanto produziu no meio. E nesta seção vamos sempre mostrar nossos conterrâneos que fazem um mega sucesso fora do país e que poucos ficam sabendo aqui no Brasil. E assim, mês a mês vamos levar a você, leitor, o que há de melhor do cinema contemporâneo nacional e mostrar como o cinema brasileiro se tornou o que é; fornecendo o que você precisa saber, e como isso vai deixá-lo impressionado com a qualidade do nosso cinema. Temos muitas coisas boas acontecendo por aqui e vamos mostrar tudo, para que, assim, possamos juntos fazer parte desse novo cinema que cresce cada vez mais e que é um cinema que tem passado, vive o presente e se projeta muito bem para o futuro, sem deixar a desejar. "Quem somos? Que cinema é nosso?" Glauber Rocha

Dandara Hahn Julia Gargioni Julia Krauss

Marina Lima

Pedro Freire

Victória Carvalho


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SUMÁRIO

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NESTA EDIÇÃO

20 68

A MORDIDA DO DRAGÃO

MOBILIZAÇÃO PELA CINEMATECA

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CINEMA PÓS EMBRAFILME

MEDO À BRASILEIRA

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TRANSE NA TERRA DO SOL

POEMA VISUAL


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COMO SEMPRE

18 64 92

CURTAS

PROJETO

AGENDA

24 76 94

INDIE

DO LADO DE LÁ

DICAS

42 78 96

CANAL BRASIL

FADE OUT

LANÇAMENTOS


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JÁ VI ESTE FILME O assunto era cinema, capítulo "meu Mesmo assim, meu preferido filme inesquecível", e, chegada a mi- segue sendo esse filme de meados nha vez, não titubeei. Farejando, po- dos anos 70 e eis que, depois de tão rém, uma expectativa de diamantes peremptória afirmativa, devo agora graúdos como Cidadão Kane, achei confessar: só o vi uma vez, quando que era preciso explicar a minha es- estreou em Paris, em 1975. Andei colha. procurando por ele nas locadoras, Nós Que nos Amávamos Tanto, até que, requisitado por urgências comecei, pode não ser um dos mo- cinematográficas supervenientes, mentos mais altos da história do ci- meu interesse foi aos poucos arrefenema. Não é o próprio Ettore Scola cendo. Hoje me pergunto se Nós Que já fez coisa melhor, quem sabe O nos Amávamos Tanto me causaria Baile, A Família, Um Dia Muito Es- ainda impressão tão forte quanto a pecial. Mas não é menos verdade que causou naquele moço de 30 anos. que as listas dos dez mais nem semHavia na televisão francesa um pre correspondem às escolhas do programa que anunciava as estreias, coração, chego a desconfiar de que e a sequência do filme de Scola ali na intimidade os melhores críticos servida como aperitivo me fisgou: esnobam O Ano Passado em Ma- ao ver dois amigos a discutir por rienbad para refocilar gostosamente sua causa, nas ruas desertas de uma na inconfessável paixão por alguma Roma noturna e chovida, a moça bobagem classe B. (Stefania Sandrelli), desgostosa, vai E então me pus a desfiar ob- se refugiar numa cabine de fotograviedades: Nós Que nos Amávamos fia - e quando um dos rapazes, canTanto não é uma bobagem classe B; sado de bater boca, volta em busca mereceria cintilar no topo da filmo- da amada, encontra apenas uma tigrafia de muito cineasta do primeiro rinha de papel com a sequência de time, e se isso não acontece na de quatro fotos em que se acompanha Scola é por ter a obra dele passa- o percurso de um belo rosto a viajar gens ainda mais felizes. da tristeza ao choro escancarado. Um

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filme dentro do filme! e fui correndo ver Nós Que nos Amávamos Tanto. Você provavelmente conhece a história daqueles três amigos - o advogado Gianni (Vittorio Gassman), o enfermeiro Antonio (Nino Manfredi) e o crítico de cinema Nicola (Stefano Satta Flores) - e do foi feito deles e de sua amizade, da juventude à idade madura, entre os anos de 1944 e 72. Suas trajetórias (os três sucessiva ou simultaneamente apaixonados pela mesma garota) terminam, quem duvidaria?, não sendo o que eles programavam quando jovens. Não está se lembrando? Antonio atravessou bem o tempo, mas Gianni, idealista da resistência antifascista, resultou num burguês enfastiazdo e cínico; e Nicola, em vez de fazer filmes, como seu ídolo Vittorio De Sica, acabou cineasta passivo. Câmeras menos talentosas fariam desse balanço de geração, tema achatado de tão batido, um inventário do tipo que-fizemosnós-de-nossos-sonhos. Não a de Scola, capaz de registrar filigranas, meios-tons, delicadezas como

o grão de humor e de esperança que às vezes se disfarça na melancolia. E lá vamos nós por sentimentos diversos e mesmo opostos, dentes cravados numa sumarenta fatia de vida. A menos que... A menos que uma revisita, a que agora me proponho - e eis, finalmente, o porquê desta conversa sobre assunto tão fora de cartaz... -, me venha confrontar com o moço que, faz tantos anos, saiu encantado de uma estreia em Paris, certo de ter visto uma obra primíssima da arte cinematográfica. Não sei se mereço uma recaída de encantamento, ou se me espera uma decepção - com o objeto de meu entusiasmo juvenil, com a ingenuidade, talvez, daquele rapaz, ou com certo cronista que se visse transformado, a contragosto, num camarada por demais sexagenário. Se achar que vale, volto e conto no que deu a revisita. No diário oficial de Minas Gerais entre 1930 e 1934. Em resposta, Pedro esclarece que ele e seus irmãos jamais se opuseram a isso, e que, "se tudo correr bem", o livro pode não tardar.

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DICAS DO CHICO Nos 15 anos em que eu acompanho a Mostra de Cinema de São Paulo, aprendi algumas lições. Na correria de um festival como este, com quase 400 filmes no catálogo, cinemas espalhados O circuito comercial é uma bapela cidade e intervalos apertados entre gunça. Mesmo que o filme tenha as sessões, é impossível sair ileso. sido comprado por uma distribuiO cansaço e a própria natureza do dora, isso nem sempre significa evento nos faz perder alguns filmes, que ele vai ser exibido num cinedesistir de sessões e privilegiar o ma perto de você. Então, se você que nem sempre é prioridade. Por está ansioso por esse ou aquele filisso, listo aqui algumas dicas para me, corra para garantir seu ingresso você otimizar sua programação. porque você não vai se perdoar se a A dica é direcionada para quem estreia dele for adiada ou cancelada. gostar de ver filmes que dificilmente Um exemplo é À Prova de Morte, de vão ganhar espaço no circuito comer- Quentin Tarantino, exibido no festival cial brasileiro. Cinematografias pouco de 2007. O filme estava comprado, tradicionais, filmes com longa duração, com data de estreia marcada, mas filmes raros que estão sendo exibidos terminou só chegando ao circuito em cópias restauradas. Investindo ne- três anos depois. les você aumenta seu leque de filmes vistos e não corre o risco de gastar um precioso ingresso da Mostra com um filme que vai estrear duas semanas depois. Porém, é preciso ter em mente que a previsão de estreia Nossa safra de filmes brasileiros nem sempre se concretiza, o que vai muito bem, obrigado, mas se você nos leva à segunda dica. não fizer parte da equipe de um deles,

não deixe passar essa oportunidade

evite filmes brasileitos à noite

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fuja das sessões noturnas desses lon- no dia, chegue cedo, de preferêngas. Principalmente se for a primeira cia quando a bilheteria abrir. E exibição na Mostra. Geralmente, os vá decidido. Ficar escolhendo os horários “nobres” são utilizados para filmes no caixa gera fila, enfurece fazer a premiére dos filmes na cida- quem está esperando e pode fazer de. Ou seja, o diretor é chamado para você chegar atrasado à sessão. falar sobre o trabalho, sempre chama a equipe para a frente da tela, apresenta um a um, o que é ótimo para valorizar o cinema brasileiro, mas é péssimo para quem tem sessão marcada duas horas depois. Prefira sessões mais cedo. O mesmo vale para filmes Lembre-se sempre: as sessões estrangeiros com diretores presentes da Mostra não são iguais às sessões no evento. do circuito comercial. Elas atrasam. Os filmes chegam em cima da hora, o cara que faz a legenda some, os arquivos travam. Pode acontecer uma infinidade de problemas que Chegar em cima da hora da atrapalham a projeção, então, mesessão para tentar um ingresso é lhor se garantir reservando um essuicídio em época de Mostra. Os paço maior entre um filme e outro. cinéfilos são um pessoal maluco, Pelo menos meia hora. E o mais que garante sua entrada dias an- importante: escolha cinemas próxites do filme ser exibido. Melhor mos um do outro. Melhor abrir mão comprar pela internet ou, caso desse ou daquele filme e passar um você tenha um dos pacotes, reti- período maior (ou o dia inteiro) num rar o ingresso assim que ele for cinema para não correr o risco de liberado. Se deixar para comprar perder alguma sessão.

reserve tempo entre um filme e outro e escolhe cinemas perto

reserve seu ingresso o quanto antes

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CURTAS

LINEAR O curta-metragem paulista ‘Linear’, do diretor Amir Admoni levou dois prêmios na 9ª edição do Amazonas Film Festival por MARCIA SCAPATICIO

Fonte: DIVULGAÇÃO

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curta-metragem paulista contando a história de indivíduos que ‘Linear’, do diretor Amir seguem uma vida linear, sem olhar a Admoni, levou dois prêmios sua volta”, explicou. na 9ª edição do Amazonas Para o roteirista, o grande diferencial Film Festival (AFF), o Aquisição Ca- da animação é a mensagem e a estética. nal Brasil e o de Melhor Curta-Me- “Ele coloca a animação no mundo real tragem Nacional. A animação foi de uma maneira realista. Além disso, feita em 2011 e já passou por 20 fes- mostra o tamanho que os indivíduos tivais, incluindo Anima Mundi Rio e adquirem em uma grande cidade, São Paulo. Contando com os prêmios como São Paulo”, declarou Fabito, pelo ‘Voo da Floresta’ que também que se inspirou no cotidiano difícil recebeu nesta sexta-feira (9), o curta de quem vive na cidade grande para soma nove prêmios. fazer o roteiro. Quem recebeu os troféus em MaComo ainda ainda circula em naus foi o roteirista do curta, Fabito festivais, o curta não está disponível Rychter, que concedeu uma breve na internet. “Vamos circular com ele o entrevista ao G1 sobre a história do quanto pudermos. Estamos participando vencedor de uma das categorias mais do Festival dos Sertões, e mês que vem importantes do AFF. “É uma mistu- vamos mostrá-lo em um Festival em ra de várias técnicas de animação, Cuba”, completou.

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A mordida do drag達o deixou de fora quatro filmes do quarto Festival de Cinema Brasileiro na China, barrados pela censura chinesa

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om a presença do diretor Breno Silveira, o filme "Gonzaga - De Pai pra Filho" abrirá o quarto Festival de Cinema Brasileiro na China, que terá projeções de outros cinco filmes em Pequim e Xangai, de 5 a 15 de setembro. A mordida do dragão deixou de fora quatro filmes, barrados pela censura chinesa: "Chamada a Cobrar", de Anna Muylaert; "Rânia", de Roberta Marques; "O que se Move", de Caetano Gotardo; e "O Som ao Redor", de Kleber Mendonça Filho. Mesmo com a experiência das duas últimas edições, a diretora artística do festival, Anamaria Boschi, não arrisca um palpite sobre o que provocou os vetos. "A censura não dá explicações. É sim ou não", diz ela. Sem o carimbo da Administração Estatal chinesa para Rádio, Cinema e Televisão (SARFT, na sigla em inglês), nenhum filme tem permissão para ser exibido publicamente no país.Por via das dúvidas, a atriz Huang Lu, que integra o júri do festival, preferiu conferir se os filmes da seleção contavam com o carimbo. "Eles têm a marca do dragão?", quis saber Huang, quando recebeu o telefonema de Boschi. Sinônimo de poder supremo na mitologia chinesa, no passado o dragão era o símbolo do imperador. Hoje ele representa a força da censura: sua imagem aparece antes de todo filme exibido legalmente no país. Embora habituada ao processo que envolve a aprovação - uma cópia de cada filme é enviada à SARFT por meio da embaixada do Brasil em Pequim, com sinopse em inglês e chinês - Boschi admite que os critérios da censura ainda são um mistério para ela. Neste ano, achava que a animação "Rio 2096" tinha poucas chances de ser liberada, pela enxurrada de cenas violentas da história do Brasil. O filme passou. Por outro lado, ela não entendeu o veto ao premiado "O Som ao Redor", sobre a violência latente numa rua de Recife. "Quem sabe?", diz Boschi. "Pode ter sido a cena em que uma personagem fuma maconha no aspirador de pó." Fazer cinema sem passar pelas garras do dragão é uma viagem bem mais turbulenta. Para o Festival de Cinema Independente de Pequim, que no fim deste mês tenta chegar heroicamente a sua décima edição, o equipamento mais importante nem é o projetor. É o gerador elétrico.

luz própria No ano passado, a sessão de abertura foi interrompida pouco depois do início, quando um blecaute misterioso deixou no escuro um quarteirão inteiro do distrito artístico de Songzhuang, nos arredores de Pequim. Nem assim o festival se deu por vencido. Cinéfilos abriram suas casas, galerias e escritórios, que se transformaram em cinemas improvisados. Durante oito dias foram exibidos 46 documentários e 29 filmes de ficção, enquanto policiais à paisana zanzavam nas redondezas. O governo negou estar por trás do apagão, mas não convenceu. Antes da abertura, a organização do festival havia recebido recados para que não abrisse o evento com o filme "Ovo e Pedra", sobre abuso sexual numa área rural da China. "Dificilmente será pior que no ano passado. Agora temos nosso próprio gerador", disse à revista "Time Out Beijing" o organizador do festival, Dong Bingfeng. Se o gerador aguentar, mais de cem filmes serão exibidos.

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A censura não dá explicações.


desmemória

A China fechou 2012 com 1,1 bilhão de usuários de celular. Isso significa o mesmo número de fotógrafos em potencial. Chineses adoram usar seus telefones para fotografar e filmar tudo o que acontece a sua volta. O prazer e a facilidade do clique instantâneo não significam um apego à fotografia. "Não é exagero dizer que os chineses são analfabetos em imagens", diz Rong Rong, um dos principais fotógrafos experimentais do país. Fotos de momentos cruciais da história moderna foram deletadas do olhar público pela censura. Basta dizer que uma das imagens mais marcantes do século 20, a do manifestante solitário diante de uma fileira de tanques na praça da Paz Celestial, durante os protestos de 1989, é desconhecida de muitos jovens. Incomodado com a dilapidação do patrimônio de imagens históricas, Rong criou há seis anos em Pequim o primeiro centro privado de fotografia do país. "Quero usar a fotografia como uma ponte entre passado, presente e futuro", diz. A nova revolução é digital, um celular na mão, mas poucas ideias na cabeça. "As pessoas consomem as novas tecnologias capturando imagens, mas são incapazes de criar um mundo próprio", lamenta Rong.

pequim, 40 graus Em meio à pior onda de calor em 140 anos, pandas dormem sobre cubos de gelo, dançarinos de rua somem do mapa e piscinas públicas viram um mar de gente e boias coloridas. Significa também uma corrida a museus e espaços culturais refrigerados. Mas, na hiperconsumista Pequim, o oásis favorito continua sendo mesmo o shopping.

Fonte: Reuters

MANIFESTAÇÃO CONTRA A CENSURA EM HONG KONG

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INDIE

QUEM QUISER FALAR MAL DO FALE AGORA, OU CALE-SE PARA SEMPRE

PERÉIO

Na gaveta desde 2010, documentário sobre o ator deve ser concluído este ano por MARCIA SCAPATICIO

Q

uem quiser falar mal do peréio fale agora, ou cale-se para sempre.” É com essa frase que o cartunista Allan Sieber conta aos leitores do seu blog que está terminando a edição do documentário sobre o ator Paulo César Peréio, que atuou em filmes emblemáticos do cinema nacional durante os anos 60 e 70, como Os Fuzis, de Ruy Guerra (1964), Terra em Transe, de Glauber Rocha (1967) e Toda Nudez Será Castigada, de Arnaldo Jabor (1973). Eles se conheceram no ano 2000, quando o ator participou da dublagem de seu curta de animação, Os Idiotas Mesmo. Por cinco anos, Sieber e a cineasta Denise Garcia acompanharam seu cotidiano e entrevistaram ex -mulheres, atores e amigos. Depois de tentarem, sem muito sucesso, garantir o financiamento do documentário da maneira convencional, ou seja, inscrevendo-o em editais públicos, pensaram em desistir do projeto. "Em 2010, a Lara Velho, filha do

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Peréio e dona da produtora responsável pelo Sem Frescura, programa que ele tinha no Canal Brasil, me procurou para retomarmos o filme. Aí comecei a editar as fitas, ver e rever o material, aquela coisa insana de edição. A ideia era lançar em 2010, ano em que ele completava 70 anos de idade e 50 de carreira. ”Mas a insatisfação de Sieber com a primeira versão e a dificuldade de conseguir apoio financeiro postergaram a estreia. “Acho que o filme tem uma carga meio negativa: tudo que pode dar errado, dá errado. Ele atrai muita coisa ruim. Para começar, tem um diretor muito ruim, como eu”, diz , sem conter o riso. Essa ironia afiada não surpreende quem acompanha o trabalho do cartunista – seu humor sem pudor transparece em cada traço. Além disso, não faz média para agradar as pessoas e, nesse ponto, se assemelha ao próprio Peréio. Envolto nesse drama ácido, Sieber só quer lançar o documentário e agora procura a solução. Veja como você pode ajudá-lo:


Fonte: DIVULGAÇÃO

De quem foi a ideia de ouvir pessoas falando mal de Peréio, já que, em documentários, é mais comum tratar bem o personagem central? Nós nos conhecemos em 2000, quando ele ainda estava morando em Olhos d’Água, cidadezinha perto de Brasília, vivendo uma especie de “rehab”. Peréio começou a frequentar o estúdio por causa da participação no curta Os Idiotas Mesmo, que nos deixou mais próximos. A Denise logo pensou em fazer um documentário, já que ele solta uma pérola atrás da outra. Ele concordou e sugeriu que os entrevistados falassem mal dele. Eu topei, até porque seria difícil encontrar alguém que fizesse o contrário. Seguimos essa onda, instigando as pessoas a contarem as piores histórias e, dentro do possível, destruírem nosso objeto, o Peréio. E essa será a sua estreia como diretor? Sim. Só dirigi animação, nunca tinha me aventurado com longas-metragens. Muitas pessoas que assistiram ao trailer comentam que tiveram sentimentos controversos, porque o filme

acaba sendo meio triste, melancólico, até. Todos falam mal dele no documentário, o que acho engraçado, já que me identifico com seu tipo de humor. Qual a situação de seu documentário hoje? Estou finalmente seguro quanto ao caminho do filme. Ele estava ficando engraçadinho e não engraçado. Tinha muita piadinha, e isso não estava me agradando. Deste ano não passa, quero me livrar dessa cruz, esse filme me faliu, me deixou doente (risos). Por isso, divulguei no blog que precisava de imagens cedidas do Rio de Janeiro dos anos 70, em especial do Bar Antonio’s, no bairro do Leblon, frequentado por ele. As fotografias devem ser cedidas, porque não tenho mais um tostão para investir. Na linha final que o roteiro tomou, o Antonio's tem um papel relevante. Se, no final das contas, eu não conseguir o material, usarei ilustrações e desenhos, pois a ideia é terminar o filme ainda este ano. É isso, eu podia estar roubando,mas estou fazendo um filme que não vão assistir.

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INDIE

RIFANDO

ESTOU MEU FILME!

Cada vez mais temos filmes incentivados por financiamento coletivo, o crowdfunding. O “cidade cinza”é um exemplo disso. por MARCELO MESQUITA

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o começo deste ano, o premiado cineasta Kleber Mendonça, em um embate com o ex-diretor executivo da Globo Filmes Cadu Rodrigues, soltou a seguinte frase ao se recusar a fazer um filme com o apoio da Globo Filmes: "O sistema Globo Filmes faz mal à idéia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto." Não sou o Kleber Mendonça, mas respeito e admiro seu trabalho. No entanto sou um realizador/produtor/diretor, tentando no momento distribuir um filme que assim como tantos outros filmes independentes, acaba sendo sufocado por esse sistema de exposição midiática e distribuição concentrada. Ao sair por ai, com o filme “Cidade Cinza” no bolso, recebi negativas de algumas distribuidoras, sempre com o mesmo argumento: O seu filme é ótimo, parabéns. Mas não queremos documentários no momento, documentário não dá público e estamos atrás de comédia, sabe aquele tipo de comédia? Então... Ou ainda: Posso até pensar em distribuí -lo, mas você vai precisar entrar com tudo, ter um bom dinheiro e não vai ser a nossa prioridade aqui dentro...

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Depois de um tanto penar, decidi junto com meus parceiros realizadores não desistir e juramos que o filme chegaria aos cinemas. Montamos um crowdfunding, que iria custear uma distribuição e começamos o árduo trabalho de divulgar o tal financiamento coletivo: Campanha, Facebook, recompensas, emails, entrevistas, eventos... Tudo para chegar ao valor necessário para se distribuir o filme. Um dia, ao mandar um email divulgando a ideia aos meus familiares, um tio avo me questionou: Não entendi muito bem a ideia, mas vou te apoiar. É como uma rifa certo? Voce esta rifando o seu filme Marcelo? Eu finalmente entendi o que estava fazendo. Escrevo pois estou rifando o meu filme! Ele conta a história de alguns artistas de rua de São Paulo, como OsGemeos, Nunca e Nina, que lutam contra uma prefeitura que apaga os seus trabalhos com tinta cinza, enquanto no exterior eles são reconhecidos e celebrados. A trilha sonoroa é de Daniel Ganjaman e Criolo, e lutamos sim contra esse sistema injusto de distribuição cinematográfico no país. Se você quer ver este filme nos cinemas, ou entende que o trabalho desses caras merece mais respeito e deve ser divulgado e celebrado, me ajude; Tenho 3 dias para captar o que falta, e não está fácil.


Fonte: Reuters

Fonte: Reuters

A CIDADE CINZA, SÃO PAULO

INTERVENÇAO DOS OSGEMEOS. EM UM PRÉDIO NO CENTRO DE SÃO PAULO

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INDIE

DO

APRENDIZ

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centivo dado; investe em um projeto interessante de maneira transparente e voluntária; movimenta a economia local; aumenta a capacidade criativa de pessoas e organizações, agitando social e culturalmente uma região; possibilita o diálogo e a troca dentro de uma comunidade. No geral, funciona da seguinte forma para quem quer financiar: você navega pelos sites de crowdfunding, visualiza os projetos em andamento, encontra um ou mais que lhe pareça interessante, preenche um cadastro e faz um investimento, dentro das faixas de valores apresentadas. Daí, é só acompanhar o andamento do projeto. Que fique claro: isso não é uma doação. Todos os projetos vêm acompanhados de uma contrapartida. O investidor recebe o dinheiro de volta, caso a campanha não atinja a sua meta. Agora, se você está do lado inverso e tem uma ideia para colocar em prática, procure um site que tenha a ver com o escopo da sua campanha e a disponibilize para os organizadores da plataforma. Deixe claro sobre o que é o projeto, como vai ser produzido, quais os objetivos pretendidos, estabeleça uma meta financeira, um plano de negócios, esclareça as contrapartidas que serão oferecidas e determine um prazo tanto para a campanha, como para a concretização da ideia. No mais, nunca se esqueça de atualizar seus investidores sobre o andamento do projeto, caso contrário, pode perder sua credibilidade.

IMENES AG

JUL I

A

palavra é difícil mesmo: crowdfunding. Segundo o dicionário de inglês Oxford, a pronúncia correta é kra df nd (craudfandin). Parece complicado, mas o conceito já foi aportuguesado e está sendo muito bem aplicado aqui no Brasil. O crowdfunding, ou financiamento coletivo, é a nossa velha e conhecida vaquinha. Quem nunca participou de uma, não é? Se você tem uma ideia e precisa de ajuda financeira para colocá-la em prática, nada melhor que reunir forças com os amigos, a família, os vizinhos, o porteiro, os colegas de trabalho e até o português da padaria… Você mobiliza uma porção de gente, cada um contribui com um pouquinho e aquela ideia ganha, finalmente, vida. De uns tempos para cá, o financiamento coletivo tem ganhado visibilidade 2.0. Isso significa que a internet abriu um caminho de novas possibilidades para esse modelo. Foi em 2009 que o site norte-americano Kickstarter deu o ponta pé inicial para um processo digital de divulgação de projetos e financiamento seguro, conectando idealizadores a pessoas com interesses em comum. O grande barato desse modelo é, entre tantos outros fatores, que você reduz a quantidade de intermediários para viabilização de projetos de naturezas distintas (pode ser música, dança, literatura, cinema, esporte e até mesmo de cunho social), sem destinar verba pública para isso; recebe uma contrapartida pelo in-


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“(...) indústrias culturais não podem nem devem estar sujeitas às mesmas regras comerciais aplicadas aos demais produtos industrializados, porque agregam valores que não podem ser medidos apenas pelos preços de compra e venda. A comercialização dos produtos cwulturais, sejam nacionais ou estrangeiros, não pode estar atrelada exclusivamente aos aspectos econômicos, às leis do mercado, mas sim e fundamentalmente ao respeito à liberdade de circulação da cultura. Este caráter de exceção das indústrias culturais é sustentado pela necessidade estratégica, em um mundo globalizado, de mantermos a identidade cultural brasileira, de mantermos a nossa personalidade diante de nós mesmos e diante do mundo.” NELSON PEREIRA DOS SANTOS e ORLANDO SENNA, “Declaração do Canecão”


mbrafilme (Empresa Brasileira de Filmes S/A) foi criada pela Ditadura Militar, em 1969, como órgão de cooperação do Instituto Nacional de Cinema (INC) com objetivo de distribuir e promover filmes nacionais no exterior. Em 1975, a empresa sofreu um redirecionamento, tornando-se mais ágil para a disputa no mercado cinematográfico, começando a produzir e distribuir filmes brasileiros. Durante os anos seguintes seu o sucesso foi expressivo, tendo conquistado cerca de 40% do mercado, incomodando as companhias norte-americanas a ponto delas recorrerem a pressões diplomáticas a fim de pressionar o governo brasileiro a abrandar o perfil protecionista da política cinematográfica adotada. Com um discurso nacionalista – de conquista de mercado para o filme nacional -, os militares conseguiram a adesão de cineastas e produtores. A Embrafilme foi comandada pelo cineasta Roberto Farias, entre 1975 a 1978 e por Carlos Augusto Calil – indicado por profissionais do campo cinematográfico – entre 1985 a 1986. Muito próxima dos cineastas, a empresa produzia filmes comerciais e autorais, respeitando muitas vezes a legitimidade de alguns diretores e produtores e não o fortalecimento da indústria cinematográfica como um todo. A crise econômica dos anos 80 e a incapacidade do Estado em ampliar os investimentos na Embrafilme foram, aos poucos, tornando a empresa incapaz de competir e regular o mercado cinematográfico. Além disso, setores da sociedade civil estavam incomodados com a interferência do Estado na economia e a imprensa, influenciada pela ideologia neoliberal, criticava as ações do governo na cultura, considerando-as protecionistas.

nova reforma

Uma nova reforma foi adotada em 1987, procurando dar agilidade a empresa, separando as funções comerciais e culturais, mas o resultado foi pouco expressivo. O corporativismo presente entre cineastas e produtores - que dificultava a adoção de uma política de produção mais independente - , o desinteresse do Estado em formular uma política cultural consistente e a forte crise econômica dos anos oitenta foram enfraquecendo a Embrafilme. Até que em 1990, o então presidente Fernando Collor de Mello, decretou o fim da empresa, do Conselho Nacional de Cinema (Concine) e da Fundação do Cinema Brasileiro, em uma atitude que simbolizou o encerramento de um ciclo da história cinematográfica brasileira. A partir deste momento, o cinema perdeu seu principal agente financiador, distribuidor e regulamentador, além de ficar sem nenhum mecanismo de proteção frente ao cinema estrangeiro, tendo que competir em um mercado dominado pelo filme norte-americano, ao qual o público viu-se cada vez mais acostumado. O cinema brasileiro passou a ser considerado uma mercadoria como qualquer outra, de acordo com a visão neoliberal vigente no período. Um dos principais efeitos do desmonte da estrutura institucional do cinema brasileiro, em 1990, foi a paralisação quase total da produção de filmes nacionais de longa-metragem, pela inexistência de mecanismos oficiais de fomento e financiamento aos produtores e realizadores. Para ter dimensão do que significou esta medida governamental, basta comparar a produção dos anos 70, de 100 filmes por ano, chegando a alcançar 35% do mercado interno da década seguinte. Já em 1992, a produção foi de apenas 2 filmes. O longa Terra Estrangeira de Walter Salles e Daniela Thomas tematiza este período histórico brasileiro. Lançado em 1995, o filme retrata o que significou aquele governo e principalmente o Plano Collor para a sociedade brasileira: um momento de descrença em relação ao futuro do país e de falta de projetos coletivos. Esta situação se refletiu no campo cinematográfico, em que a viabilização de um filme dependia de iniciativas individuais e o projeto de um cinema que refletisse a cultura brasileira e tentasse uma identificação popular foi bruscamente rompido.

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Fonte: Reuters

REUNIÃO ENTRE MEMBROS DO INSTITUTO NACIONAL DO CINEMA

lei rouanet

A criação da Lei Rouanet, em 1991, e a Lei do Audiovisual, em 1993, foram instrumentos muito relevantes para o restabelecimento da atividade cinematográfica brasileira e, de certa forma, serviram como uma nova esperança para os cineastas. Por meio delas, o governo estabeleceu medidas de incentivos fiscais às pessoas físicas e jurídicas para atrair o investimento de empresas nacionais e internacionais para as atividades culturais. Em 1995, chega às salas de cinema, um filme brasileiro produzido com recursos independentes que chama atenção do público e da crítica. Carlota Joaquina – A Princesa do Brasil, de Carla Camurati, torna-se o marco de um período do cinema denominado pela imprensa como “retomada”, vinculado as leis de incentivo a cultura, revelando uma aproximação entre produtores de cinema e empresariado nacional. A comédia sobre a trajetória de Carlota e a vinda da Família Real ao Brasil foi realizada com apenas 500 mil reais e mais 100 mil em permutas. Segundo a diretora, fazer Carlota Joaquina foi uma aventura que daria um filme. Durante um ano e meio ela e parte da equipe viajaram pelo Brasil para distribuir o filme. O resultado deste esforço pessoal de produção e distribuição foi recompensado, Carlota alcançou 1.280.000 espectadores com 33 cópias no mercado, durante os 11 meses em que esteve em cartaz. O longa se transformou no primeiro filme nacional, realizado após o fim da Embrafilme, a quebrar a barreira do milhão e, mais do que isso, com Carlota o debate sobre o cinema nacional volta à tona.

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INGRESSOS PADRONIZADOS PPELA INC: SORTEIOS DE PRÊMIOS QUE IAM DESDE UM PROJETOR CINEMATOGRÁFICO DE 16MM ATÉ UM AUTOMÓVEL DE NCR$ 10.000,00.

FILME " PRA FRENTE BRASIL" DO EX-DIRETOR GERAL DA EMBRAFILME, FINANCIADO PELA EMBRAFILME É PROIBIDO PELA CENSURA.

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Fonte: Reuters

Fonte: DIVULGAÇÃO

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crescimento

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Depois de Carlota, outros filmes alcançaram sucesso semelhante, em especial as produções de Renato Aragão e Xuxa, que levaram o público da televisão para o cinema. A nova fase teve títulos que não obtiveram tanto êxito de bilheteria, mas trouxeram contribuições artísticas importantes, como é o caso dos filmes Baile perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira. e Um céu de estrelas, de Tata Amaral. A produção saiu do estado crítico que se encontrava, cresceu e se estabilizou em torno de 20 a 30 títulos por ano . Entre 1995 e 2002, o país produziu 200 longas, 60 novos diretores surgiram e o público de filmes brasileiros saltou de menos de 400 mil espectadores, de 1990 a 1994, para 25 milhões, entre 1995 e 2000. A atual política cinematográfica do governo se baseia em dois órgãos complementares ligados ao Ministério da Cultura: a Secretaria do Audiovisual e Agência Nacional do Cinema (Ancine). Criada em 2001 durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a Ancine se estabeleceu a partir de uma demanda do setor, que se organizou e desenvolveu a proposta da agência durante o Congresso Brasileiro de Cinema realizado em Porto Alegre, em 2000, e no Rio de Janeiro, no ano seguinte. A idéia inicial era que esta agência fosse capaz de regular todo o setor do audiovisual, seguindo o modelo de outros órgãos reguladores do mercado. Porém, pouco antes do lançamento da medida provisória de criação da Ancine, a TV foi excluída e a agência voltou-se exclusivamente para o cinema. Apesar dos avanços propiciados pelas leis de incentivo que geraram um sentimento de otimismo em relação à cinematografia nacional, alguns críticos, diretores e estudiosos do cinema já observavam as limitações deste novo período. Uma das críticas feitas às leis de incentivo é o fato de deixarem na mão dos diretores de marketing das empresas o poder de decidir o que deve ou não

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ser produzido no país, pois são eles que escolhem o produto cultural ao qual a marca da empresa deve ser associada, privilegiando certas produções em detrimento de outras. Segundo cineastas e produtores, este procedimento é uma censura velada a determinados temas. A produtora Sara Silveira, em entrevista ao crítico da Folha de S. Paulo, José Geraldo Couto, dá como exemplo a dificuldade de captar recursos para Madame Satã, de Karin Ainouz, “história de um marginal, drogado e homossexual” . Outra crítica que se faz sobre a atual política cinematográfica brasileira é que ela concentra esforços na produção, enquanto a comercialização e distribuição dos filmes continuam sendo monopolizados pelas companhias norte-americanas. Além disso, por pressões das emissoras, a legislação não estabeleceu uma relação entre a televisão e o cinema. Outro agravante foi o fechamento dos cinemas populares e o aumento do preço dos ingressos. Esses fatores fizeram com que o filme brasileiro não atingisse seu objetivo principal: o público. “Por conta da Lei do Audiovisual, os filmes continuam a ser produzidos, mesmo que ninguém os veja. Com orçamentos inflacionados – não raro ultrapassando os R$ 4 milhões – e bilheterias magras, o cinema brasileiro hoje se configura como uma indústria fictícia.”, afirma José Geraldo Couto. O crítico, Inácio Araújo, afirma que enquanto o cinema não tiver uma relação de cooperação com a televisão e o processo de exibição não se desvincular das grandes companhias americanas, o cinema no Brasil continuará entrando pela porta de serviço, tendo o tempo todo que provar que é bonitinho e educado. “As produções continuarão custando R$ 2 milhões a R$ 5 milhões, ou mais, e a ser vistas por 100 ou 200 mil espectadores, um despautério econômico, e a longo prazo, um descalabro estético”. Segundo ele, se o cinema nacional não encontrar espaço em seu próprio mercado, regredir ao zero é questão de tempo. “A relação do público no Brasil com os filmes brasileiros ainda é incerta. Nos anos 80, chegamos a crer que imagens cinematográficas fossem dispensáveis. Quando elas sumiram, viu-se que não era bem assim. Que não saberíamos o que foram os anos 30 sem Humberto Mauro, os 40 sem o DIP, os 50 sem Nelson Pereira.

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O cinema é a memória palpável do século 20.A euforia gerada pelos recordes de bilheteria de alguns dos filmes do cinema nacional contemporâneo também é relativizada pelo diretor José Joffily. “Creio que, para quem é veterano, essa história de renascimento do cinema brasileiro já foi vista tantas vezes... O cinema brasileiro vive de ciclos, e cada vez que um novo ciclo surge, todos chamam de renascimento. Não tenho nada contra esse termo criado pela mídia, quem quiser usar que use. A questão do audiovisual no Brasil passa a ser mais discutida, é uma questão estratégica no mundo de hoje”. Já a professora Lúcia Nagib argumenta que “a expressão retomada que ressoa como um boom ou um movimento cinematográfico está longe de alcançar unanimidade mesmo entre seus participantes”. Segundo ela, para alguns, o que houve foi apenas uma breve interrupção da atividade cinematográfica com o fechamento da Embrafilme, a seguir reiniciada com o rateio dos próprios recursos da produtora extinta, através do Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro. O fenômeno foi acentuado com a Lei do Audiovisual - aperfeiçoamento das leis de incentivo fiscal anteriores - que começou a gerar frutos a partir de 1995.

a retomada

O ceticismo que se observa nos trechos revela uma visão de que “a retomada” pode vir a ser mais um ciclo da produção devido à ausência de uma indústria cinematográfica no país. Houve uma mudança de paradigma: a intervenção direta do Estado, materializada pela Embrafilme, é substituída por uma dependência dos departamentos de marketing das empresas. É uma retomada na capacidade de produzir, porém, não há uma preocupação governamental em desenvolver uma política cinematográfica com o objetivo de sustentar o setor de forma mais sólida no país. Alguns críticos e estudiosos do cinema, como Lúcia Nagib e Luiz Zanin Oricchio consideram a “fase da retomada” finalizada. Para eles, o cinema brasileiro não pode viver um eterno "retomar". As leis de incentivo, apesar de suas limitações e defeitos, permitiram que mais de duas centenas de filmes fossem feitos de 1995 a 2002. Oricchio toma o impacto e êxito de público de Cidade de Deus como fecho simbólico do período, enquanto Lúcia acredita que este término se dá com o filme Central do Brasil. Já o crítico Pedro Butcher prefere ver a “retomada” como "um processo ainda em curso e que não necessariamente terá um fim ou um marco simbólico" . O cineasta Gustavo Dahl recorre a Paulo Emílio Salles Gomes em um artigo publicado no Jornal do Brasil, em 1998, para trazer uma reflexão sobre a produção cinematográfica brasileira ampliando a discussão de políticas de incentivo. “O cinema é incapaz de encontrar dentro de si próprio energias que lhe permitam escapar à condenação do subdesenvolvimento, mesmo quando uma conjuntura particularmente favorável suscita uma expansão na fabricação de filmes” . Jean-Claude Bernardet também discute esta, que parece uma crise inerente ao cinema brasileiro. O crítico afirma que no Brasil “pensa-se em cinema até a primeira cópia, depois são outros quinhentos. Tal filosofia marca o conjunto da produção cinematográfica e conhece poucas exceções, entre elas a chanchada e a pornochanchada”. José Geraldo Couto sinaliza mais dois problemas que acompanham o cinema nacional e contribuem para a fragilidade da atividade no país, que seriam o vício do paternalismo do Estado e o fato dos diretores se conformarem com guetos e espaços alternativos dentro do próprio país. Em outro artigo em que analisa a situação do cinema nacional dos anos 90, Bernardet levanta uma hipótese para justificar a dificuldade de se estabelecer uma produção cinematográfica auto-sustentável no país. Segundo ele, há no Brasil uma insistência em um cinema autoral, dispensando a figura do produtor e desvinculado de preocupações com o público que impossibilita a existência de uma produção regular e estável. “Esse modelo – o cinema de autor – vem desde os tempos do cinema mudo e foi levado ao apogeu pelo Cinema Novo e Cinema

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Marginal, e sua dependência do Estado consolidada nos anos 70 não parece oferecer saída. Isso não quer dizer que esporadicamente não aparecerá um ou outro filme belíssimo. Mas quer dizer que por aí não há saída estrutural, isto é, uma produção que tenha público e consiga repor seus meios de produção.” (29) Para Bernardet, uma possível solução para este problema seria uma maior atuação dos produtores no cinema nacional. Eles viabilizariam filmes para o mercado, com diretores contratados, assim como acontece em diversos países que têm indústrias cinematográficas bem resolvidas. O cinema no Brasil deveria deixar de ser unicamente artístico para se tornar um produto da indústria cultural. Desta forma, a indústria cinematográfica poderia se sustentar, permitindo inclusive a realização de filmes autorais. Além de uma produção mais comercial, são apontadas como formas de restabelecer a relação entre o cinema nacional e seu público, uma política de estímulo à exibição, incentivando a criação de salas e o barateamento dos ingressos. O que se observa nos debates sobre o cinema contemporâneo é uma luta pela consolidação de um sistema de intervenção do Estado na atividade cinematográfica e audiovisual que atendam às exigências do desenvolvimento cultural, social e econômico do Brasil, e que compreendam a produção audiovisual como uma expressão da identidade cultural do país, assim como um investimento econômico estratégico, tendo em vista que as maiores atividades econômicas das próximas décadas estarão relacionadas às indústrias culturais e à comunicação.

LIMA DUARTE EM CENA DE CORPO E DELITO

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DO LADO DE LÁ

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NA SAGA DA

BEIRADA A redescoberta do cinema marginal por ANDRÉ MALERONKA

Q

uando assisti O Bandido da Luz Vermelha pela primeira vez, eu tinha 17 anos. Estava meio chapado, de madrugada, assistindo TV e peguei o filme já no meio num canal de TV estatal. Não entendi da onde vinha aquilo tudo. Episódios barulhentos e encadeados que contavam a história de um ladrão estuprador, com narrações e diálogos sarcásticos que são quase palavras de ordem: “O Terceiro Mundo vai explodir! Quem tiver de sapato não sobra!”. Um filme policial de humor desgraçado, cruel, crítico pra cacete, as atuações alegóricas na cara dura. Claro, como bom adolescente, eu já conhecia os filmes da Pornochanchada que passavam na Sala Especial da TV Record, e alguns deles até tinham um pouco da tonitruância, nudez e escracho que eu via ali, mas aquilo eram outros quinhentos. Não subestimava

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quem assistia em troca de ereções nem abusava do frasismo entusiasmado atrás de risadas. Era único. Achei o diretor do filme, o tal do Rogério Sganzerla, um gênio. “Filme legal é isso, O Bandido” virou um lugar-comum em rodas de amigos e mesas de bar. Demorou anos, mas descobri que O Bandido era só a cabecinha -- tá bom, uma cabeçorra -- de uma jeba que mede quase 70 filmes de comprimento, entre curtas, médias e longas que tentou ficar ereta durante uns dez anos na má intenção de arrebentar as pregas da sociedade, que na época eram bem apertadinhas. Eram os anos de chumbo do governo militar e muitos desses filmes, que eram coitos em público, foram interrompidos através da censura e dos boicotes feitos pelos usurpadores fascistas que tentavam fazer papel do pai protetor nos lares brasileiros.


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O BANDIDO DA LUZ VERMELHA (1968)

que organizou a Mostra Marginal em 2001 com 40 filmes em São Paulo, 61 no Rio e 35 em Brasília. Fui atrás do Puppo porque a produtora dele está com um projeto, junto com a Lume Filmes, do Maranhão, de colocar na rua 12 DVDs com filmes marginais, todos com livretos supercompletos e extras inacreditáveis. Até agora já saíram quatro: Bang Bang, de Andrea Tonacci, Sem essa Aranha do Sganzerla, Meteorango Kid, O Herói Intergalático de André Luiz Oliveira e Os Monstros de Babaloo de Elyseu Visconti. O Puppo estava irritado com os lançamentos de selos brasileiros: “Eles lançam e põem lá um longa e um curta, ou um longa e dois curtas, ou galeria de posteres, sabe? Parece coisa de internet e não é, não é nem interativo... É pior! Aí não Fonte: DIVULGAÇÃO

Isso que acabei de comparar com um pênis gigantesco foi, como muitas das boas coisas, um estado de espírito que as pessoas tendem a ver como movimento, e que para o desgosto da maioria de seus diretores foi agrupado sob a pecha de “cinema marginal”. Tudo bem que um dos filmes considerados marco inicial do “movimento” se chame a A Margem, realizado pelo ex-caminhoneiro de bigode cabuloso Ozualdo Candeias em 1967, que o próprio Sganzerla tenha feito publicar o seu manifesto Cinema Fora da Lei em 1968, e que, principalmente, esses tais filmes tivessem uma predileção pelas pessoas à margem da sociedade e buscassem formas de contar as histórias que optassem pela deriva do personagens, câmeras e roteiros. Tudo bem que o epicentro dessa produção tenha sido a Boca do Lixo no centro de São Paulo. Mas a verdade é que essa denominação pegou por conta de uma enxurrada de preconceito e estereotipia da imprensa—não é de hoje que a mídia está coalhada de sicofantas.

A MULHER DE TODOS (1969)

o começo

“Essa coisa de marginal nasce com força em matéria da Manchete que vem com uma foto do Orgia, ou O Homem que Deu Cria, do João Silvério Trevisan. ‘Ah, o que é isso?’ ‘Ah, isso é cinema de marginal, cinema marginal’. Já é 70. Em 70 que esse nome estoura. Já tinha sido usado, as pessoas já falavam, mas não tinha ainda sido tão popularizado.” Quem me contou essa e a maioria das coisas que divido aqui com vocês foi o Eugênio Puppo, pesquisador à frente da Heco Produções

BANG BANG (1971)

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ORGIA, OU O HOMEM QUE DEU

de novo e a fita fodeu, foi pro lixo. Então deradas “resto” pela sociedade, foi fundanesse Doce Amargo demos um trato, e a mental sim, até para que grande parte gente colocou os curtas que ele fez com dos diretores valorizasse a Chanchada como o Mário Cravo - o fotógrafo, que acabou um momento onde se desenvolveram sode morrer, fez curtas, coisas muito loucas...”. luções brasileiras para se contar históTem uma entrevista inédita de duas rias no cinema. Mas a opção independenhoras do Rogério Sganzerla feita nos te e autoral de cada um dos realizadores anos 90 que é realmente fantástica. Há ao soltarem as câmeras e microfones nas dois anos seu filme de maior projeção, O ruas foi fundamental e extrapolou a localiBandido foi relançado em DVD pela pro- dade. Outros nomes também foram cunhadutora Versátil. O Puppo fez questão de dos: cinema de invenção, cinema poesia, lançar logo o Meteorango Kid, do diretor cinema underground. “Os caras puderam baiano André Luiz Oliveira, pra provar fazer um filme para retratar o medo, por que esse jeito livre de fazer cinema não exemplo... É impressionante. O cinema era uma coisa restrita a São Paulo e à de hoje - ele não dialoga com a nossa reaBoca do Lixo. lidade, ele dialoga com um certo enredo, com uma perspectiva que você vê em muitos filmes que estão sendo feitos para serem selecionados em Cannes, Berlim - há uma internacionalização dos filmes e com isso você perde justamente o melhor do cinema, que é cada país tratando das suas questões. Não quer Os filmes, vistos hoje, parecem uma dizer que isso seja um filme engajado, sequência de chutes no saco de obvie- um filme nacionalista, nada disso”, me dade que domina a maioria do cine- disse o Puppo. ma nacional atual, que perde tempo A opção pelo esculacho e pela deem macaquear Hollywood. O Puppo gradação, a opção pelos personagens até ensaiou dar uma definição, mas marginais em geral e não pela classe tratergiversou: “O cinema marginal, o balhadora que a esquerda da época precoque é? É a realidade do país da época. A referência do cinema marginal é a própria rua, são as próprias pessoas passando fome, sendo presas, torturadas. Isso é uma coisa que pela primeira vez teve eco”. Na Boca, um lugar delimitado por algumas ruas, botecos, restaurantes, em que as pessoas estavam fazendo todos os tipos de filmes, era comum nego chegar dizendo, “Tô com uma ideia de um filme...”, ou “Tô com umas latas, eu fotografo, tenho uma câmera”. E o filme entrava em cartaz e fazia sucesso porque tinha aonde ser exibido. Ali convivia o povo do cinema com trabalhadores braçais, prostitutas e travestis, entre outras pessoas consiO BANDIDO DA LUZ VERMELHA (1968)

retrato de uma época

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nizava, deram no que muita gente já classificou como a última vaga inventiva do cinema brasileiro - coletivamente falando, claro. Mas muitos dos filmes foram, isso sim, marginalizados. Nunca, ou pouco, foram exibidos comercialmente, caso de Bang Bang, que na época passou só em Cannes. O Puppo conta que “foi pra Quinzena dos Realizadores lá e fez um puta sucesso”. Existia a Lei de Obrigatoriedade, que exigia que os cinemas passassem curtas brasileiros antes de filmes gringos, o que dava dinheiro e permitia que os caras filmassem em episódios. Mas nem isso segurou, e a porra toda começo a ir pro vinagre a partir de 1976 com a censura, permitindo a penetração massiva de filmes de sexo estrangeiros a partir de O Império dos Sentidos. Algumas coisas ainda foram até 1978, mas a produção degringola pro sexo explícito e o espaço para qualquer outro tipo de filme diminui drasticamente. De qualquer jeito, foram dez anos foda, mesmo os filmes mais cerebrais são obras de instinto - como surubas sujas e sem regras feitas no meio da praça, em frente à igreja e à luz do dia. Guerrilha instintiva, não institucional, feita por diretores de origens variadas, do Ozualdo a Sganzerla e Júlio Bressane, entre quase 30 nomes. Gente que filmava sem medo, “os caras eram loucos, saiam filmando dando tiro na rua durante o regime militar”, conta Puppo sobre Bang Bang, e montava como se tivesse discutindo com o cara do bar e o presidente da República ao mesmo tempo, todo mundo junto. São filmes para desorganizar a cabeça da plateia, e ao mesmo tempo falam tanto sobre o Brasil que dá pra qualquer um entender, principalmente quem está de saco cheio de assistir filmes onde você já sabe exatamente o que vai acontecer.

uma coisa é você falar da ditadura e viver num apartamento de cobertura, outra coisa é você estar trabalhando na rua, pegando ônibus, sentindo essa opressão e o que ela faz na vida do cidadão”. Os filmes são absolutamente variados, há alguns barulhentos, outros introspectivos, mas todos falam com uma sociedade em mutação, que ninguém ainda conhecia bem, e cindida entre as opções de nacionalismo excludente e retardado (“ame-o ou deixe-o”) ou a luta armada. Opções que não eram opções. Como pegar uma doença venérea escandalosa pela primeira vez e ter que escolher entre cortar o pau fora ou por fogo na boceta em um delírio moralista, ou ameaçar enfiar logo uma bala na cabeça no meio de um puteiro lotado escolhido a dedo e ser preso por tentativa de suicídio, pra depois ser esfolado na cadeia e ser enterrado como indigente. Cada um dos filmes que assisti parece vir da necessidade intestina e extrema desses caras de falarem sobre as coisas que estavam acontecendo com as pessoas numa época que isso não podia ser feito. “Então essas viagens, essas frases enlouquecidas, é tudo parte desse universo... Eles são criativos de fato, mas o momento era muito propício. Se você realmente fosse criativo você conseguia catalisar aquilo de uma maneira muito foda”, falou o Puppo. A invenção, a incorporação do improviso, parecem esforços dentro desse espírito de época de sair das beiradas, de falar com quem fosse possível sobre a marginalização que afetava todo mundo—são também o contrário dos manuais de consumo.. Tenho a impressão que filmes fortes assim podem servir muito bem pra você levar alguém pra cama porque você é a pessoa mais esperta do seu rolê. Podem servir pra pensar o Brasil, podem ser assunto pra mesa do bar e o que mais você quiser mas, principalmente, por insistirem em sintonizar o que estava de fora da visão oficial e consolidada da “O trunfo desse cinema marginal é que sociedade, por arriscarem e acertar tanto, ele estava junto do povo. Os anseios eram são coisas bonitas pra cacete e não precifacilmente percebidos. E isso era absolu- sam servir pra nada. Pra mim, dos poutamente traduzido para uma obra. Seja cos que eu vi até agora—são 70, pouco para fazer uma crítica, seja para exaltar al- exibidos, lembra?—tive a sensação de guma coisa. Quer dizer, a diferença dessa que se esses filmes não me ajudassem arte que se faz dentro dos escritórios, de a ser mais eu, eu desistia e ia fazer ouonde você fica lá planejando, mas você tra coisa. Como virar mobília. Ou pneu. não vai à rua, não se relaciona - porque Ou um letreiro. Ou um baú.

vai puppo

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Glauber completaria hoje 74 anos. Mais de 30 anos ap贸s a sua morte, suas palavras ainda soam ideais revolucion谩rios e a frente do tempo

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m 1963, o cineasta e crítico Gustavo Dahl, em carta, avisa o colega Glauber Rocha: “O artigo nos Cahiers du Cinéma é muito bom para nós, só fala da turma, de você, do Joaquim do Pedro de Andrade, do Leon Hirzman, e diz que, em potência, nós somos os primeiros cineastas do mundo. Tudo isso me convence cada vez mais que só o Cinema Novo tem elementos para penetrar na Europa. Seria o caso de nos organizarmos e mandar, por conta própria, ou pelo Itamaraty, filmes para todos os festivais, fazer em Paris uma central Cinema Novo, abrir uma frente mundial!”. O estrategista dessa “revolução” de sociabilidade que se estabelecera com a crítica francesa era o cineasta baiano que, desde de 1960, vivia em viagens para a Europa, que culminariam com seu exílio em meados dos anos 1970.

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Barravento (primeiro longa-metragem de Glauber) não é conhecido na França, mas sabemos por aqueles que o viram que é um filme sobre os pescadores na Bahia no qual você já relacionava um, certo misticismo, a dança, a música e o mar. (Glauber) - Barravento (1962), não é um filme meu, eu o fiz quase por acaso. Ele foi iniciado por um outro diretor, Luís Paulino dos Santos; depois de um acidente de filmagem, eu tive que continuá-la: filmei bem depressa com um orçamento de 3.000 dólares e 6.000 m de película. Em seguida, quando vi o material, não gostei e o deixei de lado. Oito meses mais tarde, Nelson Pereira dos Santos viu os copiões e achou interessante. Então recomeçamos a construir o filme. Você havia feito antes alguns curtas-metragens? (Glauber) - Sim, na época em que fazia critica cotidiana, e cineclubismo. Fazia também teatro, mas só encenava poemas. Eu tinha uma concepção vanguardista e fiz os curtas-metragens nesse espírito: foram o Pátio (1960) e Cruz na Praça (1961) filme que eu não terminei, pois quando vi o material montado, compreendi que essas ideias não funcionavam mais, que a minha concepção estética tinha sido transtornada. Mencionaram um outro curta-metragem seu. (Glauber) - Não é meu, é um curta-metragem que produzi, chama-se Rampa, e que foi dirigido por. Paulino dos Santos, autor inicial de Barravento. No entanto, entre Deus e o Diabo e Terra em Transe, fiz dois documentários, um em cores sobre o Amazonas (em dezembro de 1965) e outro com som direto sobre as eleições políticas no Maranhão, que é também uma região do Amazonas (em fevereiro de 66). O filme sobre o Amazonas é meu primeiro ensaio em cores. Cheguei no Amazonas com uma ideia preconcebida e descobri que não existia a Amazônia lendária e mágica, a Amazônia dos crocodilos, dos tigres, dos índios

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etc… O outro filme é uma reportagem sobre as eleições de um governador do Maranhão, José Sarney, e muito importante para mim porque foi filmado com som direto e foi uma experiência vivida para Terra em Transe, pois eu participei das etapas de uma campanha eleitoral, podemos ver trechos desse material em Terra em Transe: um carro preto que entra no meio da multidão no momento da eleição de Vieira, um comício de jovens… O que você entende por encenação de poemas? (Glauber) - Eu havia organizado um grupo de teatro com amigos brasileiros, um poeta, Fernando da Rocha Peres e um cenarista, Calazans Neto, e também Paulo Gil Soares que há muito tempofaz comigo jornalismo, teatro, cinema (foi assistente de Deus e o Diabo e Terra em Transe). No começo, nós queríamos encenar tragédias gregas, mas achamos difícil e também pouco adequado às circunstâncias. Então encenamos poemas. Era época em que o Brasil vivia uma loucura poética. Fizemos espetáculos dialogando e dramatizando poemas. Mas as representações foram suspensas pela censura. Quando foi isso ? (Glauber) - Foi em 57, antes da filmagem de Pátio, mas era no mesmo espírito desse filme, quer dizer, um espírito de vanguarda, muito anticlerical e a interdição nos apanhou por motivos religiosos e morais, não políticos. Depois da experiência de Barravento, sobre que bases você começou Deus e o Diabo? (Glauber) - Eu filmei Barravento num estado de crise, abandonava as ideias da adolescência.Diferentes dos intelectuais franceses, nós temos uma formação cultural muito confusa: lê-se primeiro os dadaístas, depois a tragédia grega.Conhecemos o romance americano de Faulkner e em seguida descobrimos Rimbaud e Mallarmé As universidades não funcionam mesmo, os livros chegam numa grande desordem. A formação de um jovem brasileiro

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é incoerente, se ele não tiver a chance de vir à Europa estudar. Nessa época, eu era surrealista, futurista, dadaísta e marxista ao mesmo tempo. No Brasil, por exemplo, todas as teorias de Eisenstein chegaram em tradução espanhola e depois portuguesa e, como os cineclubes e as cinematecas são bem organizados, a obra de Eisenstein era muito conhecida lá. Nós éramos eisens teinianos e não admitíamos que se pudesse fazer um filme a não ser com montagem curta, primeiros planos, etc… Rio 40 Graus foi influenciado pelo neo -realismo. Gostamos muito do filme de Nelson porque era de fato o primeiro filme brasileiro, mas fazíamos ressalvas porque não era um filme eisensteiniano. No começo do Cinema Novo, lembro-me muito bem que minha amizade por Hirzmann se devia ao fato de que ele gostava de Eisenstein. Ele era engenheiro, tinha as teorias de Eisenstein na ponta da língua, ele fazia experiências. Seu primeiro filme, Pedreira de São Diogo, um curta-metragem, era a aplicação das idéias de Eisenstein. E lembro-me que, quando Sarraceni juntouse ao grupo, como ele gostava do cinema italiano, Rosselini, Visconti, Fellini, nós dizíamos: – esse aí não entende Eisenstein. Pátio é um filme feito de metamorfoses, de símbolos, de montagem dialética. Barravento foi feito num outro espírito, mais direto, mais verdadeiro, cheguei a registrar a música negra ao vivo. É um filme mais perto da realidade porque já tínhamos visto nessa época Roma, Cidade Aberta e Paisá e a descoberta de Rosselini através desses dois filmes era uma espécie de antieisensteinismo. Em Barravento, sente-se então essa influência, mas existem resíduos eisensteinianos, e primeiros planos no estilo de Que Viva México! Quando começou Deus e o Diabo, você tinha a experiência de um filme atrás de você… (Glauber) - É a primeira vez que me fazem essa pergunta e é a primeira vez que eu falo de Barravento assim. Em Deus e o Diabo desenvolvem-se algumas coisas que estão em Barravento. Não se pode negar que a sombra de Eisenstein está presente nesse filme, sobretudo na primeira parte. Eu gosto muito de Eisenstein, mas eu vivo numa realidade que não é uma epopeia no estilo de Nevski, nem um drama histórico estilo Ivan. Mas o oposição de estilos corresponde à escolha do beato e dos cangaceiros. (Glauber) - Na parte consagrada ao cangaço eu podia descambar para um estilo western, como é o caso do Cangaceiro, o célebre filme, e eu acho que atingi uma maneira pessoal, que não saberia definir. Eu me sentia melhor ao filmar a segunda parte, mais livre para fazer um plano, um travelling, para cortar na montagem, para dirigir os atores. A primeira parte, a do beato, que foi filmada antes, me foi penosa. Você disse que Deus e o Diabo estava no estilo da literatura de cordel em que sentido? (Glauber) - Como os poemas da Idade Média ou os westerns, há uma grande tradição de versos populares e de canções que vêm de herança portuguesa e espanhola, é a dos cantadores, que agora tornou-se no Nordeste especialidade dos cegos, que inventam histórias. Por serem cegos, eles têm uma imaginação maior e inventam lendas. Todo o episódio de Corisco em Deus e o Diabo foi tirado de 4 ou 5 romances populares, e a seqüência da morte de Corisco segue a decoupagem de uma canção. Quando conversei com alguns cegos e também com o homem que matou Corisco, eles me contaram mais ou menos a mesma história, mas cada um misturando à verdade detalhes inventados. O major Rufino que vemos em Memórias do Cangaço e que me inspirou o personagem de Antônio das Mortes, contou-me três vezes de maneira diferente como ele matou Corisco. E no filme de Paulo Gil, ele conta de uma quarta maneira. O que se sabe ao certo é que ele feriu no pé a mulher de Corisco e eu mostro isso no meu filme. A expressão portuguesa é muito popular no Nordeste, os cegos, nos teatros populares, nos circos, nas feiras dizem: eu vou lhes contar uma história que é de verdade e de imaginação, ou então: é imaginação verdadeira. A idéia do filme veio espontaneamente, com uma certa evidência. Toda minha formação foi feita nesse clima. Não houve nada de intelectual na minha posição.

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O filme apareceu para você como uma visão ? (Glauber) - Sim, foi exatamente isso. Em Vidas Secas e no seu filme há o mesmo contexto geográfico e a história de um casal de camponeses, mas você não escolheu o caminho realista. (Glauber) - Eu não tenho a intenção de dizer se eu faço um cinema de poesia ou um cinema de prosa, porque são categorias que convêm à literatura, não ao cinema. Nelson partiu de um romance realista de Graciliano Ramos, um romance que é documento. Eu parti de um texto poético. A origem de Deus e o Diabo é uma linguagem metafórica, a literatura de cordel. Eu gostava mais desse gênero, gosto também de Vidas Secas que não tem muita afinidade comigo. Nelson tem gosto pela objetividade e a eficácia e por isso escolheu Graciliano e lhe foi fiel. Ele foi criticado por não haver inventado o seu tema, mas ele disse que escolheu Graciliano porque gostava e o difícil era justamente ser-lhe fiel. Os discursos de Sebastião e Corisco são inteiramente seus? (Glauber) - Sim, mas é uma sintaxe popular. Nós temos três tipos de tradição literária uma tradição européia, que vem a ser Stendhal, Flaubert etc… Graciliano é uma pessoa que escreveu em português como os realistas franceses. Depois temos uma tradição barroca que veio dos espanhóis como Cervantes e Quevedo e dos portugueses; e enfim a literatura popular que nasceu do povo. Uma pessoa nascida em São Paulo e que fez uma universidade tem formação cultural mais anglo-francesa; existem pessoas no Brasil que nunca leram D. Quixote e conhecem muito bem Joyce. Mas essas tradições todas constituem o Brasil. O Nordeste, assim como São Paulo, que é um outro tipo de Brasil, americanizado. Os personagens femininos em Deus e o Diabo têm um papel mais importante do que geralmente se pensa. (Glauber) - Essa observação me foi feita muitas vezes e nunca cheguei a um comentário realmente objetivo a respeito. Em Barravento, Deus e o Diabo, e também Terra em Transe, as mulheres têm consciência do que se passa, consciência da «história». EmBarravento, um personagem feminino dá a sua própria vida como exemplo, se sacrifica pelo povo, leva um homem a assumir uma posição política e morre. Eu tenho muita dificuldade em trabalhar com os personagens femininos. Escrevi diversos roteiros que não foram filmados, nos quais eu tinha dificuldades em criar personagens femininos, que são comigo sempre muito conscientes e têm influência moral ou política. Mas não Sílvia em Terra em Transe? (Glauber) - Não, Sílvia certamente não, mas ela está em segundo plano, é uma espécie de musa, uma expressão da adolescência, que se torna imagem fugitiva. Sílvia aliás não diz uma palavra em Terra em Transe, porque não consegui colocar uma só palavra em sua boca. Foram cortadas porque tudo o que ela dizia ficava ridículo. Sara talvez diga as coisas um pouco como homem. Talvez exista aqui um fenômeno de compensação porque não encontro freqüentemente na realidade brasileira mulheres tão conscientes. Como você encontrou e escolheu seus atores? Dizem que há problemas

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Fonte: DIVULGAÇÃO

quanto a isso na América Latina. Buñuel por exemplo teve dificuldades no México. (Glauber) - No Brasil é diferente. Há uma grande atividade teatral. Encena-se Brecht. Muitos atores estiveram nos EUA e trabalharam no Actor’s Studio. Othon Bastos (Corisco em Deus e o Diabo) é ator brasileiro que melhor representa Brecht no teatro. Acho que ele deu uma certa dimensão ao seu personagem e quando eu discutia com ele, me revelava muitas coisas. Ele é culto e tem uma voz excepcional. Foi ele quem fez emDeus e o Diabo, a dublagem de Sebastião que é interpretado por um amador, um membro da aristocracia negra da Bahia que também trabalha em Barravento. Maurício do Vale, que é Antônio das Mortes, é ator de televisão. Ele havia feito o Zorro. Eu o escolhi porque ele era familiar ao público e Antônio das Mortes é um herói popular. Geraldo Del Rey, que faz Manuel, é ator muito conhecido no Brasil, um cartaz. Othon Bastos, Del Rey e Sônia dos Humildes (Dada) são atores do grupo teatral da Bahia, onde estudaram numa escola muito boa. Em Terra em Transe, são grandes atores de teatro, mas eu os escolhi em função do assunto. José Lewgoy, que faz o Vieira, é o ator de cinema mais popular do Brasil: ele faz sempre o chefe dos bandidos nos filmes de gangsters, e aparece também nas comédias. É espontâneo e inteligente. Paulo Autran é ator de teatro quase oficial, representa tragédias gregas, interpreta então um papel teatral, o personagem de um mistificador. Jardel Filho, que é o herói do filme, é também ator conhecido no Brasil. Já fez mais de quarenta filmes, trabalhou na Espanha e na Argentina. Como você teve a idéia de dar importância tão grande ao comentário musical? À canção que exprime mesmo a mensagem final de Deus e o Diabo? (Glauber) - Inicialmente é preciso dizer que a música tem papel importante não só no meu filme, mas nos outros filmes brasileiros também. Aliás nós somos um povo talvez subdesenvolvido do ponto de vista cultural, mas bastante desenvolvido em relação à música. Por exemplo, Rui Guerra é diretor, mas também músico, e bom músico; e todo mundo lá toca um instrumento; eu não, mas já fiz algumas canções. Somos todos músicos. Hirszman acaba de fazer um filme musical, a música tinha em seu filme tal força que se perguntou: por

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que não fazer um filme musical, e fez a Garota de Ipanema; os personagens são compositores e cantores. No Cinema Novo há uma tendência de se fazer filmes onde a música não seja somente um comentário, mas elemento tão importante quanto os diálogos e a fotografia. Eu estava inspirado por Villa Lobos quando fiz Deus e o Diabo. Há uma cena no filme que eu tive idéia de filmar porque eu havia ouvido a música – é cena dos beijos – entre Corisco e Rosa. Eu tinha medo de filmar essa cena que era indispensável. Ouvi um disco à noite, a Bachiana n° 9, discuti com o fotógrafo e os assistentes, e nós tivemos a idéia da cena, em seguida fiz a montagem a partir da música, em função do ritmo. Eu devo dizer que a peça de teatro que mais gosto, entre as que vi no Brasil, é a Ópera dos Quatro Vinténs, uma peça que me tocou muito e aliás a todos no Brasil. Eu fui especialmente a Berlim ver o Berliner Ensemble. É preciso dizer que Brecht é muito representado no Brasil. Qual o Brecht mais importante no Brasil? Por que no primeiro Brecht, o emprego da música é bem diferente do segundo Brecht? (Glauber) - Antes de filmar Deus e o Diabo, eu só conhecia a Ópera dos Quatro Vinténs. A primeira peça de Brecht levada no Brasil foi A Boa Alma de Setchuan, mas eu não a vi. Eu vi a Ópera dos Quatro Vinténs no meio da filmagem de Barravento; um dia eu fui à Bahia para assistir ao espetáculo. E aquilo realmente me transtornou, foi uma descoberta tardia, mas importantíssima. E a direção dos atores? (Glauber) - No Deus e o Diabo, foi mais fácil. Havia um clima extra ordinário, uma equipe fantástica. O câmera Valdemar Lima gostava do filme e era um amigo, e depois havia Walter Lima Jr. e Paulo Gil que colaboraram comigo. Os atores gostavam do assunto, e como não tínhamos dinheiro, era uma espécie de aventura romântica. Havia um estado de espírito comum e um elã puro. Evidentemente havia problemas técnicos, mas eu me lembro que à noite nós trabalhávamos muito juntos, nós ensaiávamos com os atores, etc… Em Terra em Transe, já foi outra história, com atores profissionais, com contratos pagos, que tinham que trabalhar no teatro à noite, que filmavam até as quatro horas da tarde e alguns mesmos se recusavam a falar com os assistentes. Com os atores principais as relações eram profissionais. Eu sofria porque achava que poderia conseguir mais no filme, se os atores tivessem compreendido melhor seu papel. Queriam trabalhar neste filme porque pensavam que se tratava de filme importante, só isso. Aquele que interpreta Diaz, dizia que não estava de acordo

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com o seu papel, por ser um homem de esquerda e não querer interpretar o homem da direita. Aquele que interpretou Vieira pretendia ser sofisticado, e por isso não podia interpretar um herói populista. O personagem principal sentia-se bem e gostava do papel. Em Deus e o Diabo, o personagem de Antônio das Mortes está a serviço da repressão e é, ao mesmo tempo, um agente da história, uma consciência crítica em relação aos personagens. Você não recorreu a este tipo de personagem em Terra em Transe, você abandonou esta construção de personagemtestemunha. (Glauber) - Antônio das Mortes é, em Deus e o Diabo, o único personagem que eu realmente elaborei; os outros são personagens verdadeiros num contexto histórico determinado, e podem ser identificados. Com Antônio eu apresentava a descrição de uma consciênciaambígua, de uma consciência em transe. Antônio que é personagem primitivo, um camponês, um aventureiro, vamos encontrá-lo mais desenvolvido em todas as contradições do Paulo Martins de Terra em Transe. Paulo Martins, como Antônio, é um cara que vai à direita e à esquerda, que tem má consciência dos problemas políticos e sociais. Encontramos nele uma revolução re-

Devemos refletir sobre a violência e

correndo às contradições, e disso ele morre. É, aliás, uma parábola sobre a política dos partidos comunistas na América Latina. Para mim, Paulo Martins representa, no fundo, um comunista típico da América Latina. Pertence ao Partido sem pertencer. Tem uma amante que é do Partido. Coloca-se a serviço do Partido quando este o pressiona, mas gosta também muito da burguesia a serviço da qual ele está. No fundo ele despreza o povo. Ele acredita na massa como um fenômeno espontâneo, mas acontece que a massa é complexa. A Revolução não estoura quando ele o deseja e por isso ele assume posição quixotesca. No fim da tragédia, ele morre. Antônio é mais primitivo, recebe dinheiro do poder, deve matar os pobres, o beato e o cangaceiro, e ele sabe que essas pessoas não são más porque são vítimas de um certo contexto social do qual não têm consciência. Antônio é um bárbaro, enquanto Paulo é intelectual. Eu gostaria de retomar no Terra em Transe alguns elementos da estrutura de Deus e o Diabo. Encontramos nas cidades a mesma hierarquia do campo; é uma herança do tempo do latifúndio, de uma mentalidade da Idade Média com, certamente, influências da civilização moderna. EmTerra em Transe, a maior ambição que eu tinha era denunciar essas estruturas e paralelamente mostrar uma estrutura dramática em vias de se destruir. É por isso que Terra em Transe tem relação com Deus e o Diabo. Trata-se da destruição de um discurso que já foi iniciado em Deus e o Diabo.

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Você então tentou também empreender essa destruição do ponto de vista estético? (Glauber) - Deus e o Diabo é um filme narrativo, é um discurso… Terra em Transe já é mais antidramático, é um filme que se destrói, com uma montagem de repetições. No momento eu gostaria de mudar, pois acho que há uma saída política que é realmente atual e válida, e que responde a todas as insuficiências teóricas dos Partidos Comunistas tradicionais latino-americanos. Personagens como Paulo Martins ou Antônio das Mortes não me interessam mais. Eu acho, par exemplo, que Che Guevara é o verdadeiro personagem moderno, toma posição contra ela. É o verdadeiro herói épico, nem o intelectual como Paulo, nem o primitivo como Antônio. Mas, aliás, a significação implícita de Terra em Transe é que a aliança do intelectual com a burguesia leva sempre ao fracasso. (Glauber) - Acho que as respostas às dúvidas de um personagem, como Paulo – dúvidas que aliás caracterizam toda minha geração e eu mesmo, é a figura de Guevara. Não estou dizendo isso porque se fala neste momento em sua morte, pois eu já pensei muito nisso e tudo me leva neste momento a fazer um filme a respeito de um personagem como ele, burguês que se desliga de sua cultura e faz a revolução. Ele dá uma resposta por sua própria existência e agora com sua lenda, ele traz resposta a uma série de problemas da América Latina. No fim de Deus e o Diabo é dito que “o mar será sertão”, e o início de Terra em Transe é também o mar, o oceano: você pensou nisso? (Glauber) - Sim, é muito claro; eu nem queria fazer uma referência simbólica — acho que Terra em Transe é o desenvolvimento natural de Deus e o Diabo: as pessoas chegam ao mar. Chega-se pelo mar à cidade e, no fim, acabamos num deserto onde não há a música da esperança como em Deus e o Diabo, mas o ruído das metralhadoras que se sobrepõe à música do filme. Música e metralhadoras, e em seguida ruídos de guerra, ou seja, um canto de esperança. Não é uma canção no estilo «realismo socialista», não é o sentimento da revolução, é algo mais duro e mais grave. Fiquei feliz em ter colocado isto no filme, porque um mês mais tarde, quando li a comunicação de Che na Tricontinental, ele dizia: «Pouco importa o lugar onde encontrarei a morte». Que ela seja bemvinda desde que nosso apelo seja ouvido… e que no repicar das metralhadoras outros homens se levantem para entoar cantos fúnebres e lançar novos gritos de guerra e de «vitória». Mas qual é a canção do início de Terra em Transe? (Glauber) - A canção de Terra em Transe é uma canção africana, canta da em língua africana no Brasil, e sua única finalidade é evocar um certo lugar, certa atmosfera dos mares tropicais, dos palácios barrocos. Esta canção é cantada em vários lugares, sobretudo na Bahia; Barraventotambém começa com uma canção africana. O mar é um mito para o camponês pobre, e é pelo mar que os portugueses chegaram no Brasil pormenorizando: a fala, as vestimentas e o comportamento dos guerrilheiros são algo novo. Em cena muito realista, você utiliza o que vem a ser a estrutura de conjunto de Deus e o Diabo: um personagem fala em nome do povo. É comum no Brasil esse gênero de jogo simbólico? (Glauber) - Para filmar essa cena, coloquei Vieira, o autor, no meio do povo, e eles pensaram que se tratava realmente de um comício político, que Vieira era mesmo um candidato. E mesmo nas cenas do interior, quando Vieira cumprimenta as pessoas da cidade, era como um comício político. Ele chegou e começou a fazer seu discurso, e nesse momento a polícia quis interromper a filmagem porque havia agitação, as pessoas queriam votar naquele homem (era na época das eleições para deputado). Eu aproveitei, filmamos ao vivo, bem rápido, num domingo à tarde. É a cena do início da campanha eleitoral de Vieira e tudo o que há nessa cena nasceu espontaneamente. Paradoxalmente, a parte dedicada ao imaginário é talvez maior em Terra em Transeque em Deus e o Diabo. (Glauber) - Quando filmei Deus e o Diabo, gostei muito da paisagem

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e da figura de Corisco também, e inclusive se assumi uma atitude crítica, sentiame ligado a estes personagens. Ao contrário, como eu detestava todas as coisas apresentadas em Terra em Transe, filmei com certa repulsão. Lembro-me de que dizia ao montador: estou enojado porque não acho que haja um único plano bonito neste filme. Todos os planos são feios, porque se trata de pessoas prejudiciais, de uma paisagem podre, de um falso barroco, O roteiro me impedia de chegar à espécie de fascinação plástica que se encontra em Deus e o Diabo. Às vezes, pode ser que eu tenha tentado escapar a este ambiente, mas o perigo consistia em atribuir valores aos elementos alienados. O filme foi frequentemente filmado com a câmara na mão, de modo flexível. Sente-se a pele dos personagens, procurei um tom documentário. Tudo o que pode parecer imaginário é de fato verdadeiro. Fui, por exemplo, consultar arquivos de jornais para ver fotografias de políticos. Quando o Presidente Kubitschek chega a Brasília, por exemplo, os índios lhe levam um cocar de cacique etc. Quando filmei o comício onde o velho senador começa a dançar com as pessoas, mandei vir uma verdadeira escola de samba e botei Vieira no meio. Fizera a mesma coisa com Deus e o Diabo, porque lá também os camponeses pensavam que aquele que interpretava Sebastião era um verdadeiro beato. Não tinha previsto a cena da dança do senador, mas num determinado momento o ator se empolgou pela música e pelo discurso político: ele começou a dançar e filmamos o conjunto com a câmara na mão. Pablo Neruda já falava de «surrealismo concreto» por ser este aspecto surreal um fato dentro da realidade da América Latina e do Terceiro Mundo. Encontramos este surrealismo concreto em Asturias, Alejo Carpentier ou Nicolau Guillén. Você tem gosto pelos conflitos, entre a chama e as explosões de violência em Deus e o Diabo, entre a imagem e um comentário que não está diretamente relacionado com ela emTerra em Transe. Você valoriza muito a montagem. (Glauber) - Há poucos dias, um amigo brasileiro me perguntou quando eu vou resolver contar uma história num filme. Caio sempre num conflito e tento abrir um discurso crítico sobre a história. O cinema político é uma discussão sobre estes fatos. E acho que a montagem está ligada a esta acumulação de vários conflitos, ao mesmo tempo subjetivos e objetivos. Gosto muito de Faulkner, porque há sempre nele uma acumulação simultânea e progressiva dos conflitos. Por outro lado, o meio social, os negros, a gente do Sul, isto poderia ser também o Nordeste do Brasil, ou algum país da América Latina. Existe aliás um romance de Faulkner que eu quero filmar, é The Wild Palms. Disseram, em nossa opinião sem razão alguma, que você é discípulo de Buñuel, quando pelo contrário, formalmente ao menos, pensamos em Welles, em Terra em Transe. (Glauber) - Da mesma maneira pode-se fazer um filme de western ou de cangaço tomando lições de Hawks ou de Ford mas invertendo o conteúdo e forma: isto é a antropofagia estética. Há no seu filme uma impressão muito grande de violência, mas você não a mostra. Vê-se o revólver na boca do camponês e é tudo, ou então o suicídio de Álvaro é sugerido. (Glauber) - Quando a violência é mostrada de forma descritiva, ela agrada ao público, porque estimula seus instintos sadomasoquistas; mas o que eu queria mostrar era a idéia da violência, e às vezes mesmo uma certa frustração da violência. Devemos refletir sobre a violência e não fazer um espetáculo com ela. Há aliás um detalhe interessante a propósito de Terra em Transe: todo mundo apresenta sempre os revólveres ou as armas com os braços estendidos. (Glauber) - Sim, como a política brasileira, que é uma política onde ninguém atira nunca; é um comentário irônico da situação. Por que há uma barreira constante de polícia? (Glauber) - É uma zona governamental, há um golpe de Estado, a presença

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dos soldados é então normal. E aliás, o filme sendo em flashback, vê-se no final que durante a sua fuga Paulo cruza com diversos caminhões do Exército. que vai ser a memória dos acontecimentos, é também uma referência ao cinema direto. Você utilizou Villa Lobos, Bach, Verdi e também um músico brasileiro, Carlos Gomes, no seu último filme. (Glauber) - Villa Lobos me influenciou muito, eu já disse. Carlos Gomes é compositor de ópera brasileira do começo do século; ele inspirou-se muito em Verdi, e é ainda muito apreciado. Nos programas da Rádio Federal que se chama a Voz do Brasil, quando o presidente vai falar, toca-se Carlos Gomes. Eu utilizei sua música para as seqüências com Diaz, quando ele passeia no seu jardim, e quando há no filme uma intenção de paródia. De Verdi coloquei Otelo, porque era uma discussão sobre os ciúmes e a amizade e porque queria sublimar também um lado homossexual e solitário em Diaz. Parece que o Cinema Novo vai, nesse momento, do campo para a cidade. Seus três primeiros filmes importantes (Vidas Secas, Deus e o Diabo e Os Fuzis) eram sobre o Nordeste, e agora ele aprofunda os problemas da cidade, no momento em que Guevara mostra que, ao contrário, ê preciso sair da cidade e começar pelo campo. (Glauber) - Os teóricos diziam que não se devia fazer filmes sobre o campo, porque a política se faz na cidade. No Brasil se faz na cidade e no deserto, em toda parte. No filme de Walter Lima Jr. ela não se faz nem na cidade, nem no campo, mas no ano 2000, é uma espécie de science fictionpolítico. Nelson Pereira dos Santos vai filmá-la entre os índios. É história de antropofagia com um título muito engraçado em francês: “Comme il était bon mon petit Français». Ele se utilizou da narração de um jovem soldado francês que, durante as invasões francesas no Brasil, foi preso pelos índios; ele lhes ensina o francês e também a técnica de guer ra. Ele recebe uma mulher de presente, depois os índios antropófagos querem comê-lo, porque o respeitam. Nelson quer fazer um comentário sobre as relações entre colonizadores e colonizados e sobre intercâmbios culturais. É muito interessante, porque se a antropofagia não existe mais no Brasil como tal, há um espírito filosófico que se chama antropofágico.

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PROJETO

CINEARTE POSTO 4 SANTOS, SP

Fonte: Reuters

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O Cine Arte Posto 4 fica localizado na Avenida

da praia (Av. Vicente de Carvalho s/n), ao lado do canal 3, em Santos - SP. A sala possui 48 lugares, com ar condicionado perfeito, som ambiente e sanitários. O funcionamento da bilheteria é a partir das 15 hs. O valor do ingresso é de

R$ 3,00 inteira e R$ 1,50 meia (estudantes, maiores de 60 anos e menores de 18 anos, com apresentação do R.G. e professores da rede estadual de ensino).

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naugurado em 8 de novembro de Índia, Irã, Japão e outros, passou a ser 1991, o Cine Arte Posto 4, mantido mostrado na tela. Foram firmadas parcepela Secretaria de Cultura (Secult), é rias com associações e entidades, entre as um espaço reservado a filmes de arte, quais a Aliança Francesa e o Consulado com produções cinematográficas de vá- da França, o que permitiu a realização de rios países, e, que rapidamente, se tornou mostras temáticas, caso do ciclo de cinereferência como ponto cultural. ma francês realizado em 2002. Surgido da idéia de intelectuais, o A retomada da produção nacional Cine Arte Posto 4 foi criado para suprir também foi prestigiada. A mostra Brasil à falta de espaço reservado aos filmes do Lampião, em 2001, exibiu 18 filmes de arte, constantemente ignorados nas brasileiros em um mês. O filme Lavoura salas comerciais. Sua sala de projeções Arcaica teve seu lançamento nacional recebeu o nome de Sala Rubens Ewald no Cine Arte Posto 4. Em 2002, filmes Filho, uma homenagem ao famoso críti- como Invasor, Netto Perde Sua Alma, co santista. Em sua estréia, exibiu o fil- Latitude Zero e Duas Vezes com Helena me Asas do Desejo, do cineasta alemão puderam ser acompanhados pelo públiWin Wenders, ganhador do prêmio de co santista. Além da exibição de curtasdireção no Festival de Cannes, em 1987, mentragens do 13º Festival Internaciodando mostras, desde o seu início, de nal de Curtas de São Paulo, realizado no que qualidade cinematográfica era, e é, mês de setembro e da décima edição do condição imprescindível para os filmes Mix Brasil – Festival da Diversidade Seexibidos lá. xual, realizado em novembro. A partir de 2001, ano em que o Cine Assim é o Cine Arte Posto 4, com Arte Posto 4 completou dez anos, houve um público de aproximadamente 3000 uma reformulação completa na programa- pessoas por mês, atingindo plenamente o ção. Além dos chamados filmes de arte, seu objetivo: dar oportunidade a todos os o cinema alternativo de diversos países, moradores da região de assistirem o que como França, Portugal, Rússia, Espanha, de melhor se faz em cinema pelo mundo.





Ato público em prol da entidade reuniu profissionais no sábado. José Mojica Marins, o Zé do Caixão, discursou em defesa da Cinemateca

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Fonte: Reuters

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Fonte: Reuters

m uma manifestação que reuniu no sábado mais de uma centena de personalidades do cinema em frente à Cinemateca Brasileira, o ato público em prol da entidade terminou com saldo positivo. “”Foi um sucesso. Tivemos a presença de diretores, produtores, fotógrafos, técnicos cinematográficos, críticos, cinéfilos, funcionários e ex-funcionários da Cinemateca, pesquisadores, professores e estudantes de cinema”, declarou Daniel Chaia um dos integrantes da diretoria colegiada da ABD – SP (Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas – Seção São Paulo), organizadora do ato. “O ato mostra a importância da Cinemateca Brasileira para a cultura do país, e aponta para uma união da classe cinematográfica nessa mobilização. Esta ação não é o fim de uma fase, mas é o começo de uma série de outras ações que faremos”, completou. Entre os nomes que falaram publicamente durante o ator, estavam nomes significativos do audiovisual nacional. Da produtora Sara Silveira, ao ex-secretário municipal de cultura, o cineasta e ensaísta Carlos Augusto Calil, passando por José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e os diretores Roberto Gervitz, André Klotzel e Paulo Sacramento. Sara abriu a manifestação e declarou seu apoio à demanda da ABD – SP por ações do Ministério da Cultura para reverter a crise por que passa a Cinemateca desde o início do ano. “Tem de haver um plano emergencial sim, para que tudo isso se resolva o mais rápido possível, mas importantíssimo é que haja uma política cultural, que respeite o valor de instituições como a Cinemateca e sua história”, declarou a produtora ao Estado. “Precisamos de trabalho sério e de longo prazo. E de atitudes. Queremos ouvir que a partir de tal dia entre em vigência o plano A, em tal dia, o plano B”, analisou Sara em relação a três planos emergenciais que foram anunciados pela Secretaria do Audiovisual/Ministério da Cultura nesta semana. Segundo informou o secretário do audiovisual Leopoldo Nunes ao Estado, os três planos irão destinar R$ 3milhões à Cinemateca, que serão investidos em três frentes: restauro e preservação; catalogação e acesso; e uma agenda de difusão, que deve começar a valer ainda este ano. Sara e Gervitz ressaltaram que o ato não se tratou de uma ação política, mas foi sim apartidário e em prol da proteção à Cinemateca, uma instituição de ponta quando o assunto é a preservação da história do cinema brasileiro. “Tudo no Brasil é sempre político. Depende de quem esta no poder no momento. A falta de continuidade nos trabalhos culturais é vergonhosa. Estamos indo bem economicamente, mas culturalmente estamos nos arrastando. Devemos deixar de lado as desavenças políticas”, afirmou Sara. “Temos que nos unir agora, seja qual partido for, seja qual a área de atuação. O importante é defender o cinema nacional. A Cinemateca tem uma importância crucial. E esta quase paralisação

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Fonte: Reuters

CARTAZ NA MANIFESTAÇÃO NA CINEMATECA

por que a entidade passa é perigosa, pois é o retrocesso de um longo progresso que levou décadas para ser alcançado”, disse Gervitz. Durante o ato, os funcionários da Cinemateca leram uma carta aberta, na qual foram ressaltados os fatores de que se constitui esta crise. Entre os itens mencionados, estão as demissões, os cortes de custo, que prejudicaram serviços como a análise técnica de materiais do acervo, sua conservação, a atualização da base de dados, o funcionamento da biblioteca, o empréstimo de cópias, a quase paralisação do setor de pesquisas, entre outros. O ex-secretário Calil também falou durante o ato e ressaltou que a mobilização foi importante para alertar o MinC da importância da Cinemateca, uma das mais importantes do mundo. “É um ato político sim a forma como esta crise está sendo levada pelas autoridades, que não percebem o significado do desmante que vem ocorrendo desde o início da crise, no começo do ano. É fala de sensibilidade do governo. São problemas do governo, não da Cinemateca. O governo que resolva seus problemas administrativos. Que mude as leis e encontre mecanismos de administração”, declarou o ex-secretário. “Esta é uma cinemateca de ponta que vem sendo desmembrada dia a dia. Mesmo que amanhã de manhã tudo volte a ser como em dezembro do ano passado, o estrago já vai ter sido muito grande. 50 pessoas foram dispensadas, gente que estava trabalhando aqui há mais de 20 anos foi embora. Não é só um concurso público, que devia ter sido feito em 1985, que vai recuperar isso. O que é preciso agora é que o avião não caia. Ele já baixou muito. Se ele cair, isso aqui vai virar um museu.”

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DO LADO DE LÁ

"PABLO"

O DOC TRAZ A HISTÓRIA DE UM DOS GRANDES DESIGNERS DO CINEMA MUNDIAL Assista ao longa que conta a história sobre o homem por trás das imagens que marcam a vida de qualquer cinéfilo. por: MARCIA SCAPATICIO

esponsável pela abertura de Dr. Fantástico (1964) e Laranja Mecânica (1971), ambos de Stanley Kubrick; Los Angeles - Cidade Proibida (1997), de Curtis Hanson e MIB: Homens de Preto (1997), de Barry Sonnenfeld, dentre outros, o “famoso desconhecido” Pablo Ferro é um dos mais notáveis designers de créditos para a sétima arte. Sua história, cheia de aventuras e reviravoltas, é contada desde a saída de Cuba em 1947, passando pelos bastidores da indústria cinematográfica nova-iorquina, até sua atual moradia: uma garagem nos fundos da casa de seu filho. Também estrangeiro em terras americanas, o brasileiro radicado em Los Angeles Richard Goldgewicht elege esse boêmio como tema do seu primeiro longa-metragem. Para compor a trama, o diretor constrói um filme híbrido, misturando animações realizadas pelo próprio homenageado, imagens de arquivo e de-

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poimentos de nomes como Andy Garcia, Anjelica Huston, Beau Bridges, Jon Voight, Jonathan Demme, Norman Jewison e Stan Lee. Por meio de uma estética que traz a criatividade de Ferro e da narração do músico – o ator e ganhador do Oscar Jeff Bridges –, o título possui um tom leve e divertido, retratando a própria personalidade de Pablo: um homem alegre, apaixonado pelas pessoas, incapaz de fazer inimigos, pai incomum e artista único. O trabalho ao lado de Kubrick e Stan Lee e a marcante amizade e parceria profissional com o cineasta Hal Ashby são apenas parte dessa narrativa que apresenta um criador de 78 anos, aclamado por artistas e ignorado pelo público. Exibido no Festival do Rio em 2012 e no Festival Internacional de Cinema de Roterdã (Holanda), Pablo mostra, acima de tudo, que os verdadeiros talentos podem passar despercebidos.



FADE OUT

EM SP, WAGNER MOURA E ALICE BRAGA LEMBRAM BASTIDORES DE

"ELYSIUM"

Atores divulgaram ficção científica em coletiva; longa estreia no dia 20. por CAUÊ MURARO

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as vantagens de integrar um projeto “que tinha muita grana”. Houve espaço ainda para elogios mútuos (“ele é um ídolo, uma referência”; “ela é uma reserva de afeto, tem um sorriso lindo”). Mas sobressaíram “curiosidades” de bastidores. “Alice passa metade do filme carregando uma menina no colo”, observou Wagner Moura, referindo-se à filha doente da personagem da colega. “O filme foi passando, e a menina foi ficando mais pesada. Teve um dia em que Alice falou: ‘Essa menina tá muito gorda, tá foda, ela precisa parar de comer”, descreveu, provocando novos risos. Alice respondeu: “É mentira, tão bonitinha, tadinha, ela é o máximo... Em filme de ação, você tem de saber os momentos de dar risada. Acho que o Wagner se

Fonte: DIVULGAÇÃO

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personagem de Wagner Moura em “Elysium”, sua estreia no cinema internacional, tem uma quase imperceptível tatuagem da bandeira do Brasil. Certa vez ao vê-la, Matt Damon, intérprete do protagonista do longa, perguntou ao brasileiro: “Por que você tem um hambúrguer tatuado no braço?”. Moura, conhecido pelo papel de Capitão Nascimento em “Tropa de elite” (2007), recordou o episódio durante entrevista coletiva nesta segunda-feira (9) em São Paulo. “Eu falei: ‘Brother, essa é a bandeira do meu país’. Ele pediu desculpas...”, comentou, entre risos. Quem primeiro mencionou a gafe de Damon foi Alice Braga, que faz o principal papel feminino de “Elysium” e também esteve no evento de lançamento do filme, que entra em cartaz em 20 de setembro. No elenco, estão nomes como Jodie Foster, Diego Luna e Sharlto Copley. A direção e o roteiro são do sul-africano Neill Blomkamp, de “Distrito 9” (2009). Dentre outros assuntos, Wagner Moura e Alice Braga abordaram a dificuldade de se atuar em inglês, as pretensões de seriedade de uma superprodução de ficção científica (trata-se, em suma, de registrar conflito de classes e exclusão social) e


vez que fiquei mais doente na vida.” Segundo Wagner, Alice ajudou: “Foi no supermercado, farmácia, cozinhou uma massinha”. Antes, ela já havia auxiliado na passagem de textos. “Eu acho muito mais difícil [ter falas em inglês]. O único filme que fiz em outra língua foi esse, mas nunca morei fora do Brasil”, admite. “Propus um negócio arriscado, tem uma construção arriscada, todo um processo de me acostumar um pouco com aquela figura. E o inglês foi o principal desafio.” Questionado sobre outros convites para fazer filmes no exterior, diz ter “possibilidades de novos projetos”. E reconhece: “Mas eu sou muito chato, né?, cara. Eu mesmo estou falando: sou chato. Para eu fazer o negócio, tenho de realmente achar muito legal, não importa onde é. Estou vendo a hora de esse pessoal se cansar de mim...”. Ele aproveita para brincar que, quando há interesse por algum trabalho, os responsáveis terminam optando por um “rival”. “Tem umas coisas que quero fazer, mas aí eles querem o Javier Bardem.” Por enquanto, o ator se prepara para seu primeiro trabalho como cineasta, a cinebiografia de Carlos Marighella, adaptação do livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”. Ele fala que, na época em que “Elysium” era filmado, conversava com a equipe técnica do longa de Blomkamp. “Eu vou dirigir esse filme, sempre me interessei muito por saber o que cada pessoa faz no set de filmagem.” Neste momento, Alice antecipa que quer reprisar a parceria: “Ontem eu estava pedindo emprego [a Wagner]. Vou comprar o livro”

Fonte: DIVULGAÇÃO

divertiu um pouco com isso também”. “Elysium” se passa em 2154. É um futuro em que os ricos mudaram-se da Terra para uma estação espacial. Por aqui, resta um planeta superpovoado por uma gente miserável que, compreensivelmente, deseja ter acesso à imigração. É o caso de Max (Damon), ex -presidiário que sofre grave contaminação no trabalho, de Spider (Moura), espécie de contrabandista que transporta o povo ilegalmente de um lugar ao outro, e Frey (Alice), enfermeira desesperada para salvar a filha. A exemplo do trabalho anterior de Blomkamp, “Elysium” é ficção científica com discurso político. Wagner Moura diz que isso influenciou na aceitação do convite. “É demais, muito legal, adorei. Achei um puta de um convite bom”, contou. “Adoro projetos que aliem entretenimento, que muita gente veja, e que tenha alguma coisa a dizer, alguma substância.” Para o ator, é “muito simples” fazer um filme “experimental, cabeça” ou fazer “uma bobagem que milhões de pessoas querem ver”. “Acho interessante que a gente esteja falando aqui de coisas como imigração.” Alice complementa dizendo achar que o diretor “quis criar uma história, de certa forma, para cutucar”. Ela arrisca uma receita que evitaria, na vida real, um cenário de confronto radical como o de “Elysium”. “O Neil é um homem muito politizado. Acho que sou que nem o Wagner, otimista, mas sinto que a mudança tem de estar na gente. Se a gente não mudar, nada vai mudar.” Pneumonia Wagner Moura recorda que, durante as filmagens em Vancouver, no Canadá, teve pneumonia. “Fiquei muito doente, acho que foi a

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O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, foi o filme escolhido pelo Ministério da Cultura para disputar uma vaga a melhor filme estrangeiro no Oscar 2014. O filme será préindicado à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, que anunciará os cinco finalistas em janeiro

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CENA DO FILME O SOM AO REDOR REPRODUÇÃO / FILME)

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Fonte: Reuters

Fonte: Reuters

O FILME SE PASSA NUMA RUA DE CLASSE MÉDIA NA ZONA SUL DO RECIFE

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s brasileiros habitam, há não poucos anos, um filme de terror psicológico. Pessoas amedrontadas escondem-se atrás de muros e guaritas, de cercas elétricas e câmeras de vigilância, de carros blindados e seguranças particulares – na tensão permanente da espera por um sequestro-relâmpago, um veículo desgovernado, uma bala perdida ou um ataque de zumbis do crack. Para a maioria, o momento nunca vem. Mas quando chega para alguns – e ganha a amplificação massiva do noticiário –um novo ciclo de medo está garantido. O Som ao Redor, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, é o filme sobre esse estado de espírito. Nenhuma obra havia ido tão longe e tão fundo para captá-lo. Nos últimos anos, o cinema nacional foi pródigo em histórias sobre a violência urbana, recheadas de cenas de horror explícito – com destaque para Cidade de Deus (2002) e os dois Tropa de Elite (2007 e 2010) –, mas quase sempre ignorou seu subproduto mais abrangente e menos palpável: a paranoia de segurança. Nas entrevistas sobre o filme, o cineasta gosta de ressaltar seu caráter local, específico:“É um trabalho muito pessoal, rodado na rua onde moro [em Setubal, bairro de classe média da zona sul do Recife]”. Assim, ele reafirma a máxima de Tolstói transformada em clichê jornalístico: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. O Som ao Redor tornou-se a mais aclamada produção brasileira desde Cidade de Deus. A trajetória se inicia com o prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema (Fipresci) no Festival de Roterdã (Holanda), passa pela Mostra de São Paulo (melhor filme) e pelos festivais do Rio (filme e roteiro),de Gramado (som, crítica, público e diretor), de Copenhague, na Dinamarca (filme), e de NoviSad, na Sérvia (filme), até chegar à lista dos dez melhores do ano do New York Times (ao lado de nomes célebres, como Quentin Tarantino, Steven Spielberg e Michael Haneke).

ciranda vigiada As honrarias seriam suficientes para deixar o diretor deslumbrado se ele fosse do tipo deslumbrável (e se não tivesse construído uma carreira sólida antes de sua estreia em longas de ficção). Kleber Mendonça tem 44 anos, nasceu no Recife e passou cinco anos de sua adolescência na Inglaterra, o que lhe deixou como legado certa ironia britânica, presente também em sua obra. Estudou jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco, tornou-se crítico de cinema e realizador de curtas premiados, como Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e Recife Frio (2009), além do documentário Crítico (2008). Muitos dos temas e um tanto do estilo apresentados em seus curtas voltam a O Som ao Redor maturados, reelaborados e redistribuí-dos numa estrutura de mosaico. A câmera se alterna entre um punhado de personagens centrais: um ex-senhor de engenho que é dono de quase todo um bairro na capital pernambucana (W. J. Solha); seu neto, que cuida de negócios imobiliários (Gustavo Jahn); uma dona de casa que, atormentada pelos latidos do cachorro do vizinho,

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Fonte: Reuters

só se relaciona plenamente com eletrodomésticos (Maeve Jinkings); e um segurança particular (Irandhir Santos), líder de um grupo que oferece serviços de proteção aos moradores da rua – trazendo paz para alguns e mais tensão para outros. Em torno deles, há uma ciranda de personagens que parece uma versão da Quadrilha de Carlos Drummond (“João amava Teresa que amava Raimundo...”), na qual o amor foi substituído pelo medo: crianças que brincam nos prédios, vigiadas por babás, vigiadas por moradores, vigiados por porteiros em uma rua agora vigiada por uma espécie de milícia. O Som ao Redor não apenas desconstrói a arquitetura do medo à brasileira, como ainda desenterra suas raízes históricas – mostrando que a divisão entre casa-grande e senzala resiste nos apartamentos da classe média, com seus minúsculos quartos de empregada, e que a violência das disputas de terra migrou para a especulação imobiliária nas grandes cidades. O filme consegue dar conta dessa tarefa complexa sem recorrer à pirotecnia de Cidade de Deus nem ao didatismo da narração em o? de Tropa de Elite. Kleber Mendonça não oferece um tratado sociológico, mas uma experiência cinematográfica em que ruídos dizem mais que palavras, personagens são definidos pelo que escondem, não pelo que mostram, e ferramentas do meio são aproveitadas ao máximo: a tela panorâmica do formato Cinemascope,a gama de possibilidades da edição de som. Os festivais e críticos, no Brasil e no exterior, reconheceram essas duas virtudes centrais do filme: utilizar com sutileza e sofisticação os recursos visuais e sonoros que só o cinema oferece e dar a um tema universal – o medo da violência – um olhar original e específico, com distinto foco brasileiro, pernambucano.

o oscar

O filme escolhido pelo Ministério da Cultura para disputar uma vaga a melhor filme estrangeiro no Oscar 2014.O filme será pré-indicado à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, que anunciará os cinco finalistas em janeiro.Vários outros países já divulgaram seus candidatos, entre eles, o Chile, que indicou o filme “Gloria”, premiado no Festival de Berlim; o México com “Heli”, que levou melhor direção em Cannes; e a Arábia Saudita, com “Wadja”, ganhador de três troféus no Festival de Veneza e sucesso de crítica nos EUA.“O Som ao Redor” entrou para a lista dos dez melhores filmes de 2012 do principal crítico de cinema do jornal norte-americano “The New York Times”, ganhou o troféu principal da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além de quatro prêmios no Festival de Cinema de Gramado (diretor, som e melhor filme para o público e os críticos) e dois no Festival do Rio (filme e roteiro), e já foi exibido em mais de 70 países

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AGENDA

OUTUBRO NOVEMBRO FESTIVAL DO RIO 26 De 26 de setembro a 10 de outubro de 2013, o Rio de Janeiro será a capital mundial do cinema. É quando acontece mais uma edição do Festival do Rio, trazendo centenas de títulos de mais de 60 países. Além das mostras já tradicionais, como Panorama, Expectativa, Première Brasil, Midnight, Gay, Première Latina etc., teremos ainda esse ano uma seleção suculenta de recortes especiais

MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO Na 37ª edição do evento, que acontecerá de 18 a 31 de outubro, a cidade de São Paulo será presenteada com cerca de 370 títulos nacionais e internacionais, que serão apresentados em mais de 20 espaços espalhados por diferentes regiões.

EXPOSIÇÃO KUBRICK Outubro será o mês de Stanley Kubrick no Museu da Imagem e do Som (MIS) em São Paulo.

JANELA INTERNACIONAL DE CINEMA DO RECIFE

A partir do dia 11 de outubro até 14 de janeiro do ano que vem, o espaço recebe a exposição

O evento surgiu da necessidade de ter um

oficial do diretor com mais de 500 objetos, fotos

espaço em Pernambuco que oferecesse

e vídeos raros mostrando os bastidores de seus

um olhar generoso à produção indepen-

filmes. O museu também exibe toda a filmogra-

dente no cinema em todos os seus forma-

fia do diretor em parceria com a Mostra Interna-

tos atualmente disponíveis, de qualquer

cional de Cinema.

origem. Realização de 11 a 20 de outubro.


FESTIVAL DE CINEMA E VÍDEO DE SKATE DO BRASIL Festival de Cinema e Vídeo de Skate do Brasil segue a mutação inspiradora do skate e leva para a tela de cinema, a arte que também experimenta constantes transformações, o que só poderia ser visto nas ruas e pistas de skate, de 24 a 29 de setembro.

INDIE FESTIVAL São 50 filmes de 12 países, exibidos em Belo Horizonte de 6 a 12 de setembro e em São

23 CINE CEARÁ

Paulo de 20 de setembro a 3 de outubro. O

Com mais de duas décadas de contribui-

programa Mostra Mundial exibe a produção

ções à imagem da cultura no Ceará, o

internacional de novos e premiados diretores,

festival chega à sua 23ª edição reunindo

inéditos no Brasil, e dois cineastas contem-

manifestações artísticas do Brasil e da

porâneos ganham retrospectivas: o francês

Ibero-américa. O festival exibe mostras

Jean-Claude Brisseau e o chinês Wang Bing.

variadas durante 8 dias e tem o objetivo de estimular a produção cinematográfica de qualidade. O Cine Ceará consagrou-se por ultrapassar fronteiras e trazer projeção internacional às obras de grandes talentos. De 5 a 13 de setembro em Fortaleza.

EXPOSIÇÃO MANOEL DE OLIVEIRA O Instituto Tomie Othake, em São Paulo, a exposição “Manoel de Oliveira: Uma História do Cinema”, em homenagem ao cineasta português de 104 anos. Manoel de Oliveira realizou 54 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens. A exposição ficará patente até o dia 10 de novembro em São Paulo, com entrada gratuita.

FESTIVAL DE BRASILIA DO CINEMA BRASILEIRO Promove dendo

o

cinema

mostras

brasileiro,

compreen-

competitivas

de

lon-

gas e curtas ficção, longas e curtas documentário

e

curtas

animação,

mostra

Brasília, Festivalzinho, seminários, oficinas, debates e lançamentos de livros e DVDs. O festival acontece 17 a 24 de setembro de 2013

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DICAS

DICAS Fonte: DIVULGAÇÃO

VOS DECLARO

Fonte: DIVULGAÇÃO

Filme gay feito na USP é liberado na rede. tanto, têm os mesmos direitos. Um documentário sobre a união homoafeQuem assina o vídeo são os alunos tiva, realizado por alunos de jornalismo da Ana Elisa Pinho, Anna Carolina Papp, ECA, foi disponibilizado na internet. Com Giovanna Rossin, Mariana Payno Gopouco mais de 24 minutos, o tema propõe mes, Mayara Teixeira e Rafael Nascium debate da recente conquista da comu- mento de Carvalho. A orientação é do nidade gay no tribunal de justiça: todos professor Renato Levi. Do curso de Joras pessoas são iguais perante a lei e, por- nalismo da Universidade de São Paulo.

DOCUMENTÁRIO SOBRE OSGEMEOS

Fonte: DIVULGAÇÃO

Dentro da programação do festival internacional de documentários É Tudo Verdade, estreou no último sábado, 6, o longa-metragem “Cidade Cinza”, dos diretores Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo. O filme traz depoimentos da dupla de grafiteiros

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OSGEMEOS, Nina, Finok, Zefix e Ise, e tem trilha sonora assinada por Criolo e Daniel Ganjaman. Quem não pôde assistir à sessão gratuita terá uma nova oportunidade no próximo final de semana. O Centro Cutural Banco do Brasil (CCBB) exibe a filme no próximo domingo, 14, às 18h, com entrada franca. O longa discute, essencialmente, o graffiti de São Paulo – nascido num cenário em que o hip hop americano foi substituído pela valorização da cultura regional brasileira. Apresenta o trabalho da dupla OSGEMEOS e outros artistas que espalharam suas cores pelas ruas da capital paulista e por galerias de todo o mundo. O centro da discussão é a lei criada pela prefeitura em combate à poluição visual que cobriu diversas pinturas de cinza. Mais informações sobre o festival É Tudo Verdade 2013 estão disponíveis no site oficial.


Fonte: DIVULGAÇÃO

SABOTAGE

Fonte: DIVULGAÇÃO

Em pouco mais de uma hora, o docu- da Favela do Boqueirão, onde viveu mentário ”Sabotage Nós” – dirigido Sabotage após a saída do Canão. Além por Guilherme Xavier Ribeiro -, retra- de rapper, Sabotage era compositor, ta a caminhada do cara em direção ao cantor e ator brasileiro. Dentre todos seu disco de estreia, intitulado “Rap os bordões que ele criou, um dos mais É Compromisso”. Representando o famosos é: ”rap é compromisso, não é momento áureo do rap nacional do fim viagem”. Sabotage foi encontrado mordos anos 1990, o filme conta a história to com dois tiros na coluna vertebral, e da “Família RZO” e mostra o cotidiano outros dois na mandíbula e cabeça.

CLÁSSICOS DA COMÉDIA BRASILEIRA De 2 a 17 de outubro a Cinemateca Brasileira apresenta neste mês a mostra Rir pra não chorar – Clássicos da Comédia Brasileira, na qual serão exibidos filmes representativos deste gênero que atravessa todos os períodos da história de nosso cinema, com uma importância consideravel nos diversos momentos. Do filme silencioso às produções contemporâneas, a comédia tem sido uma das formas narrativas mais visitadas pelos cineastas brasileiros. É o gênero de maior sucesso comercial no país, responsável por sustentar a produção cinematográfica nacional em diversos momentos de sua história. A mostra apresenta um rico panorama de clássicos da nossa comédia, levando ao

público seus principais nomes. Dentre os destaques da programação, encontramse clássicos da Atlântida como Carnaval Atlântida e Nem Sansão Nem Dalila, com seus modelos inspirados em fórmulas do cinema norte-americano, ambos estrelados por Oscarito. Ao lado, ainda estão filmes representativos de um de nossos mais amados comediantes: Amácio Mazzaropi, presente em O Corintiano, Nadando em dinheiro, O Lamparina e Sai da frente. Mesquitinha é lembrado em Simão, o caolho, Zé Trindade é a estrela de O batedor de carteiras e de Rico ri à toa, enquanto Ankito diverte o público em É fogo na roupa. Serão exibidos Trapalhões e a árvore da juventude e Os Trapalhões no Auto da Compadecida.

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LANÇAMENTOS

LANÇAMENTOS SETEMBRO E OUTUBRO

A COLEÇÃO INVISÍVEL

TROPICÁLIA

CORPO PRESENTE

06 SETEMBRO

14 SETEMBRO

11 OUTUBRO

A família de Beto (Wladimir Brichta) é dona de uma tradicional loja de antiguidades em que está passando por uma crise financeira. Para tentar solucionar este problema ele se lança numa viagem até a cidade de Itajuípe, interior da Bahia, atrás de uma coleção raríssima de gravuras que foi adquirida há 30 anos por um antigo cliente, o colecionador Samir (Walmor Chagas). Entretanto, logo ao chegar Beto enfrenta uma forte resistência da esposa dele e de sua filha Saada (Ludmila Rosa).

Uma análise sobre o importante movimento musical homônimo, liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil no final dos anos 1960. O documentário resgata uma fase na história do Brasil em que cena musical fervilhava e os festivais revelavam vários novos talentos. Ao mesmo tempo, o Brasil sofria com a ditadura dos generais no poder, o que fez com que Caetano e Gil fossem exilados do país.

Cynthia adora dançar. Trabalha como manicure em um pequeno salão de beleza da Rua Augusta. Está juntando dinheiro para estudar butoh no Japão. Alberto é agente funerário. Enquanto foge dos agiotas, tenta escapar da realidade com o uso de remédios. Beatriz trabalha na fábrica em meio período e adora tatuagens. Ela nunca realiza seus desejos. À noite uma tempestade cai sobre a cidade.

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SERRA PELADA

11 OUTUBRO

18 OUTUBRO

NOVE CRÔNICAS PARA UM CORAÇÃO AOS BERROS 04 OUTUBRO

Fonte: DIVULGAÇÃO

CORDA BAMBA

Maria (Bia Goldenstein) é uma 1980. Juliano (Juliano Cazarré) e Larissa não gosta mais de Mário. menina de 10 anos que, por ser filha Joaquim (Júlio Andrade) são grandes Leopoldo não sabe se vai ou se fica. de pais equilibristas, foi criada no cir- amigos que ficam empolgados ao to- Júlio ainda vive com a mãe. Simone co. Após um tempo vivendo com os pa- mar conhecimento de Serra Pelada, o cansou de ser prostituta. Vanise se drinhos, Foguinho (Augusto Madeira) maior garimpo a céu aberto do mun- lembrou o que significa ser mulher. e Barbuda (Cláudio Mendes), ela se do, localizado no estado do Pará. A Philipp não quer voltar para a Alemamuda para a cidade grande para morar dupla resolve deixar São Paulo e par- nha. Carol carrega um cemitério de com sua avó (Stela Freitas). Apesar de tir para o local, sonhando com a ri- lembranças. André quer fazer uma enfrentar dificuldades em se adaptar à queza. Só que, pouco após chegarem, música diferente. Denise decide viver nova vida, ela aos poucos passa a se tudo muda na vida deles: Juliano se novas experiências. Nesse surpreenlembrar de um grande trauma do pas- torna um gângster, enquanto que dente mosaico de relações humanas e sado envolvendo seus pais. Joaquim deixa para trás os valores situações cotidianas, homens e mulheque sempre prezou. res de diferentes idades sentem uma intensa necessidade de se reinventar. Todos vivem o momento da guinada, cada um a seu modo.

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POEMA VISUAL

poema visual

Glauber Rocha



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