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Círculo do tempo | Fabrícia Jordão e Sânzia Pinheiro

CÍRCULO DO TEMPO

O recorte privilegiado para a mostra Círculo do Tempo de Falves Silva buscou, a um só tempo, reposicionar na recente história da arte e dar visibilidade à produção desse inventivo artista brasileiro.

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A exposição – a primeira em São Paulo a reunir trabalhos representativos e inéditos da frutífera trajetória do artista – exibe um conjunto pouco visto ou não aceito por se distanciar das apostas estéticas e geopoliticamente comerciais de seu respectivo tempo. Nesse sentido, o conjunto selecionado evidencia a importância que as redes artística e de sociabilidade, bem como a experimentação, características dos anos 60/70, tem ainda hoje na produção do artista. Os trabalhos ora exibidos, por um lado exploram a pesquisa de fundo concretista, com formas e padrões geométricos – caso da série Signo, poemas visuais que encontram no alfabismo de Álvaro de Sá a chave para uma das possibilidades de sua leitura. Por outro lado, uma forte tendência em construir narrativas, como fica evidente em Círculo do tempo. Nessa obra – que pode ser pensada como uma metanarrativa visual aos moldes de Giambatistta Vico, pensador que inaugurou a filosofia da história – o artista traça uma história visual da humanidade tomando como ponto de partida e fio condutor a invenção da escrita. A minuciosa narrativa visual é dividida em três partes: a idade dos deuses, a idade dos heróis e a idade dos homens. Essa divisão, clara no âmbito do discurso do artista, se embaralha numa fragmentada e multitemporal colagem de 25 metros.

CÍRCULO DO TEMPO

Fabrícia Jordão e Sânzia Pinheiro

Já em Equações Assimétricas, outra narrativa visual, o artista reconstrói uma genealogia do movimento do Poema-processo, seus agentes, artistas, poemas visuais e textos fundamentais. Aqui, o artista reata os nexos entre paulistas (de Oswald de Andrade a Décio Pignatári e os irmãos Campos), cariocas (Wlademir Dias Pino, Álvaro de Sá) e norte rio grandenses (Moacy Cirne, Dailor Varela…) e, nesse processo, reposiciona sua própria produção desde uma vanguarda descentralizada e simultânea.

Tal qual Diderot, Falves Silva empreende a tarefa de construir uma enciclopédia, a Enciclopédia Visual. No entanto, diferente da Encyclopédie (ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers) do filósofo francês, o conhecimento condensado por Falves é apropriado, copiado e editado. Jornais, livros, revistas, catálogos, quadrinhos, panfletos são a fonte primária de onde o artista extrai o conhecimento produzido pela humanidade. Agora as imagens, e não a reflexão textual, são as grandes protagonistas. A imagem ruim, p&b, ruidosa, mil vezes copiada, editada, violentada e, algumas vezes, ilustrada por textos curtos, nos conta de uma humanidade cada vez mais midiatizada.

Tipógrafo e gráfico desde adolescência, muito cedo o artista inicia uma intimidade com o papel/texto/imagem e com questões próprias da impressão e da edição. Essa experiência profissional será potencializada e radicalizada em suas experimentações poéticas culminando, muitas vezes, em livros de artistas e variados tipos de impresso. Para exposição foram selecionados 28 livros de artistas, muitos dos quais realizados em colaboração. Também

foram exibidas algumas edições de A Margem. Editada pelo artista durante 15 anos, a revista pode ser pensada como uma plataforma de disseminação de informações do campo da cultura – literatura, história em quadrinhos, cinema – e da poesia visual brasileira e latino americana.

O conjunto exibido na mostra Círculo do Tempo nos autoriza a pensar a produção de Falves Silva como plenamente inserida na arte contemporânea, sobretudo, por sua vinculação a dois dos principais eixos da arte brasileira: os movimentos concretos e a arte conceitual. Por um lado sua produção está, ainda hoje, em intenso diálogo com um projeto de modernidade brasileira expressa nas propostas dos concretos, neoconcretos e do poema-processo. Por outro, está inegavelmente associada à arte conceitual, como atesta sua ativa e profícua atuação na rede internacional da arte correio nos anos 1960 e 70 e sua permanente experimentação. Falves Silva tem a inquietação dos inventores. Sua produção, marcada por uma minuciosa artesania, enaltece a imagem do artista “homem operário”, como se auto denomina, que não perde a si mesmo nem se aliena da sua produção. Essa imagem aponta para a própria trajetória do artista, marcada por uma incessante atualização, reinvenção e reconstrução de um projeto poético que nunca perde o vigor, a coerência e nem tampouco se aliena de seu tempo.

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