Caderno tgi i juliana barberio

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Universidade de São Paulo, USP Instituto de Arquitetura e Urbanismo, IAU COMISSÃO DE ACOMPANHANTE PERMANENTE: David Sparling Joubert Lucia Shimbo Luciana Shenk COORDENADOR DE GRUPO TEMÁTICO: Renato Anelli


Quando a rua vira casa Revitalização do centro de São Carlos

Trabalho de Graduação Integrado I

Juliana Schiavone Barberio


Quando a rua vira casa

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Índice 7 8 10 12 18 23 24 32 34 38 41 42 44 46 47 48 52 54 58

INTRODUÇÃO De "lá" pra "cá" Inquietações Contextualização Universo projetual LOCAL São Carlos Local do projeto Situação Córrego do Gregório PROJETO Sistema Diretrizes Modificações Ideias Implantação Cortes Perspectivas Bibliografia 5


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Introdução 7


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De "lá" para "cá"

Tudo começou quando fui experimentar a vida em outro país, Espanha. Não era só outro país. Era outra cultura, outras pessoas, outro clima, outra cidade, ou melhor, outra concepção de cidade. Lá eu pude desfrutar da cidade como ela é: percorrer suas ruazinhas, sentir seus edifícios, me apropriar de um pedaço de grama a beira do rio, tomar um sorvete na praça, ir a faculdade de bicicleta, entre outras mil coisas das quais eu passaria muito tempo descrevendo. Mas o mais importante é que ali eu tive uma experiência de espaço público que até então eu nunca tinha vivido. A cidade de "lá" e a cidade de "cá" traziam semelhanças (embora também tenham suas particularidades, claro). Ambas têm um rio, uma catedral, um mercado municipal, uma praça central. Mas penso que a maior diferença era que "lá" todos esses lugares estavam frequentados por diferentes tipos de pessoas, com diferentes usos, em diferentes horários. As ruas eram cheias também, mas de pessoas, bicicletas, artistas. Era muito mais agradável ir caminhando do que de ônibus. Sair à rua era um passeio, um convívio, uma experiência da qual sinto falta. Voltar para "cá" ao mesmo tempo que me deixou com saudades daquilo, também me trouxe um desejo de poder sentir essa experiência e compartilhá-la "aqui". E hoje quando sou questionada sobre o que me inquieta de tudo o que aprendi e vi ao longo da faculdade, logo me vem em mente: porque o que eu vivi "ali" eu não posso viver "aqui"? O que eu posso fazer para melhorar a experiência de espaço público?

Plaza del Salvador, Sevilla. Margens do Rio Guadalquivir, Sevilla.


INTRODUÇÃO


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Inquietações Pensar arquitetura é muito mais complexo do que se pode imaginar. Envolve não apenas o ato de projetar um espaço, mas sim projetar as relações intrasubjetivas, os encontros e desencontros, o passeio aos finais de semana, o happy hour com os amigos, o bate-papo de dois senhores, a corrida de velotrol entre dois irmãos, enfim, ser arquiteto é pensar a cidade a fim de que ela seja cenário vivo no cotidiano das pessoas. Pensar o espaço público como lugar de cultura urbana, configurado através de valores coletivos, que envolva o convívio com opostos, a diversidade, trocas. A atualidade traz, em contrapartida, um cenário de distanciamento do homem com a experiência da cidade. O planejamento urbano parece voltar-se primordialmente a um funcionalismo e interesses econômicos e políticos, que acabam minimizando a importância do espaço público como espaço de convivência na vida das pessoas. A cidade é feita pra quem? Hoje, ela não se adequa mais ao usuário. É preciso voltar a atenção para as necessidades subjetivas e para a memória coletiva. Ao pensar a cidade atual e as possibilidades de ações arquitetônicas, me questiono de qual o papel social do arquiteto nessas cidades? Como tornamos os espaços mais habitáveis? Como o arquiteto pode atuar na cidade de modo que configure espaços que promovam a interação social, a convivência e o lazer? Como a rua pode tornar-se uma extensão da casa? 10

Biblioteca e Centro Comunitário Pincha, China (archdaily.com). Biblioteca de Artes Visuais, São Carlos


INTRODUÇÃO

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Contextualização

O espaço público sempre foi lugar de encontro, de comércio e de circulação. Antes, quando tudo era feito a pé, as relações eram muito fortes neste espaço. O espaço público é aqui entendido como lugar de uma cultura urbana compartilhada, baseada em valores coletivos, envolvendo o convívio entre opostos, diversidade e este espaço como cenário ativo na vida das pessoas. Mas, com novos padrões de comércio, tráfego e circulação a tradição das ruas passou por uma grande transformação. Com o advento do automóvel as cidades ganharam outra configuração, que aos poucos foi perdendo essa característica da rua como encontro. As feiras abertas foram substituídas por centros comerciais fechados ao exterior e principalmente à vida pública, isolados e indiferentes.Também com a informatização dos meios de comunicação, o encontro físico já não se fazia necessário. Todas estas transformações mudaram o papel tradicional das cidades. Além disso, o Modernismo, como principal planejador, não priorizou o pedestre e se esqueceu do espaço público como local de encontro. Os veículos roubaram o espaço das ruas e das praças. O espaço público está inóspito, cercado por grades, muros, estacionamentos. Andar a pé não é algo agradável e permanecer no espaço público muito menos. As pessoas caminham porque necessitam e não porque desejam, e este estar se torna tão desagradável que os centros são evitados ao máximo. As cidades se tornaram cenários de relações de poder, de desigualdade social, arquitetônica e principalmente de falta de respeito com o indivíduo enquanto cidadão. Cenários que estão cada vez mais desagradáveis. 12

Marginal Tietê, Sâo Paulo (google.com). Muro pichado na cidade de São Carlos.


INTRODUÇÃO

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Foi em meio ao reconhecimento do fracasso da produção moderna, tendenciosa ao desurbano, que surge uma questão de uma necessidade subjetiva da cidade, mais conhecida como urbanidade. A noção de urbanidade envolve certa intensidade de interações sociais, remetendo-se ao conceito de vitalidade urbana. Conceito este tratado em "Morte e vida das grandes cidades" de Jane Jacobs. Foi com a publicação deste livro que todo o questionamento ao modo de produzir cidades do Movimento Moderno ganha força. A autora humaniza as cidades, transformando o modo como elas são analisadas e alertando aos prejuízos causados pela produção moderna para a qualidade urbana. Ela critica a não valorização da escala humana e a indiferença às necessidades de cunho social. A cidade para ela é um realidade viva e pulsante, que está em constante movimento e o protagonista é o cidadão e que deve conter uma diversidade de usos densa e complexa, que gere este ambiente vivo. Isto, através de 4 condições que a autora coloca: multiplicidade de funções, ampla possibilidades de percursos, edifiícios com idades diferentes, através de velhos espaços para novos usos, e alta densidade de pessoas, como forma das pessoas se sentirem seguras diante dos desconhecidos . Assim, ela defende um planejamento urbano que se comunique diretamente com a vida cotidiana e com os usos já existentes ali. Em suma, todas as questões que a autora levanta contribuem para a descrição de espaços que não favorecem, e até desestimulam, a circulação das pessoas e os contatos entre elas. E são nesses espaços desestimulantes que faltam urbanidade, espaços estes que de algum modo não acolhem as pessoas. A urbanidade, de algum modo, vem da cidade, do edifício, da rua e é apropriada pelo indivíduo pessoalmente ou coletivamente. Assim, ela está nessa maneira de apropriação pelas pessoas, seja na escala da cidade ou do edifício. 14

Ilustração de James Gulliver Hancock, em comemoração aos 100 anos de Jane Jacobs (ciudadesaescalahumana.org)


INTRODUÇÃO

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Kevin Lynch também contribui nesse momento, quando defende que as pessoas e suas atividades, os elementos móveis, são mais importantes que os elementos fixos. Para ele o urbano é um conjunto de "sequências espacias", isto é, cenas conformadas pelos edifícios e os usuários, colocando lado a lado elementos físicos (espaços públicos e edifícios) em prol de elementos animados (pessoas), tidos como protagonistas na construção da urbanidade. Gordon Cullen também se destaca na medida em que propõe um estímulo à percepção da cidade, pois esteja o sujeito no espaço que for e em qualquer velocidade de apreciação, pode fruir poéticas urbanas nem sempre valoradas. A ideia da visão serial de Cullen, incita o surgimento de um novo observador mais atento às emoções e aos espaços urbanos. A reverberação mais atual destas ideais é o conceito de Placemaking traduzindo: criação de lugares. A própria Jane Jacobs serviu de inpiração para os criadores deste conceito que surgiu nos anos 80, nos Estados Unidos, pautados nos estudos de William Holly Whyte e fruto da organização Project for Public Space. Ele é um processo de planejamento, criação e gestão de espaços públicos, que propõe a criação de espaços mais habitáveis, de maior convívio entre conhecidos e desconhecidos, que estimulam interações entre as pessoas em si e entre as pessoas e a cidade, tornando os lugares mais atrativos e hospitaleiros e promovendo comunidades mais saudáveis e felizes. Além de desenhar o espaço público, a ideia é estruturar a criação de atividades e conexões culturais, sociais, ambientais, econômicas que definam um espaço e dão suporte para que ele evolua como tal. De acordo com Whyte, o que atrai pessoas são outras pessoas. 16

Esquema do Placemaking (www.projectforpublicspaces)


INTRODUÇÃO

Para esse movimento, o espaço público alcançaria o sucesso através de 4 pontos: acessos e conexões, sendo aberto a comunidade, acessível e conveniente; conforto e imagem, através de árvores, bancos e sensação de segurança; usos e atividades, com diversidade de usos e motivos para os quais as pessoas vão até aquele espaço; sociabilidade, interagindo entre desconhecidos e desenvolvendo um pertencimento ao local.

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Universo projetual

Dentre as tantas faces da arquitetura que nos deparamos ao longo desses anos de graduação, algumas marcam mais que outras. Dentro deste universo, as de maior interesse são as que conseguem transformar espaços já consolidados e que apresentam potencial, propondo sensações distintas e surpresas aos usários. Aquelas que atraem o usuário, fazendo com que ele queira estar ali, entre conhecidos e desconhecidos, vivendo experiências distintas.

PARQUE DA JUVENTUDE, Aflalo & Gasperini Arquitetos e Rosa Grena Kliass Arquitetura Paisagismo. O parque promove ao longo do seu percurso uma série de sensações distintas, definida pelos diversos usos do local, atraindo assim usuários de idades e interesses diferentes. Além disso ele mantém o significado simbólico do presídio, através da transformação de dois pavilhões em escola e centro cultural e das ruínas presente ao longo do parque. O paisagismo contempla grandes espaços de contemplação, que possibilita também diversos usos. Outras obras servem de inspiração no desenho e espacialidade que produzem.

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Freundschaftsinsel Potsdam, POLA (landezine.com); 2. A todlers playgroun, Espace Libre (landezine.com); 3.Fantasia Mixed-Use Landscape. Public Landscape + Architecture Group. Chengdu, China (pinterest.com) 4. Kyushu Sangyo University Landscape Design. Design Network + Associates, Japão. 2012 (pinterest.com); 5. Parque da Juventude (vitruvius.com) 1.


INTRODUÇÃO

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Comiga, eu trouxe do meu intercâmbio, uma ideia de Mercado diferente da presente em São Carlos, mas próxima ao Mercadão de São Paulo. O mercado não só de compras, mas também com restaurantes e vida pública. Os mercados europeus são pontos de encontro, atrativos turísticos, enfim, tem grande significado e marco para as cidades. O mercado municipal de São Carlos, inicialmente se detisnava apenas ao comércio alimentício. Mas com o tempo, foi perdendo essa característica, também destinando-se ao comércio de piratarias, roupas, eletrônicos. Essa transformação foi uma perda para a cidade como um todo, que desde 1900 tem essa memória do mercado, de ponto de encontro, e hoje parte da população já não o frequenta tanto por não oferecer uma atmosfera convidadita e não muita variedade de lojas destinadas à alimentos. A ideia do projeto é revitalizar um símbolo da cidade, revivendo gastronomicamente a região. Essa remodelação envolve não só o mercado como edifício, mas o entorno como um todo, e principalmente a praça em frente ao mercado. Como no caso do Largo do Mercado de Florianópolis, projeto de Vigliecca e associados, que requalifica uma área central subutilizada. Essa intervenção do entorno ocasionou uma mudança no ambiente no qual o mercado está inserido, atingindo-o também. 20

Mercado San Miguel, Madrid (pinterest.com); 2. Mercado de São Pauloa (google.com); 3. La Boquería, Barcelona (google.com); 4. Largo do Mercado de Florianópolis, Vigliecca e associados (vigliecca. com.br). 1.


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Local 23


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São Carlos

Estado: São Paulo Área total: 1.141 km2 Área urbana: 67,25 km2(6% da total)

O meu "aqui", onde quero propor um novo cenário é São Carlos, cidade que eu nasci e cresci. São Carlos está localizado no interior do estado de São Paulo, na região Centro-Leste, a uma distância rodoviária de 230 quilômetros da capital paulista. 24

Mapa vias de São Carlos. Mapa de conexões através de eixos principais.


LOCAL

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Em 1831, com a demarcação da sesmaria do Pinhal que a história da cidade teve início. Mas foi em 1857 quando a primeira capela da cidade foi construída, onde atualmente é a Catedral, que a cidade se fundou. A cidade se formou com a expansão cafeeira paulista, consagrada no final do XIX e início do XX. Com a chegada da ferrovia em 1884, a economia da região passou por um grande crescimento. Geograficamente a ferrovia guiou o traçado urbano em seu sentido, destoando daquele central da cidade, criado ortogonalmente ao cruzamento da atual Avenida São Carlos (antes Rua da Ponte) com o córrego do Gregório. O centro da cidade, nesse momento, ganha importância política e econômica. Ele era povoado pela elite, por conter a Igreja e o Jardim Público, inaugurado a fim de "educar os sentimentos e descansar o espírito". Foi com a crise cafeeira, em 29, que a urbanização se acelerou com intenso êxodo rural e acabou por configurar um traçado heterogêneo da malha urbana. Historicamente as elites rurais tiveram enorme influência sobre o desenvolvimento da cidade, provendo-a de equipamentos urbanos e eventos, tais como o Teatro Ipiranga (que foi demolido para construir a Praça Coronel Sales) , distribuição de água por meio de chafarizes em 1889, inauguração do Mercado Municipal, em 1907, serviço de bondes que começou a funcionar em 1914. Em 1911, com a instalação de uma Escola Normal, influenciou também para que a cidade tivesse destaque tecnológico em relação à outras. No entanto, a evolução por qual a cidade passou, com a consolidação da indústria depois da crise cafeeira e mais tarde a instalação de duas grandes universidades, que transformaram a cidade em um importante eixo tecnológico, não foi acompanhada no âmbito dos espaços públicos. Atualmente se vê uma degradação dos mesmos, fisicamente e simbolicamente. Também é notável a pequena presença de equipamentos culturais públicos na cidade, somando apenas 5 com esse enfoque. 26

Mapa de expansão urbana de São Carlos. Mapa com equipamentos culturais (em amarelo) e pontos de funcioanemento noturno (roxo).


LOCAL

Funcionamento noturno Equipamento cultural

1857 - 1929 1889 - 1893 1894 - 1929 sem data 1930 - 1959 1960 - 1977 1978 - 1969 1990 em diante

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O centro da cidade de São Carlos, aonde encontra-se a maior partes dos equipamentos culturais, além de edifícios históricos e consideráveis espaços públicos, atualmente encontra-se funcionalizado. A baixa densidade habitacional, já que em seu processo de expansão a cidade cresceu rumo à periferia, somada a grande presença de edifícios comerciais e de serviços, acabaram por alterar as características do centro. Assim, há um alto fluxo de pessoas durante o horário comercial, em contrapartida ao baixíssimo fluxo durante a noite e finais de semana, resultando em um problema de insegurança e medo nas pessoas para nesses períodos. O centro se constitui através do eixo formado pela Avenida São Carlos, que liga a cidade norte a sul e é marcado por diversas camadas que se formaram ao longo da história da cidade. Esse eixo é composto por praças e edifícios históricos, formando um sistema. Historicamente ele foi marcado por concentrar a vida pública da cidade. No entanto atualmente, com todo esse planejamento moderno que restringiu os espaços de convívio a lugares fechados e isolados, a área central acabou perdendo essa qualidade de espaço de convívio público. Além do que há falta de atrativos na região para que as pessoas possam utilizar aquele espaço. Os que existem se restringem ao uso diurno e alguns eventos que acontecem em datas específicas. Fora isso, as praças centrais servem apenas como local de passagem, servindo como local de estar a uma pouca minoria. Embora os equipamentos culturais de São Carlos estejam concentrados no centro, eles são poucos e menos ainda os que funcionam durante a noite, como por exemplo, o Teatro Municipal e o Cine São Carlos. 28

Mapa de monumentos ao longo do centro de São Carlos. 1_ÁLvaro Guião; 2_ Teatro Municipal; 3_Câmara Municipal; 4_Sede Social São Carlos Clube; 5_Paulino Carlos; 6_Palacete Conde do Pinhal; 7_Catedral; 8_CDCC; 9_Palacete Bento Carlos; 10_ Atual Biblioteca de Artes Visuais; 11_Mercado Municipal; 12_Igreja São Benedito; 13_ Estação Ferroviária.


LOCAL

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1928 Praça do Mercado

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1884 Largo da Estação

1895 Jardim Público

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1883 Praça Coronel Sales

1890 Largo São Benedito

Linha do tempo com as praças centrais de São Carlos.

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LOCAL

1933 Praça dos Voluntários

1938 Largo Santa Cruz

1934 Praça Pedro de Toledo 1934 Praça Pedro de Toledo

1999 Praça Dário Placeres Cardoso Júnior

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Local do projeto

A partir do das inquietações expostas e conhecendo a cidade de São Carlos escolheu-se um local carcaterizado por um acúmulo de tempos e histórias, mas que atualmente deixa a desejar enquanto espaço público de convívio e atividades e que traz um potencial para se tornar como tal. A “baixada do mercado” é composta por 3 praças e uma mais recente esportiva. Esse conjunto, apesar da proximidade, mostra-se fragmentado e desconexo. No entanto devido a fatores históricos e também sua localização, apresenta um grande potencial vinculado às questões anteriormente citadas do espaço público. O local já não parece tão acolhedor, seja por falta de conforto, falta de equipamentos ou simplesmente por não atrair pessoas a ele. Ele carece de diversidade de usos, carece de espaços de estar e carece de troca de relações entre conhecidos e desconhecidos. A vida pública ali só existe em horário comercial e através da passagem e permanência rápida de algumas pessoas, principalmente as que esperam o ônibus, a exceção de eventos cívicos que atraem pessoas de todas as regiões da cidade, mostrando uma vontade latente de uso daquele espaço. Recuperar a vida no espaço público é instigante em vista de vivermos um tempo em que os acontecimentos se passam na esfera privada e onde a surpresa e a função social do encontro caíram em desuso. 32

Foto antiga da baixada do mercado, da cidade de São Carlos (google.com)


LOCAL

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Situação Em 1903 inaugurou-se o primeiro pavilhão do mercado municipal, que se prestava ao comércio de carnes e que se ligava a linha do bonde. Mais tarde, em 1907, ocorreu a construção do segundo pavilhão do mercado, ligado ao comércio de hortaliças. Mas a configuração atual do mercado só ocorreu em 1968 e a partir daí a área destinada a sua praça passou por constantes intervenções devido não só a baixa qualidade do seu uso, mas também por ser um local onde ocorre inundações e alagamentos que acabam por arruinar parte do comércio naquela área. O uso do local está muito voltado à passagem e fluxo das pessoas e pouco voltado ao estar e contemplação. Sua configuração atual prevaleceu por uma grande área seca e pouca arborização, causando um grande desconforto para quem pretender ficar ali, notando facilmente uma intensa busca pelas áreas sombreadas, que são poucas. O mercado, atualmente, perdeu um pouco da sua característica inical Mercado Municipal de alimentos e deu espaço a um comércio voltado a piratarias, objetos eletrônicos, roupas, entre outros. A Praça dos Voluntários foi ajardinada em 1929. Ela, mais confortável que a outra, também tem pouco uso em seu espaço, limitando-se também a servir de passagem a um grande fluxo de pessoas. Apresenta uma ligação subterrânea ao mercado. Os dois pontos de ônibus presentes em seu entorno, aglomera um grande número de pessoas, mas que permanecem ali para esperar o ônibus e nada mais. Sua configuração atual cria certo distanciamento por parte dos usuários e é pouco convidativa. Há, nessa área, a presença do comércio informal de rua, os camelódramos. Eles fazem parte da história do centro da cidade e trazem parte da população para aquele espaço, configurando como uma atração já existente ali. 34

1. Praça do mercado; 2. Corredor do Mercado Municipal; 3. Córrego do Gregório e camelôs; 4. Earth da área (google.com); 5. Praça dos voluntários com detalhe do ponto de ônibus.


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A antiga Praça da Piscina, nesse conjunto, é a menos utilizada e também é fruto de diversas intervenções que também não se sucederam como previstas. Historicamente ela abrigou a piscina municipal e portanto foi de muita importância e extremo uso no momento em que esteve ativa. Depois da sua desativação ela se tornou subutilizada, embora das citadas até agora é a que mais conforto oferece. O seu edifício abriga a biblioteca de Artes Visuais, mas que no entanto não traz um uso constante ao local, nem de dia e nem a noite. A grande característica desta praça é seu ambiente calmo, pois possui um grande gramado, muitas árvores e neste caso a declividade do terreno faz com que o barulho dos carros seja interrompido, tornando o espaço tranquilo em meio a um centro de bastante movimento. A última praça que compõe o conjunto, já é bem consolidada. Para o que ela é destinada, esportes, ela cumpre sua função, já que suas quadras estão sempre recebendo uma partida de futebol ou vôlei. Entretanto ela não tem nenhuma continuidade com as outras praças. Sua configuração pode estabelecer conexão pela proximidade com esse conjunto de praças e oferecer mais um tipo de uso trazendo mais diversidade ao conjunto. 36

1. Praça da Piscina; 2. Edifício da atual Biblioteca de artes Visuais; 3. Praça de esportes (google.com); 4. Earth da área (google. com); 5. Edifício da praça de Esportes.


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O córrego do Gregório

A Bacia do Córrego do Gregório é uma das que compõem a Bacia do Monjolinho, na qual a cidade está inserida. A porção central do município está banhado pela bacia do Gregório, sendo o córrego de relevância afinal foi nas suas bordas que a cidade nasceu. No entanto, este fato ocasionou uma densa ocupação da área central, com a urbanização intensa ocorrida a partir dos anos 60, a qual desconsiderou áreas de proteção ambiental ou qualquer tipo de tratamento do córrego. Nessa região, o traçado do rio foi totalmente alterado, que ficou praticamente retilínio, além de canalizado e tamponado em algumas partes. Essas alterações somadas à alta impermeabilização do solo faz com que ocorram inundações no local, ocasionando grandes destruições e perdas. Há um conjunto de soluções técnicas que deveriam ser tomadas de modo a impedir que essas inundações ocorram, no entanto o presente trabalho não vai propor tais soluções. Há uma necessidade de ir além, através de soluções mais sistêmicas, com um maior alcance, que não só pontuais, mas que resolvam os problemas do montante. Há também que modificar e fortalecer a relação da população com o Córrego, estreitando esse laço positivamente e reeducando ambientalmente, de tal maneira que permita uma mudança voluntária do comportamento em relação ao seu tratamento. Nesse sentido que o projeto pode atuar, de modo a propor espaços mais permeabilizados, principalmente os perto do rio, e também trazendo sua lembrança, como uma memória boa e coletiva da cidade. 38

Enchente recente na baixada do mercado (google. com)Mapa de da Bacia do Gregório com áreas verdes lvres e pontos de alagamento.


LOCAL

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Projeto 41


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Sistema Inicialmente, pensando que o conjunto não mais se configure como fragmentos, mas que atue como um todo pertencente a cidade, pensou-se ele como parte de um sistema da área central, que se liga às outras praças da região e também à ciclovias já existentes, para melhor ACESSO e também integração. Propõe-se alargamento de calçadas e arborização de tais ao longo desse sistema. Além do prolongamento das ciclovias existentes na Avenida Comendador Alfredo Maffei, unindo seus dois lados, um pertencente a marginal do SESC e o outro ao Parque da Chaminé.

Nesta página, mapa com proposta de sistema. Na outra página, cortes das ruas em situações diferentes de rio, atualmente (imagem acima) e com proposta do projeto (imagem abaixo)

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PROJETO

Projeto_sistema

Rio tamponado

Rio canalizado

Rio exposto

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Diretrizes Conformar um espaço público com urbanidade envolve questões não só arquitetõnicas, mas também sociais, políticas, culturais, econômicas. Assim, as diretrizes do projeto partiram de diversos pontos: do próprio espaço, isto é, observando o que se passa atualmente no local e percebendo detalhes que mostram o que a população procura; de um conteúdo arquitetõnico, ligado às inquietações já citadas; e também das ideias do Placemaking e os quatro pontos relevados por eles, também já citados, que são fundamentais para trazer a urbanidade para o espaço: acessibilidade, conforto, sociabilidade e usos. Em relação à acessibilidade, o local por ser central, é regado de uma grande quantidade de linhas de onibus e é cortada pelo Eixo da Avenida São Carlos, bem como pela Avenida Comendador Alfredo Maffei. Pretende-se unir as duas ciclovias existentes na Avenida Comendador Alfredo Maffei, colocando ao longo do projeto bicicletários. Também melhorar a travessia do pedestre, bem como seus percursos. Em relação ao conforto, pensa-se principalmente no aumento da vegetação nos pontos necessários, bem como o uso da água, naturalmente e através de espelhos d’agua. A sociablidade será conquistada através da atração de pessoas de toda a cidade ao local, em diferentes horários e que está intimamente ligada aos usos oferecidos e ao espaço convidativo, além de manter os eventos que acontecem ali. Em relação há diversidade de usos propõe-se não só um uso voltado ao comércio, como é atualmente, mas voltado ao lazer, através de espaços de contemplação, com espaços de estar e repouso; restaurantes ligados ao Mercado Municipal; espaços culturais, através de uma midiateca onte atualmente é a Biblioteca de Artes Visuais, que estará ligado a um pequeno palco; áreas livres para realização de atividades físicas, através das quadras e de extensas áreas de grama, entre outros. 44

Esquema da implantação levando em consideração os 4 pontos propostos pelo Placemaking.


PROJETO

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Modificações As principais modificações do local consistem em: 1. remoção do prédio do atual mercado municipal, para a instalação de um novo; 2. fechamento da Avenida Comendador Alfredo Maffei, na parte que fica em frente à Praça do Voluntários, que atualmente funciona apenas para taxi e moto; 3. transferência do comércio popular (camelôs) para o quarteirão da frente, aonde atualmente encontra-se o Magazine Luiza e outros edifícios de menor parte; 4. realocação do Magazine Luiza e comércios próximos, para edifícios vazios da área Central; 5. remoção do atual orquidário municipal, que não funciona como tal; 6. alargamento da calçada.

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A esquerda, esquema de vista área com modificações. Acima, áreas vazias ou sem uso, atualmente, para a realocação dos comércios.


PROJETO

Ideias De acordo com os levantamentos e as diretrizes, foi pensado o que se desejava para cada espaço, de acordo com as necessidades e intuitos. As atividades foram distribuídas ao longo das 4 praças, de modo a promover o uso de todas elas além de sua interação, mas cada uma mantendo uma predominante. Esse esquema de nuvem de palavras ajuda a entender os diversos usos do local, que é um ponto chave para a urbanidade, além de promover experiências diferentes ao longo do percurso pelas praças.

Esquema da área com nuvem de palavras.

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Implantação

1. Praça em Oslo (landezine.com); 2. Food Truck na rua em São Paulo; 3. Yoga no parque (google.com); 4. A’BECKETT URBAN SQUARE, Peter Elliott Pty Ltd Architecture + Urban Design Taylor Cullity Lethlean Landscape Architecture (landezine.com); 5. EDINBURGH GARDENS RAINGARDEN (landezine.com); 6. Praça em Sevilla.

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PROJETO

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Cortes

Corte AA”

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PROJETO

Corte CC’

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Corte DD” 53


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Pespectivas

Praรงa do Mercado.

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PROJETO

Praรงa dos Voluntรกrios.

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Pespectivas

Praรงa da Piscina.

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PROJETO

Praรงa de Esportes.

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Bibliografia AGUIAR, Douglas. Urbanidade e a qualidade da cidade. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 141.08, Vitruvius, mar. 2012. GHEL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013. GHEL, Jan. Novos espaços urbanos. Barcelona: Gemzoe, Lars. 2002. JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins, Fontes. 2000. LIMA, Renata P. O processo de (des)controle da expansão urbana de São Carlos (1857 - 1977). 2007. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de São Carlos. LYNCH, Kevin. The image of the city. Cambridge: The M.T.I Press, 1960. ORTEGOSA, Sandra Mara. Cidade e Memória: do urbanismo “arrasa quarteirão” à questão do lugar. Vitruvius, Arquitextos. SÃO CARLOS (SP), Fundação Pró memória de São Carlos. Praças de São Carlos. Fundação Pró memória de São Carlos: coordenação de Leila Maria Massarão. São Carlos: FPMSC, 2014. TRUZZI, Oswaldo. Café, indústria e conhecimento : São Carlos, uma história de 150 anos. São Carlos. Edufscar, 2008. 58


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