UM CONTRAGESTO NO BRÁS demarcação_territórios de resistência
Trabalho Final de Graduação Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Trabalho desenvolvido por: Juliana Gilardino
Orientadores: Lizete M. Rubano e Angelo Cecco
São Paulo, SP Junho de 2021
UM CONTRAGESTO NO BRÁS demarcação_territórios de resistência
Ao meu pai.
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar. BRECHT, Bertolt. Nada é impossível de mudar.
00. AGRADECIMENTOS
À Marta Bogéa e ao Daniel Corsi por terem aceitado o convite de participar da banca e por oferecerem a nós um trabalho cativante e um brilhante conhecimento. Aos meus queridos orientadores Lizete Rubano e Angelo Cecco, por toda a paciência, aprendizado, troca, parceria e suporte nesse ano de trabalho. Obrigada por abrirem meus horizontes, por me trazerem para a realidade -individual e do país- nas incontáveis conversas. Às professoras e professores da nossa FAU, em especial à Lizete Rubano, Volia Kato, Angelo Cecco, Lucas Fehr, Angélica Alvim, Catherine Otondo, Daniel Corsi, Luciano Margotto, Ricardo Martos e Antonio Fabiano. Por mostrarem a potência do nosso ofício, por politizarem nossos imaginários, pelo afeto, generosidade e parceria nesses anos. Ao Reverendo Professor Jorge Corrêa por me conceder bolsa integral ao ingressar no Mackenzie. Tudo que relato neste trabalho e a própria conclusão desses excepcionais anos que passei na FAU devo ao senhor, por isso e por tanto, meu mais profundo agradecimento. À todas as mãos que construíram e constroem o DAFAM, em especial aos meus parceiros de gestão, Lucas, Camila, Isabella e Marianas. Agradeço por terem me convencido a participar desse turbilhão maior que a gente, sem dúvida foi a experiência mais extraordinária desses 6 anos de faculdade. O DAFAM pulsa vida, paixão, ideias e sede por um mundo mais justo e coerente. A partir dele conheci tanta gente, 9
aprendi mais um tanto e cresci como indivíduo que é, por essência, um ser coletivo. Às amigas e amigos de longa data, aos que cruzaram meu caminho na faculdade, em especial à Cristina, Larissa, Isabella, Victoria, Lucas e Renata. Agradeço pelos papos, noites viradas, angústias compartilhadas, risadas, trocas no bosque, tardes no DAFAM, almoços no Planetas, cervejas no Ceará, enfim... Ao Giovanni, pelo nosso apoio mútuo, por fazer meus dias mais felizes, pela nossa vibração que nos impulsiona a conquistar novos caminhos. Aos meus pilares, Márcia e Carlos, que vieram nessa passagem com tanta força, amor e complexidade, me contemplando com os valores e afetos mais potentes que carrego em mim. Ao Rafael e Lucas que, com personalidades opostas se complementam, caminham juntos desde sempre e me ensinam tanto. Agradeço o apoio incondicional e as belezas que cada um de nós, do seu jeito, tem a oferecer um ao outro.
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SUMÁRIO
00. AGRADECIMENTOS
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01. APRESENTAÇÃO
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02. BRÁS NO PERÍODO DA INDUSTRIALIZAÇÃO
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03. MOVIMENTO OPERÁRIO
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Origem/formação
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Escola Moderna e o ensino libertário anarquista
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Ações/reflexos
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04. BRÁS NO PERÍODO DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
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05. BRÁS EM MUTAÇÃO
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Arte/Cidade Zona Leste
06. CULTURA: FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO SOCIAL
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Brás: caldeirão cultural
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Cultura ou barbárie
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Teatros de grupo e obras cênicas: produção de resistência e forma lúdica pelo viés da arte e da cultura
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07. ARQUITETURA COMO CIRCUNSTÂNCIA
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Um contragesto no Brás: demarcação de territórios de resistência
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Um teatro, uma oficina e percursos possíveis
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08. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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09. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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01. APRESENTAÇÃO
Este Trabalho Final de Graduação nasceu de um desejo: encontrar, através da pesquisa acadêmica, uma possibilidade de transformação social ainda que pontual, na escala da micropolítica. Uma vez identificada, compreender como os agentes a realizam e, por fim, desenvolver um projeto/tese que enalteça e sirva de alicerce para as práticas revolucionárias que já têm sido implementadas pelos agentes, sem a totalidade de condições para tal. Para contextualizar a possibilidade e os agentes identificados é pertinente resgatar três momentos da graduação que me trouxeram até aqui. O primeiro se dá pela minha atuação no movimento estudantil da universidade, em especial nosso Diretório Acadêmico - DAFAM. Durante esses anos pude compreender a potência do trabalho coletivo, a força inerente aos estudantes, e que, a articulação, o engajamento, a troca e o constante fomento de imaginários possíveis e desejáveis são capazes de frutificar transformações absolutamente fabulosas do ponto de vista coletivo e individual. Fazer parte da construção contínua que é o DAFAM alimentou em mim o desejo de outros mundos, que extrapolam e muito, as paredes da FAU e os muros da universidade. O segundo momento veio da necessidade de aprofundar as experiências empíricas que vivi nesses anos no movimento estudantil por meio da pesquisa. Resultando em um processo de estudo a respeito de manifestações sociais e protestos, que designo posteriormente no artigo da Iniciação Científica como insurgências sociais, na cidade de São Paulo durante o período 2013-2020, com orientação da Profa. Dra. Volia R. C. Kato, e 14
apoio do CNPq, intitulado Território das Insurgências: territorializando as manifestações sociais recentes em São Paulo. Durante a produção do artigo pude entrar em contato com a obra e pensamento de importantes teóricos como Milton Santos, Judith Butler, Felix Guattari, David Harvey, Bruno Latour, Henri Lefebvre, André Lepecki, Suely Rolnik, Hannah Arendt e tantos outros. Por fim, o terceiro momento, ainda durante o processo de pesquisa da iniciação científica, se dá no meu envolvimento com o grupo de pesquisa Cultura e Cidade: Teorias e Projeto, sob coordenação da Profa. Dra. Maria Isabel Villac, juntamente com as professoras Volia Kato e Lizete M. Rubano, os professores Lucas Fehr, Edison Ribeiro, Antonio Fabiano, André Balsini e diversos pesquisadores. O grupo conta com alunos da graduação e pós e, há 11 anos, vem conduzindo uma pesquisa que direciona o olhar para os territórios da Barra Funda, Santa Cecília e Campos Elíseos em São Paulo, com a perspectiva de identificar neles processos de uso, apropriação e significação. O grupo visa investigar as relações entre culturas e cidade, de modo a privilegiar suas estruturas físicas “como lugares habitados em tempo transitório e amparo das práticas urbanas como expressões significativas da sociedade na vida cotidiana, em sua elementaridade morfológica” (VILLAC et. al, 2020:02). A ideia de ‘um teatro, uma associação, um coletivo’ tenta anunciar uma aproximação aos equipamentos oficiais, públicos da área, voltados à produção cultural, às entidades não governamentais (de qualquer outro estatuto) que agenciam pessoas em torno de questões gregárias, do fazer junto; e manifestar atuações próprias e criativas de grupos sociais diversos e/ou moradores e aos movimentos ativistas que, ainda que sejam temporários ou cíclicos, ainda 15
que aconteçam uma única vez, trazem - para lugares e pessoas dali – uma experiência nova, uma oportunidade outra de vínculo entre o lugar e os moradores/frequentadores. VILLAC et. al, 2020:06
Ao me deparar com a potência da dimensão cultural como elemento transformador e o trabalho que os teatros de grupo vêm realizando em territórios centrais tão complexos; a densidade das narrativas e a forma como as divulgam, acessando subjetividades por meio da arte em indivíduos das mais variadas classes e contextos; tive a certeza de que apostaria nesse mote como resposta para o desejo inicial deste trabalho. Unindo a experiência de pesquisa que consolidei ao longo da iniciação científica e a participação no grupo de investigação citado, encontro no bairro do Brás um berço que reúne uma rica história de revolução, origem do movimento operário na cidade de São Paulo e detentor de uma rica bagagem cultural, por abrigar povos de nacionalidades e origens diversas e, por ter se consolidado no século XX, como o segundo maior pólo cultural da cidade em número de cinemas e teatros.
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BRÁS NO PERÍODO DA INDUSTRIALIZAÇÃO
A fim de compreender as dinâmicas e agenciamentos que hoje compõem o cotidiano do bairro do Brás em São Paulo, local de interesse desta pesquisa, discorre-se abaixo a respeito dos processos de industrialização e, em um segundo momento de desindustrialização, e seus reflexos nos campos da vida pública e cultural. O processo de industrialização em São Paulo despontou em relação aos demais Estados devido ao comércio cafeeiro que, para produzir e escoar o produto em larga escala, consolidou previamente ao período industrial uma rede de infraestruturas significativas, como ferrovias, portos, sistemas de urbanização e comunicação. Essa vantagem fez com que o Estado concentrasse grande parte das atividades do setor. Entre os anos de 1907 e 1919, o setor industrial de São Paulo passou a ter uma participação no total da indústria brasileira, de 15,9% para 31,5% (CANO, 2007). A mão de obra empregada nas fábricas da cidade no início da industrialização (fim do século XIX e começo do XX) era majoritariamente imigrante, vinda da Europa, sobretudo da Itália. Segundo Leôncio Martins Rodrigues (1969), até 1920 os imigrantes constituíam 95% dos trabalhadores chegados ao estado de São Paulo (apud COGGIOLA, 2015). Ao chegarem no porto de Santos esses imigrantes, em sua maioria pobres e/ou exilados políticos, quando não encaminhados para o trabalho agrícola, passaram a adensar bairros como o Brás, Mooca, Belenzinho e Pari, que concentravam o parque industrial da cidade. Com relação ao aspecto territorial, vale destacar que a localização dessas indústrias era estratégica sob os aspectos econômico, logístico, territorial e social. Os bairros citados acima encontravam-se próximos às várzeas dos rios Taman18
duateí e Tietê, recurso necessário para instalação do setor. A proximidade com as áreas de várzea resultavam em porções de terras alagadiças, portanto com baixo preço de mercado; e tinham conexão direta com a ferrovia, facilitando o escoamento da produção. O terceiro item apontado não é apenas topográfico, mas principalmente simbólico: concentrar a atividade industrial nos bairros destacados significava também separar territorialmente os bairros burgueses dos que viriam a se constituir como bairros operários. Intencionalmente alocados depois do Tamanduateí (barreira física), a elite dominante estabelece uma segregação sócio-espacial na então metrópole cafeeira que ascendia industrialmente (ROLNIK, 1981; SEVCENKO, 1997). Nas primeiras décadas do século XX, nota-se a configuração de um território segregado étnico e operário (ROLNIK, 1981), cuja urbanização e infra-estruturas se deram de forma a conter e explorar a classe trabalhadora que foi alocada na região. Lógica adotada nas fábricas e nas outras esferas da vida operária, como na habitação através das vilas operárias, cortiços e albergues (PEREIRA, 2007). Todavia, com o surgimento das organizações políticas pelo movimento operário, a classe trabalhadora passa a reivindicar o reconhecimento desses espaços no que se refere à constituição de um imaginário identitário e simbólico na cidade (PAOLI, 1991). Entre os anos 1950 e 1970 há um declínio imigratório que é compensado pela migração nordestina em decorrência das secas do nordeste. Inicia-se nesse período o processo de espraiamento do eixo industrial, migrando majoritariamente para a região do ABC, em que serão implementadas novas lógicas de trabalho sob o modelo pós-fordista. Entretanto, os migrantes nordestinos se alocaram sobretudo no Brás (PEREIRA, 2002) que, apesar da 19
transição do parque industrial, ainda se mantinha atrativo para a indústria têxtil e com a ampliação do setor terciário, sobretudo varejista. O movimento operário, tema desenvolvido com maior complexidade adiante nesta pesquisa, a essa altura não possuía tanta força política, diminuindo portanto a politização e mobilização da classe trabalhadora, que passa a sofrer novas ondas de precarização das condições de trabalho. Tanto a segregação territorial quanto a implementação de uma rede urbanística rígida e funcional -seguindo as tipologias fabristinham como objetivo claro afastar os trabalhadores operários e relacioná-los, pela moradia, a esses territórios fabris. Fatores que podem ser observados a partir das estruturas espaciais: quase não há configurações de espaços públicos de qualidade e áreas verdes consideráveis nos bairros em questão, pelo contrário, são altamente adensados e, no que se refere às habitações, o quadro se agrava (Cartografia Cheios e Vazios). As vilas operárias -Vila Maria Zélia, Vila Boyes, Vila Cerealina, Vila Edna- tiveram um investimento que se restringiu somente à construção dos conjuntos no início da industrialização (imagens 01 a 04). Com o aumento do setor e por consequência da classe trabalhadora, as vilas passaram a não mais atender o contingente de famílias operárias. O poder público pouco atuou com o passar das décadas e quando o fez agiu a fim de criminalizar e desocupar cortiços e albergues, sem propor uma alternativa para a infinidade de famílias que residiam nesses espaços. A configuração sócio-espacial imposta ao Brás e o aumento da população ao longo dos anos resultaram em uma demanda própria por serviços e comércio. Esse fator, forjou uma coesão entre migrantes e imigrantes que residiam no bairro pois, tinham pouco contato com a elite e os bens produzidos nos bairros centrais. Além disso, recebiam remunerações tabeladas do patro20
nato, havendo portanto, certa homogeneidade no que se referia ao poder de compra. Assim, desenvolveram uma espécie de centro de redistribuição de mercadorias populares que atendiam o próprio bairro e as regiões fabris vizinhas (SEVCENKO, 1997). Esse cenário favoreceu a constituição de raízes culturais entre os trabalhadores e familiares (paulistas, imigrantes e migrantes), que passaram a compartilhar hábitos, costumes, comidas e fazeres entre si.
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CARTOGRAFIA CHEIOS E VAZIOS
Cheios Vazios privados Áreas verdes *Branco: vazios
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300
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VILA OPERÁRIA MARIA ZÉLIA (01) (02)
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MOVIMENTO OPERÁRIO
Origem/formação
A partir da análise do período da industrialização nos bairros fabris de São Paulo, mais especificamente o do Brás, direciona-se o estudo para o movimento operário que nasceu nesses territórios e seus reflexos, a fim de resgatar este importante marco na história do bairro. Como abordado anteriormente, o processo de formação do operariado brasileiro se deu sobretudo por imigrantes italianos e espanhóis que, ao saírem de seus países de origem, trazem para o Brasil uma experiência sindical prévia (COGGIOLA, 2015). Já empregados nas fábricas, esses estrangeiros passam a viver no território brasileiro sem, todavia, serem reconhecidos como cidadãos, portanto, privados de direitos como o de frequentar escolas públicas (no caso dos filhos), não tinham acesso à saúde pública ou saneamento básico (COGGIOLA, 2015). Observa-se o surgimento da fábrica no Brasil acompanhado por baixos salários e condições de miséria social sob as mais diversas formas. Em decorrência dessa marginalização imposta, esses trabalhadores formaram autonomamente clubes, círculos e associações com o objetivo de unir os operários (imigrantes e brasileiros). Publicações começam a ser desenvolvidas nesse período dando início ao que seria uma união e difusão de conhecimento entre trabalhadores. As publicações operárias do início do século XX foram impressas em três línguas: português, italiano e espanhol. Nesta fase inicial visando, entre outras coisas, “valorizar a palavra ‘operário’ que tinha, no Brasil, um sentido depreciativo” (COGGIOLA, 2015:80).
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Nos pólos industriais, os ideais anarquistas ganham força em decorrência da imigração europeia. Todavia, a fim de respaudar a integração entre brasileiros e imigrantes e a difusão coletiva de conhecimento que teve início nesse período, vale apontar figuras que se tornaram ativistas anarquistas importantes, como “José Oiticica (1882-1957), Maria Lacerda de Moura, anarquista e feminista (1887-1945), Domingos Passos, Florentino de Carvalho (1889-1947), Edgard Leuenroth (1888-1968)” (COGGIOLA, 2015:78), todos eles brasileiros. Nessa fase inicial de formação do movimento operário, o anarquismo e o anarco-sindicalismo representavam tendências majoritárias. As agremiações operárias formam sindicatos e associações nas quais os operários podiam aprender acerca de seu ofício, recebendo auxílio de outros operários e acumulando conhecimentos que lhes permitiam, segundo Paula Beiguelman (1981) “ministrar cursos de ofício que valorizassem o operariado e mantivessem sua autonomia como classe, e, não raro, alfabetizar seus pares” (apud COGGIOLA, 2015:169). Entre as décadas de 1910 e 1920, esses trabalhadores imigrantes trazem consigo estratégias de conscientização da classe operária por meio da cultura e propaganda, de forma escrita e oral: “peças teatrais, livros, conferências, comícios ou festas populares”, sendo a divulgação destas ações “via panfletos e jornais operários, que proliferavam abundantes na época” (ALVIANO, 2011:170). Essas ações de dimensão cultural no cotidiano operário ocorriam nos espaços públicos, visando interagir com o operariado em suas poucas horas de lazer. Todavia, justamente devido ao caráter público de praças e vias, essas ações também estavam à mercê de intervenções pelas autoridades, que con28
sideravam o conteúdo desenvolvido nesses encontros como manifestações ‘subversivas’, sendo muitas vezes reprimidas. Somado a isso, a Igreja Católica também nutria atritos com os anarquistas, pelo fato do movimento libertário ser abertamente anticlerical (ALVIANO, 2011). Em paralelo às repetidas tentativas de minar os encontros entre a classe operária começam a surgir os centros culturais e os sindicatos. Esses espaços possuíam “salas de leitura, onde os alfabetizados liam jornais para os analfabetos” (ALVIANO, 2011:171), espaços amplos para reuniões de militância e para difundir o pensamento anarquista e seus principais autores entre a classe, das mais diversas formas. Tendo em vista a privação de direitos a estes imigrantes, que eram maioria entre os trabalhadores fabris e o resultado positivo dos espaços culturais, são abertas as Escolas Modernas em várias cidades brasileiras, sendo São Paulo a pioneira. Essas escolas foram fundamentais para a difusão do pensamento anarquista na cidade, com destaque para os bairros fabris do início da industrialização.
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Escola Moderna e o ensino libertário anarquista
Para que possamos compreender o que foram e qual a contribuição das Escolas Modernas para a classe trabalhadora é preciso apontar alguns dos pilares defendidos pelos ideais anarquistas. Valorizava-se sobretudo o ideal de liberdade, todavia em oposição ao ideal liberal de liberdade, que privilegia as liberdades individuais, enquanto para os libertários ela é resultante de uma construção social (ALVIANO, 2011). Proudhon (1983) tratava da liberdade enquanto condição para a existência humana, Bakunin nos indica sob que condições: (…) a liberdade de cada um, longe de parar como diante de um marco, diante da liberdade de outrem, encontra aí sua confirmação e sua extensão ao infinito; a liberdade ilimitada de cada um pela liberdade de todos, a liberdade pela solidariedade, a liberdade pela igualdade. BAKUNIN, 1983:28
De modo que o direito à liberdade, do ser e da mente, ainda segundo Bakunin (1983) sem os meios para realizá-la, seria apenas uma quimera. E que nenhum homem é livre sem que aqueles que o cercam sejam igualmente livres, daí a noção de solidariedade alicerçada ao ideal de liberdade. Visto isso, o papel da educação torna-se um dos principais pilares do projeto libertário. A criação de escolas com amplos espaços de discussão e de socialização de conhecimentos pelos anarquistas permite: (...) no início do século XX, a presença de um rico debate sobre os acontecimentos mundiais, 30
o movimento operário e as articulações políticas. Todos os momentos e espaços poderiam ser aproveitados como greves, boicotes, conferências, reuniões e comícios, etc. CALSAVARA, MORAES, 2004:04
As Escolas Modernas fazem parte de um movimento pedagógico de suma importância para a rápida disseminação do movimento anarquista a partir dos anos 1900 pelo mundo. Esse processo deu origem à pedagogia libertária, que surgiu inicialmente em Barcelona, em 1901. Poucos anos depois esse modelo é importado para São Paulo, dando origem às duas primeiras Escolas Modernas do Brasil, a Escola Moderna N°1 (1912) localizada na Rua Saldanha Marinho até 1915, sendo realocada para a Avenida Celso Garcia (de 1915 a 1919); e a Escola Moderna N°2, localizada na Rua Maria Joaquina, ambas no bairro do Brás (MIMESSE, 2009). Sob os moldes das primeiras escolas fundadas na Catalunha, as duas escolas citadas fazem uso da principal característica da pedagogia libertária: autogestão a partir de uma construção social e pela ausência da autoridade. A proposta em questão articulava práticas educativas, espontâneas ou planejadas, com práticas culturais e de lazer, de caráter popular. Fundada por figuras importantes do movimento anarquista como João Penteado, Edgard Leuenroth, Gigi Damiani, Oreste Ristori e Florentino de Carvalho, a Escola Moderna N°1 contou com seis classes distintas, sendo que, as aulas eram ministradas para turmas mistas, sem distinção de gênero (ação pioneira na cidade de São Paulo), e aulas noturnas para adultos (com prioridade para trabalhadores e seus familiares). Para além de matérias básicas os alunos contavam com aulas de 31
geologia, mineralogia, botânica, desenho, caligrafia, entre outros conteúdos (RODRIGUES, 1992). Eram escolas sem exames, sem promoções, sem castigos ostensivos, combinando um currículo convencional com a difusão dos princípios anarquistas. Seus fins e objetivos podem ser resumidos em três itens principais: 1) Libertar a criança do progressivo envenenamento moral que lhe é transmitido através da educação religiosa ou do governo; 2) Desenvolver junto à inteligência a formação do caráter, apoiando toda a concepção moral sobre o valor da solidariedade; 3) Permitir que o professor trabalhe com autonomia e dinamismo não escondendo verdades científicas e não falseando a história. CALSAVARA, MORAES, 2004:06
Há de se ressaltar a estratégia adotada: tendo a consciência de classe como elemento central para atingir a revolução desejada pelo movimento anarquista, reconhecia-se que para atingi-la era necessária a instrução, no campo da educação e da cultura, de trabalhadores e familiares, para que qualquer atuação social repercutisse algum efeito contundente, até então monopolizados pelas classes dirigentes. Portanto, a instrução era necessária para “melhor reivindicar, ao mesmo tempo em que era necessário reivindicar para poder estudar mais” (CALSAVARA, MORAES, 2004:05).
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Sendo assim, os programas de alfabetização para os trabalhadores operários e suas famílias foram essenciais para o desempenho do movimento operário naquele período. Prova disso evidenciada nos jornais operários da época, que publicavam editoriais estimulando os operários aos estudos: Trabalhadores! Alquebrados pelo exaustivo trabalho de oficina, do campo ou da rua; privados de recursos mínimos, famintos no meio da opulência; mistificados pelo padre, iludidos pelos velhacos, perseguidos, encarcerados, (...) deveis necessariamente velar pelo desenvolvimento intelectual de vossos filhos, a fim de impedir a todo custo que neles se inocule o veneno da resignação aos sistemáticos vexames, as costumeiras infâmias. O Amigo do Povo, janeiro 1910 apud ALVIANO, 2011:173
Neste mesmo jornal, em outras edições, há registros de convites para palestras e conferências. O cerne de atuação do movimento anarquista consistia em montar uma fortaleza cultural que resistisse às formas de opressão da classe dominante. Para isso, a preservação cultural dos alunos, crianças e adultos, era tão essencial quanto a atuação na militância do movimento operário em si. Para tanto, valoriza-se as possibilidades educativas presentes no cotidiano. A chamada ‘educação informal’ estava presente nos eventos de lazer, festas populares, “momentos de greve, na boicotagem, na sabotagem, nas manifestações dos trabalhadores, na sua ação dia-a-dia a caminho da revolução social” (CALSAVARA, MORAES, 2004:03).
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Outra ferramenta fundamental na estratégia adotada era o uso da propaganda que, além de servir como instrumento de convite e divulgação das ações realizadas, exercia outras duas funções importantes: a de difundir o pensamento anarquista de importantes pensadores em uma linguagem mais palatável e simplificada para os trabalhadores, e a de amarrar as ações realizadas pelo movimento (dando visibilidade às ferramentas teóricas e práticas). Tem-se o registro de muitas publicações anarquistas e anarco-sindicalistas - jornais, livros e panfletos - que a princípio surgiam e desapareciam em decorrência da escassez de verba, pois sustentavam-se com contribuições dos próprios militantes. Edgard Carone (1979) cita alguns dos principais jornais operários: O Socialista (1896), O Protesto (1899), O Grito do Povo (1899), Avanti (1901), A Batalha (1901), O Amigo do Povo (1902), O Libertário (1904), O Trabalhador (1904), A Terra Livre (1905), A Voz do Trabalhador (1908) e A Plebe (1917). Além de outros tantos que poderiam ser citados: O Boi, O Alfa, Folha do Braz, O Trabalhador Gráfico, Portugal Moderno, A Lucta Proletária, A Folha do Povo, A Lanterna, A Guerra Social, O Combate, A Capital, Spartacus, Romance Jornal, A Noite, Ação Libertária e Ação Direta.
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A criação, implementação e difusão da pedagogia libertária se deu num curto período de tempo (1900-1930) mas, apesar de objetiva e amarrada às práticas militantes, ocorreram de forma experimental, com verba limitada e foram confrontadas por grande oposição por parte das autoridades. Sendo assim, resguarda-se aqui ressalvas e dificuldades de alcance e disseminação dessa pedagogia. Longe de abarcar a demanda total dos trabalhadores no âmbito do ensino, as Escolas Modernas tiveram, entretanto, um importante papel na organização e amadurecimento das correntes anarquistas e anarco-sindicalistas na cidade de São Paulo no início do século XX.
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Ações/reflexos
Para além da estruturação que vinha se consolidando nesse período, ou seja, o crescimento do movimento operário organizado, o processo lento de conquista de consciência de classe e politização das condições de vida e trabalho se relacionam com a identificação de “características apolíticas de classe, como a forma de agir, de vestir e até mesmo com as atividades sociais típicas” (BIJOS, MENDES, 2012:94). A interação e trocas ocorriam também nas ruas, teatros, cinemas, bares, guetos e vilas operárias. São Paulo passa a despontar nacionalmente no setor industrial ao passo que, no chão das fábricas, os trabalhadores (homens, mulheres e crianças) viam-se recebendo baixos salários, sujeitos a condições laborais precárias. Segundo Coggiola (2015:82), “entre 1914 e 1923, o salário havia subido 71% enquanto o custo de vida havia aumentado 189%; isso representava uma queda de dois terços no poder de compra dos salários”. Ou seja, o salário médio de um operário era de 100 mil réis, a medida que, o consumo básico de uma família com dois filhos atingia 207 mil réis. O trabalho infantil generalizado se fazia ‘necessário’ dada a condição de exploração máxima dos indivíduos. Nesse período o movimento operário estava mais estruturado, dando início a uma onda de manifestações e greves por toda a cidade. Para que tenhamos noção do que foi o movimento grevista e seu alcance aponta-se alguns dados referentes aos números totais de greves realizadas entre 1900 e 1920. Segundo Boris Fausto (1979) “111 greves operárias foram realizadas no Brasil, entre 1900-1910; e 258 no período de 1910-1920, excluindo a 42
conjuntura 1917-1918” (apud COGGIOLA, 2015:82). Ele exclui os dados de 1917 e 1918 pelo fato desses anos terem sido atípicos no que se refere à ação e mobilização do movimento operário. Veja, somente nesses dois anos, com dados restritos a São Paulo e Rio de Janeiro, Fausto registra a “ocorrência de mais de 200 greves operárias, com participação direta de cerca de 300 mil trabalhadores” (p.82).
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A Greve Geral de 1917 (São Paulo), e as Greves de 1918 (Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul), representaram o momento de maior força do movimento operário, causando grandes impactos de escala local e nacional. Cabe salientar que o ano de 1917 representa um marco mundial devido a uma série de protestos, motins e greves sem precedentes, cujo maior expoente foi a Revolução Russa em outubro daquele ano. Ao passo que o movimento cresceu e ganhou relevância rapidamente, a resposta do governo se deu de forma mais incisiva, reprimindo os trabalhadores através da polícia, tropas militares e até da Marinha de Guerra. De modo geral os trabalhadores reivindicavam “aumento de salários, proibição do trabalho infantil, jornada de oito horas, garantia de emprego e direito de associação” (COGGIOLA, 2015:83).
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(...) que sejam postas em liberdade todas as pessoas por motivo de greve; que seja respeitado do modo mais absoluto o direito de associação para os trabalhadores; que nenhum operário seja dispensado por haver participado ativa e ostensivamente no movimento grevista; que seja abolida de fato a exploração do trabalho dos menores de 14 anos nas fábricas, oficinas, etc.; que seja abolido o trabalho noturno das mulheres; que o pagamento dos salários seja efetuado pontualmente, a cada 15 dias e, o mais tardar, cinco dias após o vencimento; que seja garantido aos operários trabalho permanente; jornada de oito horas (...) Periódico A Plebe, julho 1917 apud COGGIOLA, 2015:83 (19)
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Em 9 de julho de 1917, operários protestavam em frente à fábrica Mariângela, no Brás, pelos motivos citados acima, quando uma cavalaria da polícia militar foi lançada sobre os manifestantes. Um jovem militante anarquista espanhol, José Martinez, foi morto pisoteado. “Seu funeral atraiu uma multidão que atravessou a cidade acompanhando o corpo até o cemitério do Araçá onde foi sepultado” (COGGIOLA, 2015:82). Em resposta ao assassinato do jovem os trabalhadores da indústria têxtil Cotonifício Crespi (Mooca) entraram em greve, bem como de outras fábricas e bairros operários na sequência. A paralisação passou a reverberar em toda a cidade, “armazéns foram saqueados, bondes e outros veículos foram incendiados e barricadas foram erguidas em meio às ruas” (COGGIOLA, 2015:83), interrompendo as produções, abastecimento e funcionamento da cidade. Em questão de semanas as greves atingiram a área portuária e o interior, mobilizando cerca de 70 mil trabalhadores. Um dos eventos mais singulares daquele ano ocorreu no antigo Hipódromo da Mooca, localizado no Brás. Relatos de Edgard Leuenroth (1968) contam que multidões chegavam de todos os pontos da cidade, como verdadeiros caudais humanos, em busca do local que, durante décadas, recebeu e abrigou somente a burguesia (apud CATALLO, 1968). Apesar da reverberação das mobilizações na cidade e fora dela como citado, as greves mais relevantes concentraram-se nos bairros industriais. A massa de grevistas nesses bairros chegou a cerca de 50.000 pessoas em uma cidade de 400.000 habitantes, ou seja, 12,5% da população total (BIONDI, 2010). Tamanha foi a ação dos operários que a legislação passou a tratar como crime ações anarquistas. O governo passou a exilar estrangeiros envolvidos com a ideologia anarquista, brasileiros eram presos e humilhados em público. No governo de Artur Bernardes há um aumento da repressão, a censura à imprensa proletária interrompe a circulação 46
dos periódicos, praticava-se torturas àqueles envolvidos com o movimento, e assassinatos tornaram-se condutas frequentes (COGGIOLA, 2015). Diante do cenário inflamado por toda a cidade, o governo e a elite acatam parte das demandas da classe operária, como discorre Osvaldo Coggiola: Os patrões deram um aumento imediato de salário e prometeram estudar as demais exigências. A grande vitória foi o reconhecimento do movimento operário como instância legítima, obrigando os patrões a negociar com os proletários e a considerá-los em suas decisões. Em 1918, a Câmara dos Deputados criou a Comissão de Legislação Social, encarregada de redigir leis específicas de proteção aos trabalhadores. Entre essas leis incluíam-se as de acidente de trabalho e as de férias remuneradas. COGGIOLA, 2015:85
Com a conquista das pautas mais latentes da classe e a desarticulação promovida pelo Estado (prisões, assassinatos e exílio de lideranças), o movimento anarquista perde força, abrindo espaço para correntes do socialismo marxista. Nesse momento parte do viés revolucionário se perde, dando início a uma nova fase do movimento operário: a reformista. Com a criação da Comissão de Legislação Social na Câmara dos Deputados, nota-se o enfraquecimento dos conselhos operários e a consolidação dos partidos e sindicatos (como a criação do Partido Comunista Brasileiro – PCB em 1922) que, se infiltram “nas estruturas de poder por meio da universalização do voto e do sistema representativo, elegendo seus representantes para os Parlamentos” (BIJOS, MENDES, 2012:91).
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Foi no governo de Getúlio Vargas que o movimento anarquista revolucionário ruiu, dada a criação dos sindicatos controlados pelo Estado e o aprofundamento das perseguições políticas. Vargas governou por meio do intervencionismo totalitário, vertente oriunda da Itália fascista. Fazendo-se uso do corporativismo sindical, regulamentou uma única instituição sindical para representar oficialmente a categoria e implementou a contribuição sindical compulsória, minando a existência dos demais sindicatos (BIJOS, MENDES, 2012). De modo geral, nas décadas seguintes o movimento operário sofreu, em todo o mundo, os efeitos desagregadores da globalização. A chegada do modelo pós-fordista e das multinacionais no Brasil no governo de Juscelino Kubitschek, bem como o capital especulativo enfraqueceu as mobilizações sindicais. O processo de terceirização no setor industrial e o deslocamento constante da produção para outras regiões, estados ou até mesmo países promoveu uma dissolução do modo de trabalho nas fábricas, passando a focar cada vez mais nas especializações, estratificando a cadeia produtiva. Durante o governo de Jânio Quadros houve um fortalecimento dos partidos de esquerda como o PCB, que passaram a exercer maior influência sobre o movimento sindical. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT) conseguiu mobilizar trabalhadores realizando greves, inclusive, duas importantes Greves Gerais em 1962 e 1963. Após a renúncia do presidente, seu vice João Goulart, é visto como uma ameaça socialista ainda maior ao prometer implantar as chamadas reformas de base, como a reforma agrária e reforma educacional. Os setores mais conservadores, proprietários de terra, industriais e a classe média apoiam o golpe militar a fim de evitar a concretização das propostas. 48
Durante a ditadura militar, os partidos e sindicatos representativos dos trabalhadores foram proibidos de atuar. Houve uma perseguição dos líderes sindicais e no lugar dessas lideranças foram nomeados interventores federais, de modo que o Estado tivesse novamente controle dos principais sindicatos do país. Com o AI-5 as greves foram proibidas, as negociações com o patronato passaram a ser intermediadas pelo Ministério do Trabalho e “os reajustes salariais passaram a ser determinados anualmente, controlados pelo governo” (BIJOS, MENDES, 2012:109). Em resposta a repressão surge em 1974 um ‘novo sindicalismo’, movimento contrário ao regime militar, à política econômica do governo, em defesa da negociação direta com o patronato, e pela liberdade sindical. Dessa vez o berço de origem é a região do ABC paulista. Recém organizado realizam greves notáveis em 1978 e 1979, com milhares de trabalhadores e, ressaltando que tiveram boa parte de suas reivindicações atendidas. Há de se destacar que, de modo geral, nos anos 1980, o mundo sofreu uma crise do sindicalismo. No Brasil, todavia, em decorrência do mercado ainda ser fechado ao comércio mundial, os sindicatos conseguiram mobilizar as categorias. Tamanha foi a retomada da mobilização da classe operária que assistimos a ascensão no início dos anos 1990 de um sindicalista à Presidência da República, sendo eleito em 2002. Luiz Inácio Lula da Silva vem do movimento sindical do ABC e aproxima os sindicatos ao Estado. Entretanto, ainda que se reconheça como uma vitória dos trabalhadores a eleição de Lula, com todas as benesses que isso trouxe à categoria durante o governo do Partido dos Trabalhadores, é importante frisar que esta segunda onda do movimento operário, se forja no reformismo. Por esse fato, entende-se que o movimento tem pautas específicas e está umbilicalmente ligada ao Estado e a maneira como ele funciona, ou seja, não se trata mais de um movimento revolucionário. 49
Os sindicatos e os partidos políticos forjados pela classe operária para a sua própria emancipação tornaram-se reguladores do sistema, a propriedade privada de dirigentes que trabalham em prol de emancipações particulares e encontram um status dentro da classe dirigente de uma sociedade que eles jamais pensam em colocar em questão. INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2002:51
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BRÁS NO PERÍODO DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
A partir dos anos 1980 há um movimento de desconcentração industrial nos bairros que abrigavam o setor (Brás, Mooca, Belenzinho e Pari), que acabou migrando, sobretudo, para a regiões da Zona Leste, Sul e ABC. Em decorrência dessa desconcentração há -nesse período- um decréscimo populacional, uma redução dos postos de trabalho na área central em aproximadamente 36% (OLIVEIRA, 2014), a deterioração física e o esvaziamento dos galpões e instalações fabris nos bairros industriais do centro. Somado a isso nota-se a ampliação do setor terciário em toda a cidade, resultando em uma grande reconfiguração desses territórios. Novas atividades econômicas surgem no Brás, como o comércio varejista e atacadista, e a indústria de confecção (OLIVEIRA, 2014), que passam a ocupar parte das construções pré-existentes, adaptando-as, ou demolindo-as e construindo novas edificações. A terceirização e a precarização nas condições de trabalho inflam o ‘colchão’ da informalidade, notando-se uma significativa tomada das ruas do bairro pelos ambulantes e camelôs, que ressignificam o espaço do carro com seu ofício improvisado (Cartografia Trabalho). Entre as décadas de 1980 e 1990, novos grupos migram para esses bairros. Coreanos e bolivianos se sobrepõem em número aos nordestinos e europeus, criando nos bairros do Brás e do Pari uma feição multicultural potente (ROLNIK, 1981). Todavia, essas populações encontram-se, em sua maioria, empregadas e/ ou subempregadas no trabalho informal e precário como ambulantes, vendedores e costureiras. No início da década de 1990 na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1992) foi criada a Operação Urbana Parque Dom Pedro II, no Brás, visando à reurbanização do parque. Também foi realizada a transferência da sede da prefeitura do Parque Ibirapuera para o Palácio das Indústrias, indicando 52
uma inversão de prioridades da nova gestão, que visava colocar as áreas até então marginalizadas, no centro das políticas públicas para a cidade, bem como a população mais pobre. Esse fato também pode ser observado nos estudos e propostas da então ministra da cultura do governo Erundina, Marilena Chauí (1989-1992). Em seu texto Cultura política e política cultural (1995) ela apresenta os seguintes princípios norteadores da pasta: direito de acesso e fruição dos bens culturais e informação; direito à criação cultural; direito a reconhecer-se como sujeito cultural; direito à participação nas decisões públicas sobre cultura; prioridade a programas de compreensão crítica da sociedade e da história brasileiras; e expansão da rede de serviços culturais às camadas populares. Do ponto de vista das prioridades, tratava-se de definir políticas públicas para as áreas de saúde, moradia, educação, transporte, alimentação, cultura e direitos das minorias, numa cidade que recebe anualmente cerca de 150 mil migrantes pobres e, além de sofrer os efeitos da recessão reinante no país, está passando por uma mudança profunda, pois começa a deixar de ser um centro industrial para tornar-se um centro de serviços. CHAUÍ, 1995:71
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CARTOGRAFIA TRABALHO
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Fábricas e galpões em funcionamento Comércio ambulante regularizado Fábricas antigas Ruas - maior frequência de ambulantes Ruas - maior frequência de ambulantes
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02 01
CARTOGRAFIA TRABALHO_legenda:
FABRICAS ANTIGAS TOMBADAS: 01. Armazéns gerais Piratininga Mooca - Rua da Mooca, 1483 02. Fábrica Labor - Rua da Mooca, 775 03. Antigos Armazéns Ernesto de Castro (projeto Ramos de Azevedo) Rua André de Leão com a Palmorino Mônaco 04. Edifício Tecelagem de Seda Ítalo-Brasileira - Rua Joli, 179 05. Edifício Tecelagem de Seda Ítalo-Brasileira - Rua Joli, 294 06. Moinho Matarazzo e Tecelagem Mariângela - Rua da Alfândega 07. Moinho Matarazzo e Tecelagem Mariângela - Rua Correia de Andrade, 167 08. Moinho Matarazzo e Tecelagem Mariângela - Rua Moreira Sampaio, 127 09. Moinho Matarazzo e Tecelagem Mariângela - Rua do Bucolismo 10. Moinho Matarazzo - Rua Monsenhor Andrade com a Bucolismo 11. Armazéns Gerais e Depósitos Pátio do Pari - Largo do Pari FABRICAS ANTIGAS: 28.Antiga fábrica Metalúrgica Mar - Rua Carneiro Leão FABRICAS HOJE: 13. Zelo Fábrica - Rua Caetano Pinto, 129 14. Beco das Fábricas - Av. Rangel Pestana, 2071 15. Primeira Hora Confecções - Rua Dr. Carlos Botelho, 81 16. Fábrica de Loja - Rua Miller, 618 17. Semer Indústria Comércio Calçados - Rua Monsenhor Andrade, 1135 18. Covolan Têxtil Showroom - Rua Xavantes, 719 19. New Tênnis Indústria & Comércio - Rua Jairo Góis, 33 20. Natalai Shoes Indústria Comércio - Rua Cavalheiro, 103 21. Pucci Smokovitz Comércio Calçados - Rua Cavalheiro, 252 56
22. KHERS - Máquinas de estamparia, bojo e Facas para chinelo - Rua Monsenhor de Andrade, 123 23. Confecções femininas - Rua Oriente, 134 24. LJ Confecção - Rua Monsenhor de Andrade, 987 25. Dittoni Comercial confecção - Rua Rodrigues dos Santos, 100 26. Confecções de Roupas Global - Rua Conselheiro Belisário, 392 27. Souza & Cambos Confecções - Rua Mendes Junior, 430 AMBULANTES (O QUE VENDEM): Frutas; Amolam alicates e facas; Pipoca; Milho e similares; Açai; Roupas e acessórios de vestuário; Sapatos/tênis; Perfumes; CD’s e DVDs; Sucos naturais; Tapioca; Água de coco; Balinha de coco/doces; Salgadinhos e doces; Eletronicos e bijuterias; Pimentas; Cigarro/tabacaria; Brinquedos; Ursinhos de pelúcia; Panelas/artigos de cozinha; Artigos para cachorros; Mochila.
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Todavia, em 1997, a gestão do prefeito Celso Pitta (19972000) volta a implementar políticas que minam a possibilidade de constituir espaços públicos, democráticos e de lazer no bairro do Brás. Por meio do ‘Projeto Dignidade’ o governo tinha a intenção de “limpar” o centro da cidade com a “expulsão de cerca de 2000 camelôs, meninos de rua, mendigos e desocupados da praça da Sé” (FOLHA DE SÃO PAULO, 17 out. 1997). O projeto de revitalização higienista do então prefeito foi executado repetidas vezes pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) e pela Polícia Militar. A proposta consistia na remoção dessas populações da Praça da Sé para o bolsão do largo da Concórdia, no Brás, realocando por sua vez os camelôs ali já instalados (alguns há mais de 10 anos) para o bolsão do metrô Brás, isolado do fluxo de pessoas (PEREIRA, 2007). Verônica Sales Pereira (2007) discorre a respeito dos reflexos do projeto em questão: Neste contexto, o bairro do Brás ao longo de 1998 emergiu como um verdadeiro campo de batalha entre a força policial e os ambulantes, com confrontos de rua, fechamento das lojas, interrupção do trânsito e tombamento dos carros de fiscalização municipal. Desde prisões até ferimentos à bala fizeram parte desses episódios, que culminaram com uma greve de fome dos ambulantes, a reabertura de uma CPI a partir de denuncias dos ambulantes do Brás, - que apontavam um esquema de corrupção que envolvia a prefeitura, alguns vereadores e a Associação Comercial do Brás (Acob) e cuja repercussão foi nacional -, até atentados e assassinatos de lideranças sindicais. PEREIRA, 2007:02
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Num dos protestos, pneus velhos foram roubados na madrugada por membros do sindicato. No início da manhã, às 6:25, os grupos colocavam rapidamente os pneus nas ruas centrais do bairro. Às 6:30 o estouro de um rojão era o aviso para que cada grupo posicionado em cada rua incendiasse os pneus. Ao mesmo tempo, os associados ligavam do orelhão para a imprensa. Faziam então passeata até a Praça da Sé, e depois retornavam ao Palácio das Indústrias, no Brás, sede da prefeitura, quando acampavam em frente. O cheiro dos pneus queimados e a fumaça, chegavam até à sede da Prefeitura. Isso tudo para que a polícia não chegasse antes e impedisse a paralisação do trânsito e a passeata. PEREIRA, 2007:07
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É inevitável traçar um paralelo do episódio narrado por Verônica Sales Pereira (2007) com as greves do movimento operário em sua fase anarquista. A temporalidade do bairro mobiliza novamente as ruas, invertendo a estruturação espacial dominante. As estratégias se repetem, barricadas novamente são erguidas em meio às ruas. Ruas que são de uso prioritário dos automóveis, passam a receber as pessoas que se manifestam; o tiro de rojão que dá início à manifestação mescla-se com o tiro da arma que tenta dispersá-la; pneus que fazem os carros andarem são incendiados bloqueando sua passagem. Afonso José da Silva, presidente do Sindicato dos Camelôs, liderança das manifestações contrárias ao Projeto Dignidade, dá luz aos significados subjetivos do conflito em questão. Ele reconhece o trabalho como elemento central na construção da identidade política e encara o projeto elaborado pela Prefeitura em parceria com a Associação Comercial do Brás (Acob) como uma tentativa de minar a possibilidade 60
de florescimento de sujeitos que estejam à margem do padrão pré estabelecido por setores econômicos hegemônicos . O conflito expressava uma dupla exclusão, “a do mercado formal de trabalho e da própria rua” (PEREIRA, 2007:02). A realocação desses trabalhadores para os bolsões representava, para Afonso, um “confinamento” dos camelôs, uma tentativa de varrer o problema para debaixo do tapete, invisibilizá-lo. A institucionalização dos ambulantes por meio da organização sindical não bastou para que fossem reconhecidos enquanto sujeitos, com direito ao espaço público e tivessem seu trabalho legitimado pelo próprio Estado. Dado o autoritarismo do poder público, a manifestação dos ambulantes configura uma forma de dar visibilidade às suas reivindicações, mas, sobretudo à sua própria existência enquanto sujeito coletivo (ARENDT, 2007).
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MAHARISHI SÃO PAULO TOWER
Ainda na gestão de Celso Pitta, dentro do escopo dos grandes projetos globais como as obras viárias e ferroviárias que rasgam o tecido urbano da região, propõe-se a construção de uma mega-torre no Pari. O projeto da São Paulo Tower foi anunciado em 1999 e rapidamente suspenso por razões financeiras, urbanísticas e políticas óbvias. A proposta abarcava uma mudança de escala e gabarito brutal, tratando-se de um “grande complexo dotado de infra-estrutura autônoma e a reconfiguração urbanística de toda a região” (BRISSAC, 2011). O projeto é do escritório de arquitetura Minori Yamasaki, o mesmo do World Trade Center, e tratava-se de uma pirâmide de 108 andares -150 metros de altura-, “abrigando centro de convenções, museus, shopping center, teatros, restaurantes, escritórios, hotel e apartamentos, por onde circulariam diariamente 80.000 pessoas” (BRISSAC, 2011). O custo do empreendimento era de U $1,65 bilhão e seria financiado por uma parceria entre o Maharishi Global Development Found e grupos nacionais (Brasilinvest). Além da metragem do projeto, o escritório previa ainda a instalação de 1,1 milhão de m² de área verde e a instalação de uma linha férrea expressa que se ligaria ao aeroporto internacional da cidade. A torre seria implantada sobre a Zona Cerealista e dezenas de quarteirões adjacentes, o que implicaria em uma profunda transformação nos padrões de ocupação social da área central. A repercussão midiática da construção do mega-edifício, na época, foi tamanha que resultou em debates a respeito de conjunto de medidas visando a flexibilização dos marcos regulatórios a fim de
implementar o projeto. O papel da administração pública nesse contexto passa a ser o de “estrategista para a implementação de empreendimentos privados internacionais” (BRISSAC, 2011).
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LEGENDA:
Edifícios:
Sistema viário:
Maharishi Tower
existente - a permanecer
Vastu 2
proposto - em nível proposto - elevado
Estacionamento
proposto -rebaixado/túnel
Imóveis tombados Área de intervenção do empreendimento
Sistema de transporte coletivo: VLP - em obras VLP - proposto em nível VLP - proposto subterrâneo VLP - prolongado metrô - proposto linha 1 linha 2
MAHARISHI SÃO PAULO TOWER ESTUDO DE IMPLEMENTAÇÃO DO EMPREENDIMENTO
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A somatória de fatores que estavam transformando os bairros fabris do centro -migrações, redução populacional, instalações ociosas, novas formas de trabalho e ocupação do território- fez com que os marcos regulatórios (PDE/2002, PDE/2014, LPUOS/2016) estabelecessem gradualmente novas diretrizes para essas regiões, favorecendo a ação do mercado imobiliário nos bairros em questão. Os eixos de estruturação favorecem o adensamento vertical da região, que também é atraída pela disponibilidade de grandes lotes ociosos para compra. Ao serem desocupados, podem ser transformados em térreos-clubes privados para os empreendimentos imobiliários. Outro fator de interesse do mercado se dá pela boa oferta de transporte público e acesso aos eixos viários que cruzam a cidade -avenidas Radial Leste, Marginal Tietê, Salim Maluf e do Estado- (OLIVEIRA, 2014). No lugar das fábricas, galpões, casas de vilas e cortiços, surgem prédios para população de renda média e alta (padrão condomínios-clube) e grandes templos religiosos. Nasce uma nova lógica e agentes que passam a compor as novas estruturas de dominação, como a das igrejas evangélicas, muito presentes no bairro. Sob esse novo paradigma, é criado no território novas segmentações. Dispositivos -guaritas, clausuras, portões, câmeras de segurança, muros- que ratificam a discriminação espacial e social, ou seja, que controlam o acesso, de modo a evitar o encontro casual de populações diversas (BRISSAC, 2002). O chão da fábrica dá lugar ao espaço de lazer privado e elevado na cota criada, os muros (que também existiam nas tipologias fabris para proteger bens) agora são usados para proteger pessoas de outras pessoas, consideradas inferiores, marginais. Nessa 65
nova forma de adensar a cidade, mecanismos de separação e segmentação da multidão se concretizam por meio do espaço construído. Como afirma Brissac no manifesto do ARTE CIDADE ZONA LESTE, as novas lógicas configuram “um sistema de barricadas que constitui espaços cada vez mais protegidos, reconfigurando por completo as dimensões do público e do privado na cidade” (BRISSAC, 2002:31). Ainda nesse contexto, surge a dificuldade de identificar, no que há de remanescente, as relações sociais, urbanas e de memórias restantes nesse território. Ou seja: (...) a leitura da estratificação histórica para além da materialidade, buscando perceber, na dinâmica dos usos e vocações, pontos de contato com as atividades passadas, não necessariamente na manutenção de funções fabris, mas na ambiência característica que induz determinadas formas de apropriação e leitura coletiva desses espaços. RUFINONI, 2016:232
É preciso destacar que a existência das antigas tipologias que fazem parte da história do Brás (fábricas, galpões, casas geminadas e lindeiras à rua, cortiços e vilas), para além de uma arquitetura de outra época, validam e reforçam os acontecimentos históricos e a memória do bairro. Preservar determinadas arquiteturas, configurações de quadra e vilas, espaços públicos auxiliam na preservação e na contínua construção das identidades desse bairro, tornando-o, portanto, distintos de outras regiões da cidade e, ao mesmo tempo, similar aos bairros originalmente industriais. Isso faz com que a cidade seja palco de formações múltiplas, cada qual com seus símbolos e códigos. Veja, não se trata de congelar o espaço no tempo ou zelar pela integridade total des66
ses territórios, pelo contrário. O território urbano tem um fator de transformação volátil, visto que a sociedade metropolitana está em constante mutação. Todavia, para que se possa projetar um futuro, se faz necessário conhecer o passado e compreender as necessidades do presente. A leitura desses símbolos e códigos nos permite um entendimento mais fidedigno das mãos que construíram nossa história, nos permite compreender quem somos e de onde viemos. É no lugar que reside nossos feitos, nossa rotina, onde as relações e trocas acontecem, onde criamos nossos vínculos, afetos e saberes. A confluência de populações, operários e comerciantes, migrantes e imigrantes no bairro do Brás evidencia um caldeirão de histórias individuais e experiências que constituem o testemunho de um tempo coletivo (BOSI, 1994). Identificar a existência dessas memórias individuais nos possibilita tecer um imaginário coletivo, ainda que imaginado, a respeito do bairro. Ou ainda, segundo analistas como Norbert Elias (1989) e Foucault (1986), entende-se que fatores externos, de natureza socioambiental, são capazes de intervir na formação das identidades dos sujeitos. Esses fatores geralmente são interiorizados e as identidades passam a ser entendidas como expressões compostas de intersubjetividades, na qual a fronteira entre fatores intervenientes externos e internos tornam-se impossíveis de decifrar (FORTUNA, 1997). Carlos Fortuna (1997), a partir do pensamento de Schumpeter (1942), aborda a ação de ‘destruição criadora das identidades’, como sendo aquela de contínua “reelaboração dos critérios de autovalidação pública dos sujeitos, variável de acordo com a multiplicidade de situações sociais do cotidiano, e as transformações econômicas, políticas, científicas e culturais que caracterizam as sociedades contemporâneas”, acarretan67
do em um contínuo “reajustamento das matrizes identitárias dos sujeitos” (FORTUNA, 1997:02). Esse reajustamento, por sua vez, está vinculado ao modo como os sujeitos se relacionam com o tempo, ou seja, suas “referências ao passado e à memória quer pessoal, quer coletiva” (p.04), e, com o espaço, imediato ou representado, em que interagem. Ainda segundo o autor, é da relação dos sujeitos com os lugares históricos da cidade que eles (sujeitos) retiram “elementos para dar sentido a seu próprio lugar no mundo contemporâneo” (p.04). Oposta às categorias de ‘real’ ou de ‘racional’, a percepção imaginativa e fantasiosa do passado não alcançou nunca o estatuto ontologicamente mais autêntico que atribuímos ao ‘presente’, no qual somos convidados a viver, ou do ‘futuro’, no qual somos aconselhados a ter fé. Marginalizados, o passado e a memória tornaram-se um risco. Por isso, pensar o passado é um risco. Recordar transporta-nos para outro tempo e, desse modo, para outro lugar. É nisto que reside o perigo da memória. Se o tempo é um lugar, o passado é uma terra distante e o nosso receio, uma fuga ao confronto com o outro. Esta, por sua vez, uma fuga ao encontro conosco próprios. FORTUNA, 1997:11
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BRÁS EM MUTAÇÃO
Dado o contexto prévio resultante de todo o processo de desindustrialização do bairro, busca-se aqui dar luz ao Brás atual, que se encontra em mutação constante. Este bairro industrial, berço do primeiro movimento operário paulistano, do qual discorreu-se até aqui, parece ter um prazo de validade. A globalização, o processo de terceirização e consequente avanço acelerado do capitalismo transformam regiões em um tempo que o urbanismo não tem conseguido acompanhar. Como resultado notamos uma intensa e contínua reorganização urbana, gerando instáveis territorializações. Dentro do escopo acelerado de transformações desses territórios nota-se a lógica agressiva de adensamento que vem sendo aplicada pelo mercado imobiliário. Nos últimos 20 anos, somente no bairro do Brás, a ação do mercado imobiliário foi responsável pelo lançamento de mais de 3.000 unidades habitacionais com empreendimentos em sua maioria de um e dois dormitórios (32% e 40% respectivamente) (OLIVEIRA, 2014). Em pesquisa realizada em sites de compra e venda de imóveis como Imóvel Web, ZLimóvel, Fit Casa e Vivareal levantou-se 30 imóveis, com um valor médio de compra de R$ 328.300,00 -excluindo o valor de condomínio. Dos imóveis levantados destacam-se repetidas vezes as seguintes construtoras: Gafisa, Ao Cubo, Econ, Eztec, Living e Tegra. Tais empreendimentos, após licitados e aprovados, são construídos em cerca de 18 meses, resultando em um processo de apagamento das pré-existências desses bairros em transformação. Para melhor compreensão vale destrinchar como essa forma de adensamento é implementada na cidade. Para além da lógica da produção de mercadoria, essas obras de edifícios no Brás acabam por impor ao bairro outro padrão de paisagem, espaço público e população. Ao retirar o insumo formador das subjetivi70
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dades individuais e coletivas, como a dimensão concreta da nossa história (pré-existências, usos e parcelas da população local), essa lógica de reurbanização afeta diretamente a cultura local, nos tornamos seres sem um passado latente e reconhecível, portanto, inviabilizados de atuar de forma consciente no presente e, incapacitados a imaginar um outro futuro que não aquele que nos é imposto. Assim, torna-se mais fácil a manipulação de populações que, sem as condições de agir, ficam à mercê das lógicas que se impõem por sobre as existentes (BUTLER, 2018). Não por coincidência, esses empreendimentos se instalam nos bairros em transformação, não consolidados ou ‘abandonados’ -em ‘ruínas’-, como é o caso do Brás. Por meio da lógica do ‘arrasa quarteirão’, novos empreendimentos são impostos no tecido urbano pré existente. Essas novas construções por sua vez, também possuem códigos, facilmente reconhecíveis, dentre eles: os muros que separam a vida que está dentro e a realidade que acontece fora deles, grades e vigilância para a proteção de quem (aqueles que podem pagar) esta dentro, contra aqueles (inferiores e marginais) que estão fora. Tipologias padronizadas que são replicadas a fim de homogeneizar o território (do ponto de vista espacial e sobretudo social). Compreendendo a análise feita até aqui torna-se coerente dar luz às alternativas que buscam conciliar a valorização e reconhecimento do passado e a atuação no presente desses territórios em mutação. Sem descartar populações, modos de vida e trabalho e, principalmente as diversas culturas que compõem tais bairros.
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Arte/Cidade Zona Leste
Para ficarmos em um exemplo contundente, cita-se o Projeto Arte Cidade Zona Leste, dirigido pelo professor Nelson Brissac Peixoto em 2002. Projeto cultural que contou com um orçamento considerável (1,5 milhão de reais), o apoio do Sesc-SP e da Petrobras, possibilitando a realização de 24 intervenções em uma área de 10 mil metros quadrados. O projeto realizou além das exposições e ações no território do Brás, Pari e Belenzinho, incluiu também oficinas, “seminários com curadores, artistas nacionais e estrangeiros, (...), arquitetos, movimentos sociais de moradia, instituições públicas municipais e ONGs” (PEREIRA, 2007:08). Segundo Nelson Brissac, o projeto busca visibilizar a experiência dos chamados excluídos, através de ações que as evidenciem, reconheçam e legitimem. Por meio da arte, subverter a lógica de dominação e colocar as formas marginalizadas -informais, transitórias, clandestinas- (BRISSAC, 2002) em primeiro plano, encaradas e vistas como negativas, como um problema a ser resolvido ou apagado. Ou seja, diante da cidade estruturada pela moeda, na qual “toda a vida social está inteiramente absorvida na produção capitalista” (BRISSAC, 2002:23), busca-se identificar as sobras, os “espaços lisos” e “intersticiais” como “terrenos vagos, os vazios criados pela implantação de infraestrutura, os espaços públicos abandonados, os vãos entre as edificações” (BRISSAC, 2002:12) e a própria rua. São nas mazelas criadas pelo capitalismo que essas populações se apresentam por meio de uma nova forma de ocupar e estar na cidade. A partir dessa ação artística evidencia-se uma nova rede de lugares estratégicos, um terreno para a política local. As diversas práticas não institucionalizadas que ocorrem no espaço urbano configuram 73
novas reivindicações por atores que colocam a questão: “de quem é a cidade?” (BRISSAC, 2002:26). O projeto busca dar luz ao indivíduo nômade, sendo aquele que produz “instrumentos equipamentos de sobrevivência na cidade global” (BRISSAC, 2002:12). Artefatos, veículos, barracas de vendas, arquiteturas de moradia precária: uma parafernália para deslocamento e assentamento, um instrumental de sobrevivência em situações urbanas críticas. Traquitanas improvisadas com os mais diversos materiais e técnicas, desmontáveis, transportáveis. Próprias para serem rapidamente instaladas em qualquer lugar. (...) Tudo é uma questão de logística, meios de sobrevivência econômica na cidade _ coletar, guardar, carregar, trocar, vender, abrigar. BRISSAC, 2002:12
Segundo o manifesto, essas práticas nos mostram as relações entre revitalização e migração populacional, “atacam a imagem da coerência urbana construída pela exclusão” (BRISSAC, 2002:13). Assim, a cidade emerge como palco de disputa política por símbolos concretos e abstratos, como um campo de ação. Gayatri C. Spivak (1988, 1990) aborda a noção de ‘aceitação radical da vulnerabilidade’ e uma ‘política de campo aberto’ na qual a própria escolha da marginalidade se encontra legitimada enquanto ato, mesmo se anárquico, de inclusão social. Essa aceitação induzida pode ser interpretada “como a inversão provisória, mas libertadora, das perspectivas, numa exaltante violação das narrativas universalistas e homogeneizadoras dos conteúdos e significados” (FORTUNA, 1997:04) do espaço e do tempo.
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CULTURA: FERRAMENTA DE EMANCIPAÇÃO SOCIAL
O trabalho até aqui se propoz a revisitar o passado para, em um primeiro momento, compreender as questões latentes intrínsecas ao bairro do Brás. Essa empreitada ganha complexidade ao passo que, simultaneamente aos fatos passados, esse território em transformação, apesar de intensamente construído, vem sofrendo alterações físicas numa velocidade singular, sob o ponto de vista urbanístico. Somada à concretude das mudanças físicas do espaço somam-se as questões sociais. Desencadeiam-se os problemas de segregação, exclusão, criminalização e marginalização que estão umbilicalmente ligados às estruturas reguladoras do sistema e à própria realidade urbana, aquela que diz respeito às relações imediatas (individuais) e cotidianas. Entende-se que todos esses reflexos, urbanos e sociais, fazem parte do escopo de mazelas produzidas pelo sistema vigente. Nós enquanto sociedade e, sobretudo a urbana, estamos estruturados e hierarquizados com o propósito de continuar replicando a cartilha do capital. Ou seja, sujeitos a um sistema que induz a condição precária da maioria da população a fim de garantir o bem estar de uma ínfima minoria. Na tentativa de revisitar o passado para vislumbrar possibilidades de ação no presente, que nos anuncie um futuro distinto do que nos encaminhamos enquanto sociedade, resgatou-se a história do movimento operário, que nasceu no chão das fábricas do Brás e dos demais bairros industriais.
Observamos importantes conquistas no campo dos direitos sociais, provindas desse potente movimento mas que, ao longo das décadas perdeu força, pelos motivos já explicitados. O processo de globalização afetou não somente a classe operária mas o próprio sistema capitalista em si. O mesmo passou por diversas crises e mutações, passando do capitalismo industrial para o financeiro, até chegar em sua quarta fase, o capitalismo informacional, norteado pelo 77
avanço das tecnologias, controle de dados/informações; aceleração e aumento dos fluxos de capitais, mercadorias, pessoas; e ainda, a difusão desigual do conhecimento (BIJOS, MENDES, 2012). Nessa nova realidade a dicotomia única entre burguesia e proletariado não tem mais espaço, uma vez que as relações de trabalho tornaram-se infinitamente mais complexas. A opressão antes exercida sobre a classe operária, hoje se estende para a sociedade como um todo, a ponto do próprio termo ‘operariado’ deixar de fazer sentido. Lefebvre (1968) discorre sobre os escritos de Marx explicitando um fator chave que o filósofo não previu: que as relações capitalistas e a burguesia como classe sobreviveriam à queda do capitalismo de livre concorrência; ele (Marx) não podia conceber a elasticidade e a capacidade de adaptação de suas relações ainda que tenha nitidamente estipulado que os limites do capitalismo eram-lhe imanentes e que a burguesia como classe duraria tanto quanto representasse um papel no crescimento das forças produtivas. LEFEBVRE, 1968:80
Num contexto atual no qual o bombardeamento incessante de informações passou a gerar mais desinformação, assistimos uma polarização nacional e a ascensão da extrema direita. Com a pandemia da Covid-19 o Brasil e o mundo entram em uma crise sem precedentes. Até a conclusão deste trabalho final de graduação o país terá passado das 400 mil mortes pelo Coronavírus (desconsiderando a subnotificação criminosa aplicada pela pasta da saúde do governo Bolsonaro). Vladimir Safatle nos introduz ao Estado Suicidário:
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Engana-se quem acredita que isto é apenas a já tradicional figura do necroestado nacional. Caminhamos para além da temática necropolítica do Estado como gestor da morte e do desaparecimento. Um Estado como o nosso não é apenas o gestor da morte. Ele é o ator contínuo de sua própria catástrofe, ele é o cultivador de sua própria explosão. Para ser mais preciso, ele é a mistura da administração da morte de setores de sua própria população e do flerte contínuo e arriscado com sua própria destruição. A novidade é que agora ela (lógica) é aplicada a toda a população. Até bem pouco tempo, o país dividia seus sujeitos entre “pessoas” e “coisas”, ou seja, entre aqueles que seriam tratados como pessoas, cuja morte provocaria luto, narrativa, comoção e aqueles que seriam tratados como coisas, cuja morte é apenas um número, uma fatalidade da qual não há razão alguma para chorar. Agora, chegamos à consagração final desta lógica. A população é apenas o suprimento descartável para que o processo de acumulação e concentração não pare sob hipótese alguma. SAFATLE, 2020:s.p.
Diante deste cenário sufocante, no qual vivemos num limiar entre sobrevivência e descarte, busca-se um conjunto mais suportável de condições na esfera da vida pública. Uma alternativa na qual possamos viver. Este é o objetivo central desta pesquisa.
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Como podem reivindicar a qualidade de “sujeitos” para deixarem de ser “objetos” da estratégia política e para tornarem a ser sujeitos atuantes? Como fariam para que sua voz fosse executada, senão inventando uma nova atividade? LEFEBVRE, 1968:110 Como suscitar nos indivíduos, grupos e classes a percepção de que são sujeitos sociais e políticos? Como tornar evidente que carências, privilégios, exclusões e opressão não são naturais nem impostas pela providência divina?” CHAUÍ, 1995:80-81
Ambos os autores respondem suas próprias indagações com uma alternativa em comum, a cultura. Os ‘homens’ não deixaram de ser vítimas de sua história, guerras e repressões. O ‘homem’ mal emerge da divisão do trabalho que fragmenta o conhecimento e a cultura. Isso é bastante verdadeiro. No entanto. A alternativa é evidente: ou o niilismo, ou o humanismo renovado. Quanto à cultura, só podemos nos felicitar de ver nela penetrar o pensamento e a obra de Marx. Com a condição de não a deixar cair na fragmentação dos conhecimentos e na dissolução do “cultural”. Que ela represente o papel de fermento e de núcleo, reunindo o racional e o real dissociados, que ela reúna os elementos dispersos e invertidos da racionalidade, tal é o projeto. LEFEBVRE, 1968:82 80
A cidadania cultural teve em seu centro a desmontagem crítica da mitologia e da ideologia: tomar a cultura como um direito foi criar condições para tornar visível a diferença entre carência, privilégio e direito, a dissimulação das formas da violência, a manipulação efetuada pela mass mídia e o paternalismo populista; foi a possibilidade de tornar visível um novo sujeito social político que se reconheça como sujeito cultural. Mas foi, sobretudo, a tentativa para romper com a passividade perante a cultura - o consumo de bens culturais - e a resignação ao estabelecido, pois essa passividade e essa resignação bloqueiam a busca da democracia, alimentam a visão messiânica-mineralista da política e o poderio das oligarquias brasileiras. CHAUÍ, 1995:84
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Brás: caldeirão cultural
O amplo parque industrial do Brás construído entre o final do século XIX e o início do XX chegou a empregar milhares de trabalhadores que, junto de suas famílias passaram a habitar a região, como já discorrido. Inicialmente nas Vilas Operárias e, posteriormente, adensando o território de maneira espontânea e precarizada por meio dos cortiços. É neste contexto que observamos a constituição do segundo maior pólo cinematográfico da cidade, perdendo em número de equipamentos apenas para o centro, reduto cultural da elite paulistana (PEREIRA, 2002). O bairro realmente chegou a abrigar uma infinidade de cinemas e salas ao longo desse período, porém destaca-se para além das telas, muitos teatros e atividades itinerantes como os circos (OLIVEIRA, 2014). De acordo com o levantamento realizado, que resultou em uma cartografia desses equipamentos no bairro, nota-se a grandiosidade das arquiteturas construídas. A pesquisa evidenciou com certa frequência cinemas e salas de teatro com capacidade para mais de 1000 pessoas, incluindo arquiteturas projetadas com mais de 4000 lugares. Justamente visando entreter e receber o grande contingente de trabalhadores e familiares. Durante o período de industrialização o bairro emergiu como um território importante pelo porte industrial e pela dimensão cultural que ali aflorava. Com o processo de desindustrialização, grande parte da massa operária migrou para os outros pólos industriais que começaram a surgir em São Paulo e o bairro se transformou em um canteiro de obras e um campo de ruínas. Ao longo do processo de pesquisa deste trabalho, outras cartografias foram 82
realizadas a fim de obter uma leitura mais completa do território. Ao sobrepor a cartografia ‘Potências do Brás’, na qual foram mapeados estacionamentos, vilas e galpões ociosos no bairro, com a cartografia ‘Cultura’, notou-se que muitos lotes que hoje abrigam estacionamentos coincidem com os dos antigos equipamentos culturais que estavam neles implantados. A fim de compreender o contexto territorial atual buscou-se identificar por meio da cartografia, as ruínas culturais remanescentes e dar luz às novas formas, expressões e acontecimentos culturais do bairro. Por meio da teatralização do cotidiano, cujo palco é a própria cidade, nota-se ricos elementos que apontam para uma outra possibilidade de reconstrução das relações sociais, dessa vez dispersas e menores, mas igualmente potentes. Na atualidade esse território se mostra estruturado de outra forma. Sendo assim, para compreender tal dinâmica se faz necessário reconhecer a informalidade, o nomadismo e a itinerância apontada pela rica quantidade de feiras livres que ocorrem no bairro, pelas tradicionais festas de ruas -como a Festa do São Vito-, que persistiram ao longo das décadas e pela vida pulsante que ocorre na rua, ritmada pelos ambulantes.
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CARTOGRAFIA CULTURA
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Evento de rua Cultura atual Cultura atual - teatros Cultura antiga
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CARTOGRAFIA CULTURA_legenda: ANTIGOS (NÃO EXISTEM MAIS): 01. Teatro Colombo 02. Cine Oberdan 03. Cinema Eden -Theatre - Rua do Gasômetro, 114 04. Cinema Popular - Avenida Rangel Pestana, esquina com a rua Martin Burchard. 05. Cinema Brás - Bijou - Avenida Rangel Pestana 06. Cinema Ideal - Rua do Gasômetro, 35-37 (antigos) 07. Cine Universo - Av. Celso Garcia, 378 08. Cinema Isis -Theatre - Rua do Gasômetro, 235 09. Cine Glória - Rua do gasômetro, 245 10. Cinema Pavilhão Oriente - Rua Henrique Dias, 44 11. Eros - Rua Piratininga, esquina com rua Coronel Murça (Fecha para ressurgir depois com o nome de Ideal até o seu fim na década de 60) 12. Salão Cinema - Avenida Rangel Pestana, 1380 13. Olímpia - Avenida Rangel Pestana,1266. (Fundado década de 1920. Durante a revolução de 1924 foi atingido por uma bomba que danificou o seu teto. Desapareceu nos primeiros anos da década de 1950) 14. Cinema Fontana - Av. Celso Garcia, 273 15. Cinema American - Av. Celso Garcia, 40 16. Cinema Flor - Rua Orionte, 41 17. Cinema Éclair - Rua Piratininga, 118 18. Cinema Popular - Avenida Rangel Pestana, 170 19. Sala de Cinema Parisense - Rua Piratininga, 27 20. Cinema Éden - Rua do Gasômetro, 112 21. Cine Piratininga (1940) - antigo teatro mafalda (1910) CONSTRUÇÕES EXISTENTES: 22. Museu Comgás 23. Museu de História de São Paulo
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14. Teatro Politeama (1890) - Avenida Celso Garcia, 223 e Circo François (1920) ATIVOS: 24. Museu Catavento 25. Museu da Imigração 26. Festa de São Vito 27. Arsenal da Esperança - sede da Cia Estável de teatro 28. Escola de Teatro de SP 29. Centro Cultural USE - Rua Brigadeiro Machado, 269 30. Cia teatral Sobrevento - Rua Coronel Albino Bairão, 42 31. Teatro Experimental Anhembi Morumbi - Rua Dr. de Almeida Lima, 993 32. Teatro Gamaro - Rua Dr. de Almeida Lima, 1176 FEIRAS: 33. Circuito das compras - antiga feira da madrugada 34. Nova feirinha da madrugada 35. Feirinha da Concórdia 36. Feira Livre - todo sábado - Rua Torquato Neto (48 bacas) 37. Feira Livre - toda sexta feira - Rua Henrique Dias - vestuario (45 bancas) 38. Feira Livre - todo domingo - Rua Conselheiro Belisário (71 bancas) 39. Feira Livre - toda quarta feira - Rua Sampson (87 bancas) 40. Feira Livre - todo sábado - Rua Mendes Gonçalves (129 bancas) 41. Feira Livre - toda terça feira - Rua Firmiano Pinto (68 bancas) 42. Feira dos Bolivianos - todos finais de semana - Rua Coimbra
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CARTOGRAFIA POTÊNCIAS DO BRÁS
Vielas Galpões ociosos Estacionamentos
Cultura ou barbárie
A humanidade entra na era do capitaloceno (termo desenvolvido por Jason W. Moore) com um sistema que se evidencia falho mas que, diante de suas mazelas, parece cada vez mais caminhar rumo ao desmonte completo do estado mínimo de bem estar social que conquistamos enquanto sociedade em algumas partes do mundo. Em um contexto de radicalização, a resposta ao massacre se dá pela subversão da lógica do capital através da ação. Entende-se, nesta pesquisa, a dimensão cultural como elemento formador e estruturador de qualquer outro campo social e político, e constituinte de qualquer sociedade. Sendo assim, o mote da transformação nesta tese se dá através da cultura, do reconhecimento e apoio à ação cultural, àquela que age prioritariamente na vida cotidiana, que trabalha a sensibilidade, a imaginação e a reflexão crítica. Aquela que reforça a memória individual e social, nas quais indivíduos, grupos e classes sociais possam reconhecer-se como sujeitos de sua própria história e, portanto, como sujeitos culturais (CHAUÍ, 1995). Retomando o pensamento de J. Schumpeter (1975) a respeito das identidades sociais e como elas estão sujeitas a um processo de destruição criadora, o autor vincula tal processo de destruição à própria evolução do sistema capitalista, de modo acelerado, mais ou menos momentânea e desordenada. Tanto o discurso científico como o jornalístico de hoje sublinham o fim das nossas seguranças sociais, políticas, econômicas e éticas, ilustrando como a sociedade e a sua interpretação se complexificaram. Tornam claro que as crenças na segurança ontológica dos indivíduos se fra90
gilizaram e se instaurou uma espécie de ficção na vida coletiva, com presumíveis efeitos sobre o modo como eles se vêem, apresentam e avaliam a si próprios e, igualmente, o modo como vêem, apresentam e avaliam os outros. FORTURA, 1997:02
Tendo em vista a fragilidade das nossas seguranças enquanto sujeitos na contemporaneidade, essa monografia visou, de início, estabelecer um olhar e um resgate da história do Brás, valorá-la, destacando importantes fatos passados, como a trajetória do movimento operário no Brás. Entende-se que esse potente movimento, pelos processos já indicados anteriormente e pela própria evolução (no sentido de passagem do tempo) da sociedade, não possui mais tanta adesão no imaginário coletivo dos indivíduos. Todavia, ainda que a resposta não esteja na retomada dos sindicatos e no modo de revolução do movimento operário, existem importantes lições que podem ser aplicadas e traduzidas à realidade de hoje. Apostar em agentes sociais que hoje exercem uma ação na sociedade e cujos norteadores também englobam a auto-organização, o acesso e fruição de bens culturais e de informação, desenvolvimento de pesquisas de compreensão crítica da sociedade e da história e programas de formação e reflexão crítica (memória oral, memória social e política), o lazer e solidariedade, significou uma aproximação mais intensa a esses agentes. Encarar como uma necessidade social as atividades culturais, recurso potente de criação (não apenas de produtos e de bens materiais consumíveis), de informação, de simbolismo, de imaginário, de atividades lúdicas (LEFEBVRE, 2001), foi o tema que acabou por nortear a investigação e a elaboração projetual. 91
O exercício dessa criação lúdica é a garantia da liberdade de cada um e de todos, no âmbito da única igualdade garantida pela não-exploração do homem pelo homem. A libertação pelo jogo é sua autonomia criativa, que supera a antiga divisão entre o trabalho imposto e os lazeres passivos. INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2001, p. 144
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Teatros de grupo e obras cênicas: produção de resistência e forma lúdica pelo viés da arte e da cultura Os teatros de grupo se apresentam como agentes potentes no campo da micropolítica. Atuam à margem da indústria cultural mercantilizada justamente por negarem toda e qualquer forma de ação artística e cultural que sirva aos aparelhos de dominação, servindo, portanto, como instrumento alienador. Esses grupos possuem comunicações intensas com a sociedade, peças teatrais com alto teor crítico, amplamente fundamentadas. Abordam temas como os atritos entre espaço e uso do território, o processo de gentrificação, o abandono do Centro, a realidade dos imigrantes clandestinos, fluxos migratórios, relações de trabalho e consumo, o descuido pelo espaço público, os dependentes químicos, os encarcerados, os sem-teto, a discriminação de ‘minorias’, tantos outros. A escolha em estudar e direcionar a ação projetual vinculada aos teatros de grupo se deu pelos seguintes motivos: I- Agentes culturais: promovem por meio da arte, a criação, reprodução e propagação de cultura na sociedade por meio de seu ofício; II- Socialização de bens e produção: em sua maioria, os teatros de grupo exercem seu trabalho através da autogestão e processos coletivizados, englobando desde a concepção das peças -processo criativo e execução-, desenvolvimento de pesquisas, viabilidade econômica para realizá-las, até trabalhos técnicos e de zeladoria do espaço físico;
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III- Conteúdo crítico: como abordado anteriormente, os temas trabalhados pelos coletivos teatrais em questão são de extrema importância e urgência para a reflexão coletiva. Ao dar luz a temáticas que estão umbilicalmente ligadas às mazelas da sociedade e do sistema vigente em si, esses agentes o fazem através do palco, de forma lúdica, utilizam recursos extremamente humanos como a sensibilidade, a poética e o lirismo. Essa chave potente de ação é capaz de acessar subjetividades, individuais e coletivas, que dificilmente um discurso político, um debate ou a sala de aula conseguem acessar; IV- Responsabilidade ética: Em conversa com alguns coletivos de teatro (inserida nas atividades do grupo de pesquisa em 2. outubro. 2020), ao conceberem a ideia inicial da peça, buscando sempre vincular a algum aspecto real da sociedade (como as temáticas já citadas), esse grupos realizam diversos encontros públicos para conhecer as pessoas sobre as quais a peça vai abordar (mulheres, LGBTQIA+, encarcerados, migrantes etc..) ou quando a peça trata de um ou mais territórios, esses encontros são realizados com os moradores do(os) bairros. São realizados seminários, ciclos de palestras, cartografias coletivas, rodas de conversa e leituras públicas. A ideia é que a narrativa criada esteja mais próxima possível da realidade concreta dessas populações e territórios (seus hábitos, costumes, tradições, angústias, preconceitos, rotinas, modos de 94
trabalhar, vestir, falar etc.). Com isso, as críticas ou mazelas explicitadas nos textos teatrais compõem a dramaturgia, que é construída a partir dos conflitos presentes na própria realidade. Com um importante arcabouço de pesquisa, esses grupos garantem que o conteúdo da peça seja reflexivo, crítico e que toque as populações que vivem a ausência de direito; V- Território: Um ponto comum entre os coletivos de teatro de grupo estudados é a ação no território, de caráter experiencial e imersivo. Há um desejo de expandir a criação artística para o espaço urbano, onde a vida acontece, encenar questões retratadas no seu berço de origem e, principalmente, trazer o espectador para essa realidade encenada. Buscando um diálogo com a cidade e seus habitantes. Ao levar as peças para o chão da cidade, que vira palco, esses grupos são capazes de expor os espectadores ao desconforto ou beleza das temáticas retratadas, ativando - de forma mais potente - a crítica narrada. Outro ponto é que, ao ir para a rua, a peça se torna pública, sujeita às interferências da cidade, inclusive com interferência das pessoas que passam. Esse fator tem sido uma ferramenta fundamental de aproximação de populações (moradores, usuários do bairro) com o teatro realizado pelos grupo; V- Vínculo: A sede física é uma ferramenta essencial para a realização de todo o trabalho. 95
É nela que eles desenvolvem suas pesquisas, onde promovem difusão e formação artística, acolhem artistas, realizam espetáculos e oficinas etc. Além da questão de viabilização do trabalho, a sede permite que os grupos estabeleçam vínculos com os moradores do bairro, servindo como espaço de convivência, em que as crianças vão e onde têm contato com essa esfera cultural rica, onde adultos por vezes utilizam esse espaço para realizações de ativismo do bairro. Como relatado pelo grupo Folias (em conversa com o grupo de pesquisa em 2. outubro. 2020), cujo galpão já serviu de sede para eventos como festas juninas e dia das crianças , às ruas em que se encontra o Galpão do Folias, nos dias de evento, são bloqueadas (com autorização da CET) para a instalação de barracas e promoção de atividades culturais gratuitas. Em suma, os coletivos de teatro estudados utilizam seu conhecimento e ofício visando resgatar e potencializar o valor da cultura, da criatividade, do imaginário, do lúdico em uma sociedade pauperizada pelas condições sociais. Por meio da arte torna-se possível sonhar outras possibilidades de ação, de futuro. A sede por sua vez, se abre para a cidade, que vira palco e plateia. A cidade informa os agentes, a ação teatral transforma a cidade e os agentes despertam a sociedade.
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Folias d’Arte
O Folias surgiu a partir de uma peça montada em 1995 por Marco Antonio Rodrigues e Reinaldo Maia, que trabalhavam juntos na Funarte. Pautado em um teatro radicalmente experimental, tendo trabalhado em cerca de 100 lugares (COSTA, s.d.), nos anos 2000 o grupo passa a ter uma sede. Nasce então o Galpão do Folias, projetado por José Carlos Serroni, localizado na rua Ana Cintra, no bairro da Santa Cecília. Com a infraestrutura proporcionada pelo espaço físico, o grupo começa a se consolidar e transforma-se em uma “referência para o teatro paulista pelo duplo compromisso com a excelência do seu trabalho teatral e com a luta pelo reconhecimento do direito à cultura e, por extensão, ao teatro” (COSTA, s.d.). O espaço do teatro, localizado na Rua Ana Cintra, na Santa Cecília, é destinado à difusão de propostas técnicas e trocas com outros coletivos de criação e formação. O grupo é responsável pela publicação de livros, do Caderno do Folias e por um Conselho Artístico que acompanha e aprofunda a reflexão crítica sobre os trabalhos realizados. A identidade em processo do Folias passa pelas seguintes convicções: em primeiro lugar, teatro é espaço público, portanto imediatamente político, e por isso cada espetáculo tem a obrigação de dizer a que veio. Segundo: a separação entre cultura erudita e popular é uma operação ideológica a serviço da dominação de classe e por isso deve ser superada em favor da produção de um pensamento e de um discurso político do qual a cena deve dar conta sem subterfúgios. Em terceiro lugar, a produção de uma 97
dramaturgia própria, que deve atender às necessidades experimentais e de formação permanente do coletivo, realiza-se por meio do diálogo crítico com a produção de textos clássicos ou contemporâneos que apresentem desafios estéticos e políticos em condições de dialogar de modo produtivo com os problemas do presente. COSTA, s.d.
Em 1999, o Folias fez parte da liderança do movimento Arte contra a Barbárie, no qual um manifesto foi elaborado e publicado condenando a mercantilização da cultura. Como alternativa, os artistas propõem a criação de mecanismos estáveis de fomento à pesquisa e à experimentação, bem como a criação de políticas públicas que promovam maior acesso do público aos espetáculos. A repercussão do movimento resultou na aprovação da Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo em 2001. Além do Caderno do Folias (edições disponíveis no site), o grupo Folias d’Arte e outros cinco coletivos de teatro (Companhia do Latão, Fraternal Companhia de Artes Malas-Artes, Parlapatões e Vertigem) criaram em 2003 o jornal O Sarrafo. Os periódicos eram distribuídos gratuitamente, com o objetivo de levar o teatro às camadas mais populares (MININE, 2014). Para além das peças e atividades já citadas destaca-se também o PACA (oficinas de circo para crianças e adolescentes), as oficinas de reciclagem de papel e mosaico, leituras de textos sobre teatro e sobre os espetáculos da companhia, todas gratuitas.
Circulação Folias Brechtianas: Relato de uma morte que aconteceu na esquina (2018) -Preço: gratuíto -Onde: Galpão do Folias, Rua Ana Cintra e imediações A peça Relato de uma morte que aconteceu na esquina (2018), dirigida por Rogério Tarifa, faz parte de um projeto intitulado Folias Brechtianas, um conjunto de sete peças trabalhadas em cima dos poemas, textos e escritos de Brecht que são encenadas no Galpão Folias e nas ruas do bairro Santa Cecília, visando a ocupação do espaço público com arte e cultura. A intervenção mescla a história da morte de um morador de rua do bairro, Rafael, com o qual o grupo nutria relações de proximidade, aos poemas A Infanticida Marie Farrar e A Balada do Soldado Morto de Brecht. A peça foi apresentada ao ar livre, com arquibancadas montadas na rua para o público, e ao fim foi realizado um cortejo cênico-musical com o público pelo quarteirão. Para conseguir realizar o evento foi necessário fechar a rua, através de uma autorização da CET. O grupo aproveitou a oportunidade para fazer um grande festival: foram três dias com atrações de teatro (infantil e adulto) e música. A experiência foi tão potente que o festival tornou-se um objetivo do grupo, realizando edições frequentes. Um evento aberto e gratuito em um espaço que consegue abarcar as mais diferentes classes sociais, um lugar de troca entre artistas das mais diversas áreas, um momento de ocupar a rua, de fazer dela um local de convívio.
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Grupo XIX
Coletivo formado em 2001 por colegas do Centro de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo - USP, pautam suas peças em dramas sociais e políticos, buscando a politização não apenas pelo viés crítico da peça, mas também pela atuação concreta no território e no ativismo social vinculado às pautas de resistência. Sendo assim, em 2004 o grupo iniciou uma residência artística na Vila Operária Maria Zélia, no bairro do Belém em São Paulo, buscando dar luz a vocação cultural desses espaços e chamando a atenção para sua necessidade de conservação arquitetônica e histórica. Para compreender a tal vocação cultural e quais eram as belezas contidas tanto na arquitetura quanto na cultura e hábitos dos residentes, é realizado o projeto ‘Residência’, com duração de um ano, no qual o grupo teatral morou na vila convivendo diariamente com os moradores. A ideia do grupo não era promover a ‘revitalização’ da vila operária, mas despertar a ‘revivenciação’ desses espaços com os moradores através das arte, “numa atitude que oscilava entre participação e resistência” (PEREIRA, 2007:13). Após intensa articulação cultural e ativista com os moradores, o Grupo XIX de Teatro estabelece sede em um dos galpões abandonados da Vila, no qual permanecem até hoje. O coletivo se torna um mediador entre os moradores e poder público, em prol da preservação do local, a incentivos culturais e de fomento como o de ‘educação patrimonial’ visando a valorização do espaço público e histórico da cidade. O grupo também fez parte do Movimento Arte Contra a Barbárie, questionando o viés neoliberal das leis de incentivo cultu101
ral, reduzindo a arte a um bem mercadológico. A partir da Lei de Fomento o grupo é financiado para realizar/encenar a peça Hygiene (2005), que transforma, pela primeira vez, a vila em um teatro. Segundo Marques, nessa interação o grupo teatral procurava estimular as seguintes percepções em relação ao espaço público: a evocação das lembranças de infância dos idosos com a abertura dos edifícios públicos abandonados; a participação dos moradores no ensaio da peça; a promoção de fóruns e debates com especialistas na área de habitação e movimento sem teto; a intermediação do grupo junto ao poder público; apresentações de teatro e cinema ao ar livre, debates, oficinas e mutirões de limpeza dos espaços, junto aos moradores da vila. Buscava-se enfatizar que as ruínas eram lugares passíveis de inúmeros usos e também um bem público, isto é, uma vez sendo público não era deles, era da cidade. MARQUES, Luiz. Apud PEREIRA, 2007:12
O grupo tem como diretriz não apenas empregar um discurso político ou crítica social em suas peças. Ainda segundo o diretor Luiz Marques, “a politização no teatro vai se dar na medida em que o fazer teatral esteja politizado” (apud PEREIRA, 2007:13). Ou seja, a dimensão política se dava para além da peça, estava presente na convivência cotidiana, no envolvimento político social do grupo nas questões da vila, no diálogo do coletivo com outros movimentos sociais, arquitetos e urbanistas, universidades e prefeitura. A politização do teatro, enfim, é estar inserido na cidade (PEREIRA, 2007).
Hygiene (2005)
Preço: RS 30,00 Onde: Vila Maria Zélia A peça retrata a trajetória de “operários, imigrantes, lavadeiras, meretrizes, ex-escravos, curandeiros, comerciantes da virada do século XIX/XX” (FERNANDES, 2014:s.p.), que habitavam os cortiços do centro do Rio de Janeiro. E geralmente viviam em condições precárias. O espetáculo se dá em duas partes, na primeira o público acompanha grupo teatral por uma caminhada cênica nas ruas da Vila Operária, passando por construções históricas e, na segunda parte, a narrativa acontece dentro de um casarão. A sede da residência artística do grupo na Vila Operária Maria Zélia, faz parte de um conjunto arquitetônico concluído em 1917 e tombado pelo Patrimônio Histórico em 1992 (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL, 2017). Espaço no qual além da encenação de peças, o grupo realiza atividades culturais como encontros, oficinas, palestras, etc. Já no contexto da Vila, eles fazem uso de vielas, fachadas e construções como cenários para retratar a realidade dos antigos cortiços e da população pobre submetida a rigorosas normas de higiene no início do século XIX. O grupo pesquisou a história da Vila Maria Zélia e a da classe que lhe deu sentido. Deparou-se com um material explosivo, ao qual deu a forma de teatro processional, pois a certa altura do trabalho ficou claro que seria encenado um processo histórico. Foi assim que, além de duas ruas da Vila, o trabalho explorou
os seguintes lugares, todos em risco de desabamento iminente: um armazém (bilheteria), a fachada frontal da igreja, a pequena praça diante da igreja, portas e janelas de casas da rua lateral e o que, antigamente, havia sido o pátio de uma escola. Durante o percurso, o grupo conta uma série de histórias, entrelaçadas pelo tema da limpeza étnico-social. Segundo o pacto ficcional, todos somos moradores de um cortiço, que será evacuado pela polícia em nome da saúde pública, e fomos convidados para uma festa de casamento e de resistência contra a ação policial. COSTA, Iná. REVISTA PIAUÍ, jul. 2007.
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Teatro da Vertigem
O grupo foi criado em 1992, a partir da peça O Paraíso Perdido na Igreja Santa Ifigênia. Desde o início direcionam sua investigação e pesquisas a partir de espaços públicos para a realização dos espetáculos, buscando um diálogo concreto com a cidade. O trabalho de criação se dá através da produção de obras coletivas, visando o pleno exercício da democracia e prezando pela troca de experiências entre dramaturgo, diretor, atores e demais profissionais envolvidos no desenvolvimento da peça. O grupo já realizou algumas residências artísticas vinculadas a projetos e espetáculos ao longo de sua trajetória, todavia, mantém sede fixa em São Paulo, na Rua 13 de Maio, no bairro da Bela Vista. O coletivo é pioneiro em trazer paisagens não convencionais como cenários das obras: igreja, hospital antigo, hotel abandonado, prisão não mais utilizada e até mesmo o rio Tiête. Esse recurso possibilita uma interação específica entre as intenções que o grupo quer suscitar com as peças, as pautas abordadas e os espectadores. Em uma instância mais política, ao expor o público ao desconforto e as questões reais da cidade, visam cutucar a burguesia passiva, ainda que de esquerda, às temáticas e críticas presentes na peça (BONFANTI, 2020). Ao levar o público para determinados locais da cidade, e realizar a dramaturgia em arquiteturas ou espaços que corporificam a tese narrada, é possível acessar emoções e subjetividades singulares. De modo que, a experiência e sensações decorrentes da temática tratada não surgem somente com o início da peça, mas sim no deslocar-se até o local e a própria percepção do lugar em si, que antecede o espetáculo teatral. 106
Este recurso abordado denomina-se jornada cênica, para realizá-la o grupo faz uso de algumas ferramentas como: forte carga teatral, mergulho da companhia nas paisagens e nas personas abordadas, exigente prática corporal e vocal dos atores, e criatividade nas resoluções cenográficas e técnicas (luz, som e cenografia complementar).
Bom Retiro 958 Metros (2012)
Preço: R$ 30,00 Onde: Lombroso Fashion Mall, ruas José Paulino e Ribeiro Lima. Trajeto: 958 metros Como o próprio nome já diz, a peça retrata o bairro do Bom Retiro em São Paulo, cuja atividade predominante é o comércio. O grupo fez uma imersão investigativa e de pesquisa acerca do bairro por dois anos, realizando workshops, seminários abertos, ciclos de palestras e leituras públicas sobre imigração e relações de trabalho no bairro. Após intensa imersão territorial, o grupo percebe que a vida pulsante do comércio tem hora marcada e que, com o encerramento das atividades comerciais dos estabelecimentos, o Bom Retiro se torna um ‘bairro fantasma’. No limiar entre a noite e o dia, entre o final de um expediente e o início de outro, as ruas são tomadas por personagens assombrados pela História, pela febre do consumo, pela ânsia de transformação e
pelo trabalho. Em seu novo espetáculo encenado nesse não lugar, o Teatro da Vertigem propõe revelar o que acontece quando nada acontece e o restante da população dorme. MARQUES, s.d.
A partir do desejo de fazer do território um campo de experimentação artística, iniciado neste projeto por derivas situacionistas (BONFANTI, 2020), eles realizam uma trajeto de 958 metros, passando por lojas, ruas, calçadas, cruzamentos, e espaços de cultura fora do circuito cultural da cidade que hoje encontram-se em ruínas - a Casa do Povo e o Teatro Taib-. Neste momento de consolidação da atuação do grupo na forma de fazer teatro, a rua torna-se o elemento ‘entre’ espaço construído e cenário aberto (como o caso do rio Tiête na peça BR-3). A dramaturgia acontece pelo percurso, em cruzamentos de ruas, interrompendo o trânsito e a vida cotidiana. A adaptação da encenação por meio de um deslocamento busca estimular um papel ativo da plateia, que deixa de ser meros espectadores e passam a interagir com a narrativa. Ao passo que, também demanda da companhia um processo criativo e de adaptação singulares para viabilizar a obra. A inventividade pode ser percebida nas traquitanas cenográficas criadas (como pequenas caixas alegóricas móveis) ou no jogo de luzes que, segundo Guilherme Bonfanti, não fazia sentido colocar refletores nas cenas de rua, sendo que havia disponível a própria luz urbana no espetáculo. Como resultado ele utiliza projeções de imagens e mecanismos manuais para colorir, abrir foco e fechar completamente a luz dos postes públicos (VEJA São Paulo, 2017).
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Cia São Jorge de Variedade
Gustavo Fioratti (2012) em seu texto “Onde o teatro encontra a cidade” aborda a transição, no teatro paulistano, da “era dos diretores” no século XX para a “era dos coletivos”, que teve início na virada do milênio. É nesse contexto de transição que a Companhia São Jorge de Variedades surgiu, criado na Escola de Artes Dramáticas e pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). O grupo iniciou suas atividades e pesquisas em 1998 e viabilizaram seus trabalhos, assim como diversos outros coletivos de teatro jovens, através de incentivos públicos, sendo a Lei de Fomento o principal deles. Como abordado anteriormente, a Lei aprovada em 2001 permitiu a esses grupos processos de pesquisa continuados e a viabilização de espetáculos e publicações. (...) radicalizando nossa pesquisa e buscando novos vínculos com a cidade, nos envolvemos com iniciativas públicas para pessoas em situação de rua, ocupando artisticamente a Oficina Boracea e o Albergue Canindé entre 2002 e 2004. Nesse contexto, nasce, a partir da coletânea de contos de Gero Camilo, As Bastianas, obra itinerante apresentada nos albergues. O projeto só se tornou possível ao participar da primeira edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, conquista da classe artística e da população, de fundamental importância para uma política cultural pública consistente. CIA. SÃO JORGE DE VARIEDADE, s.d. 111
O grupo manteve-se com sede na rua Lopes de Oliveira, na Barra Funda, por 10 anos (2007-2017), com o objetivo de suscitar, através do teatro, ações que contribuíssem para a melhoria das condições de vida da população do bairro. Hoje o grupo atua sem uma sede.
Barafonda (2012) -Preço: gratuíto -Onde: Trajeto iniciado na Praça Marechal Deodoro (embaixo do Minhocão), Rua Lopes de Oliveira e Rua Luigi Greco -Trajeto: 2km A partir de estudos práticos e teóricos sobre a história do bairro Barra Funda e a noção de coro no teatro grego, os integrantes da Cia. trabalharam uma dramaturgia coletiva. A pesquisa durou quase dois anos e mesclava questões inerentes ao bairro com as tragédias gregas Prometeu Acorrentado e As Bacantes. O interesse do grupo era resgatar a história da região onde estão sediados desde 2007, “por ser a única maneira de entenderem o presente como fruto de acontecimentos passados e, portanto, o futuro como resultado de ações transformadoras no presente” (CIA. SÃO JORGE DE VARIEDADE, s.d.). Em um contexto territorial de prédios emparedados, à mercê da especulação imobiliária, a companhia evidencia um potente patrimônio histórico cultural e arquitetônico que encontra-se em ruínas: como antigo Largo da Banana, onde ocorriam encontros para os sambas de rodas, rodas de tiririca ou capoeira e serestas -gênero musical de antiga tradição popular-, representando o berço do samba paulistano; as agremiações de futebol outro-
ra varzeanas; e a arquitetura conhecida como ‘ponta de chuva’ -modo de construir casas por imigrantes italianos mestres de obra-, estilo característico do bairro. O espetáculo itinerante percorreu as ruas da Barra Funda buscando instigar o público a vivenciar um pouco do cotidiano dos moradores, com um texto que dá luz às questões históricas locais. A peça contou com 30 atores, mais de 150 figurinos e dois pequenos carros alegóricos. Seduzidos pela possibilidade de dialogar cada vez mais diretamente com o lugar que habitamos e convencidos da relevância de se realizar um teatro que faça cada vez mais parte da vida, sem mediações e convenções controladoras, resolvemos voltar o olhar para nossa própria ‘aldeia’: a Barra Funda e sua rica história, que se apresenta como metáfora da cidade e da civilização. O espetáculo é um passeio pelo bairro e pretende juntar nosso elenco com o público e formar um grande coro. GIFFORD. CIA. SÃO JORGE DE VARIEDADE, s.d.
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A Próxima Companhia
A Próxima Companhia é um núcleo artístico da Cooperativa Paulista de Teatro, formado em 2014. Após 5 anos de trabalho, formação e pesquisa o grupo se organiza enquanto coletivo autônomo, buscando novas direções de arte e de criação teatral. Para viabilizar esses desejos, a Próxima estabelece sede -Galpão 101- na Rua Faustolo, no bairro da Água Branca. A permanência no espaço durou apenas dois anos em decorrência de uma desapropriação para a construção da Linha 6 Laranja do Metrô. Em 2016 o grupo se fixou na atual sede, na Rua Barão de Campinas, no Campos Elíseos. Intitulado Espaço Cultural A Próxima Companhia, o espaço possui maior infraestrutura, comportando até 50 pessoas e, permitiu a ampliação das ações do coletivo. (...) recebendo apresentações públicas de diversos coletivos como Cia. do Tijolo, Núcleo Macabéa, Cia Sansacroma, Oficinas, Treinamentos, Ensaios de outros coletivos como Kiwi Companhia de Teatro, Grupo Esparrama, Legítima Defesa, Casa da Tia Siré, cursos e exposições artísticas. Na sede são realizadas as atividades de ensaio, ações pedagógicas, treinamentos, produção, armazenamento de cenário e aprofundamento da pesquisa da companhia, o que também determina as questões que serão desenvolvidas artisticamente pelo grupo. A PRÓXIMA COMPANHIA, s.d.
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Com formação a partir do teatro popular e da linguagem das máscaras, eles desenvolvem uma prática teatral que engloba “intervenções urbanas, ações artístico-pedagógicas, espetáculos infanto-juvenis, adultos, de rua, para espaços alternativos e teatros convencionais” (A PRÓXIMA COMPANHIA, s.d.), buscando sempre dialogar com a realidade local e do grupo.
Tebas: a cidade em disputa (2018) Contemplada pela Lei de Fomento da Cidade de São Paulo, o projeto Tebas - A Cidade em Disputa “parte da obra Os Sete Contra Tebas de Ésquilo, do território onde o grupo está sediado, e das questões sobre as cidades e nossos pertencimentos nas disputas que se apresentam em nosso tempo” (A PRÓXIMA COMPANHIA, s.d.). As atividades e ações do projeto ocorreram na própria sede e em diferentes territórios da cidade. Em decorrência da obra abordada, o grupo selecionou 7 territórios que encontram-se no entorno da sede, visando sobretudo compreender a realidade e contexto local no raio de abrangência da Companhia. Em cada um dos territórios foi realizada uma ação que contou com direções distintas, levando em consideração as especificidades de cada local. A ideia do projeto visa levar o teatro para os distintos espaços da cidade, trocar experiência e conhecimentos com a população, resultando assim, além de ações de aprimoramento artístico do grupo, em laboratórios de compartilhamento de pesquisas e atividades formativas. Por meio deste projeto o grupo buscou potencializar as relações e atividades que já ocorrem na sede, se firmando como espaço cultural da região. Após 14 meses de projeto o grupo realizou 7 apresentações:
Largo do Arouche - A primeira ação do projeto (Cordão do Peito Oco) se dá por meio de um bloco-intervenção que aborda as temáticas da população LGBTQ+, o processo de gentrificação e apagamento da tradição do bairro que flertam com a ideia de transformar o local em um boulevard parisiense. Cracolândia - A segunda ação é uma performance artística que percorre as ruas do quadrante, denominada (Re)tiros: Alvos entre fluxos. A performance busca direcionar o olhar para o estado de guerra que se apresenta em evidência na região, à atuação do mercado imobiliário que atua sob a lógica do arrasa quarteirão, “sendo ali um espaço complexo que sobrepõe muitas camadas, habitantes, trabalhadores, comerciantes” (A PRÓXIMA COMPANHIA, s.d.). Santa Ifigênia - A Santa e a Puta na Terra da Garoa tem como tematica o samba, a boca do lixo e a época em que o cinema nacional mais produziu, as pensões, o comércio popular e a prostituição (A PRÓXIMA COMPANHIA, s.d.). A peça também aborda o incêndio da ocupação do Largo do Paissandu e traz novamente a noção do território em disputa, que vem num processo acelerado, promovido pelo mercado imobiliário, de apagamento de culturas múltiplas que constituem nossa cidade. Favela do Moinho - Para dar luz a potência cultural e de resistência promovida pelos moradores da Favela do Moinho e ativistas sociais, o grupo realiza um cortejo (Roda Moinho - Quixote cruza trilhos) que une música e rimas. Essa ação direciona o olhar sobretudo para as crianças, mas também evidenciam as mazelas e cicatrizes no tecido urbano provocadas pelas mega estruturas do desenvolvimento -malha ferroviária que corta o território, deixando sobras das quais surge, por exemplo, a Favela do Moinho-; o direito à moradia trazendo para o debate a luta dos moradores
pelo direito à posse da terra, tendo em vista que muitos já vivem ali há 30 anos. Luz - A quinta ação denominada Parque das Noivas coloca em questão a prostituição e as mulheres pobres, chefes de familia que, dentro de um contexto de exclusão social, encontram na prostituição uma forma de sustendo. O mote da intervenção parte da pergunta “Qual a diferença entre o casamento e a prostituição?” (A PRÓXIMA COMPANHIA, s.d.). Higienópolis - Teba$ da Riqueza é um ‘walking tour’ realizado pelo grupo pelas ruas do bairro, trazendo a tona a diferença entre classes sociais que se evidenciam no espaço público - madames, carros sofisticados e prédios residenciais majestosos dividem a cena com babás de uniforme, seguranças e prestadores de serviço como entregadores de aplicativos. Outros temas retratados são a construção do metrô na região, na qual moradores do Higienópolis alegavam que traria ‘gente diferenciada’ para a região e o pedido feito pelo Shopping Higienópolis para a prefeitura para apreender crianças em situação de rua por pedirem esmola em frente ao local. Passamos pelo Largo do Arouche, Cracolândia, Santa Ifigênia, Favela do Moinho, Luz, Higienópolis e Minhocão e mergulhamos na cidade procurando entender quais forças agem nesses locais, seus processos históricos, as relações de poder que se estabelecem e se impõem, as opressões e principalmente as pulsões de vida que agem contra o processo de higienização, apagamento e extermínio. A PRÓXIMA COMPANHIA, s.d.
A partir dessa vasta pesquisa e trabalhos em campo, o grupo realiza em 2018 na sua sede, o espetáculo Guerra, uma narrativa síntese das 7 ações abordando os portais/territórios da cidade estudados que encontram-se em disputa.
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ARQUITETURA COMO CIRCUNSTÂNCIA
Um contragesto no Brás: demarcação de territórios de resistência culturais Buscou-se ao longo da pesquisa uma ação projetual em rede, pois, qualquer intervenção, se tomada isoladamente, parecia se perder na extrema complexidade da trama urbana desse bairro. O mesmo com programas culturais: seriam pulverizados no território, conectando pontos outrora desmembrados e desconectados pela linha férrea. A conexão nesta proposta se dá através do percurso, colocando a rua como centro, elo que articula os espaços de ação cultural, dado que, no Brás atual, a rua já o elemento ativador do território. Para além de pequenos recortes na malha urbana, ela é o que restou de espaço público no bairro; é dela que milhares de trabalhadores informais tiram seu sustento; é na rua Polignamo A. Mare que, anualmente desde 1918, a cultura brasileira e italiana celebram a Festa do São Vito e, em outras tantas, são realizadas feiras livres às terças, quartas, sextas e finais de semana. É na rua que a vida no Brás pulsa, desordenada e caótica, vibrante e potente. Como já destacado anteriormente na cartografia Potências do Brás, foi possível identificar as sobras, os interstícios e as ruínas no bairro, como estacionamentos, vielas e galpões ociosos. Considerando a ação do mercado imobiliário e o processo de apagamento que vem ocorrendo nesse território, o projeto tem como ponto de partida atuar pontualmente nesses espaços encontrados -sobras, interstícios e ruínas-. Tendo a dimensão cultural como elemento estruturador e, portanto, os agentes culturais -teatros de grupo- como peças centrais neste projeto, buscou-se localizar áreas em que hoje já se concentram atividades culturais, sempre que possível, vinculadas ao 124
teatro. Outro ponto de interesse vinculado à cultura está presente no patrimônio histórico/arquitetônico do bairro. Entende-se que, para além do tombamento dessas arquiteturas que mantêm vivas as marcas de um tempo histórico, é necessário um circuito ou atividades culturais que insiram tais construções no contexto na cidade, caso contrário, não passam de edificações em deterioração pela ação do tempo. A partir desses levantamentos - e reconhecimentos -, foram identificadas três áreas de influência no território em que há convergência dos espaços residuais ou intersticiais encontrados, equipamentos culturais e arquiteturas tombadas. Tais áreas representam, dessa maneira, territórios de resistência culturais. Neles, busca-se potencializar - pelo tempo histórico e pela ação presente - sua permanência. A isso chamamos de contragesto às políticas e lógicas que vêm sendo implementadas no Brás. A conexão deles se dá através de um percurso caminhável, a rua enquanto síntese, interligando ações culturais múltiplas. Indica-se diretrizes projetuais para duas das três áreas destacadas - 1 e 2- entendendo que a terceira área já conta com boa oferta de serviços culturais como o Museu da Imigração, o Teatro Gamaro, o Teatro Experimental da Anhembi Morumbi e os conjuntos industriais tombados Almeida Lima.
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ÁREAS DE INFLUÊNCIA
Áreas de influência Equipamentos culturais Patrimônios arquitetônicos
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1. síntese Percurso é a síntese que interliga e da vida às ações culturais. A rua, a cidade, informam os agentes, a ação teatral transforma a cidade e os agentes despertam a sociedade.
2. vínculo À linha somam-se as âncoras, dando substrato ao percurso e estabelecendo vínculo com as arquiteturas tombadas. Territórios de resistência artísticas e culturais demarcados no Brás.
3. âncoras O acontecimento se da nas âncoras, mas também fora delas. Elas se abrem para a cidade e são lidas aqui, como espaços de desenvolvimento de pesquisas, difusão e formação artística, realização de espetáculos, oficinas... 129
SÍNTESE l VÍNCULO l ÂNCORAS
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Na área de influência 1 são indicadas macro-diretrizes que prevêem demolições mínimas (coberturas metálicas leves e muros), para que um trajeto seja possível conectando as grandes quadras, predominantes no Brás. Neste percurso criado, há uma complementaridade entre os programas de cada quadra, contendo um teatro, uma praça e um pavilhão de exposições, e um espaço de formação e oficinas na última quadra do percurso, desembocando na antiga Estação de Bondes da CMTC, tombada pelo Condephaat.
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01. situação existente
02. demolições parciais
Edificações
a demolir
03. programa
04. fluxos
Teatro
Espaço pleno
Projeto
Apoio
Exposição
Áreas verdes
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Na área 2, a ação projetual se contém a uma grande quadra, próxima da rua Polignamo A. Mare, onde ocorre, anualmente, a Festa do São Vito. Ali estão, também, a Casa das Retortas e o antigo complexo de indústria Matarazzo, igualmente tombado. Na quadra há uma viela onde se propõe a remoção de um armazém ocioso para que uma rua pedestrializada sirva de atalho e conecte o programa proposto -um teatro e uma oficina de cenografia- à rua do Gasômetro, uma das principais ruas do bairro.
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01. situação existente edificações
03. programa
02. demolições parciais a demolir
04. fluxos
teatro
projeto
apoio
áreas verdes
espaço pleno exposição 135
Um teatro, uma oficina e percursos possíveis
Um desafio ao trabalhar com os espaços encontrados -estacionamentos,vielas e galpões ociosos- foi resolver- por meio do desenho- a geometria irregular dos lotes. No desenvolvimento optou-se por focar a área de influência cultural 2 (próxima a Casa das Retortas) por abrigar os lotes mais complexos do ponto de vista de possibilidades de implantação. Pela disposição dos lotes na quadra, a primeira diretriz foi estabelecer dois principais fluxos, um conectando o teatro à oficina e outro abrindo a quadra para a cidade e permitindo o livre acesso aos programas. Tornando a rua pedestrializada o coração da implantação, um espaço fluido e indeterminado.
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implantação
N
Com relação à construção em si, pareceu pertinente resgatar o arranjo tipológico do período da industrialização, que deu origem ao bairro e estruturou o mundo do trabalho. Os galpões e o chão de fábrica, que no passado serviam como agenciadores da exploração de trabalhadores por meio de condições laborais precárias e ostensivas cargas horárias, hoje, neste ensaio projetual, serviram de alicerce à cultura, ao encontro de lazer, a brincadeira, ao espaço lúdico inerente à arte. Apresenta-se uma releitura do galpão industrial, dessa vez fragmentado para abrigar as possibilidades de interface entre o espaço da rua e o das edificações.
corte a.a_QUADRA
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Foram elencados 5 partidos arquitetônicos constituintes do projeto: 1. Chão de fábrica_planta livre: como nos antigos galpões, ao utilizar recursos de estrutura como coberturas treliçadas ou em sheds, torna-se possível uma planta livre no térreo. Esse recurso é utilizado a fim de permitir flexibilidade de uso aos programas.
_teatro
_oficina 143
2. Fenda_cobertura recuada da fachada: no lote do teatro há uma fachada em tijolos cerâmicos e caixilhos em ferro que foi incorporada ao projeto. Visando enaltecer essa pré existência e evitar esforços nesta antiga construção opta-se por recuar em 3 metros a cobertura em shed. Essa fenda permite a entrada de luz e intempéries no interior do projeto, de modo que, a transição fora/dentro se dilui e reforça a ideia de que o teatro é um espaço público, uma extensão da rua, em consonância com o pensamento dos grupos de teatro. A mesma estratégia é adotada na oficina a fim de unificar as soluções para que as construções sejam lidas com um único projeto.
_teatro
_oficina 144
3. Interstícios_áreas livres: as áreas livres criam clareiras a céu aberto, respiros durante o percurso pelo projeto. Contrapondo-se aos galpões e fábricas tradicionais, no projeto adicionam-se pátios, jardins e canteiro (oficina) que reforçam a ideia de um galpão fragmentado, possibilitando usos diversos.
_teatro
_oficina 145
4. Traquitanas_percurso cota criada em andaime (teatro): no coração do teatro encontra-se o palco e 4 conjuntos de arquibancadas voltadas para ele. Aproveitando a disposição das mesmas, desenvolve-se um percurso em uma cota elevada que une o ponto mais alto das arquibancadas, criando um novo trajeto, um circuito em U que pode receber espectadores e/ou servir de apoio cenográfico para as peças, possibilitando um acesso secundário para atores sem que seja exclusivamente pelas arquibancadas, de frente para o público. O andaime é utilizado justamente por representar a mutabilidade possível e desejada no projeto. Através dele, novos arranjos são possíveis, novos cenários, percursos, conexões. Ele pode ser subtraído ou somado a novos módulos, se assim conveniente para aqueles que façam uso do espaço. 5. Conexão_paredes internas de meia altura (oficina): na oficina há uma clara homenagem à arquiteta Lina Bo Bardi, que acreditava na emancipação pela arte e no papel educativo da cultura. No Sesc Pompeia ela eleva a noção de coletividade brilhantemente presente em cada solução projetual, seja nas mesas e bancadas de trabalho, nunca individuais, seja no espaço integrado dos pavilhões, que mesclam programas, ou nas paredes em meia altura, que exigem daqueles que habitam o espaço uma consciência de uso, tendo em vista que não há barreiras para o som.
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_teatro
_oficina 147
Escalas humanas das plantas desenhadas por Guilherme Pianca.
planta_TEATRO
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corte b.b_TEATRO
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diagrama explodido TEATRO_
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Escalas humanas das plantas desenhadas por Guilherme Pianca.
planta_OFICINA CENOGRAFIA
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corte c.c_OFICINA
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diagrama explodido _OFICINA
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano (...) Esta qualidade reveladora do discurso e da ação vem à tona quando as pessoas estão com outras, isto é, no simples gozo da convivência humana (...) A ação não incide sobre quaisquer objetos, pois se dá sempre em um espaço-entre as pessoas, capaz de relacioná-las e de mantê-las juntas. A ação é a capacidade humana de instaurar novidade no mundo. ARENDT, 2007:192
Segundo Gramsci (2001), a revolução é um processo que vai se dando através da dialética construção e reconstrução, ou seja, da luta política, que implica na diluição da sociedade burguesa e a construção de uma nova sociedade. Essa dialética, por sua vez, exige sim uma alteração das estruturas de comando, econômica e política, mas também, e, sobretudo, uma profunda mudança na maneira de pensar da sociedade. Por isso, a revolução é essencialmente cultural. Ainda em Caderno do Cárcere 11 (GRAMSCI, 2001), ele ratifica que o processo de aquisição de uma consciência crítica revolucionária exige que as classes exploradas tenham uma ‘organicidade de pensamento’, uma ‘solidez cultural’, possibilitadas pela presença engajada dos agentes. Unindo esta reflexão com o pensamento destacado de Hannah Arendt (2007) busca-se enaltecer que as mudanças sociais e ideológicas que desejamos, visando um estado de bem estar social e, sobretudo, ecológico, tendo em vista que o sistema vigente parece acelerar suas lógicas rumo ao esgotamento completo dos 169
nossos recursos na terra, são necessárias. Para isso, discurso e ação - práxis- são fundamentais. Dessa maneira, este trabalho visa propagar a potente chave discurso/ação que vem sendo construída pelos teatros de grupo apresentados, e tantos outros. Bem como contribuir com o debate sobre o papel do projeto, a quem atendemos e como. Ao atrelar a produção cultural e de fomento crítico, visando a construção de uma emancipação ainda que por hora intelectual, e suscitar imaginários outros, possíveis, como defendem os teatros de grupo, este trabalho pretende dar luz para as possibilidades de aproximação de estudantes e profissionais da arquitetura em apoio aos sujeitos à frente dessas pautas. Através da troca gerada pelo convívio de diferentes pessoas e espacialidades, em torno de desejos comuns, pode-se ampliar também as condições de criatividade e apropriação técnica dos projetos elaborados em conjunto. Daqui se deduzem determinadas necessidades para cada movimento cultural que tende a substituir o senso comum e as velhas concepções do mundo em geral: (...) trabalhar incessantemente para elevar intelectualmente sempre cada vez mais vastos estratos populares, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa trabalhar para suscitar elite de intelectuais de um novo tipo que surjam diretamente da massa, permanecendo, no entanto em contato com ela para se tornarem “estacas” do busto. Esta necessidade, se satisfeita, é a que realmente modifica o “panorama ideológico” de uma época. GRAMSCI, 1978:36.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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