Iniciacao

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Sumรกrio


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Prefácio

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Capítulo 1 O primeiro encontro

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Capítulo 2 Triste realidade

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Capítulo 3 Tentativa frustrada

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Capítulo 4 A um passo da verdade

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Capítulo 5 Alegria e saudade

59

Capítulo 6 Fogo-selvagem

67

Capítulo 7 Outra tentativa

79

Capítulo 8 Cuidando de Serginho

87

Capítulo 9 Lar da Caridade

99

Capítulo 10 Auxílio às avessas

109

Capítulo 11 Caso sem solução

117

Capítulo 12 A fé que move montanhas

123

Capítulo 13 Recebendo ajuda

133

Capítulo 14 Nos braços de dona Aparecida

143

Capítulo 15 Rebeldia

153

Capítulo 16 Revendo o passado

163

Capítulo 17 Luta incessante

171

Capítulo 18 Uma visita inesperada

181

Capítulo 19 Vencendo o preconceito

187

Capítulo 20 O caminho da cura

197

Capítulo 21 Doce reencontro

205

Capítulo 22 Perseverança

217

Capítulo 23 Inquietação

225

Capítulo 24 Espera angustiante

237

Capítulo 25 Novamente na Crosta

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Extras



Prefácio É com muita alegria que oferecemos ao leitor esta obra, a qual dá sequência ao livro Rebeldes – luz que nunca se apaga Ficamos satisfeitos ao constatar que os jovens se identificaram com a história de Serginho. Ele também está feliz em contribuir, através de suas experiências, para que outras vidas sejam beneficiadas pelos ensinos de Jesus, redivivos na Doutrina Espírita. Esse amigo, que ainda se encontra no plano espiritual, tem trabalhado incessantemente em favor da juventude do país inteiro, aliado às inúmeras equipes que se dedicam a esse mister. A todos os jovens, o nosso voto de que a vida seja uma bela e longa viagem, cheia de aventuras, vii


desafios e conquistas, e que ao final da jornada cada um esteja realizado e contente pelas escolhas que efetuou. Que Jesus os abençoe e os guie. Bento José Atibaia, março de 2012

viii




Capítulo 1

O primeiro encontro O dia amanheceu nublado, chuviscando uma garoa fi­ninha e chata, bem típica da cidade de São Paulo. Paulinho tossia sem parar. Jacira se afastou do fogão e acer­cou-se do filho: — O que é, Paulinho? Está com gripe? Não me falou nada ontem... Tentando dissimular suas preocupações e desviar a atenção da mãe, o menino respondeu: — Não é nada não, mãe; estou bem... É só uma tossinha à-toa... Jacira fitou-o um pouquinho mais e depois, escutando o choro do mais novo, que acabara de acordar, pediu: — Então se levante logo; você já está atrasado. Ande, vá. Com enorme esforço Paulinho sentou-se no colchão velho que lhe servia de cama, no espaço exíguo que era ao mesmo tempo quarto, sala e cozinha, e ali 11


ficou tentando achar forças para se pôr em pé. A mãe ainda o observou um pouco; contudo, logo se distraiu com os filhos menores, que acordavam um a um – eram sete ao todo. Enquanto Paulinho, o mais velho, de quase nove anos, cambaleante se dirigia ao banheiro, do lado de fora da casa, dois amigos espirituais da família chegavam de uma colônia vizinha à Crosta da Terra, para lhes trazer amparo e auxílio. Serginho e Lívia se aproximavam da casa humilde, caminhando pela viela estreita e sinuosa, em meio a casebres pobres e malcheirosos. Serginho demonstrava surpresa e Lívia perguntou: — Você está bem? — Estou enjoado! Nunca vi tanta sujeira assim... Não imaginava que pessoas pudessem viver em um ambiente como este... Lívia olhou o primo com ternura e disse: — Compreendo sua impressão negativa, mas saiba que este lugar não é nem de longe o mais desprovido de estrutura que já vi. Ainda mais admirado, o rapaz perguntou: — Esteve em local mais miserável do que este? — Muito mais, Serginho. Isto aqui é um verdadeiro paraíso! — E que lugar tão carente assim foi esse que você conheceu? Lívia pensou por um segundo e respondeu: 12


— Serginho, infelizmente, para vergonha da humanidade, nosso planeta tem áreas em extrema pobreza, sujas e infectadas com diversas doenças. São regiões muito mais necessitadas do que esta favela. — Estou curioso, Lívia. Onde foi que encontrou tanta miséria? — Em várias partes do mundo; mas, sem dúvida, algumas regiões da África foram as que mais me entristeceram... Ele ia fazer outra pergunta, quando a prima parou: — É aqui, chegamos. Os dois estavam diante da escadinha de madeira que levava à porta da casa. Serginho ia subindo os degraus, porém Lívia o deteve: — Espere, vamos fazer uma oração. Precisamos pedir mais uma vez a Deus que nos abençoe os esforços. Em profunda concentração, Lívia orou suplicando orientação e sabedoria. Antes que terminasse, duas entidades espirituais, um homem e uma mulher, saíram do casebre para encontrá-los. Ambas aparentavam idade avançada e a senhora disse ao vê-los: — Creio que são Lívia e Serginho. Estávamos ansiosos pela vinda de vocês. Tocando-lhe o braço com suavidade, Lívia a tranquilizou: — Compreendemos sua preocupação. Estamos aqui para tentar auxiliar. São parentes do Paulinho? — Ele é nosso neto. Sabemos que não temos 13


muitos recursos para ajudá-los; mesmo assim, temos feito o melhor ao nosso alcance. Eu já não conseguia ficar longe deles. Além do mais, Jacira vivia pensando em mim, e a distância tudo fica mais difícil. Obtivemos autorização para nos aproximar e colaborar. Ela fez breve pausa e, mostrando muita aflição, perguntou: — Vão ajudar a curar meu neto, não é? Tenho pedido isso a Deus todos os dias. Não agüento mais ver um menino tão pequeno sofrer desse modo... Alías, toda a família. Minha filha só faz trabalhar sem parar. É uma vida sofrida demais... Viúva, sem parentes, está sozinha no mundo... Ela não pôde continuar. Pesadas lágrimas desceram-lhe pela face e Lívia abraçou-a com ternura, aconselhando: — Tenha fé, minha irmã, Deus jamais nos abandona. Estamos aqui em resposta às orações de Paulinho e vejo que às suas também. Como é mesmo seu nome? — Josefa. E este é meu marido Antero. O homem, que se mantivera calado, estendeu-lhe a mão: — Muito prazer. Também estou feliz em vê-los. Naquele momento, Paulinho abriu a porta e desceu a escada, indo direto para o banheiro coletivo, que era dividido com outros moradores da vizinhança. O cômodo estava ocupado e o menino, sem agasalho e 14


tremendo, ficou de pé diante da porta, a esperar. Josefa aproximou-se e envolveu-o em terno abraço, pedindo: — Tenha paciência, meu filho, tudo vai se arranjar. Paulinho não podia ouvir a avó materna, mas sentiu ligeira alegria e sorriu, como se a escutasse. A porta finalmente se abriu e ele entrou no acanhado aposento. Josefa, penalizada, fitou o menino e, virando-se, indagou outra vez aos recém-chegados: — E então, vão curar meu neto? Serginho não sabia o que responder. Ficou mudo. Lívia abraçou novamente a aflita senhora e esclareceu com doçura, enquanto emitia suave luz que envolvia todos ao seu redor: — Dona Josefa, Deus quer que todos sejamos felizes, mesmo quando, às vezes, a situação parece muito difícil. Vamos ajudar sua família, mas a cura dependerá mais deles do que de nós. Josefa e Antero ouviam com muita atenção. Lívia continuou: — Vocês sabem que Jacira e Paulinho estão tendo uma grande oportunidade nesta encarnação, não sabem? Josefa baixou os olhos ao responder: — Sei, sim, minha filha, e doi mais porque nós também somos culpados. — Não se culpe, dona Josefa, a culpa não nos aju15


da em nada. Temos de confiar em Deus e contribuir no que estiver ao nosso alcance. Vamos olhar para o presente, e não para o passado. Este nos auxilia a compreender o que estamos vivendo, e apenas isso. Nossa real oportunidade está neste momento. Façamos o melhor hoje, e repararemos ao longo do tempo as faltas do passado. Em seguida, Lívia convidou: — Acha que podemos entrar, dona Josefa? — Sim, minha filha, com toda a certeza. Nosso amigo e protetor deste lar nos aguarda, vamos. Paulinho subia as escadas desanimado, sem notar a companhia de seus novos amigos, que juntamente com os avós, já desencarnados, iam logo atrás. Por sua vez, Serginho não tirava os olhos do garoto franzino, e imediatamente sentiu o coração encher-se de compaixão.

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Capítulo 2

Triste realidade Quando Paulinho fechou a porta atrás de si, Lívia e Serginho já haviam entrado com os avós do menino. Seu Antero foi logo dizendo: — Venham, nosso instrutor está ali. Assim que os viu, Luiz recebeu-os afável: — Que bom que chegaram, meus amigos! Há muito espero reforços do Mais Alto. Os problemas no lar se agravam. Dona Josefa e seu Antero, aqui – olhou carinhoso para os dois senhores –, estão fazendo todo o possível para auxiliar; no entanto, têm seus estudos e precisam ausentar-se com muita frequência, para assegurar o próprio adiantamento. Foi o combinado para que pudessem permanecer ao lado da filha e dos netos. Não foi isso, dona Josefa? Baixando a cabeça ligeiramente, a senhora respondeu acabrunhada: — Isso mesmo. Mas queremos ajudar mais... Com a paciência das almas que já conquistaram 17


alguma virtude, Luiz respondeu gentil: — Só poderão ajudar se estiverem também melhorando. Portanto, devem ir, dona Josefa. Sei que têm importantes tarefas a realizar na colônia. A partir de agora Sérgio e Lívia estarão aqui e vocês poderão seguir com seus estudos. Josefa olhava para os dois jovens e para o marido, hesitante. Percebendo a ansiedade na bondosa senhora, Luiz insistiu: — Não há nada a ser feito por ora. Nossos amigos acabam de chegar e precisarão de algum tempo para se inteirar da situação. Sem esperar pela resposta, Serginho interveio: — Nós já estudamos o caso em profundidade; estamos prontos para ajudar, dona Josefa. Olhou para Lívia desejando que dissesse algo, mas ela apenas sorriu. Foi Luiz quem arrematou: — Eles conhecem a história. Só precisam de algum tempo para se envolver com a família, criar laços de afeto e a necessária sintonia. Josefa suspirou longamente e por fim concordou, limpando os olhos: — Muito bem, meus filhos, deixo o que tenho de mais precioso em suas mãos. Cuidem bem de meus tesouros. Luiz abraçou-os em despedida. Ambos voltariam para a colônia em que haviam sido recolhidos depois de deixarem o corpo físico, para prosseguir 18


nas tarefas a que se dedicavam no aprimoramento de suas almas. Depois de demorada conversa em que detalhou a delicada situação da família, Luiz concluiu: — Como vêem, eles de fato precisam muito de nosso apoio. Vou acompanhar Jacira em seus afazeres fora do lar, enquanto vocês seguem Paulinho de perto. Jacira falou com Paulinho, antes de sair: — Fiz o leite dos seus irmãos; dê a eles e fique até dona Maria chegar; depois você e Lindomar podem ir trabalhar. Ela olhou mais uma vez para as duas mamadeiras pela metade sobre e pia, suspirou e saiu, seguida por Luiz. Lívia olhou detidamente ao redor e exclamou: — Eles realmente estão em sérias dificuldades! Assim que a mãe saiu, Paulinho foi até a janela e certificou-se de que ela não voltaria. Então, jogou-se de novo na cama, sem ânimo. Serginho observou a mesa vazia e perguntou: — Será que ele já tomou o café da manhã? Se o fizesse, teria mais energia. Lívia respondeu: — Parece que eles não têm nada para comer hoje. Observe com atenção. Ambos se aproximaram da pia encardida e minúscula, sem água encanada, e viram as duas mama19


deiras com leite diluído, quase água. Serginho virou-se para os dois meninos pequenos que brincavam no chão, de narizinho escorrendo, magrinhos que dava dó; depois contemplou Paulinho, estirado no colchão, e Lindomar, de quase cinco anos, que se distraía com a brincadeira dos menores. Sentou-se por fim e disse, desanimado: — Puxa vida, que tristeza! Como é que podem crescer com saúde, se não têm nem leite para beber? — É, meu primo, e infelizmente eles não são os únicos nesta condição. Incontáveis irmãos nossos vivem dramas iguais ou ainda piores. — Lívia, onde estão as outras crianças? São sete irmãos, não são? Antes que Lívia respondesse, dona Maria entrou puxando duas crianças pelas mãos e trazendo no colo um bebê de cerca de oito meses. A jovem olhou para Serginho e disse: — Aí estão; acabam de chegar. A bondosa senhora acomodou o bebê no colchão e, vendo Paulinho, perguntou: — Ué, ainda deitado? Você está doente, menino? Sentando-se depressa, ele negou: — De jeito nenhum! Só estou com sono. Estava mesmo esperando a senhora para poder sair. E pegando Lindomar pela mão, disse: — Vamos, Lindomar, precisamos trabalhar. Saíram os dois. Dona Maria, com olhar triste, 20


fitou-os e pensou: “Meu Deus, como eu queria poder fazer mais por essas crianças... Mas o que é que eu posso fazer, Jesus? Sou tão pobre também... Como gostaria de ajudar...” Lívia e Serginho seguiram os meninos. Caminharam um bom pedaço, depois pegaram um ônibus e andaram a pé outra vez. Finalmente alcançaram movimentado cruzamento em uma importante avenida de São Paulo. Paulinho se aproximou de um rapaz alto e disse, sem olhá-lo nos olhos: — Trouxe meu irmão para ajudar. Ele também sabe vender. Medindo o pequenino Lindomar de alto a baixo, o grandalhão perguntou: — Quantos anos ele tem? — Cinco. — Não vai saber vender. Ele pode pedir. Paulinho protestou: — Não! Pedir não, ele pode trabalhar que nem eu. — Cale a boca e faça o que estou mandando. Ele vai pedir e você vai vender. E socando nas mãos do menino alguns saquinhos com balas e canetas, disse: — Vá, vá logo. Chegou atrasado hoje. Contrariado, mas impotente, Paulinho olhou com tristeza para o irmão menor: — Vá, Lindomar, faça o que o Luizão está falando. 21


Ele vai lhe ensinar como fazer. Logo você já estará maiorzinho e aí poderá vender também. De olhar assustado o pequeno, sem compreender direito o que acontecia, obedeceu. Serginho explodiu indignado: — Que absurdo, Lívia! Como é que ninguém faz nada? Não é possível! Isso é um perigo! Uma criança desse tamanho solta na rua, e ainda por cima nas mãos de um grosseiro como esse Luizão... Nós temos de fazer alguma coisa! Diga-me, o que podemos fazer agora, para deter esse sujeito? — Calma, não é essa a conduta adequada. Lembre-se de que estamos aqui para auxiliar, e não para interferir. — Como não? Temos de impedir o cara de fazer essa criança trabalhar! — Não podemos, Serginho. — Como não? — Devemos agir com cautela. Vamos ajudar em tudo o que for possível, porém temos de atuar com sabedoria e no momento oportuno. Acercando-se de Luizão, o rapaz colocava a perna em frente à do brutamontes, na intenção de derrubá-lo. Sem obter êxito, tentou empurrá-lo, igualmente sem sucesso. Serginho pulava e gritava diante do aliciador, que nem de longe sentia sua influência. Por fim, exausto, o jovem desencarnado olhou para Lívia e implorou: 22


— Se eu não consigo, sei que você pode fazer alguma coisa; faça esse cara quebrar a perna, ou sei lá... qualquer coisa... Mal ele terminou de falar, um bando de entidades arruaceiras juntou-se a Luizão, que imediatamente revelou maior agressividade para com as crianças, berrando ordens e ameaçando bater nelas. Serginho acompanhou a movimentação em silêncio, depois se aproximou de Lívia, que o fitou severa e advertiu: — Você sabe que não é dessa forma, sem equilíbrio e amor, que seremos úteis a eles. Contenha-se, Serginho, e lembre-se de que não estarei o tempo todo ao seu lado. Precisa aprender a controlar seus impulsos. O rapaz sorriu sem jeito e concluiu, acabrunhado: — Tem razão... É que não consegui me conter. Lívia bateu levemente em sua mão e observou, sorrindo: — Eu sei que é difícil, e está aqui para isso: para aprender. Serginho retribuiu com um sorriso amarelo e prometeu: — Vou tentar... Depois de um dia inteiro na rua, em meio aos carros que iam e vinham, quase ignorando sua presença, Paulinho parecia triste e cansado. Quase às cinco da tarde, arrastava-se entre os carros parados 23


no sinal. E Luizão gritava do outro lado da rua: — Vá logo, Paulinho, mexa-se! Está pior que uma lesma! E não traga mais esse seu irmão, não. Ele é muito pequeno, não conseguiu nada o dia todo e só me deu trabalho. Quero apenas você! Sem erguer a cabeça, o menino procurava inutilmente andar mais depressa. E o Luizão continuava a berrar: — Veja se vende mais alguma coisa! Está muito fraco hoje! Desse jeito, vou ter de trocar você também! Está escutando? — Estou... – resmungou o menino, tentando apertar o passo. Chegou perto de um carro elegante com uma mulher bem vestida ao volante e duas crianças no banco traseiro. O vidro estava quase fechado. Paulinho ofereceu: — Quer bala para as crianças, dona? Fechando um pouco mais o vidro, a mulher respondeu: — Não, hoje não. Ele implorou: — Por favor, dona, me ajude. Só um saquinho de balas... — Não quero. Ele insistia: — É para as crianças... Elas gostam. — Saia daqui, moleque! Está pensando o quê? 24


Meus filhos não comem balas de rua, não! Saia. Não quero comprar nada, não escutou? É surdo ou o quê? Baixando a cabeça, ele se afastou, reclamando: — Nossa, que brabeza... Só estou trabalhando... Sem dar a menor atenção à reação do menino, tão logo o sinal abriu a mulher arrancou acelerando. Paulinho sentou-se no meio-fio, baixou a cabeça e suspirou, profundamente entristecido. Sentiu os ombros e o peito arderem como se queimassem. Naquele dia, até a roupa o incomodava. Lindomar se achegou ao irmão e pediu: — Já pode me dar uma bala? Só uma! — Não, Lindomar. Elas são do Luizão; são para vender, não para comer. Vá para lá, vá... — Por que você está chorando, Paulinho? Disfarçando e limpando as lágrimas que escorriam, ele respondeu: — Caia fora! Não estou chorando, não. Vá para lá! Se o Luizão vir a gente conversando, vai pensar que estamos brincando e me dar bronca... — Estou com fome, Paulinho. E cansado... Quero ir embora... Dessa vez foi Lindomar que desatou a chorar. O maior se ergueu e puxou-o pela mão: — Venha, não precisa chorar. Vamos embora; está quase na hora mesmo. Serginho passara o dia inteiro com o menino. Estava revoltado: 25


— Não me conformo, Lívia. Como é que os espíritos superiores deixam uma criança como essa passar por tudo isso? Não está certo! Lívia fitou-o séria e orientou: — Se continuar a reclamar, a deixar que a situação desperte em você seus próprios problemas, não conseguirá fazer nada por eles. Você tem de aprender a confiar em Deus, em suas leis eternas e sábias, e tem de agir com amor e resignação. Do contrário, além de não ajudar, vai acabar atrapalhando... Ela silenciou por instantes e, diante da mudez do primo, prosseguiu: — Lembre-se de que Paulinho não é apenas uma criança de dez anos incompletos. É um espírito imortal – que já viveu outras vidas na Terra –, que hoje habita esse corpo pequenino. Nunca se esqueça disso. Se agora é uma criança, ele já foi um homem. Você sabe um pouco sobre seu passado e suas dificuldades atuais, mas não conhece ainda todos os detalhes. É dentro dele mesmo que guarda a sua história por inteiro: suas experiências, seus potenciais, seus desafios na presente encarnação. Serginho continuou quieto e ela aduziu: — Se quiser mesmo ajudar, ame esta pequena vida, e lembre-se de que estamos aqui para colaborar. Perder tempo com reclamações, lamentações e inconformações não irá auxiliar em nada. Surpreso com o rigor de Lívia, finalmente Sergi26


nho reagiu: — Não precisa ficar tão brava! Nossa! Você nunca me falou desse jeito tão severo, tão... Sem o deixar completar, ela respondeu: — São vidas que estão em jogo aqui; o futuro da encarnação deles pode ser comprometido, se não tomarem as decisões mais apropriadas ao seu adiantamento. Estamos aqui para auxiliá-los a tomar essas decisões, e não para livrá-los de todos os problemas, pois é exatamente através deles que haverão de crescer. Temos de agir com amor e firmeza, seriedade e compreensão, flexibilidade e ternura, se quisermos ser realmente úteis. Não estamos aqui para brincar, e sim para fazer alguma diferença. Não há tempo para lamentações e revolta, somente para o trabalho e a dedicação sincera a este lar. Ela se calou, percebendo o profundo impacto que suas palavras haviam causado no rapaz. Serginho manteve-se mudo durante todo o caminho de volta. Já diante da porta da casinha simples, disse: — Desculpe, Lívia, você está certa. É que às vezes é muito difícil para mim. — Eu sei, e repito: você está aqui para aprender. Seja humilde e esforce-se o mais que puder. Nada além disso lhe será cobrado. Ele sorriu e moveu a cabeça em sinal afirmativo. Ia subir as escadas, mas Lívia o deteve: — Espere. Vamos à casa da vizinha, dona Maria; 27


quero ver se podemos contar com alguma cooperação da parte dela.

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