VOZES DISSONANTES: Discurso da Diversidade e Diversidade de Discursos no Manifesto Tropicalista.

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4. A graça divina da Justiça e da Concórdia. Compondo um objeto-disco, a capa e as músicas produzem conjuntamente uma significação geral, alegórica, enunciada como a fala de um sujeito que se figura no próprio enunciado. O disco, com efeito, realiza uma encenação das "relíquias do Brasil" (culturais, políticas, artísticas), ritualizando, ao desdobrar-se, o próprio ato de fazer música, também exposto à devoração. Este caráter "artificial", distanciado, aparece em cada detalhe da capa, na construção das letras, ritmos, arranjo e interpretação. (...)101

A premissa e a promessa da feitura desse capítulo apontam para a construção de uma análise dos fonogramas do disco-manisfesto tropicalista, de maneira a um tempo coerente com os princípios teóricometodológicos propostos no primeiro capítulo e também em processo articulado com o procedimento analítico desenvolvido no segundo. Dessa forma, pensamos em como os fazeres dos tropicalistas podem ser lidos em pontos interseccionais de elementos díspares, sobretudo quando esses elementos são a elaboração de um discurso da diversidade e de uma diversidade de discursos. Sobretudo ainda ao pensar em fazeres de identidades e subjetividades nos espaço da obra. No capítulo 1, retomamos a título de exemplo a obra Problemas de Gênero de Judith Butler quando esta aponta que as identidades são não-cristalizáveis e construídas em suas ilusões de cristalização através de performances102. Conforme indica Butler, essas performances são repetições de estilizações do corpo; retomamos esse conceito para contrastá-lo aos registros que compõem os fonogramas em questão. Não deixa de ser desafiadora a noção de identidades não-estruturais e nãocristalizáveis contrastada com o registro imutável – então, por definição, cristalizado em suas formas – de uma série de performances. Essas performances pontuais, entretanto, passam por uma função eletiva que as qualifica como manifesto de um movimento, sendo, portanto, discursos de si. É possível, entretanto, pensá-las também como lugares de singularidades, de gestos que pela especificidade material do 101 102

FAVARETTO, Op. Cit,, p. 79. BUTLER, Op. Cit.

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