caminhos narrados - lugares no percurso do ônibus

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CAMINHOS NARRADOS



CAMINHOS NARRADOS lugares no percurso do ônibus

trabalho final de graduação júlia savaglia anversa orientador: jorge bassani fauusp | jun. 2014


“ -O que é que o senhor faz da vida? - perguntou o professor. -Aprendo coisas. “

A Espuma dos dias




para Ena e Yara, minha essĂŞncia.


OBRIGADA jorge bassani, pelas interlocuções, questionamentos, orientação e por ter sido um professor presente em vários momentos desse trajeto. camila d’ottaviano, pelas dicas fundamentais para meu encontro com o tema deste trabalho. maria lucia gitahy, pelo incentivo desde quando a fau ainda era novidade. marta bogéa e marcelo carnevale, pela atenção e disponibilidade. amigos do farofa, essenciais durante esses últimos anos e em todos os próximos. grupo de tfg, pelo compartilhamento de desesperos, estímulos e realizações. adriano e amigos do ateliê, por me ajudarem a acreditar na existência de um mundo diferente. julia reis e julia machado, pelo encontro lá do outro lado do atlântico, que mudou muito do que havia por aqui. companheiros-amigos do ape, pela motivação em todas as maneiras de pensar a cidade e pela construção de um sonho, que tem se mostrado possível. também minhas sinceras desculpas pela ausência nos últimos meses. beto, ruth, manuel, pelo cobertor de pés nas horas sentadas e a sinceridade do amor canino. ou quase isso, no caso da ruth. nete, por ser tão especial e garantir a minha sobrevivência em grande


parte dos últimos 25 anos. victória, pela presença, ainda que às vezes à distância, carinho e apoio incondicional. eduardo e yara, por exatamente tudo. kei, que por simplesmente estar faz de qualquer espaço meu lugar no mundo. especialmente tayna, josé, maria zuleide, cosme, ines, ana paula, emília, marilene, isabela, francisco, sem os quais não teria sido possível



10 introdução 16 primeira parte discussões

18 por que nos movemos? 30 lugares e não-lugares 52 sobre São Paulo

66 segunda parte experimentação urbana 102 CONSIDERAÇÕES FINAIS 108 REFERÊNCIAS


JD. BONFIGLIOLI

PINHEIROS

INTRODUÇÃO


PAULISTA

BELÉM

BRÁS


A experiência atual de cidade está essencialmente atrelada à circulação. O desenvolvimento das atividades econômicas e comerciais contemporâneas, apoiadas no território planejado para a eficiência, estabelecem uma situação extrema de fluidez, que pauta a relação dos cidadãos entre si e com seu próprio lugar. Habitar a cidade dos fluxos impõe ao corpo a condição de constante passageiro, que dispõe de muito tempo no caminho, sem preencher suas lacunas e significar propriamente o entre. Também distorce as possibilidades de reconhecimento e, consequentemente, de apropriação do espaço, num rompimento de sensorialidades e significação. Ao mesmo tempo em que se constroem estruturas capazes de comportar as dinâmicas criadas para dar suporte ao mercado, dissolvem-se os locais de estar e convivência, prejudicando as trocas e vínculos que deles decorrem. Os resultados dessa descompensação são evidentes na paisagem, permeada por supervalorizadas obras de transporte e diminuídas áreas de encontro, e configurada por espaços segregados, numa pretensa funcionalidade que há muito expõe sua falência. Desnaturalizar as questões da chamada hipermobilidade e das relações corrompidas por ela é a proposta deste trabalho. Baseada no entendimento da cidade como um espaço de possibilidades geradas pelos usos, atritos e afetos, mais que de fluxos, procuro, de alguma maneira, provocar em outros atores a reflexão acerca de nossos papeis como espectadores ou agentes nesta estrutura. Para que este tema e seus desdobramentos ocorressem, apoiei-me na 12


minha própria prática diária como usuária de ônibus e, principalmente, nas experiências vivenciadas nos últimos quase dois anos como integrante do APE - Estudos em Mobilidade, grupo de extensão universitária sediado no Escritório Piloto. No andamento de nossas atividades, pudemos desenvolver uma noção muito ampla de cidade e, mais ainda, levá-la ao debate com outros cidadãos, realizando conversas, oficinas e outras trocas, que enriqueceram o repertório das questões urbanas para todos os envolvidos. O interesse por esses contatos criados e os resultados positivos das experiências consolidadas no grupo tornaram imperativa a construção, aqui, de uma forma de experimentação aliada à pesquisa bibliográfica. Assim, neste trabalho se apresentam, em dois momentos, alguns conceitos estudados e a forma que encontrei de interpretá-los propositivamente. Na primeira parte, exponho os caminhos de minha discussão sobre a circulação e suas consequências, que vão desde a vida dedicada ao fluxo até a perda de significado da cidade, de passagem rápida e sem convivência. Logo depois, aproximo-me da cidade de São Paulo, numa rápida contextualização, que entendi ser importante para ilustrar o que se discute anteriormente, além de situar a realidade com que me familiarizo e que, por consequência, motiva toda esta construção. A segunda parte é dedicada à experimentação. Nela, relato seu ponto de partida, seu desenrolar e que tipo de reflexões espero compartilhar através de seu exercício. Não existindo uma conclusão exata, dediqueime a alguns comentários críticos nas considerações finais.

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Não sendo a experimentação um exercício de desenho, sua documentação extrapolou os limites do caderno e é complementada com o dispositivo de áudio incluído neste material. A assimilação do que foi produzido nesta mídia é indissociável da primeira parte do trabalho, mas o inverso não é necessariamente verdadeiro, uma vez que diferentes leituras podem levar a múltiplas maneiras de realização da teoria. Cabe dizer que, além do estranhamento causado nos companheiros de jornada, realizar esta atividade significou, para mim, penetrar a fundo na experiência de cidadã e retomar alguns laços que havia perdido no cotidiano. Portanto, não poderia adotar um tom impessoal ao relatá-la e, mesmo quando são as vozes dos outros mais presentes, o são porque me entreguei totalmente ao que estavam dizendo.

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JD. BONFIGLIOLI

PINHEIROS

PRIMEIRA PARTE


19.FEV 05.MAR

PAULISTA

BELÉM

BRÁS



POR QUE NOS MOVEMOS?*

VIVER NA CIDADE DOS FLUXOS


“Todo dia é cansativo. Eu gostaria de trabalhar pelo menos no bairro, mais próximo. Até mais ou menos no centro já estaria bom, já é metade do caminho. Mais pra frente, pretendo fazer isso. Ano passado eu falei que esse ano ia voltar a estudar, mas eu chego em casa tão cansada, não dá vontade de fazer nada.” 1


PÁGINAS ANTERIORES: CENTRO DE SÃO PAULO, 2013 ACERVO PESSOAL * TÍTULO TRADUZIDO POR MATEUS ANDRADE, DA OBRA DE VINCENT KAUFMANN, Les Paradoxes de la Mobilité

1. TRECHO DO DEPOIMENTO DE MARILENE, MAI.2014 2. ver CASTELLS, 1999, sobre os fluxos virtuais e as possibilidades de aculturamento e dissolução do território 3. AUGÈ, 1994 4. APE-ESTUDOS EM MOBILIDADE, 2013. DISPONÍVEL EM http://escritoriopiloto. org/artigo/fal%C3%A1ciada-imobilidade

A cidade contemporânea tem se tornado o lugar dos fluxos, cada vez maiores, mais intensos e mais indispensáveis na estrutura econômica atual. Sendo física ou virtualmente, são milhões de deslocamentos diários entre pessoas, bens e informações, que implicam a dissolução dos limites e das noções de espaço conhecidas até hoje. O mundo conectado em rede aumenta a capacidade das trocas e presenças virtuais, assim como questiona as bases sólidas em que se estabelecem as atividades, visto que constantemente tem-se dedicado à criação de meios que facilitem sua execução online. Também acaba por romper fronteiras territoriais, integrando mesmo entes que habitam lados opostos do globo, em uma condição de intercâmbio informacional e cultural nunca antes observada2. Ao mesmo tempo em que se expande o universo cibernético, no entanto, as cidades se deparam com o aumento da necessidade de deslocamentos físicos, tanto para o cumprimento do número cada vez maior de atribuições a que as pessoas se dedicam, quanto para a manutenção da troca incessante de dados e mercadorias que se estabeleceu, principalmente, a partir da metade do século XX. Esta condição contemporânea de hipermobilidade3, possibilitada pelas estruturas planejadas desde a modernidade - que cultivou sua noção de futuro na vinculação do homem ao motor e na domesticação do automóvel4 - e pelos avanços tecnológicos que sustentam este padrão, transforma a relação das pessoas com a cidade e entre si. Torna-se incomum o tempo gasto em atividades consideradas não produtivas, como o passeio, a deriva e o descanso em espaços públicos que, menos aproveitados, passam a ser supérfluos na construção da cidade comandada pelo funcionalismo. Prejudicados seus espaços, a 21


convivência se altera, acarretando não só a perda de identidade com o local, como com o outro - desconhecido, ignorado, ou mesmo ruim. As funções dos deslocamentos são muitas - trabalho, estudo, lazer, saúde, compras, utilização de diversos outros serviços - e justamente entendemos como cidade o território que agrega todos os equipamentos necessários para realizar estas atividades e, essencialmente, como o lugar em que se dão os encontros, trocas e convivências. Por essa multiplicidade e seu significado, o valor da cidade deve ser atribuído ao uso5, às experiências de vida e às possibilidades de compartilhamento que ela gera. Deslocar-se pela cidade é fundamental não só para a realização destas funções como também para descobri-la, conhecê-la e apreciá-la. Facilitar os percursos e acessos a todos os locais que configuram seu variado território é fundamental para assegurar os direitos dos cidadãos de ir aonde desejam e, ainda, garantir a oportunidade de utilizá-la plenamente. A diminuição deste potencial se dá quando a possibilidade de caminho é substituída pela necessidade do fluxo, que transforma a experiência urbana na imposição da velocidade e, consequentemente, na perda do olhar atento.

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“Movimento não significa necessariamente acessibilidade nem contato, significa também o transtorno de uma mobilidade que dissolve paisagens. Ou seja, a intrigante fluidez - qualidade de um espaço que se movimenta e, desse modo, pode (re)organizar-se no tempo - é também o fator que, perdida a medida, passa a ser pura e ágil conexão entre pontos.” 6

5. LEFEBVRE, 2008 6. BOGÉA, 2009: 174

ESTAÇÃO TAMANDUATEÍ, SÃO PAULO, 2013 ACERVO PESSOAL


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O valor de uso depende da apropriação dos espaços da cidade pelos cidadãos, e contrasta com a condição urbana atual de utilização somente de seus percursos. Passar pela cidade é um estado distante do de usá-la7: é somente se apoiar sobre sua base e transformá-la em um arquipélago de lugares em meio ao território irreconhecível da circulação. Às vezes, mais do que isso, é também substituir seu valor pelo de troca8, como o que se dá às mercadorias, pois equaciona-se o espaço urbano a partir do preço atribuído aos tempos de deslocamento9 e das necessidades de consumo. 7. GORZ, 2010

“Percorre-se o lugar em extensão, e a região urbana (autorreflexão da cidade) passa distante da própria cidade, isto é, da ideia de cidade.” 10

Discutir sobre esta noção que se criou, da necessidade dos fluxos intensos e da vida dedicada aos deslocamentos para realizar atividades com fins produtivos e financeiros, é uma prática desde meados do século passado, quando da formação de grupos como a Internacional Situacionista e o Team X. Já aí, criticavam a chamada sociedade do espetáculo11 e o ciclo econômico a que as pessoas estavam condicionadas pelo capitalismo, assim como a extrema funcionalidade que os modernos planejavam através da arquitetura e do desenho urbano12, propondo para a vida um desempenho tão programado quanto de uma máquina.

“Este novo contexto urbano é, portanto, o cenário no qual a passividade passa então a imperar e que, de certa maneira, é por ele condicionada.” 13

As reflexões que estes grupos introduziram no debate sobre as condições 24

8. LEFEBVRE, OP CIT 9. VILLAÇA, 2001 10. PERULLI, 2012: 31 11. JACQUES (ORG), 2003 12. CARTA DE ATENAS, DOCUMENTO FUNDAMENTAL DO PENSAMENTO MODERNO, FOI PUBLICADA NO CIAM III, 1933 13. GROSSMAN, 2006: 90


de vida do homem contemporâneo incluem questões sobre o tempo dedicado ao lúdico14, ao ócio e à contemplação, bem como a necessidade de mudança através da cultura e da arte, apoiada também no papel dos arquitetos e urbanistas, desta vez dedicados a propor estruturas menos ligadas ao capital e mais ao relacionamento entre pessoas e lugares.

14. LAZER QUE NÃO ESTEJA RELACIONADO À ALIENAÇÃO DO TRABALHO. VER GROSSMAN, OP CIT 15. NESTE CONTEXTO DE CRÍTICA, VER TAMBÉM JACOBS, 2000 16. GROSSMAN, OP CIT: 89

Planejar a cidade para seu cidadão, como verificado em suas ideias e proposições, envolve mais dados sobre a complexidade do ser humano que a organização moderna previa, ao reduzir o cotidiano a atividades pré-estabelecidas e às suas dinâmicas. Exatamente quando se dá a expansão dos subúrbios e a consolidação do transporte motorizado, esses grupos procuram reaver a importância da escala do homem, a fim de não tornar anacrônicos os espaços do entre e recuperar as outras possibilidades da vida nos centros urbanos15. Mesmo sendo discutidas há mais de sessenta anos, no entanto, essas pautas continuam bastante atuais, já que as práticas prejudiciais identificadas décadas atrás não foram superadas, principalmente nos países em contato tardio com o capitalismo, como é o caso do Brasil. Contrariamente, explora-se o desenho da cidade funcional e produtiva ao extremo das condições ambientais do território, tal como físicas e anímicas das pessoas que o habitam, tornando urgente a revisão dos projetos e rumos das comunidades urbanas para as próximas gerações. Viver em trânsito, nas cidades contemporâneas, continua a ser uma circunstância comum a muitos de seus habitantes. “Metrô-trabalhodescanso”16, expressão que sugere uma condição também reconhecida desde meados de 1950, e atualmente potencializada em nossa realidade, poderia ser adaptada para trem-ônibus-ônibus-metrô-trabalho para uma grande parcela da população. 25


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Essa experiência, no entanto, se dá de forma muito distinta entre os cidadãos. As diferenças de classe, gênero e renda se refletem nas condições de deslocamento e em suas funções. Os homens mais ricos tem mais atividades e se deslocam mais por menos tempo em cada uma dessas transposições, geralmente nos ambientes privados de seus automóveis; enquanto os homens mais pobres se deslocam menos vezes por trajetos mais longos, devido à segregação territorial que os empurra às bordas dos centros, e estão destinados à condição precária dada ao transporte público de que se utilizam habitualmente17. Encontrar-se em constante circulação prejudica todas as atividades que dependem de estar: convivência familiar e entre amigos, lazer e, paradoxalmente, o próprio trabalho, função que é o motivo preponderante destes deslocamentos18. O percurso passa a ser um tempo desperdiçado, pois perde-se a descoberta, o caminho animado, e chega-se ao esgotamento físico e emocional. Não é raro que este tempo seja revertido no próprio transporte para compensar outras necessidades diminuídas pela falta de horas disponíveis, como estudos e sono. A constante circulação significa não só passar grande parte do tempo entre, como também modificar as noções de pertencer, preencher e penetrar no espaço. É a noção de ir e vir levada ao extremo, muitas vezes deixando de lado a importante questão do ficar, permanecer19. A relação com a cidade e o outro fica corrompida, sob a falta do olhar atento e do contato pessoal, visto que o uso do motor implica uma velocidade incompatível com a exposição, a surpresa e a mudança e, principalmente, acarreta o uso de uma “proteção metálica” que distancia o corpo do território que ele percorre. 28

PÁGINAS ANTERIORES: RODOVIÁRIA DE BRASILIA, 2013. MINHOCÃO, SÃO PAULO, 2011. ACERVO PESSOAL

17. OD 2007.QUANTO ÀS MULHERES, AINDA ESTÃO MUITO ATRELADAS ÀS FUNÇÕES DOMÉSTICAS E DESLOCAMENTOS DE CURTA DISTÂNCIA DENTRO DO BAIRRO, PARA APOIO À CASA E À FAMÍLIA, PRINCIPALMENTE NAS CAMADAS DE BAIXA RENDA. 18. IBID 19. BOGÉA, OP CIT


OFICINA REALIZADA EM NOV.2013. UMA DAS PARTICIPANTES AFIRMOU: “NÃO TENHO DIVERSÃO, MEU TEMPO LIVRE É USADO PARA COMPENSAR O CANSAÇO DO TEMPO QUE GASTO NO TRAJETO” ENTRE ITAQUERA E CAPÃO REDONDO (ZONAS LESTE E SUL DE SÃO PAULO) FONTE: APE-ESTUDOS EM MOBILIDADE

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LUGARES E Nテグ-LUGARES

apropriaテァテ」o e significados urbanos

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“É ali que eu fico a maior parte do tempo, que eu venho observando as pessoas na rua, essas coisas, lojas, trânsito, as pessoas falando, cada uma cuidando da sua vida de um jeito, cada um com sua história, nada de mais, nossa sociedade mesmo.” 1

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PÁGINAS ANTERIORES: PUERTA DEL SOL, MADRID, 2011 ACERVO PESSOAL

O espaço é um dado amplo, que pode remeter a dimensões métricas, temporais ou a uma localização, sem que a ele se relacione qualquer subjetividade. Sua transformação em lugar é que está diretamente condicionada à atuação das pessoas, através do uso e dos vínculos que dele decorrem2. A criação do lugar depende da atribuição de significado aos espaços, pela construção da memória, do afeto, das relações pessoais e do pertencimento. Ou seja, lugar é o espaço com apelo histórico, subjetivo e identitário. As experiências pessoais vividas ali - desde seu desenho, aos usos e até mesmo suas trangressões - são essenciais para a criação de sua imagem, seu entendimento e apropriação.

1. TRECHO DO DEPOIMENTO DE ANA PAULA, ABR.2014 2. ROSSI, 2001 3. FERRARA, 1988:4

“A transformação da cidade é a história do uso urbano como significado da cidade. Sua vitalidade nos ensina o que o usuário pensa, deseja, despreza, revela suas escolhas, tendências e prazeres.” 3

4. IBID

Um lugar historicamente construído é a sobreposição de sentido e fatos nele passados, e remete-se a esta sequência quando mencionada sua importância para a cidade. Os símbolos e lembranças, transmitidos por gerações, fazem emergir o afeto e os significados que constituem o imaginário coletivo, mesmo para os que não puderam atestar tais acontecimentos notáveis contemporaneamente. Já nos acontecimentos cotidianos, formam-se lugares da mesma maneira: sucessão de atos e trocas, que passam a integrar as histórias das pessoas que nele agem. Os “fragmentos habituais da cidade”4 são tomados e desenvolvem relação estreita com os cidadãos, tornando-se base do estar, do encontro, do uso e a expressão de sua identidade. 33


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Um lugar fundado coletivamente desperta o interesse e agrega seus atores, diversificando suas possibilidades de utilização e preservação, enquanto o espaço sem pessoas, ao contrário, repele, assusta, torna-se uma imagem negativa, anulando sua condição de lugar. Os pedestres são os atores urbanos mais suscetíveis à relação com lugares no território. Por sua própria presença física imediata, a propensão a estímulos, intempéries e serendipidade5, que é a disponibilidade a surpresas e mudanças inesperadas no percurso. O corpo se configura como uma interface6 entre a cidade e a pessoa e, sem proteção contra o meio, está aberto a desenvolver com ele relações multissensoriais. Através delas, dá-se o reconhecimento no território e a ligação entre sua própria identidade e a do local.

“Every urban trip taken on foot has a strong symbolic component as a performance of urban culture. [...] Pedestrians make the city through the act of walking.”7

Reconhecer-se no espaço é essencial para a relação com ele, e isto se torna possível quando a escala dá importância ao homem, ao agente. Neste aspecto, também os pedestres se destacam na criação de lugares em comparação a outros atores, uma vez que o alcance de seus caminhos é local e a abrangência dos espaços está de acordo com sua capacidade de percebê-los8 e vivenciá-los em sua plenitude. Pela possibilidade de encontro e contato, esses atores inclusive tendem a formar mais laços com os outros, fato essencial à construção e ao compartilhamento de lugares. As relações sociais são a base da formação do cidadão que, com os demais, troca experiências e desenvolve seu senso de pertencimento, tal como a 35


noção de sua capacidade de transformação da cidade. Assim, passa, por meio da atuação colaborativa, a converter os espaços de seu cotidiano em lugares, de acordo com os anseios e necessidades de seu grupo.

PÁGINAS ANTERIORES:

Por sua vez, o não-lugar, segundo Marc Augè9, é o espaço que, mesmo quando modificado pelo homem, dilui sua relação com ele, impedindo seu reconhecimento. É aquele que não cria vínculos, nem referências, muitas vezes por não dar a dimensão humana, não agregar usos e experiências coletivas, por se configurar como uma repetição de locais indistintos ou pouco vivenciados.

5. TERMO APRESENTADO POR JAIME OLIVA

Foi posto no mapa, sabe-se de sua existência, mas esta existência não se transpõe nas memórias e afetos dos cidadãos, pela falta de contato, impossibilidade de uso ou impermeabilidade às trocas essenciais para criação de significados. Esta condição pode se estabelecer desde a construção do território, pela intenção dos atores envolvidos em seu planejamento, como também durante as mudanças nos modos de aproveitá-lo, uma vez que sua manutenção se torne desinteressante para o andamento da vida da comunidade. Neste último caso, a maneira com que as sociedades contemporâneas tem se dedicado às suas atividades, essencialmente produtivas e de âmbito privado, pode ser exemplar dos câmbios de interesse pelos espaços não direcionados às mesmas, como praças, parques e outras estruturas públicas prioritariamente de estar e contemplação. O abandono do uso destes locais e, consequentemente, a degradação de suas estruturas, reflete os modos de relacionamento com a cidade em que se prioriza aspectos comerciais em detrimento das outras necessidades humanas. 36

PLAZA ARRIAGA, BILBAO, 2012 ACERVO PESSOAL

6. LAVADINHO IN: BORASI E ZARDINI [ORGS], 2008 7. IBID: 33 8. LYNCH, 1988

9. AUGÈ, 1994


Por outro lado, depois de abandonados os espaços considerados supérfluos, subverte-se o sentido de sua existência: desnecessários na estrutura produtiva, passam a ser estigmatizados e tidos como “terra de ninguém”, ou seja, que não diz respeito a seus habitantes, além de parte do território nociva ao estabelecimento da vida nas cidades. Os cidadãos desenvolvem uma relação cada vez mais refratária a eles, tornando-os progressivamente não-lugares. Tais não-lugares também podem ser decorrentes da própria construção da cidade do mundo globalizado, padronizada por mega estruturas pensadas para equacionar as atividades humanas de maneira ordenada, como condomínios fechados, shopping centers e grandes conjuntos de escritórios. A reprodução destes complexos quebra a identidade do local, transformando-o em paisagem comum, indiferenciada, e supera a apropriação do homem, que se insere somente como um dos mecanismos deste engendrado funcionamento. Esta multiplicação de espaços genéricos, como no caso das cidades pensadas para o mercado internacional - estabelecimento de empresas, fluxos de negócios, grande atividade informacional - torna inexistente a associação entre os entes, uma vez que não há especificidade nem identificação das particularidades dos grupos locais. Como ocorre na região da Berrini, em São Paulo, em consonância com outros distritos empresariais ao redor do mundo, sua imagem se torna tão inexpressiva quanto o papel do homem que por ele passa, programado e passivo às dinâmicas urbanas impostas.

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REGIテグ DA BERRINI, Sテグ PAULO, 2014 FONTE: SKYSCRAPERCITY.COM

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ENTORNO DO METRÔ SUMARÉ, SÃO PAULO, 2014 ACERVO PESSOAL

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A cidade dos fluxos é também uma multiplicadora de não-lugares, já que dispersa a paisagem em lacunas entre o ir e vir e prioriza a circulação por caminhos rápidos e precisos, sem atratividade ou desvios de sentido que possam dar margem a outras apreensões. Os suportes para os deslocamentos eficientes - grandes avenidas expressas, viadutos, túneis, estacionamentos -, justamente por seu caráter de passagem, são impossibilidades: de percursos a pé, de paradas, de encontros e, portanto, de qualquer tipo de significação. “Os habitantes dessa cidade, os ‘difusos’, eram pessoas que viviam à margem das mais elementares regras civis e urbanas, habitavam unicamente os espaços privados da casa e do automóvel e concebiam como espaços públicos somente os centros de comércio, os restaurantes de estrada, os postos de gasolina e as estações ferroviárias, destruíam todo o espaço para a sua vida social.”10 A intensa utilização dos meios de transporte motorizados pode levar à transformação da própria cidade habitada em um não-lugar, uma sucessão de espaços em branco entre os destinos das pessoas, que tem seus significados pulverizados pela falta de contato, ainda que diariamente percorridos, no caso dos deslocamentos cotidianos. Converte-se a cidade no apoio, não no destino, no fragmento sem importância que se apresenta entre pontos de interesse, ainda que nele estejam localizados os lugares dos outros, mais atentos, menos velozes. Assim, também as ruas mudam seu sentido na cidade: de caminho animado por várias possibilidades e atritos a ligação genérica, espaço a ser vencido nos movimentos cotidianos. 40

10. CARERI, 2013:156

EDWARD RUSCHA: 34 PARKING LOTS,1967 FONTE: PHILLIPS.COM


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É evidente que diferentes meios de transporte moldam os lugares e nãolugares da cidade de maneiras diversas para seus usuários. A bicicleta, por exemplo, expõe o ciclista de forma mais intensa ao meio pelo qual atravessa, criando mais circunstâncias favoráveis ao relacionamento com o lugar. Em oposição, os trilhos subterrâneos do metrô tratam o território da superfície como pontos sequencialmente dispostos em um mapa abstrato, não-lugares por excelência. Mesmo sobre o chão, a velocidade do motor cria uma imagem fragmentada, em que quadros se formam e são rapidamente substituídos por outros, tornando o trajeto menos compreensível em suas pequenas escalas e com menor senso de apropriação. Também implica a corrosão de outras sensorialidades - tato, olfato, audição - essenciais para a composição de lugares plenos de significados11.

“Essa pluralidade de lugares, o excesso que ela impõe ao olhar e à descrição (como ver tudo? Como dizer tudo?) [...] introduzem entre o viajante-espectador e o espaço da paisagem que ele percorre ou contempla uma ruptura que o impede de ver aí um lugar, de aí se encontrar plenamente [...].” 12 Encerrar-se em um mecanismo que movimenta o corpo sem a necessidade do esforço altera a disposição pelo caminho, causa menos paradas e, assim, torna mais eficiente o trajeto. É a melhor forma de deslocamento para o homem da cidade funcional, que agiliza suas atividades dispersas pelo território. No relacionamento com o lugar, no entanto, torna-se a maneira mais simples de romper ligações existentes tanto quanto de prejudicar o surgimento de novas. 42

11. LAVADINHO OP CIT 12. AUGÈ, OP CIT: 79


A cidade do pedestre percorrida pelo automóvel possivelmente é não-lugar para motorista e passageiro, que não desfrutam suas especificidades nem seus espaços de estar. Já a cidade construída para a velocidade13 ignora a própria escala de quem poderia usufruir dos lugares criados para as trocas e encontros. Pensada sob a ótica do fluxo, ela se desintegra completamente, com seus espaços segregados e funcionais, em que corpos são transportados da maneira mais rápida e hermética possível e onde as pessoas “[...] se perguntam, cada vez mais, para onde estão indo, porque sabem, cada vez menos, onde estão.”14 *

13. GEHL, 2013 14. AUGÈ, OP CIT: 105

PRÓXIMAS PÁGINAS: PONTE ESTAIADA NAS JORNADAS DE JUNHO, 2013 FONTE: TARIFAZERO.ORG FESTA SOB A PRAÇA ROOSEVELT, 2014 AUTOR: ALEX NINOMIA OCUPAÇÃO DE VAGA VIVA, 2014 AUTOR: ALEX NINOMIA

As características de um não-lugar incluem a falta de identidade e de vínculos com seus usuários e sua utilização estritamente programada para servir a demandas previstas, sem margem para o desvio, o devaneio, o olhar diferenciado e o uso não estipulado. Os espaços funcionais e ordenados, como os da cidade dos fluxos, anulam suas possibilidades de preenchimento, já que são programados somente para a passagem. Relacionar a cidade ao funcionamento produtivo visa tornar todas as atividades humanas eficientes do ponto de vista econômico, rompendo com as maneiras de uso que criam lugares, pois estas estão mais relacionadas ao lazer, ao lúdico e acontecimentos não funcionais. A apropriação não programada, desta forma, é um escape à padronização e rigidez dos espaços construídos na cidade maquinal, sem tempo livre. Não há condição imutável e, assim, a forma que os cidadãos encontram para ressignificar os espaços pode tranformar as estruturas mais impensáveis em lugares, mesmo quando usadas temporariamente, como ocorre nas festas, feiras, até mesmo nas manifestações. 43


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* O uso do espaço é essencial para sua condição de lugar. A ocupação, e todos os vínculos que dela decorrem, como memória, afeto e identidade, enriquecem seus significados para os indivíduos e se traduzem na forma com que se relacionam com seu ambiente. Quando a experiência do uso é coletiva, entretanto, a construção do lugar se dá mais efetivamente, pelas experiências compartilhadas e laços que gera também entre os cidadãos. Os espaços públicos são, por suas possibilidades de encontro, troca e atrito, as estruturas com mais atributos inerentes à constituição de um lugar. Neles, dá-se a escrita15 da cidade e é possível entender as características de sua ocupação, e de seus cidadãos, pelas formas como são construídos e valorizados. Sua importância remete à própria formação da pessoa que, da maneira com que os vive, cria suas noções de pertencimento, ação e participação na comunidade. O compartilhamento de lugares ocorre principalmente pela presença corporal16, tato e conflitos que a disposição física acarreta. Porém, na falta desta materialidade - por ausência, distância, indisponibilidade ou para complementá-la, certos mecanismos podem assumir papeis relevantes na compreensão dos lugares da cidade, como cartografias cognitivas17 e psicogeográficas18, intervenções ou ocupações urbanas e narrativas. A psicogeografia, mencionada nos documentos da Internacional Letrista e, depois, nos Situacionistas19, sugere uma aproximação que se sobrepõe às abordagens tradicionais dos territórios, salientando suas ambiências particulares e seus sentidos, normalmente ocultos nos padrões de 46

15. FERRARA, OP CIT 16. VER JACQUES, 2008, DISPONÍVEL EM http:// www.vitruvius.com. br/revistas/read/ arquitextos/08.093/165 17. PERULLI, OP CIT 18. GROSSMAN, OP CIT 19. IBID


desenho consagrados. Os estudos que decorrem de sua conceituação são aplicados em novas cartografias, que transgridem as ideias iniciais de representação do território genérico e propõem outras maneiras de percorrer e entender o espaço, relacionando-o às experiências culturais, sensoriais e temporais que se apresentam. Aos próprios conceitos da psicogeografia se mesclam as práticas das derivas urbanas, andanças sem rumo preconizadas também pelos Situacionistas. As derivas tem grande importância na subversão dos mapas tradicionais e, inclusive, na reflexão sobre os fluxos constantes e de traços definidos da sociedade funcional, propondo, em contrapartida, o jogo de perder-se pelos caminhos da cidade para descobri-la integralmente. 20. VISCONTI, 2012

As primeiras derivas e transformações das cartografias tradicionais propuseram a revisão da maneira de reproduzir a documentação da cidade, levando em conta as experiências humanas com seus lugares. Delas se seguiram outras diversas propostas artísticas20 e documentais de entendimento do território através da imagem, significados e usos. Ressalta-se, em todos os casos, a importância de desviar o primeiro olhar que se tem sobre o espaço, mais abrangente e distante, para percebê-lo e poder compreender plenamente todos os sentidos que tem, encontrando diferentes maneiras para que isso se dê satisfatoriamente. As intervenções urbanas também visam levar à tona reflexões sobre a cidade e a vida de seus habitantes. Atuando sobre espaços com potencial de mudança, de maneira a ocupá-los, tranformá-los e evidenciar seus conflitos, certos atores criam novos olhares para situações por vezes desconhecidas pelo público em geral, despertando novas percepções sobre elas. Seu caráter propositivo aponta para novas interpretações e 47


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usos dos espaços, expressando outra visão sobre a realidade construída e ressignificando suas formas. A significação dos lugares também pode se dar quando há compartilhamento de histórias. Estabelecida basicamente nos papeis dos habitantes tradicionais e dos viajantes, cujos depoimentos carregam fatos longínquos no tempo e/ou geograficamente, a narração tem por objetivo a troca de experiências entre quem vivenviou realidades distintas e quem está disposto a se entregar aos relatos21. É um intercâmbio de impressões pessoais e promove o relacionamento entre os entes e suas opiniões sobre tempos, histórias e acontecimentos.

21. BENJAMIN, 1994

MAPA AFETIVO DO CENTRO DE SÃO PAULO FONTE: CENTROLUGAR, 2014

Através da subjetividade implícita ao ato de narrar, torna-se possível compreender os lugares em suas especificidades. Por sua característica pessoal, a narração tampouco pode ser considerada simples troca de informações. A expressão do outro, neste caso, enriquece a imagem que o ouvinte dedicado à história cria de seu território e das experiências daqueles que o utilizam. Essas possibilidades de aproximação auxiliam na construção da imagem da cidade para além de seu desenho urbano, diferentemente da leitura de documentos oficiais, que refletem sua estrutura fixa sem a multiplicidade das pessoas que dela se apropriam. Com elas, é possível compreender o espaço de maneira mais subjetiva e afetiva, reforçando sua representação tradicional - como em áreas cercadas por muros, por exemplo, sem vida na rua, em que praticamente se reproduz nas sensações o traçado frio da planta; ou mesmo alterando o sentido de suas indicações - como o exemplo das ocupações não programadas citadas anteriormente, que não constam nos mapas oficiais mas podem ser retratadas por estes outros mecanismos, despertando novos olhares 49


e sentidos. As maneiras de obtenção das informações subjetivas relacionadas à cidade são importantes para que se penetre numa experiência completa sobre ela. Quando de uma primeira aproximação com uma nova área a ser explorada, contar com as visões e impressões dos outros que a conhecem quebra a barreira que se impõe entre o olhar genérico e a apreensão mais detalhada. Delas, parte-se para sua própria descoberta no local, que se junta a todas as vivências dos outros e se inscreve na memória de seu território. Por outro lado, mesmo quando tomadas por aqueles que tem a oportunidade de vivenciar propriamente o espaço, as formas de compartilhamento podem aumentar a compreensão e os sentidos atribuídos a ele. Reconhecer as experiências dos outros acrescenta novas visões sobre o lugar e sugere outras percepções, formas de usufruto e significados, que complementam a experiência pessoal, tornando-a mais intensa e enriquecedora.

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DENTRO DO テ年IBUS AUTOR: KEI EGUTI

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SOBRE SÃO PAULO

MODERNIDADE, progresso E CONSEQUÊNCIAS

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“Eu assusto o pessoal do banco. Minha conta é lá na Silva Bueno, lá no Ipiranga. Então eu digo ‘eu venho lá do quilômetro doze da Raposo’. O cara fala ‘esse cara viajou. Bom, o cara é do interior, né? Você mora longe, né?’” 1

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PÁGINAS ANTERIORES: ARREDORES DA ESTAÇÃO DA LUZ, SÃO PAULO, 2014 ACERVO PESSOAL

1. TRECHO DO DEPOIMENTO DE JOSÉ, MAR.2014 2. BORASI E ZARDINI, 2008:13

As pautas modernas na arquitetura e no urbanismo se estabeleceram a partir da metade do século XIX, quando uma parte da Europa ocidental passou por um grande processo de industrialização. Os novos postos de trabalho, as estruturas que facilitavam o acesso entre campo, cidade e porto e a pujança econômica que parecia se dar em torno da indústria levaram a um intenso povoamento das zonas urbanas e, consequentemente, ao debate sobre as circunstâncias em que isso se dava. A ocupação acelerada, sem o devido suporte habitacional ou condições de saneamento adequadas, teve como consequências crises de moradia, de abastecimento e a disseminação de pestes em diversas partes do continente. Advindo da percepção de que a ordenação era de alguma maneira necessária nesses novos agrupamentos, o pensamento moderno se difundiu e foi a base do planejamento de novas cidades e reconstrução de outras, que se expandiam no período.

“The city was to be characterized by the primacy of automotive movement, the confort of the home, the greenery of parks, and the efficiency of factories.” 2

Com o conceito da racionalidade, planejaram-se novos núcleos funcionais, atravessados por amplas avenidas e por equipamentos dispersos de maneira a comportar todas as atividades do novo homem urbano, que se desenvolvia junto aos avanços tecnológicos do período. Os preceitos do desenho do território, desse modo, também estavam associados à construção da imagem de um modelo de cidadão cosmopolita, com uma vida equacionada, permeada de padrões comuns e previstos, que encontravam na cidade organizada o local ideal para sua prática. 55


O novo cidadão moderno, adaptado à máquina de morar3 e ao consumo dos produtos manufaturados, portanto, habita uma cidade resolvida em todos os seus aspectos formais, com áreas específicas destinadas à casa, ao trabalho e ao lazer. Para tal, apoia-se no uso do motor, que garante as transposições, os acessos e a diminuição das distâncias entre seus espaços cotidianos. Enquanto nos países que iniciavam seu processo de industrialização as ideias modernas encontravam campo de atuação, a cidade de São Paulo ainda começava a se estabelecer como centro de ocupação relevante no contexto brasileiro. Mesmo possuindo núcleos esparsos de chácaras, escolas jesuítas e estalagens bandeirantes ao longo de todo o processo de colonização, foi somente a partir do desenvolvimento da economia cafeeira que a cidade começou a se adensar, ao final do século XIX. As lavouras do interior do estado, em plena produção, tornaram-se a base da economia do país, na manutenção dos ciclos exportadores de commodities que já haviam se estabelecido em outras regiões anteriormente. As primeiras rotas para escoamento do café, via porto de Santos, já tinham alguns de seus entrepostos na capital e atraíam tropeiros e outros trabalhadores. A construção da ferrovia São Paulo Railway , entretanto, foi a grande responsável pela chegada em massa de outros habitantes, entre componeses, imigrantes e famílias de barões, que demandaram novas instalações para sua acomodação4. Os loteamentos das antigas chácaras e seus melhoramentos foram os destinos dos proprietários do café, e fundamentaram a construção de novos equipamentos no centro novo, à oeste do vale do Anhangabaú atravessado pelo Viaduto do Chá. O estabelecimento dos trabalhadores, por sua vez, esteve vinculado à várzea do Tamanduateí e à orla da 56

3. COMO DENOMINADA POR LE CORBUSIER, 2000 4. TOLEDO, 2001


ferrovia, constituindo núcleos de grande relevância, porém, sem a infraestrutura da parte mais rica. Do contexto internacional, além de muitos dos padrões de consumo da elite paulistana, vieram os ideais modernos, aplicados em obras de saneamento, estruturação de novos bairros e embelezamento da cidade. A construção desta base de serviços, no entanto, não respaldava todo o território que crescia e já aí se iniciavam os problemas de sua formação desigual, que evidenciaria seu esgotamento mais ou menos meio século depois. No final da década de 1920, a economia global entrou em forte depressão, seguida pela Segunda Guerra Mundial, anos mais tarde. O mercado externo, em crise, afetou o escoamento da produção brasileira e, ainda, o abastecimento do comércio. Esta condição impulsionou o início da industrialização para substituição de importações, atraindo investimentos para a montagem de fábricas na cidade. O desenvolvimento da indústria, em São Paulo, acarretou um crescimento ainda mais acentuado de sua população urbana. A produção da moradia dos trabalhadores, relacionada ao capital privado, caracterizou-se pelas vilas operárias, reproduzidas no entorno das novas áreas fabris, na periferia da antiga ocupação. Acompanhando a formação dos novos bairros operários, houve outras mudanças na configuração da cidade, que se espalhava. Os núcleos da elite se deslocaram à oeste, acompanhados da ampliação do sistema viário que, por sua vez, introduzia o automóvel no cotidiano das dinâmicas urbanas e, aos poucos, substituía os trilhos dos bondes, iniciando um ciclo de expansão horizontal ainda maior. 57


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No momento da reconstrução do mundo devastado pela guerra, promoveu-se o debate sobre as reais demandas da cidade e de seus habitantes, questionando os programas modernos de equação estrita e maquinização das funções urbanas5. Enquanto nos países desenvolvidos já se revisava a lógica de produção do espaço especializado e apoiado nos amplos deslocamentos, na periferia do capitalismo, no entanto, as práticas ainda se difundiam. 5. GROSSMAN, 2006 6. EM 1930, O ENGENHEIRO E PROFESSOR FRANCISCO PRESTES MAIA DIVULGOU SEU PLANO DE AVENIDAS, BASE PARA MUITAS DAS ADEQUAÇÕES VIÁRIAS DA CIDADE POSTERIORMENTE. 7. BERMAN, 2008 8. SEGUNDO GORZ, 2010, A COMPRA DE AUTOMÓVEL É IMPOSSIBILITADA PELO PREÇO E PORQUE NÃO HÁ INTERESSE EM UNIVERSALIZÁ-LA, JÁ QUE DEIXARIA DE SER UM BEM QUE CONFERE EXCLUSIVIDADE.

AVENIDA ALCÂNTARA MACHADO, SÃO PAULO, 2011 ACERVO PESSOAL

São Paulo, baseada no modelo norteamericano e impulsionada por sua já relevante indústria do automóvel, importou a cultura do carro e fez dele a peça fundamental para a configuração de todo seu território, a partir dos anos 1940. Na cidade que vivia um rompante de desenvolvimento, o motor foi amplamente aceito e cultuado como a chave para as conexões do espaço produtivo, acelerado e de trabalho incessante. A adaptação6 do território ao rodoviarismo se deu com investimento massivo em infraestruturas viárias, inicialmente para acesso regional e logo para a travessia rápida de longas distâncias. A paisagem urbana passou então a ser recortada por mais largas avenidas, vinculadas a outras estruturas estratosféricas para facilitar a velocidade, como viadutos, alças e vias expressas, com base no já bastante questionado ideário personificado na figura de Robert Moses7. A entrega de toda a lógica urbana ao automóvel exacerbou as diferenças sociais, dada a impossibilidade de compra de veículo particular pela maioria da população8, relegada à precariedade das alternativas de transporte coletivo, público ou informal, e a habitar as margens da cidade organizada, a distâncias cada vez maiores em relação às atividades centralizadas. 59


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“No momento em que o carro se generaliza, o trânsito entope as ruas, os espaços públicos são sacrificados por obras viárias cada vez mais áridas e a mancha urbana se dissolve nos subúsrbios: nos bairros-dormitórios, nas favelas, nos conjuntos habitacionais de baixa renda e nos condomínios de luxo.” 9 O espraiamento da mancha urbana alcançou seu gigantismo atual reproduzindo este processo de segregação, com base no mercado imobiliário e no setor empresarial que difundem a cidade “bemsucedida” - das propriedades, do consumo e do motor. O afastamento em relação ao outro se reflete, da privatização do espaço de circulação pelo carro, à privatização da vida pública em geral, dentro dos shopping centers e condomínios fechados, entre outros, que apresentam alternativas a todas as necessidades criadas pelo ciclo econômico e assimilidas pela elite. No solo urbano, ficaram as cicatrizes dos fluxos intensos - que ainda sofreram expansões num exercício tão parvo quanto inerte em relação à melhoria do tráfego - bem como espaços públicos desqualificados, abandonados e sequências de lugares descaracterizados por muros, grades e edifícios genéricos. Além de uma periferia conurbada com outros municípios com profundas carências estruturais e de serviços, que obriga milhões de pessoas a efetuarem deslocamentos diários em longas distâncias, em condiçoes esgotantes, como já vimos. O sistema público de transporte, sucateado em seguidas gestões ou eternamente em fase de planejamento, como é o caso do metrô, passou a ter relevância mais recentemente, quando se alcançou o limite horizontal do território e de suas possibilidades de trânsito. O 62

PÁGINAS ANTERIORES: TRAVESSIA NA ESTAÇÃO BRÁS, SÃO PAULO, 2013 ACERVO PESSOAL

9. X BIENAL DE ARQUITETURA DE SÃO PAULO, 2013: 41


tempo, agora, é de debate sobre a necessidade de reverter a lógica carrocentrista, poluente, insustentável e segregadora. Os serviços, no entanto, ainda estão a caminho da prestação adequada: ainda são caros, ineficientes e insuficientes. Alguns planos implementados já garantiram algumas melhorias, como a bilhetagem e as faixas exclusivas, mas outros tem sido postos de maneira desarticulada, com necessidade de revisão ou detalhamento de projeto10.

10. CASO DOS CORTES DAS LINHAS QUE VEM SENDO FEITOS SEM O DEVIDO SUPORTE DE TERMINAIS E CORREDORES 11. GORZ, 2010:53

Mais importante, no entanto, é que a revisão do papel do transporte público seja seguida de uma ampla restruturação dos planos de desenvolvimento da cidade, com melhor distribuição dos serviços e estruturas urbanas, para que os deslocamentos de longa distância, ao invés de serem aprimorados, deixem de ser uma lógica na realidade dos cidadãos.

“Para que as pessoas possam renunciar ao seu carro, não é suficiente oferecer-lhes meios de transporte coletivo mais cômodos: é preciso fazer com que elas simplesmente não necessitem mais de transporte, pois que se sentirão em casa estando em seus bairros, em suas comunidades, em sua cidade, e terão prazer em ir a pé do trabalho ao domicílio - a pé ou, a rigor, de bicicleta.” 11 Somente dessa maneira será possível resgatar todas as relações que se perdem diariamente no exercício do fluxo. Reocupar a cidade em seus espaços de convívio depende de repensar as dinâmicas que envolvem as atividades dos cidadãos e garantir a todos a oportunidade de habitar espaços múltiplos, característicos de uma cidade com pleno valor de uso. 63


ADAPTAÇÃO VIÁRIA DO ENTORNO DO ITAQUERÃO, SÃO PAULO, 2014 ACERVO PESSOAL

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AVENIDA PAULISTA, Sテグ PAULO, S/D FONTE: SHWAFATY, 2013

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SEGUNDA PARTE

PINHEIROS

JD. BONFIGLIOLI

explica melhor qual é a ideia

por que você quer saber?

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ê

PAULISTA

BELÉM

BRÁS SÉ

não tenho nada a te contar

vai voltar com a gente de novo? não entendi o que você quer

19.FEV 05.MAR 13.MAR 20.MAR

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Nos últimos quatro meses, passei por vol em uma mesma linha de ônibus, às vezes m a relação entre o fluxo, as pessoas e seus l

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lta de 40 horas percorrendo quase 600km mais de cinco vezes por dia, para investigar lugares na cidade.

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EXPERIMENTAÇÃO URBANA Desde o início deste trabalho, busquei formas de combinar sua fundamentação teórica com alguma forma de ação. Pela necessidade de experimentar e compartilhar com outros seus lugares, suas memórias e suas noções de cidade, e transformar a base da pesquisa em uma maneira de conversar sobre experiências urbanas diárias ou extraordinárias, propondo trocas e envolvimento com quem divide comigo suas impressões sobre o território. Falar sobre a cidade é uma atividade que procuro praticar constantemente, devido às escolhas que fiz ao longo do curso de arquitetura e, principalmente, para tentar compreender de maneira ampla o contexto desse ambiente que me intriga. A motivação para construir esses diálogos é a multiplicidade de visões e experiências de seus outros habitantes que, misturadas às minhas, tornam possível apreender mais profundamente sua complexidade. Como tais trocas costumam ocorrer dentro dos círculos que já frequento, o primeiro passo para desdobrar a proposta da pesquisa era ampliar o raio de contatos, levando o que normalmente é debatido entre os amigos a um número cada vez maior de desconhecidos. Superar os limites das conversas habituais aumenta a diversidade das questões levantadas e acrescenta muitas outras realidades ao ponto de vista inicial, sugerindo novas diretrizes de investigação e proposições. A construção desta experimentação urbana1 partiu, então, do encadeamento dos estudos apresentados na primeira parte deste caderno e de novos diálogos abertos, que levaram a profundas indagações sobre o papel das pessoas como espectadoras ou 72

PÁGINAS ANTERIORES: FOTO DE SATÉLITE FONTE: GOOGLE EARTH

1. JACQUES [ORG], 2003


transformadoras ativas da realidade de seu espaço. Quando me coloquei criticamente em relação ao tema da circulação incessante e de sua percepção, não pude ignorar que muito desta discussão faz parte da minha própria experiência urbana cotidiana. Por este motivo, não poderia tratá-lo de uma perspectiva distante e, pelo contrário, refletir sobre meu papel nesse processo foi importante para estruturar a relação com as pessoas que conheci ao longo do último semestre. Apesar de estabelecer, privilegiadamente, minhas atividades num espaço de abrangência relativamente pequena em São Paulo, costumo passar bastante tempo a caminho de lugares, às vezes andando e, mais frequentemente, dentro do ônibus. Nesta última condição, me relaciono com a cidade de maneira recortada, em que vários meios de trajeto não formam imagens além daquelas que posso obter através da janela, sem minha vivência. Ainda assim, em todas as primeiras vezes que os percorro, sinto-me descobrindo espaços, mesmo sabendo que para apreciá-los de verdade não poderia estar somente de passagem. Mas, à medida que a paisagem se torna comum ao dia-a-dia, o olhar pelo vidro passa a ser menos interessante e praticado, trocado pelo sono ou livro que geralmente levo comigo. Mesmo que, intimamente, queira fugir da engrenagem da qual me sinto parte, acabo simplesmente deixando de refletir sobre esta questão e ela se torna tão natural quanto os planos que faço, ainda antes de sair de casa, para “aproveitar melhor” o tempo do deslocamento. Perceber e, mais ainda, encarar esta situação atentamente foi essencial para tomar as obras consultadas sob a visão da minha própria prática cotidiana, revertendo-a ou potencializando-a, propondo, necessariamente, 73


novas formas de interpretá-la. Construir maneiras em que pudesse mudar esta circunstância habitual, provocar o estranhamento e a reflexão sobre ela, significou, para mim, expandir sua sensorialidade e adentrar ainda mais em meu relacionamento com a cidade e com quem a experiencia, assim como, ou mais do que eu, de dentro do ônibus. Por outro lado, esta experimentação não é uma forma de relativizar a problemática ocupação de nosso território e, muito menos, a precarização historicamente estabelecida no transporte público metropolitano. Muitas vezes, voltei minhas observações à maneira como estava conduzindo o trabalho, para nunca negar a existência das graves condições dadas à (e contruídas por parte da) população urbana - principalmente a de baixa renda, mais negligenciada pelas políticas públicas - e, de maneira alguma, defender a manutenção desta situação em detrimento de uma reforma urbana inclusiva e democrática. Foi uma forma, entretanto, de olhar uma condição real sob nova perspectiva, que pode ser acrescentada ao repertório de questões postas no debate sobre a circulação. O universo do ônibus tampouco foi minha primeira aproximação ao tema, já que dificilmente reconhecia a possibilidade de relacionamento mais profundo com o território que não fosse via contato físico, na condição de pedestre. Considerando, no entanto, que uma boa parcela da população não faz suas principais viagens a pé2 - por imposições que vão desde a existência de alguma deficiência física até a impossibilidade de exercer atividades a uma distância confortável - passei a me debruçar sobre o passageiro e sua relação com o lugar. O amadurecimento do conteúdo estudado e das ideias sobre os papeis dos cidadãos me levou a confrontar aquela pré-concepção e a tentar entender como se dá a alienação e os vínculos com a cidade de dentro do transporte público. 74

2. OD 2007


No cotidiano, como eu, os outros usuários de ônibus vivem a situação de constante fluxo comum à contemporaneidade, passando por muitos espaços não dotados de significados próprios a eles. Possíveis nãolugares sobrepostos, em movimento, onde outras pessoas - ou eles mesmos, em outras condições - vivem e agem, preenchendo-os de sentido. Dada a disposição da cidade de São Paulo, estes espaços podem se configurar em quilômetros de lacunas, que separam as residências dos trabalhos e dos outros lugares de estar. São muitas horas passando por territórios desconhecidos, de cenas vistas à distância, sem trocas, atuação e interferências - a não ser aquelas relacionadas aos congestionamentos. A hipotética apatia desta relação com a cidade, por outro lado, parece não se refletir no interior do coletivo, suporte para os mais variados contatos entre os entes que o frequentam. Nunca cheguei a conhecer melhor outros passageiros ou mesmo o cobrador, mas comumente presencio diversas demonstrações das relações estabelecidas no cotidiano daquele ambiente, nas saudações, conversas e atitudes. Sinto, mesmo assim, certa cumplicidade com as pessoas com quem constantemente me deparo, pelo simples reconhecimento de seus rostos, a troca discreta de olhares e tímidos acenos na entrada e na saída.

PRÓXIMAS PÁGINAS: O QUE LEVO NA MOCHILA ACERVO PESSOAL

Tanto os questionamentos sobre a forma como se dá a atuação sobre o território dos atores que não são sempre pedestres - e que, por motivos diversos, se utilizam do ônibus para efetuar seus deslocamentos - como a pluralidade observada dentro do coletivo traçaram um horizonte capaz de ilustrar os aspectos levantados na pesquisa bibliográfica, que culminou na experiência narrada a seguir. 75


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JD. BONFIGLIOLI 19.FEV.14_10H43

Minhas experiências com circulação pela cidade em ônibus se iniciaram na infância, nos passeios com minha mãe e minha irmã. O trajeto que mais frequentemente fazíamos se limitava aos pontos da Rua Cardeal Arcoverde, próxima a nossa casa, e dificilmente tenho uma imagem emblemática sobre os percursos daquela época que não esteja vinculada à linha que tinha como destino a Vila Ida, que, afinal, nunca conheci. Na minha visão, o fato de o ônibus se dirigir a algum lugar além de nosso ponto de desembarque - no Largo da Batata, “fiquem de olho quando passarmos pela Kalunga” - transformava o destino em um território distante, inexplorado, encantador. Especular sobre os fins das linhas, mesmo depois, nunca foi uma ação que abandonei completamente. Como são poucas as que percorro até os extremos, continuo, enquanto espero (por muito tempo) todos os dias na parada e vejo muitos nomes nos letreiros luminosos, tratando mentalmente sobre os destinos, as configurações dos territórios pelos quais os ônibus passam e a diversidade de situações com que motorista, cobrador e passageiros se defrontam em seu caminho. Pela primeira vez, surpreendentemente, 78


levei minha curiosidade infantil a sério e me propus a explorá-la para a conclusão de uma etapa, uns vinte anos mais tarde. Todos os dias, há pouco mais de um ano, faço o trajeto entre casa e trabalho, de Pinheiros à Praça da Sé. Mesmo que diariamente o percorra de transporte motorizado e, assim, perca bastante do contato pessoal com as ruas do caminho, nele estão muitos dos meus lugares na cidade, pois tenho a oportunidade de vivenciá-los de outras maneiras quando há disponibilidade de tempo. São espaços que uso para lazer, realização de muitas atividades, encontros ou simples passeios, com os quais desenvolvi relações, tal como com as pessoas com quem dividi essas experiências passadas. Durante a semana, são três as possíveis linhas de ônibus para fazer este itinerário de forma mais eficiente, a tempo de cumprir com todos os compromissos. Passando pela Avenida Rebouças, a com maior frequência, e que acabo tomando sempre, é a 702C-10, que liga o Jardim Bonfiglioli ao Metrô Belém. Meu caminho diário, portanto, é o miolo de 79


um percurso enorme, de mais de vinte quilômetros, que eu nunca havia feito inteiramente e sequer sabia por quais lugares se dava. Investigar toda a extensão deste trajeto, afinal, seria preencher grandes lacunas que vinham antes e depois daquilo que eu já conhecia bem, além de corresponder ao anseio da criança de tempos atrás. Certamente, levando em conta os muitos recursos disponíveis atualmente, a descoberta destes espaços poderia ser feita de forma remota. Minha motivação, no entanto, era desvendá-los pessoalmente, e isso se deu pela primeira vez em fevereiro, quando embarquei sentido Jardim Bonfiglioli para que lá simplesmente subisse em outro veículo da mesma linha e finalmente fizesse todo o trajeto, de uma ponta à outra, sem interrupções. Foi a primeira vez que entrei em um ônibus somente com a motivação de acompanhá-lo e, pela reação que observei dos fiscais do ponto quando desci para fazer a troca, pude atestar que este também não costuma ser um exercício feito pelos outros usuários.

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A paisagem entre os pontos finais do 702C-10 se revelou muito diversa e complexa, de um bairro essencialmente residencial de classe média a outro de uso misto, ao lado da linha férrea, entre os quais também se viam as mais variadas camadas da cidade: do centro financeiro ao de comércio popular; da ocupação prevista e planejada ao desenho espontâneo e informal; do corredor de ônibus de fluxo acelerado aos calçadões de passeios e vitrines; do Rio Pinheiros ao Tamanduateí e tantos outros ocultos. Uma experiência reveladora da cidade em que vivemos e da prática a que muitos estão acostumados no cotidiano, ainda que não atentem propriamente a ela. A esta primeira viagem, outras se seguiram em que me sentia espectadora das mudanças de configuração entre os lados oeste e leste da cidade, sem entender o que realmente esperava construir nas idas e vindas. Filmei e fotografei o que testemunhava da janela, compondo um acervo ainda sem sentido, e algumas poucas vezes desci do ônibus para caminhar pelo território que circundava a linha do percurso. Estas saídas foram se tornando mais raras à medida que me intrigava mais o material que havia 81


obtido de dentro, que relatavam minha experiência como passageira de fato, além de corresponderem melhor à proposta de investigação sobre essa condição. A crescente coleção de fotos e vídeos, analisados toda vez que voltava para casa, tornavase mais significativa à medida que o percurso ficava mais familiar para mim. A junção destes fragmentos, contudo, revelava mais instâncias do que apreendia no caminho, pela consolidação de uma realização efêmera, congelando o que por vezes deixava de notar na velocidade com que passava. Estas camadas, entre as capturas e a percepção em tempo real, comprovavam que muito ainda não se havia revelado sobre o caminho, mesmo com as repetidas voltas que dava com o ônibus, e me sugeriam buscar outros meios de compreensão dessa experiência. Não só pelo registro em si, mas porque notava que havia falta de contato mais humano, capaz de enriquecer as percepções, e de uma aproximação menos superficial à cidade que passava por mim. A situação me lembrava a de turista, que possui um mapa-abstração dos lugares a 82


conhecer, e dificilmente o faz a fundo portando somente informações genéricas como essa. Recorri a outra experiência pessoal, quando usufruí dos serviços de um ônibus sightseeing: estava em Los Angeles, novamente com minha irmã, lugar que praticamente não admite a existência de pessoas sem carteiras de habilitação, como nós. Com a dificuldade de locomoção, resolvemos traçar nossos roteiros com base no caminho turístico do veículo, descendo dele quando o local nos interessava de longe e induzia o trajeto a pé. Não posso dizer que conheci Los Angeles da mesma maneira que Veneza, por exemplo, o lugar, como dizia o amigo que me recebeu, onde se usa o mapa para se perder. Lá, na condição de caminhante, com os meandros e passagens estreitas, recorríamos às imagens banais da cidade, como os varais das residências, as vitrines de tiramisu das docerias e os cartazes colados nos muros, construindo nossa própria memória da volta para casa. Além das imagens, também fizeram parte do meu conhecimento da cidade o contato que pude ter com alguns moradores e suas histórias sobrepostas ao tecido material, que aprofundaram minha relação com o território, apesar do curto tempo em que lá estive. 83


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Pareceu-me, a esta altura do meu vaivém por São Paulo, que faltava transpor a condição de turista-espectadora para adentrar de forma mais completa na experiência do lugar, claramente, no entanto, sem sair do ônibus. Curioso foi notar que, para isso, minha lembrança do uso do sightseeing era essencial: foi a forma como a transgredi que possibilitou a criação de novos vínculos com as pessoas, para penetrar melhor nas particularidades daquele caminho. Das vozes que saem dos fones dos ônibus vermelhos3, que percorrem ruas de cidades ao redor do mundo levando viajantes, contempla-se a necessidade de informação. Por elas, sabemos dos dados, das cronologias, das histórias consagradas, em uma sequência que conta “o puro em si”4, também interessante, mas que exclui as vivências particulares e suas percepções. A aproximação que me faltava aos atores e seus lugares entre Jardim Bonfiglioli e Belém foi se delineando pela necessidade de obter por eles próprios, e não pela máquina, ou o Google, relatos sobre o percurso. Recorrer à narração das pessoas comuns àquela paisagem, que contem seus afetos e memórias, foi a maneira encontrada 92

3. EM AUGÉ, 1994, TAMBÉM HÁ UM ENTENDIMENTO SOBRE OS ÔNIBUS TURÍSTICOS 4. BENJAMIN, 1994:9


de inserção mais plena naquele trajeto, que passo-a-passo se tornava um lugar também para mim. Já começando o mês de março, estava decidida a sequência do trabalho: continuar passeando com a 702C-10, muitas vezes mais, agora com o intuito de conversar com as pessoas que compartilhavam comigo o ambiente do ônibus. Interessava-me saber por que estavam lá, qual caminho faziam, com que frequência e, principalmente, o que, do íntimo de suas experiências pessoais, podiam me contar sobre os lugares que percorríamos. Para me ajudar a desvendar esses diálogos posteriormente, dispus de um pequeno gravador. Logo na primeira vez que entrei no coletivo para iniciar a nova etapa da investigação, senti um grande bloqueio. Achei, na hora em que me deparei com as pessoas sentadas lá, que não estava preparada como deveria para juntar as informações certas, fazer perguntas precisas e levantar dados relevantes. Quebrar a barreira do primeiro “olá, posso me sentar ao seu lado?” foi muito difícil para mim, mesmo acostumada a engatar discussões 93


acaloradas até na fila do banco. Por um lado, havia a insegurança de invadir o universo alheio em um momento que muitas vezes é de esvaziamento e solidão desejada, por outro, a necessidade criada de seguir um padrão coerente de análise da experiência de circulação, que eu poderia não alcançar. Concretamente, nas primeiras vezes em que abordei os passageiros, tentei seguir perguntas mais objetivas com resultados esperados, mas senti que a imposição de uma série de questões formais, ao contrário de criar vínculos, afastava-me do interlocutor. Também me retiravam da condição de passageira comum, pois parecia uma pessoa distante da realidade do ônibus, a preencher fichas de respostas. Notei que havia desenhado um objetivo definido que negava toda a liberdade do exercício subjetivo que é contar histórias, e estabelecia um padrão que nunca poderia ser alcançado, tendo em vista o variado perfil daqueles de quem me aproximava. Abrir mão das tabelas, perguntas fechadas e concretudes foi um ato necessário. A partir 94


da passagem por este obstáculo, consegui encadear diversas conversas animadoras, em que construía um envolvimento muito grande com as pessoas que conhecia. Iniciava o contato explicando meus objetivos de entender a cidade pela qual o ônibus passava, através dos olhares múltiplos de seus cidadãos, e deixava o diálogo fluir da maneira como o outro se sentia mais à vontade. Com esta abertura, surgiram muitos assuntos menos pertinentes para a proposta do estudo que, no entanto, demonstravam como a relação estabelecida ali se tornava intensa. Às vezes, parecia-me que somente por estar disposta a ouvir e entender algo sobre suas vidas, as pessoas se sentiam atendidas de alguma maneira, compreendidas, talvez, e muito dispostas a falar. Por este motivo, em muitas ocasiões tinha que resgatar o ponto que movia nossa conversa, que era a experiência no território e a percepção da cidade em que se vive, criando novos assuntos sobre elas e inserindo questões diversas sobre o que víamos enquanto circulávamos. Durante as viagens, então, passei a assimilar aquela paisagem com base nas experiências que me eram relatadas. A sensação era a de ilustrar, animar o que antes era sem sentido 95


e incompreensível aos olhos apressados e distantes. Saber onde seu José faz compras, dona Inês joga cartas e o que mais encanta Marilene em todo aquele território definiu, para mim, o que é a cidade que se dá ao redor do ônibus enquanto estou dentro dele, interessada em chegar muito mais do que em estar. Também houve momentos de falta de resposta, que desarmavam minhas intenções. Disseram-me não ter o que contar e, se por um lado, isto significava que minha figura ali não era bem-vinda, por outro também evidenciava a falta de intimidade com a própria cidade, que passava e não deixava marcas. Lidar com o silêncio tanto quanto com as emoções transmitidas pela fala foi um amadurecimento importante para o entendimento do significado desta empreitada. O compartilhamento da experimentação que propus - e pratiquei enquanto passava pelos mesmos caminhos até sete vezes por dia - se iniciou no próprio contato no ambiente do ônibus. Ao estabelecer o diálogo sobre a cidade e o sentido de nossa experiência nela, 96


construí uma reflexão com o outro, desnaturalizando questões tratadas como usuais, como o tempo dedicado ao trabalho e ao deslocamento. Com quem me encontrava no coletivo, conversei sobre nosso cotidiano e a forma com que é fundado, assim como a maneira que percebemos suas deficiências e potencialidades, expandindo o sentido subjetivo que havia naquela busca por lugares. Sinceramente, não afirmo que minhas indagações tenham se desdobrado em outras, em novos diálogos, mas me pareceu que aqueles momentos de provocação causaram nas pessoas um estranhamento apropriado sobre seus papeis na constituição da cidade. Fora do ônibus, a transmissão da experiência, da motivação que a iniciou e seus significados, apoia-se nas gravações que obtive. Os fragmentos da cidade narrados por seus atores revelam, reagrupados, um território composto de subjetividades, afetos e histórias particulares, que normalmente é reduzido quando tomado por simples apoio aos deslocamentos constantes. Muito mais do que preencher as lacunas do meu trajeto cotidiano, sua importância, agora, é a de fomentar uma reflexão mais profunda sobre 97


METRÔ BELÉM 05.JUN.14_16H20

o que significa dissolver as relações com a cidade incorporando de forma desmedida os mecanismos de transporte para programar seu funcionamento. E comprovar que o olhar atento revela os lugares que ignoramos diariamente, no exercício da passagem. Ao dispor deste áudio formatado, o praticante da cidade dos fluxos pode utilizá-lo para embarcar no 702C-10, fazendo seu trajeto e ouvindo os lugares que encontrei, com as impressões registradas e a carga emocional da minha presença naqueles ônibus. Pode, também, confrontá-lo com minha proposta inicial e verificar a obtenção dos resultados desejados, atestando ou negando a existência das subjetividades mencionadas. Também pode se servir dele como exemplo de reflexão sobre sua própria prática urbana cotidiana, atentando para a paisagem que envolve seus percursos. É possível que, para além disso, ele se proponha a fazer este exercício de descobrir a cidade em suas histórias íntimas e pessoais, com outras trocas, em outros ambientes ou com novos atores na mesma circunstância em que o desenvolvi. Ou ainda, como tenho feito agora, usado destas conversas para descer do ônibus, infringir a regra da circulação e vivenciar, desta vez andando, as experiências compartilhadas.

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LOCALIZAÇÃO DO TRAJETO NO MAPA DA CIDADE SEM ESCALA

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“Aqui você vai ter um amigo que você não vê há meses porque ele mora na Zona Leste e você na Zona Oeste. É um absurdo, sei lá, surreal.”

TRECHO DO DEPOIMENTO DE TAYNA, MAR. 2014

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ANA PAULA

FRANCISCO

JOSÉ MARIA ZULEIDE

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EMILIA

INES

CONSIDERAÇÕES FINAIS

não tenho a PINHEIROS

JD. BONFIGLIOLI

explica melhor qual é a ideia

por que v quer saber?


você

TAYNA

BELÉM

BRÁS

ISABELA COSME

PAULISTA

MARILENE

o nada te contar

vai voltar com a gente de novo?

não entendi o que você quer

19.FEV 05.MAR 13.MAR 20.MAR 01.ABR 04.ABR 17.ABR

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Cotidianamente nos inserimos nos fluxos da cidade sem refletir sobre o que os deslocamentos causam em nosso corpo, nossa subjetividade e em nossas relações com lugares e pessoas. Ao adentrar na lógica do funcionalismo, perdemos grande parte da convivência, das trocas e das apropriações que uma cidade plena em seu valor de uso pode oferecer, sem atentar propriamente a esta circunstância. Este trabalho foi uma tentativa de confrontar a naturalização das questões sobre a circulação incessante, de maneira a olhar para as possibilidades da vida que são desperdiçadas quando dedicamos tanto tempo atravessando o território, sem com ele estabelecer trocas significativas. Foi uma maneira de especular sobre o que pode se dar nos lugares da cidade que deixamos de notar na prática da passagem, seja pelas experiências dos outros ou por nossas próprias, quando vivenciamos plenamente os meios de trajeto. Inicialmente, pensava ser muito difícil que algum tipo de criação pudesse relacionar o papel de usuário de transporte público à apreensão ampla da cidade, pela perda das sensorialidades e ganho de velocidade em relação ao pedestre - este sim capaz de ocupar os espaços de forma a transformálos em lugares. Pela imposição de minha própria prática dentro do ônibus e, ainda mais, a predominância dos deslocamentos motorizados na realidade de São Paulo, parti em busca de uma construção que ajudasse a entender como se dão os vínculos entre passageiro e paisagem. A escolha da linha de ônibus para iniciar as experiências foi pessoal e arbitrária, e acredito que reflexões semelhantes podem ser obtidas em outros trajetos. A extensão do espaço percorrido pelo mesmo ônibus, neste caso, contribuiu para que encontrasse pessoas submetidas a longos percursos, numa amostra bastante significativa das dinâmicas 104

PRÓXIMAS PÁGINAS: MINHOCÃO , SÃO PAULO, 2011 ACERVO PESSOAL


que costumam ocorrer na metrópole diariamente. Nos diálogos estabelecidos, algumas colocações foram bastante recorrentes: o tempo desperdiçado, a impossibilidade de exercer atividades em locais próximos uns aos outros e as condições precárias do transporte (principalmente para as pessoas que precisam fazer transbordo). Por isso, ao ouvir as gravações, percebo que debati constantemente a construção da cidade e os direitos de seus cidadãos, que tenho como essenciais para o entendimento da formação dos lugares e de nossa capacidade de atuação sobre eles. Os fragmentos reagrupados no áudio podem demonstrar a profundidade das relações que construí, pois encontrei muitos interlocutores bastante dispostos a falar e contar suas experiências no território que percorríamos. No conjunto, essencialmente, priorizei os momentos que tratavam do assunto inicial, tentando garantir que as emoções também estivessem presentes. Para mim, toda a experiência foi de profundidade: ao mesmo tempo em que mantive com os outros contatos intensos, apesar da efemeridade da condição, adentrei em uma reflexão importante sobre meu papel como cidadã que vive, pensa e, supostamente, a partir de agora, projeta os lugares das pessoas. Muito além de minhas impressões pessoais, no entanto, o que entendo ser o cerne do exercício proposto é a possibilidade de acrescentar uma nova maneira de questionar os aspectos cotidianos das experiências na cidade e, talvez, de levar mais atores a esta reflexão. Acima de tudo, é o apelo implícito pelo olhar cuidadoso, pela pausa, reaproximação e retomada das relações diluídas em nossos movimentos cotidianos. 105


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ANA PAULA

FRANCISCO

MARIA ZULEIDE

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JOSÉ

EMILIA

INES

REFERÊNCIAS

JD. BONFIGLIOLI

PINHEIROS

explica melhor qual é a ideia não tenho a


por que você quer saber?

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BRÁS

ISABELA COSME

PAULISTA

MARILENE

TAYNA

o nada te contar

vai voltar com a gente de novo?

não entendi o que você quer

19.FEV 05.MAR 13.MAR 20.MAR 01.ABR 04.ABR 17.ABR 24.ABR 09.MAI 15.MAI 23.MAI 109 30.MAI 05.JUN


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“Às vezes, bastam-me uma partícula que se abre no meio de uma passagem incongruente, um aflorar de luzes na neblina, o diálogo de dois passantes que se encontram no vaivém, para pensar que partindo dali construirei pedaço por pedaço a cidade perfeita, feita de fragmentos misturados com o resto, de instantes separados por intervalos, de sinais que alguém envia e não sabe quem capta. Se digo que a cidade para a qual tende a minha viagem é descontínua no espaço e no tempo, ora mais rala, ora mais densa, você não deve crer que pode parar de procurá-la.” As cidades invisíveis



PACAEMBU

PÇ.DA REPÚBLICA

CIDADE UNIVERSITÁRIA

V.DO ANHANGABAÚ LGO. DA CONCÓRDIA

PÇA BENEDITO CALIXTO

PQ.D PEDRO II

PÇ.DA SÉ RIO TAMANDUATEÍ LGO DA BATATA

PÇ JOÃO BATISTA TRAMONTANO

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TRIANON

PARÓQUIA S JOSÉ DO BELÉM


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