CALEIDOSC
PIO:
EM
DESCONSTRUÇÃO 2ª Edição
resistentes empoderamento
negritude
prazer em conhecer, A Zine ‘‘Caleidoscópio: em Desconstrução’’ é uma iniciativa do Coletivo Caleidoscópio para expandir nossas ações não somente pela Universidade, como pela região, com o intuito de (des)informar sobre os diversos temas que se relacionam com a diversidade. Textos didáticos, sem cagação-de-regra, aqui é o nosso espaço para descobrirmos uma realidade completamente diferente. A gente oferece o tema para problematização, para debate, um pouco de conceito, talvez, mas nunca a verdade absoluta. Nosso maior orgulho é flexibilidade para estarmos sempre mudando de ideia. Quando a inconstância se torna uma virtude. Sabe o que mais é inconstante? A arte. Esta será sempre protagonista na ‘‘Caleidoscópio: em Desconstrução’’: poesia, contos, desenhos, quadrinhos, colagens, fotografias, e tudo que você imaginar, aqui tem espaço. Nada dialoga mais com a nossa realidade que a expressão artística. Nesta edição, contaremos com o trabalho de mulheres criativas e poderosas, tanto na poesia, como na fotografia e ilustração. Você pode sempre conferir os links onde poderá encontrar mais do trabalho de cada um dos colaboradores artísticos que passarem por aqui na nossa Zine. Pode entrar, e não repara na bagunça!
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O Caleidoscópio Coletivo que respeita e entende todas as formas de expressão de gênero e sexualidade é democrático, horizontalmente estruturado, sem fins lucrativos e aberto a qualquer pessoa que queira participar de suas reuniões. Fundado em 2014, é formado por estudantes e demais pessoas que se empenham em discutir através de uma visão pós-modernista os modos de se constituir sujeito na sociedade contemporânea. Este grupo, entre as diversas atividades que promove visa construir um espaço de conversa, debate, construção e formação de cada um e cada uma de nós no combate ao sexismo, machismo, homofobia, transfobia, lesbofobia e bifobia. O nome Caleidoscópio foi escolhido por representar a visão das diferentes formas que um sujeito pode se constituir, ultrapassando todas as imposições de identidade ao metamorfosear-se entre elas, possibilitando a pluralidade de olhares e estares. O comparativo com o Caleidoscópio nos possibilita conceber as diferentes maneiras de viver e experienciar o gênero e a sexualidade, sendo norteadas por princípios de respeito, liberdade e democracia enquanto sujeitos políticos e subjetivos. Você pode conferir nossa agenda e acompanhar nosso trabalho através da nossa página no Facebook! http://www.facebook.com/coletivocaleidoscopiounisinos
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Parida de mim mesma… Quando me propuseram a escrever fiquei pensando sobre o que exatamente falar. Muitas são as minhas inquietações e indagações no auge dos meus trinta e poucos anos. Mas também, muitas são as minhas certezas e afirmações. Pois bem, abri minha caixa de memórias e lembranças e voltei aos meus 17 anos, logo que chegara a POA vinda de uma pequena cidade interiorana da metade sul do Estado. Doces lembranças que se azedam ao lembrar que aqui, descobri a “dor da cor”. Ei! Não pensem que foi triste descobrir minha cor. Triste foi, a forma como usaram o que eu tinha de mais belo em mim para me humilharem, ofenderem, subjugarem. Ao entrar em uma agência bancária fui interpelada por duas senhoras que me disseram saber quem eu era. Nossa!! Eu acabara de chegar na cidade grande, como elas me conheciam?? Inquietas, me disseram saber sobre minha índole, minhas origens, onde morava, o que fazia e até mesmo como havia sido criada. Naquele momento percebi o triste engano, elas não me conheciam. Confusa com tantas informações equivocadas, apenas as ouvi, muda, calada. Mesmo atordoada lembrei das sábias palavras de minha mãe, mulher negra, forte, militante, política, minha inspiração e referência de vida que sempre me dizia: Nunca grite com alguém que te ofender! Em resumo: não faça barraco!! Mesmo sem me dizer o porque eu deveria agir assim (e hoje eu sei muito bem), naquele momento a única coisa que consegui fazer, foi dizer aquelas infelizes senhoras que o que elas estavam fazendo era preconceito e que eu chamaria a polícia para denunciá-las. Ambas saíram do local, mas o ódio daquelas palavras proferidas ficaram e permaneceram em mim por muitos e muitos anos, escorrendo molhadas pelo meu rosto toda vez que me recordava daquela triste ida ao banco, inclusive agora enquanto escrevo. A partir daquele momento, mesmo dilacerada pelo ódio senil e branco comecei a gestar minha identidade racial, resignificar minha cor, minha história de vida, renascer. Sim, renascer! A maturidade aliada às minhas vivências, e as dores do racismo, me fizeram perceber que ser negra não era algo óbvio. Ser negra vai além da cor da pele. Ser negra, é ter consciência de sua identidade, reconchecê-la e afirmá-la. E aos 30 anos posso dizer que fui parida. Parida de mim mesma. Hoje me reconheço e me afirmo em cada pele negra, cabelo crespo, mulher negra. Luto, resisto e enfrento já não calo mais minha voz. E se por muitos anos ouvi as sábias palavras de minha mãe, hoje sou eu quem as digo, porém de outras formas. Resignificando não só a minha vida, mas como a de todas as mulheres negras que fazem parte dela. Sigo parindo sonhos e lutas cada vez mais fortes e aguerridxs, pois, como diria nosso querido poeta negro Oliveira Silveira, “encontrei minhas origens, na cor de minha pele, nos lanhos de minha alma, em mim. Em minha gente escura, em meus heróis altivos, encontrei. Encontrei-as, enfim me encontrei”.
Texto de Greice Jones.
PARA além das cotas Quando ocupamos espaços de fala sobre questões raciais para um público hegemonicamente branco, algo extremamente comum acontece, uma espécie de silenciamento! A população média branca não se autoriza a falar de racismo. São várias as experiências que tive nesse aspecto. Encontros de estudantes, universidades, colégios, seminários... Enfim, são poucas as experiências que tive onde um público hegemonicamente branco consegue ter um debate fluido sobre o tema. Consigo pensar em algumas possibilidades para esse fato. Afinal, falar de racismo é realmente complicado. Durante nossa trajetória de vida, dificilmente alguém vai nos “ensinar” o que de fato é racismo. Apenas nos dizem: “Somos todos iguais”; “não devemos ser racistas...” E de fato, acreditamos nisso. Esses discursos são estéreis. Não produzem reflexão nem mudança. O debate sobre racismo é extremamente complexo e amplo. Não podemos resumir essa questão nas cotas raciais. Infelizmente, essa é uma realidade em muitos dos lugares onde tive a oportunidade de debater sobre racismo. Já escutei bons argumentos contrários as cotas raciais, reconheço isso. Mas se colocar contrario ou favorável as cotas é a parte mais fácil e simplista. Convoco a todos, para antes de responder se são favoráveis ou não as cotas, reflitam e respondam qual o modelo de sociedade que desejamos e como faremos para chegar até esse ideal de sociedade. A partir daí poderemos ter uma resposta qualitativa em relação as cotas e a várias outras políticas públicas. Ainda assim, esse exercício de reflexão é insuficiente para dar conta do emblemático fosso racial que existe no Brasil. Estudar sobre o tema é crucial para não reproduzir, mais do opiniões rasas, o racismo em si. Temos que ter ciência da constituição da população brasileira, os processos de escravidão e de branqueamento. A criação do Mito da Democracia Racial. Todos esses eventos reverberam até hoje, no nosso modo de organização social e relação individual. Naturalizam as absurdas inequidades raciais existentes no Brasil. Nosso monocromático quadro de professores no ensino superior, a hegemonia branca dentro da politica e mídia. No Brasil, ser branco é sinônimo de privilégios. Urge a necessidade de colocarmos em cheque o legado concreto e simbólico que população branca herdou do período escravocrata. Não temos como continuar agindo com naturalidade ao fato de 77% dos 30 mil jovens mortos todo ano no Brasil serem negros. Não há possibilidade de avançarmos como sociedade enquanto não tivermos um projeto político capaz de reconhecer que sim, vivemos em um país extremamente racista, e se debruce de modo sério para sanar essas e tantas outras questões que dizem ao racismo. E esse projeto político não vai acontecer enquanto os indivíduos que compõem essa sociedade não tomarem para si a frente dessas questões. Como diria o poeta Cuti, Cota é só a gota.
Vozes-Mulheres A voz da minha bisavó ecoou
criança
Poema de Conceição Evaristo
nos porões do navio. Ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta
aos brancos-donos de tudo. no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue e fome A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
cotas sim, cotas agora, cotas até enquanto forem necessárias Façamos
uma simples reflexão: você lembra quantos/as professores/as negros/as já lhe deram aula no ensino fundamental e médio? E na faculdade? Caso você seja estudante de escola pública, quantos/as negros/as foram seus/suas colegas? Desses/as, quantos/as formaram-se com você? Estudo Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em três anos de curso, nenhuma das 30 disciplinas que cursei foi lecionada por um/a professor/a negro/a. Juntos, os três departamentos das ciências sociais (antropologia, sociologia e ciência política) contabilizam 66 professores/as, dentre estes/as há um professor negro, que, inclusive, não é brasileiro. Anualmente, ingressam nas ciências sociais cerca de 120 alunos/as. As disciplinas de primeiro semestre têm, em média, 55 alunos/as por turma. Nas disciplinas obrigatórias, mais no início do curso, pude contar nos dedos - e às vezes em uma mão - quantos/as dos/as meus/as colegas eram negros/as. Enfim, não cruzo com muitos/as negros/as pela universidade, sejam professores/as ou estudantes. A partir dessas observações, penso as cotas raciais como um importante catalizador para a mudança do cenário acadêmico e escolar. As cotas raciais, além de medidas reparatórias para uma população descendente de negros/as escravizados/as durante séculos e libertos para viver o descaso e o abandono social, são elementos fundamentais na denúncia do racismo institucional, impregnado nas estruturas da nossa sociedade. Estudos atuais revelam que o racismo institucional possibilita a reprodução e a manutenção de três tipos principais de desvantagens sobre negros/as e não brancos/as. São as desvantagens ocupacionais, pois a população negra e não branca ocupa as posições menos remunerados no mercado de trabalho; as desvantagens locacionais, na medida em que negros/as e não brancos/as tendem a morar em lugares de difícil acesso, longe de centros urbanos e serviços públicos de qualidade; e as desvantagens educacionais, consequências das anteriores e principal alicerce da hierarquização entre brancos/as e não brancos/as. Daí a necessidade da diferenciação entre cotas raciais e cotas sociais. Se a vida de uma criança pobre é precária, a da criança pobre e negra é ainda pior. A discriminação racial implica a superposição de vulnerabilidades à realidade da população negra e pobre. Essas vulnerabilidades podem determinar o futuro de muitas crianças, afetando seu desempenho escolar, expectativa de vida e, até mesmo, suas perspectivas de vida. Além de vivenciarem o sofrimento e a precariedade, desde cedo essas criança não têm muitas referências nos adultos/as ao seu redor. A mídia, por exemplo, as representa ora como marginais e empregadas domésticas, ora como objetos sexuais.
Quando jovens, enfrentam diversas violências. A juventude negra é a que mais morre, seja pelo extermínio praticado pela polícia, pela participação – muitas vezes outorgada pelas condições sociais - no tráfico, seja pela violência doméstica que pode acarretar gravidez indesejada, abortos inseguros, exposição a doenças sexualmente transmissíveis, dentre outras dores e tristezas. Resistir a esses caminhos tortuosos para chegar à universidade ainda é muito difícil. Por isso, devemos entender as cotas raciais como medida paliativa e emergencial para um problema específico: a ausência de negros/as na universidade. O principal problema é ainda posterior, consequência do racismo velado de uma sociedade que submete a população negra à desvalorização e abandono. Quando entram na universidade, o desafio passa a ser permanecer nela. As cotas raciais e sociais devem estar acompanhadas de ações em assistência estudantil que atendam às demandas dos/as estudante e garantam sua permanência no ambiente acadêmico. Acesso à moradia, alimentação, transporte, saúde são essenciais para que os/as estudantes consigam concluir seu ciclo acadêmico, tanto na graduação quanto na pós-graduação. As cotas raciais são apenas um dos primeiros passos em um longo caminho para a democracia racial efetiva. Referências: SILVÉRIO, V. (Org.) As cotas para negros no tribunal. São Carlos: EdufSCar, 2012. DOUGLAS, W. Por Que me tornei a favor das cotas para negros. Pragmatismo p o l í t i c o , [ S . I . ] , n o v. 2 0 1 3 . D i s p o n í v e l e m : <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/11/por-que-tornei-favor-das-cotaspara-negros.html<. Acesso em: 3 nov. 2014. Texto por Jessica Pereira da Silva.
Quem estampou esta Edição? FOTOGRAFIA: Kenia Mattos ILUSTRAÇÕES: Capa: Café Página 6: Jaqueline Gomes e Thais Alves Página no Facebook: https://www.facebook.com/drawpower24?fref=ts Página 7 e 9: Thais Alves Página no Facebook: https://www.facebook.com/morenacordecana Contracapa: Nathália Ferreira Página no Facebook: https://www.facebook.com/desbravandoalemmar Blog: http://desbravando-alem-mar.tumblr.com/ Instagram: http://instagram.com/desbravandoalemmar A Nathália fez algumas considerações: ‘‘Olá, meu nome é Nathália Carvalho Ferreira, tenho 20 anos, nasci no Recife e me criei em Jaboatão dos Guararapes, municípios do estado de Pernambuco, e eu não sei o que eu sou. Tenho olhos índigenas dos meus bisavós, a cor amarelada do povo do sertão, e meus cabelos crespos, meu nariz e minha cultura é toda negra. Na verdade, eu acho que sou um pedaço do país. Assim como minha personagem, toco em maracatu-nação, de origem nagô, e tenho orgulho do peso do meu batuque, carregado de resistência, valor e luta contra o preconceito. Quem disse que mulher não pode tocar a força do seu povo? Quem disse que nordestino não pode ter riqueza? Quem disse que o candomblecista tem que se esconder? Oxe, pois eu venho gritar que NÃO! Achei legal a ideia dessa zine, porque pode-se discutir a negritude na universidade, logo pra vocês do sul, onde a quantidade de negros na região, e principalmente com formação acadêmica é muito menor que aqui, no Nordeste.’’
Encontrei minhas origens Oliveira Silveira
Encontrei minhas origens em velhos arquivos livros encontrei em malditos objetos troncos e grilhetas encontrei minhas origens no leste no mar em imundos tumbeiros encontrei em doces palavras cantos em furiosos tambores ritos encontrei minhas origens na cor de minha pele nos lanhos de minha alma em mim em minha gente escura em meus herĂłis altivos encontrei encontrei-as enfim me encontrei.