As siglas do absurdo

Page 1

AS SIGLAS DO ABSURDO PSC, ESTA É UMA CRÔNICA BASEADA EM UM MUNDO DE MUITAS SIGLAS E POUCOS SIGNIFICADOS. LEIA ASAP P O R J U N I O R B E L L É I L U S T R A Ç Ã O W A LT E R V A S C O N C E L O S

A

pauliceia nebulosa garoava das sorrateiras nuvens que brincavam de esconde-esconde entre os arranha-céus. S eus para-raios beijavam relâmpagos desbocados, sempre fofocando os segredos da próxima tempestade por ruidosos trovões apaixonados. Cruzei a EACH já sentindo os primeiros pingos e, ao me aproximar da cancela, apaguei o THC na sola do tênis. Corri para estação USP-Leste da CPTM e deixei dolorosos R$3,50 num VT. Dois adolescentes driblavam os bancos de plástico, no boné de um deles estava escrito R10 e na brilhante camiseta do outro, que gingava como o R9, lia-se CR7. Só tirei os olhos daquela peleja quando senti o celular vibrar, era um e-mail: “ps. a url do rss está out com ctz. omg! arruma asap e me manda msg de sms pq o wi-fi tá zoado. lol. tks.” Senti que o dia seria mais longo que a BR-101 e escorregadio como um KY. Me acomodei em um banco solitário, os olhos começaram a pesar com o ninar do balanço do trem, mas uma discussão entre duas garotas me arrancou do sonho num susto: quase sofro um AVC! Uma era fã do MGMT e outra do INXS e não haveria, portanto, nenhuma possibilidade de acordo diplomático sobre a melhor banda do mundo. Era como se PSDB e PT estivessem trancados num vagão abafado e não houvesse sequer aquele negócio transgênico chamado PMDB como (in)fiel da balança. Duas estações e muitos perdigotos depois, as moças se acalmaram e até tiraram uma selfie juntas, posicionando as mãos num lindo S2. O que foi suficiente para iniciar outra discussão: postar no Insta, no FB ou nos dois? Saltei do trem a

34

tempo de escapar dos novos gritos e tomei o rumo do metrô. “Jovem cidadão Rubens, por favor, comparecer a SSO”, dizia placidamente a voz nas caixas de som enquanto eu aguardava na plataforma. “Jovem cidadão Rubens, na verdade, comparecer na SFO”, corrigiu na sequência. “Jovem cidadão Rubens, seu OT e seu SGO o aguardam na CCO”, repetiu, por fim, já impaciente. Como meu nome não é Rubens, como os trovões haviam cochichado e como não há amor em SP, a chuva foi abundando à medida que me aproximava de meu destino. Deixei a estação correndo e abriguei-me debaixo da marquise do MASP, onde acontecia uma assembleia do MPL. Logo em frente, impassíveis debaixo do toró que tocava sinfonias ao rebentar no asfalto, nos telhados e cabelos, o MTST marchava ombreando-se ao Apeoesp, afinal alguém precisa levantar-se contra os desmandos dessa SEE e suas CEE e FDE. De repente, o mundo parecia um lugar melhor, e, apesar do enevoado dia lá fora, dentro de mim uma esperança ensolarou-se. Aproveitei para responder o tal e-mail: “vdd msm, pqp! brinks, fyi, o link tá certo, fikdik, então vsf, pfv. flw!”. Sem sinal de trégua no céu, cutuquei um morador de rua e perguntei se ele poderia alugar o jornal que o cobria. R$3 e trato feito. As manchetes eram reveladoras: “FMI critica OMS por incentivar quebra de patentes de remédios contra o HIV”; “Ipea não entende cálculo do PIB e aponta para déficit histórico”; “Febraban questiona métodos da Bovespa”; “Alca apoia volta da CPMF”; “BBB terá participante LGBT”; “BID pede esclarecimentos sobre BRICS”; “URSS e EUA passeiam de mãos dadas em Wall Street”; “IGP sobe à estratosfera e Incra culpa MST”; “BB quer Ufir baseada em Bitcoin”; “Oposição lança projeto para unificar RG, CPF e NIS”; “BBQ vegetariano vira febre em POA”; “TCU investiga contas do STF”; “SEO da OTAN ven-



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.