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Manobras na ponta dos dedos Mais do que um esporte tipicamente urbano, o skate atraiu os olhares de fotógrafos como Fabiano Rodrigues e Alexandre Vianna e ganhou espaço em livros de arte, galerias, museus e bienais
foto: fabiano rodrigues
P o r
J u n i o r
B e l l é
“A
fotografia cumpre muito bem a função de registro. Mas ela é muito mais que isso, tem um papel fundamental na história do skate.” As aspas são de Fabiano Rodrigues, fotógrafo da marca de roupas Volcom, artista da galeria Logo e ex-skatista. “Não, veja bem, deixa eu te corrigir, sou ex-skatista profissional, mas não tem jeito de deixar de ser skatista.” Ele tem toda a razão, já que, desde que parou de competir, em 2007, não voltara a experimentar salto tão alto quanto o que iniciou em 2010, quando levou a cabo uma série de autorretratos em que combina suas manobras “à arquitetura de lugares onde todo skatista sonha em andar”. É certo que o skate está sempre buscando lugares novos e sua fotografia raramente repete locações, mas o fato é que Fabiano extrapolou os limites: “Neste trabalho, tento andar onde seria realmente impossível”. Com natural predileção para obras de Niemeyer, agora ele está sendo convidado para andar no interior de museus. “Aconteceu no Malba, na Fundação Bienal, no MAC e até em um castelo na Polônia.”
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foto: alexandre vianna
Suas fotografias, que já estamparam as paredes da Estação Pinacoteca e estiveram no ano passado na 1ª Bienal Internacional de Fotografia do Masp, são sacadas por meio de um controle remoto ligado à sua Hasselblad, equipada com uma lente grande angular. Geralmente se emprega uma Fish Eye para aproximação de cena, mas Fabiano a usa para distanciar, “para ficar afastado e o skatista aparecer pequeno na foto, assim, o redor fica maior”. É claro que a grande angular foi muito importante para a profissionalização do skate, já que ela é capaz de evidenciar tanto o atleta e a plasticidade de seu movimento quanto os patrocinadores. No entanto, ainda que o caráter mercadológico seja relevante, o impacto artístico de colar os olhos de todos ao clímax da manobra foi revolucionário. E tudo começou nos anos 1970. Se, naquela época, uma revolução desestabilizava os truques do skate por meio da ousadia dos Z-boys, originalmente formado por 12 skatistas de Santa Mônica e Venice, na Califórnia, na mesma década, para ser exato, no canto da pista, no gargalo da manobra e sempre atrás da lente de uma câmera, ali, esquiva, porém precisa, outra revolução acontecia. No fronte-obturador estavam fotógrafos como Jim Goodrich, Craig Fineman, C.R. Stecyk III e Glen E. Friedman. “Especialmente o Friedman”, elenca Alexandre Vianna, “os outros estavam lá, mas também fotografavam outras coisas, já ele estava completamente imerso, clicando manhã, tarde e noite”. Não há dúvida de que a intensa documentação histórica registrada acertadamente, somada à brilhante relevância artística desses mestres, deu àquele momento do skate uma importância que conhece poucos paralelos. E talvez nenhum semelhante. “O que dizem nos EUA é que Nova York tinha uma cena de skate tão forte quanto a Califórnia, só que não tantas imagens boas, eles não tinham um Friedman lá, então, não conseguiram contar sua história com a mesma intensidade. Esse é um exemplo importante de como ter um fotógrafo talentoso faz a cena ficar mais conhecida.”
foto: fabiano rodrigues
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foto: alexandre vianna
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foto: ivan cruz
Alexandre entendeu a lição e há 18 anos fotografa sua própria cena. Seu trabalho estampa as mais importantes revistas; ainda assim, muito material acabou engavetado. O melhor dele, formado por 30 ampliações, tornou-se a exposição Streeteiro, que ocorreu no Paço das Artes, em São Paulo, posteriormente estendida para um livro homônimo que reúne ainda outras 130 imagens. “Este é um recorte do meu arquivo fotográfico. Tentei desconstruir as fotos de revista, que fiz tanto, e escolher as melhores no que diz respeito à arte, à ligação com a vivência de rua, com a música, com o grafite. Porque a fotografia e o skate se encaixam e colaboram entre si de um jeito impressionante.” Ambos são fontes de uma simbiose extremamente criativa: ao passo que o fotógrafo precisa do skatista para pintar sua obra, o skatista precisa do fotógrafo para imortalizá-lo. Essa simbiose aconteceu com relevância pela primeira vez nas ruas de Santa Mônica. A pujança autoral daqueles fotógrafos alforriou a fotografia de skate para também vestir-se de arte, criar seus jargões, forjar estéticas autênticas e ver nascer seus próprios gênios. Os velhos e os novos: “Pense nesses caras do Dogtown e Z-boys, que praticamente inventaram o skate na Califórnia. Sem os fotógrafos, não teríamos acesso a nada disso. As fotos registram também os lugares lendários que hoje não existem mais, é a nossa história”, explica Heverton Ribeiro. Ele tentou as primeiras manobras em 1987, com um skate que fabricara com as próprias mãos. Quando o peso proletário da vida caiu sobre seu shape arquejando-lhe os ombros, percebeu-se, cada vez mais, deixando o skate de lado. E ainda que isso só o levasse a gastar mais e mais de seu salário com revistas, passou a dedicar-se ao trabalho braçal em um depósito de materiais de construção. Em uma tarde, em 1997, o amigo e skatista Fabio Sleiman deu as caras por lá com uma pergunta que mudaria tudo: “Mano, porque você não começa a tirar foto de skate? Você sempre andou e agora fica aí, todo dia, vendendo cimento. Meus patrocinadores sempre precisam de fotos, você pode vender pra eles”. Heverton passou uma semana pensando no assunto. Na mesma tarde em que comprou a câmera, pegou um ônibus e foi para o Vale do Anhangabaú, onde aconteceu um campeonato de vertical. “Percebi que o Paulinho Davi estava narrando. Falei com ele, que é meu amigo, e expliquei o lance. Na hora ele me deu uma pulseira para eu poder entrar na área. Eu tinha o filme 35mm que veio com a câmera, coloquei ela no automático e fiz 36 fotos.”
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Na semana seguinte, Sleiman o acompanhou até a redação da revista Tribo Skate. “Saí de lá como colaborador, virei fotógrafo na primeira semana. Minha vida mudou totalmente, larguei tudo e comecei a fotografar.” Hoje, Heverton clica para as revistas Skateboarder Magazine e The Skateboard Mag, além de gerenciar seu próprio projeto, Coldskateboard, que na versão digital atingiu 1,2 milhão de acessos por mês. A liberdade que a fotografia de skate proporciona e a criatividade que reclama são de tal maneira envolventes que mesmo fotógrafos cujas carreiras tomaram novos rumos não conseguem deixar de sonhar com projetos que os devolveriam às pistas. “Penso constantemente em voltar”, conta Ivan Cruz, que começou a registrar a cena de seu bairro, em São Paulo, no distante 1999. Hoje, ele é fotógrafo contratado em uma prefeitura, pois “manter-se como fotógrafo de skate, e exclusivamente disto, não é tão simples”. Ele salienta que, com o acesso fácil às câmeras digitais, muitos skatistas compram seu próprio equipamento para registrar suas sessões. Não é à toa que o site Green Label, ao listar seus 15 melhores fotógrafos de skate, atentou para o fato de que, atualmente, é a hiperdocumentação o grande desafio. Arrolou, então, apenas aqueles “de uma era pré-digital, embaixadores analógicos que moldaram nossa visão do skate”. Entre eles estão Atiba Jefferson – amigo de Alexandre Vianna –, Grant Brittain, Daniel Harold Sturt, Lance Dawes e outros 11 ases das mais impresc sionantes manobras feitas na ponta dos dedos.
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Veja no site galeria com mais fotos
foto: ivan cruz
fotos p&B: heverton ribeiro
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