CEx - Pesquisa em Foco

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Celme Torres Ferreira da Costa Regiane Lorenzetti Collares Denysson Axel Ribeiro Mota Henry P么ncio Cruz de Oliveira (Org.)

Caderno de Experi锚ncias Pesquisa em Foco

Juazeiro do Norte 2015


Organizadores Celme Torres Ferreira da Costa Regiane Lorenzetti Collares Denysson Axel Ribeiro Mota Henry Pôncio Cruz de Oliveira Diagramação Denysson Axel Ribeiro Mota Ana Paula Lúcio Pinheiro Editoração Denysson Axel Ribeiro Mota Ana Paula Lúcio Pinheiro Capa Denysson Axel Ribeiro Mota Revisão Final Jonathas Luis Carvalho Silva Avaliadores da Série Cadernos de Experiências Abraao Carvalho Adriana Botelho Aglaize Levy Alexandre Sousa Aloisio Brasil Ana Bandeira Ana Prado Ana Kelli Tavares Ana Paula Gomes André Porto Angélica Sousa Antonio Lima Da Costa Ary Silva Augusto Tavares Camila Oliveira Carlos Oliveira Caroline Goncalves Cely Alencar

Cicera Mamede Santos Claudio Gleidstone Cleonisia Do Vale Cyntia Queiroz David Vieira Diego Guerra Denysson Mota Djane Da Silva Edilza Felipe Vásquez Eduardo Cunha Emanuel De Souza Torquato Emmanuela Sá Estelita Lima Evanira Maia Fabiano Ferreira Francisco Azevedo Francisco Dos Anjos Francisco Paula Francisco Silva Geovani Tavares Gislene Farias Gracy Kelli Martins Heberty Facundo Henry Oliveira Iracema Pinho Irani Lopes Iri Sandro Lima Isaac Roque Isaura Gino De Azevêdo Italo Ferro Jacqueline Andrade Jacqueline Sousa José Feitosa José Anderson Sandes José Kleber Farias Juan Alvarez-Pizarro Juliana Araujo Juliana Justo Juliana Lotif Larissa Falcão

Ledjane Sobrinho Liana Pereira Luis De França Jr Luiz Lopes Marcelo Leite Marcelo Oliveira Marcelo Santiago Márcio Aragão Madeira Marcius Lopes Marco Silva Marcone Silva Maria Ferreira Brito Maria Leite Maria Nobre Maria Vieira Maria Martins Brandão Maria Rodrigues Maria Cleide Bernardino Milton Chagas Modesto Rolim Neto Neumayer Filho Paulo Lacerda Tavares Paulo Eduardo Silva Lins Cajazeira Plácido Andrade Polliana Barreto Raimundo Martins Filho Regiane Collares Ricardo Salmito Roberto Júnior Roberto Ramos Robson Almeida Rosane Nunes Sally Lacerda Sávio Feitosa Machado Silvério Freitas Júnior Silvia Silva Thelma Araujo Valéria Giannella Vicente Helano Batista Yangla Rodrigues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Cariri

C122c

Costa, Celme Torres F. da. Cadernos de Experiências da UFCA: Pesquisa em Foco [Recurso Eletrônico] / Organização de Celme Torres F. Da Costa; Regiane Lorenzetti Collares; Denysson Axel Ribeiro Mota; Henry Pôncio Cruz de Oliveira. – Juazeiro do Norte-CE: Universidade Federal do Cariri, 2015. E-pub. ISBN: 978-85-67915-09-8 1. Pesquisa. 2.Experiências . 3. UFCA. I. Título. CDD 001


Sumário TENDÊNCIAS CLIMÁTICAS NO ESTADO DO CEARÁ ................................................................................... 7 EFEITO DE EXTRATOS DE PLANTAS MEDICINAIS NA GERMINAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PLÂNTULAS DE ALFACE (Lactuca sativa L.) ................................................................................................ 14 USO DE GEOTECNOLOGIAS EM MUNICIPIOS DA REGIÃO DO CARIRI CEARENSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ...........................................................................................................................................20 GERMINAÇÃO DE DIFERENTES ESPÉCIES DE GRAMINEAS FORRAGEIRAS VISANDO A INSTALAÇÃO DE UM PAINEL AGROSTOLÓGICO ...................................................................................... 24 RESIDUOS DE GOIABA NA RAÇÃO FINAL DE FRANGOS DE CORTE DE CRESCIMENTO LENTO ....... 27 EFICIÊNCIA INSETICIDA DO ÓLEO DE Moringa oleifera NO CONTROLE DE Sitophilus zeamais (COLEOPTERA: CURCULIONIDAE) EM GRÃOS DE MILHO ARMAZENADOS ........................................ 32 PLANTAS JOVENS DE CAPIM MOMBAÇA (Panicum maximum cv Mombaça) SUBMETIDAS A ESTRESSE SALINO ......................................................................................................................................... 37 A ESCASSEZ DE SOFTWARES LIVRES NA AGROPECUÁRIA PARA GESTÃO E CONTROLE DE CUSTOS .......................................................................................................................................................................... 43 EFEITO DA INCLUSÃO DE SUBPRODUTOS AGROINDUSTRIAIS NA RAÇÃO DE CRESCIMENTO DE AVES CAIPIRAS ..............................................................................................................................................50 RESÍDUOS DE FRUTAS TROPICAIS NA RAÇÃO INICIAL DE FRANGOS DE CORTE DE LINHAGEM CAIPIRAS......................................................................................................................................................... 55 PREFERÊNCIA ALIMENTAR DE FRANGOS DE CORTE DE CRESCIMENTO LENTO SUBMETIDOS A DIFERENTES RESÍDUOS DE FRUTAS ........................................................................................................ 60 EMERGÊNCIA DE PLÂNTULAS DE MARACUJÁ AZEDO SUBMETIDAS À DIFERENTES PRONFUNDIDADES DE SEMEADURA......................................................................................................... 65 INFLUÊNCIA DE AMBIENTES ANTROPIZADOS SOBRE A ENTOMOFAUNA DO ARAJARA PARK ....... 69 PRODUÇÃO DE LEITE NA MICRORREGIÃO DO CARIRI NO DECÊNIO 2002-2012

..........................74

A CARNE SUÍNA E A POTENCIALIDADE DO MERCADO CONSUMIDOR DA REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA ............................................................................................................. 78 AVALIAÇÃO DO POTENCIAL GERMINATIVO DE ACESSOS DO BANCO DE GERMOPLASMA DA UFCA ATRAVÉS DE TESTE DE GERMINAÇÃO ......................................................................................................84 ATRATIVIDADE DE INSETOS EDÁFICOS POR ISCAS ALIMENTARES NA MATA ÚMIDA DA FLORESTA NACIONAL DO ARARIPE ............................................................................................................................... 91 CULTIVO DE MILHO-PIPOCA (Zea mays L.) NO MUNICÍPIO DE CRATO-CE........................................... 97 DESEMPENHO DE FRANGOS DE CORTE DE CRESCIMENTO LENTO NA FASE FINAL ALIMENTADOS COM RESIDUOS DE FRUTAS ...................................................................................................................... 102 INTERAÇÃO ENTRE A BACTÉRIA AZOSPIRILLUM E FUNGO MICORRIZICO ARBUSCULAR NA CULTURA DE FEIJÃO CAUPI (Vigna unguiculata (L.) Walp)..................................................................... 107 A BEATA MARIA DE ARAÚJO NO CENTENÁRIO DE JUAZEIRO DO NORTE: MEMÓRIA E ESQUECIMENTO NA LITERATURA DE CORDEL ......................................................................................112 A CHEGADA DO AUTOMÓVEL ÀS RUAS DO CRATO E O CONCEITO DE MODERNIDADE (1920 – 1950) ........................................................................................................................................................................ 128 CRIAÇÃO DA REVISTA ACADÊMICA FOLHA DE ROSTO DO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI ..................................................................................................... 134 ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS PARA A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE UM TERRITÓRIO LOCAL DE ATUAÇÃO PARA A BIBLIOTECA PÚBLICA NO CARIRI ............................................................................ 138 FATORES RELACIONADOS À TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO QUE CONTRIBUEM COM A USABILIDADE NO SITE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI – UFCA ........................................ 143


O IMPACTO DO USO DOS DISPOSITIVOS MÓVEIS POR ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS ................ 150 POLIARTERITE NODOSA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA ........................................ 155 UMA AVALIAÇÃO DE SÍTIOS WEB DE TURISMO DAS CIDADES QUE SEDIARAM A COPA DO MUNDO DE 2014: DIRETRIZES E FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO ....................................................................161 EXAMINANDO AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA: O CASO DA INDÚSTRIA ALGODOEIRA DE ACOPIARA – CEARÁ ................................... 167 UM BALANÇO DAS AÇÕES E RESULTADOS DO SEGUNDO GOVERNO DO PRESIDENTE LULA ........ 172 A MODELAGEM DIGITAL 3D COMO FERRAMENTA NO DESIGN DE JOIAS......................................... 179 ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO: OS DEFICIENTES VISUAIS E AS FOTOGRAFIAS 3D ......................... 185 ARTE E MODA: CONEXÕES POSSÍVEIS .................................................................................................... 192 DANDISMO, DEDICAÇÃO AO DIREITO DE SE VESTIR............................................................................ 196 DESIGN GRÁFICO RETRO: A NOVA ARTE NOVA. ................................................................................... 200 GESTÃO DO DESIGN COMO FERRAMENTA PARA O ESTUDO DE ALTERNATIVAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AO DESENVOLVIMENTO REGIONAL .... 204 O MOVIMENTO DE VANGUARDA JAPONESA NA DÉCADA DE 80 ........................................................ 207 ANÁLISE DE MÉTODOS DE PROCESSAMENTOS DE DADOS GPS NA DETERMINAÇÃO DE COORDENADAS PLANIMÉTRICAS ............................................................................................................ 213 CARACTERIZAÇÕES REALIZADAS COM ARGILAS DA REGIÃO DO CARIRI - CEARÁ .......................... 219 TEORES DE CARBONO E NITROGÊNIO EM SOLOS SUBMETIDOS À AREAS DE MANEJO FLORESTAL E VEGETAÇÃO NATIVA ............................................................................................................................... 225 UTILIZAÇÃO DA ANÁLISE DE AGRUPAMENTOS NA CARACTERIZAÇÃO DO SOLO DA MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO SÃO JOSÉ NO CARIRI CEARENSE .......................................................................... 231 DESCARGA DE CAPACITORES: CÁLCULO EXPERIMENTAL DA RESISTÊNCIA INTERNA DE UM VOLTÍMETRO ............................................................................................................................................... 239 ANÁLISE DA ELETRODEPOSIÇÃO NOS ELETRODOS DE UMA REAÇAO ESPONTANEA PELOS FUNDAMENTOS DAS LEIS DE FARADY .................................................................................................... 243 SOLUÇÃO ANALÍTICA E NUMÉRICA DA EQUAÇÃO DE FLUXO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFERO CONFINADO ................................................................................................................................................. 247 ANÁLISE DA ADESÃO AO USO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL EM ÁREAS DE MINERAÇÃO ................................................................................................................................................. 251 AVALIAÇÃO DO POTÊNCIAL DE COLAPSO DO SOLO DE BARBALHA. .................................................. 256 ANÁLISE DA ERODIBILIDADE DO SOLO DE UMA ENCOSTA DA CIDADE DE JARDIM-CE POR MEIO DO ENSAIO DE INDERBITZEN ................................................................................................................... 261 ANÁLISE DOS RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO: PROBLEMÁTICA QUE AFETA A CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE ........................................................................................................................... 265 DIMENSIONAMENTO E ORÇAMENTO DE PAINÉIS FOTOVOLTAICOS: APLICADOS A CASA PADRÃO CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ................................................................................................................... 270 INCORPORAÇÃO DE RESÍDUO DE EVA EM RESINA EPÓXI ................................................................... 275 A RELAÇÃO PARADOXAL ENTRE PARRESÍA E DEMOCRACIA NAS PRELEÇÕES DO ÚLTIMO FOUCAULT .................................................................................................................................................... 281 ABSURDO E CRIAÇÃO EM O MITO DE SÍSIFO DE ALBERT CAMUS ...................................................... 285 AS FORMAS DE VERIDICÇÃO E A PARRESÍA SOCRÁTICA NAS PRIMEIRAS PRELEÇÕES DE FOUCAULT NO CURSO “A CORAGEM DA VERDADE” ............................................................................ 289 PLATÃO E O DIÁLOGO FILOSÓFICO ......................................................................................................... 293 PRAZER, INTELECTO E VIDA FELIZ NO FILEBO DE PLATÃO ................................................................ 297 SOBRE A ANALÍTICA DO PODER: DA REPRESSÃO À BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT ........... 301 UMA ANÁLISE DO PIONEIRISMO DE JEAN MANZON NO FOTOJORNAlISMO BRASILEIRO ........... 306


NORDESTE: A ARTE DO DESCOBRIMENTO NA FOTOGRAFIA DE THOMAZ FARKAS ........................ 312 A RELAÇÃO COTIDIANA DA UFCA COM A MÍDIA: O ESTUDO DE CASO DA NEWSLETTER “UFCA NOTÍCIAS” .................................................................................................................................................... 318 AGRAVOS À SAÚDE DECORRENTES DA EXPOSIÇÃO AO FORMOL UTILIZADO NAS AULAS PRÁTICAS DE ANATOMIA: UMA REVISÃO DE LITERATURA.................................................................................... 324 ALTERAÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS EM IDOSOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA..................328 ALTERAÇÕES NA SAÚDE DOS AGENTES SANITARISTAS QUE ATUAM NO PROGRAMA DE CONTROLE DE VETORES NA REGIÃO DO CARIRI - CE .......................................................................... 333 ANATOMIA DOS GRANDES VASOS DA CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA: ARCO AÓRTICO E VARIAÇÃO DA RAMIFICAÇÃO............................................................................................................................................. 340 CARCINOMA EPIDERMÓIDE ORAL: SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO IMUNO-HISTOQUÍMICA DE CITOPLASMA E DE MEMBRANA CITOPLASMÁTICA DA E-CADERINA. ................................................ 346 DANOS RESPIRATÓRIOS AOS MORADORES NAS PROXIMIDADES DO LIXÃO E DA FÁBRICA DE CIMENTO DOS BAIRROS BELA VISTA E CIROLÂNDIA, BARBALHA, CEARÁ ....................................... 352 EXPOSIÇÃO AÉREA A INSETICIDAS E ESTADO DE SAÚDE DOS AGENTES DE ENDEMIAS QUE ATUAM NO CONTROLE DE VETORES NA REGIÃO DO CARIRI – CE ..................................................... 357 LEISHMANIOSE VISCERAL: LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO NO ESTADO DO CEARÁ ............ 362 ÓBITO POR COMPLICAÇÕES DE PANCREATITE AGUDA EM PACIENTE JOVEM E ETILISTA – RELATO DE CASO ........................................................................................................................................ 367 PERFIL E QUALIDADE DE VIDA: PACIENTES EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA PSIQUIÁTRICA EM CRATO-CE ..................................................................................................................................................... 374 PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO NA CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE ........................................................................................................................................................................ 381 REVISÃO SISTEMÁTICA: MÉTODOS EM CAMPO DE CONTROLE DE AEDES AEGYPTI ...................... 387 SINTOMAS DA AÇÃO INSETICIDA DE ORGANOFOSFORADOS NO SISTEMA NERVOSO HUMANO.. 395 ÁGUA: DIMENSÕES DA SUSTENTABILIDADE ENVOLVIDAS COM A FONTE BATATEIRAS .............. 400 APICULTURA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ALTERNATIVA DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO NA COMUNIDADE DO IRAPUÁ MUNICÍPIO DE NOVA RUSSAS-CE NO SERTÃO DOS INHAMUNS\CRATEÚS ............................................................................................................................... 406 A INTERFACE ENTRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A PARTIR DA GESTÃO DE ÁGUAS NO BRASIL. ...........................................................................................................411 COMPOSIÇÃO QUÍMICA DE COMPOSTO ORGÂNICO A BASE DE USO DE RESÍDUO DE PEQUI (Cariocar coryaceum Wittm.). ....................................................................................................................... 418 CASA DE SEMENTES NA PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E RESGASTE DOS COSTUMES DO HOMEM DO CAMPO .................................................................................................................................... 423 ASSISTÊNCIA TÉCNICA RURAL PARTICIPATIVA COMO PROPOSTA PARA AGRICULTURA FAMILIAR NO CARIRI CEARENSE ............................................................................................................................... 430 O ASPECTO SOCIAL DO ENVELHECIMENTO E SUA RELAÇÃO COM A PROMOÇÃO DA SUSTENTABILIDADE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ......................................................................... 437 DANÇA, MOVIMENTO E SUSTENTABILIDADE: NO PASSO DO FORRÓ, UM ENCONTRO DE IDOSOS COM A AUTONOMIA, AUTOESTIMA E SAÚDE. ........................................................................................ 443 "NO DIA DE HOJE O JOVEM PODE FAZER A PAZ": UMA POSSIBILIDADE PARA A EFETIVAÇÃO DA PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL DE SUSTENTABILIDADE. ..................................................................449 O PEQUIZEIRO NATIVO DA CHAPADA DO ARARIPE – CE: SUBSÍDIOS AO USO SUSTENTÁVEL NA AGROECOLOGIA FAMILIAR. ...................................................................................................................... 454


Pesquisa em Foco

TENDÊNCIAS CLIMÁTICAS NO ESTADO DO CEARÁ

Iuri Moreira Costa Agronomia/UFCA

Antonio Edgar Mateus Agronomia/UFCA

José Ricardo Ferreira Lopes Agronomia/UFCA

Antônio Erivando Bezerra Agronomia/UFCA

Djane Fonseca da Silva Orientadora/UFCA djane.fonseca@cariri.ufc.br

1 Introdução

sintético do IPCC (2007), que apresenta uma visão geral sobre o comportamento das temperaturas médias anuais no continente Sul-Americano, mostra tendências de aquecimento de 0,5°C no período de 1950 a 2000. Rusticucci e Barrucand (2004) apresentam uma análise detalhada das temperaturas extremas na Argentina, entre 1959 e 1998, período de 39 anos. Seus resultados mostram tendências negativas de até 6,9°C/100 anos nas temperaturas máximas de verão no norte do país. Marengo e Camargo (2008) analisaram as tendências nas temperaturas mínimas, máximas e nas amplitudes diurnas em 27 estações no sul do Brasil, entre 1960 e 2002. Encontraram-se tendências de aquecimento na maioria das estações e constataram-se um aumento na freqüência de dias quentes no verão e no inverno. Sansigolo e Kayano (2010) ao analisarem as precipitações e temperaturas no Rio Grande do Sul concluíram que as precipitações só apresentaram tendências significativas no verão, de aumento de 93 mm/100 anos, sobre uma média sazonal de 367 mm. Estudos como Minetti (1998), Minetti et al. (2003), Rusticucci e Penalba (2000), Santos e Brito (2007), Santos et al. (2009), Santos e Manzi (2011), Da Silva e Silva (2011), entre outros, aplicaram teste de Mann-Kendall a dados de precipitação. Estudos de tendências em insolação também utilizaram o teste de Mann-Kendall, como em Pallé e Butler (2001), Kaiser e Qian (2002), Minuzzi et al. (2010) e Da Silva (2014). Pallé e Butler (2001) relataram que diminuição gradual em horas de brilho solar na Irlanda ocorreu desde que os registros começaram. Kaiser e Qian (2002) analisaram dados de insolação obtidos de 200 estações na China durante o período de 1954 a 1998 e encontraram uma tendência de decréscimo na insolação de 1,2% por década. Minuzzi et al. (2010), analisando insolação, entre outras variáveis, pelo teste de Mann-Kendall, encontraram que insolação para Minas Gerais foi a variável com o menor número de tendências significativas e de maior oscilação de sinais. Uberaba, por exemplo, mostrou decréscimo em janeiro e novembro, de 1961 a 2004, e tendências positivas, em agosto, de 1961 a 1975 e em março, a

Nos últimos anos há uma grande preocupação de pesquisadores em analisar as variabilidades climáticas que estão acontecendo no planeta, principalmente no que se refere a um possível aumento de eventos de precipitação, aumento/diminuição de temperatura, incidência de raios solares, etc. De acordo Santos et al. (2009) as possíveis mudanças climáticas poderão acarretar significativos impactos nos setores natural, social, rural e econômico, assim como, os extremos do clima associados à temperatura e precipitação poderão também afetar consumo de energia, conforto humano e turismo. Na região Nordeste do Brasil (NEB), estudos que investigam a variabilidade de precipitações tem se mostrado importantes devido aos benefícios trazidos pelos resultados, os quais podem ser aplicados no dia-a-dia da população. Por isso, torna-se necessário um estudo mais completo de identificação de características e/ou possíveis tendências em séries climáticas no estado do Ceará, importante estado do NEB. Existem diferentes técnicas sendo usadas para diagnosticar tendências e/ou variações climáticas, entre elas, o teste de tendências de Mann-Kendall, indicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). Utilizando o teste de Mann-Kendall, objetivou-se nesse trabalho, analisar as tendências em séries pluviométricas, de insolação e de temperatura nas oito macrorregiões cearenses (Região Metropolitana de Fortaleza - RMF, Região do Litoral Oeste, Região de Sobral/Ibiapaba, Região do Maciço de Baturité, Região do Sertão dos Inhamuns, Região do Sertão Central, Região do Litoral Leste/Jaguaribe e Região do Cariri/Centro Sul), e estimar o “futuro climático” para o estado. 2 Fundamentação Teórica Para o sul da América do Sul, o IPCC (2001) relata tendências de aquecimento de 0,6 a 0,8°C no período de 1976 a 2000 (24 anos) e de 0,4 a 0,6°C no período de 1940 a 1975 (35 anos). O relatório 7


Caderno de Experiências partir de 1990. O resultado mais importante foi o decréscimo observado na década de 1960 até meados da década de 1990. O mesmo foi citado por Da Silva (2014) que encontrou diminuição da insolação entre 1960 a 1990 e aumento após a década de 90, para a cidade de Maceió (AL), cidade também situada no Nordeste do Brasil, como em nossa área de estudo. Na região nordeste do Brasil (NEB), onde situa-se o estado do Ceará, observa-se alta incidência solar e maior duração do dia solar médio (Silva et al., 2010). Como ocorrido em outras áreas do planeta e até mesmo do Brasil, a diminuição de radiação observada na superfície devido nebulosidade e aumento de aerossóis está relacionado à diminuição da insolação (Bezerra e Da Silva, 2014, in prelo).

Os dados diários e mensais de precipitação, insolação e temperatura foram provenientes do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) para compor séries históricas que compreende o período de 1974 a 2011 (37 anos). Esses dados foram obtidos no formato de arquivos binários, posteriormente convertidos em arquivos .txt, para serem utilizados em planilha eletrônica do Microsoft Excel®. Foram geradas somas e médias mensais e anuais. Por fim, foram realizadas médias para cada macrorregião. O preenchimento das falhas das séries temporais foi feito com base das médias climatológicas e por correlação com as estações meteorológicas vizinhas. O teste de Mann-Kendall foi aplicado às séries temporais para encontrar as tenências e os mapas de distribuição espacial das tendências foram realizados através do software Surfer versão 13.0 e utilizando os valores de tendências encontrados para as estações meteorológicas citadas abaixo:

3 Procedimentos Metodológicos 3.1 Área de estudo

Tabela 1: Macrorregião, posto meteorológico escolhido e suas coordenadas geográficas. Macrorregião Posto Lat Lon Cearense meteorológico (º) (º)

Neste trabalho foram escolhidas as oito macrorregiões cearenses (Figura 1): Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), Litoral Oeste, Sobral/Ibiapaba, Maciço de Baturité, Sertão dos Inhamuns, Sertão Central, Litoral Leste/Jaguaribe e Cariri/Centro Sul, de acordo com a Secretaria do Planejamento e Gestão (SEPLAN). Figura 1: Estado do Ceará e macrorregiões. Fonte: SEPLAN, 2010

suas

Região Metropolitana de Fortaleza

oito

Fortaleza

-3,75

-38,54

Litoral Oeste

Acaraú

-2,88

-40,13

Sobral/Ibiapaba

Sobral

-3,73

-40,33

Sertão dos Inhamuns

Crateús

-5,16

-40,66

Sertão Central

Quixeramobim

-5,16

-39,28

Maciço de Baturité

Guaramiranga

-4,28

-39

Litoral Leste/Jaguaribe

Morada Nova

-5,11

-38,36

Cariri/Centro Sul

Campos Sales

-7

-40,38

3.3 Teste de Mann-Kendall O teste de Mann-Kendall, sugerido pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) para avaliação da tendência em séries temporais de dados ambientais, é um teste não paramétrico proposto por Mann (1945) e melhorado por Kendall (1975). A estatística do teste é a seguinte (SILVA et al., 2010): R e s in a e p o x i E p o x i c o m 0 .5 % d e E V A E p o x i c o m 1 % d e E V A

Tensao (Mpa)

6 0

3.2 Dados

4 0

2 0

0 0 , 0

0 ,7

D

8

e fo r m

1 ,4

a ç a o ( %

)

(1)


Pesquisa em Foco Em que: xj são os dados estimados da sequência de valores, n é o comprimento da série temporal, e o sinal (xi - xj) é igual a -1 para (xi - xj) < 0, 0 para (xi - xj) = 0, e 1 para (xi - xj) > 0.

4 Resultados e Discussão Precipitação

O teste estatístico parametrizado (ZMK) é computado pela seguinte equação: S −1 ZMK = √Var (s ) para S > 0; 0

Tendências de diminuição nas precipitações (Tabela 2 e Figura 2) foram encontradas para as regiões Sertão dos Inhamuns e Sertão Central (com significância estatística). Essas áreas apresentam também menores áreas verdes e/ou menor quantidade de áreas vegetadas (Figura 2) e esse comportamento é também discutido em Xavier et. al (1996).Infelizmente áreas mais secas do estado, como os sertões, tendem a ficar mais secas. Esse fato é de grande importância para tomada de decisão de vários setores gestores. Tendências de aumento (Tabela 2 e Figura 2) nas precipitações foram observadas no Litoral Oeste, Sobral/Ibiapaba, Baturité, Litoral Leste/Jaguaribe, Região Metropolitana de Fortaleza e Cariri/Centro Sul (sem significância estatística), o que nos leva a esperar aumento na frequência de eventos extremos. Os resultados encontrados aqui são coerentes aos encontrados por Minetti (1998) e Minetti et al. (2003), Rusticucci e Penalba (2000), Santos e Brito (2007) e Santos e Manzi (2011).

para S = 0; S+ 1 √Var (s )

para

S

<

0

(2) A presença de uma tendência estatisticamente significativa e avaliada usando o valor de Z. Essa estatística e usada para testar a hipótese nula, ou seja, que nenhuma tendência existe. Um valor positivo de ZMK indica um aumento da tendência, quando negativa indica uma tendência decrescente. Para testar a tendência crescente ou decrescente no nível de significância de p, a hipótese nula é rejeitada se o valor absoluto de Z for maior que Z1p/2, utilizando-se a tabela da distribuição normal cumulativa padrão (SILVA et al., 2010). Os níveis de significância de P = 0,01 e 0,05 foram aplicados neste estudo. Uma estimativa não paramétrica para o valor da inclinação da tendência é obtida de acordo com Silva et al., (2010):

x j−x

Temperatura Em todas regiões cearenses foram observadas tendências de aumento na temperatura (Tabela 3 e Figura 3), no entanto, sem significância estatística. As menores tendências ocorreram no sul do estado, na região do Cariri/Centro Sul e na região Sobral/Ibiapaba (regiões com altitude e presença de vegetação), seguidas pelas regiões Litoral leste e Baturité, as quais tendem a ter umidade sempre presente devido os efeitos da maritimidade, altitude, microclima e vegetação local. As maiores tendências de aumento de temperatura ocorreram na Região Metropolitana de Fortaleza, Litoral oeste, Sertão dos Inhamuns e Sertão Central, indicando que essas regiões ficarão mais quentes. A tendência de aumento é preocupante já por ser na região semiárida, e quando somado ao fato da maioria das regiões cearenses ter apresentado tendência de diminuição de chuva, o quadro necessita de mais atenção dos setores responsáveis.

i

j− i ¿ β= Median (3) Em que: xj e xi são os pontos dados medidos no tempo j e i, respectivamente. 3.4 Teste de significância de T-Student Tal teste foi usado nesse trabalho para considerar significativas ou não, os valores das tendências encontradas com o teste de Mann-Kendall. Um dos testes de significância mais utilizados é o “T-Student”, o qual é bastante utilizada nos estudos de meteorologia e pode ser calculado da seguinte forma (DA SILVA, 2009):

tc=

t 2 +t √n −2

(4) Insolação

Em que: tc = valor do percentil e c é o grau de liberdade. Foi usado p = 0,95 ou 95%; t = valor do percentil tabelado de acordo com υ (n-1); n é o número de dados.

Foi observado que em metade das macrorregiões (4) ocorreu diminuição de insolação e na outra metade (4), aumento (Tabela 3 e Figura 4). Valores 9


Caderno de Experiências de tendência de diminuição na insolação (ou seja, menos horas de brilho solar) nas regiões de Baturité e RMF podem estar associados a elevadas altitudes e à presença de aerossóis de origem antrópicos na atmosfera local, fatores esses que favorecem o aumento da nebulosidade e

consequentemente, na redução da radiação solar incidente sobre a superfície terrestre e insolação. Já as regiões de Sobral, Oeste cearense e Centro sul apresentaram tendência de aumento de insolação, ou seja, o número de horas com brilho solar está aumentando.

Figura 2: Distribuição espacial das tendências anuais observadas nas séries de precipitação

Figura 3: Distribuição espacial das tendências anuais observadas nas séries de temperatura

Tabela 2: Tendências observadas no período para séries de precipitação e temperatura no estado do Ceará com resultado do teste de T-Student Macrorregiões Cearenses

Tendências

Região Observada (ano) Metropolitana de Fortaleza Período de 37 anos Litoral-Oeste

Sobral/Ibiapaba

Sertão dos Inhamuns

Sertão Central

Maciço de Baturité

Precipitação Teste T-Student Temperatura (mm) (ºC)

Teste T-S

- 0,316489262 Diminuição Sem significância

Sem significâ ncia

- 11, 7101

+ 0,026491929

+ 0,98020

Observada (ano)

+ 0,0519

Aumento Sem significância

+ 0,037491

Período de 37 anos

+ 1,9203

Observada (ano)

+ 0,186973

Período de 37 anos

+ 6,918001

Observada (ano)

-0,07414

Diminuição Com + 0,03789 significância

Período de 37 anos

- 2,74318

+ 1,40193

Observada (ano)

-0,04

Diminuição Com + 0,02581 significância

Período de 37 anos

-1,48

+ 0,95497

Observada (ano)

+ 0,33800774

Sem significâ ncia

+ 1,387167

10

Aumento Sem significância

+ 0,009903

Sem significâ ncia

+ 0,366411

Aumento Sem significância

+ 0,016526727

Sem significâ ncia Sem significâ ncia Sem significâ


Pesquisa em Foco ncia LitoralLeste/Jaguaribe

Período de 37 anos

+ 12,506

Observada (ano)

0,2941

Período de 37 anos

+ 10,8817

Cariri/Centro Sul Observada (ano)

Período de 37 anos

+ 0,61148 Aumento Sem significância

+ 0,013855224

Sem significâ ncia

+ 0,5126432

0,16230058

Aumento Sem significância

+ 6,005121

+ 0,00709843

Sem significâ ncia

+ 0,262641

Tabela 3: Tendências observadas no período para séries de insolação no estado do Ceará com resultado do teste de T-Student. Macroregião

Tendência por Tendência Status da Teste T-Student Mann-Kendall em 37 anos Tendência (h/ano) (h)

Litoral Oeste

-0,0232

-0,8584

Diminuição

Sem significância

Cariri/Centro Sul

0,0142

0,5254

Aumento

Sem significância

Sertão dos Inhamuns

0,0053

0,1961

Aumento

Sem significância

Região Metropolitana de Fortaleza

-0,0034

-0,1258

Diminuição

Sem significância

Baturité

-0,0268

-0,9916

Diminuição

Sem significância

Litoral leste/Jaguaribe

-0,0067

0,2479

Diminuição

Sem significância

Sertão Central

0,0046

0,1702

Aumento

Sem significância

Sobral/Ibiapaba

0,0255

0,9435

Aumento

Sem significância

Os resultados encontrados aqui para a insolação corroboram com os de Kaiser e Qian (2002), que também encontraram áreas com diminuição da insolação na China. Segundo os autores, a diminuição da insolação pode estar associada, além do aumento de nebulosidade, ao aumento de aerossóis na atmosfera local, possivelmente devido ao crescimento, populacional e a intensa atividade industrial. No entanto, não podem ser descartadas as variáveis nebulosidade e aerossóis, nem os efeitos do Global Dimming para explicar o comportamento da insolação local e suas tendências.

Leste/Jaguaribe e Cariri/Centro Sul. Nas séries de temperatura máxima, foram observadas tendências de aumento em todas as regiões. A tendência de aumento de temperatura é preocupante já por ser na região semiárida, e quando somado ao fato da maioria das regiões cearenses ter apresentado tendência de diminuição de chuva, o quadro necessita de mais atenção dos setores responsáveis. Esses fatores podem ser considerados como negativos devido às secas prolongadas e êxodo que todo o nordeste brasileiro já sofre ao longo dos anos. A diminuição da insolação encontrada em quatro regiões cearenses pode estar associada, além do aumento de nebulosidade, ao aumento de aerossóis na atmosfera local, possivelmente devido ao crescimento, populacional e a intensa atividade industrial. No entanto, não podem ser descartadas as variáveis nebulosidade e aerossóis, nem os efeitos do Global Dimming para explicar o comportamento da insolação local e suas tendências.

Considerações Finais Observou-se que para o estado do Ceará tendências de diminuição nas precipitações foram encontradas para Região Metropolitana de Fortaleza, Sertão dos Inhamuns e Sertão Central, áreas que apresentam também menores áreas verdes e/ou menor quantidade de áreas vegetadas. Já tendências de aumento nas precipitações foram observadas no Litoral Oeste, Sobral/Ibiapaba, Baturité, Litoral

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Caderno de Experiências

EFEITO DE EXTRATOS DE PLANTAS MEDICINAIS NA GERMINAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PLÂNTULAS DE ALFACE (Lactuca sativa L.)

1 Introdução

Josyelem Tiburtino Leite Chaves Agronomia/UFCA josyelem_josy@hotmail.com

Jullyanna Pereira da Silva Agronomia/UFCA jullyannaps@hotmail.com

Maria Denise Rodrigues dos Santos Agronomia/UFCA mdrodrigues@hotmail.com

Ana Karoline Bento Maia Agronomia/UFCA anakmaia@yahoo.com.br

Toshik Iarley da Silva Agronomia/UFCA iarley.toshik@gmail.com

Cláudia Araújo Marco Agronomia/UFCA clmarko@yahoo.com.br

grande porte com casca lisa, flores hermafroditas, solitárias e o fruto é uma cápsula cônica; Juazeiro (Ziziphus joazeiro Mart.), espécie endêmica da caatinga muito resistente à seca, árvore de médio porte com copa grande, casca lisa, folha simples e inflorescências em cimeiras; rifamicina (Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze.) também conhecida popularmente como sempre-viva, possui o caule herbáceo com ramos semieretos e folhas simples de coloração arroxeada. Objetivou-se nesse trabalho avaliar o potencial alelopático das plantas medicinais eucalipto, boldo, juazeiro e rifamicina sobre a germinação e desenvolvimento da alface.

O excesso de plantas daninhas atrapalha o desenvolvimento das culturas de interesse econômico e tecnologias com uso de herbicidas, vêm sendo utilizadas com o objetivo de resolver esse problema, porém o uso de forma irracional pode causar sérios danos ao meio ambiente e em função de que suas composições químicas são capazes de cessar o desenvolvimento de certas plantas. Além da questão econômica, pois os agricultores tornam–se dependentes destes produtos (CARVALHO, et. al., 2002). Uma alternativa a este problema seria o uso de herbicidas naturais produzidos a partir de plantas medicinais que são largamente utilizadas para o tratamento e prevenção de doenças, podem ser de ocorrência natural ou serem cultivadas de forma exploratória. Estas são utilizadas por conterem metabólitos secundários que têm ação fitoterápica. Alguns desses metabólitos possuem também ação alelopática, assim a investigação desta ação tem crescido nos últimos anos (PRIMEL et al., 2005).. Os estudos sobre alelopatia buscam a produção de outro tipo de herbicida que minimize os riscos aos agroecossistemas promovendo assim um meio mais sustentável. Além deste fato o uso destes bioherbicidas podem diminuir os custos de produção das culturas. Na realização de bioensaios que possuem o objetivo de avaliar a fitotoxicidade de extratos vegetais utilizam-se espécies receptoras sensíveis a aleloquímicos (TUR et al., 2012). Uma dessas espécies receptora é a alface (Lactuca sativa L.), planta cultivada largamente no Brasil que atende aos requisitos de germinação rápida, uniforme e um grau de sensibilidade que permite expressar os resultados sob-baixas concentrações das substâncias alelopáticas (FERREIRA E ÁQUILA, 2000). Entre essas plantas medicinais que têm sido investigadas temos o boldo (Plectranthus barbatus Andrews), também conhecido como falso-boldo, é uma planta herbácea de folhas simples e sabor amargo; eucalipto (Eucalyptus globulus Labill.), também conhecido como eucalipto-limão, árvore de

2 Fundamentação Teórica Os primeiros registros sobre a alelopatia foi realizado pelo biólogo grego Theophrastus, que era um discípulo de Aristóteles em 300 a.C. O biólogo descreveu que as plantas de grão-de-bico (Cicer arietinum L.) influenciam na exaustão do solo e destruição de plantas infestantes localizadas no entorno destas (BORGATI, 2010). Os países da Europa e América do Norte possuíam inicialmente praticamente todos os estudos envolvendo alelopatia. Mas, nos últimos 70 anos, essa ciência se espalhou pelo mundo, sendo hoje exercida em países da América do Sul, Ásia e Oriente Médio (SOUZA FILHO, 2010). Macías et al. (2004) consideram a alelopatia como uma ciência que estuda os processos em que substâncias interferentes de plantas e de microorganismos são envolvidas, afetando o crescimento e desenvolvimento do sistema biológico. Outro conceito também encontrado é o de Almeida et al.(2008) o qual cita que as plantas produzem substâncias químicas por diversas vias metabólicas. Entre estes os metabólitos secundários. O processo de germinação pode ser inibido ou favorecido pela ação desses compostos produzidos bem como a divisão celular de outras espécies que se encontram ao seu redor. Silva (2004) ressalta que as vantagens dos bioensaios são a economia e rapidez com que 14


Pesquisa em Foco podem ser desenvolvidos, motivos pelos quais são amplamente utilizados. Os estudos mais recentes têm discutido caminhos para reforçar a qualidade das pesquisas em alelopatia, abordando aspectos fisiológicos, químicos e ecológicos (IMATOMI, 2010). Nesses bioensaios geralmente utilizam – se extratos vegetais. Extratos brutos vegetais são, normalmente, misturas complexas constituídas quase sempre por diversas classes de produtos naturais, contendo diferentes grupos funcionais. O termo extração significa retirar, da forma mais seletiva e completa possível, as substâncias ou fração ativa contida na droga vegetal, utilizando, para isso, um líquido ou mistura de líquidos tecnologicamente apropriados e toxicologicamente seguros (SIMÕES et al., 2007). A utilização da água para obtenção de extratos se dá pelo fato desta ser um solvente universal, de fácil acesso à população e de baixo custo. Além disso, é um componente que faz parte do ecossistema, o que torna mais viável a introdução na natureza (FREITAS, 2008). Produtos naturais que apresentam atividade biológica são as principais fontes de novas estruturas químicas úteis ao desenvolvimento de moléculas com potencial para utilização na farmacologia, agronomia e outros campos do conhecimento humano. Um crescente interesse tem sido focado nos metabólitos secundários das plantas, os quais desempenham importante função na comunicação química entre organismos (MACÍAS et al., 2008). Os herbicidas são a classe de defensivos com maior demanda pela agricultura brasileira. Em 2008, o consumo dessa classe ultrapassou os 59% do total geral, registrando demanda aproximada de 186 mil toneladas de ingrediente ativo (BORTOLETTO et al. 2010). Uma alternativa ao uso de herbicidas, inseticidas e nematicidas (defensivos agrícolas) que tem sido investigada é o uso de aleloquímicos. O objetivo da utilização é o isolamento de um defensivo natural que venha a reduzir os custos da produção agrícola e o impacto causado pelo uso crescente de agrotóxico, possibilitando assim a seleção de plantas para controle de espécies daninhas (TOKURA; NÓBREGA, 2006). Extratos de feijão-de-porco (Canavalia ensiformes (L.) DC.) foram analisados para ação bio-herbicida no Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da USP. Os extratos de folhas e sementes da planta se foram eficazes contra a trapoeraba (Commelina benghalensis L.) e a corda-de-viola (Ipomoea grandifolia) já adultas. Essas plantas daninhas tem ação competidora com a cultura da soja (Glycine max L.) e prejudicam seu bom desenvolvimento. O extrato não prejudicou o crescimento da espécie cultivada (orgânica ou transgênica) e através destes resultados os extratos desta planta podem – se

tornar uma alternativa ao uso de herbicidas sintéticos (MONTEIRO, 2011). 3 Procedimentos Metodológicos O bioteste foi realizado nos Laboratórios de Tecnologia de Produtos e de Tecnologia de Sementes da UFCA. As folhas de boldo e a rifamicina foram coletadas no horto de plantas medicinais do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Horticultura (NUPEH) no município de Crato. As folhas de Juazeiro foram coletadas no bairro Pirajá no município de Juazeiro do Norte-CE e as folhas de eucalipto foram coletadas no Sítio Buriti, município de Santana do Cariri-CE. A espécie-alvo utilizada no bioteste foi a alface e as sementes foram adquiridas em casa agropecuária do município de Crato-CE. Para preparação do extrato aquoso de boldo 40 g de folhas verdes foram imersas em 100 mL de água destilada a 100º C por 20 minutos sendo que no fim deste período o extrato foi filtrado. O extrato de eucalipto 25 g de folhas secas em estufa a 60ºC por 24 horas foram emersas em 100 mL de água destilada a 100°C e deixadas em um vidro fechado durante 24 horas para extração dos compostos hidrossolúveis (FIGURA 07), conforme metodologia proposta por Thomazini et al. (2000). Após esse período o extrato foi filtrado. O extrato aquoso de juazeiro foi obtido através da trituração de 25 g de folhas verdes em liquidificador doméstico com 100 mL de água destilada, no fim deste processo o extrato foi filtrado em papel filtro. O extrato aquoso de rifamicina foi obtido através da trituração de 20 g de folhas frescas em liquidificador doméstico. O pH de cada extrato aquoso foi aferido no pHmetro e quando necessário corrigidos com hidróxido de sódio 1M para estarem na faixa de 6,5 a 6,8 que é a faixa ótima de germinação do alface. Dois discos de papel filtro colocados em placas de petri foram umedecidos com 4 mL de extrato de acordo com o tratamento. As vidrarias utilizadas no bioteste foram esterilizadas em autoclave a uma temperatura de 121º C por 15 minutos. Em cada placa foram colocadas 15 sementes de alface com auxílio de pinças. Todo o experimento foi realizado em BOD com temperatura de aproximadamente 25°C. Foram realizadas contagens de sementes germinadas a cada 24 h por um período de 7 dias. As variáveis analisadas foram porcentagem de germinação, índice de velocidade de germinação (IVG), tamanho e necrose da radícula. Foram consideradas germinadas aquelas sementes que as radículas atingiram 2 mm de comprimento. O IVG foi medido através do somatório da razão entre o número de sementes germinadas no dia e o número de dias (FERNANDES et al., 2007). Após a 15


Caderno de Experiências Tabela 2: Percentual de germinação de sementes de alface submetidas a vários extratos de plantas medicinais

última contagem a radícula foi medida com régua e analisada se estava necrosada. O delineamento experimental adotado foi o inteiramente casualizado. O delineamento adotado foi o inteiramente casualizados (DIC) com cinco tratamentos correspondendo aos extratos utilizados de boldo, eucalipto, juazeiro, rifamicina e água destilada (testemunha) e quatro repetições, com 15 sementes cada, totalizando 20 parcelas. As médias foram comparadas através do teste de Tukey a 5% no Programa Operacional SISVAR da Universidade Federal de Lavras (UFLA).

Extrato Eucalipto Juazeiro Rifamicina Boldo Testemunha

Fonte: Elaborado pelo autor (2014)

Silva W. (2007) ao avaliar o potencial alelopático das plantas medicinais cumarú (Amburana cearensis A.C. Smith) e jurema-preta (Mimosa tenuiflora (Willd.) Poir) na germinação de sorgo (Sorghum bicolor L.), milho (Zea mays L.) e feijão guandu (Cajanus cajan L.) verificaram que todas as plantas teste foram capazes de inibir a germinação de sementes das plantas - alvo. Weir et al. (2004) sugerem que os aleloquímicos agem principalmente na paralisação da respiração mitocondrial e na perturbação de enzimas do ciclo de Krebs, pois no processo de germinação ocorre um aumento na atividade glicolítica ligado a um aumento da taxa de respiração. A atividade glicolítica mobiliza os carboidratos armazenados, fornece a um poder redutor a semente e contribui para a emissão de radículas e caulículos de plântulas emergentes, assim se o processo de respiração é comprometido a germinação é afetada. (MUSCOLO et al., 2001). Segundo a análise de variância foi possível constatar que todos os extratos causaram redução do IVG (TABELA 3), porém somente os extratos de eucalipto e juazeiro inibiram fortemente esse parâmetro e diferiram estatisticamente da testemunha, resultado previsto já que foi verificado a ausência de germinação nestes dois extratos. Esses resultados corroboram com os encontrados por Goetze e Thomé (2004) e Oliveira A. et al. (2012) que estudaram o efeito do extrato de eucalipto e juazeiro, respectivamente. Pelos resultados pode-se perceber que quanto maior o efeito negativo desses extratos menor será o IVG. O valor médio dia do IVG para a testemunha encontrado foi de 6,14, fato este que se assemelha ao encontrado por Yamagushi et al. (2011) que foi de 7,0 em condições semelhantes de condução de experimento.

4 Resultados e Discussão O resultados do pH dos extratos aquosos são mostrados na tabela 1, onde é verificado que este variou de ácido ao quase neutro. O extrato de rifamicina foi o único que não precisou ser ajustado, pois já estava na faixa ótima de germinação da alface que é de 6,5 a 6,8. Tabela 1: pH inicial e ajustados dos extratos aquosos de plantas medicinais

Extrato Boldo Eucalipto Juazeiro Rifamicina

pH inicial 6,05 5,20 6,37 6,80

Germinação (%) 6,67a 15,02a 28,33ab 53,33bc 66,67c

pH ajustado 6,55 6,62 6,57 -

Fonte: Elaborado pelo autor (2014)

Segundo Maraschin–Silva e Aquila (2005) a ação do pH deve ser neutralizado quando se trabalha com extratos vegetais, pois devemos excluir efeitos não alelopáticos. Se não existir um controle rigoroso destes, não se pode garantir que os efeitos de uma planta sobre a outra é uma consequência de um composto alelopático (PINA, 2008). Correia et al. (2005) ajustou o pH de extratos de sorgo para verificar a potencialidade alelopática do mesmo na germinação e o desenvolvimento de plântulas de soja. O porcentual de germinação teve efeito significativo dos extratos de eucalipto e juazeiro quando comparadas ao controle (TABELA 2). O extrato de boldo causou uma redução, porém não diferiu estatisticamente da testemunha. Os resultados descritos para o extrato de boldo não se assemelha aos encontrados por Sales et al. (2005) que ao trabalhar com extrato desta planta obteve forte inibição da germinação e do crescimento de alface.

16


Pesquisa em Foco Tabela 3: Índice de velocidade de germinação de sementes de alface submetidas a diversos extratos de plantas medicinais

Extrato Eucalipto Juazeiro Rifamicina Boldo Testemunha

sendo que o extrato de juazeiro causou a maior redução, seguido pelo extrato de eucalipto e rifamicina e ambos diferiram da testemunha. Provavelmente esse fato ocorreu pelo grande número de plântulas anormais que o extrato de juazeiro causou. Semelhante ao descrito por Oliveira A. et al. (2012) no estudo da potencialidade do extrato desta planta em alface, os autores observaram uma redução drástica do comprimento da radícula e alto índice de plântulas anormais.

IVG 0,17a 0,96ab 2,16abc 5,14bc 6,14c

Tabela 5: Comprimento de radícula de plântulas de alface submetidas a diversos extratos de plantas medicinais

Fonte: Elaborado pelo autor (2014)

Silva V. (2007) descreveu a ação alelopática do extrato etanólico de folhas de Dicranopteris flexuosa (Schrad) Underw e este interferiu de forma negativa no IVG de alface, entretanto não causou efeito na germinabilidade. Os extratos de juazeiro, rifamicina e boldo causaram necrose na radícula (TABELA 4) das plântulas de alface, porém o extrato com maior efeito foi o de juazeiro com 83,33% de radículas necrosadas e este foi o único a diferir da testemunha. Algumas plântulas tratadas com o referido extrato ficaram totalmente anormais e provavelmente estas não se desenvolveriam em campo.

Extrato Eucalipto Juazeiro Rifamicina Boldo Testemunha

Fonte: Elaborado pelo autor (2014)

O comprimento da radícula de três hortaliças foi reduzido pelo extrato de eucalipto (GOETZE; THOMÉ, 2004). As raízes de alface submetidas aos extratos brutos das espécies do gênero Miconia ficaram atrofiadas e com as pontas bastante escurecidas quando compradas ao controle. Sendo o extrato de M. stenostachya o mais fitotóxico para o comprimento da radícula das plântulas de alface. (SANTOS, 2012).

Tabela 4: Necrose de radícula plântulas de alface submetidas a diversos extratos de plantas medicinais

Extrato Eucalipto Juazeiro Rifamicina Boldo Testemunha

Comprimento de radícula (cm) 0,67a 0,27a 0,80a 1,35ab 2,45b

Necrose de radícula (%) 0a 83,33b 42,86ab 35,14ab 0a

Considerações Finais Os extratos de eucalipto, boldo, rifamicina e juazeiro obtiveram efeito alelopático negativo na germinação, IVG, necrose e comprimento de radícula da alface. Entre estes os extratos de eucalipto e juazeiro obtiveram resultados superiores segundo o teste de Tukey a 5%.

Fonte: Elaborado pelo autor (2014)

Segundo Miró et al. (1998) geralmente as raízes sofrem maiores efeitos dos aleloquímicos do que a parte aérea, já que estão mais expostas às substâncias presentes no substrato. Esse fato possivelmente acontece pelo contato direto e prolongado das raízes com o extrato em relação às demais estruturas das plântulas. A necrose da radícula é um dos sintomas mais comuns de plântulas anormais induzidas pela ação de compostos aleloquímicos (FERREIRA; AQUILA, 2000). Os resultados encontrados nessa pesquisa corroboram com Félix et al. (2007), que ao testarem o extrato aquoso por infusão de Amburana cearensis L. (Fr. All.) AC em radículas das plântulas de alface apresentaram-se anormais, atrofiadas e defeituosas e outras praticamente sem raízes. O comprimento da radícula foi afetado negativamente por todos os extratos (TABELA 5),

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Caderno de Experiências

USO DE GEOTECNOLOGIAS EM MUNICIPIOS DA REGIÃO DO CARIRI CEARENSE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

1 Introdução

Nágela Maria Henrique Mascarenhas Agronomia/UFCA nagellamariia@hotmail.com

Maria Ângela Cruz Macêdo dos Santos Agronomia/UFCA angela_macedo.08@hotmail. com

Maria Ângela Cruz Macêdo dos Santos Agronomia/UFCA aerivando86@gmail.com

Carlos Wagner Oliveira Professor -Agronomia/UFCA carloswagner@cariri.ufc.br

da região do Cariri cearense, ter conhecimento do nível de informações dos profissionais que fazem uso, apontando as dificuldades enfrentadas para a implantação e uso das geotecnologias além de buscar possibilidades para aprimorar seus diversos usos.

Nas últimas décadas, surgiu uma grande preocupação em identificar as áreas frágeis tanto sociais quanto ambientais, no âmbito urbano e rural, nos demais municípios brasileiros, para definir as prioridades de atuação e da implantação de políticas publicas. Devido à aceleração do processo de urbanização de algumas cidades, algumas discussões surgem em torno do tema, o que vem enfatizando a preocupação com o meio ambiente, gerando assim a necessidade de aperfeiçoamento de instrumentos tradicionais e a utilização de novos instrumentos de planejamento, para um melhor monitoramento e avaliação da crescente expansão urbana. Sabe-se que o Brasil vem vivenciando um momento de grandes mudanças no que diz respeito ao planejamento e a gestão territorial, onde se deixa de enxergar com uma visão positivista, que busca uma solução individual para o problema e começa a se enxergar com uma visão sistêmica, onde se integraliza os problemas buscando a influência que cada um exerce sobre o outro, achando assim uma solução que favoreça a todos. Para viabilizar a nova proposta de planejamento urbano, é necessário o desenvolvimento de novas técnicas de geração de analise espaciais, ou seja, a utilização das técnicas de geoprocessamento, que permitem uma visão ampla e superior a visão parcial que o homem tem sobre o mundo, fornecendo bases cientifica para um novo modelo de planejamento urbano. O uso das geotecnologias como uma ferramenta de apoio as tomadas de decisões na gestão urbana, é um movimento que vem sendo incentivado pelo Ministério das Cidades desde 2008, juntamente com as Universidades Federais brasileiras e seus programas de extensão universitária (PROEXT), que visa o desenvolvimento de projetos, que capacitem técnicos de prefeituras no uso de ferramentas de geoprocessamento, incluindo o geoprocessamento no ambiente de trabalho facilitando os procedimentos, e, sobretudo o apoio do uso de softwares livres, neste caso o Qgis. O presente trabalho objetivou realizar um estudo sobre o uso de ferramentas de SIG’s e geotecnologias em algumas prefeituras municipais

2 Fundamentação Teórica Segundo a opinião de Carvalho (2010), observa-se neste momento, no Brasil, a mudança de paradigma no contexto de planejamento e gestão territorial: saímos da visão Positivista, na qual pensamos nas soluções individuais dos problemas para a Visão Sistêmica, na qual os problemas estão interligados e para resolvê-los é preciso pensar na influência de uns sobre os outros. De acordo com o Estatuto das Cidades (2001), os municípios devem elaborar diagnósticos sociais e ambientais que abranjam tanto o urbano quanto o rural. A identificação das áreas mais frágeis tanto social quanto ambientalmente tornou-se necessária para a definição de prioridades quanto à atuação e implantação de ações públicas. A aplicação das técnicas convencionais de planejamento urbano visando o monitoramento da expansão das cidades não está conseguindo acompanhar a velocidade de como crescimento se executa. Com isso faz-se necessário o uso de métodos mais eficazes e adequados que consigam detectar em tempo real a expansão urbana e alterações ambientais consequentes, através do uso de geotecnologias, técnicas de geoprocessamento, que contribui para uma maior eficiência nas ações dos órgãos de planejamento. Segundo Sena et. al. (2012a), o geoprocessamento é uma ferramenta de grande importância para o monitoramento da biodiversidade, devido à capacidade de coleta de dados para diversos estudos, bem como realizar análises complexas, ao integrar dados de diversas fontes de dados. O geoprocessamento surgiu no final do século XX como uma ferramenta de alta tecnologia e inovação para interpretações relacionadas ao espaço. É um conjunto de técnicas que permitem realizar análises espaciais, manipular e gerenciar informações espaciais georreferenciados com uma agilidade e 20


Pesquisa em Foco precisão que até antes de seu surgimento, eram inimagináveis. Este conjunto de técnicas, por mais que esteja cada vez mais presente entre as ciências que lidam com dados espaciais, como geografia, geologia, engenharias, arquitetura e outras, ainda não fazem efetivamente parte do sistema da gestão urbana municipal de muitas cidades (CARVALHO & LEITE, 2009). A função dos sistemas de informação geográfica (SIG) consiste em integrar as informações obtidas por sensoriamento remoto com outros dados espacialmente distribuídos (modelo numérico do terreno e declividade, entre outros). Os SIG permitem, dessa forma, criar um modelo do mundo real ao integrarem dados de natureza diversa, voltados para uma aplicação em particular (FARINA, 2006). O Sistema de informações Geográficas (SIG), geotecnologia da área de Geoprocessamento, permite a realização de diversas análises complexas e integração de dados e com a criação de banco de dados georreferenciados torna possível à automatização da produção de mapas e outros produtos cartográficos (CÂMARA & DAVIS, 2001 apud SENA et. al, 2012b).

4. Que aplicações você gostaria que fosse abordado no curso? 5. Que usos você vislumbra destas tecnologias em seu trabalho? Os dados obtidos foram tabulados e analisados com o auxílio do programa operacional Microsoft Office Excel 2010, utilizando estatística descritiva. Dentro de cada item, foram calculados os percentuais em relação ao número total de entrevistados. Alguns comentários considerados relevantes foram incluídos para enriquecimento do trabalho. 4 Resultados e Discussão Considerando a importância do uso de geotecnologias para o planejamento urbano das cidades, foram entrevistados alguns técnicos de prefeituras e órgãos públicos, para saber qual o nível de conhecimento dos mesmos. Podemos observar um déficit de conhecimento sobre o assunto dos profissionais, tendo em vista que esses deveriam fazer uso diário dessas ferramentas, e assim, portanto ter um maior conhecimento na área afim. Esses questionários foram aplicados, com o intuito de saber qual o nível de conhecimento dos técnicos, para que pudesse ser ministrado um curso de capacitação sobre Geoprocessamento. A maioria dos entrevistados ficou sabendo da existência da capacitação por meio de colega de trabalhos e por meio de professores da UFCA. Com relação à experiência no uso das geotecnologias pelos técnicos (Figura 01), alguns técnicos, mais especificamente 50%, não possuem experiência alguma no uso, desconhecendo o seu funcionamento, suas aplicações no trabalho, sua importância. Outros 40%, tem pouca experiência no uso, utilizando apenas, ferramentas mais simples, como o Google Earth para confecção de mapas da cidade, mais não sabem lançar em outros programas, georreferenciar entre outras atividades, sendo que alguns utilizam somente o GPS para demarcação de pontos, mais não sabem utiliza-los para fazerem mapas. E apenas 10% dos entrevistados, sabiam utilizar e tinham pouca dominância em alguns programas. Vale ressaltar que foram encontrados órgãos ou secretarias que tem maior domínio no uso destas ferramentas, mas que aderiram a parceria das ações de extensão no segundo semestre do ano, após esse levantamento ter sido realizado.

3 Procedimentos Metodológicos O estudo foi realizado durante o mês de Maio de 2014, nos municípios de Crato e Araripe, em órgãos públicos e secretarias das prefeituras. Foram aplicados questionários, previamente elaborados com questões subjetivas (Quadro 01) sobre aspectos técnicos da utilização de ferramentas de geotecnologias. Possibilitando fazer uma avaliação e caracterização do nível de utilização de tais ferramentas no cotidiano de órgãos públicos, para que esses pudessem participar do curso de Geoprocessamento que seria oferecido pela ação do Programa de Extensão LEMGE. Após a identificação de órgãos e secretarias que tinham interesse em participar do curso em Geoprocessamento foram realizadas visitas aos respectivos locais, com a realização das inscrições e aplicação dos questionários. Quadro 1: Questões aplicadas no questionário da inscrição Perguntas realizadas no questionário 1. Como soube da existência do curso? 2. Você tem alguma experiência com uso de geotecnologias? 3. Você faz uso de imagens de sensoriamento remoto? 21


Caderno de Experiências Figura 1: Experiências geotecnologias

com

o

uso

de

Dentre as aplicações técnicas de geotecnologias que os técnicos queriam que fossem abordados no cursos (Figura 03), 12% dos entrevistados queriam que fossem passados noções de Fundamentos de Geoprocessamento. Outros 17% queriam aprender a realizar interpretação de mapas, considerando um assunto bastante importante. Já quando se trata de uso de GPS e uso de programas específicos de geoprocessamento, 21% dos entrevistados queriam que os demais assuntos lhe fossem passados, considerando que para a elaboração e georreferenciamento de mapas, saber usar o GPS e usar programas especificos tem uma relevante importância.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos técnicos é a falta de capacitação dentro dos próprios órgãos e secretarias, observar-se que deveria existir capacitações dentro das instituições para que os próprios técnicos pudessem se aperfeiçoar no próprio âmbito do trabalho, uma vez que superaria o déficit de conhecimento. Outro ponto avaliado foi o uso de sensoriamento remoto (Figura 02) pelos técnicos para planejamento da área urbana e elaboraçao de mapas. A maioria dos técnicos, especificamente 60% deles, diz que não fazem uso de imagens de sensoriamento remoto. Isto pode levar a uma falha no planejamento e na elaboraçãode mapas, uma vez que não se tem dados realistas. Podendo impossibilitar a confecção de mapas que mostrem a real situação das cidades em estudos.

Figura 3: Aplicações técnicas de geotecnologias abordadas no Curso de Geoprocessamento.

Figura 2: Uso de sensoriamento remoto por técnicos de prefeituras Já em relação a como inserir essas ferramentas no âmbito do trabalho, a maioria dos entrevistados, 29%, queriam que fossem passados a eles como eles poderiam estar utilizando essas geotecnologias no dia-a-dia, de que maneira isso iria melhorar seu desempenho e melhorar suas atividades no trabalho, de forma que essas ferramentas estariam os axiliando, sendo esta a aplicação em que os técnicos mais queriam que lhe fossem passados. Todos os entrevistados, sem exceção, quando perguntados que usos vislumbram destas tecnologias em seu trabalho, responderam que gostariam de aplicar os conhecimentos adquiridos no curso em seus levantamentos topográficos, já que é o uso mais frequente deles no dia-a-dia. Também gostariam de aprender a realizar interpretação de mapas para o monitoramento de áreas degradadas e de poluição hídrica, em geral realizar um monitoramento de suas cidades, tanto na zona urbana como na zona rural. Além de aprender a usar de maneira correta e eficaz o GPS para demarcação de pontos e confecção de seus mapas topográficos.

Outros 10% dos entrevistados, reponderam que fazem o uso dessas imagens razoavelmente, sem muita frequencia, somente para algum levantamento topográfico que seja necessário no trabalho. Os outros 30%, reponderam que sim, fazem uso de imagens de sensoriamento remoto frequentemente, para acompanhar o crescimento da área urbana, principalmente na cidade do Crato. Os técnicos de fora do Crajubar encontram-se dentro dos 60% que não fazem uso. Dentre os órgãos que aderiram ao programa de extensão, os de infra-estrutura deram maior importância ao uso dessas ferramentas para realizar o georreferenciamento de áreas que estão em crescente expasão, como por exemplo fazer acompanhamento dos loteamentos que estão surgindo. 22


Pesquisa em Foco Considerações Finais

de Ciências Humanas. Campos dos Goytacazes, 2010. Disponível em: <http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.p hp/ENGEO/article/view/1656/840>. Acesso em: 15 jul. 2014.

Apesar de apresentarem um nível de conhecimento básico no que diz respeito ao uso e implantação de geotecnologias, pode-se verificar que há grande interesse por parte dos técnicos dos demais órgãos públicos e secretarias das prefeituras em implantar ou até aprimorar aplicação de geotecnologias no planejamento urbano. Inúmeras são as dificuldades enfrentadas, que vão desde optar por métodos mais rústicos e menos oneroso para realizar o planejamento e gestão urbana, até a falta de capacitação dos técnicos, que se torna o motivo mais agravante, pois não adiantaria ter programas e software com alta tecnologia sem profissionais aptos para o uso. É possível observar que o uso desses recursos pode propiciar inúmeras vantagens, além de serem bastante uteis para a gestão pública. Inúmeras são as vantagens que este recurso pode proporcionar para a gestão pública e mostrarem o quanto essas técnicas podem ser úteis para as cidades que os utilizam.

CARVALHO, G. A.; LEITE, D. V. B. Geoprocessamento na gestão urbana municipal – a experiência dos municípios mineiros Sabará e Nova Lima. Anais XIV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Natal, Brasil, 25-30 abril 2009, INPE, p. 36433650. FARINA, F. C. Abordagem sobre as técnicas de geoprocessamento aplicadas ao planejamento e gestão urbana. Cadernos EBAPE.BR. v.4. n.4. Rio de Janeiro, 2006. Disponivel em: <http://dx.doi.org/10.1590/S167939512006000400007>. Acesso em: 23 out. 2014. SENA, F. T. N; SANTIAGO NETO, B. J; LEITE, A. C. de S. Uso do geoprocessamento como subsídio à análise ambiental: imagem SRMT na geração dos mapas hipsómétrico e de declividade das bacias difusas da barragem boa esperança no estado do Piauí. IV Simpósio Brasileiro de Ciências Geodésicas e Tecnologias da Geoinformação. p. 001– 005. Recife, 2012. Disponível em: < http://www.ufpe.br/cgtg/SIMGEOIV/CD/artigo s/SIG/121_5.pdf >. Acesso em: 10 jul. 2014

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Caderno de Experiências

GERMINAÇÃO DE DIFERENTES ESPÉCIES DE GRAMINEAS FORRAGEIRAS VISANDO A INSTALAÇÃO DE UM PAINEL AGROSTOLÓGICO 1 Introdução

Antonia Gorete da Silva Galdino Agronomia/UFCA antonia_galdino17@hotmail. com

Cícero Lucas da Silva Agronomia/UFCA lucas_playtop18@hotmail.co m

Luiz Fernando da Silva Luna Agronomia/UFCA silva-lunacdd@hotmail.com

Juan Carlos Alvarez-Pizarro Professor - Agronomia/UFCA alvarez-pizarro@cariri.ufc.br

Estudos realizados por Garcia et al. (1998) com três espécies de gramíneas forrageiras (Andropogon gayanus Hack cv. planaltina, Brachiaria brizantha cv. marandu e Panicum maximum) avaliaram o efeito do tempo de armazenamento (6 e 12 meses) e do decréscimo do potencial hídrico (manitol) na germinação sob diferentes condições. Os autores descreveram que o decréscimo do potencial hídrico diminuiu a porcentagem de germinação e aumentou o número de dias para germinação inicial e total nas três espécies. As sementes de Andropogon com 6 meses de armazenamento apresentaram maior germinação que as sementes de outras gramíneas em todas as faixas de potenciais hídricos estudadas. Por outro lado, Pereira et al. (2012) estudaram a influência do estresse hídrico e salino na germinação (após 7 dias da semeadura) e no estabelecimento da plântula (35 dias após a semeadura) de Urochloa decumbens e Urochloa ruziziensis. Os autores verificaram maiores reduções no vigor, na velocidade de germinação e na germinação acumulada de sementes de ambas as espécies promovidas principalmente pelo estresse hídrico do que pela salinidade. A espécie U. decumbens apresentou maior tolerância aos estresses hídrico e salino. Primavesi (2002) relata que diversos trabalhos têm demonstrado que os fatores ambientais controlam os ciclos de dormência de sementes no solo e que, dentre eles, os principais são a luz e a temperatura. Carmona; Martins; Fávero (1998) estudaram os fatores (luz, alternância de temperatura e armazenamento) que afetam a germinação de sementes de gramíneas nativas do cerrado. A germinação das sementes foi bastante afetada pelas condições ambientais durante o teste, porem estes fatores não afetaram de forma semelhante a germinação de todas as espécies estudadas.

As gramíneas é um grupo de plantas pertencentes à família poaceae, classe monocotiledônea, divisão angiosperma. A denominação monocotiledônea vem da presença de um único cotilédone no embrião. Os membros desta família, conhecidos como capins ou gramas, possuem folhas lineares, flores nuas e inflorescências de tipo espigas, panículas ou racemo. O fruto é uma cariopse. Este grupo tem uma importância econômica, nutricional e industrial significativas, pois é empregado tanto na alimentação humana e animal, e na produção de insumos industriais como biocombustíveis. Na pecuária, as espécies forrageiras constituem a principal fonte de alimento para rebanhos, todas elas com alto valor nutritivo. Existe, no entanto, variações entre as diferentes espécies no que se refere a suas exigências de nutrientes e umidade no solo, altitude ideal e condições climáticas para seu desenvolvimento. Um problema frequentemente relatado com gramíneas forrageiras é a baixa taxa de germinação das suas sementes. Algumas espécies tais como P. maximum têm uma taxa de germinação de ao redor de 20 %. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a germinação de sementes de várias espécies de gramíneas forrageiras (Brachiaria brizantha cv. Piatã , Panicum maximum cv. Tanzania, Andropogon gayanus , Sorghum bicolor cv CSF 18, Sorghum bicolor cv catissorgo, Penisetum glaucum P. glaucum x P. purpureum e de Sorghum sudanenes), em substratos diferentes com a finalidade de estabelecer a melhor condição para incrementar a taxa de germinação. Este trabalho visou determinar condições de germinação para a instalação de um painel agrostológico. 2 Fundamentação Teórica Germinação de sementes é uma das fases do desenvolvimento do vegetal caracterizada pela retomada do crescimento do embrião para o estabelecimento de uma planta jovem. Algumas sementes, incluindo de capins, podem entrar em um período de dormência o que pode comprometer o crescimento da planta jovem. Desde um ponto de vista prático, a dormência pode dificultar a obtenção de um número apropriado de mudas para a instalação de campos de cultivo ou para a realização de trabalhos de pesquisa.

2.1 Reuniões Técnicas Uma reunião técnica é um encontro de uma hora ou duas, onde se discute algum assunto de interesse comum do grupo, problemas encontrados, lições aprendidas ou efetuam-se treinamentos. É basicamente o exercício de uma comunidade de prática. As reuniões técnicas costumam ser bem aceitas por parte da equipe, pelo fato dos temas serem, 24


Pesquisa em Foco geralmente, de interesse de todos os colaboradores, possibilitando a elaboração de perguntas que podem ser respondidas imediatamente, dando à equipe a sensação de absorção integral da informação. O conhecimento gerado nesses encontros é de qualidade superior, devido à troca de informações e desenvolvimento de processos de interação entre apresentador e público, mediante perguntas e respostas, ilustrações e metáforas (ANGELONI, 2008). Assim, o conhecimento não é gerado apenas na platéia, mas também no locutor. Um problema desta técnica, percebida com grande destaque no CESAR, é a necessidade da participação presencial, onde a ausência de um componente gera quebra na colaboração, onde o conhecimento que essa pessoa poderia adquirir e fornecer é perdido. Outro problema identificado diz respeito aos trabalhos realizados por equipes pequenas e/ou com prazos curtos, que interfere na produtividade geral, a cada paralisação para reuniões, tornando-se estrategicamente inaceitável.

4 Resultados e Discussão Na tabela 1 mostra-se os resultados das taxas de germinação nos dois substratos testados. Verificouse que maiores taxas de germinação foram obtidas quando o substrato foi suplementado com cloreto de cálcio. Tabela 1. Germinação de diferentes sementes de gramíneas forrageiras em dois tipos de substratos: solo + esterco (substrato 1) e solo + vermiculita + CaCl2 (substrato 2). Os resultados correspondem à taxa de germinação 11 dias após a semeadura Espécies de gramíneas

Taxa de germinação (%) Substrato Substrato 1 2

Sorghum catissorgo

3 Procedimentos Metodológicos O Experimento foi realizado na Universidade Federal do Cariri (UFCA), com sede na cidade de Crato-Ceará, na casa de vegetação, no mês de outubro do ano 2014 (figura1). Foram preparados dois substratos para avaliação da taxa de germinação. Substrato 1 ( solo+ esterco) e substrato 2 (solo+ vermiculita + CaCl2 ) (figura 2). No substrato 1 a semeadura foi realizada em sacos plásticos, e no substrato 2 em copos descartáveis. Em cada saco plástico foram colocadas 20 sementes, e 15 para cada copo. A germinação foi avaliada diariamente, considerando-se sementes germinadas aquelas cuja parte aérea já tenha emergido do solo (figura 3). Em ocasião das contagens, a água perdida por evaporação foi reposta. As sementes germinadas no substrato solo + esterco foram contadas até 30 dias após a semeadura e aquelas cultivadas em copos até 11 dias após a semeadura.

bicolor

cv

16 %

80 %

Sorghum bicolor cv CSF 18

19 %

87 %

Penisetum glaucum

38 %

49 %

14 %

11 %

Panicum maximum

25 %

60 %

Brachiaria brizantha cv piatã

15 %

45 %

Sorghum sudanenes

11 %

61 %

Andropogon gayanus

18 %

32 %

P. glaucum purpureum

x

P.

As figuras a seguir mostram a porcentagem do numero de sementes germinadas em relação ao tempo em dias após a semeadura das espécies Brachiaria Brizantha cv. Piatã, Sorghum bicolor cv catissorgo , Sorghum bicolor cv CSF 18, Penisetum glaucum, P. glaucum x P. purpureum, Panicum maximum ,Sorghum sudanenes e Andropogon gayanus. Quando comparados entre si sob as mesmas condições climáticas notou-se que houve variações nas médias de germinação. No 2° substrato as 15 sementes germinaram, no entanto nos sacos plásticos germinaram poucas sementes sendo que as plantas não obtiveram tamanhos satisfatórios para o transplantio. Preparando-se uma pequena área o painel agrostologico foi montado (figura 5), a semeadura foi feita em sulcos, dividindo-se as espécies a cada metro (figura 6),antes da semeadura foi feita a adubação com NPK na formulação 5-7-6, sendo depositada nos sulcos. As mudas foram levadas ate a área (figura 7) para que logo em seguida fossem transplantadas (figuras 8)

Foram utilizadas sementes de Brachiaria brizantha cv Piatã e Panicum maximum cv. Tanzânia, Andropogon gayanus, Sorgo Catissorgo, sorgo forrageiro, capim-elefante e Capim Sudão. 25


Caderno de Experiências

Considerações Finais O trabalho apresentado visa um maior conhecimento sobre a melhor forma de germinação para as diferentes espécies de gramíneas forrageiras, o painel foi implantado para melhores estudos, mostrando diferentes condições de germinação das forrageiras,visto que foi satisfatório a sua instalação,para possíveis estudos mais elaborados. Referências PRIMAVESI, A. Manejo ecológico do solo: a agricultura em regiões tropicais. São Paulo: Nobel, 2002. 549 p. Reimpressão em 2002. FAVERO, A.P.; CARMONA, R. Qualidade de sementes de gramineas nativas do cerrado. In: CONGRESSO DE INICIACAO CIENTIFICA DA UnB, 2., 1996, Brasilia, DF. Anais... Brasilia: UnB, 1996. p.144 CARMONA, R.; MARTINS, C. R.; Caracteristicas de sementes nativas do cerrado. Pesquisa Brasileira, Brasilia, v.34, n.6, 1999.

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PEREIRA, M. R. R.; MARTINS, C. C.; SOUZA, G. S. F.; MARTINS, D. Influência do estresse hídrico e salino na germinação de Urochloa decumbens e Urochloa ruziziensis. Bioscience Journal, v. 28, n. 4, p. 537-545, 2012. CONDÉ, A. R., GARCIA, J. Efeito da maturação e do armazenamento sobre a qualidade das sementes do capim colonião. R. Bras. Sementes, v.7, n.1, p115-22, 1985.

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Pesquisa em Foco

RESIDUOS DE GOIABA NA RAÇÃO FINAL DE FRANGOS DE CORTE DE CRESCIMENTO LENTO

Ermesson Mascarenhas da Silva Agronomia/UFCA ermesson.ufc@hotmail.com

Janinny Nobre Duarte Agronomia/UFCA janinny-duarte@bol.com.br

Francisco Luiz de Souza Silva Agronomia/UFCA luiz.sousasilva@hotmail.com. br

Joaquim Furtado de Marcedo Agronomia/UFCA joaquim.do@hotmail.com

Edibergue Oliveira dos Santos Agronomia/UFCA edibergueoliveira@gmail.co m

Irani Ribeiro Vieira Lopes Professor - Agronomia/UFCA iranivl@cariri.ufc.br

1 Introdução

2 Fundamentação Teórica

A maioria das rações produzidas para monogástricos é formulada à base de milho e farelo de soja, que são ingredientes de custo elevado. Assim, há um crescente interesse por alimentos alternativos que possam ser utilizados na dieta desses animais sem prejuízo ao seu desempenho, ao mesmo tempo em que torna as rações mais econômicas (FIGUEIREDO et al., 2003). O Brasil produz, aproximadamente, 390.000 toneladas/ano de goiabas, levando o país a uma posição de destaque no cenário mundial (AGROANUAL, 2004) como maior produtor de goiabas vermelhas. A maior parte da produção é destinada à industrialização, que gera, pelo processamento, cerca de 4 a 30% de seu peso em resíduos, compostos, principalmente, por sementes (MANTOVANI et al., 2004) A goiaba, além de possuir quantidade regular de ácidos, açúcares e pectinas, apresenta em sua constituição taninos, flavonoides, óleos essenciais, álcoois 15 sesquiterpenóides e ácidos triterpenóides (ILHA et al., 2008; NASCIMENTO et al., 2010). A goiaba é excepcionalmente rica em vitamina C, superando o teor da referida vitamina disponível nos sucos cítricos. Por isso, é muitas vezes utilizada como aditivo para enriquecer outros sucos com vitamina C. Alguns estudos evidenciaram ainda que, a polpa e as sementes de goiaba contêm quantidades significantes de fitoquímicos, dentre os quais se destacam os polifenóis (HASSIMOTTO et al. 2005; SOONG; BARLOW, 2004). De acordo com Silva et al. (2007) o resíduo da goiaba possui, com base na matéria seca, altos valores de fibra bruta (61%) e de extrato etéreo (12%). Ainda é uma boa fonte de ácido linoléico e apresenta valores de energia metabolizável aparente e aparente corrigida, determinadas em frangos de corte caipira, de 1.401 kcal/kg e de 1.336 kcal/kg, respectivamente. O objetivo desse trabalho foi avaliar a influência de rações contendo diferentes níveis de resíduos de goiaba na ração final de frangos de corte de crescimento lento.

No Brasil, a avicultura cresce a cada ano, a produção de carne de frango foi, em 2007, de 10,2 milhões de toneladas, resultado que manteve o País no terceiro lugar entre os maiores produtores mundiais, atrás apenas dos Estados Unidos e China, que apresentaram produção de 16,2 e 11,5 milhões de toneladas, respectivamente. As exportações fecharam o ano com uma representação de 45% nas vendas no mercado internacional, 7,2 milhões de toneladas, posicionando o Brasil como o maior exportador mundial (ABEF, 2007). A avicultura no Brasil é uma das atividades que mais tem se desenvolvido. Este progresso, tanto em número de frangos abatidos como no de ovos produzidos, possibilitou à indústria avícola notável potencial para prover os consumidores com fontes protéicas saudáveis e a um custo baixo. A expansão do sistema intensivo de criação de frangos de corte e o aumento do número de aves por metro quadrado proporcionam otimização da produção por área. Entretanto, o regime de total confinamento gera um ambiente desfavorável ao bem-estar das aves, que pode promover declínio nos índices produtivos (BOLIS, 2001). Por outro lado, a indústria de alimentos, em especial a de processamento de frutos, produz ao longo de sua cadeia produtiva uma grande quantidade de resíduos agroindustriais, o que gera perda de divisas, além de inúmeros problemas ambientais (SENA; NUNES, 2006). Segundo Martins e Faria (2002), calcula-se que, do total de frutas processadas, sejam gerados, na produção de sucos e polpas, entre 30 a 40% de resíduos agroindustriais. Como a quantidade de resíduos pode chegar a muitas toneladas, agregar valor a esses produtos é de interesse econômico e ambiental, necessitando de investigação científica e tecnológica, que possibilite sua utilização eficiente, econômica e segura (SCHIEBER et al., 2001). Os principais resíduos gerados no processamento de polpas de frutas são, dependendo do tipo da fruta processada, casca, caroço ou sementes e 27


Caderno de Experiências bagaço. Esses resíduos possuem em sua composição vitaminas, minerais, fibras e compostos antioxidantes importantes para as funções fisiológicas. No entanto, na maioria das fábricas, são desperdiçados (MATIAS et al., 2005). A goiaba (Psidium guajava, L) é originária da região tropical das Américas, foi disseminada para as diferentes regiões do mundo (LEMOS et al. 1995). A goiabeira é um arbusto ou árvore esgalhada, podendo atingir 8 m de altura, sendo encontrada do México até São Paulo. Comumente conhecida como guayabo na Espanha e guava nos Estados Unidos, é freqüentemente utilizada na produção de geléias, sorvetes, sucos, vinhos, queijos e outros (LOZOYA et al., 2002). Escrig et al. (2001) descreve que a fruta é uma baga, que consiste em um pericarpo e uma polpa com numerosas pequenas sementes. Tem grande aceitação no mercado, sendo considerada uma das melhores fontes de vitamina C, apresentando conteúdo variando de 55 a 1.044 mg de ácido ascórbico por 100g de polpa, de acordo com a cultivar, local e manejo (RATHORE, 1976; MENZEL, 1985; CARVALHO, 1994).

3 Procedimentos Metodológicos O estudo foi conduzido no Setor de Avicultura do Departamento de Zootecnia (DZ) do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Campus do Pici, Fortaleza - Ceará, no período de 16 de julho a 01 de outubro de 2014, com duração de 77 dias. Para isso, utilizou-se um galpão de alvenaria coberto por telhas de barro, piso cimentado com cama de maravalha sobre o mesmo, pé direito com 3,5 m, orientação longitudinal no sentido lesteoeste e dividido em 25 boxes de 1,5m x 1,0m. Foram alojados 250 pintos machos, da linhagem carijó pesadão com 1 dia de idade, distribuídos em delineamento inteiramente casualizado com cinco tratamentos e cinco repetições de 10 aves cada. Os tratamentos consistiram de uma ração controle à base de milho e farelo de soja e nos demais foram incluídos 2, 4, 6 e 8% de resíduo de goiaba (Tabela 1). Para o cálculo das rações experimentais, foram considerados os valores de composição dos ingredientes apresentados por Rostagno et al. (2011), exceto para o resíduo de goiaba para o qual foram utilizados os valores determinados no primeiro estudo dessa pesquisa (Tabela 2).

Tabela 1: Composição, níveis nutricionais e energéticos das rações utilizadas para frangos de corte de crescimento lento no período de 57 a 77 dias de idade

Ingredientes

Níveis de inclusão do resíduo de goiaba (%) 0%

2%

4%

6%

8%

Milho grão

66,97

64,28

61,60

58,90

56,20

Soja farelo, 45%

26,96

27,03

27,09

27,16

27,23

Resíduo de Goiaba

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

Óleo de soja

3,14

3,75

4,37

4,99

5,60

Calcário

1,14

1,14

1,13

1,13

1,13

Foscálcio Serrana

1,11

1,12

1,13

1,14

1,15

Sal comum

0,38

0,38

0,38

0,38

0,39

Suplemento vitamínico-mineral1

0,15

0,15

0,15

0,15

0,15

DL- metionina, 99%

0,05

0,05

0,05

0,05

0,05

Bac-zinco

0,05

0,05

0,05

0,05

0,05

Cloreto de colina

0,05

0,05

0,05

0,05

0,05

TOTAL

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00

Nivel Nutricional e Energético Calculado Energia metabolizável, kcal/kg

3.150

3.150

3.150

3.150

3.150

Proteína bruta, %

17,50

17,50

17,50

17,50

17,50

Matéria Seca, %

88,47

88,60

88,72

88,72

88,98

FDA, %

4,44

5,22

5,60

5,60

7,56

FDN, %

11,71

12,58

13,46

13,46

15,21

Extrato etéreo %

6,02

6,64

7,45

7,45

8,88

Cálcio, %

0,79

0,79

0,79

0,79

0,79

28


Pesquisa em Foco Fósforo disponível, %

0,30

0,30

0,30

0,30

0,30

Sódio, %

0,17

0,17

0,17

0,17

0,17

Lisina total, %

0,91

0,91

0,91

0,91

0,91

Metionina total, %

0,32

0,32

0,32

0,32

0,32

Metionina + Cistina, %

0,62

0,62

0,62

0,62

0,62

Treonina total, %

0,69

0,69

0,69

0,69

0,68

Triptofano total, % 0,21 0,21 0,21 0,21 0,21 ¹Níveis de garantia por kg do produto: Vitamina A - 5.500.000 UI; Vitamina B1 - 500mg; Vitamina B12 - 7.500mcg; Vitamina B2 - 2,502mg; Vitamina B6 - 750mg; Vitamina D3 - 1.000.000 UI; Vitamina E - 6.500 UI; Vitamina K3 1.250mg; Biotina - 25mg; Niacina - 17,5g; Ácido fólico - 251 mg; Ácido pantotênico - 6.030mg; Cobalto - 50mg; Cobre 3.000m;, Ferro - 25g; Iodo - 500mg; Manganês - 32,5g; Selênio - 100.05mg; Zinco 22,49g. ração. Nesse mesmo período, foram realizadas as pesagens das aves de cada parcela para cálculo do ganho de peso médio da parcela, sendo a conversão alimentar calculada dividindo-se o consumo de ração pelo ganho de peso de cada unidade experimental. A análise estatística dos dados foi realizada através do “Statistical Analyses System” (SAS, 2000). A comparação das médias entre as rações foi realizada pelo teste de Dunnett (5%).

As exigências nutricionais consideradas na formulação foram às propostas no NRC (1994) para frangos de corte. Na fase inicial (1 a 28 dias), as aves receberam rações com 0, 2, 4, 6 e 8% de resíduo de goiaba, 2.950 kcal EM/kg e 20,12% PB e na fase de engorda (29 a 56 dias) foram fornecidas rações com os mesmos níveis de resíduos mas com teores de 3.050 kcal EM/kg e 17,87% PB. Para formar as parcelas experimentais as aves foram selecionadas com base no peso corporal de forma a obter parcelas com menor variação de peso, conforme as recomendações propostas por Sakomura e Rostagno (2007) para a montagem de ensaios com aves. Durante o período experimental (57 a 77 dias de idade) as aves receberam ração e água à vontade e foram mantidas sobre um programa de 24 horas de luz por dia (natural + artificial) até o final. Os dados de temperatura e de umidade relativa do ar foram coletados no início da manhã (08h:00min) e no final da tarde (16h:00min) com o auxílio de um termohigrômetro digital. As rações fornecidas no início da fase e as sobras no final da criação foram pesadas para determinar o consumo de

4 Resultados e Discussão Os resultados de desempenho dos frangos dos 57 aos 77 dias de idade estão apresentados na tabela 2. Nesta fase não foram encontradas diferenças significativas para o consumo de ração, o ganho de peso e a conversão alimentar entre as aves que receberam rações contendo níveis crescentes de resíduos de goiaba e a ração controle (0% de resíduo).

Tabela 2. Desempenho de frangos de corte de crescimento lento alimentados com rações contendo diferentes níveis de resíduos de goiaba na fase final (57 a 77 dias) Variáveis

Níveis de Resíduos de Goiaba 0%

Consumo de ração (Kg/ave) Ganho de peso (Kg/ave) Conversão alimentar

2%

4%

6%

Média CV(%)

8%

3695,5 3666,5 3836,2 3823,4 3663,8 3737,1

8,05

1078,0

1118,6

1050,1

15,63

3,47

3,29

3,62

12,63

Sabe-se que o nível energético da ração é um dos fatores que afeta o consumo voluntário de alimento pelas aves, desde que a mesma contenha quantidades adequadas de nutrientes essenciais (aminoácidos, ácidos graxos, vitaminas e minerais) de forma que rações com níveis de energia elevados podem ter seu consumo reduzido e vice-versa (LEESON; SUMMERS, 2001). Como a quantidade de alimento ingerido pelas aves não diferiu em função dos níveis de resíduos de

1024,3 1033,7 995,7 3,74

3,75

3,83

goiaba incluídos é possível afirmar que o fato das rações serem isonutrientes contribuiu para esse resultado. Quanto a conversão alimentar analisada constatouse que não ouve diferença significativa entre a ração controle e as rações com subprodutos a nível de 5% de substituição do milho total. No trabalho realizado por Guimarães (2007). também não observou diferenças significativas entre os períodos de 33 a 36 e de 36 a 39 semanas e em todo o 29


Caderno de Experiências período experimental de 30 a 39 semanas para o consumo de ração, com níveis de inclusão de 0, 2, 4, 6 e 8% do resíduo de goiaba, nas dietas de poedeiras comerciais.

FIGUEIREDO, E.A.P. Diferentes denominações e classificação brasileira de produção alternativa de frangos. In: Conferência de Ciência e Tecnologia Avícola-Apinco, 2001, Campinas. Anais...Campinas:Apinco,2001. p.209-222.

Considerações Finais

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O resíduo da goiaba pode ser utilizado como ingrediente nas rações finais de frangos de corte de crescimento lento, até o nível de 8% de inclusão, sem prejuízo do desempenho produtivo das aves.

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31


Caderno de Experiências

EFICIÊNCIA INSETICIDA DO ÓLEO DE Moringa oleifera NO CONTROLE DE Sitophilus zeamais (COLEOPTERA: CURCULIONIDAE) EM GRÃOS DE MILHO ARMAZENADOS

1 Introdução

Antonio Edgar Mateus Engenharia Agronômica/UFCA aedgarm@hotmail.com

Antônio Carlos Leite Alves Engenharia Agronômica/UFCA carlos.ufca@yahoo.com.br

Gilberto Barbosa Engenharia Agronômica/UFCA gilbarbosa_musico@hotmail. com

Raul Azevedo Biólogo - Técnico em Entomologia/UFCA raulbiologo@gmail.com

Itamizaele da Silva Santos Engenharia Agronômica/UFCA itmayzaelly@hotmail.com

Francisco Roberto de Azevedo Professor/UFCA razevedo@ufc.br

Sitophilus zeamais (Motschulsky) (Coleoptera: Curculionidae), popularmente conhecido como caruncho do milho é considerado uma das pragas mais importantes em grãos armazenamentos das regiões tropicais (FARONI, 1992; SILVEIRA et al., 2006). Essa praga apresenta elevado potencial biótico, capacidade de atacar grãos tanto no campo quanto nas unidades armazenadoras e de sobreviver a grandes profundidades na massa de grãos (FARONI, 1992). Levando-se em consideração a necessidade de se encontrar métodos alternativos ao químico no controle dessa praga, objetivou-se com esse trabalho avaliar a atividade inseticida do óleo de moringa no controle de Sitophilus zeamais em grãos armazenados de milho.

O milho (Zea mays L.) é o cereal mais consumido no mundo, em especial, por causa de suas fontes nutricionais, entre as quais estão as fibras, proteínas, carboidratos, vitaminas (sobretudo as do complexo B e vitamina E) e sais minerais (DANTAS, 2012). Nos próximos oito anos, a produção do milho no Brasil deverá situar-se em 70,4 milhões de toneladas e o consumo em 58,8 milhões (MAPA, 2013). A área plantada de milho deverá aumentar cerca de 700 mil hectares, enquanto que a sua produtividade tem crescido 3,62% ao ano. A produção de milho situa-se dentre as principais atividades agrícolas praticadas no Brasil (CONAB, 2014). A safra agrícola de grãos 2013/2014 do Estado do Ceará, com base nos acompanhamento de safra pelas as entidades que acompanham o setor agrícola no Estado, aponta para uma produção de 432,8 mil toneladas de grãos, dentro de uma área plantada de 408,7 mil hectares e uma produtividade média de 1.059 kg/ha. (CONAB, 2014). A ação de pragas de grãos armazenados é um dos principais fatores que afetam na perda de qualidade e quantidade na cultura do milho no país, causando danos econômicos irreparáveis a inúmeros produtores. Perdas qualitativas e quantitativas são as principais dificuldades encontradas durante o armazenamento dos grãos, pela ação dessas pragas e o milho é uma das culturas mais afetadas. No Brasil, a principal praga do milho armazenado é o S. zeamais praga primária interna, conhecida como caruncho. Infestações dessa praga se iniciam no campo, antes do armazenamento, o que aliada a sua boa capacidade de voo e poder destrutivo, propicia a elevada perda na fase de pós-colheita do milho (CERUTI et al., 2008). Os adultos atacam os grãos intactos e as fêmeas adultas rompem a película protetora do grão e ovipositam no interior do mesmo, de onde se alimentam e desenvolvem as larvas.

2 Fundamentação Teórica O S. zeamais em altas infestações pode causar uma redução de até 10% na produção anual total do milho (LORINI, 2001) e a sua presença representa um risco para os produtores, pois larvas e adultos do inseto consomem todo o interior dos grãos, ou endosperma, liberam suas fezes e o milho armazenado é inteiramente destruído, a redução da massa e qualidade dos grãos e a redução da germinação das sementes são alguns dos prejuízos causados (BRAGA, 2007). O controle químico com fosfina tem sido indiscriminado e amplamente empregado pelos produtores para controlar o caruncho e as respectivas perdas. No entanto, este método de controle em algumas regiões, não surte mais efeito (BRAGA, 2007). Existem alguns métodos alternativos ao químico para o controle de pragas como o uso de inseticidas vegetais que não afetam o ambiente e nem a produção de grãos. Esse controle natural pode reduzir drasticamente o número de aplicações dos produtos químicos, diminuindo os riscos eminentes e é de baixo custo, possibilitando o fácil acesso dos 32


Pesquisa em Foco pequenos e médios produtores interessados (CARDOSO, 2009). O gênero Moringa, único representante da família Moringaceae é constituído por quatorze espécies amplamente distribuídas nas regiões tropicais do planeta (ANWAR et al., 2007; GASSENSCHMIDT et al., 1995; ABDULKARIM et al., 2004). Dentre as espécies descritas para o gênero, destaca-se a Moringa oleifera Lam, conhecida popularmente por “moringa”,“quiabo-de-quina” ou “lírio branco” (MATOS, 2002). Originária do noroeste da Índia é amplamente distribuída nos países da Ásia e da África (MAKKAR & BECKER, 1996; MATOS, 2002; BEZERRA et al., 2004). Estudos têm relatado propriedades inseticidas dessa planta por conter a lectina, um tipo de proteína encontrada nas sementes dessa planta que impede o processo de digestão e absorção de nutrientes dos insetos, causando morte por desnutrição (FRANCO-FRAGUAS et al., 2003; SANTOS et al., 2006). Essa propriedade foi utilizada no controle de larvas de Aedes aegypti, paralisando a digestão do inseto e provocando a sua morte por desnutrição (SANTOS, 2009). Portanto é de suma importância realizar estudos com o óleo dessa planta para verificar a sua eficiência no controle dessa praga de grande importância para os produtores de milho da região do Cariri, haja vista, que a mesma se encontra em vários munícios aqui na região.

para 300 mL e cobertos com tecido de organza branco. A aplicação das concentrações foi realizada apenas uma vez, no dia 07 de outubro, antes da infestação. Para isso, os grãos foram imersos na calda (produto + água) durante um período de 10 minutos. Passado esse período, colocaram-se os grãos sobre papel toalha para absorção do excesso de umidade e do produto aplicado, sendo em seguida, colocados dentro dos copos de acrílicos previamente identificados com os respectivos tratamentos. Em cada repetição (50 g de grãos), foram confinados 20 adultos do caruncho não sexados com idade variando de 0 a 72 horas. Em seguida, os copos foram cobertos com o tecido, para permitir a ventilação e impedir a fuga dos insetos e, em seguida, levados para a B.O.D. com as condições controladas de temperatura, umidade relativa e fotoperíodo anteriormente mencionados. 3.2 Efeitos na mortalidade de adultos de S. zemais Decorridos sete dias após a aplicação dos tratamentos, que se deu no dia 14 de outubro, avaliou-se a mortalidade dos carunchos por meio da contagem direta dos adultos vivos e mortos presentes nas repetições. Os insetos remanescentes foram retirados e descartados, deixando apenas os grãos infestados. 3.3 Efeitos na mortalidade de ovos/larvas de S. zemais

3 Procedimentos Metodológicos 3.1 Localização do experimento e aplicação dos tratamentos

No dia 11 de novembro retirou-se os copos de acrílico da B.O.D e com o auxílio de um microscópio estereoscópio, contou-se o número de orifícios por parcela (50 g de grãos). A presença desses orifícios indicou sobrevivência dos ovos e/ou larvas que permitiu a penetração do inseto no interior dos grãos de milho.

A pesquisa foi realizada no laboratório de Entomologia Agrícola, do Centro de Ciências Agrárias e da Biodiversidade, da Universidade Federal do Cariri, no Crato-CE, em condições controladas a uma temperatura média de 25ºC, umidade relativa de 70% e fotoperíodo de 12 horas, em uma câmara climatizada tipo B.O.D., durante o período de 07 de outubro a 11 novembro de 2014. Utilizaram-se nesta pesquisa, grãos de milho, Zea mays (L.) obtido em uma casa comercial do Crato e os insetos usados na infestação foram obtidos de uma criação estoque mantidos no laboratório. O delineamento experimental adotado foi o inteiramente casualizado, representado por quatro concentrações do produto comercial Amoringa® à base de óleo de Moringa oleífera, nas dosagens de 1, 3, 5 e 10 mL/L de água, além da testemunha com aplicação de água destilada. Os tratamentos foram conduzidos com quatro repetições, totalizando 20 parcelas experimentais. Em cada parcela foram utilizados 50 grãos de milho sem infestação e os grãos foram acondicionados em copos de acrílico transparentes com capacidade

4 Resultados e Discussão 4.1 Efeitos sobre a mortalidade de adultos de S. zeamais A concentração de 10 mL do óleo da Moringa causou 100% de mortalidade nos adultos de S. zeamais, no entanto, não diferiu estatisticamente da concentração de 5 mL com relação aos insetos mortos, cuja mortalidade foi de 97,47% (Tabela 1). Isso significa que mesmo aplicando a metade da dosagem que causou 100% de mortalidade, esse bioinseticida controla satisfatoriamente o caruncho com uma redução no custo de 50%. A menor mortalidade foi observada nas parcelas tratadas com a concentração de 1 mL a qual não diferiu 33


Caderno de Experiências estatisticamente da testemunha com relação aos insetos mortos, seguida pela de 3 mL. Segundo Prates e Santos (2000), os inseticidas mais eficientes no controle de pragas de grãos armazenados apresentam ação por contato e/ou ingestão e ação fumigante. Algumas substâncias são tóxicas através da penetração no corpo do inseto via sistema respiratório (efeito fumigante), através da cutícula (efeito de contato) e pelo aparelho digestivo (efeito de ingestão). 78% do óleo do produto comercial (Amoringa®) utilizado na pesquisa são compostos pelos ácidos oleicos e essas substâncias também são encontradas no óleo de nim. Silva et al,. (2002) observaram que o óleo da semente de moringa, na concentração de 0,5% apresentou boa eficiência no controle da mosca branca Bemisia tabaci biótipo B em melão, causando mortalidade de ninfas superior a 70%, já Nascimento et al. (2008) verificaram que extratos de plantas, dentre elas o nim, aplicados na forma de vapor chegam a causar de 96 a 100% de mortalidade aos insetos adultos do caruncho do milho, como o ocorrido com o óleo da moringa na presente pesquisa. No entanto, para conseguir 100% de mortalidade dessa espécie de caruncho em milho, Restello et al,. (2009) tiveram que aplicar de 30 a 50 mL do óleo essencial do cravo de defunto Tagetes patula nas mesmas condições de laboratório, mas ficaram mais evidentes nas concentrações inferiores a 10 mL, resultados esses semelhantes ao da presente pesquisa. Isso implica dizer que o óleo da moringa tem um efeito inseticida maior do que o óleo do cravo de defunto, pois se utilizou uma concentração menor com o mesmo efeito de causar mortalidade aos adultos dessa praga. Enquanto que Zorzetti et al,. (2012), utilizando a concentração de 10% do extrato etanólico da semente sobre a broca do café Hypothenemus hampei observaram 62% de mortalidade dessa praga. Nas sementes da Moringa além da lectina, encontram-se também as glicoproteínas de origem não imunológica que interagem com carboidratos através de no mínimo dois sítios de ligação, aglutinando de células animais e/ou vegetais, precipitando polissacarídeos, glicoproteínas ou glicolipideos com importante atividade inseticida e que não apresenta toxidade ao homem (COELHO, 2014).

Tabela 1: Médias de insetos adultos vivos e mortos e porcentagem de mortalidade de Sitophilus zeamais em milho armazenado, submetidos a diferentes concentrações do óleo de moringa, em condições controladas de temperatura (25 ± 1oC), umidade relativa do ar (70 ± 10%) e fotoperíodo de 12 horas, sete dias após a aplicação das dosagens. Crato-CE, 2014. População de Adultos Tratamentos

Vivos

Mortos

Mortalidade (%)

Testemunha

19,75a1

0.25c1

-

1ml/L

16,75a

3,25c

15,19

3mL/L

5,00b

15,00b

74,68

5mL/L

0,5c

19,50a

97,47

10m/L

0,0c

20,00a

100,00

C.V. (%)

25,81

18,69

-

Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem entre si pelo teste de Tukey (P < 0,05).

4.2 Efeitos na mortalidade de ovos e/ou larvas de S. zemais As parcelas tratadas com o óleo de moringa nas dosagens de 3,5 e 10 mL não diferiram estatisticamente entre si e promoveram efeito ovicida e/ou larvicida sobre o caruncho do milho, pois não foi constatado nenhum orifício de penetração das larvas nas sementes do milho tratado (Tabela 2). Arruda e Batista (1998) trabalhando com óleos vegetais no controle do caruncho do feijão Callosobruchus maculatus em Vigna unguiculata constataram que os tratamentos com óleos vegetais demonstraram ser bastante eficientes como ovicida e/ou larvicida dessa praga com resultados semelhantes ao da presente pesquisa. A parcela tratada com o óleo de Moringa a 1 mL não teve efeito ovicida e/ou larvicida sobre o caruncho, pois foi constatado alguns grãos de milho perfurados e não diferiu estatisticamente da testemunha não tratada (Tabela 2). Santos et al. (2010) observaram que para outro grupo de insetos como os mosquitos, a atividade ovicida de sementes de moringa aliada à já descrita atividade larvicida contra Aedes aegypti indica seu uso como ferramenta para controle da população do mosquito mas com uma dosagem maior de 50 mL do extrato da semente.

34


Pesquisa em Foco Tabela 2: Médias de orifícios nos grãos de milho armazenado, submetidos a diferentes concentrações do óleo de moringa, em condições controladas de temperatura (25 ± 1oC), umidade relativa do ar (70 ± 10%) e fotoperíodo de 12 horas. Crato-CE, 2014. Tratamentos

Orifícios

Testemunha

8, 25 a

1ml/L

4,75 a

3mL/L

0,00 b

5mL/L

0,00 b

10m/L

0,00 b

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C.V. (%) Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem entre si pelo teste de Tukey (P < 0,05).

COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB. Disponível em: <http://www.conab.gov.br>. Acesso em: abril de 2014.

Considerações Finais A concentração de 5 ml/L do óleo de Moringa oleífera controla satisfatoriamente adultos e ovos/larvas de Sitophilus zeamais em grãos de milho armazenados e essa recomendação é viável economicamente, de fácil aplicação e ecologicamente correto por se tratar de um óleo vegetal, diminuindo riscos de intoxicação ao produtor e não provoca impacto ambiental em termos de risco de resíduos químicos aos grãos. No entanto, ainda é dificiente a produção de artigos científicos com a Moringa oleífera com ação inseticida sobre Sitophilus zeamais e outras pragas de grãos armazenados, assim como, a dosagem, forma de aplicação e a importância do uso deste tipo de controle para a produção agroecológica e agricultura familiar. Por isso, é papel das instituições públicas como universidades e centros de pesquisas realizarem mais estudos com essa planta como um importante bioinseticida para a produção de alimentos mais saudáveis e sustentáveis.

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Pesquisa em Foco

PLANTAS JOVENS DE CAPIM MOMBAÇA (Panicum maximum cv Mombaça) SUBMETIDAS A ESTRESSE SALINO

1 Introdução

Kleyton Chagas de Sousa Agronomia/UFCA chagaskleyton@gmail.com

Antônia Almeida da Silva Agronomia/UFCA toinhaalmeida2010@hotmail .com

Juan Carlos Alvarez-Pizarro Agronomia/UFCA biojcalvarez@hotmail.com

Barbara Leandro Monteiro Agronomia/UFCA barbymonteiro@hotmail.com

Antonio Monteiro Pinheiro Neto Agronomia/UFCA netopinheiropua@gmail.com

Antonia Gorete da Silva Galdino Agronomia/UFCA antonia_galdino17@hotmail. com

macronutriente essencial para o crescimento e desenvolvimento da planta. Acredita-se que as plantas que conseguem selecionar a entrada de maiores quantidades de K+ do que íons sódicos em ambientes salinos toleraram com maior facilidade os desequilíbrios ocasionados pelo excesso de sais na planta. Assim, o presente trabalho objetivou verificar as mudanças no crescimento e taxas de absorção de íons K+ e Na+ em plântulas de Panicum maximum cultivar Mombaça submetidas a diferentes níveis de salinidade.

O estresse salino é um dos agentes abióticos considerados mais problemáticos para as plantas, bem como um dos mais pesquisados pela comunidade cientifica (BRILHANTE, 2006). Os estudos nessa área visam incrementar o grau de tolerância das plantas aos efeitos da salinidade, assim como diminuir as possíveis perdas na produção de culturas suscetíveis (PARANNYCHIANAKIS; CHARTZOULAKIS, 2005). Segundo Costa (2007), o solo é dito salino quando a quantidade de sais, existentes na zona radicular, é capaz de impedir o crescimento normal das plantas e sua identificação é feita através da medida da condutividade elétrica do extrato saturado (CE). Farias et al. (2009), citado por Schossler et al. (2012), mostraram que o Na+ e Cl- em excesso são um dos principais sais solúveis na solução do solo que provocam efeitos negativos no desenvolvimento vegetativo, principalmente nas plantas consideradas suscetíveis, resultando em distúrbios fisiológicos. É bastante evidente a redução do acúmulo de íons inorgânicos essenciais em plantas submetidas a estresse salino, dentre eles, podemos destacar o K+, que possui interação direta nos mecanismos de tolerância aos efeitos da alta concentração de sais no meio, funcionando como um atenuador das consequências negativas provocadas em plantas. Em plantas que apresentam resistência ao estresse salino, até certo ponto o Na+ pode substituir algumas funções básicas do K+, principalmente as envolvidas na osmose do vacúolo. Contribuindo a isso Kronzucker et al. (2008) mostraram experimentos em que espécies tolerantes à salinidade poderiam substituir parcialmente o K+ por Na+. Dentre as principais forrageiras cultivada nas regiões tropicais e subtropicais em todo o mundo destaca-se a Panicum maximum, que apesar da importância desta cultura como espécies forrageira, poucos estudos têm sido conduzidos para entender suas características de tolerância ao estresse salino e principalmente em função do acúmulo de K+, um

2 Fundamentação Teórica egundo Junior e Silva (2010), a salinização dos solos é um dos fenômenos crescentes em todo o mundo, em especial nas regiões áridas e semiáridas, decorrente das condições climáticas e da agricultura irrigada. Diante do incremento da adição de fertilizantes via água de irrigação, quando esta tecnologia é utilizada sem nenhuma forma de manejo, torna-se um contribuinte intenso para o aumento de áreas com altas concentrações salinas. Em condições de salinidade, o aumento da concentração de Na+ na solução do solo favorece a penetração desse íon na célula. Desse modo, o Na+ pode ser absorvido pelas raízes de forma passiva, por meio de diferentes tipos de canais ou transportadores (PRISCO; FILHO, 2010). Os efeitos contrários da salinidade estão inteiramente relacionados a dois elementos que são responsáveis pelo desencadeamento do estresse: o efeito osmótico e o efeito iônico. O osmótico modifica o balanço hídrico da planta, enquanto que o elemento iônico é responsável pelos efeitos sobre o desbalanceamento nutritivo e pelos efeitos tóxicos dos íons (LÄUCHLI; GRATTAN, 2007). O componente iônico do estresse salino altera a homeostase iônica, caracterizada por uma alta relação K+/Na+. A alteração dessa relação pela salinidade gera um desequilíbrio na nutrição da planta, em decorrência da absorção e acúmulo excessivos do Na+ pelas diversas partes das plantas, chegando a níveis tóxicos (ZHU, 2001). O 37


Caderno de Experiências mesmo autor citado anteriormente acrescenta que a redução da turgescência celular provocada pelo estresse salino age diretamente nos processos de divisão e alongamento celular. A adaptação das plantas ao estresse salino depende do controle da homeostase da concentração iônica intracelular, e da regulação da sua homeostase hídrica através do ajustamento osmótico, o qual ocorre pelo acúmulo de solutos inorgânicos e orgânicos, baixando o potencial hídrico celular e permitindo a obtenção de água do ambiente externo com baixo potencial hídrico (TAIZ; ZEIGER, 2002). Ambas as respostas são fundamentais para a sobrevivência tanto das plantas halófitas quanto da glicófitas em ambientes com taxas elevadas de sais no meio (PARIDA; DAS, 2005). As respostas morfológicas, fisiológicas e bioquímicas das plantas à salinidade variam em função do genótipo, do estádio de desenvolvimento da planta e da intensidade e duração do estresse (WILLADINO; CAMARA, 2010). Um mecanismo de defesa na planta considerado chave é a sua capacidade de absorver e acumular mais K+ do que Na+ nos tecidos vegetais. O aumento da seletividade para o íon K+ frente um íon competidor com características físico-químicas bastante semelhantes, como é o Na+, proporciona um eficiente mecanismo para reduzir o efeito tóxico deste último. Durante a salinidade, a concentração de K+ tende a cair com o aumento da concentração do íon Na+, isso porque os transportadores de K+ são utilizados, em parte, como vias de absorção de Na+ (TESTER; DAVENPORT, 2003). Com isso a capacidade de resistir está ligada principalmente com a intensidade de compartimentalização dos íons salinos dentro dos vacúolos e com a manutenção de um balanço K+/Na+ favorável no citosol (SILVEIRA et al., 2010).

No experimento foram utilizadas sementes de Panicum maximum cv Mombaça, fornecidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA-Semiárido, com sede na cidade de Petrolina-PE. As sementes foram armazenadas em frascos de vidro contendo sílica gel e conservadas a uma temperatura de 4°C. As sementes foram esterilizadas superficialmente com hipoclorito de sódio comercial, diluído 1/3 em água destilada e colocadas para germinar em copos de plástico preenchidos com vermiculita umedecida com uma solução de 0,5 mM de CaCl2. Após 10 dias de germinação, as plantas foram transferidas para solução nutritiva de Hoagland de força iônica 1/3 e contendo K+ a uma concentração de 0,5 mM. Em bacias de 10 litros de capacidade foram colocadas 15 plantas, perfazendo um total de 10 bacias e 150 plantas. Após sete dias de cultivo, as plantas foram transferidas para baldes de 2,3 litros, sendo colocadas duas plantas por balde. Em seguida, grupos de planta foram divididos para constituir os tratamentos controle (sem sal) e salinos a 25 mM, 50 mM e 100 mM de NaCl. Os sais foram adicionados em parcelas de 25 mM para evitar dano osmótico nas plantas. Cada tratamento foi constituído por 15 baldes e um total de 30 plantas. As plantas foram coletadas após dois, cinco e nove dias de aplicado o estresse. As soluções nutritivas foram substituídas regularmente por soluções novas para evitar deficiência nutricional. A concentração de K+ na solução nutritiva foi monitorada diariamente para mantê-la próxima ao valor de concentração de K+ estabelecido através de fotometria de chama. O pH das soluções nutritivas foi mantido entre 5,5 - 6,0 e corrigido, quando necessário com NaOH ou HCl a 1,0 M. Todos os baldes receberam aeração através de bombas de ar. As plantas foram cultivadas com luminosidade natural e com temperaturas e umidade relativa de ar médias de 28,7°C e 25,7°C e de 57,0 % e 70,4 % durante o dia e a noite respectivamente, registradas durante o período experimental por meio de um termohigrógrafo. O crescimento das plantas foi determinado pela pesagem da parte área (PA) e das raízes (R). Após a coleta, as plantas de cada um dos tratamentos tiveram suas raízes lavadas em água destilada por 10 minutos e em seguida, dividida em parte aérea (folha + colmo) e raízes. A massa fresca (MF) foi determinada no momento da coleta por meio de pesagem em balança analítica. A quantificação do íon K+ da parte aérea (PA) e das raízes (R) foi realizada em extratos aquosos (10 mL de água deionizada) preparados a partir da massa fresca total macerada com auxílio de almofariz e pistilo por cerca de 10 minutos. O homogenato foi agitado periodicamente com o auxílio de um vortex e em seguida, centrifugado a 3.000 g, durante 10 minutos. O sobrenadante, convenientemente

3 Procedimentos Metodológicos O experimento e as análises foram realizados respectivamente, em casa de vegetação e no Laboratório de Biologia, do Centro de Ciências Agrárias e da Biodiversidade da Universidade Federal do Cariri – UFCA no período de Janeiro a Julho de 2014. O campus Localiza-se no município do Crato-CE, na região do cariri cearense com as seguintes coordenadas geográficas: latitude sul de 7º 14’ 3,4” e longitude oeste de 39º 22’ 7,6”, com altitude de 442 m. De acordo com o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE, 2012), a cidade apresenta clima tropical quente semiárido brando/tropical quente sub-úmido, com precipitação média pluviométrica de 1090,9 mm/ano, período chuvoso de janeiro a maio e temperatura média de 24 à 26ºC. 38


Pesquisa em Foco diluído, foi analisado em um fotômetro de chama e os teores de K+ foram expressos como mol K+. g1 MF. Com os dados obtidos de massa fresca e do teor de K+, calculou-se a taxa de absorção de K+ (TA), de acordo com a seguinte fórmula:

estimulador do crescimento quando presente em baixas concentrações, já que ele é considerado um elemento benéfico para as plantas. Como exemplo, Carvalho (2008) demonstrou esses efeitos benéficos em plantas de beterraba. O Na+ pode substituir em parte as funções osmóticas do K+ quando em baixas concentrações e dessa forma estimular o crescimento da planta, pois, sabe-se, que para algumas culturas, esse elemento pode substituir parcialmente o K+, provavelmente, nas funções osmóticas (MALAVOLTA, 2006). Entretanto, em altas concentrações, o efeito é a inibição do crescimento, devido à inibição de diversos processos metabólicos essenciais ao crescimento e desenvolvimento da planta que o Na+ pode acarretar (MENDES et al., 2011). A diminuição da parte aérea é efeito da salinidade em plantas. Em decorrência da redução da parte aérea e da área foliar, a captação de energia solar necessária para a fotossíntese é reduzida, o que chega a comprometer o crescimento de toda a planta (TAIZ; ZEIGER, 2002; PARANYCHIANANAKIS e CHARTZOLAKIS, 2005). Após dois dias de estresse, os teores de K+ na parte aérea das plantas de Panicum maximum não diferiram significativamente dos teores das plantas controle, exceto nas plantas submetidas a 50 mM de NaCl, nas quais observou-se uma redução de 28,5%. Entretanto, nas raízes, a diminuição dos teores de K+ foi, em média, de 46,3%, 28,5% e 31,6% para os tratamentos de 25 mM, 50 mM e 100 mM, respectivamente. Após cinco dias de estresse, as reduções dos teores de K+ na parte aérea foram, em média, de 37,0% para todos níveis de sais quando comparados ao controle . Nas raízes, apenas as cultivadas com 100 mM de NaCl tiveram reduções significativas em relação ao controle (42,1%). Com nove dias de exposição ao estresse salino a queda nos teores de K+ da parte aérea foi de 26,8%, 32,8% e 39,8% e nas raízes de 20,8%, 26,9% e 39,0% para os tratamentos de 25 mM, 50 mM e 100 mM, respectivamente, quando comparados ao controle. Segundo Munns (2005), a manutenção dos níveis do íon K+ nas plantas submetidas a estresse salino, próximo ao nível das plantas do tratamento controle, representou uma resposta de possível tolerância. Foi observado que as plantas tiveram seus níveis de K+ reduzidos, porém as quedas não foram proporcionais com o aumento do estresse salino. Devido à baixa concentração de K+ na solução nutritiva (0,5 mM), pode ocorrer o que sugere Farias (2008), que a redução na concentração de K+, em ambientes salinos, constitui-se de um complicador adicional para o desenvolvimento vegetal, uma vez que em algumas situações, o K+ é o principal nutriente responsável por diminuir o

Onde: MF = massa fresca (gramas) da raiz, QK+ = quantidade total de K+ ( mol K+. g-1 MF) na planta, t2 e t1 = tempos de coleta sucessivos (dias). A TA será expresso em mol K+. g-1 MF. g-1 MFraiz. dia-1. O teor de Na+ da parte aérea e das raízes das plantas submetidas ao estresse salino e ao tratamento controle foi estimado nos mesmos extratos aquosos utilizados para a determinação de K+. As amostras foram analisadas em um fotômetro de chama e os teores de Na+ foram expressos como mol Na+. g-1 MF. A taxa de absorção de Na+ foi calculada a partir dos dados de teores de Na+ e do crescimento da planta como realizado para o íon K+. O experimento foi realizado em blocos inteiramente casualizados em esquema fatorial 4 x 3 (quatro tratamentos salinos, três tempos de coleta) com cinco repetições, totalizando 60 parcelas experimentais com um total de 120 plantas. 4 Resultados e Discussão O crescimento da parte aérea e das raízes de plantas de Panicum maximum cv Mombaça submetidas a diferentes níveis de salinidade não foi afetado após dois dias de exposição ao estresse. De forma similar, as plantas expostas por cinco dias ao estresse salino não apresentaram diferenças no seu crescimento, nos níveis de sais de 25 e 50 mM NaCl, exceto nas plantas cultivadas na dose de 100 mM. Neste caso houve uma redução de 45,5% e 26,9% do crescimento da parte aérea e das raízes, respectivamente, em relação às plantas controle. Após nove dias de exposição ao estresse salino, a parte aérea das plantas cultivadas a 50 e 100 mM de NaCl tiveram reduções de 44,3% e 42,8% em relação aos respectivos controle. Por outro lado, o crescimento das raízes após esse tempo de exposição ao estresse foi pouco afetado quando comparado ao controle. Os resultados de crescimento demonstram que as plantas de Panicum maximum cv Mombaça parecem tolerar níveis baixos de NaCl (como por exemplo 25 mM), isto porque observa-se um estímulo de crescimento tanto da parte aérea como das raízes. É bem conhecido o papel do Na+ como 39


Caderno de Experiências potencial osmótico entre a solução do solo e a raiz, e esta é uma estratégia fundamental à absorção de água nessas circunstâncias. Esses dados corroboram para a importância do acúmulo de K+ nos tecidos da planta para tolerar os efeitos negativos da salinidade. Lacerda et al. (2004), afirmam que por ser o K+ extremamente importante ao metabolismo das plantas, a manutenção de teores mais elevados é fundamental para a maior produção de matéria seca em espécies tolerantes ao estresse salino. Aos dois dias de estresse, observaram-se aumentos nos teores de Na+ dos tecidos aéreos da planta, os que foram de 9,4 vezes em plantas cultivadas com 25 mM e de 25 vezes nas plantas cultivadas com 50 mM e 100 mM. Nas raízes, os aumentos foram de 3,8 vezes para plantas cultivadas com 25 mM e de cinco vezes em média para os tratamentos 50 mM e 100 mM, em relação ao controle. Por outro lado, os teores de Na+ tanto na parte aérea quanto nas raízes aumentaram proporcionalmente com o aumento da salinidade no meio após cinco e nove dias de exposição ao estresse salino. Por exemplo, ao quinto dia de exposição ao estresse, os teores de Na+ na parte aérea de plantas cultivadas com 25 mM, 50 mM e 100 mM foram de 10,3, 14,5 e 26,5 vezes, respectivamente, em relação às plantas controle. Nas raízes, estes incrementos forma de 12,3, 20,9 e 42,1 vezes, respectivamente. Dados semelhantes foram obtidos por Silva et al. (2009) em plantas de pião manso onde foi observado acúmulo excessivo de Na+ nas folhas, sendo este proporcional ao aumento das doses de NaCl. Os efeitos tóxicos causados pelo excesso de Na+ no meio pode ser reduzido pelos seguintes mecanismos: restrição da entrada de Na+ na célula através da absorção seletiva; exclusão ou compartimentalização no vacúolo do excesso de Na+ citosólico, assim como um sistema eficiente de partição deste íon na planta (ASHRAF; AHMAD, 2000). No entanto estes resultados sugerem que plantas de P. maximum parecem não desenvolver mecanismos efetivos de compartimentalização e/ou exclusão do Na+, já que é possível observar que paralelamente ao aumento de Na+ da solução, ocorreram aumentos proporcionais nos teores do Na+ nas parte aérea e nas raízes em relação ao tratamento controle. Sertão (2005) afirmou que plantas com essas características tentam excluir os sais na absorção da solução do solo. É importante salientar que os distúrbios metabólicos gerados pelo acúmulo de Na+ na célula são, em parte, resultantes da competição com o K+ pelos sítios ativos das enzimas (BLUMWALD, 2000). Fernandes et al. (2002), também atribuíram o fato ao antagonismo entre K+ e Na+. Silva et al. (2009) mostraram em seus trabalhos que o acumulo de íons salinos pode causar problemas de

toxicidade iônica, deficiências nutricionais ou ambos. A taxa de absorção de K+ foi semelhante nas plantas controle, atingindo um valor aproximado de 70-110 mol K+. g-1 MF raiz. dia-1. Aos dois, cinco e nove dias de exposição ao estresse, à taxa de absorção de K+ foi afetada drasticamente nos níveis mais altos de salinidade em relação ao tratamento controle, sendo no a redução mais afetada ao quinto dia de cultivo. Como é de esperar, a taxa de absorção de Na+ incrementou com o aumento do nível da salinidade no meio. Em todos os tempos de coleta, a taxa de absorção de Na+ das plantas cultivadas com 25 mM de NaCl foi, em média, de 45 mol Na+. g-1 MF raiz. dia-1 e nas plantas cultivadas com 100 mM de NaCl foi em média 100 mol Na+. g-1 MF raiz . dia -1. Esteves e Suzuki (2008) afirmaram que entre as estratégias bioquímicas utilizadas pelas plantas para reduzir elevados níveis de sais nas plantas pode-se citar a acumulação ou exclusão seletiva de íons e a compartimentalização de íons em nível celular (vacúolos) e estrutural (folhas). Sobre o processo de compartimentalização é observado que na cultivar Mombaça esse mecanismo não é tão eficiente como em plantas halófitas (HASEGAWA et al., 2000). Considerações Finais A planta acumula Na+ proporcionalmente ao aumento e tempo de exposição à salinidade. Esta espécie parece não desenvolver mecanismos de tolerância como exclusão e compartimentalização de sais. Aparentemente tolera baixos níveis de salinidade (25 mM de NaCl), o qual pode até mesmo estimular o seu crescimento. Referências ASHRAF, M.; AHAMAD, S. Influence of sodium chloride on ion accumulation, yield components and fibre characteristics ion accumulation, yield components and fibre characteristics hirsutum L. Field Crops Research, v. 66, n. 02, p. 115127, 2000. Blumwald E. Sodium transport and salt tolerance in plant cells. Current Opinion of Cell Biology. 2000; 12: 76-112. BRILHANTE, J.C.A. Contribuição de solutos orgânicos e inorgânicos no potencial osmótico de folhas de Atriplex nummularia submetidas ao NaCl, seca e PEG. Dissertação apresentada ao mestrado em 40


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42


Pesquisa em Foco

A ESCASSEZ DE SOFTWARES LIVRES NA AGROPECUÁRIA PARA GESTÃO E CONTROLE DE CUSTOS

1 Introdução

Edson Rômulo de Sousa Santos Agronomia/UFCA edson-romulo@hotmail.com

Levi da Silva Medeiros Técnico em Tecnologia da Informação/UFCA levi@ufca.edu.br

Paulo Sergio da Costa Lima Técnico em Tecnologia da Informação/UFCA paulosergio@ufca.edu.br

Fabiano da Silva Ferreira Professor/UFCA fabiano@cariri.ufc.br

a Licença BSD2. É importante não confundir software livre com software grátis, porque a liberdade associada ao software livre de copiar, modificar e distribuir, independe de gratuidade. (AGROLIVRE, [2009?]). Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo identificar e analisar os softwares livres disponíveis na Internet para gestão e controle de custos no setor agropecuário, assim como descobrir na literatura a relevância dada ao tema gestão da propriedade, utilizando-se desse tipo de ferramentas gerenciais.

Diante da quantidade de problemas das empresas rurais surge a necessidade de informatizar e automatizar cada vez mais as atividades administrativas. No entanto, o acesso a software de gestão ferramentas administrativas ligadas a agropecuária com foco na gestão e controle de custos ainda é muito limitado. A necessidade dos produtores rurais estarem inseridos na economia de mercado de forma competitiva tem implicado a busca de ferramentas que subsidiem seus processos decisórios e de gerência de seus negócios. As ferramentas computacionais existentes atualmente para esse fim restringem-se a softwares ou pacotes fechados que não atendem, na maioria dos casos, às especificações de diferentes sistemas de produção. (VELOSO E FERNANDES, 2000). Mendes et al. (2011, p. 22) afirma que a competitividade do agronegócio brasileiro se desloca, cada vez mais, para a inovação em geral – de gestão, tecnológica e organizacional – na qual a tecnologia da informação - TI tem papel relevante, afetando as atividades de gestão e produção da agricultura ao facilitar a busca, o acesso, o armazenamento e a disseminação de informações que favoreçam a tomada de decisões. Apesar de muitas propriedades agrícolas já possuírem computador, muitos agricultores ainda não utilizam nenhum tipo de artefato para gestão e controle de custos, além de não saberem da existência de tais programas voltados para esse fim. No mercado de Tecnologia da Informação – T.I. para o agronegócio, existem diversos programas para Administração Rural, mas a maioria são pacotes pagos, apenas com a disponibilidade de serem baixados apenas para teste e sem a possibilidade de outras pessoas poderem copiá-los, estudá-los, modificá-los e redistribuí-los sem restrição. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA Informática Agropecuária, software Livre é o programa computacional que pode ser executado, copiado, estudado, modificado e redistribuído sem restrição. O que determina o que pode ser realizado com um determinado software é a sua licença de uso, mais restrita ou mais aberta, todas baseadas no direito autoral. Existem várias licenças de software livre, sendo que as mais conhecidas são a Licença GPL e

2 Fundamentação Teórica O uso e desenvolvimento de tecnologias licenciadas como livres permite: a) Aumento da autonomia tecnológica. As tecnologias livres permitem acesso ao código-fonte, o que possibilita o estudo de como o software foi construído e esse conhecimento pode ser reutilizado na construção e/ou integração de outras soluções. Além disso, propiciam maior autonomia à instituição, possibilitando a escolha de que vertente ou caminho tecnológico seguir; b) Maior facilidade na adaptação e reutilização de tecnologias. Desenvolver novas soluções à partir de soluções existentes para construir novas tecnologias não é apenas uma opção, mas uma necessidade, dada a grande quantidade de demandas de softwares para o setor agropecuário e a necessidade de otimizar o uso de recursos humanos e financeiros. As tecnologias livres, com acesso ao código-fonte, farta documentação disponível e o acesso aberto, facilita sua reutilização e reconfiguração; c) Redução de custos com licenças. A redução de custos não ocorre apenas com as ferramentas e tecnologias usadas no desenvolvimento, mas também no fato de não promover gastos com licenças para os clientes ao adquirirem soluções tecnológicas. Segundo Callado et al. (2011, p.1) contribuem que o ambiente econômico e social no qual o agronegócio está inserido tem se tornando cada vez mais complexo e diversificado. O que anteriormente era entendido como uma exploração econômica de propriedades rurais isoladas, hoje é parte de um amplo espectro de inter-relações e 43


Caderno de Experiências interdependências produtivas, tecnológicas e mercadológicas. Ferreira et al. (2012) afirma que o software livre, além de trazer modernização para um setor carente em relação à tecnologia, possibilita a sociedade ter maior liberdade na utilização de programas de computadores, diminuindo custos, e reduzindo a dependência tecnológica das megacorporações tecnológicas, que impõe suas regras e valores altos para que se obtenham soluções tecnológicas em diversos setores. O uso dos softwares livres no setor agropecuário pode trazer diversos resultados positivos, tais como o aprendizado de métodos cada vez mais avançados para o combate a perdas em propriedades rurais. Callado et al. (2011), apud Crepaldi (1998), estudando as atividades gerenciais relacionadas ao agronegócio, afirma que a tarefa de gerar informações gerenciais que permitam a tomada de decisão, com base em dados consistentes e reais, é uma dificuldade constante para os produtores rurais. Guiducci et al. (2012, p. 17) explica que o desenvolvimento e a modernização do setor agropecuário são consequência de transformações estruturais que exigem do produtor conhecimento profundo do negócio. Isso inclui, além de conhecimento do ambiente em que está inserido, práticas administrativas capazes de responder à complexidade que a atividade agropecuária adquiriu durante esse processo. Callado et. al. (2011, p. 28), relata que o controle dos custos parciais de cada atividade poderá orientar o gestor destas empresas da seguinte maneira: Mostrando os gastos dos diferentes empreendimentos; Possibilitando calcular os rendimentos das diversas culturas e criações; Permitindo a determinação do volume do negócio; Indicando as melhores épocas para a venda e aquisição de produtos; Permitindo o cálculo dos custos da produção; e Permitindo o cálculo das medidas de resultado econômico.

No âmbito conceitual, Cervo et al. (2007, p. 60) diz que a pesquisa bibliográfica procura explicar um problema e a partir de referências teóricas publicadas em artigos, livros, dissertações e teses. [...] busca-se conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado sobre determinado assunto, tema ou problema. Os sites visitados foram: http://www.cnptia.embrapa.br/ de domínio da Embrapa Informática Agropecuária, onde está hospedado o Agrolivre, sendo que no mesmo encontram-se o Embrapec e o OpenFarm. Já o RuralPRO 2013 está hospedado na página http://www.emater.df.gov.br/ de domínio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal – EMATER/DF. A partir dos dados obtidos, foi possível delinear e discutir os resultados da pesquisa com base na lista e caracterização dos softwares livres disponíveis atualmente para o setor agropecuário e, conforme o SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio, livro publicado pela Embrapa Informática Agropecuária, onde foram analisados os seguintes dados:   

 

  

Dados atuais do mercado de softwares brasileiros Projeção de crescimento do setor no mercado brasileiro; Segmentação do mercado comprador ou consumidor de software (domésticos) e composição setorial da demanda de softwares; Perfil de empresas ofertantes de softwares para o agronegócio; Distribuição das empresas privadas ofertantes de softwares para o agronegócio segundo região e unidade da federação de localização da sede; Caracterização dos produtos (softwares para o agronegócio); Percentual de softwares ofertados para o agronegócio; Perfil das empresas privadas desenvolvedoras de softwares agropecuários.

3 Procedimentos Metodológicos 4 Resultados e Discussão

O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica sobre o que se tem e o que se discute atualmente sobre a relevância dada ao tema gestão da propriedade rural utilizando-se de determinadas ferramentas gerenciais. Para isso, foi realizada uma pesquisa diretamente na Internet com o intuito de identificar e analisar os softwares livres disponíveis nos mais diversos tipos de sites nacionais, sejam eles do setor público ou privado, que possibilitem realizar a gestão e a contabilidade de custos em empresas ligadas ao setor agropecuário.

Na Internet estão disponíveis uma grande quantidade de softwares para gestão e controle de custos na agropecuária, no entanto, foram encontrados apenas 3 programas classificados como softwares livres (Quadro 1).

44


Pesquisa em Foco Quadro 1: Características do softwares livres disponíveis para agropecuária

Software

DESENVOLVEDOR

FUNCIONALIDADE

Embrapec

Agrolive

Permite fazer um estudo da viabilidade econômica da propriedade pecuária ao longo do tempo, até 20 anos. Por meio de 370 parâmetros (tamanho da propriedade, número e idade de animais, quantidade de funcionários, etc.), o programa gera 23 relatórios que avaliam a viabilidade econômica atual e futura da propriedade.

OpenFarm

Agrolivre

Auxilia no gerenciamento financeiro de propriedades rurais, por meio do controle de ganhos e gastos do produtor rural. O sistema permite o cálculo, dentre outros, dos gastos com insumos agrícolas, do pagamento de funcionários, da água e da energia elétrica. A partir desses dados, elabora relatórios para que o produtor avalie os custos da produção em relação à quantidade comercializada. Assim, é possível saber qual o impacto dos gastos com água, em um determinado mês, por exemplo, no custo de produção daquele período. O programa faz, ainda, uma análise mensal ou anual de rendimento da produção.

RuralPRO 2013

EMATER - DF

Permite, de maneira simples e objetiva, analisar o desempenho econômico de propriedades rurais e de suas atividades. Simulações podem ser feitas com diferentes explorações, áreas exploradas, custos de produção, disponibilidade de mão de obra e renda a ser obtida, delimitando os possíveis problemas e resultados econômicos, que são fatores determinantes para um gerenciamento racional da propriedade.

Fonte - Próprio autor

Como se percebe, cada software possui características que o diferenciam, mas em todos podemos obter resultados econômicos que irão servir de base para o planejamento estratégico, o controle de c ustos, e um bom desempenho na gestão.

mercado mundial, tendo chegado ao 12° lugar em 2009, com movimento aproximado de US$ 15,3 bilhões, equivalente a 1,02% do PIB do Brasil daquele ano. Desse valor, US$ 5,45 bilhões correspondem ao total movimentado pelo setor de software produto (sem incluir serviços de TI), o que representa 1,69% do mercado mundial e 47% do mercado da América Latina. No mesmo ano, o mercado mundial de softwares e serviços atingiu o valor de U$ 880 bilhões (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE SOFTWARE, 2010). Estudo da Associação Brasileira das Empresas de software (2010), conforme o quadro 2 com as tendências do mercado brasileiro.

3.1 Dados atuais do mercado de software brasileiro, conforme o SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio. Aos poucos, o mercado de softwares passou a ocupar importante papel na economia brasileira. Uma evidência dessa importância pode ser demonstrada pela posição que ele ocupa no

Quadro 2: Projeções de crescimento do mercado brasileiro de Tecnologia da Informação Segmento

Mercado (US$ milhões)

Participação (%)

2010/2009* (%)

Software

5960

17,90

9,30

Serviços

10719

32,90

8,10

Hardware

15821

48,60

4,50

TI Total 32500 100,00 * Expectativa de crescimento em 2010 em relação a 2009. Fonte - SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio.

O quadro indica uma tendência de crescimento do mercado da informática. Percebe-se que há um boa possibilidade de investimento no setor agropecuário, uma vez que os dados referentes ao segmento software são bem significativos,

6,50

apresentando uma participação de 17,90% com ua projeção de crescimento de 9,30% de 2009 para 2010, além de possuir um bom resultado financeiro que interfere diretamente na economia do país.

45


Caderno de Experiências Quadro 3. Segmentação do mercado comprador de softwares (domésticos) e composição setorial da demanda de softwares Segmento vertical

Volume (US$ milhões)

Participação (%)

Variação 2009/2008

Indústria

1240

23,13

(+ 3,90%)

Comércio

482

8,99

(- 14,20%)

Agroindústria

114

2,12

(+ 11,70%)

Governo

382

7,12

(+ 3,10%)

Finanças

1339

24,98

(+ 8,60%)

Serviços

667

12,44

(- 10,60%)

Óleo e gás

309

5,75

(+ 2,39%)

Outros 827 15,42 Fonte - SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio.

Percebe-se, que o setor da Agroindústria, ainda é o que apresenta a menor participação, apresentando um volume financeiro de US$ 114 milhões. No entanto, possui a maior variação positiva de 11,70% entre os anos de 2008 e 2009. Com isso, vemos que está havendo um aparecimento de empresas investindo no setor e obtendo bons resultados financeiros.

(+ 5,4%)

softwares para o agronegócio. Dessas, 162 empresas concordaram em participar da pesquisa. No total, as mesmas ofertam 402 softwares. A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2008 e, por não ter sido exaustiva, provavelmente há outras empresas que atuam no setor, mas que não foram mapeadas. Acredita-se, no entanto, que as 162 empresas participantes da pesquisa representam um número próximo do universo de companhias ofertantes do setor. Os dados analisados foram obtidos do banco de dados da oferta em software agropecuário, armazenado na Embrapa Informática Agropecuária, coletados durante a execução do projeto Estudo do Mercado Brasileiro de software Agropecuário, com acesso restrito à equipe técnica.

3.2 Perfil de empresas ofertantes de softwares para o agronegócio, conforme SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio. Segundo o estudo mencionado acima, foram identificadas 180 empresas privadas desenvolvedoras e/ou distribuidoras que ofertam

Quadro 4. Distribuição das empresas privadas ofertantes de software para o agronegócio segundo região e unidade da federação de localização da sede (2010) Região

Total de empresas

%

Sudeste

94

58,0

Sul

45

27,8

Centro-Oeste

15

9,3

Nordeste

Estado

Total de empresas

%

São Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro Espírito Santo

54 34 3 3

33,3 21,0 1,8 1,8

Paraná Rio Grande do Sul Santa Catarina

23 13 9

14,2 8,0 5,6

Mato Grosso Goiás Mato Grosso do Sul Distrito Federal

7 3 3 2

4,3 1,8 1,8 1,2

Pernambuco Sergipe Bahia Ceará

4 1 1 1

2,5 0,6 0,6 0,6

Pará

1

0,6

162

100,0

4,3 7

Norte

1

0,6

Total

162

100

46


Pesquisa em Foco Fonte - SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio.

Das 162 empresas participantes, nota-se uma concentração geográfica (85,8%) no eixo SulSudeste, sendo 58,0% com sede na região Sudeste e 27,8% no Sul. Nota-se a presença de apenas uma empresa ofertante de software rural na região Norte. Destacam-se os Estados de São Paulo e Minas Gerais, com 54,3% dessas empresas (o primeiro com 33,3% e o segundo com 21,0%), seguidos por Paraná e Rio Grande do Sul, com 14,2% e 8,0%, respectivamente. As 162 empresas estão distribuídas em 65 municípios do Brasil, o que corresponde a uma média de 2,49 empresas por município. Percebe-se que as regiões Norte e Nordeste estão abaixo da média nacional, mas que a região Centro-Oeste, apresenta um bom crescimento, quando comparado com as regiões que mais desenvolvem e as que estão abaixo. Conforme os dados analisados anteriormente no quadro 2, podemos aferir que

pode ser uma boa oportunidade tentar investir em softwares agropecuários para essas regiões. 3.3. Softwares para o agronegócio: caracterização dos produtos, conforme SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio. Nesta seção, segundo a pesquisa da EMBRAPA, analisaram-se os produtos de softwares ofertados pelas 162 empresas participantes do estudo. Foram citados pelas empresas 402 softwares direcionados ao agronegócio, sendo 337 softwares próprios (desenvolvidos pela empresa) e 65 de terceiros (desenvolvidos por outras empresas). Todas as análises dessa seção foram feitas em relação aos 402 produtos e são explicitadas as exceções.

Quadro 5. Percentual de softwares ofertados para o agronegócio, segundo as categorias propostas Categorias

Total de respostas por

% total de respostas em

categorias (somando as áreas

relação às quatro categorias

de aplicação da categoria)* Administração/gerencimento

467

40,9

Manejo animal

235

20,6

Cultivo vegetal

155

13,6

Controle de processo e/ou de atividades rurais

286

25,0

Total

1143

100,0

* Permite respostas múltiplas. Fonte - SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio.

De acordo com a pesquisa, constata-se uma sobreposição relevante de respostas. O destaque na porcentagem de produtos de softwares na categoria Administração/Gerenciamento representado por 40,9% deve-se, além da demanda acentuada por tal aplicação, a um aspecto de ordem técnica. Tais produtos contam com plataformas de desenvolvimento semelhantes ao software de administração empresarial convencional (contabilidade, comercialização, gerenciamento de pessoas etc.), podendo ser adaptados para o setor rural.

Com essas possibilidades de adaptação é que muitas instituições podem atuar no desenvolvimento de softwares livres, aproveitando a performance desses programasse aumentando a acessibilidade para o meio rural. O quadro 6 mostra as áreas de aplicação dentro da categoria Administração/Gerenciamento. Nota-se que não há concentração de produtos de softwares em uma área específica e que a sobreposição de áreas é relativamente baixa: produtos incluem, em média, duas áreas.

47


Caderno de Experiências Quadro 6: Percentual de softwares ofertados para o agronegócio segundo áreas de aplicação na categoria Administração/Gerenciamento % da área de aplicação em relação Área de aplicação

nº de software*

ao total de software da categoria administração/gerenciamento

Administração rural

145

31,1

Comercialização

88

18,8

Gerenciamento de insumos (sementes,

86

18,4

Contabilidade

55

11,8

Gerenciamento/manutenção de

47

10,1

Gerenciamento de pessoas

32

6,9

Gerenciamento de laboratório

14

3,0

Total

467

100,0

adubos, suplementos nutricionais)

maquinário, equipamentos

Fonte - SW Agro - estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio.

Visto que o número de softwares na categoria Administração Rural representa a maior parcela, incluindo a gestão e o controle de custos dentro desse pacote, percebe-se que não é um gargalo softwares proprietários para esse fim, mas o desenvolvimento de softwares livres que representem bem dentro desse conjunto.

Espera-se que essa investigação possa estimular a realização de estudos futuros, tanto por parte de instituições governamentais como por empresas privadas com o propósito de inserir mais programas no setor rural de forma livre que facilite a vida do produtor rural no âmbito de suas atividades administrativas diminuindo os gastos com a licença de programas.

Considerações Finais Referências Diante do cenário observado, percebeu-se a existência de muitas pesquisas direcionadas para o setor da informática e que a informatização da agricultura, principalmente na parte da Administração Rural com foco na gestão e controle de custos, ainda é muito escassa. Existem poucos trabalhos na literatura relacionados à oferta e à demanda de softwares agropecuários, notadamente sobre os cenários de adoção de tecnologia da informação pelo setor rural, assim como a disponibilização de programas em sites nacionais na internet de forma livre e gratuita. O presente estudo não garante uma boa representatividade de ofertantes e de demandantes de softwares livres na agropecuária para gestão e controle de custos devido à pouca disponibilidade dessas ferramentas gerenciais para baixar de forma livre. É preciso ser criado um mecanismo de busca na web que facilite a recuperação da informação por parte do usuário, evitando assim o dispêndio de tempo na execução da pesquisa.

CALLADO, A. A. C. Agronegócio. 3 ed. São Paulo: Editora Atlas S. A, 2011. 203 p. CERVO, L. ; BERVIAN, A. P. ; SILVA, da R. Metodologia científica. 6. ed. São Paulo: Pearson, 2007. 162 p. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EMBRAPA Informática. Software Livre.Disponível em: <https://www.embrapa.br/informaticaagropecuaria>. Acesso em: 02 nov. 2014. FERREIRA, Cristiane Marques et al. Levantamento, análise e seleção de softwares livres para serem aplicados como ferramentas de auxílio no processo de ensino-aprendizagem em disciplinas dos cursos do ifma – campus São Luís – Maracanã. In VII CONNEPI – Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Informação. 2012, Tocantins. Anais VII CONNEPI – Congresso 48


Pesquisa em Foco Norte Nordeste de Pesquisa e Informação. Tocantins, 2012.

MENDES, Cássia Isabel Costa, OLIVEIRA, Deise Rocha Martins dos Santos, SANTOS,Anderson Rodrigo dos. Estudo do mercado brasileiro de software para o agronegócio. Embrapa Informática Agropecuária: Campinas, 2011.

GUIDUCCI, R do. C. N.; LIMA FILHO. J. R. de.; MOTA, M. M. Viabilidade econômica de sistemas de produção agropecuários: metodologia e estudos de caso. Brasília: Embrapa, 2012. 535 p.

VELOSO, Rui Fonseca, FERNANDES, Fernando Borges. Sistemas de informações gerenciais no âmbito de uma fazenda familiar. In: Congresso e mostra de agroinformática. 2000, Paraná. Anais Congresso e mostra de agroinformática. Paraná, 2000.

LEITE, Leonardo Alexandre Ferreira. Análise de licenças de software: Explicação resumida sobre cada uma das licenças mais importantes para software livre e do creativecommons.Grupo de Estudos em interação do LTS Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.

49


Caderno de Experiências

EFEITO DA INCLUSÃO DE SUBPRODUTOS AGROINDUSTRIAIS NA RAÇÃO DE CRESCIMENTO DE AVES CAIPIRAS

1 Introdução

Janinny Nobre Duarte Agronomia/UFCA janinny-duarte@bol.com.br

Francisco Luiz de Sousa Silva Agronomia/UFCA luiz.sousasilva@hotmail.com. br

Ermesson Mascarenhas da Silva Agronomia/UFCA ermesson.ufc@hotmail.com

Joaquim Furtado de Macêdo Agronomia/UFCA joaquim.do@hotmail.com

Francisco Alves Feitosa Agronomia/UFCA franciscoalves70@hotmail.co m

Irani Ribeiro Vieira Lopes Professor/UFCA iranirvl@cariri.ufc.br

em abundância nas diversas regiões do país (SILVA, 2003). Durante o processamento de frutas, são gerados subprodutos que na maioria das vezes são fontes valiosas de proteína, energia e fibra para a indústria de produção animal e, tradicionalmente, estes subprodutos têm sido utilizados para substituir concentrados energéticos ou protéicos (NRC, 1989). Algumas agroindústrias existentes na região do cariri cearense têm se preocupado com o destino dos subprodutos gerados durante o processamento das frutas em polpa, principalmente em função do grande volume de material que é desperdiçado e descartado no meio ambiente. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a utilização de subprodutos agroindustriais na ração de crescimento de aves caipiras criadas em sistema de semiconfinamento.

A grande procura dos consumidores por produtos diferenciados e de qualidade superior vem influenciando mudanças nos sistemas utilizados para produção de frangos (GESSULLI, 1999; VERCOE et al., 2000). A sociedade está interessada em sistemas de produção que aumentem o bem-estar animal (VERBEKE; VIANE, 2000; VON BORELL; VAN DEN WEGHE, 1999) e a implementação dessas mudanças pode garantir a oferta de novos produtos no mercado (BLOKHUIS et al., 2000; FRASER, 2001). De acordo com Silva e Nakano (1998) um dos aspectos que diferencia a criação de aves no sistema semi-intensivo do intensivo é o fato de no primeiro, existe a possibilidade dos animais alimentarem-se de pasto, verduras, insetos, minhocas e etc, enquanto que nesse último as aves têm acesso somente às rações. A diferença entre à aptidão e desempenho de linhagens comerciais de frangos tipo caipiras são grandes, quando comparadas às linhagens industriais existentes (Figueiredo, 2001). Mesmo assim, consumidores mais tradicionais preferem a carne de frangos de corte criados semiconfinados por possuir sabor, cor e textura diferenciados. A alimentação é responsável por cerca de 70% dos custos da produção de aves, isso porque a maioria das rações produzidas para aves é formulada à base de milho e farelo de soja, que são ingredientes de custo elevado, o que torna difícil a combinação de sua qualidade e de seu baixo preço, agravada nos últimos anos pela ocorrência de escassez dessas matérias primas, devido à competição com o consumo humano (TORRES, 2003). Assim, várias pesquisas têm sido realizadas com o intuito de encontrar fontes alternativas que atendam às necessidades nutricionais das aves, como também possibilitem melhorias econômicas na produção da avicultura. Os subprodutos da agroindústria de doce, suco e extratos vegetais, vêm despertando interesse pelo potencial que apresentam como possíveis ingredientes de rações animais e são encontrados

2 Fundamentação Teórica A utilização de subprodutos de agroindústrias na alimentação de aves vem sendo estudada há alguns anos. Para Cunha et al. (1998) a vantagem da utilização de subprodutos na alimentação animal é a sua disponibilidade durante todo o ano, servindo como suplemento nas mais variadas condições. O uso dos subprodutos na alimentação de frangos justifica-se pelo baixo custo, por serem atóxicos e não fazerem parte da dieta humana. Além disso, quando não aproveitados, podem causar prejuízo ao meio ambiente (SILVA, 2003). Considerando o fator econômico, Melo (2011) afirmou que os subprodutos da agroindústria podem proporcionar aos criadores uma ótima alternativa para aumentar a rentabilidade da criação. Diferentes composições nutricionais oferecem maior dinamismo ao setor pecuário, ao reduzir custos e substituir concentrados energéticos tradicionais, como o milho, que é o mais utilizado por alimentos alternativos (ROSA; SILVA, 2008). Trabalhos recentes como os de Macêdo et al. (2013) e Silva et al. (2013), demonstraram que mesmo após o processo de retirada do suco os subprodutos ainda apresentam alguns nutrientes, 50


Pesquisa em Foco principalmente carboidratos. Misir & Sauer (1982) descreveram que a fonte de carboidratos da dieta influencia a digestibilidade aparente do alimento. O potencial de utilização de subprodutos das frutas abacaxi e maracujá pode ser considerado grande, pois na produção de sucos gera-se aproximadamente, 50% de seu peso em subprodutos, compostos principalmente por cascas, enquanto que o caju gera apenas 17% (SILVA et al. 2013a).

m2 de área coberta com telha de barro e 28 m2 de área ao ar livre. O piso das partes cobertas foi forrado com palha de arroz. No período de um a 27 dias de idade, as aves de cada grupo receberam ração inicial contendo os ingredientes que seriam analisados na fase de crescimento. O manejo dos pintos nessa fase foi o mesmo convencionalmente utilizado para frangos de corte. No 28º dia de idade, as aves foram pesadas, selecionadas, de modo a formar parcelas homogêneas, e alojadas novamente nos piquetes. Das aves iniciais apenas 140 foram utilizadas no período de 28 a 56 dias de idade, distribuídas um delineamento experimental inteiramente casualizado com quatro (4) tratamentos e cinco (5) repetições de sete (7) aves cada, totalizando 35 unidades por tratamento. Os tratamentos constaram de uma ração controle à base de milho e farelo de soja e três rações testes em que 10% do milho foi substituído por subproduto de abacaxi (SA), caju (SC) e maracujá (SM), formuladas para atender às exigências nutricionais das aves. A composição da ração fornecida na fase de crescimento é apresentada na Tabela 1.

3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi realizado nas instalações do Curso de Agronomia na Universidade Federal do Cariri (UFCA) e conduzido por alunos do Centro de Referência em Extensão e Pesquisa com Aves (CREPAV). Foram utilizadas 240 pintos de 1 dia adquiridos da Avifran, linhagem PSÇ - Pescoço Pelado Vermelho, vacinados no incubatório contra as doenças de Marek e Gumboro. Após chegarem ao setor de avicultura, 10% dos pintos foram amostrados aleatoriamente e pesados para obtenção do peso médio e da variação de peso do lote. Em seguida, quatro grupos uniformes de 12 aves foram formados e alocados em piquetes de 2,0

Tabela 1: Composição percentual e níveis nutricionais calculados das rações utilizadas nas fases de crescimento (2856 dias) para frangos de crescimento lento Ingredientes

Controle

Inclusão de subprodutos (%) 10% Abacaxi

10% Cajú

10% Maracujá

Milho grão

67,24

60,52

60,52

60,52

Soja farelo, 45%

27,71

27,71

27,71

27,71

Fosfato Bicálcico

1,13

1,13

1,13

1,13

Óleo de soja

1,73

1,73

1,73

1,73

Calcário

1,36

1,36

1,36

1,36

Sal comum

0,41

0,41

0,41

0,41

Suplemento vitamínico-mineral

0,20

0,20

0,20

0,20

DL- metionina, 99%

0,07

0,07

0,07

0,07

Bac-zinco

0,05

0,05

0,05

0,05

Coxistac

0,05

0,05

0,05

0,05

Cloreto de colina

0,05

0,05

0,05

0,05

Resíduos

0,00

6,72

6,72

6,72

TOTAL

100

100

100

100

A composição química dos subprodutos do abacaxi, caju e maracujá pode ser observada na tabela 2.

51


Caderno de Experiências Tabela 2: Composição físico-química dos subprodutos Constituintes

Resíduos Abacaxi

Cajú

Maracujá

Matéria seca (%)1

92,99

91,31

94,60

EB (kcal/kg)1

3909,2

-

3960,8

4,49

9,47

7,22

17,33

-

29,17

44,43

-

38,38

-

3,51

-

0,57

8,67

0,51

3,72

1,91

6,38

Cálcio (%)1

0,12

0,14

-

Fósforo (%)1

0,38

1,03

-

0,23

-

-

0,07

-

-

0,17

-

-

-

-

-

0,25

-

-

Proteína Bruta

(%)1

Fibra detergente ácido

(%)1

Fibra detergente neutro (%)1 Fibra bruta Extrato etéreo (%)1 Matéria mineral

(%)1

Lisina Total (%)2 Metionina total

(%)2

Metionina + cistina total

(%)2

Triptofano total (%)2 Treonina total (%)2

A temperatura e a umidade relativa média do ar foram registradas duas vezes ao dia, por intermédio de termohigrômetros de máxima e mínima. Por todo o período experimental, as aves receberam água e ração à vontade e o programa de luz adotado foi o contínuo (luz natural + artificial á noite). No início do experimento e ao final, a ração fornecida e as sobras foram pesadas para determinar a quantidade de alimento consumido. As aves de cada parcela foram pesadas aos 28 e 56 dias de idade para que o ganho de peso médio da parcela fosse calculado. A partir dos dados de consumo de ração (kg/ave) e de ganho de peso dos frangos (kg/ave), foi calculada a conversão alimentar (kg/kg). As análises estatísticas dos dados foram realizadas utilizando-se o “Statistical Analyses Sistem” (SAS, 2000). A comparação das médias entre as rações foi realizada pelo teste SNK (5%).

No período de 28 a 56 dias não se observou diferença significativa no ganho de peso e nem no consumo de ração (Tabela 3) nas aves que se alimentaram com as rações contendo subproduto de abacaxi, caju e maracujá, ou seja, as aves tiveram o desempenho semelhante às aves alimentadas com a ração controle. Resultados semelhantes quanto a utilização do subproduto de caju foram encontrados por Ramos et al. (2006) ao estudarem a inclusão de até 15% da polpa de caju desidratada nas rações para frangos de corte em crescimento, concluíram que o subproduto do caju não interfere o desempenho, ganho de peso e nas principais características de carcaça. Quanto ao efeito do subproduto de maracujá em ração de frangos de corte, Togashi et al. (2008) relataram que o desempenho produtivo não foi afetado com esse subproduto e que ainda melhorou a conversão alimentar. Estes resultados corroboram com os obtidos nesse trabalho. Nem sempre a inclusão de subprodutos na ração de aves, representa vantagem. Diógenes et al. (2013) verificaram que o resíduo agroindustrial do abacaxi além de apresentar baixo valor nutritivo, promoveu a diminuição da digestibilidade total da ração.

4 Resultados e Discussão A temperatura média máxima na fase de crescimento foi de 30,8° C e a mínima de 21,7 °C mínima. Quanto à umidade os dados foram os seguintes: 76,3% máxima 47,6% mínima.

52


Pesquisa em Foco Tabela 3: Desempenho de frangos de corte de crescimento lento alimentados com rações contendo 10% de resíduos de abacaxi (RA), caju (RC) e maracujá (RM) no período de 28 a 56 dias de idade Variáveis

Tratamentos Controle

Média

CV (%)

10% SA 10% SC 10% SM

Ganho de peso (Kg/ave)

1,057

1,025

1,017

1,043

1,03

7,03

Consumo de ração (Kg/ave)

2,709

3,041

2,804

2,849

2,86

6,46

2,57

2,98

2,76

2,74

2,77

8,16

Conversãoalimentar

Com relação à conversão alimentar não houve diferença significativa, porém se observa que a melhor conversão alimentar foi obtida quando as aves se alimentaram com a ração controle. Existem outros subprodutos de agroindústrias que já foram estudados na alimentação de frangos, como por exemplo, Lira et. al., (2009) observaram que a inclusão de resíduo de goiaba em rações para frangos de corte, promove desempenho e rendimento de carcaça semelhante ao obtido com ração à base de milho e farelo de soja, portanto esse subproduto agroindustrial pode ser utilizado em níveis de até 12% em rações para frangos de corte. Por outro lado, Guimarães (2007) não observaram efeito entre a inclusão de níveis de resíduos de goiaba de 0, 2, 4, 6 e 8%, na colocação de alimentação de galinha, na conversão alimentar, em todos os períodos de avaliação e no período total de 30 a 39 semanas.

CE: Universidade Estadual do Vale do Acaraú, 2013. v. 1. p. 1-4. FRASER, D. The “new perception” of animal agriculture: legless cows, featherless chickens and a need for genuine analysis. Journal of Animal Science, v.79, n.3, p.634-641, 2001. FIGUEIREDO, E.A.P. Diferentes denominações e classificação brasileira de produção alternativa de frangos. In: Conferência de ciência e tecnologia avícola apinco, 2001, Campinas. Anais... Campinas: Apinco, 2001. p.209-222. GESSULLI, O.P. Avicultura alternativa: sistema “ecologicamente correto” que busca o bem-estar animal e a qualidade do produto final. Porto Feliz: OPG Editores, 1999. 217p. GUIMARÃES, AAS. Utilização fazer Resíduo de goiaba (Psidium guajava L.) na Alimentação de poedeiras Comerciais . 2007. 42f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2007.

Considerações Finais Subprodutos de abacaxi, caju e maracujá podem substituir 10% do milho na ração de crescimento de frangos de corte tipo caipira sem que haja prejuízo no desempenho produtivo das aves.

LIRA, R. C. et al. Inclusion of guava wastes in feed for broiler chickens. Revista Brasileira de Zootecnia, v.38, n.12, p.2401-2407, 2009.

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DIÓGENES, G.V. et al. Resíduo Agroindustrial do Abacaxi em Rações para Aves. In: VIII Congresso Nordestino de Produção Animal, 2013, Fortaleza CE. VIII Congresso Nordestino de Produção Animal. Fortaleza 53


Caderno de Experiências NRC. National Research Council. Nutrient Requirements of Dairy Cattle, 6 ed. Washington, National Academy of Science, 157p. 1989.

SILVA, R.D.M.; NAKANO, M. Sistema caipira de criação de galinhas. Piracicaba: O Editor, 1998. 110p.

RAMOS, L. S. N. et al. 2006. Polpa de caju em rações para frangos de corte na fase final: desempenho e características de carcaça. R. Bras. Zootec., 35(3):804-810.

TOGASHI, C. K. et al. Subprodutos do maracujá em dietas para frangos de corte. Acta Science Animal Science. 30(4):395-400, 2009. TORRES, D.M. Valor nutricional de farelos de arroz suplementados com fitase, determinado por diferentes metodologias com aves. 2003. 172p. Tese (Doutorado em Zootecnia) - Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG.

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VERBEKE, W.A.J.; VIANE, J. Ethical challenges for livestock production: meeting consumer concerns about meat safety and animal welfare. Journal of Agricultural & Environmental Ethics, v.12, n.2, p.141-151, 2000. VERCOE, J.E.; FITZHUGH, H.A.; Von KAUFMANN, R. Livestock productions systems beyond. Asian-Australian Journal of Animal Sciences, v.13, p.411-419, 2000.

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VON BORELL, E.; VAN DEN WEGHE, S. Development of criteria for the assessment of housing systems for cattle, pigs and laying hens relating to animal welfare and environmental impact. Zuchtungskunde, v.71, n.1, p.8-16, 1999.

SILVA, J.H.V. Produção científica em nutrição de aves. Contribuição da UFPB nos últimos cinco anos. Bananeiras: DAP/UFPB, 2003. 31p.

54


Pesquisa em Foco

RESÍDUOS DE FRUTAS TROPICAIS NA RAÇÃO INICIAL DE FRANGOS DE CORTE DE LINHAGEM CAIPIRAS

1 Introdução

Maria Nágila Ferreira da Costa Agronomia/UFCA mmarianagila@gmail.com

Joaquim Furtado de Macêdo Agronomia/UFCA joaquim.do@hotmail.com

Leandro Moreira da Silva Agronomia/UFCA leandro.moreira19@outlook.c om

Williane Thamires dos Santos Agronomia/UFCA williany.vasconcelos@gmail.c om

Francisco Alves Feitosa Agronomia/UFCA franciscoalves70@hotmail.co m

Irani Ribeiro Vieira Lopes Professor/UFCA iranivl@cariri.ufc.br

Como a grande quantidade de resíduos produzidos por fábricas de processamento de frutas na obtenção de polpas pode chegar a muitas toneladas (SCHIEBER et al., 2001), nutricionistas e avicultores têm estudado a possibilidade de utilizálos na alimentação de aves. Segundo Macêdo et al. (2013) os resíduos gerados pelo processamento do caju apresentam teor de proteína bruta em torno de 10,37%, de lipídios 9,49%, matéria mineral 2,09%, carboidratos 69,36% e fibras bruta 9,29%. Silva et al. (2013) avaliaram a composição bromatológica do abacaxi e do maracujá. O abacaxi, após processamento, ainda contém 3,97% de proteína bruta, 0,35% de lipídios, 2,12% de mátria mineral e fibras totais em arredor de 27,48%. No maracujá, o valor protéico foi 8,12%, os lipídios encontrados foram 0,54% e 39,96% de fibras totais. Assim, mesmo após o processo de retirada do suco, os resíduos ainda apresentaram um percentual de componentes químicos que os viabiliza a serem usados para a alimentação animal. Esta pesquisa foi conduzida com o objetivo de avaliar o desempenho inicial de frangos de corte tipo caipira alimentados com rações contendo resíduos de frutas tropicais.

O aumento acentuado da população mundial ocasionou o surgimento de inúmeros produtos alternativos para atender as necessidades alimentares do consumo humano, esse fator tem privilegiado a avicultura no contexto sócioeconômico mundial, pois abasteci grande quantidade de proteína em pouco tempo, a preços acessíveis para a maioria da população. A produção de frangos limita-se a pequenas e médias propriedades, dentro das restrições impostas pelo mercado, devem ser utilizadas tecnologias apropriadas para gerar produtos que atendam as exigências dos consumidores, principalmente no que se refere a segurança do alimento associando a um retorno econômico adequado para satisfazer as perspectivas dos produtores (COSTA et al., 2007). As linhagens de frangos de corte tipo caipiras, requerem de um acompanhamento especializado para se tem um equilíbrio ideal na dieta alimentar, tendo em vista os aspectos físicos e a qualidade da matéria prima da ração, também devesse levar em consideração todos os nutrientes requeridos para o máximo desempenho das aves (TEIXEIRA, 1998). A alimentação das aves é um dos principais pontos de estrangulamento na criação avícola. Os fatores que mais influenciam para elevar a percentagem de despesas com alimentação são as oscilações de preço do milho e na soja e os custos adicionais provenientes da importação desses ingredientes de outras regiões do país no caso do milho, em virtude da escassez de grãos no nordeste (RAMOS et al., 2006). Portanto, o uso de alimentos disponíveis em uma região em determinadas épocas do ano, produzidos a baixos custos e, muitas vezes desperdiçados, podem ser incluídos em rações para aves. Durante o processamento de frutas pelas agroindústrias, são produzidas grandes quantidades de resíduos (bagaço, caroço ou sementes e casca) que na maioria das vezes são jogados em lugares inapropriados, poluindo o meio ambiente e favorecendo o desenvolvimento de insetos e animais roedores (SILVA et al., 2013).

2 Fundamentação Teórica A atividade avícola vem se desenvolvendo de forma acentuada no Brasil, progredindo em relação ao número de ovos produzidos pelas aves e o total de frangos abatidos, elevar o potencial das indústrias avícola que promovem fontes protéicas de baixo custo para os consumidores. A expansão desse desenvolvimento, aumentou emprego do sistema de criação intensivo de frangos de corte, elevando o número de aves por metro quadrado. Contudo, o regime de confinamento gera para as aves um ambiente desfavorável, promovendo declínio nas taxas de produção (BOLIS, 2001). Para atender pequenos e médios produtores rurais de aves, o Brasil adotou um sistema de criação alternativo, o qual permiti agregar maior valor ao produto, comparando com os produzidos no sistema intensivo. Esta medida busca oferecer ao 55


Caderno de Experiências mercado consumidor um produto diferenciado e de boa qualidade (AVILA et al., 2000). Costa et al.(2007), observaram mundialmente a intensificação do desenvolvimento de métodos mais naturais para a criação de aves. Além disso, os produtos da avicultura alternativa são direcionados a um mercado bastante exigente, tornando essa atividade cada vez mais técnica, eficiente e rentável. As aves caipiras por serem criadas livres, possuem carne com menor teor de gordura, as fibras musculares são mais avermelhadas e com maior consistência, o que atribui para o produto final um sabor diferenciado. Nos últimos anos, o desenvolvendo da fruticultura na região nordeste do Brasil vem tendo um aumento significativo. Dentre as frutas tropicais cultivadas na região destacam-se, o abacaxi, abacate, banana, caju, coco, mamão, manga, maracujá, uva, acerola e goiaba (LOUSADA JÚNIOR et al., 2006). Bártholo (1994), orienta a importância do aproveitamento dos subprodutos e resíduos gerados nas agroindustriais, visto que os países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, as perdas pós-colheita de frutas frescas são estimadas na ordem de 20 a 50%. Lousada júnior et al., (2005) verificaram que, no caso de frutas tropicais, como a manga, o caju, a banana, o maracujá e a acerola, quando processadas para a produzir sucos, polpas e doces entre outros derivados, podem gerar até 40% da produção em resíduos agroindustriais, que em muitos casos, tornam-se fatores de custos adicionais à empresa, além de serem fonte de contaminação ambiental. Se faz necessário avaliar os compostos nutricionais dos resíduos produzidos pelas agroindústrias, já que os mesmos podem apresentar valores nutricionais diferentes, por influência da forma do processamento e de substância presente neles. Buscando se ter uma orientação do aproveitamento desses produtos para alimentação de monogástricos, pois quando fornecida excessivamente não atende as necessidade fisiológicas do animal (CORREIA et al. 2006). Ferrari et al. (2004) afirmaram que cascas e sementes de maracujá, resíduos industriais provenientes do processo de esmagamento da fruta para a obtenção do suco, estão sendo utilizadas por produtores rurais na suplementação da alimentação de bovinos e aves, ainda sem muita informação técnica adequada. Conforme Nascimento (2005) novas pesquisas estão sendo desenvolvidas visando determinar melhores opções de utilização de alimentos alternativos energéticos e proteicos, os quais proporcionem um bom desempenho produtivo e reprodutivo das aves, reduzindo o custo de alimentação e consequentemente resultando de maior lucratividade ao produtor.

3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi conduzido no Setor de Avicultura da Universidade Federal do Cariri, Campus Crato, entre os dias 06 e 31 de maio de 2014, totalizando um período de criação de 28 dias. O estudo foi montado em 20 piquetes de alvenaria coberta com telhas de barro e piso de cimento, medindo 1.10 m x 2.10 m cada, sendo que cada piquete tem acesso a uma área de 28m² de terreno livre, sendo eles cercado de telas de arame. Os beirais das instalações apresentam 1,40 m, o pé direito de 2,40 m, muretas de 0,40 m. No dia anterior a chegada dos pintinho, o piso foi coberto por uma camada de casca de arroz com espessura de 5 cm. Cada piquete foi equipado com um bebedouro pendular e um comedouro tubular. Em piquetes de posição opostas foram colocados, a altura do dorso das aves, um termohigrômetro para registrar as temperaturas máximas e mínimas e a umidade relativa do ar. Foram utilizados 240 pintos de um dia de idade, machos e fêmeas, da linhagem pescoço pelado vermelho, vacinados no incubatório contra Marek e Bouba aviária. As aves foram distribuídas em um delineamento inteiramente casualizado, com quatro tratamentos e cinco repetições, de 12 aves cada por unidade experimental. Os tratamentos foram constituídos de uma ração testemunha contendo milho e farelo de soja e três rações em que 10% do milho foram substituídos por resíduo de abacaxi, caju e maracujá. As rações foram formuladas para serem isonutrientes e isoenergéticas. A composição da ração testemunha pode ser observada na tabela 1. Tabela 1. Composição percentual e níveis nutricionais calculados da ração utilizada na fase inicial (1-28 dias) para frangos de crescimento lento.

56

Ingredientes

Inicial

Milho grão

61,59

Soja farelo, 45%

33,50

Fosfato Bicálcico

1,62

Óleo de soja

1,17

Calcário

1,09

Sal comum

0,48

Suplemento vitamínicomineral¹

0,20

DL- metionina, 99%

0,20

Bac-zinco

0,05

Coxistac

0,05

Cloreto de colina

0,05

TOTAL

100,00


Pesquisa em Foco Sakomura e Rostagno (2007) para a montagem de ensaios com aves. Durante o período experimental as aves receberam ração e água à vontade e foram mantidas sobre um programa de 24 horas de luz por dia até 28 dias de idade. Os valores de temperatura e de umidade relativa do ar foram coletados diariamente no início da manhã e no final da tarde com o auxílio de um termohigrômetro digital. As rações fornecidas e as sobras foram pesadas para determinar a quantidade de alimento consumido pelas aves. Os pintos de cada unidade experimental foram pesados no início e no final da fase inicial para determinar o ganho de peso. A conversão alimentar foi determinada dividindo-se o consumo de ração pelo ganho de peso de cada unidade. A análise estatística dos dados foi realizada através do “Statistical Analyses System” (SAS, 2000). A comparação das médias entre as rações foi realizada pelo teste SNK (5%).

Composição calculada Energia kcal/kg

metabolizável,

2.950

Proteína bruta, %

20,12

Matéria Seca, %

88,40

FDA, %

4,79

FDN, %

11,97

Extrato etéreo %

3,98

Cálcio, %

0,92

Fósforo disponível, %

0,41

Sódio, %

0,21

Lisina total, %

1,08

Metionina total, %

0,50

Metionina + Cistina, %

0,83

Treonina total, %

0,80

Triptofano total, %

0,25

4 Resultados

Níveis de garantia por kg do produto: Vitamina A 5.500.000 UI, Vitamina B1 500mg, Vitamina B12 7.500mcg, Vitamina B2 2,502mg, Vitamina B6 750mg, Vitamina D3 1.000.000 UI, Vitamina E 6.500 UI, Vitamina K3 1.250mg, Biotina 25mg, Niacina 17,5g, Ácido fólico 251 mg, Ácido pantotênico 6.030mg, Cobalto 50mg, Cobre 3.000mg, Ferro 25g, Iodo 500mg, Manganês 32,5g, Selênio 100.05mg, Zinco 22,49g.

As médias da mínima e máxima de temperatura e umidade relativa do ar observadas foram 23.9°C, 30.7°C, 76.7% e 56.1%, relativamente durante toda criação das aves. Os resultados da análise de variância para o desempenho de frangos caipiras alimentados durante a fase inicial de 1 aos 28 dias de idade estão apresentados na tabela.2.

Para formar as parcelas experimentais as aves foram selecionadas com base no peso corporal de forma a obter parcelas com menor variação de peso, conforme as recomendações propostas por

Tabela 2: Desempenho de frangos tipo caipira alimentados com inclusão de subprodutos do abacaxi, caju ou maracujá Tratamentos Controle 10% RA 10% RC 10% RM Ganho de peso (Kg/ave) 0,477 0,462 0,467 0,511 Consumo de ração (Kg/ave) 0,858 0,985 0,954 0,950 Conversão alimentar 1,80B 2,14A 2,05AB 1,86 AB Na linha, médias seguidas de letras diferentes diferem entre si pelo teste SNK (p < 0,05). Variáveis

Comparando os resultados estatísticos da variável ganho de peso, não verificou-se diferença significativa entre a ração formulada com subprodutos de frutas tropicais em relação a ração controle. As aves alimentadas com as rações contendo farelo de resíduo de abacaxi, caju e maracujá desidratado tiveram conversão alimentar similar ao daquelas alimentadas com a ração controle. Resultado esse controverso foi encontrado por Freitas et al. (2011), quando verificou a substituição do farelo de soja pelo farelo do coco, promovendo a redução no consumo de ração e no ganho de peso, bem como prejuízo da conversão alimentar na fase inicial.

Média

CV (%)

0,48 0,94 1,96

10,41 12,74 9,42

Porém, no trabalho realizado por Osei e Twumasi (1989), os quais observaram a substituição de 10% do milho por raspa de mandioca na ração de engorda, não evidencia efeitos negativos no desempenho dos frangos de corte. Quando a variável analisada foi o consumo de ração pode ser notar que não houve diferença significativa na comparação da ração controle com a rações á base de subproduto. Vieira et al. (2008) também encontrou valores parecidos ao ser avaliando a inclusão do farelo de manga (0,0; 2,5; 5,0; 7,5 e 10,0%), na alimentação de aves durante o período de 1 a 21 dias, verificou que não houve 57


Caderno de Experiências diferença significativa no consumo de ração em todos os níveis testados. Na etapa inicial do experimento (1 a 28 dias), não houve diferença significativa na conversão alimentar das aves que receberam SCD e SMD na sua dieta. Entretanto, aves que foram alimentadas com resíduo de abacaxi (10%) apresentaram diferença significativa na conversão alimentar quando comparadas com aquelas alimentadas com a ração controle. Efeito esse encontrado com os resultados de Ojewola et al. (2004), analisando o uso de farelo de castanha de caju na ração inicial. Oliveira e Couto (1985), os resíduos de abacaxi usadas na alimentação de aves fica limitada devido ao elevado teor de fibras, promovendo uma diminuição na digestibilidade total da ração na fase inicial. Diógenes et al., (2013), proporão que o resíduo do abacaxi seja restrito apenas para alimentação de aves adultas da linhagem Label Rouge, concordando com os dados encontrados neste trabalho.

Revista caatinga, julho/setembro 2007.

v.20,

n.3,

p.42-48,

CORREIA, M.X. de C et al. Utilização de resíduos agroindustriais de abacaxi destilado na alimentação em dietas para caprinos de crescimento: digestabilidade e desempenho. Revista Brasileira de Zootecnia, v.35, n.4, p.1822-1828, 2006(supl). DIÓGENES, G.V; ARRUDA A.M.V. de; VASCONCELOS, N.V. B. Resíduo Agroindustrial do Abacaxi em Rações para Aves. Congresso Nordestino de produção animal.FortalezaCE,2013. GADELHA, A. J. F.; ROCHA, C. O.; VIEIRA, F. F.; RIBEIRO, G. N. Avaliação De Parâmetros De Qualidade Físico-Químicos De Polpas Congeladas De Abacaxi, Acerola, Cajá E Caju. Revista Caatinga, vol. 22, n.1, p. 115-118, 2009.

Considerações Finais

LOUSADA JÚNIOR, J. E. et al. Caracterização físico-química de subprodutos obtidos do processamento de frutas tropicais visando seu aproveitamento na alimentação animal. Revista Ciência Agronômica, v. 37, n.1, p.70-76, 2006.

O farelo do resíduo do caju e maracujá podem ser usados na alimentação das aves substituindo 10% do valor total do milho triturado, na fases inicial da criação, pois inclusão dos resíduos não interferi no ganho de peso e conversão alimentar das aves. Já o farelo do abacaxi apresentou restrição quanto a substituição de 10% do milho total, o que não exclui o uso em taxas menores que 10% caso seja feito novos trabalhos para verificação do percentual que não interfira negativamente. Assim, inclusão de subprodutos de caju e maracujá podem substituir o milho, diminuindo a poluição do meio ambiente e reduzindo custos com a ração.

LOUSADA JÚNIOR, J. E. et al. Consumo e digestibilidade aparente de subprodutos do processamento de frutas em ovinos. Revista Brasileira de Zootecnia, v.34, n.2, 2005. FERRARI, R. A; COLUSSI, F; AYUB, R.A. Caracterização de subprodutos da industrialização do maracujá- aproveitamento das sementes. Revista Brasileira de Fruticultura, Jaboticabal - SP, v. 26, n. 1, p. 101-102, 2004.

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Pesquisa em Foco OLIVEIRA, M. A.; COUTO, F. A. A. Uso dos restos culturais do abacaxizeiro na alimentação bovina. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 11, n. 130, p. 76-78, 1985.

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Caderno de Experiências

PREFERÊNCIA ALIMENTAR DE FRANGOS DE CORTE DE CRESCIMENTO LENTO SUBMETIDOS A DIFERENTES RESÍDUOS DE FRUTAS

1 Introdução

Francisco Luiz de Sousa Silva Agronomia/UFCA luiz.sousasilva@hotmail.com

Janinny Nobre Duarte Agronomia/UFCA janinny-duarte@bol.com.br

Joaquim Furtado de Macêdo Agronomia/UFCA Joaquim.do@hotmail.com

Ermesson Mascarenhas da Silva Agronomia/UFCA ermesson.ufc@hotmail.com

José Valmir Feitosa Professor/UFCA feitval@ufc.br

Irani Ribeiro Vieira Lopes Professor/UFCA iranirvl@cariri.ufc.br

Assim, os resíduos que são produzidos em grandes quantidades e desperdiçados pela maioria das indústrias de beneficiamento de frutas apresentam potencial de utilização na alimentação animal. O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a preferência alimentar de frangos de corte de crescimento lento por rações contendo ou não resíduos de diferentes frutas.

Entre os alimentos consumidos pelo homem, o frango de corte se destaca por transformar produtos de origem vegetal em proteína de alta qualidade. Porem no sistema de criação dessas aves a alimentação é o maior gasto, correspondendo a, aproximadamente, 80% do custo total da produção. De acordo com Ramos et al. (2006) a importação de milho e soja de outros estados e países (no caso do milho) devido à baixa disponibilidade regional de grãos, e as oscilações sazonais nos preços desses ingredientes são os fatores que mais contribuem para a elevação dos custos. Nesse contexto, nutricionistas e avicultores têm empreendido crescentes buscas por alimentos “alternativos” que possam ser utilizados na formulação de rações sem prejudicar o desempenho e as características de carcaça das aves. O uso de resíduos gerados durante o processamento de frutas para extração de polpa pode ser uma alternativa viável para substituir em parte ou completamente o milho e a soja nas composições das rações animais por serem ingredientes de baixo custo, disponíveis em várias regiões do estado e em algumas épocas do ano. Silva et al. (2013) demonstraram que a quantidade de resíduos gerados durante a extração da polpa em agroindústrias regionais pode chegar a 60%, no caso da graviola. Assim, o autor conclui que, a elevada produção de resíduos justifica que cada vez mais as indústrias se preocupem em pesquisar formas corretas e sustentáveis de aproveitamento ou de descartes desse material. Considerando que a quantidade de resíduos gerados nas agroindústrias pode chegar a muitas toneladas, Schieber et al. (2001) ressaltaram que mais pesquisas científicas e tecnológicas devem ser realizadas para que esse material seja utilizado de forma eficiente, econômica e segura. Alguns trabalhos têm demonstrado que, mesmo após o processo de retirada do suco, o resíduo (casca, caroço ou sementes e bagaço) ainda apresenta nutrientes, tais como, vitaminas, minerais e, principalmente, carboidratos (MACÊDO et al., 2013; SILVA et al., 2013).

2 Fundamentação Teórica Uma nova vertente da avicultura foi consolidada com a introdução de um novo conceito de sistema de produção, denominada avicultura “caipira”. A ave caipira é aquela proveniente de uma criação cuja alimentação deve ser suprida basicamente por alimentos naturais como pasto, capim picado, insetos, minhocas, etc. Este conceito permanece inalterado; mudou a qualidade das aves criadas nesse sistema, onde-se melhorou a genética, aumentou a precocidade e o crescimento sem a perda das características de aves caipiras. Nesse novo contexto surgiu o conceito de Avicultura Alternativa, como sendo um sistema ecologicamente correto e socialmente justo de produção de “carne e ovos caipira” (COSTA, 2005). A criação de aves alternativas é uma tendência mundial crescente, fortemente disseminada na Europa, principalmente na França, onde este tipo de carne já ocupa 30% do mercado de carne de aves. A avicultura alternativa chegou ao Brasil no início da década de 90, e atualmente ocupa uma fatia de mercado correspondente a, aproximadamente, 0,5% do mercado avícola industrial. O consumo deste tipo de carne no Brasil ganhou muito mercado a partir daquela década. De lá para cá, a produção brasileira quase dobrou, passando de 2,3 para 4,2 milhões de toneladas por ano. Hoje consome-se 60% mais do que há cinco anos, o que promete altos rendimentos às granjas bem estruturadas de todo o país (GESSULI, 1999). Por outro lado, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas, com uma produção de 40 milhões de toneladas ao ano, mas participa apenas com 2% do comércio global do setor, o que demonstra o forte consumo interno (ANUÁRIO BRASILEIRO DE FRUTICULTURA, 2010). 60


Pesquisa em Foco A área plantada com frutas no País é de aproximadamente 1,9 milhão de hectares. As frutas que mais contribuem no volume total da produção brasileira são a laranja, banana, abacaxi, melancia e mamão, que, juntas, somam aproximadamente 30 milhões de toneladas (IBGE, 2009). Segundo Nascente et al. (2005) o abacaxi (Ananascomosus L. Merril) é uma planta de clima tropical, originário do Brasil, monocotiledônea, herbácea e perene da família Bromeliaceae, O fruto é utilizado tanto para o consumo in natura quanto na industrialização, em diferentes formas: pedaços em calda, sucos, pedaços cristalizados, geléias, licor, vinho, vinagre e aguardente. Como subproduto desse processo industrial pode-se obter ainda: álcool, ácidos cítrico, málico e ascórbico; rações para animais e a bromelina (enzima muito utilizada como digestivo e anti-inflamatório). O cajueiro (Anacardium occidentale) é originário do continente americano e ocupa lugar de destaque entre as plantas frutíferas tropicais, em face da crescente comercialização da amêndoa e do líquido de castanha de caju (LAVEZZO, 1995). O maracujá (Passiflora edulis Sims f. flavicarpa) Deg, é um fruto nativo das Américas Central e do Sul, cultivado em países de climas subtropical e tropical. Da produção brasileira de maracujá, 53% são destinadas ao consumo interno in natura e 46% para a indústria de sucos e derivados (BRIGNANI NETO, 2002). Segundo Botelho et al. (2002), Ferreira et al. (2004) e Oliveira et al. (2002), estudando o rendimento do abacaxi, caju e maracujá, respectivamente, o processo de industrialização dessas frutas, na extração do suco, gera quantidades significativas de resíduos. Portanto, constitui-se um grande desafio para as indústrias de alimentos, aproveitarem de forma viável esses materiais, para que se tornem benefícios financeiros e deixem de ser um problema social (BOTELHO et al., 2002). Diógenes et al. (2013) avaliando o resíduo agroindustrial do abacaxi na alimentação de aves, verificou que o mesmo apresentou baixo valor nutritivo e promoveu diminuição na digestibilidade total da ração. Segundo os autores esse alimento deve ser utilizado com cautela ou de maneira restrita em programas de alimentação para aves adultas Label Rouge. Ramos et al. (2006) trabalhando com polpa de caju desidratada em rações para frangos de corte constataram que a inclusão de até 15% da polpa não

afetou o desempenho nem as características de carcaça das aves. De acordo com resultados encontrados em pesquisa realizada por Togashi et al. (2007), a utilização de subprodutos de maracujá em dietas para frangos de corte aumenta significativamente os níveis de ácidos graxos insaturados. 3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi realizado na estação experimental da Universidade Federal do Cariri, Campus Crato. O período total de criação das aves foi de cinco de maio a 15 de julho, 70 dias no total. Entretanto, o período referente ao experimento foi de oito a 14 de junho. O estudo foi realizado em cinco galpões convencionais, com uma parte coberta e dividido em quatro piquetes. A área coberta, o piso cimentado e coberto com palha de arroz. Para aquecimento das aves e iluminação nas instalações foram utilizadas lâmpadas incandescentes de 100 watts. O registro das temperaturas máximas e mínimas e da umidade relativa do ar foi realizado por meio de dois termohigrômetros alocados nos piquetes. Foram adquiridos 240 pintos com um dia de idade, de ambos os sexos, da linhagem pescoço pelado vermelho. Na fase inicial as aves receberam rações contendo 2.950 kcalEM/kg e 20,12% PB. No período de um a 28 dias de idade os pintinhos foram vacinados contra NEWCASTLE por via ocular, sendo dado o manejo convencionalmente adotado para aves nessa fase. Para o experimento foram selecionados 10 frangos machos na fase de crescimento, todos pesados e identificados. Os animais foram submetidos a quatro tipos de rações de crescimento com 17,87% PB e 3.050 kcal EM/kg; três delas formuladas com a inclusão de 10% de resíduos de abacaxi, caju e maracujá, em substituição ao milho, e uma ração controle composta de milho e farelo de soja. A composição dos diferentes tipos de rações de crescimento utilizadas na alimentação das aves durante o experimento, podem ser observadas na tabela 1.

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Caderno de Experiências Tabela 1 - Composição percentual das rações de crescimento utilizadas para frangos de crescimento lento. Ingredientes Milho grão Soja farelo, 45% Fosfato Bicálcico Óleo de soja Calcário Sal comum Premix1 DL- metionina, 99% Bac-zinco Coxistac Cloreto de colina Resíduos

Controle

Resíduos 10% RA

10% RC

10% RM

67,24 27,71 1,13 1,73 1,36 0,41 0,20 0,07 0,05 0,05 0,05 0,00

60,52 60,52 60,52 27,71 27,71 27,71 1,13 1,13 1,13 1,73 1,73 1,73 1,36 1,36 1,36 0,41 0,41 0,41 0,20 0,20 0,20 0,07 0,07 0,07 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 6,72 6,72 6,72 TOTAL 100,00 100,00 100,00 100,00 Níveis de garantia por kg do produto: Vitamina A 5.500.000 UI, Vitamina B1 500 mg, Vitamina B12 7.500 mcg, Vitamina B2 2,502 mg, Vitamina B6 750 mg, Vitamina D3 1.000.000 UI, Vitamina E 6.500 UI, Vitamina K3 1.250 mg, Biotina 25 mg, Niacina 17,5 g, Ácido fólico 251 mg, Ácido pantotênico 6.030 mg, Cobalto 50 mg, Cobre 3.000 mg, Ferro 25 g, Iodo 500 mg, Manganês 32,5 g, Selênio 100.05mg, Zinco 22,49g.

Durante o período experimental os dados de temperatura e umidade foram coletados no início da manhã e no final da tarde, ao mesmo tempo em que era realizada a limpeza dos bebedouros e o abastecimento dos comedouros. Nessa ocasião também era realizada a troca de posição dos comedouros de modo que este fator não influenciasse o consumo voluntário das aves. As variáveis estudadas foram o consumo de ração e ganho de peso individual. A determinação do consumo de ração foi feita pela diferença entre a quantidade inicial fornecida e as sobras no final do experimento. Para avaliar o ganho de peso, as aves foram pesadas a cada três dias. A curva de crescimento das aves foi estimada através de uma regressão polinomial de primeiro grau.

Figura 1. Consumo dos diferentes tipos de ração.

4 Resultados e Discursão

De acordo com os relatos de Beterchini et al. (1991) e Barbosa (2003), as aves consomem alimentos buscando prioritariamente satisfazer as suas necessidades energéticas, desde que o trato digestivo não se constitua em limitação. Para Scott et al. (1976) o nível de energia na ração parece ser o fator mais importante para definir o consumo, e que, dentro de uma determinada faixa, é o nível de energia que regula o consumo de ração para aves. Poedeiras e perus jovens e frangos de corte mostraram habilidade em balancearem suas próprias dietas a partir de acesso a certos alimentos que, quando oferecidos isoladamente, não atendiam as suas exigências nutricionais (FORBES; SHARIATMADARI, 1994).

As médias das temperaturas máximas e mínimas observadas nos piquetes foram de 31,0ºC e 22,0ºC, respectivamente. Os valores médios das umidades relativas máximas foram de 76,7% e as mínimas, de 47,2%. Observou-se nessa pesquisa uma variação considerável na preferência das aves pelos diferentes tipos de rações, onde a mais consumida foi a que continha resíduo de cajú, enquanto a menos aceita, continha resíduo de maracujá, como pode ser observado no Figura 1.

62


Pesquisa em Foco Também foi verificado por Rose e Kyriazakis (1991) que frangos de corte conseguiram selecionar sua dieta a partir do acesso a nove diferentes gêneros alimentares, que proviam os animais de proporções similares dos nutrientes recomendados. Segundo Holder (1990), o gosto e o cheiro são os dois sentidos mais importantes no momento da refeição, e que a visão e a audição são importantes para as aves. Já, Forbes (2001), afirma que o processo de seleção dos alimentos pelos animais na busca por satisfazer suas exigências, engloba, sabor, cor, textura e possivelmente até o ambiente em que normalmente é consumido. Nessa pesquisa, o maior consumo da ração contendo resíduo de caju em detrimento das demais pelas aves pode ser atribuído ao cheiro mais atraente, ao sabor ou até mesmo a cor do resíduo utilizado, uma vez que cada resíduo apresenta características peculiares à fruta que lhe deu origem. Em relação ao ganho de peso, a equação estimada mostrou um ajuste de 96,7% de significâncea, onde as aves apresentaram maior crescimento nos três primeiros dias, em comparação com o intervalo seguinte. A partir da equação, dentro desse mesmo intervalo, pode-se fazer uma estimativa de quanto em média as aves estariam pesando. Se no intervalo de seis dias as aves atingiram um peso de 1,101 kg, dentro desse mesmo intervalo de dias, a estimativa para o peso dos frangos em nove dias seria de 1,254 kg. No entanto, se for usado uma quantidade de dias fora do intervalo, tem-se uma previsão de quanto as aves estarão pesando. Um exemplo seria se fosse desejado saber o peso das aves com quatro e sete dias de idade; a previsão seria de 0,999 e 1,152 kg (Figura 2).

Considerações Finais A ração de crescimento em que 10% do milho foi substituído por resíduo de caju foi a mais consumida pelos frangos de corte de crescimento lento. Referências ANUÁRIO BRASILEIRO DE FRUTICULTURA 2010. Santa Cruz do Sul: Editora Gazeta, 2010. 129 p. IBGE. Censo agropecuário 2009: lavoura permanente e temporária. Disponível em: <http:// http:// www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=rs> . Acesso em: 30 out. 2014. BARBOSA, F.J.V. Desempenho, metabolismo e avaliação de carcaça de frangos de corte submetidos a diferentes níveis de energia metabolizável em Teresina, Piauí. Teresina: UFPI, 2003. 83 p. Dissertação (Mestrado em Ciência Animal). BETERCHINI, A.G. et aI. Efeitos da temperatura ambiente e do nível de energia na ração sobre o desempenho e a carcaça de frangos de corte. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 20, n. 3, p. 218-228. 1991. BOTELHO, L et al. Caracterização de fibras alimentares da casca e cilindro central do abacaxi Smooth cayenne. Ciência Agrotécnica, Lavras, v.26, n.2, p.362-367, 2002.

Figura 2. Avaliação do ganho de peso de aves submetidos a 4 tipos de ração ao mesmo tempo.

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64


Pesquisa em Foco

EMERGÊNCIA DE PLÂNTULAS DE MARACUJÁ AZEDO SUBMETIDAS À DIFERENTES PRONFUNDIDADES DE SEMEADURA

Witalo da Silva Sales Agronomia/UFCA

Jackson Teixeira Lobo Agronomia/UFCA

Nágela Maria Henrique Mascarenhas Agronomia/UFCA

José Elanio da Silva Santos Agronomia/UFCA

Felipe Thomaz da Camara Orientador/UFCA felipe.camara@cariri.ufc.br

Edilza Maria Felipe Vasquez Orientador/UFCA edilzafelipe@cariri.ufc.br

mudas de alta qualidade e com baixo custo (LIMA & GUERREIRO, 2007).

1 Introdução As Passifloráceas são consideradas dentre as famílias cujas sementes apresentam dormência, devido aos mecanismos de controle de ingresso de água para o seu interior (WELTER et al., 2011). Desta forma, submeter às sementes a um período fermentativo, visando quebrar a dormência e/ou facilitar a germinação e consequentemente a emergência das plântulas, é uma alternativa viável para se obter uniformidade na formação das mudas. A produção de mudas sadias e bem desenvolvidas é um fator de extrema importância para qualquer cultura, no maracujazeiro não seria diferente, até porque trata-se de uma cultura semi perene. Segundo Almeida et al. (2010), as mudas de alto vigor, produzidas conforme os padrões de qualidade, são determinantes ao sucesso do pomar, proporcionando maior produtividade e redução de custos. De acordo com Araújo et al. (2009), fatores como densidade (relação massa/volume), profundidade e posição da semente na ocasião da semeadura influenciam na germinação e, consequentemente, no desenvolvimento das plântulas. Diante disso, o presente trabalho teve como objetivo analisar a influência da profundidade de semeadura na emergência de sementes de maracujá amarelo ou azedo fermentadas por um período de 48 horas.

O Brasil é o maior produtor mundial de maracujá, apresentando produção de 684 mil toneladas numa área aproximada de 48.700 ha (Agrianual, 2011). As Passifloráceas são consideradas dentre as famílias cujas sementes apresentam dormência, devido aos mecanismos de controle de ingresso de água para o seu interior (WELTER, 2011). Segundo Pereira & Dias: a germinação de sementes de maracujá é influenciada pela presença do arilo, capa de constituição gelatinosa, rica em pectina, que envolve completamente as sementes. Aliado ao fato de constituir uma barreira à germinação, o arilo pode conter substâncias reguladoras de crescimento, as quais podem contribuir para a desuniformidade (PEREIRA & DIAS, 2000).

Segundo Carvalho: a fermentação (os microrganismos do meio realizam processos fermentativos na polpa) aparece como uma alternativa viável e simples para uniformizar a germinação de plântulas de maracujá. A retirada do arilo pode ser realizada através de fermentação da mucilagem por períodos de até seis dias, em recipientes de louça ou vidro, sendo em seguida lavadas e secadas à sombra (CARVALHO, 1974).

2 Fundamentação Teórica De acordo com Faleiro et al. (2008), Passiflora edulis Sims. (maracujá azedo) e Passiflora alata Curtis (maracujá doce) são as espécies mais cultivadas, sendo estimado que essas duas espécies ocupem mais de 90% da área cultivada no mundo. Segundo Lima & Guerreiro: o maracujazeiro no Brasil, nos últimos anos, tem apresentado grade expansão frente ao maior consumo desta fruta no país e no mundo. Assim há a necessidade de garantir maior produção desta fruteira. Uma alternativa é a utilização de

Segundo Matos: a profundidade de semeadura é específica para cada espécie a qual propicia germinação e emergência de plântulas uniformes que se traduzem na obtenção de adequado estande.

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Caderno de Experiências Profundidades de semeaduras excessivas podem impedir que a plântula ainda frágil emerja à superfície do solo; por outro lado, se reduzidas, predispõem as sementes a qualquer variação ambiental, como excesso ou déficit hídrico ou térmico, as quais podem dar origem a plântulas pequenas e fracas (MATOS et al., 2013).

fórmula de Maguire (1962). Sendo os resultados obtidos de caráter adimensional, onde os maiores valores representam uma velocidade de emergência maior. IVE = (G1/N1) + (G2/N2) + (G3/N3) + ... + (Gn/Nn), em que: IVE = índice de velocidade de emergência; Onde: G1, G2, G3, ..., Gn = número de plântulas computadas na primeira, segunda, terceira e última contagem; N1, N2, N3, ..., Nn = número de dias da semeadura à primeira, segunda, terceira e última contagem. Tempo médio de emergência - obtido através de contagens diárias das plântulas emergidas até o vigésimo sétimo dia após a semeadura e calculado através da fórmula abaixo, proposta por Labouriau (1983), sendo os resultados expressos em dias. TME = Σ (ni ti) / Σ ni, em que: TME = tempo médio de emergência (dias); ni = número de plântulas emergidas no intervalo entre cada contagem; e ti = tempo decorrido entre o início da emergência e a i-ésima contagem. Os dados foram tabulados e submetidos à análise de variância e ao teste de comparação e médias de Tukey a 5% de probabilidade por meio do programa estatístico SISVAR versão 5.3.

3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi conduzido no Centro de Ciências Agrárias e da Biodiversidade da Universidade Federal do Cariri – UFCA. Localizado no município de Crato, sul do estado do Ceará, de latitude: -07° 14’ 03” e longitude: -39° 24’ 34”. As sementes foram extraídas de frutos maduros, juntamente com os arilos, o suco e restos da placenta, e foram colocadas para fermentar por um período de 48 horas, essas foram mantidas em ambiente natural de laboratório, sob ação dos microrganismos do ambiente que contribuem no processo fermentativo. Após o período de fermentação, as sementes foram lavadas com auxílio de peneira para a retirada do arilo (cobertura carnuda de certas sementes, formado a partir do funículo) e postas para secar na sombra por 24 horas. As sementes foram semeadas em recipientes (copos plásticos de 150 mL), tendo como substrato uma relação de 2:1 entre o latossolo vermelho-amarelo e esterco ovino. Os recipientes foram irrigados diariamente, pela manhã, utilizando regadores. Adotou-se o delineamento experimental inteiramente casualizado, tendo como tratamentos três profundidades de semeadura diferentes (T1 = 1 cm; T2 = 2 cm; e T3 = 4 cm), com quatro repetições, contendo 20 sementes cada. As contagens de emergência de plântulas se iniciaram ao décimo segundo dia após a semeadura (DAS), e continuou a ser feita diariamente durante 14 dias. Com todos os dados armazenados utilizouse o programa Excel, para computar e gerar os dados de porcentagem de emergência (% E), o índice de velocidade de emergência (IVE) de unidade adimensional e o tempo médio de emergência (TME) tendo como unidade dias. Emergência - realizado no décimo segundo dia após a semeadura, por ocasião do final do experimento, considerando-se germinadas as sementes que emitiram plântulas visíveis. Os resultados foram expressos em porcentagem média com base no número de plântulas emergidas. Índice de velocidade de emergência - calculado pelo somatório do número de sementes germinadas a cada dia, dividido pelo número de dias decorridos entre a semeadura e a germinação, de acordo com a

4 Resultados e Discussão Os tratamentos não diferiram estatisticamente para os três parâmetros avaliados (IVE, TME e % E). O Índice de Velocidade de Emergência demonstra coerência numérica, podendo-se observar que a menor profundidade (1 cm) obteve o melhor valor para o IVE e a maior profundidade (4 cm) obteve o pior IVE. Tabela 1. Síntese da análise de variância e do teste de médias para o Índice de Velocidade de Emergência (IVE), Tempo Médio de Emergência (TME) e Porcentagem de Emergência (% E) Tratamentos

IVE

TME

%E

Profundidade T1 - 1 cm

6,83a

2,46a

61,25ª

T2 - 2 cm

6,77a

2,89a

67,5ª

T3 - 4 cm 5,53a 2,63a 63,75ª Médias seguidas pela mesma letra minúscula na coluna, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

No estudo, notou-se que a uniformidade de emergência aumentou em função do aumento da profundidade, quando se leva em consideração o IVE, mas que as profundidades mais superficiais (1 e 2 cm) obtiveram valores numéricos mais 66


Pesquisa em Foco Figura 1. Médias do Índice de Velocidade de Emergência (IVE), Tempo Médio de Emergência (TME) e Porcentagem de Emergência (%E) em função das plântulas emergidas de maracujá azedo semeadas em diferentes profundidades.

satisfatórios para esta variável, mas com uma variação na emergência maior. No TME, o tratamento T2 foi onde as plântulas demoraram mais tempo para emergir, mas teve a melhor uniformidade de emergência de plântulas entre os tratamentos. Tabela 2: Dispersão estatística em relação a média Tratamento Profundidade

IVE

TME

%E

DESVIO PADRÃO

T1 - 1 cm

1,15

0,47

11,81

T2 - 2 cm

1,07

0,13

5,00

T3 - 4 cm

0,81

0,27

11,81

O tempo médio de emergência permite observar uma superioridade numérica do tratamento T1 sobre os demais, demonstrando um menor tempo de emergência na menor profundidade avaliada. Segundo Matos: profundidades de semeaduras excessivas podem impedir que a plântula ainda frágil emerja à superfície do solo; por outro lado, se reduzidas, predispõem as sementes a qualquer variação ambiental, como excesso ou déficit hídrico ou térmico, as quais podem dar origem a plântulas pequenas e fracas (MATOS et al., 2013).

Considerações Finais O presente experimento foi conduzido no mês de junho de 2014 no Centro de Ciências Agrárias e Biodiversidade da UFCA com o intuito de observar a influência de diferentes profundidades de semeadura no cultivo de sementes de maracujá azedo fermentadas por 48 horas, ao final do experimento e após a avaliação dos parâmetros (IVE, TME e %E) e as análises estatísticas, pode-se observar que não houve diferença estatística entre os tratamentos, ou seja, que para as profundidades observadas não ocorreram diferenças significativas. Pode-se observar uma superioridade numérica do tratamento T2 (2 cm) para a porcentagem de plantas emergidas. Com isso pode-se recomendar a utilização do tratamento T2 para os produtores de mudas, por esse método conseguir uma efetividade maior na produção de mudas dessa espécie. Recomenda-se a utilização experimental de outros períodos fermentativos que possam ser mais efetivos para a cultura do maracujá, combinados com as profundidades avaliadas nesse experimento, para poder determinar métodos mais efetivos de produção dessas mudas.

Para a porcentagem de emergência, o tratamento T2 foi matematicamente o resultado que obteve superioridade em comparação com os demais, isso pode ser explicado em função das sementes semeadas na profundidade de 4 cm (T3) terem encontrado maiores dificuldades de emergir por não ter grandes reservas energéticas para vencer a resistência do solo e pelas sementes semeadas na profundidade de 1cm (T1) sofrerem uma maior influência das condições ambientais. A hipótese proposta por (Meletti & Maia, 1999) de que sementes fermentadas apresentam maior porcentagem e uniformidade de emergência, mostra que a fermentação tem um efeito mais significativo do que a influência de diferentes profundidades de semeadura no maracujá azedo, isso pode ser explicado por os tratamentos não diferirem estatisticamente para os parâmetros avaliados.

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Pesquisa em Foco

INFLUÊNCIA DE AMBIENTES ANTROPIZADOS SOBRE A ENTOMOFAUNA DO ARAJARA PARK 1 Introdução

Maria Leidiane Lima Pereira Agronomia/UFCA

Raul Azevedo Agronomia/UFCA

Itamizaeli da Silva Santos Agronomia/UFCA

Antônio Carlos Leite Alves Agronomia/UFCA

Antônio Edgar Mateus Agronomia/UFCA

Francisco Roberto de Azevedo Professor/UFCA

por encontrar na cidade um novo ambiente a ser explorado (ISERHARD et al., 2001). O Arajara Park, apesar de ser uma Unidade de Conservação Estadual, exibe influência antrópica devido às instalações existentes no interior do parque baseados na exploração dos recursos hídricos (MOURA, 2013), ofertando ou reduzindo assim a disponibilidade de nichos para existência de diversas espécies. Muitas vezes a expansão de áreas urbanas ou modificadas pelo homem sobre ambientes naturais acabam provocando destruição de inúmeros microhábitats de diversas espécies. Sabendo-se da importância da ação dos insetos diretamente nos sistemas biológicos é importante que seja dada a devida atenção à preservação ambiental e utilização de práticas sustentáveis para manter o equilíbrio (ISHERHARD et al., 2011). Os bioindicadores, conforme Thomanzini; Thomanzini (2000) e Büchs (2003) devem ter sua taxonomia, ciclo e biologia bem conhecidos e possuir características de ocorrência em diferentes condições ambientais ou serem restritos a certas áreas. Além disso, devem ser sensíveis às mudanças do ambiente para que possam ser utilizados no monitoramento das perturbações ambientais. Diante desse contexto, a utilização de insetos em inventários e estudos ambientais, permite averiguar as alterações ocasionadas pelo próprio ambiente, bem como, as causadas por antropização (MARINHO et al.,1997; NASCIMENTO et al., 2001)

Os insetos exercem importante papel nos mais diferentes ecossistemas, papel este que se encontra intimamente ligados às suas favoráveis ações ambientais, tais como decomposição de matéria orgânica, ciclagem de nutrientes, polinização, dispersão de sementes e importantes agentes no controle biológico de pragas atuando como seus inimigos naturais (LOPES, 2008). Os insetos são sensíveis às mudanças ambientais e esse fato está atribuído à estreita interação inseto-ambiente bem como os processos ecológicos naturais, podendo vir a ser importantes bioindicadores, aptos a indicar mudanças no seu habitat, poluição, contaminação, destruição, etc. Estudos relacionados à entomofauna é uma forma básica de se obter informações sobre a influência da ação antrópica no ambiente e posteriormente fazer um acompanhamento dessas ações, pois há uma diminuição no número de ordens, famílias e espécies de insetos uma vez que a antropização torna-se mais intensa. (THOMANZINI; THOMANZINI, 2002), de modo que é necessário que haja um equilíbrio ambiental para garantir a diversidade desses indivíduos, onde vários fatores estão envolvidos, sendo a vegetação um fator decisivo quando se fala em biodiversidade (RICKLEFS, 2001). Portanto, o objetivo deste estudo foi caracterizar a entomofauna do Arajara Park e observar a influência da antropização nas comunidades de insetos existentes nessa área de conservação estadual.

3 Procedimentos Metodológicos A amostragem da área foi realizada no interior do Arajara Park, localizado em Barbalha-CE (7º19’59,1” S e 39º24’39,3” W) durante os meses de Setembro e Outubro de 2014. No interior do parque, foram demarcados cinco áreas de coleta (I – Trilha, II - Restaurante, III – Pesque-Pague, IV Chalés e V - Mata), de modo que em cada área citada, foram selecionados quatro pontos amostrais, totalizando assim, 20 pontos distantes entre si a pelo menos 20 metros. Em cada ponto amostral foi instalado uma armadilha do tipo MacPhail contendo uma 400 mL de uma solução (água + açúcar mascava) a uma concentração de 100g / L. Cada armadilha permaneceu operante por sete dias e seu conteúdo foi recolhido semanalmente e este por sua vez foi analisado no Laboratório de Entomologia Agrícola da Universidade Federal do Cariri – UFCA e foi

2 Fundamentação Teórica Na natureza, as populações dos insetos flutuam em função do tempo, devido à ação de fatores ecológicos de natureza abiótica e biótica (SILVEIRA NETO et al., 1976), de modo que sua dinâmica populacional também é altamente influenciada pela heterogeneidade dentro de um mesmo habitat (THOMAZINI; THOMAZINI, 2000), devido a existência de micro habitats e uma ampla gama de condições e recursos oferecidos. Geralmente a fauna urbana é pouco diversificada quando comparada a ecossistemas não urbanos e apresenta algumas poucas espécies dominantes. Essas espécies podem atingir uma biomassa muitas vezes superior à observada em ambientes naturais, 69


Caderno de Experiências triado e identificado em nível de famílias com o auxílio de chaves de identificação contidas em Buzzy (2008) e Triplehorn; Johnson, 2011. Possíveis diferenças entre as médias dos indivíduos coletados entre as áreas foram avaliadas pelo teste de Kruskall-Wallis. Diferenças entre a composição da fauna de cada área foi avaliada por meio do teste do Qui-Quadrado. Foi gerada uma Análise de Agrupamento do tipo UPGMA, utilizando-se algoritmo Distância Euclidiana. Todas as análises foram realizadas por meio do pacote estatístico PAST (HAMMER et al., 2001).

4 Resultados e Discussão Foram coletados 3.094 insetos ao longo de todas as cinco áreas de pesquisa (Tabela 1). A área de Mata (V) foi a que teve maior abundância, enquanto que a área do restaurante (II) foi a área que teve menor número de indivíduos coletados. A área dos chalés (IV) obteve maior riqueza de famílias (14), seguido pela área de Mata (13), e por sua vez, a que se observou menor riqueza, foi a do ecossistema Pesque-Pague (III) (Tabela 1).

Tabela 1: Entomofauna coletada nas cinco áreas de pesquisa no interior do Arajara Park, Barbalha-CE, 2014. Abundância / Áreas Classe Arachnida

Ordem

Família

Pseudo-Escorpione

I

II

III

IV

V

Total

F%

0

0

1

0

0

1

0%

Blattodea

Blattidae

35

5

8

2

21

71

2%

Coleoptera

Bostrichidae

0

0

0

3

0

3

0%

Chrysomelidae

0

0

0

0

1

1

0%

Cerambycidae

1

0

0

0

0

1

0%

Curculionidae

2

0

0

1

0

3

0%

Scolytidae

8

4

0

1

2

15

0%

Scarabaeidae

0

0

0

1

0

1

0%

Ascilidae

1

0

0

0

0

1

0%

Calliphoridae

0

0

1

3

0

4

0%

Drosophilidae

10

4

32

98

8

152

4%

Muscidae

13

39

21

0

13

86

2%

Sarcophagidae

0

1

0

1

1

3

0%

Tephritidae

1

0

2

2

2

7

0%

Tipulidae

0

1

0

1

1

3

0%

Apidae

2

9

10

19

3

43

1%

Formicidae

630

81

598

127

756

2192

56%

Vespidae

185

189

300

308

236

1218

31%

Neuroptera

Chrysopidae

16

17

11

25

25

94

2%

Odonata

Libellulidae

0

1

0

0

0

1

0%

Orthoptera

Gryllidae

0

1

0

0

3

4

0%

Total de Indivíduos

904

352

984

592

1072

3.904

100%

Total de Famílias

12

12

10

14

13

Diptera

Hymenoptera

Legenda das áreas: I - Trilha; II - Restaurante; III - Pesque-Pague; IV - Chalé, V - Mata.

Um exemplar de Pseudo-Escorpião (Arachnida: Pseudo-escorpione) foi coletado na área de pesquepague. A ocorrência do exemplar de pseudoescorpião se deve ao comportamento de forésia em diversos insetos voadores (AGUIAR; BUHRNHEIM, 1998). Não foi possível observar diferenças significativas entre as médias dos indivíduos coletados entre as

áreas (Kruskall-Wallis, α > 0,05), evidenciando que todas as áreas amostradas encontram-se bem preservadas. Contudo, observou-se por meio do teste do qui-quadrado (α < 0,05) que as áreas diferem entre si, sugerindo que os diferentes graus de antropização causam interferência na dinâmica dos ecossistemas em questão. O dendograma gerado permitiu a observação de dois grupos 70


Pesquisa em Foco distintos (Figura 1), cujo primeiro, caracteriza-se pela presença das áreas mais antropizadas (Chalé e Restaurante, respectivamente) e o segundo por sua vez, apresenta dois subgrupos, iniciados pela área de mata e por um subgrupo mais distante e menos antropizado, a área de trilha e pesque-pague.

O índice de Shannon (H) exibiu maior valor para a área do restaurante e em seguida a área dos chalés (Figura 2 A) devido ao fato de dar maior peso as espécies raras (MAGURRAN, 1988). Tal comportamento dos índices de diversidade pode refletir uma diferenciação da composição da fauna existente, sugerindo que a ação antrópica por meio das edificações contribua para a redução da riqueza de espécies. O índice de Simpson (1-D) por sua vez também exibiu valores elevados (Figura 2B) para as áreas do restaurante e chalé, sugerindo que as espécies que ocorram nessas áreas sejam dominantes sobre as demais, ou seja, apresentem abundância maior que as demais. O índice de Pielou ou Equabilidade expressa a maneira como os indivíduos estão distribuídos entre as espécies (MAGURRAN, 1988), indicando assim se o número de indivíduos foram semelhantes ou divergentes, variando entre 0 e 1. Os maiores valores observados foram 0.56 e 0.52 (Figura 1C) para as áreas de Restaurante e Chalé, exibindo equabilidade média.

Figura 1: Dendograma gerado pelo método UPGMA evidenciando a formação de dois grandes grupos baseados no gradiente de antropização existente no Arajara Park.

Figura 2: Índices de Diversidade e Equabilidade para as cinco áreas amostradas do Arajara Park. Legenda: A – Índice de Shannon; B – Índice de Simspson; C – Equabilidade de Pielou.

As tendências exibidas pelos índices citados na figura 2 foram influenciados pela abundância das famílias encontradas, onde algumas merecem destaque. A família Tipulidae (Diptera) é conhecida por habitar locais próximos a corpos d´água e ambientes semi-aquáticos devido a suas necessidades ontognéticas (MOURA, 2013). Contudo, diferentemente do exposto, essa família obteve os menores valores de abundância da sua ordem. Tais valores de abundância para a tal família podem ser devido ao tipo de atrativo alimentar usado na armadilha, pois de acordo com Merritt; Cummins (1984), não só as características

dos rios, como o substrato existente alteram a riqueza e abundância das espécies de Tipulidae. Drosophilidae é caracterizada como bio-indicadora da qualidade ambiental e por possuir durante seu estágio imaturo a preferência por alimentos de origem fermentada (YEATES; WIEGMANN, 2005). O atrativo utilizado (solução açucarada) provavelmente fermentou ao longo dos dias e proporcionou dessa forma um meio de atração aos indivíduos de Drosophilidae, fornecendo assim uma fonte de carboidratos em diferentes fases e necessidades dos dípteros, como é o caso dos 71


Caderno de Experiências representantes da família Tephritidae (FILGUEIRAS, 2013). A abundância elevada das formigas pode ser justificada pelos seus hábitos alimentares. As formigas podem ser carnívoras, alimentando-se de carne de outros animais (vivos ou mortos), algumas são fitófagas, outras se alimentam de fungos e muitas se alimentam de seiva, néctar e mela exsudada de outros insetos como pulgões e cochonilhas (TRIPLEHORN; JOHNSON, 2011). Devido à presença antrópica no Arajara Park, muitas fontes alimentares são passiveis de serem encontradas, principalmente no entorno da área de restaurante e dos chalés, onde há o consumo constante de comida e produção de lixo orgânico.

GALLO, D. et al. Entomologia Piracicaba: FEALQ, 2002.

Agrícola.

HAMMER, O. et al. PAST: Paleontological statistics software package for education and data analyses. Paleontologia eletronica 4, 2001. ISHERHARD, C.A. et al. Levantamento preliminar da entomofauna noturna ocorrente no município de Três Coroas, RS. CONGRESSO DE ECOLOGIA DO BRASIL, 5. Resumos... Porto Alegre, RS, 2001. LOPES, B. G. C. Levantamento da entomofauna bioindicadora de qualidade ambiental em diferentes áreas Alto Jequitinhonha – Minas Gerais. 2008. Monografia - Escola Agrotécnica Federal de Inconfidentes, Inconfidentes, 2008.

Considerações Finais Percebe-se pelos resultados do presente estudo que o Arajara Park encontra-se bem preservado e que há uma grande preocupação com a sustentabilidade e uso dos recursos naturais do local. Contudo, mais estudos se fazem necessários para se obtiver melhores resultados a fim de se ter um melhor monitoramento da qualidade dos ecossistemas existentes no interior do Arajara Park e essas informações prospectadas servirem como medidas de manejo dessa área de preservação ambiental.

MARINHO, C. G. S.; SOARES, S. M.; DELLALUCIA, T. M. C. Diversidade de invertebrados terrestres edáficos em áreas de eucalipto e mata secundária. Acta Biologica Leopoldensia, v.19, n.2, p.157-164, julhodezembro, 1997. MERRITT, R.W.; CUMMINS, K. W. An Introduction to the Aquatic Insects of North America. Iowa: Kendall / Hunt Publishing Company, 1984.

Referências MOURA, E. S. Análise faunística de insetos de voo baixo em ecossistemas da área de proteção ambiental da chapada do Araripe. 2013. Monografia - Curso de Agronomia, Universidade Federal do Cariri, Crato 2013.

ANDOW, D. A. Vegetational diversity and arthropod population responses. Annual Review of Entomology, v.36, p.561-586, january,1991. AGUIAR, N. O.; BÜHRNHEIM, P. F. Phoretic pseudoscorpions associated with flying insects in Brazilian Amazonia. The Journal of Arachnology v.26, n.1, p.452-459, september, 1998.

NASCIMENTO, R. P. et al. Mirmecofauna do Parque natural municipal da Serra do Itapety. I. Zona de uso intensivo. In: ENCONTRO DE MIRMECOLOGIA, 15, Londrina. Resumos... IAPAR: 2001, p.339-341.

BÜCHS, W. Biodiversity and agri-environmental indicators-general scopes and skills with special reference to the habitat level. Agriculture, Ecosystems and Environment, v.98, n.1-3. p.35-78, september 2003. BUZZI, Z.J. Entomologia didática.4ª Curitiba: Editora UFPR, 2008.

PEREIRA, A. C. F. Levantamento da entomofauna noturna de uma região antropizada no Norte de Minas Gerais. In: Congresso de Ecologia do Brasil, 9, São Lourenço, Resumos... Sociedade de Ecologia do Brasil: 2009. CD-ROM SILVEIRA NETO, S.; NAKANO, O.; BARBIN, D.; VILLA NOVA, N. A. Manual de ecologia dos insetos. Piracicaba: Agronômica Ceres, 1976.

ed.

FILGUEIRAS, R. M. C. Estercos de animais domésticos como atrativo alimentar para moscas das frutas (Diptera: Tephritidae) em goiabeira (Psidium guajava L.). 2013. Monografia – Curso de Agronomia, Universidade Federal do Cariri, Crato, 2013.

THOMANZINI, M. J. THOMANZINI, A. P. B. W. Levantamento de insetos e análise entomofaunística em floresta, capoeira e pastagem no Sudeste Acreano. (Circular Técnica, 35). Embrapa Acre, 41p, 2002. 72


Pesquisa em Foco TRIPLEHORN, C. A.; JOHNSON, N. F. Estudo dos insetos. S達o Paulo: Cengage Learning, 2011.

perpectives. In: YEATS, D. K.; WIEGMANN, B. M. The evolutionary biology of flyes. New York: Columbia University Press, 2005, p.14-44.

YEATS, D. K.; WIEGMANN, B. H. Phylogeny and Evolution of Diptera: recent insights and new

73


Caderno de Experiências

PRODUÇÃO DE LEITE NA MICRORREGIÃO DO CARIRI NO DECÊNIO 2002-2012

1 Introdução

Jaiane da Silva Barbosa Evangelista Agronomia/UFCA jayany_ce@hotmail.com

Lucas Correia Santana Amâncio Agronomia/UFCA lucas.ochi.correia@gmail.com

Ailton Cezar Alves da Silva Agronomia/UFCA ailton.cezar@hotmail.com

Nayara Barbosa da Cruz Moreno Agronomia/UFCA nayarabarbosa@hotmail.com

Fabiano da Silva Ferreira Professor/UFCA fabiano@cariri.ufc.br

Francisco Roberto Dias de Freitas Professor/UFCA

que mais cresceu em participação neste período. Atualmente, o Nordeste brasileiro é responsável por 10,8 % de todo o leite produzido no país, tendo como principais estados produtores Bahia, Pernambuco e Ceará. O estado do Ceará é composto por 184 municípios, onde todos são produtores de leite. A participação do Ceará em relação à produção nacional mostrou resultados significativos em 2012, cerca de 1,42% de toda produção nacional e 13,1% da produção em todo o Nordeste (IBGE 2014). A economia cearense teve origem com a pecuária, seguindo em grau de importância o cultivo do algodão, a agricultura de subsistência e o extrativismo vegetal, situação que perdurou até meados do século XX (CARVALHO, 2013). Como afirma Silva et al. (2011):

O leite está entre os seis produtos mais importantes da agropecuária brasileira, ficando à frente de produtos tradicionais como café e arroz. O Agronegócio do Leite e seus derivados desempenham um papel relevante no suprimento de alimentos e na geração de emprego e renda para a população. O Brasil é o sexto maior produtor de leite do mundo e cresce a uma taxa anual de 4%, superior a de todos os países que ocupam os primeiros lugares. Respondemos por 66% do volume total de leite produzido nos países que compõem o MERCOSUL (EMBRAPA, 2014). Pelo faturamento de alguns produtos da indústria brasileira de alimentos na ultima década, pode-se avaliar a importância relativa do produto lácteo no contexto do agronegócio nacional, registrando 248% de aumento contra 78% de todos os segmentos. O Estado do Ceará conta com 184 municípios distribuídos em as sete mesorregiões que compõe 33 microrregiões. Dentro da mesorregião Sul do cearense, encontra-se a microrregião do Cariri, nela todos os municípios são produtores de leite. Nesse trabalho foi avaliada a produção de leite na microrregião do Cariri no decênio de 2002-2012. Diante disso, o presente estudo objetivou fazer um diagnóstico da evolução da produção de leite na microrregião do Cariri cearense entre 2002 e 2012. Destacando quais cidades se destacam no setor da bovinocultura leiteira, possibilitando um maior conhecimento sobre o setor e servindo como mais um indicador do potencial da produção leiteira da região.

a pecuária leiteira, uma atividade intrinsicamente arraigada à história do Ceará, cumpre importante papel no desenvolvimento sócioeconômico do estado. De acordo com os últimos dados do censo agropecuário realizado pelo IBGE em 2010, existem 83 mil estabelecimentos rurais no estado, onde de alguma forma, existe a produção de leite. E mesmo com as limitações climáticas, do baixo nível tecnológico, do baixo padrão genético do rebanho, dentre outros fatores, a pecuária leiteira apresenta importante contribuição para geração de renda no estado do Ceará.

2 Fundamentação Teórica A Microrregião do Cariri está localizada na Mesorregião Sul Cearense. A atividade leiteira é muito significativa para o desenvolvimento dessa microrregião tendo em vista que entre 2002 e 2012 ela cresceu em media 19,1% ao ano e é a principal produtora de leite na Mesorregião Sul Cearense.

Segundo IBGE 2014, a produção de leite no Brasil cresceu 49,26% no período compreendido entre os anos de 2002 e 2012, passando de um volume total de 21,6 bilhões para 32,3 bilhões de litros/ano, o que caracteriza um crescimento expressivo, na casa dos 4,1% ao ano. A participação da região nordeste em relação à produção nacional vem ganhando força na última década, tendo sido a quarta região 74


Pesquisa em Foco 3 Procedimentos Metodológicos

maior parte da produção se concentra na microrregião do Cariri (gráfico 1). Ela foi a responsável em 2012, por 32,8% da distribuição do leite na mesorregião Sul cearense, o que deixa claro seu potencial produtivo nesse setor, principalmente oriundo dos municípios de Crato e Barbalha.

O estudo abrangeu a microrregião do Cariri, onde estão localizados os municípios cearenses que fazem parte da mesorregião Sul Cearense, dos quais foram obtidas informações relativas à produção de leite entre os anos de 2002 e 2012. Considerando que toda a produção obtida seja ofertada, nos diferentes mercados, as informações coletadas junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram suficientes para o estudo da oferta. Sendo assim, para a análise da oferta foi realizado um diagnóstico da evolução da produção de leite entre os anos de 2002 e 2012 de cada município carirense a partir de taxas geométricas de crescimento, citadas em Hoffmann (1992). Segundo esse autor, com n valores de uma dada grandeza, como produção, pode-se, através de regressão linear simples, analisar o comportamento dessa grandeza em certo período a partir da sua taxa de crescimento. Oliveira (1999), afirma que a análise com esse tipo de regressão resulta em equações que relacionam a variável dependente (não controlada) com a variável independente (controlada) e são usadas para explicar valores de uma variável em termos de outra. Assim, foi necessário obter junto ao IBGE, séries históricas relacionadas à produção de leite de todos os municípios que fazem parte da microrregião do Cariri. Nesse caso, para a realização da regressão linear simples, relacionou-se a variável dependente (tempo) com a variável independente (produção) e com base nos dados da tabela ANOVA obtida pelo software Excel 2007, determinou-se as taxas de crescimento da variável independente (produção) a partir dos valores do parâmetro b estimado, da equação linear Y = a + bX, sendo esta, obtida da aplicação de logaritmos na expressão Vt = A(1 + r)t, que possibilita, como afirma HOFFMANN (1992), determinar a taxa geométrica de crescimento (r) de uma grandeza no período de t anos. Assim, relacionando as equações, tem-se que Y = log Vt, a = log A, b = log (1 + r) e X = t, onde Vt são os valores da grandeza em estudo (produção de leite) e t o número de anos da cada período. Sendo b = log (1 + r), então r = (antilog b) – 1 e i=100r, onde “i” é a taxa percentual média de crescimento ao ano da produção de leite em cada município considerado. Para a análise das tendências da oferta do setor na região, utilizou-se as taxas obtidas na análise do período 2002 a 2012 para se fazer as projeções futuras de oferta local de leite.

Gráfico 1: Distribuição de leite por microrregião em 2012

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

Há décadas, maior parte do leite distribuído na mesorregião Sul cearense se concentra na microrregião do Cariri. Analisando os dados do gráfico 2, pode-se identificar que os quatro principais municípios em destaque na produção leiteira em 2012 foram: Crato, Juazeiro do Norte, Missão velha e Barbalha, respectivamente. Ressalta-se que grande parte do leite produzido no Crato, que é o principal município nesse caso, advém de assentamentos organizados para esta finalidade. Gráfico 2: Distribuição da produção de leite por municípios da microrregião Cariri, em 2012.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores. Ao analisar os dados do gráfico 3, observa-se que há um crescimento na produção de leite em todos os municípios. Os municípios de Crato, Missão velha e Barbalha tem apresentado um crescimento significativo na produção de leite, superior aos demais municípios desde 2002. Isso demonstra a importância desses municípios no setor da bovinocultura leiteira, servindo como mais um indicador e fonte de renda, gerando mais empregos na região, abrindo

4 Resultados e Discussão A mesorregião Sul cearense esta dividida em cinco Microrregiões, sendo que todas são produtoras de leite. Segundo a distribuição microrregional a 75


Caderno de Experiências Gráfico 4: Evolução da produção e do valor da produção de leite no município de Crato- CE

oportunidade para mais produtores entrarem no mercado. Seria mais interessante ainda incentivar a melhoria na qualidade do produto, para que os produtores ampliem seus horizontes e se enquadrando nos padrões exigidos tanto para abastecer municípios importadores como até mesmo fornecer para grandes indústrias de laticínio, ou até mesmo investir em tecnologia para beneficiamento do seu leite e ofertar novos produtos aos consumidores com preços mais justos.

5000 4500 4000 3500 3000 2500 Produção (em mil litros); Valor da produção (em mil reais) 2000 1500 1000 500 0

Gráfico 3: Evolução da produção de leite entre os municípios da microrregião do Cariri.

Epoxi com0.5%de EVA Epoxi com1%de EVA

20 0 20 2 0 20 5 0 20 8 11

60

Evolução da produção Evolução do valor da produção

Ano

Tensao (Mpa)

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

40

Ao analisar as informações do gráfico 5, observamos que o município de Crato além de ser o maior produtor de leite da microrregião do Cariri, também foi responsável pelo maior número de vacas ordenhadas entre o período de 2002-2012. Isso Reforça a ideia de que os produtores estão investindo na compra e reprodução de vacas. Geralmente isso ocorre quando a quantidade ofertada não está sendo suficiente para suprir o mercado consumidor, então, a partir dai eles vêm a oportunidade de ampliar o seu rebanho.

20

0 0,0

0,7

1,4

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos Deform açao(% ) autores.

Gráfico 5: Número de vacas ordenhadas entre os municípios da microrregião do Cariri, no período de 2002 à 2012. 6000

Retratando-se a produção de leite do município de Crato, o principal da microrregião do Cariri, percebe-se uma evolução quase contínua tendo uma queda somente em 2010, mas no ano seguinte (2011) começa se recuperar e atinge o máximo de sua produção em 2012. No entanto, o valor da produção teve um aumento de 51,7% de 2011 para 2012. Esse aumento no valor de produção deve estar ligado aos fatores climáticos, pois, quando a seca afeta a produção e os produtores não podem parar de ofertar o produto no mercado, eles buscam tecnologias que não permitam a queda drástica da produção, o que a encarece ainda mais. Nesse caso em especial para aumentar a produção em 26,26% de 2011 para 2012, os produtores gastaram 51,7% a mais nesse período (Gráfico 4).

5000

4000

3000

2000

Barbalha Crato Jardim Juazeiro do norte Missão Velha Nova Olinda Porteiras Santana do Cariri

1000

20 02 20 05 20 08 20 11

0

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

De acordo com os resultados da regressão linear simples para a Microrregião do Cariri, no período de 2002-2012 a produção cresceu a taxas médias de 76


Pesquisa em Foco 2,5% ao ano. Apesar de ter ocorrido um aumento de 2,5% na produção de leite, essa ainda é uma taxa baixa, tendo em vista o potencial da microrregião para a atividade tanto em expansão territorial, condições edafoclimáticas favoráveis quanto mercado consumidor. Avaliando a regressão linear simples entre o período de 2002-2005, observou-se a maior taxa média de crescimento equivalente a 3,5 % ao ano.

Urbano: o caso do Ceará na década de 1990. IV Encontro de Administração política, Vitória da Conquista – Bahia – 05 a 07 de junho de 2013 EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Embrapa gado de leite . Disponível em :sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/Fontes HTML/Leite/LeiteCerrado/importancia.html . Acesso em Agosto 2014

Considerações Finais HOFFMANN, Rodolfo. et al. Administração da empresa agrícola. 7ª ed. São Paulo: Pioneira, 1992. 523p.

A Microrregião do Cariri é a principal produtora de leite entre as microrregiões da mesorregião Sul Cearense. Sua produção vem aumentando anualmente apesar de ainda ser considerada uma média baixa. É inegável que durante o período estudado (20022012) o município de Crato foi de grande importância para o desenvolvimento da bovinocultura de leite na microrregião, tanto por ser o principal produtor como por ter o maior rebanho ordenhado, que indica investimento na atividade.

IBGE. Base de Dados Agregados. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/>. Acesso em: 10 out. 2014. OLIVEIRA, Francisco Estevam Martins de. Estatística e probabilidade: Exercícios resolvidos e propostos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. SILVA, F. D. V.; CARVALHO, R. M.; CAMPOS, R. T. Eficiência e Rentabilidade da Produção de Leite no Estado do Ceará. Ceará, 2011.

Referências CARVALHO, Hermano José Batista. Ideologia, Neoliberalismo e Política de Desenvolvimento

77


Caderno de Experiências

A CARNE SUÍNA E A POTENCIALIDADE DO MERCADO CONSUMIDOR DA REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA

Nayara Barbosa da Cruz Moreno Agronomia/UFCA nayarabarbosa@hotmail.com

Alixandre Mendonça Bezerra Moreno Agronomia/UFCA alixandrembm@gmail.com

Jaiane da Silva Barbosa Evangelista Agronomia/UFCA jayany_ce@hotmail.com

Rosangela Felesmino de Sousa Agronomia/UFCA rosangelasousaagro@hotmail.com

Ana Carolina Alves de Caldas Agronomia/UFCA carol_alvesdecalda@hotmail. com

Fabiano da Silva Ferreira Professor/UFCA fabiano@cariri.ufc.br

1 Introdução

2 Fundamentação Teórica

De maneira geral, tanto a carne in natura quanto os seus produtos processados têm sua aquisição domiciliar per capita elevada à medida que cresce a renda do consumidor. Entretanto, o consumo dos mesmos também pode cair e isso é perceptível quando a renda diminui; ou seja, esse comportamento está na dependência do tipo de produto. Aqueles com maior valor agregado, como o presunto ou os cortes de carne in natura, apresentam elevação da aquisição per capita à medida que cresce a renda. Por outro lado, entre produtos processados, como linguiça e mortadela, a aquisição per capita não sofre tanta influência da renda ou até mesmo se reduz a partir de faixas de renda intermediárias. Desta forma, à medida que a renda se eleva, ocorre uma substituição dos produtos processados pela carne in natura. A última Pesquisa de Orçamentos Familiares, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2014) aponta para a tendência de aumento das despesas com alimentação fora do domicílio, que passaram, segundo a pesquisa, de 24% para 31% no período de 2002 a 2008. Assim, é de se esperar que essa tendência tenha tido impacto no consumo de carne suína. A POF não mede a aquisição per capita fora do domicilio, não havendo estatísticas por tipo de produto. Somente a título de exercício, e assumindo a hipótese pouco realista de que o perfil de consumo seja o mesmo dentro e fora do domicílio, estima-se a aquisição per capita de carne suína fora do domicilio e total. Com base nesse contexto, o presente trabalho teve por objetivo verificar a evolução no consumo de carne suína na Região Metropolitana de Fortaleza, levando-se em consideração a renda per capita da população, com base nas Pesquisas de Orçamento Familiares (POFs) realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e sob a luz da Teoria Econômica tentar explicar a atual situação e traçar tendências, como possíveis ações para ampliação deste mercado.

Nos últimos quarenta anos, segundo Roppa (2009), o consumo per capita mundial de carnes mais do que dobrou, passando de 23 kg em 1961 para 46,6 kg em 2009. As carnes mais consumidas mundialmente e classificadas como as principais são: pescados, suínos, frangos, bovinos, ovinos e caprinos. Ao analisar esse mercado, constata-se que a demanda vem aumentando de forma expressiva no Brasil e no mundo. O Brasil apesar de ser considerado um país ainda em desenvolvimento, o consumo de carnes no país situa-se nos patamares observados nas nações mais ricas (CARVALHO; BACCHI, 2007). Com uma produção mundial de 100 milhões de toneladas em 2009, de acordo com United States Department of Agriculture - USDA (2014), a carne suína é uma das mais importantes globalmente. Naquele ano, os três maiores produtores foram: China, com participação de 48,9 milhões de toneladas; União Europeia (UE) com 22,4 milhões de toneladas; e Estados Unidos (EUA), com 10,4 milhões de toneladas. Apesar do Brasil ter sido o quarto maior produtor, sua participação ainda foi pequena, em torno de 3,1 milhões de toneladas, quando representou somente 3% da produção global. Até os anos 70, a carne suína representava a segunda mais consumida no Brasil, perdendo apenas para a carne bovina e para a carne de frango. Em trabalho realizado por Lobato et al. (1975) chegou-se a sugerir que a expansão da produção de carne suína era necessária para liberar mais carne bovina para a exportação. Mas o simples fato da carne suína ser um bem substituto da carne bovina, não indica, necessariamente, que o aumento da oferta de suínos, com consequência da queda dos preços, leve a uma menor demanda da carne bovina, gerando, então, um excedente para exportação. (KIMPARA, 1995). Existe um grande diferencial entre o consumo da carne suína e a bovina, principalmente no que se 78


Pesquisa em Foco refere como o bem comercializado, pois, enquanto a carne bovina é mais consumida in natura, a carne suína possui a maioria dos produtos comercializados na forma de embutidos, que segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE (2008) é uma forma de agregar valor a carne. Assim, as faixas de consumidores atingidos pelo bem comercializado são diferentes. No Norte e no Nordeste do Brasil, existe um mercado de carne in natura e salgada que não está sendo atendido. Não há estudos do potencial do mercado de carne fresca, mas acredita-se que a instalação de matadouros industriais poderá estimular o consumo. Desse modo, nos faz crer que o mercado de carne suína in natura também não é competitivo com a carne de frango, por limitações metabólicas e, também de investimento em infraestrutura. Há algumas décadas a população de baixa renda, muitos sem meios de armazenamento refrigerado, encontravam na carne salgada uma opção para conserva. Atualmente, sabe-se que no Brasil, as restrições orçamentárias determinam cada vez mais o perfil do consumo.

A partir dos dados disponibilizados pelo instituto foi possível analisar a evolução do consumo da carne suína na Região Metropolitana de Fortaleza nos quatros períodos pesquisados e obter uma série de informações acerca do consumo da carne suína e dos seus diferentes cortes nas diferentes faixas de renda da população local. Essas informações mostram, por exemplo, os diferentes níveis de consumo de carne suína por pessoa de acordo com a classe de renda familiar, que podem servir como indicador de investimento sobre, principalmente, o quê produzir e para quem produzir. Os dados obtidos foram tabulados no intuito de facilitar a leitura, a compreensão da situação atual e a visualização de possíveis mudanças nos mercados consumidores que sirvam como elementos estratégicos em empreendimentos ligados ao setor. 4 Resultados e Discussão As POFs realizadas pelo IBGE até o momento possibilitam obter dados em um período total de vinte e um anos, para vários tipos de produtos e subprodutos alimentícios e para algumas regiões do Brasil. Segundo as referidas pesquisas, o consumo de carne suína na RMF diminuiu 34% no período compreendido entre 1987 e 2002 e aumentou quase 151% entre 2002 e 2008. Entretanto, esse incremento de consumo verificado na última POF ainda foi quase 34% menor do que a maior média obtida na metade final da década de 80, quando cada habitante consumia em média pouco mais de 2 kg de carne suína por ano (GRÁFICO 1).

Como afirma Bertasso (2000), a renda tem sido considerada uma das principais variáveis restritivas do consumo de carnes, existindo, no entanto, evidências de que as decisões de consumo alimentar também são influenciadas por outras variáveis de caráter econômico e sócio cultural.

Entre essas, podemos destacar os preços dos alimentos, a comodidade para a aquisição, o preparo do produto, a qualidade, até mesmo o status que alguns alimentos proporcionam.

GRÁFICO 1 – Evolução do consumo de carne suína na RMF, considerando as médias de todas as faixas de renda da população local juntas.

3 Procedimentos Metodológicos A presente pesquisa abrangeu todos os municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), onde foram utilizados como principal base de dados as Pesquisas de Orçamento Familiares (POFs) realizadas e disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos anos de 1987; 1995; 2002 e 2008. Fortaleza, capital do Estado do Ceará, é uma das metrópoles brasileiras com maior faixa litorânea. A cidade está localizada a uma altitude média de 21 metros, possui 314,9 km² de área geográfica, sendo a quinta maior do Brasil e a 91ª do mundo com uma população de 2.452,185 habitantes, tendo a maior densidade demográfica do País, com 7.786,44 hab./km² (IBGE, 2014). E ainda, é considerado um importante centro industrial e comercial.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores

Percebe-se que depois de 1987 as médias obtidas não passaram mais de 1,5 kg anuais por pessoa, valor considerado bem abaixo do que se observa em países localizados na União Européia, por exemplo, onde o consumo médio passa dos 40 kg por pessoa (ABIPECS, 2013). 79


Caderno de Experiências Pode-se pressupor que a tendência para os próximos anos, assim como projetam várias pesquisas, é que o consumo dessa carne volte a aumentar devido a fatores como o aumento da renda da população em todo o Brasil, a oferta de carne suína de melhor qualidade e a conscientização da sociedade em adquirir produtos com certificação sanitária, ou seja, com garantia de boa procedência. Esse aumento esperado na demanda pode ser estimado considerando as últimas estatísticas socioeconômicas ocorridas e divulgadas sobre a região em questão. Considerando, por exemplo, que o consumo médio seja de 1,5 kg/ano/habitante local; que a população atual da região fique em torno de 3,6 milhões de pessoas (IBGE, 2010) e que somente 30% destas sejam de pessoas que consomem de forma mais frequente a carne suína, pode-se estimar uma demanda potencial de 1,6 milhões de toneladas desse alimento a cada ano. Entretanto, sabe-se que os alimentos são um dos bens consumidos mais influenciados pela renda do consumidor e o que ocorre hoje em qualquer região do Brasil uma certa dificuldade de acesso aos alimentos de melhor qualidade pela população mais pobre e o consumo diferenciado pela camada mais rica da sociedade, fato visualizado no GRÁFICO 2.

Os dados mostram que houve uma queda no consumo na faixa de renda maior, segundo a última pesquisa realizada, passando para um consumo médio de somente 0,9 kg/hab./ano, contra quase 2,0 kg consumidos por ano por cada pessoa com renda de até dez salários mínimos. Analisando-se a forma como o consumo de carne suína evoluiu na RMF dentro de faixas de renda mais especificas, verifica-se que o maior consumo per capita foi constatado na última POF e para a população com renda entre 8 a 10 salários mínimos, quando foram registrados 5,3 kg consumidos em média por habitante em cada ano. A menor média ocorreu em 2002, com apenas 0,09 kg/hab./ano, também para a população com mesma renda, o que revela a forte instabilidade no consumo de determinados alimentos, mesmo entre pessoas com faixas de rendas semelhantes (GRÁFICO 3). GRÁFICO 3 – Evolução do consumo de carne suína na RMF em faixas específicas de renda da população local.

GRÁFICO 2 – Evolução do consumo de carne suína na RMF, considerando as médias de três diferentes faixas de renda da população local.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

Por volta dos anos 80, foi constatado o maior consumo médio de carnes suínas na RMF, com 2,2 kg/hab./ano, contra 1,5 kg/hab./ano em 2008, apresentando uma queda de 33,9%. Na referida década, a classe que menos consumia era a que apresentava um recebimento mensal menor do que dois salários mínimos (0,9 kg/hab./ano) e o maior consumo se dava para quem recebia entre quinze e vinte salários mínimos (3,3 kg/hab./ano). Já em 2008 (última POF), a parte da população que mais consumiu recebia de oito a dez salários mínimos, com um consumo médio de 5,4 kg/hab./ano. Naquele ano o menor consumo registrado foi para quem recebia menos de dois salários mínimos, com consumo médio 0,4 kg/hab./ano. Em 1987, o lombo suíno, um dos principais tipos de cortes ofertados e consumidos nas quatro POFs realizadas, apresentou um consumo médio de somente 0,8 kg/hab./ano para a população com

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

Percebe-se que a evolução do consumo de carne suína ocorreu de forma semelhante para as faixas da população de Fortaleza com rendas de até 20 salários mínimos mensais. Nas famílias com rendas acima de vinte salários mínimos, constata-se uma oscilação diferente (mais estável) no consumo durante o período, demonstrando que realmente a renda familiar mais alta parece ter sido menos vulnerável às oscilações da economia frente ao consumo da carne suína. 80


Pesquisa em Foco GRÁFICO 5 – Evolução do consumo de costela suína nas diferentes faixas de renda na RMF

renda de 8 a 10 salários mínimos. Todavia, o menor consumo médio foi de 0,06 kg/hab./ano, obtido em 1995, para a população com renda de 6 e 8 salários mínimos. O consumo de lombo suíno apresentou um comportamento com tendência crescente para os domicílios com renda maior do que trinta salários mínimos durante todo o período analisado, quando em 1987 o consumo foi de apenas 0,2 kg/hab./ano, diferente de 2008, quando foi constatado o consumo médio de 0,8 kg/hab./ano, revelando um crescimento de 403,8%. Já para os que recebem menos de trinta salários mínimos o crescimento na aquisição desse produto não foi tão acentuando e não perpetuou ao longo dos anos e em outras rendas chegou até a cair (GRÁFICO 4). GRÁFICO 4 - Evolução do consumo de lombo suíno nas diferentes faixas de renda na RMF.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

Em 2008 quem mais consumiu costela suína foram as famílias com renda de 10 a 15 salários mínimos, com média consumida de 1,8 kg/hab./ano. Na primeira POF, o consumo registrado da população local com a mesma faixa de renda foi de apenas 0,6 kg/hab./ano. Entretanto, na referida pesquisa, foi registrada a maior média de consumo de costela suína, com cerca de 0,4 kg/hab./ano. A menor média foi registrada em 2002, quando o consumo médio não passava de 0,1 kg/hab./ano, quando houve uma queda significativa de 52,4% comparada ao ano de 1995. Mas no ano seguinte da pesquisa, em 2008 o consumo aumentou novamente com 233% de acréscimo, saindo de 0,09 kg/hab./ano em 2002 para 3,18 kg/hab./ano em 2008 (GRÁFICO 6). GRÁFICO 6 - Evolução do consumo de costela suína na RMF, considerando as médias de todas as faixas de renda da população local juntas.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores

No que se refere ao consumo de costela suína, o maior consumo per capita foi verificado em 2008, com 1,8 kg/hab./ano consumidos em média pela famílias com renda de 10 a 15 salários mínimos. Por outro lado o menor consumo médio foi de 0,06 kg/hab./ano, em 2002, para a faixa de renda de 5 a 6 salários mínimos (GRÁFICO 5).

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

Outro produto analisado, por também ser um alimento bastante apreciado entre os diferentes 81


Caderno de Experiências GRÁFICO 8 - Evolução do consumo de carré suíno na RMF, considerando as médias de todas as faixas de renda da população local juntas.

cortes da carne suína, foi o carré. Para o referido produto, o maior consumo per capita foi registrado na última pesquisa (2008), quando o consumo médio por habitante girava em torno de 744 gramas por ano na faixa da população com renda familiar mensal de 6 a 10 salários mínimos. Por outro lado, a menor média foi registrada em 1987, quando eram consumidos somente cerca de 33 gramas/hab./ano e entre as famílias que possuíam renda mensal de 3 a 5 salários mínimos (GRÁFICO 7). GRÁFICO 7 – Evolução do consumo de carré suíno nas diferentes faixas de renda na RMF.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

No que se refere a outro tipo de corte com grande potencial de consumo, devido à sua utilização em diversos tipos de receitas pela grande quantidade de carne presente, o gráfico 9 mostra que o maior consumo do pernil suíno foi registrado em 1987, quando cada habitante de Fortaleza que ganhava entre 15 e 20 salários mínimos mensais consumia em média cerca de 2,4 kg da carne por ano. Já o menor consumo da mesma foi registrado no ano de 2002, quando em média apenas 298 gramas eram consumidos por ano e nas famílias que recebiam até 2 salários mínimos mensais.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

Entretanto, o consumo de carré suíno aumentou, considerando a POF de 1987 e a POF de 2008, pois, enquanto no primeiro o consumo médio era de ínfimos 45 g/hab./ano, na pesquisa seguinte (1995) verificou-se um aumento de 12,4% no consumo, subindo para mais de 50,5 g/hab./ano. Na penúltima pesquisa (2002), o comportamento continuou crescente, quando o aumento foi de 86,2%, com o consumo médio por habitante chegando a 94 g/hab./ano e para finalmente, na última pesquisa (2008), ter sido registrado o maior aumento, de 363,3% em relação à pesquisa anterior, com o consumo médio anual passando dos 208 gramas por cada habitante da região (GRÁFICO 8).

GRÁFICO 9 - Evolução do consumo de pernil suíno nas diferentes faixas de renda na RMF.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores

82


Pesquisa em Foco O consumo de pernil no período compreendido entre os anos de 1987 e 2002 apresentou uma tendência decrescente considerando todas as classes de renda juntas, ou seja, considerando a média geral do consumo dos habitantes da região. As informações disponíveis até o momento não são suficientes para se avaliar de forma mais concreta a evolução do consumo do pernil na região; nesse caso, somente uma eficiente pesquisa de mercado com ênfase para a análise da demanda poderia elucidar melhor essa tendência. Por enquanto, o que se tem é somente dados que mostram uma queda de quase 50% no consumo do referido alimento entre a primeira realizada, em 1987, e a pesquisa seguinte, em 1995. Esse comportamento de queda se perpetuou ao longo dos anos, caindo ainda mais na pesquisa realizada em 2002, quando o consumo médio chegou a somente 53 gramas/hab./ano (GRÁFICO 10).

Na Região Metropolitana de Fortaleza, devido ao forte crescimento econômico que tem ocorrido, tende a ser um dos melhores mercados consumidores de carne suína pela sua dimensão econômica dentro do Brasil. Referências ABIPECS – Associação Brasileira de Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína. Estatística do mercado interno, externo e mundial da carne suína. Disponível em: < http://www.abipecs.org.br> acessado em: 25/04/2015. BERTASSO, B. F. O consumo alimentar em regiões metropolitanas brasileiras analise da pesquisa de orçamentos familiares/IBGE 1995/96. Piracicaba, SP. 2000. P.109.

GRÁFICO 10 – Evolução do consumo de pernil suíno na RMF, considerando as médias de todas as faixas de renda da população local juntas.

CARVALHO, T. B.; BACCHI M. R.P. Estudo da elasticidade-renda da demanda de carne bovina, suína e de frango no Brasil. São Paulo, SP. 2007. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisa de Orçamentos Familiares. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo>. Acesso em: 25 Out. de 2014. KIMPARA, D. I. Perspectiva do consumo de carne suína no Brasil. Caderno de pesquisa em administração, São Paulo, v. 1, N° 1, 2° SEM./1995. LOBATO,J.G. et al. Estudo econométrico da procura interna de carne suina. Vicosa: UFV, maio 1975. 2p. ROPPA, Luciano. Perspectivas da produção mundial de carnes, 2007 a 2015. 2009. Disponível em: <http://pt.engormix.com/MApecuaria-corte/artigos/perspectivas-producaomundialcarnes_140.htm>. Acesso em: 30 Set. de 2014.

Fonte: Dados do IBGE, elaborado pelos autores.

Considerações Finais Levando-se em consideração somente o período abrangido pelas Pesquisas de Orçamentos Familiares realizadas até o momento, pode-se constatar que o consumo de carne suína é bastante influenciado pelo nível de renda dos consumidores, situação diferente é constatada para outros alimentos, como o arroz, feijão, a banana, o frango etc., que possuem uma variação menor mesmo com mudanças nas rendas da população. Os diferentes cortes são influenciados de maneira diferente pela oscilação nas diferentes regiões do País.

USDA. United States Department of Agriculture. Market News – International Meat Review – Livestock & Grain Market. Disponível em: <http://www.ams.usda.gov/AMSv1.0/marketne ws>. Acesso em: 10 Out. de 2014.

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Caderno de Experiências

AVALIAÇÃO DO POTENCIAL GERMINATIVO DE ACESSOS DO BANCO DE GERMOPLASMA DA UFCA ATRAVÉS DE TESTE DE GERMINAÇÃO

Jair Botelho Silva Agronomia/UFCA jairbotelhos@hotmail.com

Valter Jário de Lima Agronomia/UFCA valter_jario@hotmail.com

Ana Cláudia Santana de Morais Agronomia/UFCA anaklaudia.snt@gmail.com

Lynda Bezerra de Oliveira Agronomia/UFCA lynda.bio@live.com

Antonio André da Silva Alencar Agronomia/UFCA antonioandre14@hotmail.co m

Silvério de Paiva Freitas Junior Professor/UFCA silveriojr@ufca.edu.br

1 Introdução

2 Fundamentação Teórica

Altas produtividades não estão estreitamente relacionadas somente com variedades melhoradas e com o manejo adequado da cultura, mas também com a qualidade das sementes á disposição do produtor, é de fundamental importância que essas sementes tenham uma boa qualidade, essa qualidade está diretamente relacionada com o grau de pureza física e varietal, poder de germinação, vigor e seu estado fitossanitário (ARTHUR; TONKIN, 1991). O teste de germinação é o principal parâmetro utilizado para a avaliação da qualidade fisiológica das sementes e permite conhecer o potencial de germinação de um lote em condições favoráveis; os resultados do teste são utilizados para determinar a taxa de semeadura, para a comparação do valor de lotes e para a comercialização, pois possibilita a obtenção de resultados comparáveis entre laboratórios (NAKAGAWA, 2000). A conservação de recursos genéticos, por meio da manutenção de coleções de germoplasma, é uma realidade em vários países, através do estabelecimento de bancos de germoplasma. A conservação de germoplasma de raças locais, cultivares domesticadas, e parentes silvestres de espécies agronômicas e florestais, têm sido uma das mais importantes áreas de pesquisa na Botânica (PANIS; LOMBARDI, 2005; HÄGGMAN et al., 2007 ). A Universidade Federal do Cariri mantem desde 2010 um banco de germoplasma de culturas de importância regional, entre eles se destacam as culturas de milho, feijão caupi e fava. Desde sua criação vem sendo coletados materiais em todas as cidades da cariri cearense e regiões circunvizinhas, com o objetivo de manter variabilidade genética destes materiais protegido. O presente trabalho teve como objetivo avaliar o grau de germinação de sementes crioulas de milho, feijão caupi e fava na região do Cariri Cearense, que se encontram armazenadas no banco de germoplasma da Universidade Federal do Cariri – Centro de Ciências Agrárias e da Biodiversidade ‘

Entre os eventos que ocorrem no ciclo de vida das plantas, a germinação é um dos pontos mais críticos para seu crescimento e desenvolvimento (METIVIER, 1986). É um fenômeno biológico que, fisiologicamente, pode ser caracterizado como retomada do crescimento do embrião e consequente rompimento do tegumento pela radícula (LABOURIAU, 1983), precedido de diferentes fases fisiológicas, como reidratação, aumento da respiração, alongamento das células, divisão celular, crescimento e diferenciação dos tecidos (CASTRO; HILHORST, 2004). Apesar disso, vários fatores afetam a germinação das sementes, sendo as condições essenciais para esse processo divergentes entre as espécies de plantas. Assim, os fatores bióticos, intrínsecos à própria semente, e abióticos, como luz, temperatura e umidade, influenciam fortemente a germinação das sementes (MAYER; POLJAKOFF-MAYBER, 1975; BORGES; RENA, 1993; BASKIN; BASKIN, 1998). Sementes crioulas são as sementes cuidadas e melhoradas sob o domínio das comunidades tradicionais. É fruto da evolução da natureza e do trabalho de diferentes povos (ALBARELLO et al., 2009). O resgate dessas sementes é importante para a manutenção da biodiversidade e por se tratar de materiais adaptados a condições locais adversas podem ser fontes de genes importantes para um programa de melhoramento. A semente é um dos principais componentes para o sucesso da agricultura. O uso de sementes de alta qualidade é um dos pré-requisitos fundamentais para se obter uma maior produtividade na lavoura. A qualidade de sementes é o somatório de todos os atributos genéticos, físicos, fisiológicos e sanitários que afetam a capacidade da semente em originar plantas de alta produtividade (POPINIGIS, 1985), dessa forma a melhor maneira de se avaliar a qualidade das sementes é a utilização de dois principais parâmetros: viabilidade e vigor. Para avaliar a viabilidade são utilizados testes de germinação, porém esse teste é realizado sob condições ótimas e nem sempre seus resultados 84


Pesquisa em Foco relacionam-se com os de emergência da plântula em campo ou em casa de vegetação. E o teste de vigor é realizado para complementar as informações sobre o parâmetro fisiológico das sementes, assim comparando os resultados podese separar os lotes de sementes de maior e menor vigor. O teste de germinação permite avaliar a qualidade de um lote de sementes em termos de estimar com que sucesso ele estabelecerá uma população adequada de plântulas em campo (ARTHUR; TONKIN, 1991), com maior crescimento de parte aérea e raiz primária, identificar quais possuem desenvolvimento iniciais mais rápidos sendo assim mais vigorosas. Com o crescente avanço tecnológico verificado na agricultura nas últimas décadas, o uso de sementes de alta qualidade passou a ser fundamental. Assim, o teste de vigor, capaz de avaliar o grau de deterioração das sementes, tornou-se então componente de vital importância na avaliação da qualidade fisiológica, contribuindo na solução de problemas enfrentados pelas empresas produtoras deste importante órgão de propagação (SPINOLA et al., 2000). A avaliação da qualidade fisiológica da semente para fins de semeadura em campo e de comercialização de lotes é fundamentalmente baseada no teste de germinação, conduzido sob condições favoráveis de umidade, temperatura e substrato, o que permite expressar o potencial máximo de produção de plântulas normais. Entretanto, esse teste pode ser pouco eficiente para estimar o desempenho no campo, onde as condições, às vezes, não são favoráveis (LARRÉ, et al, 2007).

foram utilizadas sementes de milho crioulo das seguintes variedades Taboca, Porcinhos, Oitizeiro, Salva terra, Terra dura, vermelhão e Cajueiro; b) Feijão 2012 – foram utilizadas sementes de feijãocaupi das seguintes variedades Rosinha, Costelão, Canapun Verdadeira, Coruja Vagem Roxa, Zé Matias, Coruja; c) milho 2013 – foram utilizadas sementes de milho crioula das seguintes variedades: Borboletão, Branco, Massa, Aparecida; e d) Fava 2013– foram utilizadas quatro variedades crioulas de fava (Vicia faba): Fortuna, Fava Bala, Chapada da Torre, Crato. Todas as variedades foram coletadas em comunidades rurais da região do Cariri Cearense. O teste de germinação foi realizado com quatro repetições de 25 sementes de cada lote, foram semeadas sobre duas folhas de papel toalha Germitest, umedecidas com água destilada em quantidade equivalente a três vezes a massa (g) do papel seco. Depois de umedecidas foram enroladas e colocadas dentro do béquer ficando na posição vertical e cobertos com plásticos de polietileno transparente evitando a perda total de umidade e colocadas no germinador tipo B.O.D sob temperatura de 20° C. As avaliações foram realizadas aos quatro dias, onde foi avaliado a porcentagem de germinação, e quatorze dias, onde foi medido e feito a média do comprimento da radícula e parte aérea, contabilizando as plântulas normais. Os resultados foram expressos em porcentagem de germinação. O cálculo do comprimento das plântulas foi obtido através da média de um total de três plantas de cada repetição. 4. Resultados e Discussão 4.1. Milho Coletado 2012

3 Procedimentos Metodológicos Encontram-se na Tabela 1 as estimativas dos valores e as significâncias dos quadrados médios, bem como as médias e os coeficientes percentuais de variação experimental para as variedades crioulas coletadas em comunidades rurais da região do Cariri cearense.

O experimento foi conduzido no Laboratório de Biologia da Universidade Federal do Cariri, no Centro de Ciências Agrárias e da Biodiversidade. Foram utilizadas sementes de milho, feijão-caupi e fava. Para realização do teste, os acessos foram separados em quatro grupos; a) milho 2012 –

Tabela 1 – Coeficientes de variação experimental de quatro características avaliadas no laboratório em variedades crioulas de milho. QM/1 %GERM PN CR CPA Blocos 2 5,3333 0,4285 14,6641 2,4521 Genótipos 6 300,1904** 18,4126** 64,1214** 5,9977NS Resíduo 12 2,6666 0,3174 7,8820 4,1076 Média 93,90 23,42 16,38 10,17 CV (%) 1,73 2,40 17,14 19,92 * = Significativo no nível de 5 % de probabilidade; ** = Significativo no nível de 1 % de probabilidade; %G= porcentual de germinação; PN= Plântula normal; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea. FV

GL

85


Caderno de Experiências Pode-se verificar na tabela 1, que houve diferenças significâncias a 1% de probabilidade pelo teste Anova na fonte de variação variedade para as características percentual de germinação (%GERM), plântula normal (PN), comprimento de raiz (CR) e apenas comprimento da parte aérea (CPA) não apresentou diferença significativa. Esses resultados indicam que as sete variedades de milho crioulo estudadas apresentaram comportamentos diferentes para as três primeiras características. Os coeficientes de variação (CV) encontrados para porcentual de germinação de 1,73% e plântula normal de 2,40% são considerados baixos, pois segundo Gomes (2000) Coeficientes de variação inferiores a 10% são considerados ideais. Para a

característica comprimento de radícula de 17,14% e comprimento parte aérea de 19,92% são considerados médios, pois variam de 10% a 20% de acordo com Gomes (2000). As características avaliadas no presente trabalho revelarão a médio CV (%) baixo, conforme Tabela 1 indicando que o experimento teve boa condução. As médias da porcentagem de germinação nos testes de germinação, bem como de plântulas normais, comprimento da raiz primária e da parte aérea das plântulas das variedades avaliadas encontram-se na tabela 2. As sementes da variedade Taboca e de Porcinhos apresentaram maior percentual de plântulas germinadas como também de plântulas normais.

Tabela 2 – Teste de Tukey para quatro características avaliadas em sete variedades crioulas coletadas em comunidades rurais da região do cariri cearense. Médias Características1 %GERM PN CR CPA Taboca 100 a 25,0 A 18,34 a 10,63 a Porcinhos 100 a 25,0 A 20,64 a 12,64 a Oitizeiro 88,0 b 22,0 B 14,18 ab 9,26 a Salva terra 98,6 a 24,6 A 19,18 a 11,16 a Terra dura 98,6 a 24,6 A 17,70 a 8,83 a Vermelhão 98,6 a 24,3 A 17,76 a 9,92 a Cajueiro 73,3 c 18,3 C 6,90 b 8,74 a Médias seguidas de mesma letra, na mesma coluna, não diferem estatisticamente entre si pelo Teste Tukey a 5% de probabilidade. %GERM= porcentagem de plantas germinadas; PN= Plântula normal; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea. Tratamentos

No que diz respeito ao comprimento da radícula, a variedade Cajueiro foi a que obteve menor comprimento não diferenciando da variedade Oitizeiro. A variedade Porcinhos apresentou maior comprimento da radícula, enquanto que não houve diferença significativa ao nível de 5% de probabilidade no comprimento radicular das plântulas entre as variedades Porcinhos, Taboca, Oitizeiro, Salva terra, e Terra dura. Em relação ao comprimento da parte aérea, as variedades analisadas não deferiram estatisticamente. A variedade Porcinhos foi a que apresentou melhor média e a variedade Cajueiro teve a pior média para comprimento da parte aérea. As variedades Taboca, Porcinhos, Salva terra, Terra dura e vermelhão apresentaram percentual germinativo acima de 98% mostrando que essas sementes crioulas são viáveis e vigorosas tanto para comprimento da raiz como comprimento da parte aérea.

4.2. Feijões coletados 2012 Encontram-se na Tabela 3 as estimativas dos valores e as significâncias dos quadrados médios, bem como as médias e os coeficientes percentuais de variação experimental para as variedades encontradas no banco de germoplasma da Universidade Federal do Cariri localizada na cidade do Crato. Pode-se verificar na tabela 3, que houve diferenças significâncias a 1% de probabilidade pelo teste F na fonte de variação variedade para as características percentual de germinação (%GERM), plântula normal (PN), comprimento da parte aérea (CPA), e não apresentou diferença significativa nas características comprimento da radícula (CR) e porcentagem de plântula com fungos (% FUNG). Esses resultados indicam que as seis variedades de feijão estudadas apresentaram comportamentos diferentes para as os genótipos em relação às características % GERM, PN e CPA.

86


Pesquisa em Foco Tabela 3 – Quadrados médios, médias e coeficientes de variação experimental de quatro características avaliadas no laboratório em variedades de feijão. QM1/ %GERM PN CR CPA %FUNG Blocos 2 2,6666 0,1666 4,2286 10,2418 74,6666 Genótipos 5 509,8666** 31,8666** 23,3388NS 129,9616** 389,66666NS Residuo 10 45,3333 2,8333 8,2989 11,1717 424,5333 Média 86,66 21,66 13,29 15,27 32,66 Cv (%) 7,76 7,76 21,66 21,28 63,07 * = Significativo no nível de 5 % de probabilidade; ** = Significativo no nível de 1 % de probabilidade; NS = Não significativo; %GERM= Percentual germinativo; PN= Plântula normal; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea;% FUNG= porcentagem de plântula com fungos. FV

GL

As médias da porcentagem de germinação nos testes de germinação, bem como de plântulas normais, comprimento da radícula, da parte aérea das plântulas e percentual de plântulas com fungo das variedades avaliadas encontram-se na tabela 4. As características CR e % de FUNG, não apresentaram diferenças significativas pelo teste Tukey (Tabela 4), sendo que para CPA a maior

média foi para a cultivar Rosinha (26,13 cm) e a menor média de CPA foi constatada na variedade Zé Matias (7,60 cm). As variedades não diferiram entre si pelo teste Tukey (Tabela 4), em relação ao percentual de plântulas afetadas por fungos sendo a que obteve o menor percentual de incidência de fungos foi à variedade costelão (24,0 %) e a maior foi à variedade Coruja Vagem Roxa (53,3 %).

Tabela 4 - Teste Tukey a 5% de probabilidade para cinco características avaliadas em seis variedades de feijão. Tratamentos

Médias Características

%GERM PN CR CPA %FUNG Rosinha 94,6 a 23,6 a 15,94 a 26,13 a 25,3 a Costelão 86,6 a 21,6 a 15,64 a 19,66 ab 24,0 a Canapun verdadeiro 88,0 a 22,0 a 13,52 a 13,76 bc 26,6 a Coruja vargem roxa 61,3 b 15,3 b 9,38 a 12,40 bc 53,3 a Zé Matias 92,0 a 23,0 a 10,38 a 7,60 c 28,0 a Coruja terra dura 97,3 a 24,3 a 14,91 a 12,08 bc 38,6 a Médias seguidas de mesma letra, na mesma coluna, não diferem estatisticamente entre si pelo Teste Tukey a 1% de probabilidade. %GERM= Percentual germinativo; PN= Plântula normal; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea;%FUNG= porcentagem de plântulas com fungos.

No que diz respeito ao comprimento da raiz primária, a Coruja Vagem Roxa foi a que obteve menor comprimento, porém sem haver diferença significativa ao nível de 5% de probabilidade sobre as demais variedades avaliadas. A variedade Rosinha apresentou maior comprimento da radícula, no entanto diferiu significativamente pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade das variedades Costelão, Coruja Terra Dura, Canapun Verdadeiro, Zé Matias e Coruja Vagem Roxa. Em relação ao comprimento da parte aérea, as variedades analisadas deferiram estatisticamente entre si. A variedade Rosinha foi a que apresentou melhor média e a variedade Canapun verdadeiro teve média intermediaria e Zé Matias obteve a pior média para comprimento da parte aérea. As variedades Rosinha e Costelão foram os que apresentaram o melhor crescimento da parte aérea e da radícula, indicando que estas cultivares apresentaram crescimento e desenvolvimento iniciais mais rápidos do que as outras variedades sendo assim mais vigorosas, ressaltando que foram as variedades com menor incidência de fungos.

4.3. Sementes milho 2013 Encontram-se na Tabela 5 as estimativas dos valores e as significâncias dos quadrados médios, bem como as médias e os coeficientes percentuais de variação experimental para as variedades encontradas no banco de germoplasma da Universidade Federal do Cariri Campus Crato. Pode-se verificar na tabela 5, que houve diferenças significantes a 1% de probabilidade pelo teste F na fonte de variação variedade para as características percentual de germinação (%GERM), comprimento da parte aérea (CPA) e comprimento da radícula (CR). Esses resultados indicam que as quatro variedades estudadas apresentaram comportamentos diferentes em relação às características %GERM, CR e CPA. Nota-se que todas as características apresentaram baixo coeficiente de variação, indicando que o experimento foi bem conduzido.

87


Caderno de Experiências Tabela 5 – Quadrados médios, médias e coeficientes de variação experimental de três características avaliadas no laboratório.

FV Bloco Genótipos Resíduo Média Cv (%)

GL 3 3 9

QM2 %GERM CR 4,2072 0,3741 514,8056** 9,5541* 5,2161 0,7947

CPA 0,1406 3,6756* 0,1106

82,68 2,76

12,01 2,76

19,51 4,56

** = Significativo no nível de 1 % de probabilidade pelo teste F. %GERM= Percentual germinativo; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea.

As médias da porcentagem de germinação nos testes de germinação, bem como do comprimento da radícula e da parte aérea das plântulas das variedades avaliadas encontram-se na tabela 6. A respeito de comprimento da raiz primária, as variedades analisadas deferiram estatisticamente entre si pelo teste de Tukey a 5%. A variedade Aparecida apresentou maior comprimento da

radícula e a variedade Borbuletão obteve a menor média para comprimento da radícula. O comprimento da parte aérea, a variedade Borbuletão foi a única que apresentou diferença estatística entre as variedades analisadas pelo teste de Tukey a 5% tendo a melhor media. As variedades Branco, Massa, Aparecida não deferiram estatisticamente entre si.

Tabela 6 - Teste Tukey a 5% de probabilidade para três características avaliadas em quatro variedades de milho crioulo. Tratamentos Borbuletão Branco Massa Aparecida

%GERM 81,95 b 69,725 c 81,65 b 97,4 a

Médias características CR 17,675 b 19,1 bc 19,9 ab 21,375 d

CPA 13,4 a 11,925 b 11,45 b 11,3 b

Médias seguidas de mesma letra, na mesma coluna, não diferem estatisticamente entre si pelo Teste Tukey a 5% de probabilidade. %GERM= Percentual germinativo; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea.

Na porcentagem de germinação a variedade Aparecida apresentou o melhor resultato com (97,4%). As variedades Borbuletão e Massa não houve diferença significativa entre elas. A variedade Branco foi a que se obteve a pior porcentagem de germinação (69,725%).

4.4 Sementes Fava 2013 Encontram-se na Tabela 7 as estimativas dos valores e as significâncias dos quadrados médios, bem como as médias e os coeficientes percentuais de variação experimental para as variedades encontradas no banco de germoplasma da Universidade Federal do Cariri localizada na cidade do Crato.

Tabela 7 – Quadrados médios, médias e coeficientes de variação experimental de três características avaliadas no laboratório em variedades de fava. QM2 FV GL %GERM CR CPA Bloco 3 0,9166 0.6316 2.4906 Genótipos 3 9302,0833** 167,6366** 420,9489** Residuo 9 1,1944 0,5738 1,2572 Média 72,87 9,82 15,26 Cv (%) 1,49 7,71 7,34 ** = Significativo no nível de 1 % de probabilidade pelo teste F. %GERM= Percentual germinativo; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea.

Pode-se verificar na tabela 7, que houve diferenças significantes a 1% de probabilidade

pelo teste F na fonte de variação variedade para as características percentual de germinação 88


Pesquisa em Foco (%GERM), comprimento da parte aérea (CPA) e comprimento da radícula (CR). Esses resultados indicam que as quatro variedades de fava estudadas apresentaram comportamentos diferentes para as os genótipos em relação às características % GERM, CR e CPA. Nota-se que todas as características apresentaram baixo

coeficiente de variação, indicando que o experimento foi bem conduzido. As médias da porcentagem de germinação nos testes de germinação, bem como do comprimento da radícula e da parte aérea das plântulas das variedades avaliadas encontram-se na tabela 8.

Tabela 8 - Teste Tukey a 5% de probabilidade para três características avaliadas em quatro variedades de feijão. Tratamentos

Médias características %GERM CR CPA Fortuna 91,75 b 13,20 b 15,95 c Fava Bala 100,0 a 10,60 c 20,10 b Chapada da Torre 99,00 a 15,0, a 24,27 a Crato 0,75 c 0,50 d 0,75 d Médias seguidas de mesma letra, na mesma coluna, não diferem estatisticamente entre si pelo Teste Tukey a 5% de probabilidade. %GERM= Percentual germinativo; CR= Comprimento da radícula; CPA= Comprimento da parte aérea.

No que diz respeito ao comprimento da raiz primária, as variedades analisadas deferiram estatisticamente entre si pelo teste de Tukey a 5%. A variedade Chapada da Torre apresentou maior comprimento da radícula e a variedade Crato obteve a menor média para comprimento da radícula. Em relação ao comprimento da parte aérea, as variedades analisadas também deferiram estatisticamente entre si pelo teste de Tukey a 5%. A variedade Chapada da Torre foi a que apresentou melhor média e a variedade Crato foi a que obteve a pior média para comprimento da parte aérea. Em relação a porcentagem de germinação as variedades Fava Bala (100%) e Chapada da Torre (99,0%) apresentaram os melhores resultados e não houve diferença significativa entre elas. A variedade Crato foi a que se obteve a pior porcentagem de germinação (0,75%). A variedade Chapada da Torre foi a que apresentou o melhor crescimento da parte aérea e da radícula e melhor porcentagem de germinação, indicando que esta cultivar apresentará crescimento e desenvolvimento iniciais mais rápidos do que as outras variedades sendo assim a mais vigorosa.

Referências

Considerações Finais

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Conclui-se que as variedades de milho, feijão, e fava avaliadas obtiveram um bom percentual de germinação mostrando que as sementes crioulas coletadas dos agricultores e armazenadas no banco de germoplasma da Universidade Federal do Cariri, são materiais viáveis e vigorosos principalmente no parâmetro crescimento da raiz.

LABOURIAU, L. G. A germinação de sementes. Washington: OEA, 1983. 174p. LARRÉ, C.F., et al. Testes de germinação e emergência em sementes de maracujá submetidas a envelhecimento acelerado. 89


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PANIS B, LAMBARDI M. Status of cryopreservation technologies in plants .

90


Pesquisa em Foco

ATRATIVIDADE DE INSETOS EDÁFICOS POR ISCAS ALIMENTARES NA MATA ÚMIDA DA FLORESTA NACIONAL DO ARARIPE

1 Introdução

Raul Azevedo Técnico de Entomologia/UFCA raulbiologo@gmail.com

José Antônio de Lima Engenheiro Agrônomo/UFCA ceará@yahoo.com.br

Gilberto Barbosa Oliveira e Silva Agronomia/UFCA gilbarbosa_musico@hotmail. com

Ricardo Braga de Farias Agronomia/UFCA ribrava@live.com

Itamizaele da Silva Santos Agronomia/UFCA itmayzaelly@hotmail.com

Francisco Roberto de Azevedo Professor/UFCA razevedo@ufc.br

importantes na manutenção do equilíbrio na natureza (SAMWAYS,1995). Dentre os artrópodes estão os insetos da macrofauna de solo que atuam na ciclagem de nutrientes por fragmentação e ingestão de material presente na liteira. Estes animais interagem com outros microrganismos, os quais decompõem e mineralizam os detritos do solo (HÖFER et. al., 2001), afetando a estrutura do solo e alterando as suas propriedades físicas e biológicas. Os insetos juntos com representantes de outros filos, como nematóides, anelídeos e crustáceos terrestres contribuem mecanicamente para a incorporação da matéria orgânica no solo e sua degradação (#GULLAN; CRANSTON, 2005)#. Nesse sentido, uma porção significativa dos insetos é encontrada no ambiente edáfico, onde alguns grupos apresentam hábitos escavadores, contribuindo assim, para aeração do solo, drenagem, rotatividade da matéria orgânica do solo e auxílio no fluxo de energia na cadeia alimentar (#GILLOTT, 2005)#. Araújo et al. (2010) afirmaram que as armadilhas de solo, tipo pitfall, são especialmente voltadas para insetos que caminham sobre o solo por incapacidade de vôo ou por preferência de habitat. Podendo ter sua eficácia aumentada pela presença de atrativos, como iscas e devendo ser colocadas no mesmo nível do solo para não ser percebida pelos animais e para auxiliar na captura. Para capturar formigas carnívoras recomenda-se utilizar sardinhas ou atum, bem como, iscas ricas em carboidratos, a base de biscoitos, mel, geleias ou cremes à base de amendoim para formigas doceiras (#BESTELMEYER et al., 2000)#. Para insetos necrófagos utiliza-se carne fresca ou carne em putrefação e frutas em fermentação para insetos frugívoros (#GULLAN; CRANSTON, 2005)#, assim como, excrementos humanos e de diversos animais para inseto coprófagos (#AQUINO et al., 2006)#.

Os inventários e a identificação de insetos nos ecossistemas permitem as prevenções ou remediações de impactos nos diferentes ambientes, caracterizando a importância de estudos que identifiquem grupos de indicadores ecológicos potenciais, demonstrando assim, as respostas das comunidades de insetos frente às perturbações ambientais (WINK et al., 2005). Segundo Socarrás (1998), a fauna do solo é afetada por fatores como qualidade da matéria orgânica, pH, temperatura, umidade, textura, cobertura vegetal, bem como as práticas agrícolas que promovem alteração na abundância de organismos e diversidade de espécies, podendo representar uma alteração das próprias características do solo. O objetivo deste estudo foi avaliar que isca atrai a maior diversidade de famílias e abundância de insetos edáficos presentes na mata Úmida da Floresta Nacional do Araripe, buscando verificar se existem iscas preferenciais para cada grupo taxonômico. 2 Fundamentação Teórica As florestas reduzem a compactação e a erosão do solo pela atenuação do impacto da água da chuva e as copas das árvores reduzem a velocidade dos ventos (CASTRO et al., 1996). Elas fornecem um microclima favorável em termos de umidade, temperatura e incidência solar para o desenvolvimento de uma maior diversidade de organismos (FERREIRA; MARQUES, 1998). Já o solo possui papel importante na manutenção das fontes de água, nível dos rios, na filtragem e armazenamento de água e elementos químicos. Assim, o uso do solo de acordo com a sua aptidão garante sua conservação e proteção ambiental garantindo a todos os seres, uma melhor qualidade de vida (NASCIMENTO et al., 2004). Os artrópodes são abundantes em praticamente todos os ecossistemas terrestres e decompõem aproximadamente 20% da folhagem anualmente produzida no planeta, sendo dessa forma 91


Caderno de Experiências 3 Procedimentos Metodológicos

70% e, em seguida, levados ao Laboratório de Entomologia Agrícola da Universidade Federal do Cariri, Campus do Crato, para triagem e identificação em nível de ordem e família, utilizando-se chaves ilustradas de identificação (BUZZI, 2008; TRIPLEHORN; JOHNSON, 2011).

3.1 Local de estudo A pesquisa foi realizada na Floresta Nacional do Araripe (FLONA-Araripe), em sua parte localizada na região do Cariri cearense, município do Crato, no período de 20 de setembro a 29 de novembro de 2013 na Mata Úmida constituída por vegetação lenhosa de médio porte, com alguns elementos alcançando uma altura de 11 a 15 metros, fuste retilíneo, ramificações altas, apresentando um subbosque composto pela regeneração natural, muito densa (Lima et al., 1984), localizada a 7º 15’ 18,82’’ S, 39º 29’ 31,95’’ W e altitude de 4.024 metros.

3.4 Análise dos dados A atratividade das iscas foi avaliada por meio de Anova-I, utilizando-se para tal o programa PAST (HAMMER, 2001). Os dados meteorológicos foram obtidos pelo INMET(2013). Para fins de estudo, foram considerados insetos abundantes somente aqueles que atingiram um número igual ou superior a 100.

3.2 Aplicação dos tratamentos e instalação das armadilhas 4 Resultados e Discussão Os tratamentos foram representados por iscas alimentares constituídas por carne de frango em putrefação (três dias em temperatura ambiente), esterco de suíno fresco, sardinha em conserva, banana em processo de fermentação (quatro dias em temperatura ambiente envolvida em filme plástico), etanol (álcool 96º), além da testemunha (armadilha sem isca), distribuídas em quatro repetições, totalizando 24 unidades amostrais constituídas de armadilhas de solo. Essas armadilhas foram confeccionadas utilizando garrafas plásticas tipo PET transparente de dois litros cortadas na parte superior e com 10 cm de diâmetro e 15 cm de altura, mantendo-se sua abertura ao nível do solo e colocando-se a parte retirada dentro delas para funcionar como funil. No interior de cada garrafa, foi colocado 250 mL de uma solução de água + detergente neutro na proporção de 3:1 para quebrar a tensão superficial da água. Sobre o funil foram colocadas às iscas penduradas e enroladas em um pedaço de organza, presas por uma liga, amarradas a um arame e dentro de porta iscas confeccionados com pequenas garrafas PET de 250 mL. As armadilhas foram dispostas em quatro linhas paralelas, contendo seis armadilhas em cada linha, com espaçamentos de 30 m nas linhas e entre elas, obtendo-se umaárea efetiva de 13.500m2.

4.1 Abundâncias dos insetos Foi coletado um total de 10.083 insetos edáficos, distribuídos em seis ordens e10 famílias, conforme apresentado na Tabela 1. A subfamília mais abundante foi Myrmicinae com 2.814 insetos, seguida da família Scolytidae com 2.569. As formigas podem ser carnívoras, alimentando-se de carne de outros animais (vivos ou mortos); algumas são fitófagas, outras se alimentam de fungos e muitas se alimentam de seiva, néctar e melado exsudado de outros insetos como pulgões e cochonilhas (TRIPLEHORN; JOHNSON, 2011). Na Mata Úmida existem todas essas fontes de alimentação, daí a grande ocorrência desses insetos com grande diversidade alimentar. A preferência alimentarpelas iscas não foi significativo para a maioria das famílias exceto para Gryllidae submetida às iscas de banana e esterco suíno, Blattidae em sardinha e sem iscas e Scolytidae para banana, esterco suíno, etanol e sardinha (Tabela 2), demonstrando que essa família tem uma grande diversidade alimentar. Os insetos edáficos apresentam hábitos alimentares diversos, apresentando diversas adaptações fisiológicas para a captura, digestão e localização do alimento. O processo de alimentação consiste na seleção do alimento por meio de sinais químicos, visuais e mecânicos e sua eventual ingestão e assimilação dos nutrientes (GILLOTT, 2005). Os insetos podem ser predadores especialistas ou generalistas, e esses por sua vez, potencializam a sua capacidade de explorar recursos alimentares, alternando as fontes alimentares de acordo com sua conveniência (SCHOWALTER, 2006).

3.3 Coleta dos insetos nas armadilhas As coletas dos insetos nas armadilhas foram feitas semanalmente, substituindo-se as iscas alimentares e as soluções de água + detergente. Para recolher os insetos das armadilhas com a solução líquida, utilizou-se uma peneira de plástico de malha fina. Os insetos coletados foram acondicionados em recipientes plásticos de 100 mL contendo álcool a

92


Pesquisa em Foco Tabela 1.Número total de ordens, famílias e espécimes de insetos coletados nas armadilhas de solo contendo iscas alimentares nas dez avaliações realizadas na Mata Úmida da Floresta Nacional do Araripe, Crato-CE, 2013.

Ordens Coleoptera

Hemiptera Orthoptera Blattodea Hymenoptera Dermaptera Total Total Geral

Famílias Scolytidae Nitidulidae Curculionidae Staphylinidae Scarabaeidae Cydnidae Gryllidae Blattidae Formicidae Forficulidae

Sem isca 408 72 13 3 9 200 145 81 4 4 1.254

Iscas alimentares Frango Esterco Sardinha 161 875 75 9 201 57 16 27 7 6 16 2 2 0 1 252 335 108 140 382 118 258 412 170 6 12 2 6 12 2 1.262 2.981 964

Banana 552 21 11 6 0 360 175 557 12 12 2.283

Etanol 498 64 20 3 1 107 197 87 13 13 1.339

Total 2.569 424 94 36 13 1.362 1.157 1.565 49 49 10.083

Tabela 2: Atratividade das iscas alimentares frente às famílias coletadas. Famílias

Frango

Banana

Esterco Suíno

Etanol

Sardinha

Cydinidae

NS

NS

NS

NS

NS

NS

Gryllidae

NS

SIG

SIG

NS

NS

NS

Blattidae

NS

NS

NS

NS

SIG

SIG

Formicidae

NS

NS

NS

NS

NS

NS

Nitidulidade

NS

NS

NS

NS

NS

NS

Scolytidae

NS

SIG

SIG

SIG

SIG

NS

Forficulidae

NS

NS

NS

NS

NS

NS

Staphilidae

NS

NS

NS

NS

NS

NS

Curculionidae

NS

NS

NS

NS

NS

NS

Scarabaeidae

NS

NS

NS

NS

NS

NS

4.2 Variação temporal das famílias mais abundantes

Sem isca

período e que a média das temperaturas nos dias das coletas foi de 28°C, enquanto que a média da umidade relativa do ar foi de 51%. A variação temporal das famílias coletadas é evidenciada na Figura 1.

Os valores de precipitação, temperatura e pluviosidade estão apresentados na Tabela 3. Observa-se que não houve precipitação durante o

Tabela 3. Dados meteorológicos do Município do Crato-CE, 2013 Datas

Precipitação

Temperatura Média

Umidade Relativa

27/09/2013

0

29,85

48,25

04/10/2013

0

27,85

46,66

11/10/2013

0

27,1

43,66

18/10/2013

0

28,75

53,00

25/10/2013

0

28,55

57,66

93


Caderno de Experiências Datas

Precipitação

Temperatura Média

Umidade Relativa

01/11/2013

0

27,15

46,33

08/11/2013

0

28,2

47,66

14/11/2013

0

29,4

53,33

22/11/2013

0

27,15

55,66

29/11/2013

0

28,4

57,66

0

28,24

50,98

Média Fonte: INMET (2013)

Figura 1: Variação temporal das famílias mais abundantes de insetos edáficos durante as coletas realizadas na Mata Úmida da Floresta Nacional do Araripe, Crato-CE, 2013.

A isca de banana capturou mais formigas da subfamília Myrmicinae no dia 27/09/2013, obtendo-se 249 espécimes seguidos da isca de sardinha com 201. A partir desta data houve uma redução nas capturas em todas as iscas, com pequenas oscilações populacionais ao longo das avaliações (Figura 1). Nesse dia a temperatura média ficou próxima dos 30oC e ocorreu baixa umidade relativa do ar (Tabela 2). A variedade de iscas ofertadas permitiu que diversas guildas de formigas fossem amostradas, justificando assim o elevado número de indivíduos capturados. A melhor taxa de captura, representada no dia 27/09/2013 (Figura 1), correspondeu ao início das coletas, podendo ser atribuída a temperatura do

local (KASPARI, 2000), favorecendo liberação de odores das iscas, dentre elas a banana e a sardinha, atraindo assim guildas frugívoras e carnívoras. A atratividade de tais iscas é descrita e recomendada no protocolo elaborado por Bestelmeyer et al., (2000) e seguido internacionalmente como forma de padronizar amostragens de formigas. A isca de banana capturou mais besouros escolitídeos no dia 27/09/2013, obtendo-se 262 espécimes, decrescendo as capturas, em seguida, com pequenas oscilações ao longo das avaliações. O esterco de suíno alcançou os maiores picos de capturas nos dias 11 e 18/10/2013, decrescendo em seguida, enquanto que o etanol alcançou maior pico somente no dia 18/10, capturando 202 insetos 94


Pesquisa em Foco (Figura 1). Nessa data a temperatura estava mais baixa e a umidade relativa do ar mais alta (Tabela 3) o que deve ter favorecido uma maior atratividade pela isca, pois não ocorreu uma rápida evaporação do etanol. As coleobrocas perfuram galerias de nidificação em hospedeiros estressados, doentes e em madeiras recém-cortadas (MARINONI et al., 2001). Nessa mata existe uma grande quantidade de árvores mortas que é um ambiente propício para esses insetos. A isca de esterco suíno capturou mais grilos no dia 27/09/2013, obtendo-se 106 espécimes, enquanto que a banana capturou 77. Em seguida, houve redução na captura na isca de banana, enquanto que na de esterco suíno ocorreram oscilações ao longo das avaliações (Figura 1). A Mata Úmida por apresentar um ambiente fechado e com temperaturas amenas, certamente propiciou condições ideais para os grilos, graças a maior concentração de serrapilheira e de matéria orgânica. A fauna desses insetos é pobre em espécies e sua abundância é relativamente baixa em fragmentos de florestas (SPERBER, 1999). Perturbações físicas causam respostas rápidas na comunidadede grilos, podendo ser indicadores em uma escala local (SPERBER et al., 2007). Apesar da isca de esterco suíno ter capturado mais indivíduos da família Scolytidae (Tabela 1), a isca etanólica é a que apresenta melhores valores de captura (Figura 1) desses indivíduos (ROCHA, 2010). Em nosso estudo, a isca etanólica obteve a segunda maior taxa de captura, podendo ser atribuído à grande quantidade de árvores em decomposição ou mortas, as quais poderiam atrair mais a atenção dos espécimes, afastando-os das armadilhas. Estercos de animais são recursos alimentares que concentram grande quantidade de energia e por isso, são utilizados por vários grupos de artrópodes, entre eles muitos besouros (MEDRI; LOPES, 2001). Insetos coprófagos e necrófagos podem ser atraídos por fezes humanas e de diversos animais (AQUINO et al., 2006) e os trabalhos cuja metodologia se baseia na combinação armadilha de solo e iscas têm sido mais eficientes para formigas e besouros. Entretanto Korasaki et al., (2000) constataram que fezes suínas e bananas fermentadas demonstraram baixa atratividade para besouros da família Scarabaeidae. Esses resultados estão de acordo com os encontrados nesse trabalho, pois foram capturados apenas 13 espécimes dessa família que corresponde a apenas 0,13% do total de insetos capturados nas armadilhas (Tabela 2). No Brasil, muitos estudos com coleobrocas incluem levantamentos populacionais utilizando-se de armadilhas iscadas com etanol. Rocha (2010) confirma a predominância da família Scolytidae sobre outros grupos, tanto em número de espécies como em quantidade de indivíduos, corroborando

com os resultados da presente pesquisa. Para insetos coprófagos, #Aquino et al., (2006)# recomenda utilizar estercos humanos e de animais que no caso da presente pesquisa utilizou-se esterco fresco de suíno. Considerações Finais As iscas que atraem uma maior diversidade de insetos edáficos são as de esterco suíno fresco e a de banana em fermentação. Em baixa temperatura e alta umidade a isca de etanol demonstra boa eficiência na captura de Scolytidae. Nas condições da mata úmida e do Cariri cearense a isca de frango apresenta baixa eficiência na captura de insetos edáficos. Foi observada uma grande diversidade de famílias, mas poucas foram dominantes em termos de abundância de indivíduos, como seria esperado em clima tropical. Embora restritos espacial e temporalmente, os resultados deste trabalho possibilitaram observar a atratividade de várias iscas e apreferência alimentar de algumas famílias. Porém, novas amostragens durante períodos mais longos precisam ser realizados com o objetivo de capturar um maior número de indivíduos e, assim, obter maior representatividade das famílias a fim de alcançar resultados mais confiáveis. Referências AQUINO, A. M. et al. Recomendações para coleta de artrópodes terrestres por armadilhas de queda ("pit fall-traps"). Seropédica, Embrapa Agrobiologia, Circular Técnica, 18,8p.,2006. ARAÚJO, C.C. et al. Comparação da abundância de invertebrados de solo por meio da estimação intervalar encontrados em diferentes ambientes na cidade de Ituiutaba – MG. Bioscience Journal, v.26, n.5, p. 817-823, setembro/outubro, 2010. BESTELMEYER, B. T.et al.Field techniques for the study of Ground-Dwelling ants: an overview, description and evaluation. In: AGOSTI, D. et al. (Eds.); Ants: standard methods for measuring and monitoring biodiversity.Washington e London: Smithsonian Institution Press,2000,p.122-145. BUZZI, Z.J. Entomologia didática.4ª Curitiba: Editora UFPR, 2008.

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Pesquisa em Foco

CULTIVO DE MILHO-PIPOCA (Zea mays L.) NO MUNICÍPIO DE CRATO-CE

1 Introdução

Lucas Correia Santana Amâncio Agronomia/UFCA lucas.ochi.correia@gmail.co m

Bráulia Frutuoso Gomes Agronomia/UFCA brauliagf@hotmail.com

Tainara Gomes Martins Agronomia/UFCA tainaravts@hotmail.com

Joana Gomes de Moura Agronomia/UFCA joanagomes1963@hotmail.co m

Jackson Teixeira Lobo Agronomia/UFCA jackson_lob@hotmail.com

Felipe Thomaz Camara Professor/UFCA felipe.camara@cariri.ufc.br

pelo excesso de chuva no período pós-maturação; alta severidade a doenças foliares; ataque de lagarta do cartucho e na espiga; danos mecânicos na colheita e secagem de grãos; e armazenamento em condições inadequadas para conservação da umidade dos grãos (ANGELO, 2014). Diante disso, o objetivo do trabalho foi realizar um plantio de milho pipoca no município de Crato-CE, a fim de mostrar as principais etapas de cultivo dessa cultura, esclarecendo os cuidados necessários para o desenvolvimento em nossa região.

O milho pipoca é um alimento bastante apreciado no Brasil. Entretanto, seu cultivo ainda se restringe a pequenas áreas, mas com boas perspectivas de expansão. Grande parte do milho pipoca encontrado no mercado ainda é importado. Isso se deve, principalmente, à limitação de cultivares de alta qualidade e à tecnologia de produção inadequada (PEREIRA FILHO, 2005a). O milho-pipoca se caracteriza por possuir grãos pequenos e duros que têm a capacidade de estourar quando aquecidos a temperaturas em torno de 180°C, se diferenciado deste modo do milho comum. Pertence à família Poaceae e à espécie botânica Zeamays L., assim como o milho comum (SAWASAKI, 2001). As plantas do milho-pipoca também diferem das do milho comum em outras características e, geralmente, caracterizam-se por serem mais delicadas. Apresentam maior tamanho do pedúnculo, são mais prolíficas, colmos mais finos, folhas mais estreitas e mais eretas, plantas mais baixas, inserção da espiga superior é mais alta, são mais susceptíveis a pragas e doenças (CARPENTIERI-PÍPOLO et al., 2002; CRUZ et al., 2004). Para o pequeno e médio produtor, o cultivo do milho pipoca pode se tornar uma alternativa viável para o incremento da receita familiar. Para isso é necessário que algumas particularidades da cultura sejam atendidas, como por exemplo, a adoção de variedades recomendadas e tratos culturais adequados, como a escolha correta do herbicida para o controle eficiente das plantas daninhas (FREITAS et al., 2010). Considerada uma cultura de elevada rentabilidade, seu produto final possui grande aceitação popular e, em muito, movimenta a economia informal. É presença garantida nos mais diversos estabelecimentos comerciais do ramo de alimentos, seja nas grandes ou pequenas cidades (RANGEL et al., 2011). Os principais problemas da cultura do milho pipoca observados no Brasil são: acabamento e quebramento do colmo, agravado pela necessidade de colheita dos grãos; podridão de grãos causada

2 Época de Plantio No município de Crato-CE o período chuvoso inicia em dezembro, se prolongando até o mês de junho (Gráfico 1). Assim, na opinião de Cruz et al. (2004) recomenda-se para a cultura do milho-pipoca, que é a época de plantio seja estabelecida pelo período chuvoso, devendo o produtor assegurar-se de que durante o período do pendoamento e embonecamento, a lavoura não sofra déficit hídrico, já que as plantas de milho-pipoca possuem o sistema radicular mais superficial e, portanto são mais sensíveis á seca. Gráfico 1: Chuva mensal (mm) no município de CratoCE

Fonte: FUNCEME, 2014

Nas condições em que o experimento foi realizado a época de plantio não foi a ideal, porém as condições climáticas permitiram o cultivo irrigado. A 97


Caderno de Experiências semeadura foi realizada manualmente em três blocos, cujas dimensões foram de 4 x 4,5m, utilizando espaçamento de 0,9m entre linhas. O experimento foi realizado no município de CratoCE, no campus da Universidade Federal do CaririUFCA, no centro de ciências agrárias e da biodiversidade (Latitude: 7°14’S, longitude: 39°22’W). Cada semeadura foi realizada com intervalos de 15 dias entre blocos. No dia 20/08/2014 foi realizada a primeira semeadura.

o de 70 cm. Os espaçamentos reduzidos têm proporcionado melhores rendimentos de grãos, especialmente em densidades mais elevadas (ALEXANDRE 2014). Na condução do experimento foram semeadas 5 sementes por metro linear em linhas de 4 m, com um espaçamento de 90 cm entre linhas e 20 cm entre plantas. Trabalhando com milho comum, Sergio et al. (2002), verificou aumento de 17% no rendimento de grãos, ao reduzirem o espaçamento de 0,90 para 0,70 m. Vittorazzi et al. (2013) analisando os espaçamentos entre linhas de semeadura, verificouse que apenas o rendimento de grãos foi alterado com a mudança dos espaçamentos.

3 Profundidade de plantio A semeadura foi realizada em um latossolo amarelo de textura franco arenosa, com profundidade entre 4 a 6 cm. Para a profundidade de semeadura, devem-se evitar solos mal preparados e com muitos torrões, pois a germinação e o crescimento inicial do milho pipoca são geralmente mais lentos. Assim, quaisquer práticas que facilitem a emergência das plântulas, como um bom preparo do solo, temperatura e umidade adequados e um bom contato do solo com a semente são desejáveis (PEREIRA FILHO, 2005b). Alguns autores citam profundidades consideradas adequadas: Fancelli e Dourado neto (2000) descrevem que essa seria entre 3 e 5 cm para solos argilosos e 4 e 6 cm para solos arenosos.

5 Adubação Durante o cultivo foram realizadas duas adubações, uma de fundação e outro de cobertura. A adubação de fundação foi feita com 350 Kg.ha-1 de NPK, na formulação 4-14-8. A adubação de cobertura foi realizada 21 dias após o plantio, utilizando 60 kg.ha-1 de nitrogênio na forma de sulfato de amônio, seguindo o recomendado para a cultura. Em relação à resposta do milho-pipoca à adubação, trabalhos têm mostrado respostas positivas e significativas dos cultivares quanto à produtividade de grãos, em doses acima de 100 Kg.ha-1 de nitrogênio (BRUGNERA, 2003, p.419).

Figura 1: Profundidade de plantio Figura 2: Adubação de fundação

4 Espaçamento

Figura 3: Adubação de cobertura

O espaçamento é uma caraterística que influencia no rendimento e na qualidade do milho pipoca, principalmente no tocante teor de proteínas. De acordo com Almeida et al. (2000), a adequação do espaçamento e da densidade de semeadura estão entre as técnicas mais importantes para a obtenção de maiores rendimentos de grãos para a cultura. Ainda, de acordo com Sangoi (2001), plantas espaçadas de forma equidistante competem minimamente por nutrientes, luz e outros fatores, maximizando a utilização desses fatores para produção de matéria seca. Normalmente, se usa espaçamentos de 70 a 80 cm entrelinhas, sendo utilizado com maior frequência 98


Pesquisa em Foco 6 Desbaste

no uso de herbicidas, de preferência aqueles registrados no ministério da agricultura para a cultura do milho. A eficácia dos herbicidas é variável entre si e dependente das condições ambientais, da época de aplicação da espécie daninha a ser controlada (MEROTTO Jr. et al., 1997).

O desbaste é feito no sistema de plantio com sementes, quando as plantas apresentarem quatro a cinco folhas definitivas, aproximadamente 21 dias após semeadura. É realizadas eliminando-se as plantas raquíticas e mal desenvolvidas, deixando apenas uma planta por cova. No experimento o desbaste foi realizado de forma manual, semeando três sementes por cova.

Figura 5: Controle manual de plantas daninhas

Figura 4: Desbaste manual

7 Manejo de plantas daninhas

8 Pragas e doenças

A lavoura de milho pipoca deve permanecer no limpo entre 40 e 50 dias após a emergência para que a interferência das plantas invasoras não prejudique o rendimento de grãos, cujo potencial genético não é tão elevado quanto o do milho comum. O controle de plantas daninhas pode ser feito através de capinas, cultivos mecânicos (cultivadores) ou químicos. Na cultura do milho-pipoca, as medidas utilizadas se restringem, na maioria dos casos, ao uso de herbicidas associados a outros métodos de controle (SAWASAKI, 2001). Na condução do experimento o controle de plantas daninhas foi realizado através de capina manual. Essa forma de controle é muito utilizada pelos agricultores de subsistência, embora, essa operação seja recomendável para áreas pequenas. A demanda de mão de obra é grande, requerendo um grande contingente de operários em grandes áreas, o que nem sempre é fácil. Como a capina Manual é uma operação demorada, deve ser iniciada tão logo as plantas daninhas apareçam. A capina manual deve ser realizada, preferencialmente, em dias quentes e secos e com o solo com pouca umidade. Cuidados devem ser tomados para evitar danos às plantas de milho pipoca, principalmente às raízes (MOREIRA, 2007). .A capina mecânica realizada através de cultivadores, pode ser tracionada por animais ou tratores, assim como a capina manual deve ser realizada nos primeiros 40 a 50 dias após a semeadura. O método de controle químico consiste

Embora que no experimento realizado não houve nenhuma incidência de pragas ou doenças, há alguns fatores fitossanitários que precisam ser monitorados e avaliados para que não haja ocorrência das mesmas. As pragas do milho pipoca são basicamente as mesmas pragas do milho para a produção de grãos. O controle deve ser feito com os mesmos produtos recomendados e utilizados para o milho comum. Em comparação às cultivares de milho, geralmente as plantas do milho pipoca são mais suscetíveis a pragas e a doenças, sofrendo, assim, maior dano com ataque de nematóides, por ter um sistema radicular menos desenvolvido, o que torna a planta mais suscetível ao acamamento e a seca. A praga mais importante economicamente do milho é a lagarta-do-cartucho. A ação dessas lagartas se dá através da raspagem das folhas deixando áreas transparentes. Atacam o cartucho, chegando a destruí-lo completamente. O estádio da planta de milho mais sensível ao ataque é o de 8-10 folhas. Em períodos de seca sua população aumenta, e hoje, essa praga passou a atacar no início, cortando plantas rente ao solo, quando ocorre seca acentuada. De acordo com Sawasaki (2001), o controle se dá o milho através da pulverização em alto volume, com bico tipo leque quando a população da praga atingir o nível de dano econômico (20% de plantas atacadas). Como a planta do milho pipoca é superprecoce e mais suscetível ao ataque da lagarta-docartucho, deve-se fazer seu controle até o início do 99


Caderno de Experiências pendoamento ou até quando for possível a entrada do pulverizador na lavoura. A qualidade final do milho-pipoca tem a mesma importância da produtividade. Um dos principais fatores que afetam a qualidade do milho-pipoca é o surgimento de pragas e doenças. De acordo com os dados obtidos na EMBRAPA (2010), a principais doenças que atacam o milho no Brasil são: a helmintosporiose (Exserohilum turcicum), a ferrugem comum (Puccinia sorghi), a ferrugem polissora (Puccinia polysora), os enfezamentos e as podridões de espiga merecem destaque. O grau de importância varia de ano para ano e de região para região, de acordo com os fatores climáticos. Geralmente é muito complicado e economicamente inviável o controle curativo, por isso recomenda-se maior atenção para o controle preventivo destes fatores. As medidas de controle, como o uso de cultivares resistentes, rotação de culturas, época de plantio, espaçamento e densidades adequados, época de colheita e controle químico são recomendadas para o controle de doenças na cultura do milho.

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Pesquisa em Foco norte fluminense- Universidade Estadual do Norte Fluminense, RJ, 2013.

101


Caderno de Experiências

DESEMPENHO DE FRANGOS DE CORTE DE CRESCIMENTO LENTO NA FASE FINAL ALIMENTADOS COM RESIDUOS DE FRUTAS

1 Introdução

Leandro Moreira Da Silva Agronomia/UFCA leandro.moreira19@outlook.c om

Williane Thamires dos Santos Agronomia/UFCA williane_thamires@hotmail.c om

Maria Nagila Ferreira da Costa Agronomia/UFCA mmarianagila@gmail.com

Joaquim Furtado de Macêdo Agronomia/UFCA joaquim.do@hotmail.com

Francisco Luiz de Sousa Silva Agronomia/UFCA luiz.sousasilva@hotmail.com. br

irani ribeiro vieira lopes Professor/UFCA iranivl@cariri.ufc.com

sendo o Brasil oterceiro maior produtor de frutas, com uma produção acima de 35 milhões de toneladas, cerca de 5% da mundial, ficando atrás apenas da China e da Índia (FAO, 2006). No entanto, o processamento de frutas pelas indústrias gera grandes quantidades de resíduos, que podem ser perfeitamente utilizados no desenvolvimento de novos produtos alimentícios, aumentando seu valor agregado (UCHÔA, 2007). O estudo de alimentos alternativos torna-se necessário não apenas em razão do seu efeito poluente, mas também da busca por rações economicamente viáveis e eficientes. Para seu uso correto, é importante conhecer seus valores nutricionais, e seu conteúdo relativo de energia, visto que os níveis energéticos das rações são o principal fator limitante para o ótimo desempenho das aves (NUNES, 2000; ALBINO, 1995). Este trabalho teve como objetivo avaliar o desempenho de frangos de corte de crescimento lento na fase final alimentados com resíduos de frutas.

O frango de corte, entre os animais produtores de alimentos para o homem, destaca-se por transformar produtos de origem vegetal em proteína de alta qualidade. Entretanto, no sistema de produção de aves, o gasto com a alimentação corresponde a aproximadamente 80% do custo total. Estas constatações têm levado produtores e técnicos a buscar medidas alternativas que reduzam os custos, pois as oscilações ocorridas nos preços dos principais insumos utilizados na nutrição desses animais (milho e soja) têm levado o setor avícola a vivenciar fortes crises econômicas (RAMOS et al., 2006). De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA, 2013) o setor avícola brasileiro emprega mais de 3,6 milhões de pessoas, direta e indiretamente, e responde por quase 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. O setor é representado por dezenas de milhares de produtores integrados, centenas de empresas beneficiadoras e dezenas de empresas exportadoras. A importância social da avicultura no Brasil se verifica também pela presença maciça no interior do país, principalmente nos estados do Sul e Sudeste. Em muitas cidades a produção de frangos é a principal atividade econômica. Em 2011 a produção brasileira atingiu a marca histórica de 13,058 milhões de toneladas, garantindo ao Brasil uma posição entre os três maiores produtores mundiais de carne de frango, com Estados Unidos e China. Desse total, cerca de 69% permanecem no mercado interno, o que comprova a força dessa indústria para o país. O consumo per capita de carne de aves no Brasil está em aproximadamente 39 quilos por ano. Nas exportações, o Brasil mantém, desde 2004, a posição de maior exportador mundial, tendo terminado 2011 com a marca de 3,9 milhões de toneladas embarcadas para mais de 150 países. Com esse desempenho, a carne de frango brasileira aumentou ainda mais sua presença na mesa dos consumidores no Brasil e no mundo. A fruticultura mundial foi responsável pela produção de 504,9 milhões de toneladas em 2005,

2 Fundamentação Teórica MACARI et al. (1994) afirma que com a incorporação dos avanços na nutrição e na tecnologia aplicados atualmente nos aviários, associado com o melhoramento genético, em que diminuiu o tempo até o abate do frango de corte, tem colocado a avicultura brasileira como o setor de produção mais avançada do mundo. As exigências nutricionais dos frangos, para tornálos excelentes transformadores da alimentação em carne, variam de acordo com as zonas climáticas e as fontes de alimento. Juga-se necessária uma maior atenção para as condições de ambiente e para a alimentação econômica, visando-se adquirir uma produção e produtividade compensatórias (ROBINSON, 2003). A produção de etanol e biodiesel tem levado grande parte do milho e da soja a serem destinada em grande quantidade para a produção do mesmo, fazendo com que aumente o custo destes ingredientes no mercado, e que a alimentação 102


Pesquisa em Foco Tabela 1. Composição percentual e níveis nutricionais calculados da ração utilizada na fase final (57 -70 dias) para frangos de crescimento lento.

animal busque meios alternativos como fonte de alimentos (BRUM JÚNIOR, 2009). O alto valor nutritivo do grão de milho como produto alimentício destinado ao consumo humano e a necessidade de seu uso na composição de raçoes para monogástricos elevam seu custo, fazendo com que os produtores busquem alimentos alternativos (FREITAS, 2012). A introdução de produtos alternativos nas rações não implica em mudar totalmente a alimentação animal, mas promover medidas alternativas para reduzir custos na criação de aves em regiões onde se tem a dificuldade de adquirir certos insumos clássicos como é o caso do milho (CUNHA et al., 2006). O conhecimento do conteúdo energético dos alimentos trona-se indispensável, pois é necessário fornecer uma quantidade adequada de energia e nutrientes para que estes animais possam expressar ao máximo seu potencial produtivo (OLIVEIRA NETO et al., 2000).

Ingredientes

Final

Milho grão Soja farelo, 45% Fosfato Bicálcico Óleo de soja Calcário Sal comum

66,97 26,96 1,08 3,16 1,14 0,38

Suplemento vitamínico-mineral1 DL- metionina, 99% Bac-zinco Coxistac Cloreto de colina TOTAL

0,15 0,05 0,05 0,00 0,00 100,0

Composição calculada

3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi realizado no Centro de Ciências Agrárias e da Biodiversidade da Universidade Federal do Cariri (UFCA), no campus Crato, no período de 01 de junho a 15 de julho de 2014. Foram utilizadas 133 aves da linhagem pescoço pelado vermelho, fêmeas, no período final (57 a 70 dias de idade) alojadas em 20 piquetes orientados longitudinalmente no sentido leste-oeste. Cada piquete foi constituído de uma parte de alvenaria de 2 m2, pé direito de 2,8 m, coberta por telhas de barro e piso cimentado e uma área ao ar livre, de 28 m2 (2,8 m2/ave) cercada por tela de arame com 1,8 m de altura. Os piquetes foram equipados com bebedouros do tipo pendular e comedouros tubulares. O sistema de produção adotado neste experimento foi o de semiconfinamento, caracterizado pela liberação das aves em piquetes durante o dia e o confinamento durante o período da noite. O programa de luz adotado foi de iluminação contínua durante 24 horas, sendo utilizada luz artificial com lâmpadas incandescentes (100 Watts) no período noturno. O monitoramento da temperatura e da umidade relativa do ar foi realizado por meio de dois termômetros aferidos duas vezes ao dia. As aves foram distribuídas em um delineamento inteiramente casualizado, com quatro tratamentos e cinco repetições com sete aves por unidade experimental. Os tratamentos constaram de quatro rações, sendo uma ração controle à base de milho e farelo de soja e as demais foram formuladas substituindo 10% do milho por resíduos de abacaxi, caju ou maracujá, conforme tabela 1.

Energia metabolizável, kcal/kg

3.150

Proteína bruta, % Matéria Seca, % FDA, % FDN, % Extrato etéreo % Cálcio, % Fósforo disponível, % Sódio, % Lisina total, % Metionina total, % Metionina + Cistina, % Treonina total, % Triptofano total, %

17,50 88,47 4,44 11,71 6,05 0,79 0,30 0,17 0,91 0,32 0,62 0,69 0,21

Níveis de garantia por kg do produto: Vitamina A 5.500.000 UI, Vitamina B1 500mg, Vitamina B12 7.500mcg, Vitamina B2 2,502mg, Vitamina B6 750mg, Vitamina D3 1.000.000 UI, Vitamina E 6.500 UI, Vitamina K3 1.250mg, Biotina 25mg, Niacina 17,5g, Ácido fólico 251 mg, Ácido pantotênico 6.030mg, Cobalto 50mg, Cobre 3.000mg, Ferro 25g, Iodo 500mg, Manganês 32,5g, Selênio 100.05mg, Zinco 22,49g.

Neste experimento foi analisado o consumo de ração (RC), o ganho de peso (GP) e a conversão alimentar (CA). O ganho de peso foi determinado pela diferença entre o peso da fase de crescimento das aves e da fase final. O consumo de ração foi determinado pela diferença entre a quantidade de ração fornecida e as sobras. Com o resultado do ganho de peso e do consumo da ração foi calculada a conversão alimentar. As análises estatísticas dos dados de desempenho na fase final foram realizadas utilizando-se o “Statistical Analyses Sistem” (SAS, 2000). A 103


Caderno de Experiências comparação das médias entre as rações foi realizada pelo teste SNK (5%).

32ºC 21,88ºC, respectivamente. O valor médio máximo e mínimo da umidade relativa do ar foi de 69,84 41,88. Os valores médios do consumo de ração, ganho de peso e conversão alimentar das aves na fase final não foram afetados pela inclusão de resíduos de abacaxi, caju e maracujá na ração (tabela 2).

4 Resultados e discussão As médias das temperaturas máxima e mínima nos piquetes, durante o período experimental, foram de

Tabela 2. Desempenho de frangos de corte de crescimento lento alimentados com rações contendo 10% de resíduos de abacaxi (RA), caju (RC) e maracujá (RM) na fase final. Variáveis Consumo de ração (kg/ave) Ganho de peso (kg/ave) Conversão alimentar

Tratamentos Controle 10% RA 10% RC 1,755 1,844 1,732 0,565 0,525 0,472 3,15 3,53 3,68

Nesse experimento o consumo de rações formuladas com 10% dos resíduos testados foi similar ao consumo da ração testemunha à base de milho e farelo de soja. De forma semelhante, Vieira et al. (2008) trabalhando com diferentes níveis de inclusão de farelo resíduo de manga (0; 2,5; 5; 7,5 e 10%) constataram que a inclusão deste co-produto não influenciou o consumo de ração em nenhum dos níveis avaliados. Como as rações eram isoenergéticas, o consumo de ração provavelmente não foi afetado pelos tratamentos (RAMOS et al., 2006). Silva Filha (2004), trabalhando com níveis de inclusão: O, 8, 16 e 24% do farelo do pseudofruto do caju desidratado em rações de frangos de corte machos, observou que o maior consumo de ração foi obtido com 8%. De acordo com Freitas et al. (2011) o valor energético das rações é o principal fator que regula o consumo de alimentos pelas aves. Assim, a ausência de diferenças significativas entre o consumo das aves que receberam rações contendo resíduos de frutas e àquelas alimentadas com dieta convencional pode estar associada ao fato das rações serem isoenergéticas. Comparando os resultados estatísticos da variável ganho de peso, verificou-se que não houve diferença significativa entre a ração formulada com resíduos de abacaxi, caju e maracujá com a ração controle. Os resultados desta pesquisa fortalece os obtidos por Silva Filha et al (2004), que, ao incluírem até 24% de pseudofruto desidratado de caju em dietas para frangos de corte, também constataram que o ganho de peso não foi influenciado. Entretanto, Gadelha et al. (1978) substituíram o milho pela polpa desidratada de caju em rações para frangos de corte e verificaram que esse alimento prejudicou o ganho de peso das aves. Trabalhos ainda com frangos de corte mostraram que a inclusão de até 5% de farelo de resíduo de manga na ração, não afeta o ganho de peso em

10% RM 1,861 0,497 3,75

Média

CV (%)

1,800 0,51 3,55

7,60 11,59 9,13

nenhuma das fases de criação (VIEIRA et al., 2008). A inclusão do da polpa de caju em raçoes para frango de corte nos níveis de (0, 5, 10 e 15%) não foi influenciou no ganho de peso das aves. (RAMOS et al., 2006) Nesse experimento, a conversão alimentar das aves não apresentou diferença significativa (P>0,05), indicando que a substituição de 10% da quantidade utilizada de milho por resíduos de frutas, não reflete em prejuízo no desempenho das aves. O fato das aves não apresentarem diferenças significativas no consumo de ração e no ganho de peso foi determinante para obtenção desse resultado. Entretanto, RAMOS et al. (2006) constataram que o aumento da inclusão de polpa de caju desidratada piorou a conversão alimentar das aves devido ao fato do caju apresentar grande teor de tanino. Por sua vez SILVA FILHA et al (2004) também constataram que a inclusão de 24% de polpa de caju desidratado na dieta para frangos de corte piorou a convenção alimentar. GADELHA et al (1978) verificaram piora da conversão alimentar como resultado do aumento dos níveis de polpa de caju nas dietas. No experimente realizado por VIEIRA et al (2008) conversão alimentar piorou (P<0,05) nos níveis de 7,5 e 10,0% de resíduo do farelo de manga no período de 1 a 21 dias de idade. Considerações Finais A inclusão de até 10% de resíduos de abacaxi, caju e maracujá nas rações finais de frangos de corte de crescimento lento pode ser utilizada sem que haja redução no desempenho das aves.

104


Pesquisa em Foco Referências

licenciatura plena em ciências Universidade estadual da Paraíba.

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Pesquisa em Foco Alyne Araújo da Silva Agronomia/UFCA aasl_21@hotmail.com

INTERAÇÃO ENTRE A BACTÉRIA AZOSPIRILLUM E FUNGO MICORRIZICO ARBUSCULAR NA CULTURA DE FEIJÃO CAUPI (Vigna unguiculata (L.) Walp)

Rosangela Felesmino de Sousa Agronomia/UFCA rosangelasousaagro@hotmail.com

Gabriel Silva Agronomia/UFCA gabriel_aiuaba@yahoo.com.br

Ana Carolina Alves Caldas Agronomia/UFCA carol_alvesdecaldas@hotmail .com

João Paulo Bezerra Saraiva Professor/UFCA joaopbsaraiva@yahoo.com.br

1 Introdução

uma melhora na nutrição de fósforo de plantas leguminosas. Assim, o conhecimento da ecologia dos FMA e população de fungos micorrízicos arbusculares (FMAs) e sua simbiose é de grande importância quando se deseja manejar as populações nativas para obter-se o máximo do potencial das espécies micorrízicas em benefício de espécies vegetais (ANTONIOLLI et al., 2002). Além da utilização de micorriza podemos ver também os benefícios entre associação de leguminosas e bactérias fixadoras de nitrogênio, que podem ser obtidos através de inoculação de sementes no momento do plantio. Segundo Hungria (2011), a inoculação de Azospirillum é recomendada para trigo e milho, observando aumento na produtividade de ambos. Essa bactéria é responsável por auxiliar na fixação biológica do nitrogênio, além de contribuir para a atividade da enzima redutase do nitrato, produzir hormônios como citocinina, giberelinas, auxinas e etileno, fazendo parte do grupo de bactérias promotoras de crescimento (STRZELCZYK e KAMPER, 1994). Em trigo e em outros cereais, o principal efeito de Azospirillum parece ser na promoção do crescimento radicular, que, em condições favoráveis, beneficia a absorção de nutrientes e de água (DUBROVSKY et al., 1994), aumentando em alguns casos, a assimilação de nitrato (FERREIRA et al., 1987). Objetivou-se verificar a os efeitos da interação entre bactérias promotoras do crescimento (Azospirillum) e fungo micorrizico arbuscular (Glomus fasciculatum) no desenvolvimento de plantas de feijão Caupi.

O feijão é um dos principais alimentos da população brasileira, tendo um grande consumo e uma grande produção em quase todas as regiões do país. Durante o ano de 2014 tivemos um total de três safras, sendo os valores totais apresentados de 1.467.614; 1.441.798 e 461.876 respectivamente. O feijão-caupi (Vigna unguiculata (L.) Walp), também conhecido como feijão-de-corda principalmente pela população rural, trata-se de uma leguminosa com alto valor nutritivo e rico em proteína. É uma cultura cultivada predominantemente por pequenos agricultores para consumo próprio e comercialização, devido a ter uma boa aceitação no mercado. Em regiões do país, como por exemplo, o Centro-Oeste, a produção de feijão Caupi é utilizada como alternativa de sucessão ao plantio de milho e soja. Seu consumo pode ser de várias formas, mas a sua maior utilização é como “feijão-verde”, onde possui um teor de umidade entre 60 e 70%. Além dos seus valores nutricionais o feijão Caupi desenvolve um papel socioeconômico, pois possui um elevado potencial produtivo o que auxilia e melhora a geração de renda dos pequenos agricultores. O Caupi é um cultivar que não possui muitas exigências em relação à fertilidade do solo devido ser uma planta fixadora de nitrogênio (N2), um dos elementos fundamentais para o seu desenvolvimento. Uma alternativa para conseguir uma boa produção dessa cultura é justamente o fornecimento de nitrogênio a planta, esse fornecimento pode ser realizado através da adubação nitrogenada, porém, essa prática possui um custo elevado o que inviabiliza em alguns casos sua utilização. Nas leguminosas, como o feijão Caupi, uma das maneiras encontradas pelas plantas é a associação com fungos micorrízicos arbusculares (FMA), na busca pela sobrevivência e desenvolvimento da planta em condições do semiárido. Fungos micorrízicos arbusculares são recentemente classificados pertencentes ao filo Glomeromycota, na ordem Glomerales (SCHÜBLER et al., 2003). A associação desses fungos também pode ocasionar

2 Fundamentação Teórica O feijão-caupi (Vigna unguiculata) é uma cultura alimentar importante no Brasil, especialmente no Norte e no Nordeste, e com expansão acentuada para a região Centro-Oeste como sucessão entre as culturas do milho e da soja (ZILLI et al., 2011). O feijão-de-corda [Vigna unguiculata (L.) Walp], também conhecido como feijão-Caupi ou feijão macassar, é uma leguminosa comestível dotada de 107


Caderno de Experiências alto conteúdo protéico, boa capacidade de fixar nitrogênio e contribui com a principal fonte de proteína vegetal para a população rural da Região Nordeste do Brasil (ASSIS JÚNIOR et al., 2007; MORAES e BLEICHER, 2007). O Caupi tem alto potencial produtivo e é uma cultura que contribui para fixar o homem no campo, melhorando a renda dos agricultores familiares. No Nordeste, normalmente a precipitação pluvial é bastante irregular, ocasionando o fenômeno conhecido por “veranico” (CARDOSO & RIBEIRO, 2006; TÁVORA et al., 2001; HALL, 2003; PHILLIPS et al., 2003; FREIRE FILHO et al., 2005). É bastante apreciado por seu sabor e cozimento mais fácil, sendo utilizado como “feijão-verde”, em pratos típicos da região Nordestina (FERREIRA & SILVA, 1987; OLIVEIRA & CARVALHO, 1988; SILVA & OLIVEIRA, 1993). O consumo do feijão Caupi na forma de grãos secos, vagens ou grãos verdes como hortaliça, apresentando entre 60 a 70% de umidade (OLIVEIRA et al., 2001). Além disto, esta leguminosa associa-se aos fungos micorrízicos arbusculares (FMA) (DIALLO et al., 2001), que podem contribuir para o aumento da tolerância ao estresse salino. Uma vez que, os FMA constituem em uma alternativa efetiva na sobrevivência e no desenvolvimento das plantas em condições de estresse salino (GIRI et al., 2003; YANO-MELO et al., 2003). Fungos micorrízicos arbusculares são recentemente classificados pertencentes ao filo Glomeromycota, na ordem Glomerales (SCHÜBLER et al., 2003). Avalia-se a sua diversidade e quantidades, em condições de campo, através de estudos qualitativos e quantitativos de esporos existentes em solos de maneira natural, ou seja, em condições de matas nativas (CÓRDOBA et al., 2002). Somente os valores da abundância de esporos no solo não são indicativos da associação micorrízica e mesmo a ausência do esporo não indica necessariamente a ausência do fungo, pois existe um espaço de tempo entre a associação micorrízica e a esporulação (MOREIRA e SIQUEIRA, 2002). O conhecimento do processo de nodulação e conseqüentemente da fixação biológica do N2 (FBN) é uma das formas de aumentar a produtividade da cultura (FRANCO et al., 2002). Segundo Hungria (2011), a inoculação de Azospirillum é recomendada para trigo e milho, observando aumento na produtividade de ambos. Essa bactéria é responsável por auxiliar na fixação biológica do nitrogênio, além de contribuir para a atividade da enzima redutase do nitrato, produzir hormônios como citocinina, giberelinas, auxinas e etileno, fazendo parte do grupo de bactérias promotoras de crescimento (STRZELCZYK e KAMPER, 1994). Em trigo e em outros cereais, o principal efeito de Azospirillum parece ser na promoção do

crescimento radicular, que, em condições favoráveis, beneficia a absorção de nutrientes e de água (DUBROVSKY et al., 1994). Aumentando, em alguns casos, a assimilação de nitrato (FERREIRA et al., 1987). Dentre os processos biológicos que ocorrem na natureza, a fixação biológica do N2 é realizada por um grupo restrito de bactérias, denominadas diazotróficas. Dentre estas, as do gênero Azospirillum, principalmente a espécie A. brasilense, tem sido usada como inoculante em diversas culturas. A interação positiva entre estas bactérias e o milho tem sido demonstrada por vários autores, no entanto o maior obstáculo para a utilização desta tecnologia é a inconsistência de resultados em condições de campo, ligado a fatores como condições edafoclimáticas e interações com a biota do solo (REIS, 2007). A FBN é reconhecidamente eficiente em feijãoCaupi que, quando bem nodulado, pode dispensar outras fontes de N e atingir altos níveis de produtividade (RUMJANEK et al., 2005). Dessa forma, o conhecimento do início da nodulação e conseqüentemente da FBN torna-se importante pois, após a inoculação e o início da FBN, pode ocorrer deficiência de N devido à falta de sincronização entre o esgotamento das reservas de N dos cotilédones e o início da nodulação (HUNGRIA et al., 1994). Na natureza, as populações dos insetos flutuam em função do tempo, devido à ação de fatores ecológicos de natureza abiótica e biótica (SILVEIRA NETO et al., 1976), de modo que sua dinâmica populacional também é altamente influenciada pela heterogeneidade dentro de um mesmo habitat (THOMAZINI; THOMAZINI, 2000), devido a existência de micro habitats e uma ampla gama de condições e recursos oferecidos. Geralmente a fauna urbana é pouco diversificada quando comparada a ecossistemas não urbanos e apresenta algumas poucas espécies dominantes. Essas espécies podem atingir uma biomassa muitas vezes superior à observada em ambientes naturais, por encontrar na cidade um novo ambiente a ser explorado (ISERHARD et al., 2001). O Arajara Park, apesar de ser uma Unidade de Conservação Estadual, exibe influência antrópica devido às instalações existentes no interior do parque baseados na exploração dos recursos hídricos (MOURA, 2013), ofertando ou reduzindo assim a disponibilidade de nichos para existência de diversas espécies. Muitas vezes a expansão de áreas urbanas ou modificadas pelo homem sobre ambientes naturais acabam provocando destruição de inúmeros microhábitats de diversas espécies. Sabendo-se da importância da ação dos insetos diretamente nos sistemas biológicos é importante que seja dada a devida atenção à preservação ambiental e utilização de práticas sustentáveis para manter o equilíbrio (ISHERHARD et al., 2011). 108


Pesquisa em Foco Os bioindicadores, conforme Thomanzini; Thomanzini (2000) e Büchs (2003) devem ter sua taxonomia, ciclo e biologia bem conhecidos e possuir características de ocorrência em diferentes condições ambientais ou serem restritos a certas áreas. Além disso, devem ser sensíveis às mudanças do ambiente para que possam ser utilizados no monitoramento das perturbações ambientais. Diante desse contexto, a utilização de insetos em inventários e estudos ambientais, permite averiguar as alterações ocasionadas pelo próprio ambiente, bem como, as causadas por antropização (MARINHO et al.,1997; NASCIMENTO et al., 2001)

Posteriormente foi realizada a semeadura utilizando três sementes por vaso. Após a semeadura o experimento foi conduzido durante 40 dias, a irrigação foi feita utilizando regador uma vez por dia. Aos 40 dias após o plantio, foram realizadas as avaliações de massa da matéria fresca com balança de precisão analítica e medida de comprimento da parte aérea e raiz com régua. Em seguida o material foi levado para secagem em estufa com circulação forçada de ar a 60º C por 24 horas, para obtenção da massa da matéria seca da raiz e parte aérea. O experimento foi realizado com Delineamento Inteiramente Casualizado – DIC utilizando o software SISVAR para avaliação dos dados.

3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi conduzido na cidade de CratoCE, Brasil, no campus de Ciências Agrárias e da Biodiversidade da Universidade Federal do Cariri – UFCA, com localização geográfica 7° 3′ 46″ latitude Sul, 39° 24′ 32″ longitude Oeste e 446 m de altitude. De acordo com a classificação climática de Koppen, o clima é do tipo Tropical com estação seca (AW). Primeiramente foi realizada uma mistura de solo e composto orgânico comercial na proporção 2:1, sendo utilizada para preencher 16 vasos contendo 2 kg da mistura. O experimento constou dos seguintes tratamentos: TC (controle); T1 –M+B (sem micorriza, com bactéria); T2 +M+B (com micorriza, com bactéria); T3 –B+M (sem bactéria, com micorriza). Antes do plantio os tratamentos com micorriza receberam 20g de um solo contendo esporos e propágulos de FMA da espécie Glomus fasciculatum. As sementes do tratamento com bactérias foram inoculadas com 1,0 ml do inoculante Azototal® estirpe ABV 5 e ABV 6 para 50 sementes, em seguida foram colocadas para secar.

4 Resultados e discussão Verifica-se na (Tabela 1) que não houve diferença significativa entre os tratamentos com relação ao comprimento, massa da matéria fresca e seca da raiz, massa da matéria fresca e seca da parte aérea. Barbosa et al,.(2013) avaliando a inoculação do feijão Caupi (Vigna unguiculata) (L.) consorciado com leguminosas arbóreas em sistema agroflorestal, encontraram que para o acúmulo de biomassa (MSPA) do Caupi não foi observado efeito da inoculação com fungos micorrízicos, corroborando com o mesmo resultado encontrado neste trabalho. Observa-se que os tratamentos que foram inoculados com fungos micorrízicos arbusculares, apresentaram os maiores valores para a MMFR e MMSR, sem apresentarem os maiores comprimentos de raízes, o que pode ser explicado pela produção da massa fúngica existente nas raízes colonizadas.

Tabela 1. Massa da matéria fresca da parte aérea (MMFPA), massa da matéria seca da parte aérea (MMSPA), massa da matéria fresca da raiz (MMFR) e comprimento da raiz (COMP. RAIZ) de plantas de feijão de caupi, observados ao final do experimento. Tratamentos MMFPA MMSPA MMFR MMSR COMP. RAIZ Controle 23,04 a 4,78 a 4,04 a 0,35 a 17,09 a T1–M+B 25,13 a 4,99 a 3,73 a 0,36 a 18,43 a T2+M+B 23,82 a 4,80 a 4,73 a 0,47 a 16,85 a 3-B+M 23,84 a 4,66 a 4,03 a 0,41 a 14,70 a V (%) 22,18 21,97 54,52 56,70 34,56 *Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferiram estatisticamente a nível de 5% de probabilidade pelo teste de Tukey.

Verificaram-se diferenças estatísticas entre os tratamentos somente na avaliação do comprimento da parte aérea, onde os tratamentos utilizando apenas as bactérias foram maiores, não diferindo do tratamento controle, segundo Silva et al., (2006), verificando inoculação com as estirpes de Bradyrhizobium sp. (BR2001 e NFB-700) no solo e

na semente, não encontraram diferenças estatísticas entre as plantas inoculadas e a testemunha, isto sugere um maior gasto de energia para produção dos nódulos e fixação de N2 que pode refletir uma redução no crescimento da planta. 109


Caderno de Experiências Tabela 2. Médias do comprimento da parte aérea de plantas de feijão de caupi, observadas ao final do experimento.

Tratamentos

DIALLO, A.T.; SAMB, P.I.; ROY-MACAULEY, H. Water status and stomatal behaviour of cowpea, Vigna unguiculata (L.) Walp, plants inoculated with two Glomus species at low soil moisture levels Eur. J. Soil Biology, Paris, v. 37 p. 187−196, 2001.

Comprimento parte aérea

Controle

6,33 a

T2–M+B

6,34 a

T3+M+B

6,01 b

T4-B+M

6,20 ab

CV (%)

4,58

DUBROVSKY, J.G.; PUENTE, M.E.; BASHAN, Y. Arabidopsis thaliana as a model system for the study of the effect of inoculation by Azospirillum brasilense Sp-245 on root hair growth. Soil Biology and Biochemistry, v.26, p.16571664, 1994.

*Médias seguidas pela mesma letra, na coluna, não diferiram estatisticamente a nível de 5% de probabilidade pelo teste de Tukey.

FERREIRA, J.M.; SILVA, P.S.L. Produtividade de “Feijão verde” e outras características de cultivares de caupí. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 22, n. 1, p. 55-58, 1987.

Considerações Finais

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A interação entre bactérias promotoras de crescimento (Azospirillum) e fungo micorrizico arbuscular (Glomus fasciculatum) não afetou o desenvolvimento de plantas de feijão caupi.

FRANCO, M.C.; CASSINI, S.T.A.; OLIVEIRA, V.R.; VIEIRA, C.; TSAI, S.M. Nodulação em cultivares de feijão dos conjuntos gênicos andino e mesoamericano. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.37, n.8, p.1145-1150, 2002.

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J.O. solo.


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SCHÜBLER, A.; SCHWARZOTT, D.; WALKER, C. A new fungal phylum, the Glomeromycota: Phylogeny and Evolution. Mycological

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Caderno de Experiências Gisele de Lima Teixeira Biblioteconomia/UFCA giselelteixeira@gmail.com

A BEATA MARIA DE ARAÚJO NO CENTENÁRIO DE JUAZEIRO DO NORTE: MEMÓRIA E ESQUECIMENTO NA LITERATURA DE CORDEL 1 Introdução

Gracy Kelli Martins Professora /UFCA gracykelli@gmail.com

imagem da beata nas literaturas de cordéis. Isso impulsionou a busca da sua história através deste suporte, entendendo a literatura de cordel enquanto registro cultural de fatos históricos, através das representações dadas pelos cordelistas, que registram suas vivências e observações. Para tanto, este trabalho debruça-se sobre a coleção comemorativa do centenário da cidade de Juazeiro do Norte, em busca dos relatos sobre a beata nos cordéis, de forma que estes, vistos como fontes de informação para a memória, sirvam também como fonte para a constituição de sua história. Para realizar a análise dos 100 folhetos que identificam a beata como símbolo religioso, recorreu-se à técnica de análise do conteúdo, com interesse específico em verificar como se dá a representação da beata e sua memória, preservada nessa produção de significativo alcance no meio popular. Em busca deste percentual histórico da memória da beata Maria de Araújo, reconhece-se a relevância deste trabalho não apenas por tornar conhecida uma dada representação dentro da memória coletiva da história de Juazeiro do Norte, mas também pela possibilidade de abrir novas discussões sobre uma prática cultural que tem a faculdade de reconstituir a memória esquecida nos meios tradicionais de registro documentário, sendo representada e divulgada através da literatura de cordel. Ressalta-se aqui que, este artigo originou-se do trabalho de conclusão de curso da autora (TEIXEIRA, 2013) sob orientação da coautora. Por tratar-se de uma comunicação científica limitada, esta não apresenta a análise pormenorizada dos cordéis que se encontra disponível na íntegra, na monografia depositada na instituição de defesa.

Desde o século XIII, período marcado historicamente pela ocupação da mulher no campo das santidades, ouve-se relatos de milagres protagonizados pelas mulheres santificadas pela Igreja Católica (PEIXOTO, 2006). Dentre tantas santificações, Santa Catarina de Siena tornou-se santa por receber os estigmas de Cristo. Durante uma comunhão religiosa a hóstia consagrada saltou da mão do sacerdote e veio ao encontro de seus lábios. Catarina de Siena, mesmo sendo analfabeta, era europeia, branca, de família nobre, e cultuada mundialmente, sendo considerada pelos fiéis cristãos como Doutora da Igreja. A beata Maria de Araújo protagonizou milagre semelhante e fez de Juazeiro do Norte, cidade do interior do Ceará, um grande centro de romarias, assim como fez de Padre Cícero o santo do sertão. A beata foi perseguida e castigada pela Igreja Católica, foi apagada da história sem menções ou honras de santidade, provavelmente pelo fato de ser brasileira, nordestina, negra, pobre, artesã e analfabeta Padre Cícero é, indiscutivelmente, figura absoluta em Juazeiro do Norte, e no entanto, são poucas as menções históricas à beata Maria Araújo. Há nesta cidade uma rua com seu nome, a casa em que a beata nasceu deu lugar à sede dos Correios, onde é possível encontrar uma placa comemorativa em homenagem à primeira romaria, bem como uma informação de que naquele lugar vivera Maria de Araújo. Na capela do Socorro há um vitral com a representação da beata e uma placa com datas de nascimento e morte, única lembrança de seu túmulo saqueado. Por ocasião do centenário de Juazeiro, no ano de 2012, muitas menções honrosas foram dadas ao Padre visionário, que tornou a cidadezinha de Juazeiro do Norte um polo comercial e rota de milhares de romeiros responsáveis pela circulação da economia local. Para essa celebração, a prefeitura da cidade lançou uma publicação comemorativa de 100 cordéis que contam, a história da cidade em quatro categorias. Nesse espaço histórico vislumbram-se os principais personagens da cidade, e pode-se constatar a presença da beata Maria de Araújo, entre algumas de suas quadras. Mesmo diante à fragilidade dos registos existentes notou-se, inicialmente, certa expressividade da

2 Literatura de cordel: instrumento da memória em Juazeiro do Norte A literatura de cordel nasce com a oralidade e posteriormente com a criação da escrita, e assim, aos poucos, as narrativas em versos passam a ser difundidas aos mais diversificados públicos. Quando se deu a invenção da imprensa, a tiragem de grandes volumes era muito demorada e os produtores optavam por imprimir folhas soltas, originando os pequenos folhetos. Mas, de acordo com Lemaire (2010), essa é uma prática que antecede a invenção da imprensa: 112


Pesquisa em Foco reconhecida como memória, visto que seu resgate reflete o passado, a preservação das tradições produzidas pelos indivíduos enquanto memórias pessoais, e a manutenção desses registros através da tradição de cordel formam as memórias sociais, “que estão voltadas para a construção e reconstrução das representações culturais, através das expressões” e concretude desses registros (HALBWACHS, 2004, p. 72). As memórias pessoal e coletiva se estreitam e se fundem quando dadas a essas formas de representação, pois configuram-se, como memórias sociais. A literatura de cordel nasceu em terras europeias, mas no Brasil, difundiu-se, principalmente no Nordeste e adquiriu traços típicos da cultura da região. No Brasil, essa literatura narra em seus folhetos, com linguagem cheia de ritmos e emoções, comédias, romances, histórias fantásticas, lendas, causos cotidianos e temas atuais. Juazeiro do Norte apresenta diversificadas manifestações artísticas, dentre as quais encontramos a literatura de cordel com acentuado destaque nas representações culturais e históricas. A Tipografia São Francisco, propriedade do poeta José Bernardo da Silva, foi uma das maiores e mais importantes editoras de cordel do Brasil. Na década de 80, com a queda das vendas dos cordéis, a tipografia foi vendida ao Governo do Estado do Ceará. Hoje, chamada de Lira Nordestina, pertence à Universidade Regional do Cariri – URCA. Segundo Renato Casimiro (2013) a Tipografia São Francisco foi outrora uma das glórias da matriz cultural de Juazeiro do Norte e do Cariri. Entre as tantas estórias contadas em cordéis, as trovas relatam lendas, personagens marcantes, mitos urbanos, a exemplo de uma das figuras mais populares de Juazeiro do Norte: Seu Lunga – um senhor, morador da cidade – que ganhou a fama de ser “o homem mais zangado do mundo”, através de relatos feitos à literatura de cordel. Outros personagens ilustram esses contos da memória coletiva, e como não poderia deixar de ser, Padre Cícero Romão tem cordéis que contam anedotas, orações, descrevem a sua chegada à cidade até seu reconhecimento como o santo do sertão. E nesse misto de memórias, crença e críticas, a beata Maria de Araújo recebe menções como personagem coadjuvante em um milagre do qual foi protagonista. Juazeiro do Norte cresceu em torno da fama do padre “milagreiro” e, hoje é a principal cidade da microrregião do Cariri, região sul do Ceará, e também uma das cidades que mais cresce economicamente no estado. O principal setor da economia de Juazeiro é o comércio, que atrai compradores de municípios vizinhos em busca de preços baixos principalmente para a revenda. O turismo religioso também se destaca na cidade. Tabuleiro Grande era distrito dessa cidade e, em 1911, foi emancipada e rebatizada como Juazeiro do

a introdução do suporte papel ocorreu na segunda era feudal, parece que a partir do século XI ou XII, espalhandose progressivamente na Europa a partir da Península Ibérica. Desde esses tempos longínquos, poetas nômades, jograis, Zeitungssinger [cantadores que divulgavam notícias na atual Alemanha], começaram a cantar/declamar as suas novidades, histórias, baladas, lendas e muitos outros gêneros poéticos, manuscritos sobre folhas compridas de papel barato que, durante suas viagens, eles enrolavam ou dobravam uma ou duas vezes para facilitar o transporte. Nomes tais como: pliego suelto, folha solta, rol, vliegblad, broadsheet e também: caderno, heft, schrift existiam desde a Idade Média para esse tipo de manuscritos; muitos deles ilustrados com imagens, geralmente xilogravuras. Esta prática, - pré-tipográfica – existiu na Europa desde a segunda era feudal e até uma época recente. As pessoas compravam esses manuscritos e pregavam-nas na parede da casa onde ficavam guardados (LEMAIRE, 2010, p. 79).

Os folhetos eram inicialmente impressos em papel pardo e mediam cerca de 12 X 18 cm, possuiam 8, 16 ou 32 páginas e continham xilogravuras para ilustração de seus conteúdos. Estes são suporte material para a chamada Literatura Popular em Verso, também conhecida como literatura de cordel ou literatura de folhetos. O cordel, que através da narrativa registra os acontecimentos de um dado período e de um dado lugar, se transforma em memória, documento e registro da história. Tais acontecimentos recordados e reportados pelo cordelista, que além de autor é conselheiro do povo e historiador popular, dão origem a uma crônica de sua época. (GRILLO,2008, p.3)

Seus versos, que surgem primeiramente na forma oral, contando “causos” e revivendo lendas e histórias populares, são registrados em estrofes de quatro versos, as chamadas quadras. Esses relatos evidenciam sátiras, críticas, revivem contos e constituem uma memória, que parte da história oral e tem como suporte de registro os folhetos. A memória relatada nos cordéis, enquanto construto social, pode ser entendida como memória coletiva, por ser uma memória da sociedade, formada pela sociedade (LE GOFF, 2003). A literatura de cordel retrata personagens, tradições, costumes e crenças que originalmente vêm de uma cultura exclusivamente oral. Suas temáticas expressam o cotidiano de uma população permeado entre o real e o imaginário. Essa prática é 113


Caderno de Experiências Norte, nome vindo das três grandes árvores que ficavam à entrada do lugar. O “padrinho Ciço”, como os fiéis carinhosamente o chamam, seria a reencarnação de Cristo. O Padre recém-ordenado em Fortaleza encarregouse da celebração do Natal de 1871 em Tabuleiro Grande. Durante a noite após a missa, enquanto dormia, Padre Cícero sonhou com Cristo, que o incumbiu a missão de cuidar do povo sertanejo. Sonho este, que alguns meses depois trouxe Padre Cícero de mudança para a vila (LIRA NETO, 2009). Durante uma missa, Padre Cícero celebrava a comunhão aos fiéis. A beata Maria de Araújo recebeu o sacramento e a hóstia transformou-se em sangue ao tocar a sua língua. A notícia se espalhou, e o povo, afeiçoado ao Padre que nunca desamparava ninguém, atribuiu a ele um milagre, conhecido como “O Milagre de Juazeiro” e passou a venerá-lo como um santo. Este fato repetiu-se sucessivas vezes com Maria de Araújo e católicos vinham dos mais diferentes lugares, alguns apenas para ver de perto o sangue de Cristo ali derramado na boca da beata, outros para fixar residência na vila abençoada, onde o havia um Padre milagreiro que aconselhava às pessoas que em suas casas houvesse “em cada sala um oratório, em cada quintal uma oficina”, e recebia a todos que queriam uma vida de fé e trabalho. Os boatos do milagre logo chegaram ao Bispo em Fortaleza que se sentiu afrontado por saber do ocorrido não diretamente por Padre Cícero, mas sim por terceiros, e ordenou que o sacerdote afastasse a beata da vila, e a mandasse morar no Crato. O Padre desobedeceu à ordem do Bispo e Maria de Araújo continuou na vila, deixando o epíscopo ainda mais ofendido, o que o levou a conduzir um inquérito para averiguar o ocorrido. Vários padres e médicos atestaram a veracidade do milagre. Não satisfeito com o resultado da primeira investigação, o Bispo conduziu um segundo inquérito e o caso foi considerado pela Igreja como um sacrilégio. A beata foi considerada mentirosa, e o Padre Cícero foi afastado de suas funções sacerdotais (LIRA NETO, 2009). Quase todos os relatos sobre o milagre de Juazeiro colocam o Padre Cícero como seu protagonista. O nome da beata Maria de Araújo foi sendo esquecido, até tornar-se pouco frequente na história e na memória juazeirense. Segundo Silva (2010, p.6), o esquecimento da beata na historiografia de Juazeiro, seja propositalmente ou não, é claramente evidenciado nas obras produzidas acerca do famoso Milagre de Joaseiro. Para contextualizar esse fato, o autor identificou obras1 que associam a cidade de Juazeiro do Norte ao Padre Cícero, em vários aspectos, mas sempre mantendo esquecida a figura da beata Maria de Araújo, protagonista deste milagre, que a fazia

proferir sangue pela boca ao receber a hóstia consagrada das mãos do Padre Cícero (SILVA, 2010). 3 Procedimentos metodológicos A cidade de Juazeiro do Norte comemorou seu primeiro centenário de emancipação política no ano de 2011. A prefeitura municipal, reconhecendo a literatura de cordel como uma das principais manifestações culturais da região, lançou uma coleção de cordéis, organizados em clássicos e contemporâneos, que narram através dos versos os principais acontecimentos, como o milagre de Juazeiro, a guerra de 1914, as romarias, o cinquentenário da cidade, e a história dos principais personagens da cidade, tais como o Padre Cícero, a beata Maria de Araújo, Dr. Floro Bartolomeu, José Marrocos, Zé Lourenço, Alencar Peixoto, Padre Murilo e os romeiros. Buscou-se assim evidenciar as nuances dada à representatividade da beata na história da cidade de Juazeiro do Norte, compreendendo que a coleção de cordéis do centenário é um mecanismo de comunicação, registro e percepção da memória coletiva gravada através da vivência dos cordelista e manutenção das histórias, lendas, mitos e tradições que permeiam a cidade. Tomando como objeto de estudo a coleção comemorativa de 100 cordéis, buscou-se identificar as menções à Beata Maria de Araújo e como esta é registrada a partir da percepção da memória coletiva e imaginário social na literatura de cordel. Para o desenvolvimento desta pesquisa foi adotada a análise de conteúdo que, segundo Martins e Theóphilo (2009) busca a essência de um texto nos detalhes das informações, dados e evidências. A análise de conteúdo baseia-se em descobrir os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação, para posteriormente realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias (BARDIN, 1997). A partir da avaliação com base na análise de conteúdo, foram, em uma seleção prévia, listados todos os cordéis que faziam menção à beata ou ao milagre (quadro 2). Essa categorização buscou compreender as percepções dadas não só no texto (quadras), mas também na sua representação imagética, através da xilogravura e a remissa que cada título potencialmente faz à beata, de forma direta ou indireta. Os títulos que compõem a coleção encontram-se listados no quadro 1, e no quadro 2 foram enumerados os títulos que faziam menção à Beata e, a partir desses procedeu-se a análise.

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Pesquisa em Foco QUADRO 1: Títulos dos cordéis da coleção centenário Título A opinião dos romeiros sobre a canonização do Padre Cícero A prateada morte do reverendíssimo Padre Cícero Romão Batista A profecia do Padre Cícero sobre os mistérios de Juazeiro A queimação dos panos ensanguentados da hóstia A verdadeira história da Lira Nordestina A visita dos romeiros como era antigamente A visita que fez Satanás a Juazeiro e seu triste desespero A xilogravura e seus artistas As lágrimas do Salgadinho: o rio do Padre Cícero As santas palavras do Padre Cícero Romão Batista Centenário da ordenação Sacerdotal do Padre Cícero Cinquentenário de Juazeiro e dados históricos (Juazeiro em 1911) Discussão dum transviado com um romeiro Dr. Floro Bartolomeu da Costa médico, político e guerreiro Em defesa da memória do padre Cícero Romão Em defesa de Juazeiro Hino de Juazeiro História da guerra de Juazeiro em 1914 Homenagem ao Pe. Cícero à Nossa Senhora das Dores Inauguração, sermão e centenário da Matriz de Juazeiro José Marrocos um mártir do milagre Juazeiro ontem e hoje Juazeiro primitivo Lágrimas do último adeus Machadinha de Noé Meu ABC de cordel a Juazeiro do Norte Meu Padim, 150 anos ao lado do romeiro Milagre do Padre Cícero e Maria de Araújo O Caldeirão e o Beato José Lourenço O Cruzeiro do Horto O homem que falou com o diabo em Juazeiro O incêndio do mercado de Juazeiro do Norte O Juazeiro e o Padre Cícero O progresso e a elevação histórica de Juazeiro do Norte O que diz meu Padrinho Cícero sobre a santa romaria O sonho de Frei Damião com o meu padrinho Cícero de Juazeiro do Norte O terrível massacre do Caldeirão do beato Zé Lourenço O valor da oração e o mistério do rosário Os milagres de Juazeiro Os três maiores momentos da história do Juazeiro Padre Cícero do Juazeiro e... Quem é ele? Padre Cícero e Juazeiro ontem e hoje Padre Cícero e o homem com o diabo no corpo Padre Cícero em Roma Padre Cícero pelos caminhos da verdade Padre Joaquim de Alencar Peixoto Profecia de padrinho Cícero sobre a igreja do Horto Resumo biográfico de José Bernardo da Silva Saudação ao Juazeiro do Norte Síntese dos principais acontecimentos históricos 100 Anos no Absurdo A Chegada de Padre Cícero no Céu A Cultura Popular no Centenário de Juazeiro A Grande Batalha: Juazeiro contra o Crato Viva o Nosso Centenário A História de General, o homem que abre portas A morte de Padre Murilo A visita de Dom Fernando a Roma Para a reabilitação do Padre Cícero Alerta, Pocotolândia! A cartilha do maldito Assunção Gonçalves A dama do Juazeiro centenário Caixa de Graxa

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Autor Expedito Sebastião da Silva José Bernardo da Silva Autor desconhecido João Bandeira de Caldas José Lourenço e Joao Bandeira Manoel Caboclo e Silva João Pedro C. Neto Expedito Sebastião da Silva Pedro Bandeira Francisco Peres de Souza Expedito Sebastião da Silva José Bernardo da Silva Estevão Rodrigues João Bandeira de Caldas Expedito Sebastião da Silva José Edimilson Correia (Zé Mutuca) Edjaci Ferreira da Silva João de Cristo Rei João Bosco de Freitas Manoel Caboclo e Silva José Flavio José Edimilson Correia (Zé Mutuca) João Pedro C. Neto Pedro Bandeira Pe. Cícero Romão Batista Paulo Nunes Batista Tony Santos Severino José da Silva (Severino do Horto) Francisco Edésio Batista José Bernardo da Silva João de Cristo Rei Pedro Bandeira Leandro Gomes de Barro Expedito Sebastião da Silva João de Cristo Rei Manoel Caboclo e Silva Geraldo Amancio Severino José da Silva José Edimilson Correia (Zé Mutuca) Maria Rosimar de Araújo Maria do Rosário Lustosa da Cruz Jackson Pires Barbosa Josenir Lacerda Manoel Caboclo e Silva Abraão Rodrigues Maria do Rosário Lustosa da Cruz João de Cristo Rei Expedito Sebastião da Silva Patativa do Assaré Maria Lindalva Machado Ribeiro Luiz Gustavo Bitu (Guto Bitu) Renato Dantas Abraão Rodrigues Iderval Reginaldo Tenório Francisco de Assis Alves dos Santos João Antônio da Silva Cícero de Souza (Caboclinho) Hélio Ferraz Maria do Rosário Lustosa da Cruz Cícero José Alves Gonçalves (Soneca)


Caderno de Experiências Cem anos de independência política de Juazeiro do Norte Cem Anos de Juazeiro Cem Anos de Juazeiro do Norte Cem Anos de Juazeiro do Padre Cícero Romão Centenário de Juazeiro do Norte 1 Centenário de Juazeiro do Norte 2 Conheça o Juazeiro Embalando Meninas em tempos de violência Fatos e Invenções de Juazeiro Centenário História com H maiúsculo História de Juazeiro Homenagem ao Padim Cícero O cearense do século Juazeiro Centenariado Juazeiro Centenário 1 Juazeiro Centenário 2 Juazeiro Centenário da fé Juazeiro Centenário Pautado no trabalho, modelado na fé Juazeiro do Norte: um século de progresso e fé Juazeiro Oratório Juazeiro Primitivo e Atual Juazeiro, a árvore símbolo do Ceará Juazeiro, Padre Cícero e o progresso Marrocos na História do Juazeiro Memórias e fatos religiosos Notícia do Centenário causa rebuliço no Céu O centenário do município de Juazeiro do Norte O Juazeiro Diverso no Ano do Centenário O santo de Juazeiro Ode à mudança do topônimo de Juazeiro do Norte Padim Ciço abençoa o Juazeiro Nos 100 anos de vida gloriosa Padre Cícero e a Vampira Poema Centenário de Juazeiro Príncipe Ribamar Promessas ao Padim Ciço Queima de arquivo os livros proibidos do padre Cícero Recortes de Nossa História Juazeiro do Norte - 1911 – 2011 Romaria Sonho e realidade Uma festa de vaquejada em Juazeiro do Norte Visitando Juazeiro

João Bandeira de Caldas Zé Govim Camilo B. Leonardo José Edson da Silva (Dão de Jaime) Aldemá de Morais Antonia Rodrigues João Bandeira de Caldas Salete Maria Cícero José Alves Gonçalves (Soneca) Pedro Bandeira Maria de Fátima Gomes Lucas Evangelista Francisco de Assis Alves dos Santos José Irlando Morais Ernane Tavares Monteiro Raul Poeta Francisco de Assis Sousa Josenir Lacerda Justino Paulo Bandeira Luiz Severino (Severino do Horto) Wanderley Pereira José Gonçalves Sobrinho Pedro Ernesto Filho José Mauro Matos Rosângela Tenório Antonio Batista de Souza Edilson Botelho Nezite Alencar José Rodrigues Filho Sebastiana Gomes de Almeida (Bastinha) Francisca Pereira Santos (Fanka) Silvio Grangeiro Justino Paulo Bandeira Ângela Maria Pereira Orivaldo Batista Cícera Viana José Hugo Maria Rosimar Araújo Abraão Rodrigues Ednardo Carvalho

Fonte: Coleção Centenário de Juazeiro do Norte, 2012. QUADRO 2 – Cordéis selecionados para a análise 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

A queimação dos panos ensanguentados da hóstia e depoimento do pe. Antonio Vieira Cinquentenário de Juazeiro e dados históricos (Juazeiro em 1911) Em defesa de Juazeiro Jose marrocos um mártir do milagre Juazeiro primitivo Lágrimas do último adeus Meu Padim, 150 anos ao lado do romeiro Milagre do Padre Cícero e Maria de Araújo O progresso e a elevação histórica de Juazeiro do Norte Os milagres de Juazeiro Os três maiores momentos da história do Juazeiro Padre Cícero do Juazeiro e...: quem é ele? Padre Cícero e Juazeiro ontem e hoje Padre Cícero pelos caminhos da verdade Centenário de Juazeiro do Norte 2 Conheça o Juazeiro Fatos e Invenções de Juazeiro Centenário História de Juazeiro Juazeiro Centenário 2

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Pesquisa em Foco 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

Juazeiro centenário da fé Juazeiro Centenário Pautado no trabalho, modelado na fé Juazeiro do Norte: um século de progresso e fé Marrocos na História do Juazeiro Memórias e fatos Religiosos Notícia do Centenário causa rebuliço no Céu O santo de Juazeiro Padim Ciço abençoa o Juazeiro Nos 100 anos de vida gloriosa Padre Cícero e a Vampira Recortes de Nossa História Juazeiro do Norte - 1911 – 2011 Romaria Visitando Juazeiro

Fonte: Coleção Centenário de Juazeiro do Norte, 2012. 4 Resultados e discussão

5 Considerações finais

A pesquisa identificou que, dos 100 cordéis da Coleção Centenário, apenas 31 fazem menção à beata e/ou ao milagre, e muitas vezes essa menção é indireta. Dos 31 cordéis que citam a beata Maria de Araújo, apenas dois não estão relacionados ao milagre (os cordéis de número 28, que é uma narração ficcional, e o de número 31, que apresenta nomes de figuras importantes na história da cidade). Apenas no cordel de número 21 o autor apresenta algumas informações pessoais de Maria de Araújo, como profissão, nome completo e idade. A denominação beata, desacompanhado do nome Maria de Araújo, pode ser entendido como um sinal do esquecimento ou um descaso à personalidade da beata, como aparece em cinco títulos (3, 8, 11, 22 e 23). Alguns títulos (1, 2, 12, 18, 25 e 27) falam apenas no milagre, não mencionam a beata Maria de Araújo. Em três cordéis (2, 8 e 20) a figura do Padre Cícero aparece como responsável pelo milagre. O milagre como fato fundador das romarias na cidade aparece em dez títulos (7, 8, 9, 11, 12, 15, 18, 19, 22, 30), e o postula como modificador da situação religiosa da cidade, transformando-a em um local sagrado para cristãos católicos. É evidente que, em grande maioria dos textos, a menção ao processo de queimação dos panos ou negação do milagre aponta a marcante presença da Igreja com o intuito de calar o fato. A beata Maria de Araújo pouco é mencionada como santa nos cordéis, e esta avaliação dentro do contexto de um marco comemorativo e histórico da cidade de Juazeiro, indicam o esquecimento da beata ou uma possível manutenção dessa tentativa de esquecimento. Com base na interpretação dos dados evidencia-se que a figura da beata está ligada diretamente ao milagre, mas Maria de Araújo não possui uma “história de vida”. O padre Cícero possui uma significação múltipla para a memória da cidade, enquanto a beata é vista apenas como um símbolo do milagre, pois o título de santidade é sempre atribuído a Cícero Romão.

Reconstruir a memória através de relatos de memórias coletivas direcionam para uma melhor interpretação da percepção da sociedade que conta e relata essa história. A literatura de cordel reflete as percepções vividas no cotidiano das suas comunidades, pois aponta de forma histórica, lúdica, satírica e devota sua lendas, mitos e tradições. Juazeiro do Norte, berço da prática cordelista retrata em seu centenário essas vivências e percepções através da tradição oral dos repentistas, da exposição imaginária das figuras dos xilógrafos e do registro dos textos em folheto. O ícone e personagem em destaque é o Padre Cícero Romão. Figura política e religiosa, inegavelmente trouxe para a cidade o crescimento social e econômico e manteve viva sua imagem como principal protagonista desses feitos. Não há nessa avaliação intenção alguma de afrontar sua santidade, mas sim resgatar a memória daquela que pelos seus feitos foi privada de ser reconhecida também por santa. A história, as lendas e os boatos que correm são comuns em declarar que tentou-se que a memória de Maria de Araújo fosse apagada. Essa tentativa não alcançou a crença e a tradição oral, mantendo viva, mesmo que através de pouquíssimos vestígios, sua importância para a memória de Juazeiro do Norte. O milagre é sem dúvida responsável pela movimentação romeira da cidade. Não se intenta na conclusão deste trabalho santificar a beata Maria de Araújo nem discutir a veracidade do milagre, e sim reconhecer sua memória individual como parte da memória coletiva que paira sobre a cidade. Reconhece-se empiricamente que o profissional Bibliotecário também é parte responsável pela reconstituição das memórias coletivas da sua comunidade, quando este envolve-se na busca da história e reconstrução da memória para propiciar novas fontes de informação e mecanismos que promovam a pesquisa. Como uma mulher tão importante na história juazeirense teve sua memória violada? Quantas outras Marias foram escondidas e apagadas? Maria de Araújo era uma mulher forte, apenas uma 117


Caderno de Experiências mulher forte é capaz de afirmar e reafirmar a veracidade de um milagre que lhe rendeu tantos castigos. Apenas uma mulher forte incomoda tanto as autoridades religiosas a ponto de proibirem relatos sobre sua vida e violarem seu túmulo. É imprescindível ressaltar a importância da memória da beata Maria de Araújo na construção da identidade da cidade e instigar estudos sobre mulheres, que como Maria foram (e são) oprimidas para que suas histórias não sejam esquecidas devido à xenofobia, machismo, racismo e tantos outros preconceitos.

GRILLO, M. A. F. A literatura de cordel e o ensino da história. In: CONGRESSO LUSOBRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 7., 2008, Porto, Anais... Porto: [S. n.], 2008. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Laís Teles Benoir. São Paulo: Centauro, 2004. MARTINS, G. A.; THEÓPHILO, C.R. Metodologia da investigação científica para Ciências Sociais Aplicadas. São Paulo: Atlas, 2009.

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Pesquisa em Foco Antonia Albeniza Gomes Biblioteconomia/UFCA antoniagomes98@yahoo.com.br

A MEMÓRIA ORAL COMO ACERVO: REGISTRO DOS VERSOS NÔMADES DE PATATIVA DO ASSARÉ 1 Introdução

Gracy Kelli Martins Professora /UFCA gracykelli@gmail.com

Assaré, idealizou-se a coleta e o registro desses versos, que nunca foram publicados, mas circulam na boca e na memória de alguns. Esse material coletado e registrado, enquanto documento memorialístico, também é parte do acervo do poeta na Fundação Memorial Patativa do Assaré, que já possui um padrão de organização que garante a recuperação da informação lá depositada, com precisão e autenticidade. O campo onde se considerou possível uma farta colheita de informações relativas aos versos nômades do poeta são a cidade de Assaré e a Serra de Santana, solo de onde brotou um dos grandes poetas da oralidade. Certamente os que mais conviveram com o poeta (familiares e amigos), têm, sobretudo em suas mentes, os itens para a composição de um acervo característico de seu autor. Instalar familiaridade e criar situações para que esses arquivos vivos pudessem desalojar da memória os saberes transmitidos na oralidade, seria o atalho. A mediação desse processo se efetivou com longos momentos de acaloradas conversas entremeadas de sabores dos tempos infantis ou juvenis, ou mesmo do amadurecimento memorialístico. Dessa forma, foram realizadas, ao longo das entrevistas, anotações e evidências acerca do tema. Esse material foi coletado a partir das técnicas de história oral, utilizando como instrumento a entrevista, através do registro de informações e evidências, por considerarmos a forma mais adequada visto que a coleta foi realizada em Assaré junto a familiares e amigos, contextualizando a situação em que os versos foram produzidos. A coleta estendeu-se por quase dois anos o que nos rendeu uma colheita de vinte poemas quadras e sextilhas. Os versos foram publicados em um folheto, buscando manter a tradição desta forma gráfica de publicação, inerente à região do Cariri e do poeta Patativa. Este folheto encontra-se disponibilizado na Fundação Memorial Patativa do Assaré, como contributo para a expansão do acervo da Instituição e preservação do legado dos versos do poeta e aqui buscamos descrever o processo de sua produção.

Marcar, guardar, não na pedra, bronze, papiro, papel ou espaço virtual, mas na infinidade das lembranças ou do prazer de reviver uma realidade, é ação da memória. São filtros das recordações por onde, entre outros, se utiliza alguns poetas para fazerem seus registros mnemônicos. Arquivo onde deve habitar umas tantas informações de pessoas e fatos representativos, que para o mundo da oralidade são como testemunhos rememorados de situações. Esse recurso é proveniente do uso da memória, em que tudo é regido pelas lembranças dos seres e desta maneira as informações são repassadas de um ente a outro por meio da oralização, efetivando as relações e mantendo tradições. Essa relação “indivíduo – tempo”, esse processo de “depositar” fatos na memória (biopsíquica), para socializar posteriormente, é uma prática humana rotineira e primitiva, e exercício inerente ao indivíduo desde sempre. Vemos em Jacques Le Goff (2006, p. 423) que “a memória tem como função conservar determinadas informações, que nos remetem a um conjunto de funções psíquicas, às quais os indivíduos podem atualizar informações passadas ou que eles representam como passadas”. Essa teia interrelacional é percebida quando se observa que a memória individual se caracteriza pelo acúmulo de experiências interiores subjetivas, e essa singularidade busca realizar um processo de socialização na memória coletiva porque é partilhado e elucida um sentimento de identidade, e esse sentimento é consensual perante o grupo (LE GOFF, 2006). Em busca de manter viva a memória coletiva da Região do Cariri e salvaguardar seu patrimônio cultural, este artigo apresenta os resultados oriundos de um trabalho de conclusão de curso em Biblioteconomia (GOMES, 2013), que por sua vez discorre sobre os versos nômades de autoria do poeta Patativa do Assaré. Os versos nômades são versos criados a partir de situações do convívio de Patativa, das conversas diárias com amigos e familiares, e que foram armazenados à luz do registro da memória, fruto de prosas com os que tiveram a oportunidade de conviver com o poeta. Certamente foi, para essas pessoas, o registro mnemônico a forma mais representativa de armazenar esse bem cultural. Em busca da preservação desse repertório relativo à Patativa do

2 Memória Oral Há várias definições conceituais para o termo memória, das diversas áreas das ciências, que 119


Caderno de Experiências tentam cobrir aspectos e modos de seus interesses. Contudo a zona de imbricamento conceitual entre elas parece ser difusa, mas aqui recorreremos ao ponto da memória enquanto armazenamento, guarda, recuperação e transmissão de informação. Memória como elemento da cultura humana que se dinamiza em suas relações cumulativas e sociointerativas conforme defende Barreto (2007, p.162): “Ao refletirmos sobre a Memória na Sociedade Contemporânea, somos levados a considerá-la na interação entre as mútiplas áreas, co-produtoras umas das outras, e não podemos excluí-la de um pensar sócio-antropológico”. O pensamento grego concebia a memória como algo sobrenatural, presente da Deusa Mnemosine (mãe das musas, protetora das artes e da história), aos poetas e assim outorgava-lhes o talento da guarda e recuperação da informação mnemônica e a respectiva disseminação desta entre os mortais. Os gregos acreditavam ainda que, uma vez esse registro realizado externo ao corpo, a memória incorria no enfraquecimento. Enquanto cumpridores dessa missão divinizadora, os poetas eram os representantes da memória viva, papel social de fecundo potencial. Cabia aos poetas o registro, guarda, preservação e disseminação das informações no seio social (KESSEL, 2000). E todo esse fazer, no que se refere às informações concernentes ao grupo social, era uma espécie de ritual próprio para transferir os elementos da cultura como podemos ler em Havelock, (1996, p.140):

construir sua obra (arquivo-memória) por quase um século. Obra essa que representa parte da cultura do povo nordestino, precisamente relacionada à identidade dos territórios agrários onde o processo de alfabetização demorou a se efetivar. A dinâmica temporal da ciência parece não ter aferido muito prestígio e credibilidade ao suporte da voz, processo original ou primitivo de registro, guarda e recuperação. Observa-se com isso que o cientificismo, em algumas áreas, preferiu calar esse suporte de registro, guarda e rememoração, e causar até descrença dele, visto a imponência e a pseudo-autenticidade provocada pelo impacto da impressão gráfica. Nisso é esquecido de que para codificar o seu saber na memória, as sociedades ágrafas desenvolveram técnicas que repousam sobre o ritmo, a métrica, a rima, a narrativa, a participação do corpo e a emoção coletiva (LAMARIE, 2002). Um exemplo desses elementos encontra-se na literatura de cordel, tida como literatura oral típica da Região Nordeste do Brasil, sobrevivente a tudo, e bem representada pelo poeta cearense, Antônio Gonçalves da Silva - Patativa do Assaré. E essas diversas formas de registro do gênero poético cordel (a oralidade, a escrita e o formato digital) ocorrem de forma concomitante, mesmo enfrentando os preconceitos do universo acadêmico, como nos é lembrado por Lemaire, (2002, p. 09):

A linguagem rítmica da oralidade combinou os modos didático e estético numa única arte. O seu conteúdo era formidável e majestático e, contudo, simultaneamente insinuante. Cada um reforçava o efeito do outro. O encanto adquiria uma dignidade séria por causa do peso que carregava; o peso didáctico adquiria um atractivo conferido pelo encantamento, [...] O peso da responsabilidade social [...].

A partir dessas vozes perturbadoras, uma vez confortavelmente classificadas nos seus espaços bem delimitados, os peritos dos Séculos IXX e XX elaboraram um conjunto de preconceitos escriptocêntricos que lhes permitiram marginalizar a discurso expressão literária, artística da oralidade contemporânea. Confinaram o seu estudo numa disciplina chamada folclore, desprezada, por sua vez e geralmente excluída do vigente das ciências humanas.

Atravessando o tempo e a história, muito próximos das vivências ocorrentes no nordeste do Brasil na poesia oral (cordel), os versos vão dando diferentes relevos tonais conforme especificidade do ritmo e da rima. Esse arco-íris sonoro ainda possui alguns artifícios linguístico-literários, capazes de aprisionar e informar o ouvinte quando se envolve na trama do enredo. É, pois, um labirinto de relações sonoras que nos remete ao texto, que por sua vez abrange um conteúdo, após percorrer o trajeto de uma legítima rede associativa. Foi, sem dúvida, essa tecnologia humana, esse exercício, esse fazer, que permitiu ao poeta Patativa do Assaré

Acreditamos ser interessante trazer aqui, para compreendermos melhor esse débito da ciência para com as questões da oralidade, um comentário de Bosi (2003, p.16), quando ela questiona: “O movimento de recuperação da Memória nas ciências humanas será moda acadêmica ou tem origem mais profunda com a necessidade do enraizamento? Do vínculo com o passado se extrai a força para formação de identidade”. Essa abordagem de afirmação identitária pelo fio memória, essa marca trazida ao longo dos tempos, esse guardar na lembrança retrata bem os versos 120


Pesquisa em Foco (improvisos rotineiros de Patativa do Assaré) que circulam por aí, especialmente em Assaré. A memória viva dos poetas da oralidade em todos os tempos, representa o mundo da coletividade que nesse reconstruir tece com o fio-rememoração das vivências. O sentir passa a ser urdido por um fato e outro o que resulta no enlace entre o ver, o falar e o fazer, esse enlace, garante talvez, a farta colheita de um plantio identitário (BOSI, 2003). Nesse sentido vê-se a existência de versos nômades, de Patativa do Assaré, repetidos entre algumas pessoas da região do Cariri, versos que saem da boca de um e chega ao ouvido de outro, e este fenômeno vem se perpetuando mesmo depois de dez anos de sua morte.

preservaram essa forma de registro mnemônico, essa memória auditiva viva, resultante do convívio com o poeta. Essas experiências poéticas foram guardadas e são socializadas em rodas de conversas por uma legião de admiradores e familiares, inclusive na internet se encontram também alguns relatos. Importante aqui salientar que esta forma de guarda mnemônica ainda perdura, dividindo espaços com os textos impressos ou digitalizados. Herança de uma forma de fazer do poeta Patativa, memórias que não se esquecem, lembranças para a vida inteira. Patativa possuía algumas particularidades: memória privilegiada, zeloso nas palavras e exigente com suas criações, não gostava de fazer versos por encomenda, e não queria fazer comércio de sua lira. Destacou-se como poeta social porque sempre cantava os problemas que afligem os camponeses nordestinos, os menos favorecidos. Publicou poemas com variações linguísticas consideradas não-padrão, e nesse aspecto era bastante exigente porque gostava de retratar a fala do autêntico camponês em seus versos, mas criou também sonetos clássicos com a variação linguística da norma culta padrão. Dado este conjunto de tipicidades, ganhou notoriedade local e internacional, pois foi contemplado, ainda em vida, com um memorial que leva seu nome em sua cidade, Assaré-CE, a Fundação Memorial Patativa do Assaré.

3 Patativa do Assaré Patativa do Assaré ou como Carvalho, (2002, p.14) o chamou, em uma de suas publicações, “Poeta Pássaro do Assaré”, é considerado um dos maiores poetas da oralidade brasileira, na opinião de diversos pesquisadores, entre eles Gilmar de Carvalho (2009), Rosembergue Cariri (2008), Plácido Cidade Nuvens (1956), Ria Lemaire, (2006), Tadeu Feitosa (2010), Bruna Paiva, (2010), entre outros. O poeta Patativa teve a glória e a possibilidade de ainda em vida publicar e registrar, através de livros, muitos de seus poemas. Sabe-se porém que existem, na boca de cantadores, familiares, produtores culturais e amigos, uma grande variedade de versos improvisados por Patativa, em circunstâncias diversas. Versos nômades que circulam entre uma coletividade, mas que não foram publicados graficamente, muito embora sejam recitados por esse coletivo que sempre os relembram em reuniões ou conversas triviais sobre Patativa. Para Patativa o mundo era composto de versos e rimas, assim como ele próprio disse em seu livro Cante Lá que Eu Canto Cá, (1982, p. 38) “Pra toda parte que eu óio, vejo um verso se bulir”. Dada essa natureza, o seu comunicar era, na maioria das vezes, com criações inéditas e recitação de publicações. Esta forma de se expressar “poética-inventiva” ou “recitativa-performática”, esse brincar performático com versos, sempre foi bem peculiar ao poeta, indo do ato de educar com reflexões filosóficas às sátiras, brincadeiras entre os amigos mais próximos e familiares ou quando considerasse o momento oportuno. Patativa viveu e morreu poeticamente e deixou documentos íntimos, guardados pela família, que elucidam suas últimas produções poéticas. Na “hora do ter que partir”, familiares relatam que repetiu alguns versos, uns perfeitos e outros desconexos, os quais pareciam querer homenagear Gonzaga, entre o delírio e a lucidez do seu último instante. Interessante é ver como algumas pessoas

4 Procedimentos Metodológicos A pesquisa se impõe na perspectiva da precisão e reconhecimento dos seus resultados. Nem sempre as áreas do conhecimento desenvolveram linhas tão amplas que consigam abarcar as muitas metodologias existentes. Mediante este fato a Ciência da Informação proporciona, em seu viés interdisciplinar, a possibilidade de busca por recursos, práticas e metodologias de diversas áreas com o objetivo de desenvolver pesquisas que contemplem as diversas formas dos documentos e seus itens informacionais (SARACEVIC, 1996). Em procura de métodos que viabilizassem o registro dos versos nômades do poeta Patativa, buscou-se na área das ciências sociais e humanas a técnica da história oral, por tratar-se de uma metodologia de pesquisa baseada na entrevista com pessoas que testemunharam acontecimentos, fatos, modos de vida e aspectos relativos à história de uma comunidade, grupo, celebridade, instituição, entre outros. A história oral é uma técnica moderna de documentação histórica, desenvolvida na Universidade de Colúmbia, por volta do ano de 1947, a partir de gravações feitas sobre as memórias de personalidades importantes da história norteamericana. “Por História Oral se entende o trabalho 121


Caderno de Experiências de pesquisa que utiliza fontes orais em diferentes modalidades, independentemente da área de conhecimento na qual essa metodologia é utilizada.” (ABHO, 1998). Tal método se baseia na vivência das pessoas, e faz uso da voz para resgatar a memória das comunidades e fazer com que mantenham vivas suas tradições. Entre seus fazeres, a história oral se utiliza de entrevista e também de uma série de procedimentos que deverão, entre tantos pilares, apoiar-se na ética da fala e registro, respeitando sua autenticidade e veracidade. A pesquisa foi orientada pela utilização de entrevista em profundidade com o grupo de familiares e amigos do poeta para a coleta dos versos. Esse tipo de entrevista possui características que movimentam e envolvem os participantes garantindo articulação e participação efetiva de todos, com posturas críticas e políticas, como conceitua Demo (2005, p.10): “A entrevista em profundidade é um recurso metodológico que busca, com base em teorias e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseja conhecer”. Os versos nômades do poeta Patativa do Assaré foram registrados durante conversas em encontros com amigos e familiares, rememorando histórias, “causos” e momentos vividos guardados pela memória dos que conviveram com o poeta, e também virtualmente, no caso dos contatos com o filho do Poeta Patativa do Assaré, João Batista, que mora em São Paulo, e da neta Graça e seus filhos Lídia e Mário, bisnetos de Patativa do Assaré, que moram no Rio de Janeiro. Estas conversas, aparentemente despretensiosas, duraram por dois anos, realizadas normalmente aos sábados, nas cidades de Serra de Santana e Assaré. Destas rodas de falares pode-se colher um rosário de dizeres do poeta que retratam uma história de vida bem vivida, uma vida de rimas e repentes sejam para educar, punir, ensinar ou, principalmente, brincar, provocar risos, alegrar e divertir amigos e familiares. É válido ressaltar que no dia da defesa do trabalho monográfico na UFCA, resultado completo dessa pesquisa, fomos prestigiados pela

presença de familiares e amigos do poeta na apresentação. 5 Resultados e Discussão Os poemas coletados foram classificados em filosóficos, pedagógicos e cômicos. Esses versos são resultantes de brincadeiras e do convívio rotineiro com a arte do improviso, a arte de criar repentinamente os versos com suas respectivas rimas sejam tercetos (três versos), quadras (quatro versos), sextilhas (seis versos), oitavas (oito versos), nonas (nove versos) e décimas (dez versos). Uma vez coletados, os versos foram registrados graficamente em um folheto de cordel, considerando ser esse tipo de publicação uma forma de registro autêntico à cultura oral, à região do Cariri e ao poeta Patativa do Assaré. Para adquirir melhor efeito compreensivo, optamos por categorizar os versos pesquisados de acordo com o estilo de cada criação, que se basearam na contextualização feita pelos narradores desses versos. Na visão de Bardin (2006, p.103) a técnica de categorização “[...] é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia)”. Nesta perspectiva, definimos como de perfil filosófico aquelas produções poéticas que induz o leitor a um processo reflexivo, como pedagógicas aquelas produções que retratam uma lição de vida ou um “chamamento” de atenção de alguém por meio dos versos para uma prática do viver dentro daquilo que o poeta considerava ético nas relações sociais, e cômicos os versos que remetem a brincadeiras e sátiras. O material coletado reúne vinte e duas produções poéticas (registro dos versos nômades). Cada verso apresenta, conforme nos foram apresentados nas rodas de conversas, uma breve descrição de como se deu cada fato e por quem foi narrado, para facilitar a compreensão das produções e sua transcrição, relacionadas a seguir (Quadro1):

QUADRO 1 – REGISTRO DOS VERSOS NOMADES DE PATATIVA DO ASSARÉ VERSOS FILOSÓFICOS CONTEXTO A Universidade Regional do Cariri – URCA, em seu Vestibular 91.1, usou o “Poema Nordestino Sim, Nordestinado Não”, na prova de Língua Portuguesa e, em uma das questões, deu uma interpretação pouco convincente o que provocou aos entrevistados irem até Assaré para mostrar ao poeta. Quando exposto o assunto, Patativa do Assaré foi bastante categórico ao afirmar: “Não se preocupem com isso meus filhos” e recitou a quadra que se segue. Esta quadra foi considerada filosófica, dada ao teor do conteúdo do texto, uma produção que nos faz refletir em torno de alguma ação que não se efetivou quando seria obviamente obrigatória.

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VERSO É glória bastante fria Daquele que estudou Formou-se em Filosofia Mas nunca filosofou.


Pesquisa em Foco Em seguida outra produção de Patativa do Assaré dita para suas netas Fátima e Toinha, filhas de Inês, na década de 70, quando eram ainda pequenas. Comentam que o Vô as convidou para sentarem nas raízes de um Flamboyan, no terreiro da casa do poeta e lá as fez memorizarem o poema Eu e a Estrela, as duas guardaram na memória a cena e os versos. Esse poema foi classificado como filosófico muito embora podemos também entender como uma lição para alguma manifestação infantilmente invejosa e ou ciumenta.

Depois que a rosinha Com tanto perfume Chorou de ciúme E de inveja de mim Eu vi uma estrela No espaço vagando Também ciumando E dizendo assim Teus olhos brilhantes Tem luz encantada Menina danada Você me seduz Você me maltrata Você me domina Não queira menina Roubar minha luz.

VERSOS PEDAGÓGICOS CONTEXTO Conforme o relato de Fátima e Toínha, certo dia o Poeta Patativa as chamou e as fez ouvir com atenção o poema que se segue e depois lhes pediu que se possível memorizassem o poema e elas memorizaram-no. Esse poema foi classificado como pedagógico visto que repassa uma lição da postura comportamental no que se refere ao bom senso na escolha das vestimentas.

VERSO Se aquiete não seja louca Menina da saia curta Além dessa roupa pouca Trepada num pé de murta Pelo jeito que estou vendo Com esta roupa que leva Você acaba vivendo Do jeito de adão e Eva,

Mediante conversas com os familiares, pode-se perceber o quanto Patativa do Assaré foi um pai e um avô presente e participativo na educação dos seus filhos e netos. João, filho do poeta, conta que quando estudava seu professor e tio, Pedro, irmão de Patativa, solicitou um trabalho de declamação na escola e o Poeta Patativa o ajudou fazendo um verso para que ele memorizasse e recitasse. O verso era o seguinte:

Dessa maneira não viva Que é um jeito muito ruim E o meu Vovô Patativa Não gosta de gente assim. O trabalho é a virtude Digno do fiel cristão Faz bem a nossa saúde E purifica o coração Tudo quanto é mau e triste Tem a ociosidade No trabalho é que existe A nossa felicidade

Normalmente, conforme contou Fátima e Toínha, netas do poeta Patativa, quando vinham ao Assaré, ficavam vendo TV o tempo todo e o Poeta tentava ganhar a atenção dela, mas não conseguia. Por esta razão o Poeta acabou por chamá-las e recitou a quadra abaixo pedindo para as netas memorizá-la. Classifica-se como pedagógica visto que retrata uma forma de mostrar seu grau de insatisfação com a falta de atenção das netas: O texto a seguir, conforme Inês, filha mais velha do poeta Patativa, foi criado para consolar Expedito, seu neto, que quando criança era um menino mirrado e todos ficavam zombando de seu porte pequeno e raquítico. Esse neto quando jovem foi morar em São Paulo e Patativa trocava correspondências com ele incentivando-o a criar versos porque considerava as produções do neto como muito boas. Os versos escritos por Expedito, bem como as cartas que o Poeta e seu neto trocavam, encontram-se no memorial. Documentos bem familiares reservados ainda apenas aos pesquisadores. Esse poema foi categorizado também pedagógico porque orienta o neto a driblar os problemas referentes a alguns preconceitos, no caso, preconceito com o baixinho. Então o Vô Patativa criou para ele os seguintes versos:

Jesus filho de Maria Nas terras de Nazaré Trabalhava todo dia Ajudando a São José. Já que todos me desprezam Eu vou rezar mesmo só Um pedacinho de reza Que aprendi com vovó.

Eu sou menino feliz Sou menino inteligente Tenho raiva de quem diz Que menino não é gente Jesus cordeiro divino Redentor e sumo bem Ainda hoje é menino Na lapinha de Belém Eu também ei de crescer Ninguém venha com pagode Mais tarde todos vão ver Minha barba e meu bigode Quando uma moça bonita Passa lá no meu terreiro alegre de longe grita expedito me dê um xero.

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Caderno de Experiências O texto Embolada das Cobras foi feito para recitar para suas netas de uma forma geral. É classificado como pedagógico porque repassa uma lição sobre a questão da sexualidade e ainda o exercício do fonema “B” e “R”. Esse título segundo as netas foi atribuído pelo Poeta.

Agora mesmo vou dar Na língua é uma dobra E quero falar de cobra Para ninguém duvidar. A Cobra preta (não consegue lembrar o resto do verso) Mussurana é cobra mansa Pois até mesmo a criança Pode com ela brincar. Porém veneno a soltar Muito mais que uma cobra Veneno mesmo com sobra A mulher tem no olhar

O poeta gostava de passar informações para os (as) filhos (as) e netos (as) e também de brincar. Certa vez sentou-se a calçada com ele(a)s, como fazia costumeiramente, e falou da troca do exoesqueleto das cobras e ainda fez uma piadinha para os filhos e netos. Afonso (filho) guarda a seguinte estrofe:

VERSOS CÔMICOS CONTEXTO Segundo as netas Isabel e Célia, Patativa possuía um sapato muito velho e fez uma estrofe com o sapato para brincar com suas netas e sempre recitava os versos quando calçava o referido sapato. As netas acabaram por memorizar a estrofe.

Inês, filha de Patativa, falou que ela havia ganhado uma caixa de coca cola em miniatura, e sua esposa belinha a colocou em cima do armário junto a uma boneca. Patativa foi à rua e comprou uma boneca menor e a colocou perto da boneca maior, juntinho a caixa de coca cola em miniatura e fez uma quadra numa folha de papel e a colou na parede perto das bonecas. Essa quadra foi classificada como cômica porque foi uma brincadeira feita pelo poeta para divertir a esposa, filhos, netos e netas, uma brincadeira familiar como sempre e foi narrado por sua neta Isabel Patativa do Assaré também fez uma estrofe debochando de si mesmo quando Lúcia, sua filha, casou. Conforme a família: filhos e netas: Isabel, Fátima, Toínha e Célia ele e seu genro, Raimundo, beberam e dançaram a noite inteira, no dia seguinte foi logo recitando a estrofe para as netas e pedindo-as que elas recitassem para Dona Belinha, sua esposa e também para Inês, sua filha. As netas recitaram e toda a família tomou conhecimento do texto e se diverte com essa memória até hoje.

O homem vê no olhar Acho perigo pequeno Não se importa com o veneno Quer mesmo é se desgraçar. Todo tempo a cobra é nova Quando descasca renova Eu tenho pena é de Vô Que já tá nos desenganos Tem mais de 60 anos E ainda não descascou. VERSO Vô tinha um sapato velho Da boca de jacaré Toda vez que ele calçava Andava trocando os pé De longe o povo gritava Lá vem o Chico pincé! Minha filhinha querida Não vamos pedir esmola Pra sustentar nossa vida Você vende coca cola.

Era pai e era Vô Socado dentro do samba Dançando de perna bamba Quando Lucinha casou Botaram foi pra quebrar Pareciam dois tetéus. Vó ficou encabulada E mamãe ficou zangada Por causa do xeleleu*. * Xeleleu - nome da música que tocou muito durante a festa.

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Pesquisa em Foco Outro verso cômico foi criado para que Fátima, sua neta, memorizasse e ela conta que era bem criança quando o memorizou. E certo dia quando uma visita chegou a sua casa, Patativa chamou sua neta e pediu que ela recitasse o poema que lhe havia ensinado, e Fátima comenta que prontamente recitou o poema para aquele senhor que estava sentado na sala da casa do seu avô e que lhe havia pegado no colo. Ainda conforme Fátima, neta do Poeta, ao terminar de recitar os versos aquele senhor lhe perguntou: você não tem medo de apanhar menina? E ela então descobriu que aquele senhor para quem ela havia recitado o poema era seu Elói Teles de Moraes, amigo do seu Vô, para quem Patativa havia feito os versos. Fátima comenta que saiu contrariada, na verdade, uma grande brincadeira, traço característico do Poeta.

Seu Eloi eu não lhe vejo Mais vovô sempre lhe vê Eu tenho o maior desejo De conversar com você Dessa cidade do Crato Dessa terra linda e boa vovô trouxe seu retrato Mais não vi sua pessoa Aquele que olhar bem Impressionado fica Pois no seu retrato tem Um jeito de gente rica Eu tinha na minha mente Que o senhor era delgado Porem achei diferente Oh, home gordo danado!

Histórias da família: certa vez, a casa do Poeta, na Serra de Santana, foi acometida de “pichilinga” (Dermanyssus gallinae), conhecido também como “piolhinho”, “piolho de galinha”, “ácaro vermelho” e “ácaro roxo” no nordeste (CUNHA, 1982). O pequeno inseto se instala nos galinheiros e as galinhas são hospedeiras e condutoras destes, os quais fervilham pelo corpo provocando uma coceira constante. Vendo o sufoco de sua esposa, Dona Belinha, que estava incomodada com a peste, o Poeta assim brincou:

Ainda desse convívio familiar, o Poeta ao chegar em casa, vê que Dona Belinha decidiu criar uma avezinha papacu (conhecido no Ceará como pacu ou papacum, é o menor psitacídeo do Brasil). Patativa assim se expressou: Os fatos cotidianos da família do poeta eram sempre motivo de versos e brincadeiras. A cada momento um verso brotava e esparramava-se por entre amigos e vizinhos. Na Serra de Santana era costume nos meses de julho a setembro, a colheita da mandioca e a fabricação artesanal da farinha, conhecida como farinhadas. É importante lembrar que nessa época, nas casas de farinha, lugar onde se dá o processamento da mandioca é sempre um ambiente movimentado porque há um conjunto de fazeres e cada pessoa vai exercer uma função, reunindo um conglomerado humano significativo. Os dias são sempre de muito trabalho e as noites são festivas e divertidas. Em uma dessas farinhadas da Serra de Santana, a namorada de Afonso, filho do poeta Patativa adoeceu de catapora e Poeta aproveitou a situação de tristeza do seu filho para criar a seguinte sextilha, como recitou sua neta Célia: O cidadão da roça possui algumas convicções políticas e, dentre elas, convencionava-se que a permanência do indivíduo no mesmo partido político mostrava a força do seu caráter, enquanto mudar de partido político era algo não muito comum aos homens de boa índole, postura não bem vista pela população como um todo. Trocar de partido político transparecia quase como pobreza de caráter. Então quando Zequinha, primo de Patativa, um cidadão de bem virou de partido político mudou da Arena 2 para Arena 1, o poeta brincou com a atitude do primo, fazendo os versos a seguir, relatados por seu filho Raimundo:

No ano de 1970, estava muito ruim de chuva e Patativa já preocupado com o tempo seco falou para os netos de Inês em tom de brincadeira, criando a seguinte sextilha:

A família conta que João, filho de Patativa, era um menino que gostava de fazer birra e bico, ficava emburrado com tudo e o Poeta dedicou uma sextilha ao comportamento do filho, como conta a filha Inês:

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Será que o senhor não sente Um receio de morrer Andando pelo sol quente E um dia se derreter? Pichilinga, pichilinga Não tem cheiro nem catinga Mais quando pega a roer Belinha desarma a rede Pendura lá na parede Corre e vai se esconder. A pichilinga malvada Rói que é de fazer dó Fervilhava o corpo todo Da cabeça ao mocotó E eu quando me lembro disso Fico com pena de Vó. Mesmo sem mexer panela E experimentar do angu Belinha depois de velha Tá criando um papacu. Coitado do tio Afonso Anda triste muito sonso Não sabe o que faça agora Ô coisa desanimada É ele na farinhada E ela com catapora.

Quando o cidadão Zequinha Virou pra arena um A garça virou anum E a raposa virou galinha A preguiça que engatinha Depressa desembestou. Tamanduá perguntou O que foi que aconteceu? O macaco respondeu Foi Zequinha que virou O tempo esta muito ruim E jeito eu não posso dá Papai procura feijão Para mamãe cozinhar Eu só peço que não deixe Minha barriga secar. Meu bem, meu querido bem Me diga se você tem Da banha do bicho lebre Se tiver me arranje um tico Que eu quero passar no bico de quem só vive com febre.


Caderno de Experiências A família fala que certa vez, em uma novena, Pedro, irmão do Poeta, já bem idoso e viúvo foi abrir um guarda chuva e as aspas deste levantou a saia de uma senhora também viúva. Patativa aproveitou essa situação para fazer mais uma brincadeira em versos: Cada pessoa possui um traço que lhe caracteriza. Em certas pessoas esse traço é bem acentuado. Conforme a fala de Inês, filha do poeta, Patativa escolheu os amigos e familiares que possuíam esses traços de forma bastante forte e decidiu tratar essas tipicidades de maneira oposta em versos de forma que os primos e amigos ficaram com as predicações inversas nessas suas estrofes:

Um viúvo com cautela Foi perto de uma viúva E levantou a saia dela Nas aspas do guarda chuva. Vi Granjeiro cumprir trato Vi seu Tonho com preguiça Pedrinho zombar a missa Alencar vender barato Fernando falar exato Mestre Audísio se benzendo O Tuntuna escrevendo A Tina apaixonada Chato dizendo embolada E Zequinha respondendo.

Um morador próximo a Serra de Santana, por apelido Tatá, velho conhecido de Patativa, andou falando de umas assombrações, conforme narram amigos e familiares. O referido senhor havia falado que ia andando a cavalo e de repente viu uma alma montada na garupa de seu cavalo, o poeta não perdeu tempo e brincou com a história falando o seguinte: Conforme Geraldo, seu sobrinho, certa vez seu pai, Zequinha, falava de um verso que dizia o seguinte: Salomão Rei engenheiro Mestre da sabedoria Nunca pode arrumar dois potes Em uma forquilha. E Patativa do Assaré estava por perto ouvindo a conversa e na mesma hora respondeu: Ribinha, amigo e conterrâneo de Patativa, que reside em São Paulo mas todo ano vem para a festa de aniversário de Poeta em Assaré, conta que certo dia alguém deu uma carona do Crato à Assaré ao poeta Patativa e no caminho o homem fez uma pergunta a Patativa em verso. Disse ainda que Patativa havia respondido de imediato a pergunta do amigo. Eis a pergunta e a resposta.

O Tatá é um grande camarada Nessa vida em tudo ele se ocupa Já andou pela estrada da cercada Carregando uma alma na garupa. Quando botava o de cima o debaixo escapulia.

Amigo Patativa, Responda-me se souber Quantos pés de capim Tem daqui pro Assaré? Se a seca não matou E o gado não comeu Tem o mesmo que nasceu.

Vagueando pela Internet, entre pesquisas sobre Patativa, deparei-me com um Blog – Blog do Sanharol1 – onde li o seguinte texto e tomei a liberdade, com as devidas referencias e créditos, de transcrever, por reconhecer que tal texto contribuiria muito com este trabalho, já que ele identifica a figura dos versos mencionados acima. Assim estava escrito; _Certa vez, fiz uma viagem ao Assaré e Patativa estava, em Crato, no Tabajara Hotel a espera de transporte. Ofereci carona, ele eceitou. Passei uma hora compondo uma pergunta em verso para o poeta. Na descida para Nova Olinda o interroguei: Amigo Patativa, Responda-me se souber Quantos pés de capim Tem daqui pro Assaré? A resposta veio num segundo:

Fonte: Entrevistas registradas pela autora, 2013.

1

<http://blogdosanharol.blogspot.com.br/>

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Se a seca não matou E o gado não comeu Tem o mesmo que nasceu.


Pesquisa em Foco 6 Considerações Finais

CARVALHO, Gilmar. Patativa em Sol Maior. Fortaleza: edições UFC, 2009.

Vê-se, a partir deste trabalho, que o poeta Patativa educava, ensinava e brincava no ritmo da poesia, o que implica em viver intensamente envolto em versos e em rimas. Interessante observar que esses poemas inéditos representam uma comunidade que mantém essa memória auditiva ainda viva, concorrendo com as mais inovadas formas de registro. Colaborar para a ampliação de um acervo da natureza do poeta Patativa do Assaré, mesmo que infimamente, e que tenhamos contribuído com a manutenção dessa memória, é parte da responsabilidade cabida ao profissional bibliotecário. É inegável que a memória oral é constituinte importante de acervos, independente de suas características, já que claramente revive seus personagens e aproxima a comunidade de suas histórias, memórias e tradições. Sabe-se que ainda há muito para ser feito, pesquisado e legitimado, apesar disso, ficam aqui os esforços de manutenção da cultura nordestina, com amparo da ciência, cientes de que ainda há muito que se saber, memorar e registrar. Muitos versos ficaram sem o registro gráfico para não transgredir alguns princípios éticos e muitos outros ainda vagueiam, certamente.

DEMO, Pedro. Pesquisa e informação qualitativa: aportes metodológicos. Campinas: Papirus, 2001. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL (ABHO). Estatuto. 1998. Disponível em http://www.historiaoral.org.br/estatuto . Acesso em: 22 Dez. 2012. FEITOSA, Luís Tadeu . Diário de uma Viagem. In: CARVALHO, Gilmar. Voz poética: O canto de Patativa do Assaré em Sol Maior. Fortaleza: edições UFC, 2009. GOMES, Albeniza Gomes. A Memória Oral como Acervo: registro dos Versos Nômades de Patativa do Assaré. Monografia (Graduação em Biblioteconomia), Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, 2013. HAVELOCK, Eric A. A musa aprende a escrever. Lisboa: Gradiva, 1988. KESSEL, Z. A construção da memória na escola: um estudo sobre as relações entre memória, história e informação na contemporaneidade. São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado), Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo. Disponível em: http://www.ufrgs.br/infotec/teses-0304/resumo_2257.html . Acesso em: 22. Dez. 2012

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BOSI, Ecléia. Tempo Vivo da Memória. São Paulo, Ateliê, 2003.

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Caderno de Experiências

A CHEGADA DO AUTOMÓVEL ÀS RUAS DO CRATO E O CONCEITO DE MODERNIDADE (1920 – 1950)

Edcarlos Fernandes de Araújo almeida História/URCA edcarloseduca@hotmail.com

Joana Darque Ribeiro Ferreira Geografia/URCA joanadarquerf@hotmail.com

Juarez Marcondes Pereira Alves História/URCA juarezregi@gmail.com

Heriberto Fernandes De Araujo Almeida Geografia/URCA heriberto.educ@yahoo.com.b r

Antonio José Rubens Professor /URCA jrubenscosta@uol.com.br

1 Introdução

praticado”. A relevância da imagem na apreensão do vivido, da realidade como objeto que pode ser capturado pela lente da câmera é de suma importância para percepção das mudanças concomitantes ao crescimento urbano desordenado que é traço comum das cidades brasileiras. A fotografia difunde-se de forma capilar na sociedade contemporânea, sendo presença constante nas mais diversas esferas públicas e privadas (LIMA; CARVALHO, 2009, p.34). Deste modo, a fotografia torna-se elemento indispensável para compreensão do cotidiano de uma época. Assim, o trabalho procura estabelecer elo entre o automóvel e a mudança significativa que tal objeto contribui para constituição social da cidade de Crato entre a década de 1920 a 1950. A pesquisa é dividida em três partes: 1 – refletir sobre o conceito geral de modernidade dentro dos parâmetros do século XX; 2.1/2.2 – esboçar de forma breve o princípio da modernização de Crato a partir do automóvel e paisagens que se traduzem no panorama iconográfico e documentação referente ao processo de modernização; 3 – propor estabelecer considerações sobre os efeitos que a tecnologia influi na produção da realidade vivida.

Tornou-se tão comum hoje o deslocamento entre uma ponta e outra da cidade através de transportes que possibilitam à viagem uma condição cômoda, que se torna imperceptível a tecnologia usada para controlar o tempo. A impressão é a anulação do tempo e espaço. No século XX, refletir sobre modernidade é também ressaltar a importância cada vez maior que as maquinas têm na produção do real. Na sociedade contemporânea a ideia de mudança enquanto valor indispensável passa a ter uma influência reguladora tanto nas relações dos sujeitos com os objetos quanto no relacionamento dos sujeitos entre si. Essa relação de mudança constante que o corpo social é levado a perseguir é mais um sintoma decorrente dos últimos cem anos de história humana em que a dependência em relação a tecnologia se torna complexa. Este artigo objetiva refletir sobre as mudanças sociais acarretadas a partir da presença dos primeiros automóveis no município de Crato entre a década de 1920 a 1950. Por meio de fontes em cunho iconográfico e artigos, busca ponderar sobre a influência que o meio de transporte produz na configuração do espaço, levando em consideração mudanças na arquitetura, na introdução de novas tecnologias, a permanência e contrastes que a modernização implica e, portanto, o conceito de modernidade e suas consequências gerais dentro do plano da vida, sociedade e cultura. Os conceitos de lugar e espaço se ajustam dentro dos parâmetros da história cultural, sendo o lugar entendido como “a ordem segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência, imperando a lei do “próprio”: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio” e distinto que define” (CERTEAU, 2008, p.201). Logo, de acordo com o mesmo autor o espaço “é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflitais ou de proximidades contratuais. O espaço é o lugar

2 Fundamentação teórica 2.1 O Conceito geral de modernidade A modernidade sugere intrinsecamente a concepção do novo. Todavia, sua conceituação é bem mais complexa, sendo que possui forte ligação com o processo histórico. Para Harvey (1989, p.23): o termo “moderno” talvez tenha uma história bem mais antiga, o que Habermas (1983, 9) chama de projeto de modernidade entrou em foco durante o século XVIII. Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas “para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais e a arte autônoma nos termos da própria lógica

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Pesquisa em Foco interna destas”. A idéia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida diária.

embrulham e amarram, no mesmo pacote, os mais variados indivíduos e sociedades... No século XX, os processos sociais que dão vida a esse turbilhão, mantendo-o num perpetuo estado de vir-a-ser, vem a chamar-se “modernização.

Os pensadores iluministas tinham como intuito promover a emancipação humana através da razão. Período de transição entre faculdade especulativa sobre o mundo e suas potencialidades (campo abstrato), para aplicação pragmática do conhecimento no campo comercial e industrial. Num primeiro momento a modernidade é a passagem do antigo para o novo mediado pelo projeto iluminista, assinalado também pelo descobrimento de novos continentes, o ressurgimento comercial e a revolução industrial. Contudo, o sentido de modernidade que o século XX adota é inspirado no avanço das conquistas obtidas pelo período científico-tecnológico. Tempo caracterizado pela intensa racionalização da vida através da estrutura técnica. É com o industrialismo e, por consequência, o crescimento urbano, que a modernidade se concebe. De acordo com Pesavento (1995, p.281):

O processo de transição que movimenta a urbe e impulsiona o cotidiano dos grandes centros urbanos, acrescenta o elemento fundamental da sociedade moderna: a velocidade. Considerando tal perspectiva, Berman (1982) afirma que, “ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, crescimento, autotransformação, e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”. A atitude moderna é a imagem de “destruição” e “autotransformação”, o qual a lógica da “destruição criativa” (HARVEY, 1989), permite a produção acelerada de novos equipamentos, qualitativa e quantitativa. 2.2 O crato e o processo de modernização No Brasil, a modernidade começa de forma tímida sendo prenunciada nos aspectos e formas da arquitetura. Este traço é marcado pela constante remodelação urbana através da demolição e reconstrução de espaços para embelezamento das cidades, passagem de novos meios de transportes e outras demandas que vão de acordo com seu crescimento. Segundo Arrais (2007, p.145):

é com o advento do capitalismo que se impõe a “questão urbana”, colocando diante do Estado a exigência de um modus vivendi normalizador do “viver em cidades”. Processos econômicos e sociais muito claros delineando-se, transformando as condições de existência: concentrações populacionais, migrações rurais, superpovoamento e transformação do espaço assinalam o crescimento e configuração das cidades.

a cidade teve que enfrentar novos fenômenos: o crescimento de números de habitantes, surgimento de veículos e novos serviços. Isso gerou a necessidade de abertura de novas ruas por razões do trânsito; novas praças para o lazer e melhoramento nas condições de higiene e estética. Foi o período de grandes renovações urbanas, principalmente na cidade do Rio de Janeiro que, de cidade colonial, transformou-se em uma metrópole. Rasgaram-se grandes avenidas; ruelas foram alargadas e retificadas, e um número considerável de novas construções – de estilo eclético – se ergueram.

O “modus vivendi”, quer dizer, os elementos que produz e reproduz o cotidiano da cidade são os mesmos que fundamentam a formação do pensamento moderno. Berman (1982, p.16) ressalta que: o turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo e do lugar que ocupamos nele, a industrialização da produção, que transforma conhecimento cientifico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os antigos, acelera o próprio ritmo da vida, gera novas formas de poder corporativo e de luta de classes; descomunal explosão demográfica, que penaliza milhões de pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, empurrando-as pelos caminhos do mundo em direção a novas vidas; rápido e muitas vezes catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação de massa, dinâmicos em seu desenvolvimento que

Como contraponto à Art Noveau, escola modernista francesa, predomina no cenário brasileiro o ecletismo: reuniam de elementos da arquitetura grega, romana, gótica, renascentista e mourisca. Contudo, gradativamente, abrem-se brechas para o paradigma francês. “Novos materiais importados passaram a ser empregados nas construções. O ferro, o vidro, tijolos de barro cozido, telhas francesas de Marselha, telhas de ardósia, calhas etc” (ARRAIS, 2007, p.144). 129


Caderno de Experiências Figura 2 - Praça Francisco Sá década de 1930 (a praça mantém ainda nítidos traços de antigos “largos”).

Em Crato não será diferente. Cidade localizada ao sul do estado do Ceará, situada no vale do Cariri, sob forte influência de capitais como Recife e Fortaleza é sensível a construção de edifícios em formas ecléticas. “Entre alguns edifícios ecléticos podemos citar: O edifício do Crato Clube” – Clube da Rapadura; o “Bar Ideal” (Figura 1), na Rua Formosa; o “Cassino Sul Americano” e a “Casa dos Leões”, na Praça Siqueira Campos; a “Casa da família Pita” e o sobrado dos “Alves Pequeno” na Rua Grande e algumas residências na Praça da Sé, dentre outros.” (ARRAIS, 2007, p.146). Figura 1 - Bar Ideal em 1925 (exemplo de arquitetura eclética).

Fonte: Arquivo Lúcia castro

As primeiras tentativas de modernização são de livre iniciativa da Diocese Episcopal que, além de construir alguns centros educacionais (colégio Santa Teresa de Jesus, em 1923) fundados pelo bispo Dom Quintino, chega também propor a construção da estação ferroviária, sendo esta fundada no ano de 1926. Deste modo, Arrais (2007, p.161) ressalta que: durante a década de 1920, sob a influência da igreja católica, as feições da cidade começam a se modificar. A diocese do Crato planejava a construção do Palácio Episcopal e de uma Estação Ferroviária para a cidade. Embora tais obras não tenham sido construídas, era um sinal de progresso a intenção de sua execução, um impulso para o crescimento urbano. Atualmente, encontram-se no Departamento Histórico Pe. Gomes da Diocese do Crato, as plantas desses Projetos, encomendados a Arquitetos do Rio de Janeiro na década de 1920.

Na primeira década do século XX, a cidade conserva ainda o aspecto urbano referente ao século passado (séc.XIX) (Figura 2). Conforme Arrais (2007, p.152), o progresso é lento: em 1912, ainda existiam no Crato oito ruas, quatro travessas e cinco becos. A cidade matinha um aspecto urbanístico parecido como o dos últimos anos do século XIX e os das ruas permaneciam quase os mesmos. As ruas tomavam o sentido norte-sul e tinham as seguintes denominações: da Boa Vista, da Vala, do Fogo, Grande (com um trecho denominado rua do comércio) –, Formosa, das Laranjeiras, da Pedra Lavrada e a das Flores. As vias transversais, no sentido Leste-Oeste, eram denominadas travessas: a travessa da Liberdade, a de São Vicente, da Califórnia, do Rosário. As travessas mais estreitas eram denominadas de becos: o beco do Escuro, do Cemitério, da Matriz (ou de Vicência Garrido), de seu Sabino e do Major Evangelista. Não existiam praças, mas apenas “largos”: o Quadro da Matriz, o largo de São Vicente e do Rosário.

Contudo, já se evidencia na paisagem física, social e econômica, elementos combinatórios com a prémodernidade: sistema de iluminação pública, inaugurada em 1903; o Colégio São José, em 1909; Cinema Paraíso, 1911; Bar Ideal Clube, em 1916; e o Banco do Cariri, em 1921. São-nos mais serviços e instituições que contribuem para a ampliação do espaço urbano. Do campo financeiro ao lazer, prevalecem formas funcionalistas que designam o lugar e o seu significado no panorama citadino.

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Pesquisa em Foco Figura 3 - Pátio de manobras da estação ferroviária do Crato, década de 1930.

e os contornos do centro em detrimento a localidades periféricas. 2.3 O automovel e a modernidade A forte influência de Recife na importação de modernas tecnologias para Crato é tamanha que em setembro de 1919, chega à cidade o primeiro automóvel, propriedade de Siqueira Campos. Relembra ARRAIS (2007, pg.156) que “a chegada do automóvel, um Ford “de bigode e capota de couro” vindo de Recife, foi um dos acontecimentos marcantes na história do Crato”.

Fonte: Luciana Abath à noite de sua chegada, Siqueira Campos quis proporcionar ao povo a oportunidade de conhecer aquele moderno meio de transporte, permitindo que todos dessem uma voltinha, gratuitamente. A multidão, acotovelada nas imediações do Cinema Paraíso, disputava a vez na corrida, que começava descendo pela Rua do Fogo, contornava parcialmente a Praça Três de Maio, subia pela Rua do Comércio e Rua Grande e retornava ao Cinema Paraíso pelo lado direito, na Praça da Sé. (CABRAL, 1971, p. 153).

Entre a década de 30 a 40, o contexto arquitetônico brasileiro é invadido parcialmente pelo “Art Déco” que sobrepõe às formas ecléticas. Este processo se dá através da cidade moderna, racional e higiênica. Segundo Arrais (2007,p.179): na cidade do Crato, arquitetura com características Art Déco apareceu no final dos anos 30 do seculo XX, na rápida Administração do Prefeito Alexandre Arrais de Alencar. Logo depois, cai em grosso, e na maioria das novas edificações da cidade, ou até mesmo nas antigas reformadas, começam a aparecer características desse movimento estético nas fachadas. No Crato, essa arquitetura se apresenta como um pré-modernismo, como uma transição entre o ecletismo e o modernismo. As técnicas construtivas e as divisões internas coloniais permanecem. No entanto, as fachadas desprovidas de ornamentos ecléticos. A nova ornamentação das fachadas segue o modelo “Art Déco”.

Figura 5:Chegada do automóvel, um Ford

Figura 4: Crato Hotel, 1934. (estilo Art Déco).

Fonte: Fotografia de Júlio Saraiva. Arquivo Linard

Transcorrida a chegada dos primeiros veículos temse a criação da estrada do sitio Lameiro e à instauração, em março de 1920, da “luz elétrica” fornecida pela geradora de eletricidade “A. Costa & Meyer LTDA”. De acordo com Irene cabral e Arrais (2007, p.158), “Em 1920, chegava ao Crato [...] uma caldeira para produzir energia a vapor [...] Foi a primeira iluminação elétrica da cidade. Instalou-se e serviu à cidade por muito tempo, conservando a luz acesa das dezoito às vinte e quatro horas”. A empresa forneceria à cidade energia suficiente para

Fonte: Arquivo Lucia Castro.

A “Art déco” prenuncia claramente a forte tendência ao funcionalismo que Crato adota durante a década de 30 a 50, levando em consideração somente o delineamento dos prédios 131


Caderno de Experiências a extensão da noite e o melhor deslocamento de automóveis durante o horário noturno.

3 Procedimentos metodológicos Para realização desse estudo e pesquisa houve pesquisas bibliográficas e pesquisas em campo na em acervos que contém fotografias antigas, como diocese do Crato desta cidade. Por meio de fontes em cunho iconográfico e midiático, buscou-se enfatizar o cotidiano como processo paralelo de mudança e permanência, tendo como resultado o contraste social, cultural, paisagístico e econômico. Trata-se de uma pesquisa Qualitativa, exploratória e bibliográfica.

Figura 6 - Usina A. Costa Ltda. Em “Terra Cearense”, 1925.

4 Resultados e discussões De acordo com a pesquisa realizada, a chegada do automóvel trouxe diversas mudanças para a sociedade de Crato, levando-se em consideração os conceitos de Modernidade da época. O automóvel repercutiu em um novo modo de vida, de relação de territorialização dos espaços, e mudanças significativas em toda a sociedade a partir de então.

Fonte: Terra Cearense

No decorrer da década de 30 e 40, a cidade cresce num compasso acelerado, pelo menos no sentido infraestrutural. As praças ganham novos contornos, deixando de ser apenas “largos” e a palavra “calçada” como contraponto à “rua”, lugar privilegiado para a movimentação de automóveis, ganha sentido literal. Com a passagem de veículos, há uma preocupação com a condição estética do espaço e sua função social.

5 Considerações finais O objetivo da pesquisa foi traduzir de forma clara o conceito de “modernidade” através de discussões no campo da arquitetura e tecnologia. O implemento de elementos provindos da união entre técnica e ciência gradativamente muda a configuração espacial de Crato, sendo que o principal efeito é a racionalização parcial dos lugares. Portanto, tal modernização dá-se através da introdução de veículos, da linha férrea e o gradativo melhoramento dos logradouros públicos. O advento da “luz elétrica”, o “Cinema Paraíso”, o “Banco do Cariri” e os diversos estabelecimentos para lazer e boêmia são também formas elementares da sociedade moderna. Cada elemento influenciando em graus distintos a progressiva mudança dentro do plano físico e social. Sendo tal estrutura modificada através da inserção de elementos contribuintes para a paisagem moderna. Dentro do processo de produção do trabalho enfoca também o relevante papel de alguns órgãos e instituições que se fazem difusores ou, pelo menos, estimuladores para modernização da cidade. Assim, o papel da Diocese de Crato na reconfiguração da estrutura física como também a intervenção de pessoas públicas e privadas, com destaque ao Coronel Siqueira Campos ao incluir no roteiro paisagístico da cidade o primeiro automóvel. O empreendimento tanto público quanto privado fomenta a remodelação da paisagem e, consequentemente, molda os traços culturais, sociais e econômicos. Sendo que a modernidade é a permanente busca pelo transitório.

Construída no inicio do século passado, a Praça Siqueira Campos se tornou um símbolo do Crato. Na década de 60, o logradouro público se transformou na passarela de mulheres bonitas que encontravam ali o seu “príncipe encantado”. Testemunha de juras de amor eterno e palco de encontro e desencontros amorosos, a praça foi sempre uma espécie de relicário das mais fortes lembranças do Crato, das gerações de antigamente. O casario ainda conserva as linhas arquitetônicas do passado. (BATISTA, 2009, p.07)

A ênfase no presente e a utilização dos valores, conceitos, preconceitos da sociedade moderna para entender o passado, considerando que o passado não tem lições válidas para entender o presente. Assim como, comparar valorativamente as sociedades periféricas. Desse modo, modernizar significa construir as instituições das sociedades modernas. Sendo que a modernidade traz em seu bojo a imagem do efêmero (no sentido de transitório) obedecendo a forma totalizante que é a cidade. Cada objeto e lugar têm sua função determinada na complexa organização urbana. A cidade como uma “totalidade fechada” (Harvey, 1989, p.49). O processo de remodelação urbana é posto conforme a necessidade da passagem de veículos, sendo constante o uso do centro como espaço privilegiado. 132


Pesquisa em Foco Referências

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Caderno de Experiências Wagner Oliveira de Medeiros Biblioteconomia/UFCA medeiros.w.o@gmail.com

CRIAÇÃO DA REVISTA ACADÊMICA FOLHA DE ROSTO DO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI

Vitória Gomes Almeida Biblioteconomia/UFCA vitoriagomesalmeida@yahoo. com.br

Maria Cleide Rodrigues Bernardino Professora /UFCA cleide@cariri.ufc.br

1 Introdução

(2000) afirma que “os periódicos científicos apareceram no século XVII na Europa, em uma época marcada por mudanças em toda a sociedade, inclusive no campo científico”. A mudança da dedução como (único) método de pesquisa, bem como a necessidade de uma rápida comunicação que possibilitasse a geração de debates, críticas e o intercâmbio de ideias entre os interessados nos temas pesquisados, gerou uma necessidade que os meios de divulgação científica da época não podiam suprir. Como apontam Oliveira e Silva (2013, p. 3): [...] os periódicos científicos surgiram no século XVII na Europa, em decorrência das mudanças no campo social, inclusive no campo científico. Até então os cientistas se comunicavam pessoalmente ou por meio de cartas. A divulgação formal mais ampla de suas pesquisas era feita em livros e longos tratados. O primeiro periódico científico apareceu há 300 anos e, teve o seu formato permanecido durante muitos anos, assim como, suas funções. Hoje já se dispõe dos formatos impresso e eletrônico, que vem crescendo de forma acelerada. Rapidez na divulgação das descobertas, diminuição dos custos e conotação impessoal foram algumas das vantagens adquiridas pelos periódicos, que teve somente a partir do século XVIII, sua aceitação por definitivo, como um meio de comunicação científica. Stumpf (1996) destaca que no século seguinte a produção das revistas científicas cresceu significativamente, em função do aumento do número de pesquisadores e de pesquisas, além dos avanços técnicos de impressão e fabricação do papel. Cabe frisar também, que à medida que as tecnologias de comunicação e disseminação da informação foram evoluindo, provocaram uma modificação no acesso à informação e consequentemente nos periódicos, que passaram a ser disponibilizados em ambientes informacionais digitais na web. Estima-se que hoje, circulem uma média aproximada de um milhão de periódicos científicos em todo o mundo (SANTOS, 2011), nessa proporção, a rapidez de interação e troca de conhecimentos científicos se agiganta e, como afirma Muller (1994, p. 82), o periódico se torna “o canal mais amplo e rápido de comunicação formal e científica; é o meio universalmente aceito para o estabelecimento da prioridade da descoberta

A disseminação da informação para a formação de conhecimento é o principal objetivo a ser alcançado, a partir das atividades (organização, tratamento e mediação da informação) desenvolvidas na área de Biblioteconomia. Podemos notar, dentro das universidades, por exemplo, a ação dos bibliotecários, atuando não somente nas bibliotecas, mas também participando e contribuindo na pesquisa e no desenvolvimento dos periódicos científicos. O periódico científico, considerado como um mecanismo que veicula a informação científica e consequentemente possibilita a formação de conhecimento, tem no âmbito da universidade, um espaço que permite a existência de ambientes físicos e eletrônicos que compartilham a informação gerada em seu meio, estimulando à produção científica (OLIVEIRA; SILVA, 2013), como também profissionais da informação, que se envolvem no processo fazendo com que esse trabalho de disseminação da informação seja possível. Abordamos neste artigo sobre a importância da disseminação da produção científica no âmbito das universidades, ao discorrer sobre o processo de criação da revista acadêmica Folha de Rosto, um dos produtos desenvolvidos nas atividades de monitoria, dos alunos vinculados ao Programa de Iniciação à Docência (PID), Projeto: Prática Bibliotecária na Unidade Curricular de Organização e Tratamento da Informação do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri. A partir de um relato de experiência, abordaremos as origens do periódico científico, sua relação com a produção do conhecimento, as etapas de criação de uma revista científica e as experiências que tivemos, no processo de criação da Folha de Rosto. 2 O periódico científico e a produção do conhecimento A produção científica, resultado das investigações, estudos e experimentos das diversas áreas do conhecimento, tinha até o século XVI, sua veiculação através de cartas ou de encontros e reuniões entre os cientistas e filósofos que queriam discutir e divulgar suas descobertas. Mueller 134


Pesquisa em Foco científica; é o meio físico para a conservação deste conhecimento”. A autora também destaca alguns aspectos de relevância que caracterizam os periódicos científicos na atualidade, sejam eles: a comunicação formal dos resultados da pesquisa original para a comunidade científica e demais interessados; preservação do conhecimento registrado; estabelecimento da propriedade intelectual; manutenção do padrão da qualidade na ciência (MULLER, 1994). Podemos notar que à medida que resguarda e propaga o conhecimento científico, o periódico cumpre funções de registro oficial público da informação mediante a reconstituição de um sistema de editor-avaliador e de um arquivo público - fonte para o saber científico. Dentro das universidades, é pertinente dizer que, a produção acadêmica ganha sentido por corroborar com o ensino e as atividades de pesquisa e gestão, estimulando à escrita e a reflexão crítica das práticas vivenciadas. Criada nas universidades, instituições onde o conhecimento forma e direciona a criação do pensamento crítico a nível superior, através de pesquisa e prática do cultivo do saber humano. É o principal local onde o pesquisador pratica e é estimulado através de atividades de extensão e pesquisa registradas, tendo como principal finalidade o crescimento social, organizacional e desenvolvimento humano (FERREIRA; SILVA, 2011). Percebemos que o “produzir cientificamente é uma capacidade intelectual do homem que se afirma pela sua habilidade de analisar criteriosamente a grande quantidade de informações, sobre os variados campos do conhecimento” (FERREIRA; SILVA, 2011, p. 1), onde, nesta perspectiva, encontramos na produção científica a abertura que incorpora e valida o conhecimento e a difusão do pensar científico, uma vez que esta proporciona a possibilidade de se expressar na forma teórica, as vivências e experiências que servirão, posteriormente, aos que vierem a ter acesso, de auxilio e referência para uma ampliação da temática por outros vieses. É, na produção científica, onde a sociedade e as instituições podem recorrer na busca por conhecimentos, fazendo uso e, ampliando as práticas e processos que desencadeiam as atividades de pesquisa, impulsionando assim e, de forma geral, as comunicações entre pesquisadores e suas temáticas abordadas (SANTOS, 2011). Em termos de produção acadêmica, Oliveira e Silva (2013, p. 4), enfatiza que a função do periódico, [...] não está relacionada somente com a disseminação da pesquisa, mas também com o sistema de recompensa acadêmica e reconhecimento, exercendo papel vital na validação das pesquisas. O periódico científico transformou-

se, de veículo cuja finalidade consistia em publicar notícia científica em veículo de divulgação do conhecimento que se origina das atividades de pesquisa. Dessa maneira, compreendemos que as revistas científicas contribuem significativamente enquanto promotoras e incentivadoras da escrita e da disseminação da produção científica através da publicação de artigos, dando visibilidade a estes espaços, reunindo, preservando e disseminando os registros do conhecimento gerados dentro das universidades, como é o caso da revista acadêmica Folha de Rosto, revista do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri, da qual tratamos neste estudo. 2.1 Folha de rosto Criada no segundo semestre de 2014, a revista acadêmica do curso de biblioteconomia se propõe a incentivar a produção acadêmica pela parte discente, além de, quanto atividade vivenciada pelos próprios alunos no que diz respeito à sua concepção, promover a aproximação do discente aos processos editoriais de criação da revista, uma vez que demonstra de forma prática, grande parte dos conhecimentos adquiridos pela disciplina de editoração, pertencente a grade curricular do curso. O nome da revista - Folha de Rosto - tem em sua escolha, uma representação simbólica que se qualifica como uma auto apresentação, visto seus objetivos maiores que são compartilhar com a comunidade acadêmica a importância do curso de biblioteconomia, bem como a abrangência atuacional do profissional bibliotecário visto a sua participação direta nos processos editoriais e de construção dos periódicos científicos. Em processo de finalização, prevê-se que a publicação de artigos contemplará a docentes e discentes do curso de Biblioteconomia, tendo em sua primeira edição uma seleção especial que publicará trabalhos de discentes e professores convidados. Como conselho editorial, a revista conta com o colegiado do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Cariri, bem como de docentes ainda a serem convidados. A revista priorizará colaborações inéditas resultantes de Projetos de Iniciação à Pesquisa, Iniciação à Docência, e Extensão, Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação na área de Biblioteconomia e áreas afins, Propondo-se à esta, uma periodicidade anual, com submissões durante todo o período do primeiro semestre e avaliação, edição e publicação no segundo semestre. 3 Procedimentos metodológicos Para este relato usamos a pesquisa descritiva, que segundo Gil (1999) tem como objetivo descrever 135


Caderno de Experiências características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre as variáveis. A partir de um delineamento qualitativo foi possível evidenciar as características do periódico Folha de Rosto e qualificar sua importância no âmbito da produção científica no Curso de Biblioteconomia e da UFCA em geral.

http://folhaderosto.ufca.edu.br/ojs/index.php/folh aderosto, ainda em processo de finalização, onde ainda trabalhamos para concluir a análise e o desenvolvimento da identidade visual e do site da revista, a constituição do comitê científico para posterior divulgação da revista e chamada de artigos. FIGURA1 : Layout Revista Folha de Rosto

4 Resultados e discussão Para a implementação da revista, enfrentamos alguns desafios sendo o primeiro relacionado à inexperiência dos bolsistas em colocar em prática o projeto (criação e à administração de periódicos eletrônicos). A partir das reuniões realizadas com a tutora do projeto, buscamos nos formar a partir de vídeos, tutorias e entrevistas com professores que coordenavam projetos semelhantes, como no caso da Universidade Regional do Cariri (URCA), com o Prof. Dr. Edson Martins, além de buscar definir os critérios para a formatação/editoração da revista, tendo como resultado final suas diretrizes, descritas na seção “Sobre a Revista”. Concebida como uma publicação científica em formato eletrônico, o passo seguinte foi ter o cadastramento da mesma, na plataforma do Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER). Sendo este um software customizado pelo Instituto Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia (IBICT), que automatiza o processo editorial do periódico científico, com objetivo maior de organizar a informação científica pelo gerenciamento das atividades editoriais e, divulgação eletrônica dos dados, tem sua definição no próprio site, como sendo:

FONTE: http://folhaderosto.ufca.edu.br/ojs/index.php /folhaderosto/issue/current

Concluída essas etapas o passo seguinte para a validação da revista: será a solicitação do ISSN1, tendo por objetivo identificar e individualizar o título de uma publicação seriada, sendo este atribuído no Brasil pelo Centro Brasileiro do ISSN (CBSSN), também sob responsabilidade do IBICT, proporciona, [...] um método eficiente e econômico de comunicação entre editores, fornecedores e compradores de publicações seriadas. Proporciona, também, um ponto de acesso útil aos catálogos de editores, diretórios comerciais, inventários automatizados, bibliografias, etc (SANTOS, 2011, p. 10).

[...] resultado da prospecção tecnológica realizada pelo IBICT para identificar aplicativos que possibilitassem o tratamento e a disseminação da produção científica brasileira na Web. O sistema SEER surgiu, assim, em 2003, a partir da customização do Open Journal Systems (OJS), software de gerenciamento e publicação de revistas eletrônicas desenvolvido pelo Public Knowledge Project (PKP), da University of British Columbia. Trata-se de uma inovadora iniciativa do IBICT que, imediatamente após a tradução do software OJS para o português, publicou na Web o primeiro periódico brasileiro utilizando essa tecnologia, a revista Ciência da Informação (INSTITUTO..., 2014, p. 1).

Dessa maneira, implementada com o apoio Diretoria de Tecnologia de Informação Universidade Federal do Cariri, o periódico encontra disponível na seguinte

Lançada durante a II Semana Acadêmica do Curso de Biblioteconomia da UFCA, ocorrida de 24 de setembro de 2014, no Auditório do Instituto Federal do Ceará, pela coordenadora do projeto professora Drª Maria Cleide Rodrigues Bernardino e pelo professor Dr. Henry Poncio Cruz de Oliveira. A Revista Folha de Rosto foi apresentada aos discentes e docentes presentes no evento como uma publicação científica, em formato eletrônico, vinculada ao Projeto de Iniciação à Docência da Unidade Curricular de Organização e Tratamento da Informação do Programa de Iniciação a Docência (PID), do Curso de Biblioteconomia. Aguardada, sobretudo pelos discentes, a revista se configura como uma oportunidade para aqueles, cujas pesquisas estejam voltadas para compreender a informação (fluxos, relações, usos, necessidades,

da da se url 136


Pesquisa em Foco registros, recuperação e tratamento) e que desejam compartilhar suas experiências e descobertas.

Eletrônico de Editoração de Revistas. 2014. Disponível em: http://seer.ibict.br/ Acesso em: 16 nov. 2014.

5 Considerações finais

MÜLLER, Suzana Pinheiro Machado. O periódico científico. In: CAMPELLO, Bernadete Santos; CENDÓN, Beatriz Valadares; KREMER, Jeannette Marguerite. (Org.). Fontes de informação para pesquisadores e profissionais. Belo Horizonte: Edições UFMG, 2000.

Dirigida especialmente aos alunos do Curso de Biblioteconomia, como também para discentes e docentes que lidem, discutam ou pesquisem sobre informação, tendo por objetivo ampliar os nichos comunicacionais do conhecimento científico produzido pelo referido curso, propondo e oportunizando a guarda, preservação e disseminação da informação gerada no seio da universidade, buscando dessa forma, o avanço, qualificação e reconhecimento do curso dentro da comunidade científica a revista Folha de Rosto, se configurou numa experiência desafiadora mas rica em aprendizados. Ao relatar a experiência prática de concepção da mesma, torna-se além de um registro norteador das etapas de criação de uma revista, um instrumento motivador às demais universidades e, até mesmo aos demais cursos existentes na Universidade Federal do Cariri, no que diz respeito ao desenvolvimento de mecanismos que promovam a guarda, disseminação e controle da produção de seus discentes. Concluímos que a revista do curso será também, depois de finalizada e ativa, um instrumento de medição e avaliação do perfil dos artigos acadêmicos produzidos pelo curso de biblioteconomia, de modo a ressaltar as características, pontos positivos e déficits desta comunidade, subsidiando estudos, pesquisas e elevando consideravelmente a qualidade da produção científica e consequentemente do curso de Biblioteconomia.

_____. O impacto das tecnologias da informação na geração do artigo científico: tópicos para estudo. Ciência da Informação, Brasília, v.23, n.3, p.309-17, 1994. OLIVEIRA, Eurislânia Pereira de; SILVA, Sara Jordânia Reis. Bibliomar: o incentivo a produção científica. Revista Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, 2013. Disponível em: http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/index.ph p/moci/article/view/2151/1417 Acesso em: 16 nov. 2014. STUMPF, Ida Regina Chitto. Passado e futuro das revistas científicas. Ciência da Informação, v. 25, n. 3, 1996. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/index.php/ciinf/arti cle/view/463/422 Acesso em: 16 nov. 2014. SANTOS, Gildenir Carolino dos. Fontes de indexação para periódicos científicos: um guia para bibliotecários e editores. Campinas, SP: E-Color, 2011. Disponível em: http://eprints.rclis.org/16898/1/fontesISBN978 8563058188.pdf Acesso em: 16 nov. 2014.

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Registramos aqui, nossos agradecemos à Universidade Federal do Cariri, por ser um espaço que oportuniza a existência de práticas e experiências como essa. Agradecemos a Próreitoria de Ensino (PROEN), por aprovar o projeto de Iniciação à Docência Prática Bibliotecária na Unidade Curricular de Organização e Tratamento da Informação. A Diretoria de Tecnologia de Informação (DTI), pelo apoio oferecido durante a fase de implementação da revista na plataforma do SEER, bem como a Pró-reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI). À orientação, paciência e confiança da coordenadora do projeto Drª Maria Cleide Rodrigues Bernardino, que esteve presente em todos os momentos e que tornou possível um ano rico em experiências e aprendizados.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas,1999. INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Portal do Sistema

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Caderno de Experiências Maria Palloma Barros Ferreira Alves Biblioteconomia/UFCA pallomabfalves@gmail.com

ESTRATÉGIAS E POLÍTICAS PARA A CONSTRUÇÃO SOCIAL DE UM TERRITÓRIO LOCAL DE ATUAÇÃO PARA A BIBLIOTECA PÚBLICA NO CARIRI

Rayssa Alana Maria Pinto Dos Santos Biblioteconomia/UFCA raissaramp@gmail.com

Maria Cleide Rodrigues Bernardino Professora /UFCA cleide@cariri.ufc.br

1 Introdução

beneficiados instituição.

A biblioteca pública deve ser voltada para atender as necessidades intelectuais e culturais daqueles que dela se utilizam, mas não cabe a ela se prender ao fato de ser considerada como guardiã do conhecimento, sua missão para com a sociedade é buscar medidas eficazes que a tornem propagadora desse conhecimento, seja através de políticas criadas internamente ou a partir de um conjunto com a comunidade. De qualquer maneira, é necessária uma integração com a população de onde a biblioteca está inserida, para que esta não seja um mero conjunto de livros guardados numa caixa como sugere a epistemologia da palavra, e sim, um organismo vivo, que atue junto com a comunidade, de modo que uma complete as necessidades da outra. Essa atuação conjunta é extremamente necessária para transmitir a sociedade e ao Estado que a regulamenta, a grande importância da biblioteca pública, seja cultural, educacional ou social e os serviços por ela prestados. Serviços estes que devem ser de acesso livre e gratuito, onde a informação e conhecimento proporcionados sejam de qualidade, atual e relevante de modo a satisfazer as necessidades da comunidade em que está inserida. Porém, é de senso comum que, na prática, a biblioteca pública, em sua maioria, não corresponde a esses ideais, pois ela é usualmente vista como uma biblioteca escolar, com o objetivo de fornecer material informacional para as pesquisas escolares, que acabam por ser um “copia e cola” para obtenção de nota. Assim sendo, no decorrer dessa pesquisa procuramos responder questionamentos que são feitos sobre o real estado da biblioteca pública nas cidades do Cariri cearense. E um questionamento fundamental para a pesquisa é: qual o estado de pertencimento da biblioteca pública nos municípios do cariri cearense? É essencial que para o melhor uso da biblioteca pública da sua comunidade, o usuário tenha conhecimento dos serviços que devem ser fornecidos por essa instituição, para cobrar pelos seus direitos, e até mesmo ter conhecimento dos seus deveres. A biblioteca é um espaço essencial para o desenvolvimento do aprendiz, pesquisador, autodidata, entre vários outros segmentos

pelo

funcionamento

regular

da

2 Fundamentação teórica Levando em consideração a abrangência que tem a biblioteca pública, seja em sua definição ou no real papel que esta desempenha na sociedade, é que podemos ver a importância de encontrar um conceito que possa se tornar a base para a pesquisa, mas na presença de tantos autores que buscam discutir sobre o mesmo tema, temos em mãos a responsabilidade de extrair o máximo de informação possível para que se possa abrir um debate sobre o nível de pertencimento da biblioteca pública desde sua concepção. Há um ponto em que percebemos que todos os autores concordam é quando se fala da natureza da biblioteca pública como uma instituição democrática, de livre acesso, sem distinção de etnias, raças, idade, sexo ou qualquer outro fator de segregação. O que deixa bem claro que a biblioteca é um ambiente feito por todos, e para todos. Visão essa que vai ao encontro das diretrizes elaboradas pela International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) e Organizações das Nações Unidas para a educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), no manifesto feito sobre bibliotecas públicas que é vista como […] uma organização criada, mantida e financiada pela comunidade, quer através de administração local, regional ou central, quer através de outra organização comunitária. Disponibiliza acesso ao conhecimento, à informação, à aprendizagem ao longo da vida e a obras criativas, através de um leque alargado de recursos e serviços, estando disponível a todos os membros da comunidade independentemente de raça, nacionalidade, idade, gênero, religião, língua, deficiência, condição econômica e laboral e nível de escolaridade (DIRETRIZES, 2013, p. 13)

É fundamental que os responsáveis pela instituição em questão tenham conhecimento dos princípios que a norteiam, para que seja possível manter uma ordem que concretize todas as capacidades da 138


Pesquisa em Foco mesma. O profissional precisa entender que é de extrema urgência tirar a imagem medíocre que atualmente é dada a biblioteca, que é vista apenas como um órgão monótono, escuro e com poucos atrativos. Não adianta apenas organizar os livros na estante como se a esse ato se resumisse o papel do bibliotecário, as diretrizes da IFLA juntamente com a UNESCO nos mostram o contrário, já que é destacado à necessidade de criar um ambiente atrativo não só para a disseminação de informação erudita, como também para a propagação de manifestações culturais da região em que se insere. Graças a mudanças que vêm transformando o ambiente da biblioteca em algo mais dinâmico e participativo, podemos perceber como a convivência embasada em uma troca de experiências pode ser favorável para o desenvolvimento da sociedade e da instituição. Sendo assim, torna-se cada vez mais correto definir a biblioteca pública como uma instituição, levando em consideração que esta é vista como

através de recursos como questionários ou uma simples caixinha de sugestões para os que por ali passam tenham a oportunidade de deixar sua opinião para a melhoria do serviço que eles utilizam. É de censo comum que uma comunidade que está sempre envolvida com um meio rico em experiências que uma biblioteca pode proporcionar, se encontra com um maior nível de entendimento sobre o que se passa no mundo e o que essas ocorrências podem vir a provocar na sua comunidade, através de livros, folhetos, jornais entre vários outros suportes informacionais. O que se espera é que com o tempo tenhamos uma biblioteca pública mais preocupada com a educação, conforme explicita o Manifesto da UNESCO (1994, p. 1): “A biblioteca pública é o centro local de informação, tornando prontamente acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a informação de todos os géneros”. Assim teremos uma biblioteca pública,

[...]um complexo específico de ações sociais, que é também um órgão regulador, canalizando as ações dos indivíduos e proporcionando métodos de padronização da conduta humana. Essa conduta deve passar por caminhos considerados aceitáveis para a sociedade (BERGER, 1973 Apud BRETTAS, 2010, p. 105).

[...] em seu verdadeiro sentido de atuação, livre, aberta, democrática, socializadora, que ao mesmo tempo em que cuida da preservação da memória investe na construção do conhecimento e soma esforços para que transforme e seja transformada para e pelo usuário, e que, em razão deste, possa se tornar um ambiente vivo e efervescente de cultura (BERNARDINO; SUAIDEN, 2011, p. 34).

Ao longo da história a biblioteca vem enfrentando vários obstáculos, seja a falta de incentivo por parte de governantes, ou até mesmo depredações vinda daqueles que, por falta de instrução, não entendem o verdadeiro papel dessa na sociedade e por essa ignorância retiram partes dos livros, ou rasuram as obras. É preciso deixar claro para os usuários que esses espaços são feitos para, em conjunto com a comunidade, tornar a cultura e as práticas locais pertencentes aos ambientes desse sítio, levar a instituição para dentro da sociedade, pois assim afirma Lemos (1977, p. 26): “[...] o livre acesso ao conhecimento registrado é pré-requisito para a formação de comunidades autoconscientes, integradas na cultura de sua nação, ajustadas ao seu tempo e aptas a encontrar o equilíbrio na síntese das ideologias possíveis [...]” Em uma comunidade existem pré-requisitos básicos para o bom funcionamento das instituições e o mantimento da ordem social, mas infelizmente a importância da biblioteca ainda não é destacada, e isso se dá muitas vezes pela pouca divulgação desse órgão, ou pela falta de projetos e atividades que tenham a capacidade de atrair o público para o que se passa nesse ambiente. É substancial que os bibliotecários tenham em mente estar sempre em contato com os usuários de suas respectivas bibliotecas, para ter informações sobre os gostos e as necessidades daqueles que dela usufruem,

Seria uma ingenuidade não se ter em mente que vivemos em um cenário extremamente caótico, se levarmos em consideração o fato de que a informação toma cada vez mais posse de seu caráter mutável e assume várias formas perante o ‘homem social’. Seja através das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) ou por meio de uma conversa informal em um bar na esquina, o ser humano se comunica como se disso dependesse sua vida, e para quê melhor ambiente para praticar o ato de comunicar-se do que uma biblioteca? O problema é que com o avanço das TIC faz-se necessário: “compreender a missão das bibliotecas públicas frente aos avanços tecnológicos e de construir um caminho que possibilite estas bibliotecas se reencontrarem, reinventando-se” (MACHADO; SUAIDEN, 2013, p. 8). Necessidade esta que vem sendo negligenciada pelo pensamento de alguns bibliotecários de que só se pratica a leitura com um livro, ou com algum outro meio que utilize o papel como suporte. Já passou do tempo de perceber que a tecnologia, seja ela de natureza digital ou analógica, foi e permanece sendo um fator de suma importância para o desenvolvimento intelectual dos que delas fazem uso, portanto não há nada mais apropriado que tornar a biblioteca em um ambiente multimídia, e proporcionar a uma 139


Caderno de Experiências grande parcela da sociedade que não têm acesso, a oportunidade de entrar em contato com as valiosas TIC.

biblioteconomia sempre podemos esperar um vasto debate entre as obras tendo em vista o fato de que esta é uma área extremamente interdisciplinar, e existem os que são mais tecnicistas e outros que entram mais em contato com o fator humano, trazendo uma visão geral do que a biblioteca é daquilo que ela precisa.

3 Procedimentos metodológicos Para moldar da melhor maneira possível uma opinião a respeito do conceito da biblioteca pública, e até mesmo procurando entender melhor o papel dessa na sociedade, é que usamos como recurso chave pesquisas bibliográficas com base em autores que têm se posicionado em uma busca pela melhoria desse órgão começando com a compreensão do que ele é para a comunidade em que se insere, e obter mais informação sobre quais são suas políticas para a manutenção da funcionalidade e da ordem do mesmo. Sobre a pesquisa bibliográfica Boccato (2006, p. 266) esclarece que é a que

4 Resultados e discussão Através da pesquisa bibliográfica, e nos referenciamos em autores que tenham refletido sobre o conceito de biblioteca pública e o seu papel na sociedade a fim de amadurecer as noções e conceitos sobre a mesma. Isso forneceu alicerce para a construção de um mapa conceitual, que tem por objetivo mostrar a função e as várias vertentes que tornam esse órgão essencial para o desenvolvimento intelectual e moral da comunidade em que se insere. Para a criação do mapa conceitual utilizamos como base o capítulo Revisíon del Concepto de Biblioteca Pública do livro Biblioteca Pública y Lectura Pública. O método utilizado por este livro em muito se parece com o que usamos, a busca por conceitos através de pesquisas bibliográficas, no decorrer dessa leitura podemos perceber o caráter humano dessa instituição, ao nos depararmos novamente com os conceitos formados pelo tratado da IFLA com a UNESCO, intercalados com outros pensadores que avaliam este órgão como uma fonte de informação primordial. Faz-se necessário enfatizar o fato de que a biblioteca pública é em si uma instituição de extrema importância para a sociedade, mas que não deixa de receber o apoio da mesma para se manter, é como uma troca mutua de serviços entre ambas. Com o intuito de fazer uma melhor avaliação dessa relação, podemos partir do princípio de que a biblioteca pública é uma instituição que pode ser financiada tanto pelo governo, como também pode receber o apoio da comunidade, mas que jamais poderá deixar de ter seu caráter de acesso livre e democrático, pois assim estaria perdendo o direito e a razão de ser chamada de pública. Deve-se levar em consideração o contexto social no qual está inserida, para que se possa construir o acervo e a estrutura de acordo com as necessidades a serem atendidas. Não podemos esquecer da relevância de haverem projetos voltados para a divulgação do espaço, entretenimentos, atividades e qualquer tipo de ação que se passa na mesma.

[...] busca a resolução de um problema (hipótese) por meio de referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo as várias contribuições científicas. Esse tipo de pesquisa trará subsídios para o conhecimento sobre o que foi pesquisado, como e sob que enfoque e/ou perspectivas foi tratado o assunto apresentado na literatura científica. Para tanto, é de suma importância que o pesquisador realize um planejamento sistemático do processo de pesquisa, compreendendo desde a definição temática, passando pela construção lógica do trabalho até a decisão da sua forma de comunicação e divulgação.

Percebemos que para a construção de um trabalho consistente é necessário ter conhecimento à cerca do que falam aqueles que estão empenhados em pesquisas, e principalmente aos que dedicam boa parte de sua carreira focando no assunto em questão, mas não esquecendo de que a riqueza do trabalho depende de um olhar subjetivo que aos poucos vai levando a objetividade, formando um trabalho capaz de avaliar desde a visão do usuário sobre a biblioteca que utiliza, até chegar aqueles que fornecem a verba para a permanência da mesma, olhares totalmente distintos mas que no final se completam, já que de um a biblioteca necessita e o outro necessita dela. Trabalhar procurando referências de outros autores sempre enriquece muito a pesquisa, já que nem sempre se concorda com tudo que cada autor diz, e se tratando de uma pesquisa que envolve

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Pesquisa em Foco FIGURA 1: Conceito de biblioteca pública

FONTE: As autoras.

Tomando como ponto de partida a instituição, observamos as conexões feitas até chegar em uma definição para que se possa enxergar a complexada presente no ato de ser transmissora da informação, já que para chegar a este patamar é preciso ter uma visão geral sobre quais as melhorias a serem feitas e aonde devem ser aplicadas, e nada melhor para isso do que a construção de um mapa. Como nosso primeiro passo, nesta que esperamos ser uma longa e proveitosa caminhada, é o reconhecimento de um conceito para Biblioteca Pública, temos a seguir um mapa conceitual que busca demonstrar a infraestrutura desta entidade.

profissionais atuantes, afim de incentivar projetos, programas, atividades e serviços atrativos para a população nas bibliotecas. Por fim, através do Grupo de Pesquisa Biblioteca, Informação e Sociedade (BIS) esperamos aprofundar a discussão acerca do conceito de biblioteca pública na sociedade, mediada pelo estado de pertencimento local da comunidade para com esta Unidade de Informação e Conhecimento chamada biblioteca. Referências BERNARDINO, Maria Cleide Rodrigues; SUAIDEN, Emir José. O papel social da biblioteca pública na interaçãoentre informação e conhecimento no contexto da ciência da informação. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 16, n. 4, p. 1941, out./dez., 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pci/v16n4/v16n4a04. pdf Acesso em: 15 nov. 2014.

5 Considerações finais Com o desenrolar da pesquisa podemos observar que não são poucos os que avaliam a biblioteca como órgão essencial para o crescimento dos indivíduos beneficiados pelo seu serviço, e do poder que esta tem de mudar radicalmente o cenário local quando consegue finalmente alcançar o seu público: a sociedade. O conceito de biblioteca pública está associado à igualdade de acesso e a educação ao longo da vida e faz a ligação entre a necessidade informacional e o membro da comunidade que dela precisa (BIBLIOTECA,2010). Nossa intenção é exatamente difundir cada vez mais esse reconhecimento à biblioteca pública e sua importância, para a comunidade acadêmica e os

FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Biblioteca pública: princípios e diretrizes. Rio de Janeiro: Dep. de Processos Técnicos ,2010. Disponível em: http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/Arquivo Final28_08.pdf Acesso em: 15 nov. 2014. BOCCATO, Vera Regina Casari. Metodologia da pesquisa bibliográfica na área odontológica e o 141


Caderno de Experiências artigo científico como forma de comunicação. Rev. Odontol., São Paulo, v. 18, n. 3, p. 265274, 2006. Disponível em: http://portal.revistas.bvs.br/ Acesso em: 15 nov. 2014.

LEMOS, Antônio Agenor Briquet de. Proposta para criação de um Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas. Revista de Biblioteconomia de Brasília, Brasília: ABDF, v. 5, n. 1, p. 25-33, jan./jun. 1977. Disponível em: www.brapci.ufpr.br/download.php?dd0=16738 Acesso em: 14 nov. 2014.

BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é Comunicação. São Paulo: Brasiliense, 2004. BRETTAS, Aline Pinheiro. A biblioteca pública: um papel determinado e determinante na sociedade. Biblos: Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação, v. 24, n. 2, p. 101-118, jul./dez., 2010. Disponível em: http://www.seer.furg.br/biblos/article/view/115 3/1030 Acesso em: 14 nov. 2014.

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DIRETRIZES DA IFLA SOBRE OS SERVIÇOS DA BIBLIOTECA PÚBLICA. Lisboa. Disponível em: http://www.ifla.org/files/assets/hq/publication s/series/147-pt.pdf Acesso em: 14 nov. 2014.

MANIFESTO DA IFLA UNESCO SOBRE BIBLIOTECAS PÚBLICAS. 1994. Disponível em: http://archive.ifla.org/VII/s8/unesco/port.htm Acesso em: 15 nov. 2014.

JARAMILLO, Orlanda; MONTOYA, Mónica. Revisión del concepto de biblioteca pública. In: Biblioteca pública y lectura pública. Medellín: Universidad de Antioquia, 2005.

142


Pesquisa em Foco Patrícia Oliveira Pinheiro Administração/UFCA patrícia.ufca@gmail.com

FATORES RELACIONADOS À TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO QUE CONTRIBUEM COM A USABILIDADE NO SITE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI – UFCA 1 Introdução

David Vernon Vieira Professor /UFCA davidvernon@ufca.edu.br

sociedade passou a ser conhecida como Sociedade do Conhecimento (LUCCI, 2008). O advento da Internet proporcionou maior troca de informações e pesquisa, colocando as pessoas em redes de comunicação mais rápidas. O saber ganhou um valor vital para o desenvolvimento humano e a disseminação de informação um papel central nas novas formas de organização econômica e social (ORDONES, 2008). Conforme observa Ordones (2008),

Os portais de informação na web das Instituições de Ensino Superior (IES) devem oferecer informações específicas a seus usuários, satisfazendo uma comunicação e interação entre a comunidade docente e discente. No presente estudo, portanto, determinou-se o seguinte problema de pesquisa: como fatores relacionados à tecnologia da informação podem contribuir com a usabilidade do portal da Instituição Pública de Ensino Superior Universidade Federal do Cariri – UFCA? Criada em 2013 através do desmembramento do Campus Cariri da Universidade Federal do Ceará – UFC, a UFCA passa por um processo de implantação onde uma das áreas que requer maior atenção é o Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI). Tendo em vista a problemática apresentada, procurou-se: observar o conteúdo de informação disponibilizado no portal da UFCA voltado para estudantes; e avaliar a estrutura do site como via facilitadora de interação/comunicação com usuários. Assim, foi feito uma revisão bibliográfica acerca da temática que envolve portais de informação na web e usabilidade em sistemas de informação, e para a coleta de dados foi aplicado um questionário a estudantes do curso de Administração, a fim de avaliar alguns elementos como a eficiência de uso e a facilidade de aprendizado na navegação pelo portal.

a rede Internet pode ser entendida como um mecanismo de comunicação de alcance mundial, instantâneo, interativo e multidirecional, possibilitando o acesso ilimitado e sem fronteiras ao universo informacional da World Wide Web. No âmbito da informação, novas tecnologias de informação e comunicação surgiram como possibilitadoras de alternativas de ensino e pesquisa e com recursos de metadados.

Os sistemas de informação na Internet proporcionam informações especializadas, acesso cada vez maior à informação de documento e constituem-se em sistemas de comunicação em que é possível uma relação de troca de ideias disponíveis de diversas formas, entre elas a Web. a Web rapidamente dominou a Internet ao combinar simplicidade de uso, facilidade de criar e fornecer documentos e a exibição de documentos em formatos multimídia, mais aceitáveis do que longas páginas ininterruptas de texto (CENDÓN, 2000, p. 288 apud VILELLA, 2003).

2 Fundamentação teórica A partir da segunda metade do século XX, profundas mudanças, como a difusão de novas tecnologias e dos meios de comunicação, interferiram no modo de produção da época e um novo tipo de sociedade começou a se estruturar. O mundo evoluiu de uma sociedade industrial para outra baseada em conhecimento. Hoje, compreende-se que o processo de aquisição do conhecimento estende-se por toda a vida, pois há sempre um novo conhecimento a ser descoberto e as informações se atualizam num espaço de tempo muito curto, de forma que a própria

Dessa maneira, melhorar a Interação HumanoComputador (IHC) se tornou cada vez mais fundamental, uma vez que o acesso às interfaces se popularizou e o mundo virtual tem se desenvolvido constantemente. A evolução tecnológica tem ocorrido muito rapidamente apresentando sempre novas características e acompanhá-las faz-se uma necessidade, sobretudo, no contexto organizacional. A maneira com que as informações se apresentam, as necessidades de seus usuários, 143


Caderno de Experiências bem como a forma com que a comunicação acontece deve ser continuamente repensada, pois fatores como esses determinam o bom funcionamento e desenvolvimento das mesmas. O termo usabilidade, por exemplo, passou a ter relevância e discussões nesse sentido aumentaram. Conforme explica Moraes (2001 apud COSTA; RAMALHO, 2010), ao tratar da usabilidade de software, “usabilidade diz respeito à habilidade do software em permitir que o usuário alcance facilmente suas metas de interação com o sistema”. É importante destacar também que,

partir do contato mais próximo entre diferentes culturas facilmente acessíveis através da conectividade das redes de interface (COSTA; RAMALHO, 2010). A velocidade com que as informações circulam também causou e ainda causa impactos na sociedade. A atual sociedade em rede, dessa forma, é potencialmente uma sociedade promissora, avanços e benefícios certamente são oriundos das relações mencionadas. Nesse sentido, vale atentar para a seguinte compreensão sobre cibercultura: a cibercultura, portanto, é a cultura identitária do real ao virtual, é a cultura da interconectividade, da interação em rede, da digitalização, da nova navegação, promotora das mais diversas e complexas redes de informação e comunicação, via novas tecnologias ou por elas influenciadas. (LEVY, 1999 apud COSTA; RAMALHO, 2010)

a usabilidade pode ser definida como o estudo ou a aplicação de técnicas que proporcionem a facilidade de uso de um dado objeto, no caso, um sítio web. A usabilidade busca assegurar que qualquer pessoa consiga usar o sítio web e que este funcione da forma esperada pela pessoa. (cartilha de usabilidade do programa de governo eletrônico do governo federal, 2010)

Diante de tal concepção, o ser humano e o computador apresentam-se como os principais elementos envolvidos. A maioria dos seres humanos passou a conceber o uso do computador como componente elementar em seu dia-a-dia, pois tarefas manuais passaram a ser substituídas pela sua utilização, bem como novas tarefas surgiram garantindo melhorias, nas mais diversas áreas: pessoal, profissional, etc. A este respeito, vale destacar que:

Portais de informação na web são hoje uma ferramenta estratégica, um componente relevante de empresas e instituições preocupadas com a acessibilidade a conteúdos e serviços que satisfaçam seu público-alvo, a fim de possibilitar facilidade de conhecimento, eficiência de uso, etc. Seja de caráter público ou privado, toda e qualquer organização sofre os impactos da sociedade que está inserida, novos desafios surgem e assim novas estratégias precisam ser alinhadas a fim de garantir os objetivos da empresa ou instituição. Nesse contexto contemporâneo, em que a informação, conhecimento e comunicação tem papel central, encontram-se as Instituições de Ensino Superior – IES que precisam investir nas novas tecnologias para cumprir com suas propostas educacionais e atribuições, bem como promover disseminação de informação e uma comunicação clara com seu público-alvo em consonância aos seus valores. A construção de sítios web que facilitem a interação e comunicação entre usuários e interface é relevante. (SILVA ET ALLI, 2013). Segundo Ordones (2008),

o termo Interação Homem-Computador (IHC), por essa compreensão, surge propondo-se como harmonia na ação exercida, mutuamente, entre dois fenômenos: um humano e outro artificial. A IHC, também denominada Interação Homem-Máquina, caracterizase por estudos de pessoas por um lado e sistemas baseados em computadores por outro, incluindo as maneiras como um exerce influência sobre o outro. (BARANAUSKAS; ROCHA, 2000 apud COSTA E RAMALHO, 2010)

O ser humano conectado com os sistemas de informação virtuais, denominados usuários, através de janelas, ícones, menus, etc., constitui o que é chamado interface. A utilização da interface passou a sofrer exigências pelos usuários e os sistemas e seus meios passaram a se tornar mais atraentes e eficientes. Dessa forma, “a interface implica na IHC, na interação usuário-sistema, implica tanto no desempenho do usuário, quando uso do sistema, quanto na satisfação do próprio usuário” (COSTA; RAMALHO, 2010). Os sistemas de informação virtuais são revolucionários, apresentam ampla funcionalidade de instrumentalização à sociedade em diversos

partindo-se do pressuposto de que da relação entre o ensino e a pesquisa também se produz o conhecimento, fazse necessário garantir a funcionalidade dos serviços e produtos oferecidos, considerando os princípios de usabilidade em ambientes do tipo sítios web.

A sociedade contemporânea tem características próprias do seu tempo, entre elas é possível identificar novos hábitos, novas maneiras de pensar, novas formas de agir que foram surgindo a 144


Pesquisa em Foco aspectos. Estudos nesse sentido cresceram, gerando inovações constantes ligadas aos novos fenômenos. Os portais web vêm evoluindo continuamente. Inicialmente denominados apenas como máquina de busca, atualmente podem compor muito mais funções, por exemplo, “as comunidades virtuais e suas listas de discussão, chats em tempo real, possibilidade de personalização dos sites de busca (My Yahoo!, My Excite) e acesso a conteúdos especializados e comerciais” (DIAS, 2007). Segundo Dias (2007) existem dois tipos de portais quanto ao contexto de utilização, sendo eles: portal público e portal corporativo. O primeiro tem como função atrair o público em geral. Já o segundo armazena e dispõe informações de uma empresa ou instituição. O portal corporativo, no entanto, é um conceito recente, que apresenta os termos “portal de informações corporativas”, “portal de negócios” e “portal de informações empresariais” em alguns casos como sinônimos. Sem dúvida, um portal web é um recurso que cria inovadores modos de comunicação, entretanto, as definições existentes são diversas. “A variedade de portais existente em plataforma web é hoje tão marcante que promover uma classificação de tipos de portais é um desafio bastante complexo” afirma Vilella (2003). Nessa perspectiva, de forma geral, o portal web conecta usuários à internet proporcionando que chegue até ele conteúdo e serviços por meio de uma interface. Surgiu então a necessidade de se estabelecer princípios norteadores para atender essas novas concepções.

O termo usabilidade, de acordo com a norma ISO 9241-11, ganhou relevância e tem sido bastante discutida. Em termos gerais, para efeito de sua concepção podemos citar como sendo a “capacidade de um produto ser usado por usuários específicos para atingir objetivos específicos com eficácia, eficiência e satisfação em um contexto específico de uso”. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2002). Além da norma ISO 9241-11 existem outras definições sobre usabilidade bastante pertinentes. Segundo Nielsen: a usabilidade é a característica que determina se o manuseio de um produto é fácil e rapidamente aprendido, dificilmente é esquecido, não provoca erros operacionais, oferece um alto grau de satisfação para seus usuários, e eficientemente resolve as tarefas para as quais ele foi projetado.(NIELSEN, 2006 apud SILVA ET ALLI, 2013)

Nessa mesma perspectiva, Dias (2007) afirma que: usabilidade também pode ser definida como uma medida da qualidade da experiência do usuário ao interagir com alguma coisa – seja um sítio web na Internet, um aplicativo de software tradicional ou outro dispositivo que o usuário possa operar de alguma forma.

Tais concepções possibilitam uma compreensão melhor sobre usabilidade e elementos relacionados. Nesse sentido, é interessante observar cinco atributos da usabilidade descritos por Nielsen (1993), e citados por Dias (2007): 1) facilidade de aprendizado: o sistema deve ser fácil de aprender de tal forma que o usuário consiga rapidamente explorá-lo e realizar suas tarefas com ele; 2) eficiência de uso: o sistema deve ser eficiente da tal ponto de permitir que o usuário, tendo aprendido a interagir com ele, atinja níveis altos de produtividade na realização de suas tarefas; 3) facilidade de memorização: após um certo período sem utilizá-lo, o usuário não frequente é capaz de retornar ao sistema e realizar suas tarefas sem a necessidade de reaprender como interagir com ele; 4) baixa taxa de erros: em um sistema com baixa taxa de erros, o usuário é capaz de realizar tarefas sem maiores transtornos, recuperando erros, caso ocorram; 5) satisfação subjetiva: o usuário considera agradável a interação com o sistema e se sente subjetivamente satisfeito com ele. Assim, a relação entre usuários e interface pode ser melhor avaliada e avançar junto à evolução da tecnologia da informação, por isso, a preocupação com a usabilidade dos sistemas interativos passaram a ser mais intensos para empresas e instituições.

O termo usabilidade começou a ser usado no início da década de 80, principalmente nas áreas de Psicologia e Ergonomia, como um substituto da expressão “user-friendly” (traduzido para o português como “amigável”), a qual era considerada vaga e excessivamente subjetiva. Na verdade, os usuários não precisam que as máquinas sejam amigáveis. Basta que elas não interfiram nas tarefas que os usuários querem realizar. Além disso, usuários diferentes tem necessidades diferentes, de maneira que um sistema pode ser amigável para uma pessoa e não tão amigável para outra. (DIAS, 2007)

A usabilidade está associada à utilização de usuários em sistemas de informação, nesse sentido, a interação que se dá numa interface, bem como a qualidade de uso nessa relação são características essenciais a serem pensadas. Aspectos subjetivos giram em torno das discussões a este respeito, visto que a satisfação dos usuários envolve a utilização de uma interface. Entretanto, é possível analisar aspectos de um modo geral que contemplam grupos de usuários. 145


Caderno de Experiências 3 Procedimentos metodológicos

opiniões bastante variadas em diversos aspectos. Ao observar a página inicial do site da UFCA naquele momento era evidente a simplicidade na aparência da interface, não havendo excesso de informações mal estruturadas, porém era mínima a dinâmica tecnológica com que as informações estavam disponibilizadas.

Tendo apresentado o problema de pesquisa, os objetivos, seguido de referências teóricas a cerca do tema, o presente estudo consiste numa pesquisa exploratória e descritiva, com coleta de dados feita a partir da observação do portal da UFCA1, entre o período de Abril e Junho do ano de 2014, via questionário impresso, que ajudasse na coleta de informações quantitativas. O mesmo foi aplicado aos estudantes do curso de Administração entre os dias 26 à 28 de Maio do mesmo ano acima citado. Pesquisas exploratórias, em geral, envolvem levantamento bibliográfico e “tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições” (GIL, 2002). A pesquisa também se caracteriza como descritiva, pois busca analisar como fatores relacionados à tecnologia da informação podem contribuir com a usabilidade do portal da Instituição Pública de Ensino Superior UFCA, ou seja, ela “busca descrever uma realidade, sem nela interferir” (APPOLINÁRIO, 2009).

Figura 1 – Página inicial do portal UFCA (em 31/05/2014)

4 Resultados e discussão Tendo em vista avaliar elementos que contribuem com a usabilidade do portal da Universidade Federal do Cariri, é importante conhecer o perfil dos usuários entrevistados. Dentre o total de 30 participantes, todos graduandos do curso de Administração, compreende-se 16 entrevistados do gênero masculino e 14 do gênero feminino, sendo 22 estudantes com faixa etária entre 18 a 25 anos, seis estudantes entre 26 a 33 anos, um estudante entre 34 a 41 anos e um estudante com 42 anos acima. Através da análise dos dados coletados, foi possível perceber que o portal da UFCA apresenta índices e

Fonte: Os autores.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos participantes em relação ao acesso à internet. A Tabela 2 demonstra os dados da frequência semanal de acesso ao portal.

TABELA 1 – Distribuição quanto ao acesso à internet

30

ENTREVISTADOS

100%

NUNCA

1x por Semana

3x por Semana

5x por Semana

TODOS OS DIAS

NÃO OPINOU

1

0

1

1

27

0

3%

0%

3%

3%

90%

0%

Fonte: Dados da pesquisa. TABELA 2 – Frequência semanal de acesso ao portal UFCA

30

ENTREVISTADOS

100%

NENHUMA

UMA

DUAS

TRÊS À CINCO

MAIS DE CINCO

NÃO OPINOU

10

8

3

0

1

0

33%

27%

30%

10%

0%

0%

Fonte: Dados da pesquisa.

O Gráfico 1 apresenta resultados que investiga a opinião dos estudantes quanto à satisfação em relação ao portal da UFCA. Os resultados podem ser visualizados a seguir.

Esses resultados mostram que a maior parte dos estudantes entrevistados, apesar de terem fácil acesso à internet, não costumam acessar ou acessam muito pouco o site. 146


Pesquisa em Foco Gráfico 1 – Satisfação dos estudantes em relação ao portal da UFCA.

Figura 2 - Tentativa de acesso ao SIGAA pelo portal UFCA utilizando o navegador web Google Chrome (em 01/06/2014).

Fonte: Dados da pesquisa.

É possível perceber que o indicador indeciso é o mais apontado na maioria das afirmativas. Isso ocorreu nos itens de letra “d”, letra “f”, letra “g”, letra “h” e letra “i”, basicamente reforçando o uso pouco frequente dos participantes no portal da Universidade Federal do Cariri- UFCA. A afirmativa “e” merece destaque, pois entre as demais é a única em que uma maioria expressiva concordou totalmente, se referindo em preferir utilizar as redes sociais como fonte de informação acadêmica. A pesquisa mostrou ainda que alguns estudantes não atentaram à diferença entre o portal e outros sistemas disponibilizados pela Instituição. Uma delas corresponde à página do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA), que pode ser acessado pelo portal, porém por vezes apresenta erros de incompatibilidade com outros navegadores, cujo mesmo só pode ser acessado pelo navegador Mozilla Firefox, conforme a figura 2.

Fonte: Os autores.

Com relação ao atributo de baixa taxa de erros, uma observação simples feita no mecanismo de busca do portal da UFCA para o termo “Calendário Acadêmico 2014” não obteve êxito na apresentação dos resultados, o que pode ser observado na figura 3. Figura 3 – Ferramenta de busca do portal UFCA (em 01/06/2014)

Fonte: Os autores.

147


Caderno de Experiências A seção com os resultados devia apresentá-los de forma clara e objetiva, no entanto, não foi o que ocorreu.

BRASIL. Padrões Web em Governo Eletrônico: Cartilha de Usabilidade / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação - Brasília: MP, SLTI, 2010.

5 Considerações finais BENINE, Fabiana. Organização da Informação em Portais de Bibliotecas Universitárias. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) Programa de PósGraduação em Ciência da Informação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. 2009. Disponível em:<http://www.bibliotecadigital.puccampin as.edu.br/tde_arquivos/2/TDE-20090715T055430Z1516/Publico/Fabiana%20Benine.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2014.

Baseado no que foi observado na pesquisa com os estudantes da administração no período citado o portal da UFCA atende muito superficialmente a satisfação dos estudantes. Foi visto que quanto à facilidade de memorização e facilidade de aprendizado para a interação de tais usuários não há muita insatisfação por parte dos estudantes. Conforme foi observado também no próprio portal, o redirecionamento de links, o mecanismo para alterar tamanho da fonte e o mapa do site, auxiliam na eficiência de uso. Contudo, diante da tecnologia existente na época, ficava claro perceber ineficiências e precariedades na estrutura de interação e comunicação disposta no portal da UFCA. No decorrer do semestre de 2014.2, observou-se a chegada de diversos servidores concursados que estão em processo de redesenho do portal para corrigir os defeitos citados. Os resultados da pesquisa ofereceram dados mínimos, visto que poucos estudantes foram entrevistados e estudantes apenas do curso de Administração. É interessante pesquisar mais a este respeito evidenciando os fatores relacionados à tecnologia da informação que contribuem com a usabilidade no site da Universidade Federal do Cariri – UFCA, para direcionar ações que implique em melhorias tanto a nível de estudantes, como toda comunidade acadêmica e sociedade para o desenvolvimento de um portal que ofereça conteúdo e interatividade. Finalmente, deve-se destacar que o estudo realizado enseja ampliação, pesquisas futuras que envolvam a temática como, por exemplo, avaliar o portal, analisar como recurso que fomente aprendizagem, enfim, pois tratou de amostra reduzida, com resultados que fornecem pontos exploratórios.

COSTA, Luciana Ferreira da; RAMALHO, Francisca Arruda. A Usabilidade nos estudos de uso da informação: em cena usuários e sistemas interativos de informação. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 15, n. 1, p. 92-117, jan./abr. 2010. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/pci/v15n1/06. pdf>. Acesso em: 03 mar. 2014. DIAS, Cláudia. Usabilidade na Web: criando portais mais acessíveis. 2. ed. Rio de Janeiro: Alta Books, 2007. GIL, A. C. Como elaborar projetos de Pesquisa. 4 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002. LUCCI, Elian A. A Era Pós-Industrial, a Sociedade do Conhecimento e a Educação para o Pensar. Disponível em: <http://www.del.ufrj.br/~fmello/eraposindus trial.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2014. ORDONES, Solange A. D. Modelo Para Análise De Usabilidade De Periódico Científico Eletrônico. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, UNESP. 2008. Disponível em: <http://www.marilia.unesp.br/Home/PosGra duacao/CienciadaInformacao/Dissertacoes/or dones_sad_me_mar.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2014.

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ROCHA, Eliane C. F.; DUARTE, Adriana B. S. Reflexões sobre os paradigmas de estudo da usabilidade na Ciência da Informação. DataGramaZero-Revista de 148


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<http://www.liber.ufpe.br/enegi/anais/GT_6 _Artigo_5.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2014. VILELLA, Renata M. Conteúdo, Usabilidade e Funcionalidade: três dimensões para a avaliação de portais estaduais de Governo Eletrônico na Web. Dissertação de Mestrado em Ciência da Informação da Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG. 2003. Disponível em: <http://bogliolo.eci.ufmg.br/downloads/VILELL A%20Conteudo%20Usabilidade%20e%20Funcio nalidade.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2014.

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Caderno de Experiências Maria Suellen Alves Lôbo Biblioteconomia/UFCA suellensuellen.lobo@gmail.co m

O IMPACTO DO USO DOS DISPOSITIVOS MÓVEIS POR ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS 1 Introdução

David Vernon Vieira Professor /UFCA davidvernon@ufca.edu.br

com aplicações que tem versões especificas para dispositivos móveis no seu sítio web. Isso vem atribuindo variadas divergências com o discurso de inclusão digital, que viabiliza democratizar o acesso às tecnologias da informação para toda a sociedade. Pode-se levar, também em consideração, que os usuários que possuem esses dispositivos na maioria das vezes, não utilizam com o foco na aprendizagem, fazendo com que aquilo que poderia ser um instrumento de auxílio ao conhecimento, se torna apenas um meio de comunicação ou entretenimento. Neste sentido, faz-se necessário estabelecer políticas de uso que devem caminhar gradualmente com a implantação de aplicativos voltados para os dispositivos móveis e seus pontos de conexão à internet no âmbito da academia.

As intervenções tecnológicas se tornaram perceptíveis em todos os setores, principalmente na área da educação. Os dispositivos móveis e seus aplicativos são fortes engrenagens para a rápida disseminação informacional que vem ocorrendo em todo o mundo. Não muito longe da atual realidade era necessário utilizar máquinas de datilografia para ter qualquer conteúdo digitado, algo que hoje é executado por dispositivos eletrônicos, que superam em grande escala as funcionalidades dos seus primogênitos. Uma expressiva mudança social de comportamento está em curso, à mobilidade digital vem carregada de novos desafios, principalmente para o ambiente acadêmico, que passa por impactantes transições. Os documentos eletrônicos que antes ficavam fixos no desktop, hoje transitam para essas novas ferramentas, permitindo não somente o acesso dessas informações de qualquer lugar e a qualquer momento, mas editar, enviar, receber e interagir com os demais que aderiram esse processo. Como Tapscott (2010, p. 28) ressalta:

Temos presenciado uma ampliação do uso de dispositivos móveis nas salas de aulas universitárias, onde estudantes os têm usado, muitas vezes, ininterruptamente e sem necessariamente ter uma orientação pedagógica. Isso acaba por constituir um cenário desafiador na educação superior. (SANTOS; DURAM; BURNHAM, 2012, p. 3222).

o acesso de banda larga à internet é onipresente; os iPods estão em toda parte; telefones celulares podem navegar na rede, captar coordenadas GPS, tirar fotos e trocar mensagens de texto; e sites de redes sociais (...).

É imprescindível entender essa realidade que vem cercando os paradigmas da aprendizagem universitária. Tanto, que esse estudo se respalda na necessidade de iniciar uma abordagem teórica na sua maior parte ainda de forma generalizada, que futuramente induzirá novos trabalhos com coleta de dados pelo país. Possibilitando uma análise mais contundente sobre o tema nesta localidade, que servirá de subsídio para outras pesquisas; até mesmo o conhecimento de novas ferramentas encontradas nesse contexto, dentro outros benefícios que esse tipo de estudo pode incentivar.

Embora os dispositivos móveis como os celulares, smartphones, laptops, tablets, já sejam uma ótima opção para quem quer estudar fora do espaço físico institucional tradicional ou até mesmo em suas mediações, a mobilidade total ainda é inserida com certa resistência pelos usuários. Traxler (2009), apesar de reconhecer os avanços até aqui alcançados, admite que esse campo de pesquisa ainda tem muito a evoluir, tanto em termos tecnológicos quanto pedagógicos. O “blended learning” é a combinação do aprendizado on-line com o off-line, em modelos que se mesclam, e é atualmente uma aposta na tendência de ensino. Nesse sentido, o uso de mobile é mais um recurso que não pode ser desprezado. Ao invés de solicitarmos aos estudantes que desliguem seus aparelhos eletrônicos, deveríamos aproveitálos para a interatividade em sala de aula. (DESAFIOS NA EDUCAÇÃO, 2014). Apesar do crescente manuseio de dispositivos móveis com acesso à internet, diversas instituições do ensino de nível superior no Brasil não contam

De acordo com a consultoria de tecnologia americana e-Marketer, o número de celulares no mundo deverá romper a barreira de quatro bilhões até o fim de 2014. Desse número, 1,7 milhões serão smartphones e ainda segundo a mesma consultoria até 2017, mais da metade dos 5,3 bilhões de telefones terão aplicativos e conexão wifi e GPS. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2014).

O presente estudo se revela como um dos principais pilares do projeto de pesquisa ainda em andamento 150


Pesquisa em Foco crescente e irreversível. (POSSAMAI; CIQUELLA; DOMINGUES, 2013, p.8).

– O impacto do uso de dispositivos móveis por estudantes universitários: aproximações e desafios enfrentados pelas bibliotecas universitárias do Cariri Cearense. Tem como objetivo geral refletir sobre o uso de dispositivos móveis na vida acadêmica dos estudantes universitários. E como objetivos específicos, identificar os critérios de utilização dos dispositivos móveis no meio acadêmico, realizado pelos discentes. Bem como, pontuar alguns empecilhos encontrados no seu uso, também analisando os possíveis canais de conexão com a internet.

Segundo Yau e Joy (2010) este meio de oferecer ensino, permite que estudantes e professores possam tirar vantagens dos recursos oferecidos pelas tecnologias móveis. Yau e Joy (2010) destacam a possibilidade de acessar, visualizar e prover conteúdo independentemente da hora e principalmente do lugar. Como uma tentativa de pontificar os professores aos estudantes da era digital, são criados aplicativos como o Bb Grader, para Ipad. “Nele, o docente pode visualizar tarefas dos alunos, avaliar e dar nota aos trabalhos, oferecer feedbacks aos alunos via texto, áudio e vídeo, entre outras funcionalidades, permitindo que o professor faça todas essas tarefas a qualquer hora, em qualquer lugar” (BLACKBOARD MOBILE, 2014). Uma característica fundamental para manter o interesse da “Geração Y”, é a rapidez com que essas tecnologias se renovam.

2 Fundamentação teórica Os dispositivos móveis vêm assumindo o papel de protagonistas principalmente na vida dos jovens. Processo esse, que vem se formando desde as últimas décadas do século XX, principalmente a partir dos anos de 1980. Em poucos anos de evolução, houve um crescimento avassalador nesse tipo de tecnologia, suas funções melhoram expressivamente, com a ampliação dos recursos oferecidos, permitidos pela miniaturização de componentes, telas coloridas e maiores, além de baterias de longa duração, tem revolucionado a telefonia sem fio. E o preço acessível desses aparatos é um diferencial ímpar na sua popularização.

Apesar de o iPhone ser a mais popular plataforma para aplicativos atual, não é mais suficiente ter suporte só para ele. O Android é um competidor valioso, e o iPad apresenta diferentes opções e possibilidades que muitas vezes garantem o desenvolvimento de sua própria experiência em aplicativos. Para oferecer, verdadeiramente, uma oferta móvel, você também deve suportar Symbian, Blackberry, Windows Mobile e Palm apenas para cobrir os smartphones mais usados (IMASTERS, 2011).

No entanto, a maioria das iniciativas nessa área ainda é de caráter experimental e de pesquisa. Aplicações que antes eram exclusivas para uso em ambientes desktops podem ser agora, também acessadas via dispositivos móveis. O desafio é fazer uso dessa tecnologia, levando-se em conta não só as diferenças de hardware e sistemas operacionais (SOs) dos diferentes smartphones e tablets, por exemplo, mas também a diversidade da nossa população. (FERNANDES et alli, 2012).

A “Geração Y” ou “Geração da Internet”, são pessoas que nasceram após a década de 1980 até meados de 1990, refere-se a uma parte da sociedade, que se desenvolveu em meio aos grandes avanços tecnológicos e à prosperidade econômica. Para o educador e pesquisador Marc Prensky (2001), esses jovens estão acostumados a obter informações de forma rápida e costumam recorrer primeiramente a fontes digitais e à Web antes de procurarem em livros ou na mídia impressa. Por causa desses comportamentos e atitudes e por entender a tecnologia digital como uma linguagem. Prensky (2001) os conceituam como nativos digitais, uma vez que “falam” a linguagem digital desde que nasceram. Segundo Gomes (2013), a Organização das Nações Unidas (ONU) indicava que o Brasil possuía pouco mais de 20 milhões de nativos digitais, que formam um grupo apenas menor aos da China (75,2 milhões), Estados Unidos (41,3 milhões) e Índia (22,6 milhões):

O aprendizado por intermédio de aparelhos de tecnologia móvel ou mobile learning, que trabalha sobre o conceito de mobilidade e/ou liberdade geográfica, vem desafiando os limites impostos pelos modelos tradicionais de ensino. Embora a prática do ensino empregando-se dispositivos móveis, conhecida como mobile learning ou mlearning, esteja apenas engatinhando, é de suma importância que a comunidade educacional faça reflexões sobre esse tema, haja vista que a utilização destes aparatos pelos alunos em sala de aula, tanto para pesquisa dos temas abordados, quanto para compartilhamento de informações é um fato que parece ter característica

o Brasil é o país que possui a quarta maior população do mundo de “nativos digitais”, jovens que cresceram acompanhando de perto a expansão da

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Caderno de Experiências internet e estão acostumados às muitas mudanças trazidas pela web. Os dados foram compilados pela União Internacional das Telecomunicações (UIT), órgão da ONU. (GOMES, 2013).

Learning, deve também ser elaborada pensando-se na grande diversidade de SOs e suas versões, além da vasta quantidade de aparelhos das mais diversas marcas e tecnologias. Os sistemas devem se manter em constante atualização para que não se tornem obsoletos e não impactem de maneira negativa nas interfaces e na forma de interação com as aplicações de mLearning. (FERNANDES et alli, 2012).

Esses indivíduos realizam diversas atividades simultaneamente, característica essa, que os educadores tradicionais têm visualizado como um problema, pois muitas vezes eles conceituam esses suportes como um meio de dispersão e um incentivo ao uso irresponsável de informações, que se inclui no meio acadêmico sem uma apuração mais acusada. Justificando que em outros tempos, as informações selecionadas para um trabalho demandavam mais tempo, leitura e fontes com maior teor de confiabilidade, pois eram retiradas principalmente de livros já consagrados no meio pedagógico, porém esse método tem sido considerado ultrapassado, se tornando cada vez menos atraentes para os estudantes de hoje. Questão essa, que se apoia pelo discurso constante dos benefícios que esses suportes proporcionam.

Além da adequação do layout para esses aparatos, a leitura minuciosa e longa característica da literatura acadêmica, também foram refletidas, pensando nisso foi desenvolvido o leitor de livros digitais ou ebooks, acrescido de vantagens como: portabilidade, grande capacidade de armazenamento e autonomia, leitura facilidade, (devido à possibilidade de diminuir ou amentar a fonte, assim como, escolher a posição do texto e marcar exatamente onde parou ou o que deseja reler, sem rasurar a obra), entrega imediata na aquisição e ainda acesso a acervos gratuitos. Porém, os dispositivos móveis tornam-se limitados pelas tecnologias de cada fabricante. Não havendo padronização, é um contribuinte negativo a mais na disseminação do uso desses dispositivos no processo de aprendizagem, porém já existem organizações trabalhando a favor dessa padronização. Um objeto de aprendizagem é definido como “qualquer entidade, digital ou não digital, que possa ser utilizado, reutilizado ou referenciado durante o aprendizado suportado por tecnologias” (OLIVEIRA; MEDINA, 2007). Outra vertente decisiva para o aprendizado móvel ser tornar uma realidade que influencie toda uma comunidade acadêmica, diariamente deve ser fomentada a necessidade de começar a adaptar os diversos conteúdos existentes em plataformas “fixas” para dispositivos móveis. "Espera-se que até 2015, 80% das pessoas acessem a Internet a partir de um dispositivo móvel” (WEBAULA,2013). Não tem como frear ou se excluir desse processo, muito menos quando se refere ao desenvolvimento educativo, que se recicla constantemente por informações freneticamente disseminadas por mídias digitais.

A possibilidade de utilização de tecnologias móveis no processo de ensino e aprendizagem permite o acesso a conteúdos educacionais em qualquer lugar e a qualquer hora, aproveitando assim horários livres tais como de espera ou de locomoção. Além disso, cada variante dos dispositivos móveis traz vantagens diferentes. Os telefones celulares, por exemplo, por serem aparelhos já bastante difundidos no mercado e com preços relativamente acessíveis, permitem que diferentes pessoas, tanto de faixas etárias distintas quanto de classes sociais diversas, tenham acesso fácil aos conteúdos educacionais. (OLIVEIRA; MEDINA, 2007, p. 3).

A biblioteca no processo de ensino e aprendizagem é denominada como um espaço ambíguo, a transição entre livros impressos e os e-books registra essa caracterização. O ambiente acadêmico não poderia ser tão afetado pelas tecnologias móveis sem se deparar com adaptações nos seus serviços prestados. As bibliotecas universitárias anteriormente consideradas depositárias de conteúdo impresso estão procurando se adaptar a esta nova dinâmica incluindo serviços de acesso via dispositivos móveis cujo conteúdo digital seja formatado para estes aparelhos. O desenvolvimento de aplicativos específicos, já pode ser visto em bibliotecas como as da Universidade de Salamanca na Espanha e também em várias Bibliotecas Públicas e Universitárias Americanas.

3 Procedimentos metodológicos Este trabalho permitiu uma compreensão das possíveis variáveis acerca do tema, delimitando como principal objeto de estudo os dispositivos móveis utilizados pelos universitários. No sentido de constituir um arcabouço teórico para a temática, a presente pesquisa realizou um levantamento bibliográfico sobre o uso de dispositivos móveis que teve o apoio financeiro da Fundação Cearense de

A interface dos sistemas móveis, no nosso caso de sistemas voltados ao e-

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Pesquisa em Foco Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP). Para a efetivação deste trabalho, utilizou-se uma pesquisa descritiva exploratória de cunho ainda bibliográfico, por valer-se de material já elaborado, “constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2009. p. 44) ou por buscar informações em documentos que se relacionam com o problema da pesquisa(MACEDO, 1994). De acordo com Marconi e Lakatos (2003, p. 183) a pesquisa bibliográfica “abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc.”

como uma etapa de explanação para solidificar o conhecimento teórico da mobilidade digital e dos seus usuários no contexto universitário, também como, expor algumas diretrizes que ajudarão para a conclusão do projeto, que ainda se encontra em fase de construção. 5 Considerações finais Com base em todos os conceitos abordados nesta pesquisa e no planejamento para futuras atividades, pode-se ter uma boa visão geral do amplo caminho que os dispositivos móveis no âmbito educacional têm pela frente. Ao mesmo tempo em que esta forma de apresentação tecnológica é algo inovador e com grandes expectativas de futuro, ela se defronta com inúmeros obstáculos a serem vencidos neste ambiente de desenvolvimento, ainda tão pouco explorada cientificamente. Supostamente pelo fato ainda não termos referências suficientemente consistentes em relação à implantação dessas tecnologias no meio educacional brasileiro seja na educação de base ou de nível superior. É imprescindível avaliar a introdução desses elementos utilizados nas instituições de ensino brasileiras, para assim, planejar uma intervenção de melhoria no uso dessas tecnologias, pois as mesmas se apresentam como uma ferramenta irrefutável na promoção da inclusão digital em larga escala e mais um meio de buscar democratizar a educação para todos. As ações de marketing desenvolvidas pelas entidades acadêmicas também são elementos decisivos na promoção desse novo mundo interativo, pois é a partir dessas ações elaboradas que os universitários podem tomar conhecimento e interesse de usar suas tecnologias móveis para o acesso ao conhecimento acadêmico.

4 Resultados e discussão Em primeira instância foram realizados estudos sobre as atuais intervenções tecnológicas mobile no âmbito educacional, para assim estabelecer delimitações necessárias que possibilitaram o enquadramento da temática no Brasil. Este trabalho aborda questões preliminares que serão desenvolvidas no projeto de pesquisa – “O impacto do uso de dispositivos móveis por estudantes universitários: aproximações e desafios enfrentados pelas bibliotecas universitárias do Cariri Cearense” aprovado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), financiadora dessa empreitada. Considerando as universidades e faculdades da região do Cariri Cearense, serão aplicados questionários online, cujas respostas permitirá conhecer o tipo de dispositivos móveis mais utilizados pelos discentes, o tipo de conexão disponível, recursos tecnológicos utilizados pelo usuário de bibliotecas, serviços oferecidos pela biblioteca que são acessados por dispositivos móveis dentre outros questionamentos favoráveis para uma melhor elaboração do diagnóstico final do projeto. Levando também em consideração a opinião dos docentes, que serão estimulados a apontar principalmente sua opinião como educador, do advento desses novos suportes e os critérios de uso adquiridos pelos seus alunos. A escolha de trabalhar essa temática surgiu da observação do fenômeno que envolve o uso dos dispositivos móveis no processo de aprendizagem acadêmico onde a biblioteca tem papel fundamental ao oferecer serviços cujo conteúdo digital possa ser acessível de qualquer aparato. Outro fator relevante é saber se os usuários de dispositivos móveis consideram o uso destes no processo de aprendizagem, e se as instituições de ensino estão desenvolvendo versões compatíveis de seus portais acadêmicos para esses aparatos. Não é do interesse da atual pesquisa apontar resultados definitivos, essa literatura é designada

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POSSAMAI, Airan Arinê; CIQUELLA, Rafael Moisés; DOMINGUES, Maria José Carvalho de Souza. Mobile Learning: estudo do uso das

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Pesquisa em Foco

POLIARTERITE NODOSA: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

1 Introdução

Arthur Rafhael Amorim Alves Esmeraldo Medicina/UFCA arthur_esmeraldo@hotmail.c om

Thalita do Nascimento Silva Medicina/UFCA thalitanasc@hotmail.com

Mayara Santana Nobrega de Figueiredo Medicina/UFCA mayarasnf@hotmail.com

Raissa Araújo Rolim Medicina/UFCA raissa_rolim@hotmail.com

José Lucas Tavares Anselmo Medicina/UFCA joselucas_ta@hotmail.com

Aloisio Antonio Gomes de Matos Brasil Professor /UFCA aloísio.antonio@hotmail.com

reconhecimento destas enfermidades. O pico da incidência das vasculites encontra-se no grupo etário 65-74 anos. Segundo Lane, Watts e Scott (2005), todos os grupos etários podem ser afetados pelas vasculites. A incidência específica de cada vasculite é influenciada pela idade, raça, localização geográfica e sazonalidade (MACHADO, 2014). Devido a essa baixa incidência anual apresentada pelas vasculites e pelo seu difícil diagnóstico, que envolve muito raciocínio clínico, os discentes monitores de reumatologia do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFCA) decidiram elaborar este relato de caso, bem como uma revisão de literatura, visando a elucidar os principais aspectos relacionados à sintomatologia, ao diagnóstico e ao tratamento da Poliarterite Nodosa em nosso meio.

O termo “vasculite” pode ser definido como inflamação e necrose de vasos sanguíneos. Comumente, é utilizado para se referir à doença arterial. (DILLON; ELEFTHERIOU; BROGAN, 2010). Um amplo e heterogêneo grupo de síndromes resulta de tal processo, uma vez que qualquer tipo, tamanho e localização do vaso sanguíneo pode ser acometido. As vasculites e suas consequências podem ser as primeiras ou únicas manifestações de uma doença; alternativamente, as vasculites podem ser uma manifestação secundária de outra doença primária, podendo ser induzidas por drogas ou por processos infecciosos. As vasculites podem estar restritas a um único órgão, como também à pele, ou podem envolver vários sistemas orgânicos simultaneamente. (LONGO, 2012). Do ponto de vista histopatológico, as vasculites apresentam uma característica em comum: a presença de infiltrado inflamatório e necrose fibrinoide na parede dos vasos, que resulta em lesão estrutural vascular. Esta lesão pode ser focal, quando afeta parte do vaso, causando enfraquecimento da parede, formação de aneurismas e hemorragia; ou segmentar, quando afeta toda a circunferência , com consequente oclusão vascular e isquemia dos tecidos. (MACHADO, 2014). A etiologia das vasculites é claramente multifatorial. (SCOTT; WATTS, 2000). Entre as potenciais influências sobre a expressão das citadas doenças, destacam-se a etnia, os genes relacionados ao HLA, o sexo e os fatores ambientais (luz ultravioleta, infecções, toxinas, drogas, tabagismo e cirurgia). A patogênese é desconhecida na maioria das síndromes vasculíticas. (BARROS, 1998). Estudos clínicos e experimentais têm demonstrado que os mecanismos imunológicos são os mais prevalentes, embora frequentemente não esteja estabelecido como eles são deflagrados e perpetuados. As síndromes vasculíticas são entidades nosológicas pouco frequentes, com incidência anual de 40–54/1.000.000 indivíduos, o que dificulta o

2 Fundamentação teórica A Poliarterite Nodosa (PAN) é uma vasculite primária necrotizante associada com nódulos aneurismáticos ao longo da parede de artérias musculares de médio calibre. Sua clássica apresentação foi descrita por Kussmaul e Maier em 1866. (KUSSMAUL; MAIER, 1866 apud DILLON; ELEFTHERIOU; BROGAN, 2010). A prevalência populacional estimada para PAN é de 2 a 33 /milhão de indivíduos, com uma incidência anual estimada em 4,4 a 9,7/milhão na população. Sua incidência aumenta com a idade, com pico na 6ª década de vida, e existe uma predominância no sexo masculino na razão de 2:1. (HARRIS, 1999 apud NEVES et al, 2001). 2.1 Etiologia Apesar da maioria dos casos de PAN ser idiopática, estão descritas associações com o vírus da hepatite B (HBV) e com a leucemia de células cabeludas como sendo importantes na patogênese de alguns casos. Outros agentes desencadeadores descritos são vírus da hepatite C, vírus da HIV, citomegalovírus, parvovírus B19, bem como reações a drogas como Minociclina e Dapsona. Na PAN da infância, observou-se associação com elevados 155


Caderno de Experiências títulos de antiestreptolisina (ASLO), sugerindo infecção prévia por estreptococos do grupo A. (FAUCI, 1998 apud NEVES et al, 2001; MARINS et al, 2008).

mais especificamente ao redor dos maléolos, panturrilha e dorso dos pés (IMBODEN, 2014). b. Articulações O acometimento articular ocorre em 50% dos casos e é marcado pela poliartrite assimétrica não deformante das grandes articulações das extremidades inferiores (NEVES, 2001).

2.2 Fisiopatologia A PAN é caracterizada por reação inflamatória com necrose fibrinoide em paredes de artérias. Por outro lado, a PAN não acomete as veias, em contraste com outras formas de vasculites sistêmicas, particularmente as vasculites ANCA associadas (Granulomatose de Wegener, Poliangiíte Microscópica e Síndrome de Churg-Strauss), além de não desencadear inflamação granulomatosa. O infiltrado celular é pleomórfico, contendo leucócitos polimorfonucleares e células mononucleares (linfócitos) em quantidades e estágios de diferenciação variáveis. Fragmentos de leucócitos (leucocitoclasia) podem ser notados. Esta necrose da parede arterial resulta em uma aparência eosinofílica e homogênea, referida como necrose fibrinoide. Interrupção da lâmina elástica interna e externa é observada, podendo evoluir para o desenvolvimento de dilatação aneurismática. (COSTA; NOGUEIRA, 2006; SILVA JUNIOR et al, 2010; NEVES et al 2001).

c. Nervos periféricos A neuropatia periférica é referida no início da doença em cerca de 10% dos casos, podendo ser encontrada em 50% a 70%, ao longo da evolução. A apresentação mais freqüente é a mononeurite múltipla, geralmente afetando nervos distais, de forma assimétrica (sural, radial, tibial, fibular, ulnar ou mediano). Dor e parestesia precedem a paresia, rapidamente seguida de amiotrofia. (SATO, 2003).

d. Trato gastrointestinal A dor abdominal pós-prandial (“angina intestinal”) é o sintoma mais freqüente associado ao TGI, que é acometido em cerca de 40 a 50% dos casos. Através da angiografia das artérias mesentéricas, pode ser detectada a presença de microaneurismas, cuja ruptura pode ter complicações desastrosas (IMBODEN, 2014).

2.3 Quadro Clínico Por se tratar de uma vasculite sistêmica necrotizante, caracterizada por um processo inflamatório agudo das artérias de pequeno e médio calibre, a poliarterite nodosa pode acometer os mais diversos sistemas do organismo em que este tipo de vasculatura esteja presente (SILVA JUNIOR, 2010). É importante ressaltar que a patologia em questão não compromete a circulação venosa, preservando também, na maior parte dos casos, os vasos sanguíneos mais finos, como os capilares (IMBODEN, 2014). O quadro clínico é bastante variável e geralmente se inicia com o aparecimento de sintomas constitucionais inespecíficos, tais como febre, astenia, mialgia e emagrecimento (NEVES, 2001). Com o curso da doença, que é marcado por intervalos assintomáticos, o acometimento se torna mais direcionado a determinados órgãos pelos quais a PAN mostra predileção, entre eles pele, nervos periféricos, trato gastrointestinal e rins (SILVA JUNIOR, 2010).

e. Parênquima renal O processo inflamatório vasculítico atinge os rins em 40% das vezes. Quando isto acontece, as artérias renais e as interlobulares são as mais freqüentemente acometidas, podendo surgir, com a evolução do quadro, a insuficiência renal e/ou a hipertensão sistêmica de origem renovascular (IMBODEN, 2014). f. Aparelho cardíaco Observam-se alterações eletrocardiográficas em mais de 50% dos pacientes, contudo manifestações clínicas são menos comuns, sendo a mais freqüente taquicardia sinusal. Pode apresentar-se clinicamente como infarto do miocárdio (IAM) silencioso, cardiomegalia (20%) e insuficiência cardíaca congestiva (ICC) secundária a IAM ou HAS. Pericardite é rara e geralmente é decorrente de uremia. A PAN não está associada diretamente a lesão orovalvar. (FROTA, 2004).

a. Pele As manifestações cutâneas mais comuns são o livedo reticularis, o fenômeno de Raynaud, os nódulos subcutâneos, as úlceras e as alterações isquêmicas das extremidades dos dedos (NEVES, 2001). O livedo pode ter distribuição difusa nos membros e nas nádegas, enquanto que os nódulos e as úlceras predominam nos membros inferiores,

g. SNC e outros Pequena porcentagem dos pacientes com PAN apresenta lesões do sistema nervoso central. As manifestações clínicas mais comuns são encefalopatia e acidentes vasculares encefálicos (IMBODEN, 2014). A disfunção cerebral ou 156


Pesquisa em Foco cerebelosa ocorre em virtude de situações de vasculite difusa, e os déficits motores focais surgem em decorrência de isquemia ou hemorragia cerebral (NEVES, 2001). No que diz respeito a outros órgãos, os olhos podem ser acometidos por lesões de artérias oftálmicas ou pela hipertensão arterial, que determina retinite secundária; os testículos por vezes encontram-se edemaciados e dolorosos, com presença de nódulos não relacionados a trauma ou infecção; e os pulmões costumam ser poupados (FROTA, 2004).

2.5 Tratamento O uso de corticosteroide é a medicação de primeira linha para o tratamento da PAN. Deve-se iniciar o tratamento com altas doses, iniciando com dose única diária, geralmente, ou doses divididas de prednisona, variando de 40 a 60 mg/dia. (SILVA JUNIOR et al, 2010; NEVES et al, 2001). A Ciclofosfamida é o imunossupressor de escolha para induzir remissão da doença na dose de 2 mg/kg/dia ou em forma de pulsoterapia (0,6 g/m2 superfície corpórea) intravenosa, mensal, até completar um total de 6 a 12 ciclos. A ciclofosfamida reduz a mortalidade em pacientes com doença importante. Tratamento concomitante com trimetoprim-sulfametoxazol pode ser considerado, para reduzir o risco de infecção oportunística (pneumonia por Pneumocystis jiroveci). (SILVA JUNIOR et al, 2010; DILLON; ELEFTHERIOU; BROGAN, 2010).

2.4 Diagnóstico O Colégio Americano de Reumatologia (ACR, na sigla em inglês) estabeleceu, em 1990, dez critérios para o diagnóstico de PAN, considerando fatores clínicos, laboratoriais, angiográfico e histológico: perda de peso involuntária acima de 4 kg; livedo reticularis; dor ou hipersensibilidade testicular (não causada por trauma, infecção, ou outras causas); mialgias, astenia ou polineuropatia (fraqueza muscular ou redução de sensibilidade de membro inferior); mononeuropatia ou polineuropatia; elevação recente da pressão diastólica acima de 90 mmHg; elevação da creatinina sérica acima de 1,5 mg/dl; sorologia positiva para o vírus da hepatite B (HBsAg ou anticorpos no plasma); presença de microaneurismas em arteriografia (não causados por arteriosclerose ou fibrodisplasia muscular); biópsia arterial com infiltrado contendo polimorfos nucleares (granulócitos ou granulócitos e leucócitos mononucleares). O diagnóstico pode ser proposto na presença de três destes critérios, com uma sensibilidade de 82% e uma especifidade de 87%. (BARROS; BARROS, 1998; LIGHTFOOT et al, 1990; HERNÁNDEZ-RODRÍGUEZ et al, 2014). Após a investigação clínica com o preenchimento dos critérios descritos anteriormente o diagnóstico definitivo da PAN depende da evidência histológica de vasculite. A biopsia de órgãos clinicamente afetados, como nervos periféricos, testículo e pele, tem uma sensibilidade de 65%. A angiografia seletiva da região abdominal (tronco celíaco e artérias renais) pode evidenciar a presença de estenoses irregulares e de múltiplos microaneurismas característicos da PAN. (NEVES et al, 2001). Quanto ao diagnóstico diferencial, percebe-se que sexo e idade são elementos importantes no raciocínio de diagnóstico das vasculites como grupo heterogêneo de doenças, por exemplo, a síndrome mucocutânea e vascular de Kawasaki é uma arterite PAN-símile da infância. A arterite de Takayasu acomete primordialmente mulheres jovens, enquanto a arterite craniana é característica da terceira idade. (STAUB, 2008)

3 Metodologia As informações contidas neste trabalho foram obtidas inicialmente por meio de revisão do prontuário do paciente do ambulatório de reumatologia, que ocorre semanalmente na UFCA, do qual participam os acadêmicos do sétimo semestre e os monitores de reumatologia, sob orientação do docente dessa disciplina. Os monitores atuam auxiliando os acadêmicos no atendimento dos pacientes. Após a revisão do prontuário seguiu-se pesquisa bibliográfica a qual foi realizada em revistas eletrônicas nacionais e internacionais abrangendo relatos de caso, estudo de casos, artigos de revisão, artigos originais e metanálise publicados no período de 1990-2014. Os artigos foram obtidos nas bases de dados: SciELO - Scientific Electronic Library Online (http://www.scielo.org), LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências, da Saúde e MEDLINE - Literatura Internacional em Ciências da Saúde. Os descritores utilizados foram: Poliartrite nodosa e vasculites. Os artigos utilizados foram selecionados de acordo com sua relevância, atualidade, publicação em revistas conhecidas e confiáveis. Alguns artigos que não apresentavam metodologia adequada ou não abordavam a área de interesse foram descartados. Foi assinado pelo paciente termo de Consentimento Livre e Esclarecido, informando sobre a confidencialidade de suas informações, sendo permitida a exposição do caso para comunidade científica.

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Caderno de Experiências 4 Resultados e discussão

sintomas constitucionais persistiram e estavam mais intensos e novas lesões cutâneas foram observadas. Dos exames apresentados nessa consulta, apenas o valor da IgE sérica total encontrava-se alterado (Valor encontrado: 559,00kU/L e Valor de referência: < 140,00 kU/L). Em razão disso, iniciou-se tratamento com cascata de predinisona (iniciando com 30 mg/dia e mantendo 10 mg/dia até a próxima consulta), PACO ® 06/06h e Amitriptilina 25 mg/dia . A hipótese diagnóstica de Hanseníase (Reação tipo 1) continuou sendo considerada. Na consulta subsequente, notou-se a valor elevado da proteinúria na urina de 24h (372 mg/24h) e persistência do valor elevando da IgE sérica (493 kU/L). Dessa forma, foi mantida prednisona 20mg 12/12h, losartana 50mg 12/12h, tramadol 50mg de 8/8h, amitriptilina 25mg e iniciou-se metotrexato 25mg/semana, ácido fólico 05 mg/semana, hidroclorotiazida 25mg/dia, carbonato de cálcio 600mg + vitamina D 400 IU 12/12h e fluoxetina 40mg/dia É comum no quadro clínico da PAN, a hipertensão arterial de início rápido. A doença pode progredir para uma insuficiência renal devido à vasculite. (SILVA JÚNIOR et al, 2010). Nas consultas seguintes, o quadro de febre, mialgias e artralgias persistia. Os exames que pesquisaram doenças do colágeno (FR, FAN, antiCCP, VHS, PCR) ou infecciosas (anti-HIV 1 e 2, anti-HBsAgg, HBsAg, anti-HCV) apresentaram resultados negativos, exceto o anti-HBc IgG, que apresentou-se reagente. O paciente começou a referir oligúria, constipação e aumento do volume abdominal. O principal fator ambiental relacionado à PAN é a infecção pelo HBV. No entanto, a frequência de infecção por HBV e presença de PAN no mundo desenvolvido diminuiu de 36% na década de 1970 para 7-10% na atual conjectura. (COLMEGNA et al, 2005). Essa redução pode ser atribuída aos programas de imunização para HBV e também a triagem de doadores de sangue. O padrão ouro para o diagnóstico de PAN é a demonstração de inflamação focal, segmentar, necrosante e panmural de artérias de médio calibre, com predileção para bifurcações e pontos de ramificação das artérias musculares. (COLMEGNA et al, 2005) O valor preditivo positivo da biópsia de um certo tecido é frequentemente proporcional à evidência de envolvimento clínico desse tecido. Os tecidos mais selecionados para biópsia são a pele, os nervos sural, fibular ou radial e o tecido muscular. (COLMEGNA et al, 2005). O paciente em questão foi submetido à biópsia de pele de região acometida pelas placas eritematosas. Segundo o laudo do exame histopatológico, observou-se perivasculite linfocitária.

C.R.S., sexo masculino, 41 anos, pardo. O paciente, previamente hígido até outubro de 2012, apresentou-se ao ambulatório de reumatologia da UFCA, em outubro de 2013, com a queixa de dor, edema, eritema e calor em joelhos. Outras queixas referidas foram: febre diária (3839oC) matinal e vespertina; cefaleia bitemporal, pulsátil, intensa, acompanhada de náuseas, vômitos e fonofobia, aliviada pelo uso de tramadol 50mg; artralgias, edema, calor e rubor em cotovelos e mãos; parestesia em regiões plantares; dor em região da coluna cervical; placas eritematosas, dolorosas e com alteração de sensibilidade em dorso; nódulos subcutâneos; perda ponderal não intencional de 19kg em 12 meses. Negou histórico de diabetes mellitus, hipertensão arterial ou ter realizado transfusão sanguínea. O paciente também relatou, há alguns meses dessa consulta, episódio de paraparesia flácida, o que o impediu de deambular por nove meses. Ao exame físico, verificou-se paciente com pressão arterial de 110x70mmHg e presença de uma placa eritematosa não descamativa em região do dorso do ombro esquerdo, com aproximadamente 15 cm. Ao exame neurológico, notou-se força grau 5 em membros superiores (MMSS) proximal, e grau 4 em membros inferiores (MMII) proximal e grau 5 em MMII distal, sem alteração de reflexo ou de sensibilidade. Os testes laboratoriais, apresentados pelo paciente, mostraram: hemoglobina de 13,50 g/dL, hematócrito de 43,2%, leucócitos de 8410 células/mm³ com diferencial normal, 370.000 plaquetas/mm³, ureia de 22,57 mg/dL , creatinina de 1,28 mg/dL, VDRL não reagente, FTA-ABS IgM e IgG não reagentes. Considerando o quadro clínico supracitado, foram solicitados exames para pesquisa de doenças do tecido conjuntivo (FR, FAN, anti-CCP, VHS,PCR, IgE toral), doenças infecciosas (PPD, baciloscopia do escarro) e doenças cardíacas (ECG e Holter de 24h). O paciente também foi encaminhado ao ambulatório de neurologia da UFCA. Em consulta no serviço de neurologia, em outubro de 2013, foi encontrado espessamento dos nervos sural direito, ulnar bilateral e fibular bilateral. Com isso, as hipóteses diagnósticas inicialmente propostas foram de Hanseníase (Reação tipo 1) e infecção pelo HIV e, por isso, exames para confirmar essas doenças foram solicitados (antiHIV 1 e 2, pesquisa de Mal de Hansen na linfa e biópsia da lesão do dorso). Posteriormente, na segunda consulta no ambulatório de Reumatologia da UFCA, o paciente, que negava hipertensão arterial, relatou episódio de crise hipertensiva, tendo necessitado de internamento hospitalar. Após alta, o paciente iniciou uso de anti-hipertensivo (losartana). Os 158


Pesquisa em Foco Nenhum exame complementar ou achado clínico isoladamente indica com segurança a presença ou ausência de PAN (COLMEGNA et al, 2005). Portanto, o diagnóstico dessa vasculite requer a integração de achados clínicos e de exames complementares (angiografia e resultados da biópsia). Clinicamente, a PAN deve ser suspeitada em um paciente com importantes sintomas constitucionais e acometimento de vários sistemas. No caso em relato, o diagnóstico de PAN baseou-se nas recomendações do ACR. O paciente apresentou seis dos dez critérios: mialgias, perda ponderal involuntária, polineuropatia confirmada por eletroneuromiografia, sorologia positiva para Hepatite B, biópsia de pele compatível com perivasculite linfocitária e PA diastólica> 100mmHg. A PAN é uma doença aguda e às vezes fatal. (COLMEGNA et al, 2005). O prognóstico da PAN com e sem tratamento varia. Tem-se observado, nos casos com terapia imposta, taxas de sobrevida em torno de 80% em 5 anos. No entanto, sem tratamento, as taxas de sobrevida foram de 50% no primeiro e de 13% no quinto ano de doença. (SILVA JÚNIOR et al, 2010). O paciente em estudo foi encaminhado aos ambulatórios de gastroenterologia e infectologia da UFCA e segue em tratamento com os especialistas. Como indica a literatura (SILVA JUNIOR et al, 2010; NEVES et al, 2001), foi iniciado tratamento com corticoide, bem como, associado o Metotrexato, como maneira de poupar usos altos de prednisona. Persistindo com sintomatologia, será indicada a terapêutica com Ciclofosfamida para buscar a remissão da doença.

COLMEGNA, I.; MALDONADO-COCCO, J.A. Polyarteritis Nodosa Revisited. Current Rheumatology Reports, v. 7, p. 288-296, 2005. COSTA, Izelda Maria Carvalho; NOGUEIRA, Lucas Souza-Carmo. Poliarterite nodosa cutânea: relato de caso. An. Bras. Dermatol., Rio de Janeiro , v. 81, supl. 3, out. 2006. DILLON, M. J.; ELEFTTHERIOU, D.; BROGAN, P. A. Medium-size-vessel vasculitis. Pediatr Nephrol. 25:1641-1652, 2010. FROTA, Niedja Bezerra et al. Elementos básicos de diagnóstico: Poliarterite nodosa (PAN). Temas de reumatologia clínica, v. 5, n. 3; set./ 2004. GOLDFARB, Mauro; RIBEIRO, Joaquim Jaguaribe Nava; GUIMARAES, Swami José. Poliarterite nodosa localizada em membros inferiores simulando tumoração de panturrilhas. Rev. Bras. Reumatol., São Paulo , v. 47, n. 2, Apr. 2007. HERNÁNDEZ-RODRÍGUEZ, José. et al. Diagnosis and classification of polyarteritis nodosa. Journal of Autoimmunity, 48-49 (2014) 8489. IMBODEN, John B.; STONE, John H.; CURENT: Reumatologia: Diagnóstico e tratamento. 3.ed. AMGH EDITORA LTDA, 2014. 644p. JENNETTE, J.C. et al. Revised International Chapel Hill Consensus Conference Nomenclature of Vasculitides. Arthritis and Rheumatism, jan, 2013.

5 Considerações finais O nosso paciente em questão se encaixa em vários aspectos da Poliarterite Nodosa: faixa etária, sexo, etiologia pelo HBV, apresentação inicial da doença bem inespecífica. A partir da utilização de corticoide no plano terapêutico, inicia-se o acompanhamento da evolução das queixas, e espera-se a melhora clínica.

LANE S.E.; WATTS R.; SCOTT D.G.I. Epidemiology of Systemic Vasculitis. Current Rheumatology Reports, v. 7, p. 270-275. 2005. LIGHTFOOT, R. W. Jr., et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of polyarteritis nodosa. Arthritis Rheum. 33(8):1088–93, 1990.

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MACHADO, F.C.F. Vasculites – Avanços diagnósticos e terapêuticos. 2014. 42 f. Tese (Mestrado em Medicina) – Faculdade Medicina, Universidade do Porto, Porto, 2014. 159


Caderno de Experiências MARINS, Karina Silva et al . Poliarterite nodosa cutânea na infância com gangrena digital e possível associação com o estreptococo betahemolítico do grupo a: relato de caso e revisão de literatura. Rev. Bras. Reumatol., São Paulo , v. 48, n. 2, abr. 2008.

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SATO, Emilia Enoue. Revisão: Poliarterite nodosa. Sinopse de reumatologia, a. 5, n. 2; jun./ 2003.

160


Pesquisa em Foco Cícera Cristina Almino de Lima Administração/UFCA tininhacrys@yahoo.com.br

UMA AVALIAÇÃO DE SÍTIOS WEB DE TURISMO DAS CIDADES QUE SEDIARAM A COPA DO MUNDO DE 2014: DIRETRIZES E FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO

1 Introdução

David Vernon Vieira Professor /UFCA davidvernon@ufca.edu.br

1980 já se utilizava do sistema de informações estratégicas que integrava as informações da empresa auxiliando a forma de planejar e gerenciar os negócios, e na década de 1990 se consolidou as redes de informações: Intranet, Extranet, e Internet. Tendo em vista a notória importância da tecnologia de informação aliada aos legados que o evento da Copa do Mundo de 2014 no Brasil deixou no país, indagou-se no presente estudo se as cidades–sedes dos jogos da copa disponibilizavam sítios web com as informações básicas das cidades para os turistas acompanharem o evento. O estudo teve como objetivo analisar os fatores críticos de sucesso para atender as diretrizes estabelecidas para os sítios web poderem disponibilizar informações de acordo com documentos elaborados pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) para sediar uma Copa do Mundo. Em seguida, como objetivo específico buscou identificar quais cidades–sedes disponibilizaram as diretrizes necessárias para oferecer a informação aos turistas, após a coleta de dados foi realizada uma descrição e comparação dos resultados encontrados.

O Brasil entre os meses de junho e julho de 2014 foi sede de um dos maiores eventos futebolistas do mundo - A Copa do Mundo de Futebol da FIFA. O país nesse período planejou atingir um maior aquecimento em sua economia com novas oportunidades de empregos formais e informais no setor comerciário, melhoria na qualificação profissional e aprendizagem de idiomas estrangeiros, a divulgação das belezas naturais do país, o contato com novas culturas, a melhoria nas estruturas hoteleiras, de transporte, segurança, tecnológico e esportivo. O turismo brasileiro é o responsável pelo emprego de um em cada grupo de onze dos integrantes da População Economicamente Ativa do País, está em uma das primeiras posições do ranking de exportação do país e que movimenta diretamente e indiretamente a economia do país (VICENTIN; HOPPEN, 2003). Devido à grande importância econômica do turismo as esferas públicas governamentais deveriam fornecer ao setor os recursos cabíveis para a melhoria de seu desenvolvimento. De acordo com Tomikawa (2009), o crescimento do turismo aumentou nos últimos anos em virtude do crescimento da renda das pessoas, que acaba lhes permitindo reservar parte de suas economias para uso desses serviços, e a mudança no perfil do atual consumidor que busca novos atrativos e produtos mais exóticos. A globalização fez com que o turismo se readaptasse e o uso da tecnologia se torna indispensável às organizações, aumentando a competitividade entre as empresas, estas buscam estar mais conectadas aos seus clientes e fornecedores (VICENTIN; HOPPEN, 2003). O Ministério do Turismo (2011) afirma que a Tecnologia da Informação começou a ser aplicada ao turismo na década de 1960 com o processamento dos dados, que tinha como finalidade aumentar a eficiência nos processos administrativos, na década de 1970 se utilizou a prática do sistema de gestão de informações que estava voltado para auxiliar no setor gestão da empresa e se especializava na contabilidade e controle de inventário. Em meados da década de

2 Fundamentação teórica Segundo Colauto et alli (2004) a identificação dos fatores críticos de sucesso permite que as organizações focalizem estrategicamente ações prospectivas e corretivas que ajudem a melhorar o ambiente e o desempenho da organização. Desta forma, ao se organizar um evento como a Copa do Mundo é de suma importância que sejam determinadas as diretrizes que servirão para oferecer informações aos turistas que virão participar do evento. Neste sentido, Amaral, Pereira e Santana (2010) caracterizam o evento da Copa do Mundo como um fenômeno “glocal” por ser realizado em qualquer país e por disponibilizar o acesso para uma parte de a população mundial acompanhar o evento. Vale ressaltar que eventos como esse geram inúmeras oportunidades para o crescimento do ambiente econômico. Conforme Deloitte Touche Tohmatsu (2010), os megaeventos se constituem de elementos catalisadores que geram oportunidade 161


Caderno de Experiências para empresas e investidores. A Copa do Mundo passou a integrar grande parte da agenda dos governos pelo mundo, o que gerou uma grande influência no desempenho econômico, político, e social do país. Amaral, Pereira e Santana (2010) afirmam que o fato do evento da Copa do Mundo de 2014 ter sido coordenado por um comitê organizador: formado pelos governos (municipais, estaduais e federais), a confederação brasileira de futebol, os clubes, e os investidores privados, em que se fiscalizou o cumprimento das metas estabelecidas fez com que as obras fossem concluídas no prazo estabelecido. Essa preocupação em cumprir as metas estabelecidas se deveu ao fato de os responsáveis pelo megaevento da Copa do Mundo de 2014 terem recebido seus respectivos objetivos. O Governo da Federação se tornou responsável pelos investimentos em infraestrutura, como na locomoção de atletas e dos torcedores, melhorando aeroportos, rodovias, transporte coletivo e organização dos transportes alternativos. Os clubes em que seus estádios foram selecionados pela FIFA, se tornaram responsáveis pelas reformas dos estádios que tiveram que obedecer as estruturas exigidas pelo comitê organizador (AMARAL; PEREIRA; SANTANA, 2010). Já olhando na ótica do turismo Saab (1999) observa que este apresenta grande influência no crescimento do PIB (produto interno bruto), e um dos seus mais elevados aumentos foi na década de 80 quando houve um aumento do turismo interno em virtude da oferta da hotelaria nacional. Outro fator preponderante para o crescimento do turismo no Brasil foi a chegada da internet no sistema de compras aéreas, e a inserção do mercado turístico nessa rede global que conecta inúmeras pessoas trouxeram um grande crescimento nesse setor. O turista recebeu mais comodidade ao se planejar para viagens, pode

visualizar os pontos turísticos online, e ainda negociar o preço pela Internet (VICENTIN; HOPPEN, 2003). Com a massificação da internet o turista está cada vez mais conectado, o que reflete na busca por aplicativos voltados para dispositivos móveis que tragam informações extra para que a viagem se torne mais agradável. Segundo Farias et alli (2013) esse indivíduo consome a nova mídia dos dispositivos móveis antes, durante e depois da experiência turística, conhecendo e compartilhando essa experiência através desses dispositivos. O setor hoteleiro oferece além dos serviços de acomodação, serviços suplementares como: atrações para os visitantes e bares e restaurantes. Após a globalização o indivíduo mais informado passou a cobrar de seus fornecedores serviços de qualidade e preços compatíveis, e as empresas começaram a se atentar para as mudanças desse novo cenário socioeconômico, para que pudesse permanecer competitiva no atual mercado (SANTOS; BARBOSA; KONISHI, 2011). Em 2009 as doze cidades sedes que iriam sediam os jogos do campeonato foram escolhidas, e a FIFA enviou a visita de especialistas para que se analisassem os projetos elaborados pelas cidades candidatas, e os critérios de segurança pública, lazer, mobilidade, dentre outros. As cidades brasileiras escolhidas foram: Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS), Brasília (DF), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Natal (RN), Recife (PE), e Salvador (BA) (DOMINGOS; BETARELLI JUNIOR; MAGALHÃES, 2010). Conforme Neves, Semprebom e Lima (2011) os requisitos exigidos pela FIFA para que as doze cidades-sede estivessem prontas para receber os jogos estão resumidos no Quadro 01.

Quadro 01 – Requisitos legais exigidos pela FIFA.

REQUISITOS

ESTÁDIO DE FUTEBOL

TRANSPORTES CENTRO DE TREINAMENTO DE SELEÇÕES INSTALAÇÕES DOS CHAMADOS FANS PARK ENERGIA ACOMODAÇÕES TURISMO COMUNICAÇÃO E MARKETING

EXIGÊNCIAS Devem ser compatíveis, com capacidade mínima de 40.000assentos, possuir segurança, prevenção e extinção de incêndios, com vigilância, primeiros socorros. Deve possuir sinalização, estacionamento para ônibus, carros e helicóptero, bom campo de jogo e hospitalidade. A estrutura para mídia deve proporcionar aos expectadores cobertura do estádio, serviços públicos, praça de alimentação e compras, venda de ingressos e atendimentos à legislação local e Estatuto do torcedor. As cidades devem estar atentas aos projetos estruturais, acesso a um transporte de qualidade, rotas de acesso à cidade e ao estádio com o menor tempo e percurso. Adequar os centros para a Copa das Confederações em 2013 Áreas destinadas a concentração de públicos para assistirem aos jogos na própria cidade em que são realizados os jogos. Capacidade de suprimento e plano de reserva e distribuição. Capacidade e qualidade da estrutura hoteleira para receber milhares de espectadores, família FIFA e jornalistas de todo o mundo. Auxílio e colaboração para atingir padrões internacionais no que diz respeito ao atendimento e, assim, construir o legado dos aspectos turísticos. Recomendação de execução de um plano de comunicação e marketing desde a preparação do evento até o pós-copa.

162


Pesquisa em Foco Acompanhar projetos urbanísticos das cidades. Planejamento de um conjunto de programas de prevenção de doenças locais e atendimento SAÚDE PÚBLICA da rede pública SEGURANÇA PÚBLICA Ações dos governos para garantir a segurança durante o evento. Preparação, coordenação e realização dos treinamentos das pessoas envolvidas na CAPITAL URBANO realização da Copa do mundo. SUSTENTABILIDADE Programa integral para atendimentos aos requisitos do Green Goal. TECNOLOGIA Planejamento das melhorias e transformações tecnológicas necessárias. EVENTOS DE NEGÓCIOS Preparação e planejamento dos eventos de negócios realizados durante a Copa. Estudo sobre tributos diretos e indiretos sobre insumos e produtos relacionados à Copa do PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E FISCAL mundo. Participação dos governos em atividades culturais a fim de garantir e estabelecer o legado ATIVIDADES CULTURAIS após a Copa. Fonte: (DELOITTE TOUCHE TOHMATSU, 2014). URBANISMO

Estes requisitos serão observados na análise dos resultados desta pesquisa em cada um dos sítios web correspondente a cidade-sede, onde será possível descrever cada um destes requisitos conforme os procedimentos metodológicos a seguir.

4 resultados e discussão

3 Procedimentos metodológicos

Quadro 02 – Sítios Web das cidades sedes da Copa de 2014 no Brasil.

O quadro 02 mostra quais cidades já disponibilizam para os turistas a partir dos recursos da tecnologia da informação, as informações das diretrizes analisadas.

A pesquisa teve como coleta de dados documentos de sítios web do setor de turismo que abordavam questões relacionadas com a preparação do Governo do Brasil para a Copa do Mundo de 2014. Segundo Marconi e Lakatos (2008) uma pesquisa documental se caracteriza quando a fonte da coleta está restrita a documentos, constituindo o que se denomina de fontes primárias. Além disso, a pesquisa é descritiva pois procura descrever as características presentes nos sítios web das cidades sede que estavam participando da organização da Copa do Mundo de 2014. De acordo com Gil (1999) as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre as variáveis. Desta forma, buscou-se focar nas diretrizes necessárias para que os turistas pudessem receber as informações básicas sobre os serviços de hospedagens, serviços de alimentação, atrativos turísticos, segurança, mobilidade, além de disponibilizarem todas as informações em outros idiomas. O estudo se delimitou a buscar informações nos sítios web das cidades sedes da Copa do Mundo no Brasil, melhorando os dados recolhidos das diretrizes analisadas. A análise dos sítios web das doze cidades-sedes foi realizada no período do dia 28 de maio até o sexto dia do mês de junho de 2014. Buscou-se nos sítios web a veracidade das informações e se estas estavam sobre a responsabilidade do poder do governo brasileiro.

CIDADES SITIOS WEB SEDES Belo Horizonte http://www.belohorizonte.mg.gov.br/copa2014 Brasília Indisponível Cuiabá http://www.guiadoespectadorcuiaba.com.br/ Curitiba http://www.copa2014.pr.gov.br/ Fortaleza http://www.fortalezaceara2014.com.br/ Manaus Indisponível Natal http://natal.rn.gov.br/copa2014/ Porto Alegre http://www.copa2014.rs.gov.br/ Recife http://recife2014.pe.gov.br/#!/home/pt Rio de Janeiro Indisponível Salvador http://bahia.com.br/ São Paulo http://spnacopa2014.prefeitura.sp.gov.br/ Fonte: Elaborado pelos autores.

O sítio web da cidade de Belo Horizonte possuía em seu Home Pagelinks para o acesso a informações sobre a cidade, diversão e atrativos, hospedagem, compras, gastronomia, negócios e eventos e por fim o esporte. A página de hospedagem possuía uma lista de hotéis com endereços e links que direcionaram o turista para o sítio web específico do hotel. Encontrou-se disponível no sítio web o setor de gastronomia em que se é listado os locais e sítios web dos restaurantes, bares e cafeterias da cidade, além de uma breve explicação sobre os sabores regionais da cidade. O atrativo turístico foi apresentado em uma página denominada “PRA CURTIR BH” em que foi exposta a agenda cultural do estado, com locais de eventos gratuitos como: teatros, casa de shows, danceterias, cinemas, BH 24h, entre outros atrativos turísticos. Apresentou o serviço de Informações Úteis com: endereços e 163


Caderno de Experiências telefones de bombeiros, policiais, taxistas, prontosocorro, hospitais, entre demais informações. Embora a página tenha apresentado um bom suporte o turista ficasse informada sobre o laser, gastronomia e proteção, à página não disponibiliza o acesso aos dados em outro idioma. O sítio web da cidade de Cuiabá apresentou um guia direcionado para os espectadores da Copa de 2014, embora não disponibilizou: o acesso do turista aos locais de hospedagem da cidade, locais e serviços para a gastronomia, locais de atrativos turísticos, divulgação da cultura e eventos tradicionais, somente informou como chegar aos estádios e os jogos que aconteceram. Informaram sobre a segurança pública, recomendações sobre segurança na cidade, delegacia virtual, identificação de equipes e telefones de emergência. A mobilidade esteve presente no índice do item “COMO CHEGAR” em que se encontraram os seguintes locais: Arena Pantanal (está disponível informações sobre o transporte coletivo, taxis, veículo particular, ônibus fretado, pessoas com mobilidade reduzida, e por fim entorno a arena), FIFA FanFest, Centro de distribuição de ingressos, aeroportos, rodovias e linhas regulares, A página disponibilizou somente o índice do Home Page em outro idioma. O sítio web encontrado para a cidade de Curitiba focou na importância de informações do evento da copa, não disponibilizou opções para que se encontrassem os hotéis na cidade, sobre os atrativos turísticos as informações foram precárias, não apresentaram instruções sobre a segurança na cidade, setor gastronômico, mobilidade e o sítio web estavam somente no idioma português do Brasil. O sítio web da cidade de Fortaleza possuía ausência da oferta do setor hoteleiro da cidade, na diretriz dos atrativos turísticos se ofertou uma visita virtual ao estádio Arena Castelão, se encontrava uma página que fala sobre a diversidade do Ceará, suas Praias, Serra, Sertão e Religião, e fizeram um breve resumo sobre a história da cidade com algumas fotos dos costumes locais, não disponibilizaram: acesso a segurança, serviços de alimentação, no setor de mobilidade urbana foram disponibilizados informações do itinerário das linhas de ônibus e vans da cidade, locais, e telefones de aeroportos e rodoviárias. O sítio web não apresentou as informações em outros idiomas. O sítio web divulgou futuros aplicativos que poderiam ser baixados para facilitar a busca de informações na cidade. A cidade de Natal em seu sítio web possuía um local para que se acompanhem as obras da cidade, embora não apresentou: locais de hospedagem na cidade, serviços de alimentação e gastronomia regional e atrativos turísticos. O sítio web desenvolveu a opção “SEGURANÇA’’ embora não disponibilizaram locais nem telefones de delegacias e outros serviços, esse fato também ocorre na opção

“MOBILIDADE”, que não se encontrou os números de telefone e taxistas ou quaisquer outras informações que pudesse orientar o turista a visitar os locais da cidade, o sítio web não apresentou a opção para ser lido em outro idioma. O sítio web da cidade de Porto Alegre apresentou um Guia Turístico, em que se encontraram informações sobre a história da cidade, clima, paisagem, e costumes. O sítio web apresentou um roteiro em que se expôs os locais turísticos da cidade, com fotos e uma breve história sobre cada localidade, e um roteiro turístico. A página ofertou informação para o serviço de hospedagem, embora no dia que analisamos a página não conseguia ser encontrada. Não se encontrou informações sobre os serviços de alimentação, e não está disponível em outro idioma. O sítio web apresentou orientações sobre o serviço de aeroportos, consulados, hospitais, locomoção e telefone úteis. A cidade de Recife apresentou um sítio web em que não disponibilizou as informações necessárias: do setor de hoteleiro, serviços de alimentação e mobilidade, embora destaque como atrativos turísticos as cidades de Olinda, Petrolina, Caruaru, Gravatá, Jaboatão, Fernando de Noronha, e Garanhuns, e em cada cidade foi listado os locais turísticos a serem visitados. Apresentou o idioma do sítio web, em português brasileiro, espanhol e inglês, possuía um mapa para que o visitante pudesse se localizar no estado, e possui a opção de “TELEFONE ÚTEIS” em que se podiam encontrar informações no setor de segurança, com os telefones de Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU), Bombeiros, Defesa Civil, Policia Militar. Entre outros. O sítio web de Salvador apresentou uma vasta lista de hotéis para que os turistas pudessem se hospedar, com endereço e respectivo telefone, se destacou na informação dos atrativos turísticos, com fotos e descrição dos ambientes, os serviços de alimentação são encontrados na guia “ONDE COMER” em que se disponibilizáramos locais de restaurantes e bares da cidade, informam os Telefones Úteis para a segurança, a informação dos locais da cidade mostrando atalhos e linhas de ônibus além de outros serviços foram encontrados. O sítio web apresentou a opção da linguagem em português brasileiro e Inglês e Espanhol, e ainda teve o diferencial que disponibilizou aplicativos para plataforma de celulares Android e Iphone. São Paulo em seu sítio web não disponibilizou informações sobre os serviços de hotelaria, sobre os locais turísticos, os serviços de alimentação, telefones e contatos sobre os serviços de segurança e mobilidade. O sítio web possuía a opção de idioma em inglês português brasileiro e espanhol. A cidade disponibilizou um aplicativo gratuito no sítio web que buscar apresentar a Cidade de São Paulo, em que podia conhecer os pontos turísticos e 164


Pesquisa em Foco se movimentar durante o evento da Copa do mundo. Analisados todos os sítios web disponível até o dia 01 de junho de 2014, essa foi à realidade das informações ofertadas pelas cidades sedes para os turistas. Com base nos resultados encontrados durante a análise descritiva dos sítios web das doze cidades sedes que irão sediar os jogos na Copa de 2014 no Brasil, os quadros a seguir mostram a análise disponibilidade () e indisponibilidade () das diretrizes: hospedagem (hosp.), atrativos turísticos (tur.), serviços de alimentação (alim.), segurança (seg), mobilidade (mob.), e informações em outros idiomas (idi.), com as informações ofertadas pelos sítios web das cidades sedes. Quadro 03– Descrição das diretrizes no sítio web das cidades analisadas. DIRETRIZES

Belo Horizonte2 Cuiabá3 Curitiba4 Fortaleza5 Natal6 Porto Alegre7 Recife8 Salvador9 São Paulo10

Hosp.

Tur.

Alim.

Mob.

Seg.

Idi.

             

       

       

       

       

       

Fonte: Elaborado pelos autores.

Os dados analisados constataram que as maiorias das cidades sede não disponibilizam das 2 Sítio web analisado de Belo Horizonte: Disponível em:<http://www.belohorizonte.mg.gov.br/copa2014>. Acesso em: 01 jun. 2014. 3 Sítio web analisado de Cuiabá: Disponível em:<http://www.guiadoespectadorcuiaba.com.br/>. Acesso em: 01 jun. 2014. 4 Sítio web analisado de Curitiba: Disponível em:<http://www.copa2014.pr.gov.br/>. Acesso em: 01 jun. 2014. 5 Sítio web analisado de Fortaleza: Disponível em:<http://www.fortalezaceara2014.com.br/>. Acesso em: 02 jun. 2014. 6 Sítio web analisado de Natal: Disponível em:<http://natal.rn.gov.br/copa2014/>. Acesso em: 06 jun. 2014. 7 Sítio web analisado de Porto Alegre: Disponível em:<http://www.copa2014.rs.gov.br/>. Acesso em: 06 jun. 2014. 8 Sítio web analisado de Recife: Disponível em:<http://recife2014.pe.gov.br/#!/home/pt/>. Acesso em: 06 jun. 2014. 9 Sítio web analisado de Salvador: Disponível em:<http://bahia.com.br/>. Acesso em: 06 jun. 2014. 10 Sítio web analisado de São Paulo: Disponível em:<http://spnacopa2014.prefeitura.sp.gov.br/>. Acesso em: 06 jun. 2014.

informações necessárias para que os turistas visitassem o país, e muitos requisitos ainda deveriam ter sido melhorados. Dentre os sítios web analisados pôde-se destacar o das cidades de Natal e Curitiba que não atenderam a nenhuma das diretrizes pesquisadas nesse estudo, o sítio web da Cidade de São Paulo apresentou ausência de quase todas as diretrizes, as Cidades de Fortaleza, Porto Alegre, Cuiabá e Recife estavam com um padrão mediano em relação às demais cidades estudadas. Ressalta-se que as cidades de Brasília, Manaus e Rio de Janeiro na data da pesquisa não se encontraram nenhum sítio web na responsabilidade da cidade disponibilizando o acesso a informação para o turista com as diretrizes estudadas. Destaca-se no presente estudo a cidade de Salvador que desenvolveu um sítio web que disponibilizou todas as informações da cidade e do Estado. Após a Copa do Mundo os sítios web das cidades de Belo Horizonte, Cuiabá, Curitiba, Natal, Porto Alegre e Salvador continuam disponíveis para a pesquisa até a presente data, embora os sítios web analisados da cidade de Fortaleza, Recife e São Paulo se encontram indisponíveis. Por fim, as cidades de Brasília, Manaus e Rio de Janeiro continuaram sem disponibilizar os sítios web em um único portal de informações. Após a Copa do Mundo no Brasil os sítios web disponíveis continuaram expondo as mesmas informações, embora a diferença encontrada estivesse nas tabelas dos jogos preenchidas para acompanhamento das pontuações. Os sítios web deveriam ser utilizados como ferramenta de investimento para as cidades, até então como forma de divulgação turística, embora após o evento não se observassem alterações para a utilização dos sítios web como ferramenta de desenvolvimento. 5 Considerações finais O Brasil se encontra em um grande momento de transição em relação ao novo perfil de seus patriarcas, que não tem como principal um evento esportivo no país, mas clama por uma democracia mais justa, por melhores condições básicas de sobrevivência, por uma redução na desigualdade social, por mais empregos e por mais assistência governamental. O turismo foi um dos fatores que recebeu grande aumento em sua produtividade, pois o Brasil se tornou alvo de notícias para todo o mundo, suas belezas naturais foram vistas por milhões de pessoas. Um dos fatores benéficos da Copa do Mundo é a infraestrutura de muitas cidades, em que o governo investiu na mobilidade urbana e na segurança. A tecnologia de informação poderia ter auxiliado bastante durante o período do evento, com

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Caderno de Experiências aplicativos em dispositivos móveis e sistemas atualizados para que o turista estivesse sempre conectado e informado sobre os locais desejados, podendo usufruir das belezas naturais das cidades e acompanhar os jogos da competição brasileira. O estudo comprovou que a maioria dos sítios web das cidades sede não disponibilizou as informações necessárias para o turista, o índice mais falho em todos os sítios web foi à alternância de outros idiomas, em segundo se pode citar a ausência de informação no setor hoteleiro, mobilidade e de serviços de alimentação, que foram os mais necessários para o turista. Espera-se que outros estudos sejam desenvolvidos após essa data, buscando analisar a evolução de sítios web durante outros megaeventos que poderão a vir ser realizados no país.

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Pesquisa em Foco Estêvão Arrais Administração Pública (UFCA) estevaolarrais@hotmail.com

EXAMINANDO AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA: O CASO DA INDÚSTRIA ALGODOEIRA DE ACOPIARA – CEARÁ

Jeferson Antunes Administração Pública e Gestão Social (UFCA) cat_kalderash@hotmail.com

Larice Simone Ciências Econômicas (URCA) laricesimone@yahoo.com.br

1 Introdução

inflação nacional, e demonstrar a fragilidade existente quando uma localidade depende, em maior parte, de um único produto.

O início da década de 1960 e, particularmente, a partir de 1962, o Brasil entrava numa crise econômica causada pelo aumento descontrolado da inflação, pela desaceleração da economia e queda geral no investimento público, devido aos constantes déficits. Essa crise econômica tornou-se embasamento e justificativa para o golpe militar em 1964 (BARROS, 2007). As medidas tomadas para resolver a crise econômica evidenciam o fim da necessidade dos compromissos que o modelo anterior exigia: atuando com base num forte aparato repressivo, a ditadura vai atacar a crise econômica tendo como fundamentos principais a restrição do crédito, o arrocho salarial (o salário-mínimo, por exemplo, chegou em 1968 com poder aquisitivo reduzido em 30% em relação ao de 1961), o aumento da carga tributária e a reorientação dos gastos do Estado, facilitando a entrada de capital internacional e levando às falências diversas empresas nacionais e de pequeno e médio porte. Em suma, os primeiros anos da ditadura representaram, no campo econômico, a afirmação da parceria entre Estado e capital monopolista, preparando o terreno para o forte crescimento econômico iniciado no final da década de 1960, cabendo ressaltar o constante processo de concentração de renda (BARROS, 2007). Durante a ditadura militar brasileira, houve um imenso investimento no ramo agroindustrial. Macarini (2005) elucida que existia um projeto nacional denominado “Brasil Grande Potência” que tinha como proposta a utilização de um “modelo agrícola exportador”, como estratégia econômica. Os fatos dispostos estão inseridos à época da Ditadura Militar no contexto desenvolvimentista, assinalado por Macarini. A cidade de Acopiara desenvolvia um forte modelo agroindustrial voltado para a cotonicultura, e é nesse contexto que este trabalho busca compreender como se deu o auge econômico da indústria algodoeira no município de Acopiara, Ceará, com base na conjuntura apresentada. O presente estudo visa a compreender como esta cidade manteve seu comércio e sua geração de renda aquecida, mesmo em período de imensa

2 Efeitos e consequências estruturais do período Durante o período histórico da Guerra Fria, muitos países começavam a se alinhar a um dos dois blocos hegemônicos: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ou os Estados Unidos da América (EUA). No caso do Brasil, antes mesmo do alinhamento, havia em questão o fator econômico. Para Sato (1998), nos últimos anos do mandato até a devida renúncia de João Goulart, o Brasil de 1964 não apresentava nenhum indicador econômico positivo. Ademais, o governo militar assume em primeiro momento uma posição que visava à modernização das instituições tendo a industrialização com base fundamental (SATO, 1998). Instalada a Ditadura no Brasil, os investimentos fluíram, e seu auge deu-se no governo de Emílio Garrastazu Médici (1970-1973). O momento é descrito por Macarini (2005) como “milagre econômico”: a continuidade da política econômica de Delfim Netto com a nítida inclinação positiva crescente em 67-68 e o predomínio de um alinhamento expansivo em grande parte do período. Tal situação deixava visível o crescimento acelerado. Enquanto isso, no contexto internacional, explodia a crise do petróleo de 1973. Colapso que, segundo Fishlow (1986), mudou drasticamente a situação econômica do Brasil, até então o maior importador de petróleo dos países considerados do terceiro mundo. Sato (1998) identifica que os gastos com a conta petróleo, que antes de 1973 já constituíam o item mais relevante de importação em face do avançado no processo de industrialização, passaram a se elevar radicalmente pressionando as contas externas. Antes do primeiro choque, o Brasil gastava menos de US$ 500 milhões na importação, em 1975 esse valor havia atingido US$ 2,7 bilhões e continuou se elevando até 1981, quando atingiu a cifra de US$ 10,5 bilhões. 167


Caderno de Experiências Da mesma forma, Fishlow (1986) analisa que, em virtude da conjuntura iniciava-se uma imensa crise nacional, saltando de um crescimento de 10% ao ano no governo de Ernesto Geisel e se aproximando a uma inflação que atingia a marca de 40%, podendo chegar a mais de 200% ao ano no governo de João Figueiredo. Tudo isso em um intervalo inferior a quinze anos (1974- 1985). Apresentava, portanto, um ambiente de intensas mudanças. A agricultura nacional começava não apenas a modernizar-se por conta do crédito subsidiado, mas também foi modificada pela construção de base interna, produtora do padrão da 2ª Revolução Industrial. Nessa revolução, foram aprofundados os laços entre a agropecuária e a agroindústria, criando, assim, um sistema de produção com uma nova cadeia produtiva, que viria a ser padrão na década de 80 (GONÇALVES E RAMOS, 2008).

4 Aspectos metodológicos O método utilizado para a realização deste trabalho foi o da pesquisa bibliográfica, que, segundo Ferreira (2013), possibilita a compreensão mais clara dos problemas já existentes, como também viabiliza a abertura de uma discussão para uma nova abordagem acerca do assunto. Vale ressaltar a imensa dificuldade de obtenção de documentos históricos das usinas de beneficiamento de algodão. Quase todas as indústrias de beneficiamento faliram. Os antigos donos sequer moram mais na localidade e os herdeiros, que residem na cidade, negam conhecer qualquer tipo de realidade da época. Boa parte da pesquisa foi disposta sobre dados do “Anuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”, compreendidos nas edições dos anos 1980 à 1985, documentos industriais da única algodoeira que ainda está ativa, e relatos de pessoas que viveram durante essa época. Portanto, a pesquisa também se caracterizou como um estudo exploratório e descritivo, com abordagem quáli-quantitativa. Através desse estudo podem-se obter dados, descrições e relatos mais definidos a respeito de um problema ou de uma situação (CERVO; BERVIAN, 2004; RICHARDSON et al, 2008).

3 A situação de Acopiara e a cultura algodoeira no período No contexto analisado por esse estudo, Acopiara passava por uma Era de intensa produção, tendo alcançado culminância no ano de 1985, beneficiando, segundo dados documentais da única beneficiadora à época, um valor acima de 22 milhões de toneladas de algodão mocó (herbáceo). Oliveira (2010) investiga especificamente a produção de algodão que, em 1971, ocupava uma extensão de 3,3 milhões de hectares do território nacional, equivalente a 27,8% da área total ocupada com lavouras no país. Nessa totalidade, 1,3 milhão de hectares estavam em terras cearenses, espalhados em mais de 130 municípios. Foi a era denominada “ouro branco” do ciclo algodoeira. No nordeste, Campos (1997) menciona que a cotonicultura foi uma atividade de importância fundamental para o Estado do Ceará. Mesmo com a queda na produção, se comparada com a situação de 1971 mencionada por Oliveira (2010), a lavoura de algodão em 1984 ocupava ainda primeiro lugar em área cultivada: 792.932 hectares, 37,1% de todo o território, e o valor orçado em Cr$ 810 milhões – preço de setembro de 1985, ou seja, 15,6% do produto bruto do estado (CAMPOS, 1997). Concomitantemente, o bicudo (Anthonomus grandis), inseto que destruiu muitas lavouras de algodão, é detectado na Paraíba e em São Paulo na metade da década de 80, demonstrando, dessa forma, a imensa fragilidade do sistema tecnológico do período (GONÇALVES E RAMOS, 2008). Cabe, nesse contexto, indagar sobre esse crescimento no pequeno município de Acopiara. Este, por muito tempo, foi um intenso produtor de algodão e um grande centro industrial do ramo, tendo fundado, em 1963, uma das suas cinco indústrias de algodão.

5 Acopiara e a indústria de algodão De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município foi criado desmembrando-se do então distrito de Iguatu, pela Lei nº 1875, de 28 de setembro de 1921, com sede núcleo de Lages, então elevado a vila, e inaugurouse a 14 de janeiro de 1922. Elevada à categoria de cidade, em virtude do Dec. nº 448, de 20 de dezembro de 1938. Em virtude do Dec. nº 1.114, de 30 de dezembro de 1943, tomou o nome de Acopiara, que é de formação tupi composição de aco que tem o sentido de roça, roçado, cultura, pi com sentido de pina, limpar ou tratar, e ara prefixo que indica gente. Donde: Aco-pi-ara o que cultiva o lavrador ou agricultor, em alusão à circunstância de ser o Município importante polo agrícola no Ceará. O ciclo do algodão transformou a economia de Acopiara, que chegou a possuir cinco grandes usinas de beneficiamento: Usina Tupã, Indústria Sambra, Exportadora Cearense, Usina São Francisco e a Indústria Rufino de Algodão e Óleo, está sendo a sucessora das duas primeiras. Tais indústrias receberam amplo investimento do governo militar, até então alinhado ao modelo agroexportador. Havia, portanto, investimentos tanto para o industrial como para o pequeno agricultor. No contexto nacional, o período 1968-1973 é conhecido como “milagre” econômico brasileiro, 168


Pesquisa em Foco devido às incríveis taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 11,1% ao ano (a.a). Um caráter ímpar notável do “milagre” é que o acelerado crescimento veio junto com a inflação declinante e relativamente baixa para os paradigmas do Brasil, além de superávits no balanço de pagamentos (VELOSO, VILLELA E GIAMBIAGI, 2008).Após a crise do Petróleo em 73, os investimentos começam a reduzir em virtude da significante inflação vigente. Portanto, na década de 80 o setor agropecuário teve um investimento menor que o período anterior, pois foi reduzido o crédito bancário e eliminados os subsídios governamentais. Porém, a agricultura continua como setor principal, demonstrando que o crescimento agrícola era de suma importância para a geração de demanda por produtos locais, estimulando a produção e o crescimento econômico, estratégia essa conhecida como industrialização conduzida pela demanda agrícola (ADLI) (MELLO, 1976; ADELMAN, 1984 apud SARRIS, 2001). Enquanto isso, em Acopiara, das cinco indústrias, apenas uma mantém seu funcionamento durante o período do “milagre econômico”, a Indústria Rufino, que em 1972 se tornou a Algodoeira e Pecuária Rufino LTDA (APR). As outras usinas vieram a falir pela perda do subsídio e investimentos do governo ou saíram do ramo por questões pessoais de seus donos (mudança de ramo comercial ou questões políticas locais), tornando a Algodoeira e Pecuária Rufino, monopólio no setor da cidade. Um pouco antes da crise do petróleo, o governo de Médici possuía uma imensa ambição de dobrar a renda per capita de 1970 a 1980, apoiado num crescimento do PIB de 9% a.a. A estratégia principal era aumentar a exportação agrícola (MACARINI, 2005). Em Acopiara, a APR, segundo documentos, detinha um terço de sua produção destinada para a Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental. Quanto ao mercado nacional, dois terços da produção eram vendidas para indústrias de tecidos em Minas Gerais. Uma quantidade significativa do lucro obtido era investida na própria indústria comprando máquinas oriundas da Inglaterra. Além disso, compravam-se terras em outros estados e se iniciava uma imensa produção de gado e algodão, principalmente na região de Goiás, Maranhão e Piauí.

do período que era em torno de 49 mil habitantes, cabe-nosquestionar então como essa empresa conseguiu manter seus haveres financeiros, por um tempo maior que as concorrentes, durante grande parte do período de crise nacional (74- 88). Sabemos que esta empresa era mantida com capital próprio, tendo sido afetada somente com a vinda do bicudo no ano de 1986. Enquanto que outras indústrias se fechavam ano após ano por conta da inflação descontrolada. É essencial compreender que a indústria comprava algodão dos pequenos agricultores, muitas vezes mantidos pelos próprios industriais por meio da chamada “compra na folha”. Essa prática consiste no adiantamento do valor integral, por parte do comprador, dos valores referentes ao que viria a ser produzido. No período da colheita, toda a produção seria destinada ao industrial que financiou a produção. Autores como Campos (1997) criticam essa prática, em virtude de que o valor no acordo entre pequeno agricultor e o grande industrial é desfavorável, pois, na entrega da colheita obtida, em virtude da inflação nacional, o valor irá favorecer o grande empresário. Porém, Campos (1997) não compreende que em virtude da crise inflacionária, os pequenos agricultores não tinham a quem recorrer, senão ao próprio empresário, que atuava como uma espécie de banco investidor-comprador, já que concedia crédito adiantado para ser investido em uma produção que possuía um comprador em questão: o próprio industrial que financiava a produção. De fato, a inflação beneficiava o grande empresário, mas se deve considerar que o empresário assumia uma série de riscos, todos embutidos no cálculo, tais como: 

Sofrer um golpe ou ser enganado, já que não havia proteção jurídica entre as partes, senão apenas papéis e contratos verbais sem qualquer poder de lei ou segurança jurídica.

Perda total das safras em virtude de problemas do solo, ataques repentinos de pragas, ausência momentânea de chuvas, ou simplesmente plantio mal executado, obtendo uma colheita que não pagava parte significativa do acordo acertado.

De qualquer forma, a compra na folha foi fundamental para a manutenção industrial do algodão em Acopiara, já que a APR mantinha uma quantidade importante dos agricultores no campo e evitava eventuais saques na cidade.

6 O crescimento local diante da crise nacional: a prática da ‘compra na folha’ Sendo a Algodoeira e Pecuária Rufino LTDA a maior fonte de emprego e renda na cidade de Acopiara, visto que 400 pessoas trabalhavam a época, em comparação a quantidade de habitantes 169


Caderno de Experiências 7 O declínio na indústria do algodão

consequentemente, prestações de serviço, pois o período em questão (1980- 1985) sempre esteve aquecido com o capital gerado direta ou indiretamente pela cultura do algodão. A inflação nacional apenas ajudava a manutenção desse sistema, favorecendo o industrial e gerando, dessa forma, mais capital para ser reinvestido na indústria e mantendo mais da metade dos agricultores trabalhando no ramo, visto que a atividade formava o maior centro de produção econômica e de geração de renda, e praticamente todo o comércio da cidade era movido de forma indireta com essa renda: feiras, roupas e qualquer coisa comprada tinha, de alguma forma, os haveres gerados pelo algodão. O bicudo de fato acabou com o ciclo do algodão no Ceará, em especial, na cidade de Acopiara, demonstrando a imensa fragilidade tecnológica para controlar a praga na região. Além disso, a crise nacional impossibilitava recorrer a novos créditos e subsídios do governo. Muitas empresas em Acopiara entram em falência e bancos fecharam. A APR superou a crise devido à migração para setores na pecuária em outros estados (Maranhão, Piauí e Goiás) e por começar a trabalhar com derivados do algodão, gerando grande força de renda na atualidade, mas nunca, segundo seus próprios registros, tanto quanto o oriundo na década de 80, período que marcava ao mesmo tempo o auge e o declínio da era de ouro da indústria algodoeira de Acopiara. A falta de dados em bancos mostrou-se uma dificuldade na obtenção de demais dados para análise. Quanto aos dados na prefeitura, quase nada existia. A possibilidade que se apresenta para estudos futuros está em mostrar que o excesso de produção de algodão acabou que por danificar gradativamente o solo, que acarretou, na virada do século, um solo estéreo e pobre, sofrendo mais e mais queimadas, que deu o pódio para Acopiara em 2010 como líder de queimadas, além de abrir novas possibilidades para estudar o efeito das relações entre distritos-cidades como cadeia produtiva ou a importância da compra “na folha” feita em outros lugares.

A cidade de Acopiara, em plena década de 80, era um imenso centro de produção e comercialização do algodão. Os agricultores produziam para vender à usina de beneficiamento. Toda a matéria-prima beneficiada era vendida para o exterior ou para outros estados. Indiretamente, gerava-se renda na população e o capital girava no comércio de Acopiara. Antes da vinda do bicudo (1986), segundo relatos, havia um total de três bancos (Bradesco, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) e grandes empresas, tais como: Casas Pernambucanas, A Vencedora e Casa Ferreira. Todas trabalhavam no ramo de tecidos e contratavam diretamente uma média de 120 pessoas. Com a vinda do inseto, é visível a fragilidade tecnológica da época. Aragão (2002) aponta que o “bicudo” (Anthonomus grandis) começou a atacar as colheitas cearenses de algodão a tal velocidade de destruição que rapidamente colocou a cotonicultura em crise. Em maio de 1986, havia 43 municípios atingidos pela praga, compreendendo uma área de 50 mil hectares, dentre as quais estava Acopiara. Analisando os dados da APR, em 1985 a quantidade de beneficiamento de algodão era de vinte e dois milhões de toneladas, enquanto que no final da década, Acopiara e cidades vizinhas sequer chegavam a quinhentas toneladas. Com a crise nacional e a falta de renda na cidade, muitas empresas fecharam e somente o Banco do Brasil continuou operando. Apenas no final de 2011 seria reinaugurado o Bradesco, e em 2012, a Caixa Econômica federal. Diante da crise, a APR começou a migrar seus negócios para a pecuária e a produção dos derivados da semente do algodão. O algodão em si é apenas estocado para ser vendido para outras indústrias de fora do Estado, podendo demorar, segundo relatos dos industriais da época, anos para que a estocagem compense o valor do frete. Conclusões e resultados Podemos concluir que a prática da “compra na folha” foi vital para continuar com a indústria de beneficiamento de algodão no município de Acopiara, Ceará, apesar do período de plena crise inflacionária. Mesmo não havendo qualquer segurança jurídica no adiantamento das compras, o fator foi fundamental para manter o capital industrial no município de Acopiara. Com o relativo equilíbrio da inflação no final dos anos 90, haveria uma provável chance de uma migração gradual para novos ramos, sem afetar drasticamente a parte industrial e comercial na cidade, criando um meio para novas empresas, indústrias, e

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Caderno de Experiências

UM BALANÇO DAS AÇÕES E RESULTADOS DO SEGUNDO GOVERNO DO PRESIDENTE LULA

Roseany Severo da Silva Administração / UFCA roseanysevero@gmail.com

Maria das Dores Marciano Monteiro Administração /UFCA monteiro.dara@gmail.com

Valéria de Sousa Marques Administração / UFCA valeriamarques.ufc@gmail.co m

Webert Jannsen Pires de Santana Administração / UFCA webertjannsen@gmail.com

Silvia Roberta de Oliveira Silva Professor / UFCA sro.silva@hotmail.com

1 Introdução

volta de 2003, mantendo-se em 2008 perto da casa dos US$ 20 milhões. Consequentemente, gerando os superávits no saldo da balança comercial, chegando ao seu pico máximo perto dos US$ 5 milhões em dois anos entre 2005 e 2006. Muito diferente dos anos anteriores a 2003, quando as importações eram maiores que as exportações (REZENDE, 2009). A economia começou a apresentar crescimento, embora a dívida pública continuasse num padrão elevado. O desenvolvimento deste trabalho foi estimulado em sala de aula, durante a disciplina de Economia Brasileira cursada no segundo semestre de 2014 no curso de Administração de Empresas da Universidade Federal do Cariri. Foram privilegiadas discussões, debates e apresentações de forma participantes de temas relacionados a este assunto, privilegiando a troca de experiências e a construção do conhecimento em sala. Como trabalho final da disciplina, foi proposta uma produção textual de cunho científico, utilizando-se da metodologia participativa, na qual se define como uma intervenção que traz em si a forma de raciocínio empregada pelo pesquisador/ator e seu ponto de vista com relação à sociedade e ao mundo que o rodeia (BROSE, 2004), relacionando os temas abordados durante todo semestre como forma de reforçar os conhecimentos obtidos. O presente trabalho tem como objetivo entender as políticas macroeconômicas adotadas no segundo governo de Lula (2007 – 2010) e suas consequências na economia do país. A metodologia baseou-se em demonstrar o funcionamento e o conceito dessas políticas macroeconômicas buscando dados primários em fontes como, livros e artigos acadêmicos em documentos oficiais. Utilizou-se, além disso, relatórios técnicos como o Boletim do Banco Central (BC) de 2007 a 2010, o Boletim de conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA-2010, que permitiu um melhor detalhamento das políticas econômicas adotadas nesse período.

Historicamente o Estado brasileiro sempre buscou assumir um papel de promotor do crescimento, desde a economia cafeeira no financiamento de estradas de ferro e compras de imensas quantidades de sacas de café para segurar seu preço internacionalmente até o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). No início dos anos 90 o país buscou um novo modelo de crescimento tendo o Mercado como o grande promotor do desenvolvimento econômico. Ao Estado, caberia garantir o clima favorável à atuação do setor privado. Segundo Morais (2011), as políticas macroeconômicas mantidas por Lula eram fundadas no famoso tripé composto por uma política monetária determinada pelas metas de inflação, câmbio flutuante e uma política fiscal visando manter um superávit primário que compensasse o déficit nominal das contas públicas (no contexto deste artigo, essas são as “políticas neoliberais”). Essas políticas são também associadas às reformas institucionais da década de 1990, que resultaram em forte liberalização comercial, desregulamentação financeira, uma crescente abertura da conta de capitais e outras reformas microeconômicas coerentes com o suposto da eficiência intrínseca dos mercados. A implementação do plano Real trouxe estabilidade monetária ao país e ajudou a manter alcançados os seus objetivos, que era justamente de conter e controlar a inflação. As políticas macroeconômicas que o sustentavam refletiam também, uma mudança na economia brasileira mais ampla do que a estabilização. O Governo Lula conseguiu elevados saldos na balança comercial com o crescimento das reservas internacionais diminuindo, assim a, vulnerabilidade externa. Apesar de uma valorização cambial prejudicar, geralmente, o setor exportador, porque deixa os preços dos produtos fabricados nacionalmente mais caro para o importador, essa situação não parece ter ocorrido no Brasil nesse período, porque esse duplo ganho do setor exportador anulou os efeitos da valorização cambial. O setor exportador começou a aumentar sua capacidade exportada por 172


Pesquisa em Foco 2 Fundamentação teórica

crise multidimensional brasileira. Estas propostas objetivaram, ainda, eliminar o custo da estatização de grandes bancos e fundos de pensão. Tais medidas foram fundamentais para explicitar diretrizes e compromissos em relação a esta questão com o intuito de melhorar as expectativas (insegurança) e conter ondas de pânico. (GONÇALVES, 2008)

2.1 Conjuntura Econômica Internacional Lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar. Lula As expectativas pré-crise apontavam que o crescimento econômico, (ou melhor, a falta de) poderia se tornar o novo pesadelo de Lula. Os sinais de alerta sobre uma desaceleração da economia mundial soavam cada vez mais alto, o que vai afetar a economia brasileira. As previsões eram que o superávit no comércio exterior iria cair pela metade em 2008. O real forte tornaria mais difícil a exportação. (KOLLBRUNNER, 2007) Nesse contexto, a avaliação das tendências da crise econômica internacional que se iniciou em 2008 depende do entendimento a respeito das suas causas, extensão, dimensão, natureza e medidas de contenção. A causa imediata da crise é a insolvência generalizada no sistema de hipotecas imobiliárias nos Estados Unidos. (GONÇALVES, 2008) Nesse sentido, segundo Gonçalves (2008) houve a redução significativa da taxa de juro nos Estados Unidos, caindo de 6% em 2001 para 1% 2004, e causando uma expansão da demanda por empréstimos, principalmente, os imobiliários. Assim, a elevação dos preços dos imóveis estimulou a tomada de mais empréstimos para ganhos imobiliários. Adicionalmente, a expansão extraordinária do crédito provocou a desregulamentação do setor financeiro e o menor dinamismo do setor real. De acordo com Almeida (2010) o Brasil passava por uma situação fiscal crítica, entretanto o governo se viu amparado pela sorte, em meio às turbulências da crise internacional iniciada nos Estados Unidos, em 2008. Isso porque, o crescimento do PIB, ainda impulsionado pela demanda da China, tornando-se primeiro parceiro comercial do Brasil, foi, respectivamente, de 6,1% em 2007, de 5,1% em 2008 e de -0,2% em 2009, tendo sido estimada a taxa de aproximadamente 7,7% em 2010. Desta vez, o Brasil conseguiu fazer melhor do que a média mundial, o que não parecia difícil em vista da gravidade da recessão nos países avançados. O Brasil foi um dos últimos países a sofrer com os efeitos da crise e um dos primeiros a se livrar dela. (MITI, 2010) O Brasil ganhou o respeito e audiência internacional justamente porque foi preservada a estabilidade econômica, embora durante a maior parte do período o crescimento tenha permanecido lento e instável. (ALMEIDA, 2010) Acontece que além de beneficiar os trabalhadores e os outros grupos e classes sociais, as medidas propostas reduziram o risco de aprofundamento da

2.2 Conjuntura Econômica A conjuntura econômica de um país pode ser entendida como um produto complexo, o qual é resultante da conexão de muitos vetores, tornando relevante uma análise ampla para compreender as ações referentes a economia e política (DALSASSO, 2009). De acordo com Alves (2008, pág. 01), uma análise de conjuntura é um retrato dinâmico de uma realidade e não uma simples descrição de fatos ocorridos em um determinado local e período. Ela deve ir além das aparências e buscar a essência do real. Porém, a realidade mundial, nacional ou local, é multifacetada, o que torna difícil a sua apreensão à primeira vista. O desafio de qualquer análise de conjuntura é compreender as inter-relações das partes que formam o todo, pois a totalidade é um conjunto de múltiplas determinações. Neste sentido, a análise de conjuntura funciona como um mapa que nos permite “viajar” na realidade.

Considerando a importância da conjuntura econômica para analisar a situação do país e as decisões que são tomadas pelos governantes, nesta seção aborda-se a situação econômica do país durante o segundo governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, compreendido de 2007 a 2010. Segundo Souza (2012), o Governo Lula pode ser caracterizado pela baixa inflação, considerando-se estável, redução do índice de desemprego e constantes recordes da balança comercial. Sicsú (2012) afirma que o presidente Lula, mostrou-se menos conservador no seu segundo mandato, tendo em vista as influências que predominaram no seu primeiro Ministério da Fazenda. Com isso, consequentemente surgiram alguns resultados como o crescimento do PIB, apresentando uma média de aproximadamente 4,5% ao ano, mesmo com a grave crise financeira internacional que teve que enfrentar em 2009. O modelo econômico que marcou o governo do presidente Lula pode ser caracterizado como um modelo baseado no crescimento com inclusão social. Efetivamente constata-se que houve crescimento e rompimento com os desempenhos apresentados no governo de FHC. Apresenta-se também distribuição de renda, o qual possibilita a 173


Caderno de Experiências inclusão social e assim influenciando na composição das classes sociais. Grande parte dos brasileiros passou a ter acesso a bens e serviços “como nunca antes na história desse país” (SICSÚ, 2012). Beirangê e Barros (2010) relatam e expõem dados que as exportações prosperaram de U$$ 60 bilhões em 2002 para U$$ 200 bilhões em 2008. Em 2008, o Brasil apresentou crescimento de 5,1% e com este fato tornou-se reconhecido no cenário internacional. O Governo Lula chega ao seu último ano de mandato com realizações importantes. Eleva o Brasil a condição de importante player do cenário global e consolida os fundamentos macroeconômicos do país. Sua gestão, até agora, é marcada pelo pragmatismo das práticas econômicas assim como também políticas. De acordo com Dominik (2008), a conjuntura econômica brasileira aponta para alguns paradoxos em 2008 e 2009. Percebe-se que ao mesmo tempo em que há um discreto crescimento do PIB, há também uma inflação preocupante. Assim como há uma queda momentânea no desemprego, o dólar valorizado indica queda nas exportações e futuras quedas no nível de emprego. Há o contraste entre a diminuição da dívida pública com o aumento das taxas de juros.

surpreenderam o Palácio do Planalto em 2008. Pode-se destacar alguns pontos como: 1) a recessão norte-americana que influenciou na diminuição da demanda por nossos produtos; 2) a crise do petróleo tornou o próprio produto e alguns outros produtos importados mais caros; 3) a inflação de alimentos mundial afetou a inflação alimentícia interna, entre 1 e 2% mensais; 4) o câmbio valorizado prejudicou as exportações e assim tornou-se um fator de ameaça ao nível dos empregos no país. 2.3 Plano Econômico Lula possuía o desejo de estipular metas em seis aspectos: infraestrutura, educação, problemas sociais, economia, segurança pública e saúde. O quesito economia teria metas como planejamento de mudança das legislações e a criação de emprego (ALENCAR, 2014). De acordo com Morais (2011), de 2006 em diante, e especialmente no período do segundo mandato de Lula (2007 – 2010), a política econômica do Brasil passou por um momento de inflexão, tendo um resultado positivo com relação ao crescimento do PIB, a distribuição de renda, a uma maior força por parte das grandes empresas nacionais e a redução da pobreza. O presidente Lula, durante o segundo mandado, criou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tendo sido o programa que obteve mais resultados favoráveis para o país no período. Surgiu em 2007 e era liderado pela Dilma Rousseff, tempo em que era Ministra da Casa Civil, com o propósito de realizar o investimento de 500 bilhões no país até 2010. As áreas escolhidas para sua aplicação foram: habitação, infraestrutura, transporte e saneamento (MITI, 2010). Na visão de Motta (2007), o brilhante lançamento do PAC foi uma ação estratégica, pois tinha como visão definir o diferencial do seu segundo mandato tendo em consideração o primeiro. Dessa forma, foi um marco na política-institucional do governo. Um dos resultados do seu mandato a partir de 2007 é a grande geração de empregos. Segundo a RAIS (1995 – 2010) – Relação Anual de Informações Sociais, que divulgam o resultado anualmente, o presidente alcançou 15 milhões de novos empregos de carteira assinada. Na tabela abaixo é possível verificar esses dados e a diferença da criação de empregos formais no governo Lula e no governo Fernando Henrique Cardoso (ARAÚJO, 2010):

Existe um dilema (trade-off) na economia entre a inflação e o crescimento da economia. Se o governo abaixa as taxas de juros, estimula o crescimento da economia porque os agentes econômicos terão mais crédito para consumir ou investir, além de pagar juros mais baratos. Por outro lado, juros baixos elevam a inflação, pois o aumento da demanda pelos bens e serviços naturalmente tornam os produtos mais caros. Se o governo aumenta as taxas de juros, estimula as pessoas a pouparem e o consumo e o investimento produtivo reduzem, fazendo com que o crescimento da economia recue (DOMINIK, 2008).

Esse fator torna mais complexo a tomada de decisão, fazendo com que o governo Lula optasse por certas medidas de forma que impulsionasse ao desenvolvimento e crescimento do país com o intuito de proporcionar um impacto equilibrado aos outros setores da economia e política. Dominik (2008) ainda apresenta que nos últimos anos, a taxa de juros esteve reduzindo, mas a inflação ressurgiu tornando-se uma ameaça à renda do consumidor e o Banco Central reverteu a queda com aumentos seguidos da taxa Selic (básica da economia). As previsões de crescimento do PIB foram reduzidas e as de inflação aumentadas, decorrentes da análise dos novos cenários. Ainda, podemos observar as crises externas que 174


Pesquisa em Foco Tabela 1: Geração de empregos formais – RAIS – 1995 a 2010

técnicos e saem mais preparados para o mercado de trabalho (SAVIANI, 2007). O Programa Minhas Casa, Minha Vida (PMCMV) é outro programa que obteve uma implantação de sucesso. Foi lançado em 2009 com o objetivo de proporcionar a possibilidade de que as pessoas que possuem até 10 salários-mínimos tenham acesso a uma moradia. Teve grande influência para a crise econômica ao estimular a geração de empregos e de investimentos no setor da construção. Houve a contratação de 1,46 milhão de moradias e a construção de 719 mil de 2009 a 2011 (DELFINO, 2011). O PAC destinou mais investimento para a área de infraestrutura energética (MITI, 2010). E até o final de 2010, apenas 13% das obras do programa foram concluídas, enquanto 52,8% ainda não haviam saído do papel (CIDADE, 2010). 3 Procedimentos metodológicos

Fonte: Araújo (2010) Para o desenvolvimento deste artigo utilizou-se pesquisa exploratória, onde este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a tornálo explícito, envolvendo levantamento bibliográfico, onde por sua vez, contribui com procedimentos racionais e intuitivos capazes de ajudar com a compreensão dos fenômenos envolvidos (GIL, 2007). O procedimento utilizado na elaboração deste estudo, mais especificamente, é o históricodedutivo, por tentar generalizar os fatos a partir da observação da realidade que nos cerca (PIERCE, 1978), onde por sua vez, este método possibilita a combinação de uma análise empírica de fatos históricos com a teoria econômica vigente como forma de embasar o desenvolvimento de uma análise conjuntural da economia brasileira entre os anos de 2007 a 2010.

Enquanto isso, outros programas tiverem sua continuação, como é o caso do Bolsa Família, que em 2009 obteve uma forte ampliação, tendo sido ampliado para mais 1,8 milhões de famílias (MITI, 2010). No período de 2003 a 2010, o número de atendidos pelo programa passou de 3,6 milhões para 12,8 milhões de famílias. O governo também decidiu por conceder um aumento no valor e ampliar para beneficiar jovens de 16 e 17 anos (FAGNANI, 2011). Nesta perspectiva, em 2008 foi lançado o Programa Mais Saúde (PAC da Saúde), que apresenta um plano de investimentos prioritários do Ministério da Saúdes voltadas para a organização da atenção básica. Resultou na liberação de recursos para a construção de 331 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) pelo Ministério da Saúde. Em parceria com a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) atuaram em rede no atendimento à população. Outro resultado é que o Sistema Único de Saúde (SUS) vem realizando todos os anos cerca de 3,1 bilhões de procedimentos ambulatoriais (FAGNANI, 2011). Outro programa iniciado nesse período foi o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que começou a ser realizado em 2007, tendo como prioridade a educação básica, que se refere do ensino infantil até o médio. Algumas ações de apoio para esse programa foram o Transporte Escolar, o Luz para Todos, o Saúde nas Escolas e a Inclusão Digital. Outra característica marcante de sua implantação é a modificação do tempo de permanência dos alunos nas escolas, como é o caso das escolas técnicas, em que os alunos estudam, além das disciplinas existentes na grade, cursos

4 Resultados e discussão A gestão do presidente Lula, teve uma economia marcada por um processo de crescimento do produto com estabilidade de preços e avanços significativos na distribuição da renda e também na redução da miséria, mesmo assim isso não significa dizer que o período foi marcado apenas por comportamentos positivos. Dentre as principais características evolutivas do período estão a liquidação da dívida externa do país, a redução da taxa básica de juros da economia e a diminuição da desigualdade social. Todas essas características contribuíram para alavancar a economia e impediram grandes danos durante a crise internacional. 175


Caderno de Experiências Quanto ao Governo Lula, no que se refere às políticas econômicas, foram cumpridos alguns dos objetivos para qual elas foram designadas, que foram: manutenção do controle da inflação, redução da vulnerabilidade externa, expansão do investimento na produção e ampliação dos programas sociais com a intenção de reduzir a fome e a miséria de desigualdades sociais. No que se refere a sua política econômica 2° mandato o Governo Lula, as políticas macroeconômicas continuaram as mesmas, contudo, percebe-se duas mudanças nas consequências dessas políticas: a vulnerabilidade externa diminuiu com aumento das reservas internacionais, houve uma intensificação da redução da taxa de juros devido que a inflação estava controlada e atingindo a meta desde de 2005 e a grande entrada de capitais via exportação diminuindo a necessidade de atrair capitais externos através da taxa de juros. Implantou o PAC com o objetivo de melhorar a infraestrutura do país e gerar aumento do crescimento. No entanto, permanece a deterioração das contas públicas, pois, mesmo o Governo Lula tendo conseguido a redução na relação divida pública/PIB, essa redução é por aumentos na tributação, o que é péssimo para economia, pois inibe a produção e a distribuição de renda, mesmo que o Governo continuasse promovendo as suas políticas sociais e o PAC. Esta deterioração do Saldo em Transações Correntes é grave e não deve ser analisada apenas do ponto de vista contábil, ou seja, não deve levar em consideração apenas o fato de que este déficit pode ser financiado pela entrada de capitais. As condições de liquidez internacional para os países emergentes variam no tempo e o que hoje é um déficit financiável podendo em um futuro próximo, se transformar numa restrição externa ao crescimento. Em alguma medida, o desequilíbrio externo pode ser atribuído ao processo de valorização do Real no contexto internacional de guerra cambial.

maior índice de satisfação da história do presidencialismo do país. Escândalos e crises também marcaram seu governo, além de grande aumento na cobrança de impostos, dificultando assim a produção de renda, tornando-se perceptível que o governo brasileiro não tomou as providências necessárias para evitar os efeitos danosos da valorização da moeda sobre a competitividade externa. Mas indiferente a estes escândalos, o que restou foi a imagem de um representante do povo que soube se comunicar com ele e para ele. E os resultados alcançados para o país e para a população foram significativos, levando-o rumo ao desenvolvimento. Elevou o Brasil a uma condição importante do cenário global em relação ao desenvolvimento, consolidado por fundamentos macroeconômicos do país. A recomendação para sair de vez desse regime macroeconômico seria reformas fiscais para conter os gastos exorbitantes do Governo em áreas que não geram crescimento econômico. Aparentemente os altos gastos públicos nessas áreas são os mais graves obstáculos para que aconteça o crescimento produtivo do país. Portanto, a condução das políticas macroeconômicas do novo governo deve manter e aprofundar o dinamismo produtivo através do PAC e adotar políticas que gerem estabilidade e crescimento e previnam as ameaças que possam surgir. Finalmente, pode-se dizer que nas políticas macroeconômicas devem ser incluídas reformas que contribuam no crescimento produtivo e na concepção de um projeto que vise o desenvolvimento econômico de forma organizada e planejada para que o país continuasse o desempenho dos últimos anos.

5 Considerações finais

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Referências A

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Pesquisa em Foco Francisco Leonardo Ferreira Neto Design de Produto/UFCA leonardo.ferreira.neto@gmail .com

A MODELAGEM DIGITAL 3D COMO FERRAMENTA NO DESIGN DE JOIAS

1 Introdução

Deborah Macêdo dos Santos Professor /UFCA deborah.macedo@gmail.com

processo de criação e fabricação de joias, a exemplo de outras atividades como arquitetura, design gráfico e de produto (BENZ; MAGALHÃES, 2012). Dessa forma, além do designer estar apto a acompanhar oscilações no mercado, perceber as mais discretas mudanças no âmbito social, ter conhecimentos multidisciplinares, deve dominar as técnicas e as ferramentas na sua área que tornem seu trabalho mais ágil e prático. Este trabalho trata da utilização de recursos digitais nos processos do design de joias, com foco nos recursos de modelagem digital 3D. Será estabelecido um diálogo entre o processo de concepção de joias e as novas tecnologias que surgem nessa vertente do design, verificando que mudanças e benefícios essas inovações trazem aos processos.

Com o advento das novas tecnologias de modelagem e prototipagem 3D o designer de joias precisou se especializar e se atualizar de acordo com os novos processos de criação e produção. Esta incorporação de novas capacidades traz consigo o questionamento das dificuldades e benefícios para o designer e mesmo para o resultado final do produto, fazendo-se necessária uma investigação mais detalhada a respeito. A prática de se fazer joias é uma das mais antigas na história da humanidade. Durante séculos esse artifício foi sendo transformado e aperfeiçoado, utilizando uma diversidade de materiais, que foram desde ossos de animais e conchas aos metais e pedras preciosas mais diversas, tornando-se hoje uma técnica bastante complexa. A produção de joias atualmente está voltada para o design, e por isso precisa acompanhar um mercado consumidor que exige um grande volume de inovações, tanto no setor tecnológico quanto no âmbito de expressão de estilos e conceitos (PEDROSA, 2008.). As novas tecnologias digitais se desenvolvem a um ritmo acelerado de inovação, funcionamento e velocidade de desempenho, realizando diversas tarefas simultaneamente e dinamizando cada vez mais o trabalho daqueles que delas recorrem. De acordo com Silva et al. (2010, p. 60), a busca por tecnologias mais adequadas, e a alta competitividade, geram um ambiente propício à utilização de novas técnicas no processo de fabricação de produtos como fator de inovação. Com o surgimento desses novos recursos digitais as realidades virtuais, por exemplo, conseguem evoluir significativamente e propiciar resultados gráficos cada vez mais realistas, se destacando nesse ambiente (MACHADO e MORAES, 2005. p. 92). Acerca da fabricação de joias atualmente, percebese que esse setor, de modo geral, mantém maior parte dos processos de fabricação tradicionais e ainda se mostra resistente em inserir novos recursos tecnológicos. Porém, o que se espera é que tais recursos sejam incorporados na indústria joalheira para que se gere concorrência mais capacitada no mercado (POHLMANN et al, 2014, apud WINKLER, 2008, p. 2). Levando em consideração as várias áreas em que as tecnologias avançam, pode-se dizer que a tecnologia computacional proporcionará mudanças no

2 Fundamentação teórica Diante de temas bastante amplos, como design e novas tecnologias digitais, faz-se necessária uma busca por informações que possam construir embasamento para aqueles os quais irão discutir a respeito, firmando assim uma linha de raciocínio coerente e esclarecendo sobre aspectos desconhecidos ou que poderiam passar despercebidos pelo pesquisador. 2.1. O papel do designer Mesmo com a atual gama de produção intelectual e dos inúmeros diálogos que ocorrem entre opiniões divergentes, o conceito de design ainda é bastante amplo e complexo. Partindo da visão de Löbach (2001) o design relaciona-se com a concretização de uma ideia para a solução de um problema determinado: o design consistiria então na corporificação desta idéia para, com a ajuda dos meios correspondentes, permitir a sua transmissão aos outros. (...) Assim, o conceito de design compreende a concretização de uma idéia em forma de projetos ou modelos, mediante a construção e configuração resultando em um produto industrial passível de produção em série. O design estaria então realizando o processo configurativo. (LÖBACH 2001, p. 16).

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Caderno de Experiências processo do design, desde as primeiras ideias e esboços à prototipagem do trabalho, acelerando etapas projetuais, reduzindo custos de fabricação e proporcionando maior liberdade de experimentação para os designers. A produção de joalheira vem sofrendo interferência do design nos últimos tempos, e logo compreendese que o design tem capacidade de interferir em tudo que o ser humano realiza (LISBÔA; STEFANO, 2012, p. 2, 10), mesmo em uma prática milenar que ainda conserva diversas técnicas de produção como a joalheria (POHLMANN et al, 2014, apud WINKLER, 2008. p. 2). Parafraseando Lisbôa e Stefano (2012, p. 2), o designer de joias atualmente tem capacidade de intervir em todas as fases de produção, desde o conceito das coleções, passando pela escolha de materiais e processos produtivos, até a comercialização e assimilação de identidade pelo consumidor. Pode-se interpretar que o designer deve estar ciente do meio em que vive, fazendo com que seu trabalho dialogue com as reais circunstâncias em que se encontram as esferas sociais. De acordo com Silva et al. (2010, p. 64), o designer não deve se limitar apenas às técnicas e tecnologias já conhecidas e difundidas, e deve acompanhar de perto os mais diversos avanços tecnológicos colaborando também com o desenvolvimento destes avanços e com o surgimento de novos produtos.

O autor deixa clara a presença de um problema como um fator primordial para a concepção de um produto através do design. Na opinião de Landim (2010, p. 14) design compreende-se projeto, o qual é equivalente a sonho e desejo por algo. Para a autora, outros fatores, além da solução de um problema, devem ser observados, como a relação desejo/aspiração/possibilidade que se estabelece a partir de meios mecânicos, frutos da revolução industrial. Nesse sentido, como o designer projeta para suprir uma necessidade, um desejo e gerar possibilidades, este deve necessariamente estar integrado no meio em que vive e compreender de que forma as pessoas, seja um público consumidor em potencial ou não, interagem e influenciam nesse meio. Nas palavras de Landim (2010, p. 24-25) o design é uma área profissional que “(...) engloba uma extraordinária variedade de funções, técnicas, atitudes, ideias e valores. É um meio através do qual se experimenta e se compreende o mundo que nos rodeia (...)”, e por isso não pode ser compreendida fora do contexto social, cultural econômico e tecnológico. A autora defende ainda que, tendo o design o principal objetivo de tornar a vida das pessoas melhor, este deve responder às necessidades técnicas, culturais e funcionais dos grupos sociais, criando soluções inovadoras que transmitam emoção e significado, transcendendo formas, estruturas e meios de fabricação (LANDIM, 2010, p. 29). Isso mostra não só a responsabilidade que o designer tem de lidar em seus projetos, mas também as diversas ferramentas e possibilidades das quais ele pode recorrer nas etapas do seu trabalho, pois o design “(...) acompanha o desenvolvimento do homem na evolução dos materiais e do processo produtivo artesanal e industrial.” (LISBÔA e STEFANO, 2012, p. 13).

3 Procedimentos metodológicos Segundo Marconi e Lakatos (2006, p. 17), “toda pesquisa deve basear-se em uma teoria” para que esta sirva como ponto de partida para uma análise segura e bem sucedida. No presente trabalho foi questionado de que forma os atuais softwares de interface 3D podem contribuir como facilitadores no processo de criação no design de joias. Para Marconi e Lakatos (2006, p. 17) os planos de uma pesquisa variam de acordo com a sua finalidade. Sendo assim, no desenvolvimento deste trabalho realizou-se primeiramente uma pesquisa da qual tratava de dois parâmetros, um sobre os processos envolvidos no design de joias e outro sobre o funcionamento e os tipos de softwares com plataformas tridimensionais utilizados na criação de joias, para se analisar que diferenciais esses softwares podem fazer no projeto de uma joia. Para tratar do assunto proposto no trabalho foi utilizado o método de pesquisa descritiva, já que ela aborda aspectos de “descrição, registro, análise e interpretação de fenômenos atuais, objetivando seu funcionamento no presente.” (MARCONI;LAKATOS, 2006, p.20 apud BEST 1972, p.28). Completando a definição, a pesquisa descritiva “Procura descobrir, com a maior precisão possível, a frequência com que um fenômeno

2.2. O designer e as novas tecnologias De acordo com Garcia (2010) o designer atualmente se apodera das novas tecnologias para poder se adaptar a determinada realidade produtiva, e criar produtos com maior qualidade. Para a autora “O conhecimento tecnológico é indispensável para a realização de um bom projecto e, consequentemente, de um bom produto.” (GARCIA, 2010, p. 16). Sendo assim, por mais que se tenha uma tradição na forma de se planejar e produzir um objeto, é papel do designer se atentar às novas tecnologias e incorporá-las em seu trabalho sempre que estas se mostrarem beneficiárias, para que assim ele possa adaptar-se às mais diversas mudanças socioambientais. Conforme Landim (2010, p. 2930), a utilização dessas novas tecnologias melhora o 180


Pesquisa em Foco ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e suas características” (CERVO et al., 2007, p. 61). Para a coleta das informações foi empregado o método de pesquisa bibliográfica, o qual busca “(...) explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em artigos, livros, dissertações e teses.” (CERVO et al., 2007, p. 60). Ainda segundo os autores, quando a pesquisa bibliográfica é feita com o intuito de colher informações prévias a cerca de uma hipótese a qual se quer esclarecer, esta pode fazer parte da pesquisa descritiva (CERVO et al., 2007, p. 61). Pro fim, foram realizadas a análise das informações coletadas e síntese desses diversos conhecimentos, buscando a correlação entre eles e o esclarecimento de como a tecnologia 3D pode viabilizar processos no design de joias. Destacando a importância desse procedimento de análise e síntese, pode-se citar Cervo et al. (2007, p. 33) dizendo que “O conhecimento de um objeto não se limita ao conhecimento minucioso de suas diversas partes: deve-se ainda saber o lugar que ele tem no conjunto (...)”.

afirma Löbach (2001, p. 16) dizendo que croquis, projetos, modelos e amostras são necessários para se perceber visualmente a solução de um problema. Podemos verificar então que, no caso do design de joias, é a representação gráfica da peça que irá comunicar o resultado final que o designer planejou, seja para um fabricante em potencial, um comprador ou para o responsável pela realização da peça.Sobre esse parâmetro, há a afirmação de que no design de uma joia: o projeto é composto essencialmente pela representação gráfica da peça, e o desenho passa a realizar a mediação entre a concepção e a execução. É a ferramenta de representação do objeto concebido, para garantir que o projeto seja executado com rigor (NOGUCHI; ECHTERNANCHT, 2003, p. 4).

A não realização desta etapa de representação visual antes da produção da peça, seja por falta de confiança ou interesse, pode gerar inúmeras consequências, dentre elas a falta de ergonomia e conforto da joia, fazendo com que se tenham prejuízos de tempo, dinheiro e mão de obra.(ALZAMORA, 2009) Com a atual revolução tecnológica em que o mundo se encontra, os softwares de modelagem 3D se mostram bastante difundidos entre designers, arquitetos e outros profissionais, pois esse recurso:

4 Resultados e discussão Com o advento da industrialização o sistema de produção de joias incorporou diversos profissionais, criando um novo sistema subdividido em inúmeros setores, cada um com sua atividade específica, como modelistas, designers, montadores, cravadores de gemas entre outros (BATISTA, 2013. p. 1). Conforme afirmam Benz e Magalhães (2012) essa diferenciação nos processos fez com que a maioria das empresas separasse a tarefa de “desenhar” da tarefa de “fazer” a joia, já que eram necessários conhecimentos distintos para cada uma delas. Mais especificamente:

(...) permite ao projetista uma nova maneira de encarar o projeto. A facilidade e rapidez de representação e modelagem oferecidas pelas ferramentas informatizadas deixam o projetista livre dos entraves das atividades “mecânicas” da representação gráfica para pensar as diferentes alternativas de um projeto. Isto não significa o abandono dos conhecimentos básicos de geometria em função do aprendizado de um software, mas sim da disponibilização de uma nova ferramenta (ALBUQUERQUE, 2003, p. 36).

a divisão do trabalho ocorrida no ofício do ourives artesão caracteriza-se pela separação entre a concepção do produto e a execução da peça. Essa separação deu-se pela inserção da figura do designer, em resposta às novas demandas do mercado por produtos diferenciados e singulares, buscando competitividade no mercado de jóias.(NOGUCHI; ECHTERNANCHT, 2003, p. 2).

Batista (2013) comenta sobre as vantagens da representação na prática: a visualização em 3D permite a observação da peça sob vários ângulos; também, é possível reduzir e ampliar para perceber os detalhes. Torna-se possível simular a realidade e os clientes visualizam a peça como se ela já estivesse pronta. Tem-se a vantagem de executar com rapidez qualquer modificação sugerida pelo cliente, por exemplo, no momento em que o projeto está sendo discutido.(BATISTA, 2013, p. 3)

Em situações em que há essa divisão, obviamente que se torna necessária uma comunicação eficiente entre esses diferentes profissionais, para que não haja erros entendimento e de projeto, no que diz respeito à concepção de uma peça idealizada por outrem que não aquele que irá confeccioná-la. A comunicação visual é imprescindível no momento em que o designer comunica uma ideia, como 181


Caderno de Experiências Outro grande benefício “está na agilidade e, principalmente, no reaproveitamento de um mesmo desenho para diferentes etapas da representação do projeto.”(ALBUQUERQUE, 2003, p. 33). Em comparativo, mesmo uma pessoa com o domínio de técnicas de perspectiva, sombreamento e proporções pode ser capaz de dar uma impressão de tridimensionalidade, mas não dá a liberdade de contemplar interativamente as diversas partes de um todo, como acontece na interface tridimensional (figuras 1 e 2).

tempo, evitando que tais mudanças fossem realizadas só após uma prototipagem da joia. Atualmente, existem softwares voltados para o desenho tridimensional de joias, que conseguem simular formas e superfícies de forma cada vez mais realista, como o Rhinoceros, que não é voltado especificamente para o design de joias, mas que possui extensões específicas para isso como o Rhinogold, Flamingo eTechgems, estes específicos para ilustração de gemas e modelagem de jóias (ALZAMORA, 2009). Muitos destes softwares possuem recursos de renderização, que consiste na capacidade de simulação de condições de textura, iluminação, reflexos de luz e materiais em um modelo 3D, dando ao objeto um aspecto mais fiel à realidade (LANA, 2010. p. 27), como mostram as figuras 3, 4 e 5.

Figura 1: Croqui de joias assinadas por Caroline Scheufele

Figuras 3, 4 e 5, respectivamente: Exercícios de renderização do livro “Desenhando joias com RhinoGold”.

Fonte: Site: Blog Maria Dolores, disponívelem: <http://designmariadolores.wordpress.com/2012/ 04/13/marilyn-monroe-e-chopard/> Acesso em: 01 nov. 2014 Figura 2: Anel em múltiplas vistas e renderizado, modelado com software 3D

Fonte: Site:KaiaJoyas, disponível em: <http://kaiajoyasuruguay.blogspot.com.br/2012_0 6_16_archive.html>Acesso em: 01 nov. 2014 Além de proporcionar a criação de diversas formas nos objetos, a interface 3D, por ser dinâmica e interativa, permite que alterações, correções e outras mudanças sejam feitas na peça no momento de sua concepção no software. Erros de cálculo podem ser identificados e corrigidos e melhorias podem ser realizadas em um curto espeço de

Fonte: Site: Editora Leon, disponível em: <http://www.editoraleon.com.br/DesenhandoJoias-com-Rhinogold-Livro-Impresso/prod583717/> Acesso em 01 nov. 2014 182


Pesquisa em Foco Uma das grandes potencialidades desses softwares está associada com outra tecnologia, a de prototipagem rápida. Na visão de Batista (2013, p. 5) as indústrias joalheiras atuais procuram aperfeiçoar a produção de joias, objetivando aumentar a velocidade de produção e a qualidade dos produtos, substituindo processos de prototipagem artesanal por computadorizados. Um exemplo disso é o trabalho do designer Antonio Bernardo, premiado internacionalmente por suas joias complexas e ousadas, no qual se utiliza a liberdade que o software 3D oferece, juntamente com a praticidade da prototipagem rápida:

recursos ao máximo, para que estes facilitem e beneficiem o trabalho do designer de joias. 5 Considerações finais Com a realização da pesquisa, pôde ser observado como os softwares de modelagem digital 3D possibilitam ao designer de joias uma experiência de trabalho interativa, dinâmica e que oferece uma nova forma de ver e projetar joias. Esses programas proporcionam uma liberdade maior e um resultado gráfico próximo da joia como ela é na realidade, o que admite experimentações mais ousadas nas formas da mesma, o que poderá resultar em produtos finais cada vez mais inovadores e criativos, e também na resolução de ideias e de problemas cada vez mais complexos. Dá-se a entender então, verificando os trabalhos já realizados na área por profissionais deste ramo, que já existem ferramentas que contemplam satisfatoriamente o design de joias, e que podem trazer inúmeras melhorias no processo produtivo. Sendo assim, foi reafirmada uma característica que é tão exigida dos designers, que seria a afinidade e a atenção pelos constantes avanços tecnológicos, e, mesmo que algumas destas estejam em um nível de complexidade avançado, estes projetistas não devem ter receio de adquirir competências de outros campos e incorporar novas habilidades aos seus trabalhos.

das empresas cariocas que participaram dessa pesquisa inicial, apenas uma – a Antonio Bernardo - incorporou a prototipagem rápida no processo de elaboração de seus protótipos, chegando até mesmo a ganhar prêmios internacionais de design com algumas joias modeladas em 3D e produzidas este processo (BENZ, 2009, p. 82).

Figura 6: Anéis premiados do designer Antonio Bernardo.

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É importante frisar que a modelagem tridimensional de joias requer conhecimento avançado em computação gráfica, já que a maioria das peças possuem formas orgânicas. Portanto, é recomendável o uso de softwares específicos para o projeto de joias, por eles possuírem ferramentas que facilitam essa tarefa (BATISTA, 2013. p. 3). Alzamora (2009) trata dessa questão afirmando que alguns desses softwares são muito específicos, se tornando de difícil acesso, outros são aparentemente muito básicos ou extremamente complexos. Isso pode configurar um impasse para quem não possui afinidade ou conhecimento em computação, e mesmo que se tenha, é necessária uma boa dedicação de tempo e estudo para se utilizar esses softwares de forma a aproveitar seus

ALZAMORA, Patricio.O desenho mínimo. Site: Portal Joiabr. Abril, 2009. Seção: Tecnologia e Design. Disponível em <http://www.joiabr.com.br/alz/0409.html>Ace sso em: 24 out. 2014. BATISTA, Claudia Regina. A modelagem 3d digital de joias e o processo de prototipagem rápida. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOMETRIA DESCRITIVA E DESENHO TÉCNICO, 21., 2013, Florianópolis. Graphica 13. UFSC, 2013, p. 2-9.

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Pesquisa em Foco Manoel Deisson Xenofonte Araujo Design de Produto/UFCA deisson2@hotmail.com

ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO: OS DEFICIENTES VISUAIS E AS FOTOGRAFIAS 3D

Deborah Macêdo Dos Santos Professor /UFCA deborah.macedo@gmail.com

no continuum tátil da individualidade; meu corpo é o verdadeiro umbigo de meu mundo, não no sentido do ponto de vista central, mas como o próprio local de referencia, memória, imaginação e integração. (PALLASMAA, 2011, p.10 11)

1 Introdução Quando se debate o assunto de acessibilidade, a pauta principal volta-se geralmente para os princípios do desenho universal. Neste sentido é válido perceber que muitos resultados concretos foram obtidos nas ultimas décadas, como a criação do conceito do “homem real” em detrimento ao antigo “homem padrão”, e a promulgação de leis e diretrizes quanto a configuração dos objetos e ambientes arquitetônicos. No entanto, para o presente trabalho, voltamos para o conceito mais amplo de acessibilidade e inclusão social, definido por Sassaki (1997) como o processo pelo qual a sociedade e o portador de deficiência procuram adaptar-se mutuamente tendo em vista a equiparação de oportunidades, permitindo que este possa desenvolver-se em todos os aspectos da vida. Dessa maneira, fica evidente a quantidade de questões ainda não abordadas no que diz respeito a esta inclusão, sobretudo no que se refere aos deficientes visuais, como bem afirma Pallasmaa (2011):

Dessa forma o presente trabalho pretende realizar modelos táteis a partir das fotografias da deficiente visual Jaquelina Rolim, tendo como objetivo otimizar a acessibilidade em suas já eficientes exposições voltadas a este público. Para isso faz-se interessante um breve histórico da carreira desta fotógrafa. Jaquelina Rolim, é massoterapeuta, fotógrafa e membro do Centro Educativo do Cariri de Apoio as Pessoas com Deficiência Visual - CEC. Ela possui deficiência visual decorrente da perda gradual da visão na área central da retina, o que não a impediu de adquirir conhecimentos na área de fotografia. Seu interesse no campo inicia-se com a leitura de livros e a partir das experiências adquiridas em um curso básico promovido na época pelo SENAC de Crato-CE. Posteriormente fez um curso de aperfeiçoamento com o professor e profissional do ramo Dimang Kon Beu. Como membro da Associação de Utilidade Pública - CEC, a qual já foi presidente, defende a bandeira da acessibilidade plena aos indivíduos com deficiência visual ou baixa visão. E é com a proposta de inclusão que a fotógrafa organiza suas exposições, onde além das descrições em braile e audiovisuais de cada obra, realiza um trabalho manual de tratamento das fotografias no qual insere relevos nas bordas das imagens, permitindo assim a utilização do tato para sua compreensão. No entanto uma série de questões são percebidas quanto a eficácia desta técnica, visto que além de demandar tempo e habilidade do executor, muitas vezes não geram uma superfície tátil de fácil interpretação para o deficiente visual, o que se agrava mais ainda em relação a complexidade da fotografia em questão. Estes problemas motivaram um estudo voltado para as técnicas de reprodução tátil disponíveis atualmente e sua real eficácia para o presente trabalho.

não há duvida de que nossa cultura tecnológica tem ordenado e separado os sentidos de modo mais distinto. A visão e a audição hoje são os sentidos socialmente privilegiados, enquanto os outros três são considerados resquícios sensoriais arcaicos, com uma função meramente privada e geralmente, são reprimidos pelo código cultural. (PALLASMAA, 2011, p.16)

A esfera cultural parece-nos portanto um dos grandes elementos de defasagem em soluções de acessibilidade aos deficientes visuais. Um bom exemplo disso é a forma como as exposições de pinturas e fotografias ainda constituem uma barreira para os cegos ou pessoas de visibilidade reduzida, visto que ambas constituem-se de elementos bi-dimensionais. Uma alternativa para este problema seria a construção de réplicas em relevo das fotografias ou pinturas, priorizando o tato como sentido de melhor interpretação para esta experiência: o tato é o modo sensorial que integra nossa experiência de mundo com nossa individualidade. Até mesmo as percepções visuais se mesclam e interam

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Caderno de Experiências 2 Estudo do estado da arte

partes em que se pretende ter um melhor destaque, gerando assim um relevo mais nítido para a percepção háptica. Estes problemas inviabilizam o supracitado processo para utilização em exposições de artes plásticas ou fotografias, onde geralmente optam os curadores pelo recurso da audiodescrição e do Braille apenas. Uma exceção é a exposição “Sentir Pra Ver”, promovida pela Pinacoteca de São Paulo, onde além dos recursos já citados, conta também com reproduções em relevo e maquetes 3d de 14 pinturas nacionais do final do século 19 e meados do XX. Recurso semelhante também foi produzido por especialistas da Fundação Cittá Italia, onde reproduziram a pintura de Botticelli “O Nascimento de Vênus” em versão tátil. Embora não tenhamos encontrado nas fontes as formas como foram desenvolvidas as reproduções em relevo dos dois casos citados acima, reconhecemos estes modelos como mais eficientes para a percepção háptica do que os métodos tradicionais, e dessa forma propusemos a desenvolver trabalho semelhante com as fotografias da artista Jaquelina Rolim. Para tanto, utilizamos da impressora 3d disponível no laboratório de prototipagem do curso de Design de Produto da UFCA e do software CAD Rhinoceros 3d.

A técnica utilizada como recurso para geração de fotografias táteis utilizada pela profissional Jaquelina Rolim, foi aprendida com o professor do SENAC-SP; João Kulcsar, e consiste em adicionar cola ou colar tiras de papel nas linhas principais da imagem, criando-se assim um relevo que poderá ser sentido pelo tato do deficiente visual. Na exposição “Olhar do Coração” que teve inicio em 2010 no SESC da cidade de Crato, foi utilizado este recurso. Figuras 1 e 2: Exposição Olhar do Coração

3 Desenvolvimento A impressora 3d disponibilizada pelo laboratório de prototipagem da UFCA, é a ZPrinter 150. Trata-se de uma maquina de prototipagem por adição de material, a qual utiliza-se como insumo um compósito em pó que permite a impressão de peças com textura e peso semelhantes ao gesso. A máquina funciona através da injeção de liquido solidificante sobre o pó, que é disposto em camadas de 0.4 mm de espessura vez por vez até formar a peça completa. O tamanho máximo da área de impressão é de 236 x 185 x 127 mm, e ela consegue atingir uma velocidade de impressão vertical de 20mm por hora (http://www.3dsystems.com/). Um software CAM acompanha o pacote, e com ele pode-se importar arquivos 3d de diversas extensões, assim como também fazer algumas edições relacionadas a tamanho, posição ou rotação da peça e simular o tempo estimado da impressão. Para tanto, é necessário ser feito previamente a modelagem 3d do objeto a ser impresso. O software utilizado no nosso caso foi o Rhinoceros.

Fontes: <http://olharesdocariri.blogspot.com.br/2010/06/ exposicao-olhar-do-coracao-de-jaquelina.html> e <http://agoracariri.blogspot.com.br/2012/04/jaqu elina-rolim-uma-visao-alem-dos.html> A exposição contava também com audiodescrição, texto em Braille e algumas fotografias impressas em tinta especial que permitiam uma melhor visualização às pessoas de baixa visão. Infelizmente este último recurso ainda não é acessível na região do Cariri, como afirma a própria Jaquelina, que teve que ir à capital solicitar o serviço. Outros recursos também seguem as mesmas problemáticas de preço, como é o caso das impressoras de gráficos em alto relevo. Outro ponto negativo sobre estas máquinas é com relação às impressões de fotografias ou imagens mais complexas. Em alguns casos faz-se necessário “redesenhar” a imagem em programa vetorial para que se gere um melhor contraste entre as cores e

3.1. Modelagem com o rhinoceros O Rhinoceros®, ou como também é conhecido “Rhino”, é um software CAD para modelagem 3D que utiliza da tecnologia NURBS. Suas ferramentas e recursos permitem a execução de modelagens complexas com formas orgânicas e geométricas em 186


Pesquisa em Foco extrema precisão, o que o torna ideal para diversas industrias, como a de calçados, eletrodomésticos, móveis, automóveis e escritórios de arquitetura (ROSETTI, 2011). Além disso o Rhino conta com u ma série de vantagens sobre outros softwares de modelagem 3d, como bem destaca Rosetti (2011):

processo de modelagem 3d, visto que reduz a quantidade de elementos a serem desenhados, sintetizando assim a imagem para que fique apenas o essencial e descartando a possibilidade da geração de um modelo tátil demasiado profuso em elementos, o que pode dificultar a interpretação pelo tato. Dessa forma, iniciamos a modelagem 3d no Rhinoceros importando para sua área de trabalho a imagem já editada. Depois utilizamos de uma ferramenta de geração de linhas, onde é feito o contorno dos principais elementos da imagem:

a interface do Rhino é simples e intuitiva, o que permite um aprendizado mais rápido. Mesmo tendo a tradicional linha de comando, a maior parte do trabalho é feita por meio do mouse e do teclado. Ele é rápido, confiável, não precisa de hardware especial, podendo ser executado até em notebooks. É altamente configurável. O usuário pode definir perfeitamente suas preferências de uso. O Rhino é um software que pode ser aprendido mesmo por pessoas que nunca utilizaram um computador. (ROSETTI, 2011, p. 25)

Figura 5: Resultado da aplicação da ferramenta Interpolate Points, do Rhinoceros

Dessa forma a utilização desta ferramenta pareceunos ideal para a execução de trabalhos relacionados a geração de fotografias 3d. A imagem a qual foi desenvolvida a modelagem tridimensional do primeiro modelo tátil, foi de escolha da fotógrafa, que alegou ser uma de suas preferidas. Figuras 3 e 4: Fotografia de Jaquelina Rolim utilizada para modelagem 3d e resultado da aplicação do filtro no Photoshop

Fonte: Imagem desenvolvida pelos autores A partir daí uma serie de ferramentas de conversão de linhas em superfícies e sólidos são aplicadas, gerando as imagens em relevo de acordo com nossa interpretação do ambiente tridimensional representado pela fotografia. Para representarmos o mar por exemplo, desenvolvemos uma superfície com formas orgânicas que simulam as ondas e posteriormente inclinamos o grau desta para simular a extensão horizontal do oceano. No pneu que serve de âncora, também tentamos construir uma representação realista, o que se mostrou mais eficiente utilizando-se de uma ferramenta que gera uma superfície através da revolução, ao invés de uma que gera através da extrusão, como havíamos tentado primeiramente:

Fonte: Imagem desenvolvida pelos autores Em primeiro lugar utilizamos o software Photoshop para aplicar um filtro que diminuísse o ruído da fotografia e diminuísse o número de gama de cores. Acreditamos que esta simplificação facilita o 187


Caderno de Experiências Figuras 6 e 7: aplicações de ferramentas diferentes para a representação do pneu da fotografia.

Figura 9: Fotografia de Jaquelina Rolim e resultado final da Modelagem 3d

Fonte: Imagem desenvolvida pelos autores

Fonte: http://www.midiace.com.br/imgsdt/exposicoesLe/ 1/1016797.jpg

Já o barco e o restante dos elementos que compreendem a fotografia foram em sua maioria geradas por ferramentas de extrusão. Eis o resultado final:

3.2. Impressão 3d Ao iniciarmos o processo de impressão 3d na “ZPrinter 150”, é necessário exportar primeiramente o arquivo do Rhinoceros na extensão “ZCORP” para então poder ser importado para o software “ZPrinter”, que acompanha o pacote de instalação desta maquina. Neste programa é possível visualizar uma prévia da impressão, simular o tempo de finalização e fazer ainda algumas edições no modelo, como rotacionar, escalar e trasladar. Optamos por imprimir a primeira modelagem (barco) no tamanho comum de fotografias 10 x 15cm enquanto que no modelo da flor fizemos um pouco maior, nas dimensões 20 x 25cm. Ambas as impressões não passaram de 2 h de execução, porém o tempo de cura recomendado para peças de todos os tamanhos é de mais 2 h. Após o tempo de cura é necessário utilizar do aspirador de pó que integra a máquina, para se retirar todo o pó não solidificado da mesa e posteriormente espanar e soprar a peça final até que se tire todos os excessos. Por fim,é aplicado uma resina sobre a peça a qual trata-se segundo o fabricante de um “adesivo instantâneo de baixa viscosidade a base de cianoacrilato de etil, monocomponente de polimerização espontânea por ação da umidade ambiente”( http://www.3dsystems.com/), que ajuda a solidificar e tornar a peça mais resistente.

Figura 8: Modelagem 3d final da fotografia.

Fonte: Imagem desenvolvida pelos autores Optamos ainda por desenvolver uma segundo modelo tátil, desta vez a partir de uma imagem selecionada por nós, tendo como critério a presença de uma menor quantidade de elementos, o que poderia facilitar o processo de modelagem 3d e a posterior interpretação tátil. Abaixo a imagem selecionada e o resultado da modelagem 3d

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Pesquisa em Foco Figura 10: Resultados da impressões 3d.

Figura 11: O artista Elionardo testando as imagens táteis.

Fonte: Fotografia feita pelos autores Após alguns segundos tateando o objeto, Elionardo afirmou que não conseguiu identificar o conteúdo da imagem tátil. Mesmo após descrevermos a imagem e ajudarmos a indicar os locais onde se encontravam os elementos descritos, ainda demorou um pouco até que interpretasse a fotografia. Muito em parte, como o mesmo afirmou, por não ter em sua memória as formas que compõem um barco. Neste momento Carlos destacou a importância do recurso da audiodescrição como complemento para o relevo tátil, visto que diversos elementos estão sendo apresentados para cegos de nascença pela primeira vez, e não fazem parte ainda de seu repertorio semântico. Outra dificuldade evidenciada por Elionardo durante o processo de tateamento foi com relação à textura áspera do material e falta de texturas diferentes para elementos diferentes, o que formaria um contraste mais fácil de ser interpretado pelo sentido háptico. O mesmo sugeriu por exemplo, a aplicação de um verniz nas áreas que compõem o mar na imagem, o que por sua vez destacaria o elemento do barco através do contraste entre texturas. Já a representação em relevo da imagem da flor foi identificado de imediato pelo artista Elionardo. Além de o mesmo afirmar que já havia visto uma flor quando enxergava e lembrava de suas formas, acreditamos que o tamanho da imagem também foi fator decisivo. além desta constatação, algumas outras conclusões podem ser destacadas frente a

Fonte: Fotografia feita pelos autores 4 Testes, resultados e discussões. No dia 26 de agosto de 2014 realizamos os testes de eficiência das peças impressas no laboratório de prototipagem da UFCA. Para isso contamos com a presença da fotógrafa Jaquelina Caldas Rolim de Oliveira, do deficiente visual, artista plástico e atual presidente do CEC; Elionardo Nascimento, e de Cicero Carlos Oliveira da Silva, membro do CEC. Como a artista já conhecia as fotografias e é capaz de enxergar a curtas distancias, as duas representações táteis foram imediatamente por ela identificadas. Já o artesão Elionardo possui deficiencia visual total e não sabia até o momento o conteúdo das imagens, ao passo que durante sua análise tátil não fornecemos nenhum tipo de informação descritiva. A primeira peça a ser analisada por ele foi a composição do barco.

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Caderno de Experiências eficiência dos modelos táteis maquina de prototipagem rápida.

impressos

em

aos servidores, realizaria um trabalho que traria grande benefício a este grupo de pessoas.

5 Considerações finais

Referências

Algumas observações foram pertinentes para a realização de futuros trabalhos de imagens táteis. Como visto, para a prototipagem rápida é necessário ser feito primeiramente uma modelagem em software 3d, o que demanda um conhecimento básico desta ferramenta por parte do operador, além de sua sensibilidade para alguns aspectos da construção de uma imagem tridimensional coerente com a imagem bidimensional. É importante compreender primeiramente que o resultado da imagem 3d não necessita, e, em muitos casos não deve ser necessariamente igual a imagem 2d, pois como afirma Neves (2011) , uma descrição de auxílio ao deficiente visual requer a seleção adequada dos itens a descrever de forma que facilite sua compreensão. Além disso, no caso abordado foi importante conversarmos com a artista para que nos explicasse quais aspectos deveriam ser melhor destacados tendo em vista sua intenção durante o ato fotográfico. No caso da primeira imagem por exemplo, ela nos informou que o barco preso pelas cordas consistia em uma simbologia ao sentimento de prisão da artista ao mundo. Dessa forma precisávamos destacar os elementos das cordas, correntes e estacas que prendem o barco ao cais, ao passo que alguns outros objetos poderiam ser simplificados ou mesmo descartados. Em se tratando da textura do material, que foi fator preponderante à uma possível má interpretação da imagem em relevo, faz-se interessante a realização de testes com vernizes ou resinas aplicados na peça toda ou em locais específicos e coerentes com uma superfície lisa, como por exemplo na representação do mar na primeira imagem realizada. Existem ainda impressoras 3d que utilizam como insumo polímeros, o que pode resultar numa textura mais agradável ao reconhecimento tátil. Com o presente teste ficou evidente que a máquina de prototipagem rápida constitui uma importante ferramenta de inclusão ao deficiente visual, e que poderia ser melhor aproveitado não apenas na esfera cultural mas também em outras áreas, como por exemplo a educação, pois a máquina de prototipagem rápida possibilita a produção em série e o arquivo 3d utilizado para impressão pode ser compartilhado em sites, bibliotecas e instituições públicas, o que por sua vez daria acesso a um público bem maior. Mesmo ainda constituindo-se de uma tecnologia com um preço pouco acessível ao individuo, é interessante pensar que o mesmo não o é para uma instituição pública, que possuindo este equipamento e realizando treinamento adequado

EXPOSIÇÃO OLHAR DO CORAÇÃO. Disponível em: <http://www.midiace.com.br/imgsdt/exposicoe sLe/1/1016797> Acesso em: 13/05/2014. EXPOSIÇÃO OLHAR DO CORAÇÃO. Disponível em: <http://olharesdocariri.blogspot.com.br/2010/ 06/exposicao-olhar-do-coracao-dejaquelina.html> Acesso em: 13/05/2014. EXPOSIÇÃO SENTIR PRA VER. Disponível em: <http://artedainclusao.blogspot.com.br/2014/0 1/exposicao-sentir-pra-ver.html>. Acesso em: 13/05/2014. GRIJP, Ana Carolina; LIMA, Francisco José de; GUEDES, Lívia Couto; OLIVEIRA, Leny Ferreira de. A Produção de Desenho em Relevo: Da Imagem Visual para a Representação Tátil. Disponível em: <http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br /index.php/principal/article/viewArticle/60>. Acesso em: 13/05/2014. JAQUELINA ROLIMA: UMA VISÃO ALÉM DOS OLHOS. Disponível em: <http://agoracariri.blogspot.com.br/2012/04/ja quelina-rolim-uma-visao-alem-dos.html> Acesso em: 13/05/2014 NEVES, Josélia. Imagens que se ouvem: Guia de Audiodescrição, 2011. INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA& INSTITUTO DO CINEMA E AUDIOVISUAIS, Leiria. PALLASMAA, Juhani. Os Olhos Da Pele: A arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011. ROSETTI, Eliânia. Desenhando Jóias com Rhinoceros. 2.e.d. São Paulo: Editora Leon, 2011. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. 2ª ed., Rio de Janeiro : WVA, 1997. VENUS DE BOTTICELLI GANHA REPRODUÇÕES TÁTEIS E EM 3D NA GALERIA DE UFFIZI EM FLORENÇA. Disponível em: <http://turismoadaptado.wordpress.com/2011/ 190


Pesquisa em Foco 12/05/venus-de-botticelli-ganha-reproducoestateis-e-em-3d-na-galeria-uffizi-em-florenca/>. Acesso em: 13/05/2014

ZPRINTER 150. DisponĂ­vel <http://www.3dsystems.com/> Acesso 13/05/2014

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em: em:


Caderno de Experiências

ARTE E MODA: POSSÍVEIS

Júlia Alexandra Ramos Silva Design de Produto/UFCA julia-alexandra@bol.com.br

CONEXÕES

Cristina Rejane Feitosa Silva Professor /UFCA cristinasilva@ufca.edu.br

apenas produzir beleza, proporcionar prazer, diversão ou entretenimento, mas é sim um veículo de expressão e é também um importante meio de comunicação de qualquer experiência, ou de qualquer aspecto da condição humana. (BANACH, 2011 apud REFOSCO et. al, 2011, p. 57)

1 Introdução Este artigo procura investigar as possíveis relações entre arte e moda. A arte existe na moda? A moda existe na arte? São indagações que vem sendo discutidas por artistas, estilistas, designers e pesquisadores contemporâneos. Este texto procura tratar das conexões que existem entre essas duas formas de expressões, como uma pode se aproximar da outra e assim conseguir transmitir a ideia e o sentimento de seu “criador”. Apesar da moda e da arte serem dois campos com linguagens próprias, percebemos que em diversos momentos aproximam-se e estabelecem diálogos. Podemos encontrar em muitos trabalhos artísticos traços e referências da moda, assim como na moda podem ser encontradas referências artísticas. A esse respeito, pode ser citada como exemplo na década de vinte a parceria entre Elsa Schiaparelli e o artista plástico surrealista Salvador Dalí, colaboraram para estreitar os laços entre a moda e a arte quando, Dalí junto com o artista Jean Cocteau desenvolveram tecidos com novos materiais – rayons e o celofane, que pareciam vidro, para que Schiaparelli pudesse criar peças de vestuário (LAURENT, 2008, apud REFOSCO et.al, 2011). Sendo assim, este artigo propõe conceituar arte e moda e como essas duas linguagens interagem com o seu público e se apresentam em nosso meio, para a partir de então falar sobre a relação entre as duas. Mostrando que uma pode contribuir positivamente para a outra, se fazendo presentes nas relações humanas, sociais, políticas e econômicas.

Em nosso mundo contemporâneo a arte pode se apresentar em diversas linguagens, como performance, instalação, música, dança, teatro, entre outras. Porém, vamos nos deter no campo imagético. Para compor uma imagem a arte utiliza os elementos visuais que são: ponto, linha, texturas, formas e cores. Ela se vale destes elementos para proporcionar ao público sensações e emoções, quer sejam elas agradáveis ou não. Qualquer imagem representada, seja ela uma pintura, fotografia ou escultura precisa ter esses elementos básicos. Afinal, o mundo e tudo que vemos e sentimos são formados por pontos, linhas, cores e texturas. A arte tem se aproximado cada vez mais do seu público, hoje ela utiliza diversos meios. Deixa de ser apenas um objeto de apreciação, conforme fala Borges (2010, p. 110), “a arte hoje busca a interação com o público, as pessoas são convidadas a tocar, a sentir, a fazer parte da obra”. Essa transformação que a arte vem sofrendo no decorrer dos séculos, deixando a concepção de que era apoiada no belo e nas formas, e só quem poderia ter e apreciá-la eram aqueles pessoas que estavam no poder, está sendo deixada para trás. Hoje é mais democrática, colocando diante do ser humano a oportunidade e a visão de que todos possam ser artistas e apreciadores. Borges lembra que:

2 Fundamentação teórica

o século passado presenciou uma transformação na concepção da arte tão radical quanto a que ocorreu no Renascimento. Hoje, o marco teórico desloca- se das antigas teorias estéticas apoiadas na forma e no Belo para as que se apoiam nas ciências sociais. A arte passa a ser compreendida como produto das condições materiais e culturais de cada sociedade. Esta nova visão abre caminho para a possibilidade de uma arte mais democrática, da qual todos podem ser artistas e apreciadores. (BORGES 2010, p.113)

2.1 A arte Existem diversas definições para arte, por não ser um campo delimitado, ela compreende vários pensamentos e ideias que foram concebidas ao longo do tempo e que vem sendo desenvolvidas ainda hoje. Mas o que é a arte? O que ela propõe? A arte é um meio de expressão. Através dela artistas expressam suas ideias, seus sentimentos, emoções e pensamentos. E todas essas manifestações quando apresentadas ao publico, fazem com que sintam também sentimentos, emoções e sensações. O objetivo da arte não é, por tanto, 192


Pesquisa em Foco resultar em produtos tangíveis e acessíveis; e, é um sistema de comunicação que visa a emissão de determinados valores e informações aos consumidores. (REFOSCO et al. 2011, p. 59)

A arte não se encontra somente nos museus e galerias, mas ela pode está em outros ambientes incomuns como em desfiles dialogando com a moda, nas ruas através de grafites, ou outras intervenções, onde muitas delas têm objetivo de conversar com a sociedade. Ela também não precisa ser resultado de um produto finalizado, mas pode ser apresentada como uma ideia e conceito. Essa nova forma de expressão artística é definida como arte conceitual. De acordo com Janson (2001, apud RUIZ, 2007, p. 125), “a arte conceitual surgiu na década de 60 do século XX, influenciada pelo Dadaismo e pela Pop Art, tendo como um dos mestres Marcel Dumchap”. Nela, valoriza-se mais a ideia do que o produto, quebrando com paradigmas.

Desse modo, a moda não está estritamente ligada a um sistema, mas a vários, desde o sistema de criação, gestão até o de comunicação com o objetivo de transmitir valores e informações ao seu publico consumidor. É carregada de valores simbólicos, de coletividade, pertencimento e identitários. A vestimenta tem um sentindo para quem a usa, ela não é tida apenas como algo funcional, mas corresponde a uma serie de questões que diz respeito a cada pessoa, tribo e cultura. Borges (2010, p.113) ressalta que uma roupa tem uma função pratica que é cobrir o corpo. Vestimo-nos, mas não de qualquer forma. A vestimenta contem valores simbólicos que estão no seio das sociedades. A moda pode ser apresentada para comunicar um conceito, a expressão total da ideia do estilista. A moda não comercial é exposta em museus, salas de exposição e galerias de arte. Mas, o seu locus primeiro é a passarela, apresentada através de desfiles, onde

2.2 A moda Assim como a arte, a moda também é um meio de expressão. Expressão de valores culturais, sociais, políticos e econômicos e, também expressão de sentimentos, ideias e emoções. Souza acrescenta ainda que: a moda serve à estrutura social e acentua as diferenças de classes, produz afirmação e individualidade, exprime ideias e sentimentos por tratar-se de uma linguagem que comunica e traduz expressão artística através dos elementos subjetivos intrínsecos na representação da indumentária. (SOUZA, 1987 apud MEDEIROS, 2008. p. 4)

a discussão não é o conforto, a utilização ou não das peças daquela forma ou ocasião de uso; a mensagem não é passada pela funcionalidade, pois o impacto emocional é provocado a partir da expressividade. (RUIZ, 2007. p.128)

Assim, o objetivo da moda conceitual é provocar impacto emocional em seus espectadores, os sentimentos mais diversos possíveis, tais como repulsa, indignação, deslumbramento e outros (RUIZ, 2007. p.128 e 129).

Assim, a moda se comunica através da indumentária, exprime aquilo que o seu criador quer transmitir. A indumentária carrega em si o sentimento e ideia do estilista. Moura (2008, p. 37) ressalta a moda como importante área de produção e expressão da cultura contemporânea, pois apresenta reflexos e referências da sociedade quanto dos usos e costumes do cotidiano. De acordo com Refosco et al (2011), a moda tornase mais rebuscada no século XIX, a partir do momento em que passa a possuir dois sistemas de moda e a diferenciar-se. Esses sistemas são a Alta Costura, que se apresentava como criações de artigos de luxo para alta burguesia e o prêt–àporter, que surgiu com a produção massificada, em série, mais acessível e era baseada na Alta Costura. A moda pode ser entendida de diversas formas,

3 Metodologia Esse trabalho configurasse como uma pesquisa exploratória, bibliográfica de natureza qualitativa. Exploratória, por que tem como finalidade proporcionar maiores informações sobre determinado assunto; facilitar a delimitação de um tema de trabalho; definir os objetivos ou formular hipóteses de uma pesquisa (ANDRADE, 2010, p.112), Bibliográfica, visto que, permiti ao pesquisador obter conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras, internet, videotecas etc. (BARROS, 1990 p. 34). E nesse sentindo, este artigo apresenta textos de autores e pesquisadores que teorizaram sobre o tema tratado. Pesquisa qualitativa, por que não se baseia em números, verifica a relação da realidade com o

como uma indústria cultural no que tange a produção e comercialização de diversos produtos que permeiam diversas culturas; é um sistema criativo representado por criadores, estilistas e designers para a emissão de valores simbólicos aos produtos; é um sistema de gestão que gere todo o processo para

193


Caderno de Experiências objeto de estudo, obtendo dessa forma varias interpretações de uma analise indutiva por parte do pesquisador. (DALFOVO ,et. al, 2008). A partir do acesso a consulta de referências pertinentes ao tema abordado foi possível à apreensão da realidade dos referidos assuntos percebendo conjunturas históricas envolvidas bem como suas diversificadas relações.

e padronagens de tecidos, que de acordo com Moura (2008), podem ser uma das formas em que a arte pode está presente na moda no desenvolvimento de peças, vestuários. Moura (2008, p.49) ainda coloca que: esses objetos de moda tanto podem reproduzir detalhes parciais das obras de arte como podem se desenvolver a partir das referências de um período, estilo ou movimento de arte, ou ainda, de um determinado artista.

4 Resultados e discussão Percebemos que existe uma conexão muito forte entre arte e moda. Direta ou indiretamente elas conversam entre si e se apropriam uma da outra como uma forma de expressão e de comunicação. Segundo Refosco et al.(2011, p 63), a ligação entre estas duas vertentes cresce no século XX, com os designers a usarem o vestuário como veículo para expressar seus pensamentos sobre o mundo, a humanidade e a alma. A moda passa a utilizar a arte como uma forma de inspiração e também passa a fazer releituras de elementos artísticos, os mais diversos. Medeiros (2006, p. 5) trata a arte como:

A artista Sonia Delaunay (1885-1979) produziu entre os anos 1920 e 1930 alguns dos mais originais padrões têxteis dos tempos contemporâneos. Ela foi a inventora de padrões abstratos em tecidos. No seu trabalho podemos ver a harmonia entre cores fortes e formas geométricas que ora se transformava em vestido ora em quadros e objetos utilitários mostrando uma clara sinergia entre moda e arte. Outro aspecto que podemos analisar é a efemeridade da moda. No desfile Costura do Invisível do estilista Jum Nakao as modelos no final do desfile rasgaram suas roupas que eram feitas de papel vegetal.

fonte de inspiração para desenvolver a criação na moda. A releitura de elementos artísticos clássicos, modernos, pósmodernos são transferidos para referendar o processo na criação de motivos têxteis ou expressar a silhueta de um determinado período. – renascentista, barroco, rococó, elisabetano, vitoriano, eduardiano, (...). Essas releituras rementem ao estilo retrô, motivando a dinâmica na moda.

Figura. 1 – Costurando o Invisível – JumNakao.

A moda nesse caso se apropria desses elementos da arte e de muitos outros que a arte dispõe, como meio de mostrar estilos, trazer de volta novas formas, silhuetas e assim fazer com que a moda se torne mais dinâmica. Outra questão relevante, é que a arte e a moda utilizam em seus objetos e indumentárias os elementos visuais: ponto, linhas, formas, texturas e cores. Tanto na arte quanto na moda há a presença desses elementos e sem eles não existiriam nem uma e nem outra, de acordo com Medeiros (2006, p. 4):

Fonte: http://modaartenavida.blogspot.com.br/2010/11/costur a-do-invisivel-jum-nakao.html

Esse desfile gerou muita polêmica, Glória Kalil em reportagem para a revista Cult de 2004, apontou que não se tratava de um desfile de moda, e sim sobre a moda, pois utilizava todos os códigos conhecidos de um lançamento de uma coleção. O desfile questionava o sistema de moda e a efemeridade da roupa que são descartadas com rapidez a cada troca de estação. A efemeridade do objeto da moda é bastante utilizada como ponto de separação entre arte e moda, como exemplifica Cidreira (2005, p. 6), citando a estilista Coco Chanel que não considerava moda uma forma de arte. Para Chanel um vestido não é nem uma tragédia, nem um quadro; é uma charmosa e efêmera criação, não uma obra de arte

compreende o reflexo do seu tempo e de sua sociedade, por apresentarem os mesmos elementos de composição visual “formas, linhas, cores, volumes e texturas”, portanto ambos são objetos abertos e sujeitos à recriação, releitura e interpretação.

Outro ponto entre arte e moda a ser mencionado e que vemos de maneira bem direta são as estampas 194


Pesquisa em Foco eterna, pois a moda deve morrer e morrer rápido, para que o comércio possa viver. Nessa ideia de Chanel vemos o conceito de arte como eterna. E o que dizer da arte efêmera que tem como característica o efêmero e o provisório. É uma arte feita para acabar como as peças de teatro que só duram um momento. Da mesma forma a moda é apenas um registro de um momento. Outro aspecto comum entre moda e a arte é a linguagem conceitual, ambas trazem a proposta central do seu criador, um conceito que através de roupas ou quadros levam seu público a questionar, a admirar ou até mesmo a se incomodar com algo seja ele social, político ou econômico.

propostas metodologicas. Petrópolis: Vozes, 1990. BORGES, Virgínia Todeschini. O corpo e a roupa nas interseções entre moda e arte. Travessias. v.4, n°. 1, p, 109- 120, março/abril, 2010. CIDREIRA, Renata Pitombo. Moda e artisticidade: Introdução a uma estética da moda .In: IV ENECULT – ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA, 4, 2008. Salvador, p. 1 – 13. JANSON, H. W. História geral da arte. O mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

5 Considerações finais MOURA, Mônica. A moda entre a arte e o design. In: PIRES, Dorotéia Baduy (org.). Design de moda e olhares diversos. Barueri , SP: Estações das Letras e Cores , 2008, p. 37 – 73.

Percebemos que arte e moda possuem suas peculiaridades, mas ao mesmo tempo interagem entre si, se apropriando uma das manifestações e formas da outra. E essa colaboração entre as áreas permite a expansão de seus horizontes e conceitos. Já que ambas são formas importantes para gerar novas formas de percepção e relação com o mundo. Este trabalho objetivou sinalizar ainda que existe um diálogo muito próximo entre moda e arte e que as duas compartilham, por exemplo, da estética, da novidade, muitas vezes do diferente e daquilo que está acontecendo na sociedade e no mundo e procurando trazer tudo isso para os seus respectivos espaços e trabalhos como forma de reflexão e expressão. E por fim, compreendemos que este diálogo arte e moda está também nas relações humanas, sejam estas relações sociais, culturais ou políticas.

MEDEIROS, Maria de Jesus Faria. Moda e Arte: Releitura dos aspectos artísticos, bi e tridimensionais na criação do design de moda. In: ENCUENTRO LATINOAMERICANO DE DISEÑO “DISEÑO EM PALERMO” COMUNICADORES ACADÊMICOS,2, 2ª ed. Buenos Aires, Argentina, 2008. Disponível em: http://fido.palermo.edu/servicios_dyc/publicac ionesdc/vista/detalle_articulo.php?id_libro=12 &id_articulo=5600. Acesso em: 08/11/2014.

Referências

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ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico. São Paulo: Atlas, 2010. BARROS, Aidil de Jesus Paes de; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Projeto de pesquisas:

RUIZ, José Mário Martinez. Arte e moda conceitual: Uma reflexão epistemológica. Revista Cesumar – Ciencias Humanas e Sociais Aplicadas. v. 12, n°.1, p.123- 124, jan/jun, 2007.

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Caderno de Experiências

DANDISMO, DEDICAÇÃO DIREITO DE SE VESTIR

Alan Araújo Lima Design de Produto /UFCA alan.aal28@gmail.com

AO

1 Introdução

Aglaíze da Silva Damasceno Levy Professor /UFCA aglaize72@gmail.com

mais discretos. Cores brilhantes, emblemas decorativos e salto alto para homens logo saíram de moda”. Na moda feminina os trajes franceses ganhavam destaque e influenciavam a moda, no masculino era a Inglaterra quem ditava moda. Segundo Laver (1989, p. 158): “isso se deveu em grande parte à habilidade superior dos alfaiates de Londres, treinados a trabalhar com casimira [...] pode ser esticado e bem moldado. [...] Essa roupa ajustada era a essência do dandismo”. Segundo Hopkins (2013, p. 63), os dândis mais significantes foram George “Beau” Brummell, Oscar Wilde e Robert de Montesquiou. Ganhando destaque Brummell, “conhecido por sua elegância e preferência por roupas sem excessos ornamentais” (SABINO, 2011), o grande precursor deste movimento, segundo Mackenzie (2010, p. 34), ele “rejeitava os modismos aristocráticos como pós, perucas, saltos altos, sedas, veludos e joias”, e Hopkins, (2013 p 64) diz que: “seu maior talento estava em retrabalhar estilos e combinações existentes, em vez de introduzir modelos completamente novos”. Brummell não pertencia à classe alta, entrou no circulo aristocrático à custa da própria capacidade (MACKENZIE, 2010). Segundo Sabino, (2011, p. 119):

Este projeto tem como objetivo entender o que foi o dandismo, um estilo que segundo Silva (2009, p. 59) “foi mais do que uma moda, avançando para um modo de ser, um estilo de vida”. Entender como era sua indumentária, o que defendiam e quais suas influências na história da moda. Realizando assim, uma pesquisa de cunho qualitativo, através da revisão de literatura de autores como Hopkins, Laver, Mackenzie, Monneyron, Sabino e Silva, que citam esta época da história da moda masculina ocorrida no século XVIII. O dandismo surgiu em um momento onde ocorreram diversas mudanças tanto na indumentária como no modo de agir do homem no início do século XVIII, onde esses demonstravam grande preocupação com sua imagem, característica normalmente atribuída ao sexo feminino. O tema desperta interesse no pesquisador por ser um movimento de grande impacto no vestuário masculino, que na atualidade ganha cada vez mais espaço, liberdade e opções novas no mundo da moda, em especial no seguimento da alfaiataria, que segundo Sabino (2007) é uma das atividades de maior prestígio no universo da moda. Segmento que teve destaque e desenvolvimento maior contemporâneo aos dândis.

era amigo íntimo do príncipe regente, depois rei, George IV, e influenciou os homens de usa época a usarem roupas de corte mais simples, incrementadas com golas, laços de gravata elaborados e botas de montaria. Lançou também a moda das calças compridas, substituindo os culotes (breeches em inglês), que eram as calças mais curtas, fechadas na altura dos joelhos ou um pouco abaixo deles.

2 Fundamentação teórica Monneyron (2010) diz que o dandismo antes de tudo era uma forma de contestação do sistema indumentário presente naquele tempo, iam contra o traje masculino que a burguesia havia imposto a sociedade. O dândi condenava os excessos presentes na moda, adotavam um estilo mais discreto como diz Hopkins (2013, p. 64). Podendo assim ser caracterizado como um movimento de contracultura, pois "reage contra a cultura dominante da época, provocando mudanças sociais [...] é diferente em sua política, normas, convicções sociais, estruturas sociais e, mais importante neste contexto, no modo de vestir." (HOPKINS, 2013). Surgiram em meados do século XVII durante o período de restauração da Inglaterra, sendo que o termo dândi só se firmou durante o século XVIII. Influenciando drasticamente a moda masculina da época, como Hopkins (2013, p. 64) aborda que: “em pouco tempo a aristocracia inglesa adotou estilos

Laver retrata a vestimenta do dândi partindo da maneira de se vestir de Beau Brummell (1989, p. 160): era, invariavelmente, azul-escuro, mas era comum usar-se colete e calções de cores diferentes: por exemplo, um colete vermelho e calções amarelos podiam ser usados com um casaco azul, ou um colete branco e calções verde-musgo com um casaco preto. A gola, bem alta na nuca, costumava ser de veludo. Os coletes eram em geral curtos e de corte quadrado, com aproximadamente cinco

196


Pesquisa em Foco centímetros aparecendo por baixo da parte da frente do casaco. Os botões superiores ficavam abertos para mostrar o babado da camisa. Na corte o colete era de cetim branco bordado em fio de ouro.

Figura 2: Dândis.

Figura 1: George Beau Brummell.

Fonte: Google imagens

É importante ressaltar as mudanças ocorridas nas vestimentas dos dândis após a influência de Brummell, que “com grandes dívidas contraídas no jogo [...] mudou-se para a França, onde viveu 14 anos na pobreza, morrendo com problemas mentais num hospital na cidade de Caen” (SABINO 2011, p. 119). Laver relata que após sua partida, os que diziam dândis começaram a ir contra a sobriedade de Brummell(1989, p.161), trazendo todo tipo de extravagância em suas roupas, como:

Fonte: Google imagens

Silva (2009, p. 59) ressalta que “os homens ainda contavam com um acessório que ficou marcado como ícone de elegância, status e poder social, a cartola, que foi usada durante todo o século XIX”. Laver (1989, p. 160) complementa que podemos perceber que os dândis costumavam usar os cabelos um pouco curtos e levemente despenteados. Os civis sem barba, enquanto os militares com costeletas e eventualmente com bigodes. Calças justas, mas sem mostrar o contorno das pernas, além de dar destaque às bengalas, indispensáveis a um homem bem vestido e aos plastons ou stock, que eram lenços de gaze, musselina ou seda em forma de quadrado que eram dobrados e enrolados com todo esmero em volta do pescoço e amarrados com um laço ou nó na frente.

a cartola inchou até a copa ficar mais larga do que a aba, as extremidades visíveis do colarinho da camisa quase chegavam até os olhos, o stock ou o plastrom ficaram mais apertados e mais altos, os casacos possuíam ompreiras e a cintura era afinada com o auxílio de um espartilho.

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Caderno de Experiências Figura 3: Exageros.

complementa abordando que a mesma utiliza-se de fichamentos de referências a fim de revisar a literatura e não redundar o tema de estudo. A pesquisa também é de abordagem qualitativa, Flick, (2009, p. 8), mostra que a pesquisa qualitativa visa “abordar o mundo ‘lá fora’, perceber, delinear e as vezes explanar os fenômenos sociais ‘de dentro’ de várias maneiras”, ainda, na visão de Rodrigues, (2006, p. 90), nesse tipo de trabalho podemos destacar vários aspectos, dentre eles comportamentos e atitudes de indivíduos ou grupos. O pesquisador revisou autores diferentes sobre o tema proposto, a fim de identificar a importância do movimento dândi que teve inicio no século XVIII e suas influências na moda masculina desde então até a contemporaneidade. 4 Resultados e discussão

Fonte: Google imagens

Como relata Mackenzie (2010, p. 35): “como filosofia, o dandismo persistiu no tempo. Cada período e local assistiu à ascensão de seu próprio grupo de dândis.” Ao longo dos anos os dândis acabaram influenciando diversos grupos, não apenas na indumentária, como também no modo de agir. Hopkins (2013) no livro “Moda e Masculina” em algumas passagens relata a influência dos dândis em alguns momentos da história:

Atualmente os indivíduos continuam a buscar na moda, uma forma de distinção, querendo destacarse no meio em que vivem, transparecendo na forma como se vestem a sua personalidade ou a que grupo pertence. Procura equiparada a dos dândis, que como defende Monneyron (2007) como burgueses que eram, buscavam a “distinção”, mas que ao mesmo tempo acabaram formando o que ele chama de “uniforme de elegância”. No decorrer da história, a moda continua realizando o mesmo papel, ditando um padrão a ser seguido, mas mesmo assim servindo como uma maneira de diferenciação de grupos e indivíduos. Monneyron (2007) defende que os dândis reivindicavam o direito de “rivalizar em fausto e em elegância” assim como as mulheres. Negavam uma indumentária masculina que não os permitisse exercer sua vaidade. Mackenzie (2007) diz que o dandismo era e continua sendo distinguido pela sua excelência a indumentária. Ocasionado por essa característica sempre ligada ao sexo feminino, Monneyron (2007) ainda defende que o dândi se identifica com a mulher não por sua roupa, mas sim, na relação com a própria roupa. Por isso “mais do que contra o igualitarismo é contra o dimorfismo sexual que eles protestam [...] simplesmente por uma equiparação com as maneiras femininas no que concerne ao cuidado com o adorno ”(MONNEYRON 2007, p. 30).

final da década de 1950 e início da década de1960, o Teddy boy britânico [...] inspirada no estilo da alfaiataria dos dândis eduardinos [...] usavam casacos drapeados mais longos com punhos, colete e calças muito justas.” (p. 42). “Na década de 1960 [...] os mods [...] favoreciam os ternos italianos de bom caimento e projetavam um estilo dândi discreto e elegante.” (p. 43) “Os sapeus são um fenômeno contemporâneo na melhor tradição dândi [...] originários da República do Congo [...] surgiram nas décadas de 1920 e 1930 [...] favorecendo as cores marcantes e os recortes arrojados.” (p. 63).

Prates (2010, p 9) cita que: “Pierre Cardin propôs um novo dandismo, rejeitando a rigidez do vestuário do establishment em favor de conforto combinado com elegância.” “De tempos em tempos, também é possível notar em editoriais, desfiles e até mesmo no streetstyle a inspiração nos dândis” (GABAI, 2013). Segundo o site The Chic Buzz (2012) também encontramos influências diretas dessa indumentária servindo como inspiração em roupas femininas. Gabai (2013) também cita personalidades como David Bowie por seus cuidadosos figurinos sedutores e andróginos, Karl Lagerfeld por seus cabelos sempre penteados,

3 Procedimentos metodológicos Para realização desse projeto foi realizada uma pesquisa bibliográfica, para Rodrigues, (2006, p. 89), esse tipo de pesquisa realiza-se partindo de fontes secundárias, que são materiais já publicados sobre o assunto, Macedo, (1996, p. 13) 198


Pesquisa em Foco vestindo preto, óculos escuros e luvas, Chuck Bass, personagem da série Gossip Girl, por seu estilo de vida, metrosexualidade, com visual sempre impecável, como referências do dandismo na atualidade.

LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. capítulo final [por] Christina Probert; tradução Glória Maria de Mello Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. MACEDO, Neusa Dias de. Iniciação à pesquisa bibliográfica: guia do estudantepara fundamentação do trabalho de pesquisa. 2 ed. São Paulo; Edição Loyola, 1996.

Figura 4: David Bowie, Chuck Bass, Karl Lagerfeld.

MACKENZIE, Mairi. Ismos: para entender a moda. Tradução: Christiano Sensi. São Paulo; Editora Globo, 2010. MONNEYRON, Fréderic. A moda e seus desafios: 50 questões fundamentais. Tradução: Constância Morel. São Paulo; Editora Senac São Paulo, 2007. O NASCIMENTO DA MULHER DÂNDI. The Chic Buzz, 2012. Disponível em: <http://www.thechicbuzzblog.com.br/tag/dandi smo/> Acesso em 7 de maio de 2014 Fonte: http://costanzawho.com.br/2013/09/03/dandismopassado-e-presente/

PRATES, Carlos Eduardo. Moda Masculina nas páginas da revista Quatro Rodas: em Moda, Cultura e Arte – Centro Universitário Senac/SP, 2010. Disponível em: http://www.coloquiomoda.com.br/anais/anais/ 6-Coloquio-deModa_2010/72117_Moda_Masculina_nas_pagi nas_da_revista_Quatro_Rodas.pdf

5 Considerações finais Esta pesquisa inicia-se com o objetivo de entender o que foi o dandismo, e sua relevância na historia da moda masculina, assim como as influências ainda presentes na atualidade. Podendo servir como referência de estudos para outros trabalhos com o mesmo tema e sobre moda masculina, assim como para um melhor entendimento das diversas contribuições que o estilo dândi deixou ao longo do tempo, e suas características ainda presentes em alguns grupos encontrados na atualidade.

RODRIGUES, Auro de Jesus. Metodologia científica. São Paulo; Editora Avercamp, 2006. SABINO, Marco. Dicionário da Moda. Rio de Janeiro; Editora Elsiver, 2007 . SABINO, Marco. História da moda. Rio de Janeiro; Editora Havana, 2011. SILVA, Ursula de Carvalho. História da Indumentária. Ministério da Educação Secretaria de Educação Média e Tecnologia Instituto Federal de Educação, Ciência de Santa Catarina Campus Aranguá; Apostila de Projeto de Coleção. 2ª Edição, 2009. Disponível em: < http://pt.slideshare.net/RaquelDeLuca/historia -da-indumentaria> Acesso em 12 de maio de 2014.

Referências FLICK, U. Qualidade na pesquisa qualitativa. 1 ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. GABAI, Marina. Dandismo: passado e presente. 2013. Disponível em: <http://costanzawho.com.br/2013/09/03/dand ismo-passado-e-presente/ > Acesso em 10 de maio de 2014 HOPIKNS, John. Fundamentos de design de moda: Moda Masculina. Tradução: Equipe Scientific Linguagem ; revisão técnica: Camila Bisol Brum Scherer. Porto Alegre; Editora Bookman, 2013.

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Caderno de Experiências

DESIGN GRÁFICO RETRO: A NOVA ARTE NOVA.

Lucélia Barbosa Cajazeiras Design de Produtos/UFCA luceliabc1@gmail.com

Daniele Carreiro Alves Design de Produtos/UFCA danielec_alves@hotmail.com

Manoel Deisson Xenofonte Araujo Design de Produtos/UFCA deisson2@hotmail.com

Isaac Brito Roque Professor /UFCA isaacbritoroque@gmail.com

Deborah Macêdo dos Santos Professor /UFCA deborah.macedo@gmail.com

1 Introdução A impressão gráfica quebrou paradigmas no ramo da arte que deixou de ser patrocinada pelas igrejas e passou a ser comercializada por meio de cartazes pelo comércio, possibilitando a criação de imagens impressas de boa qualidade em larga escala, surgido assim uma sucessão de movimentos artísticos relacionados a esse novo método de ilustrar. Neste sentido, Bhaskaran (2007) ressalta que “as revistas em geral ganharam maior popularidade, dirigidas a uma nova sociedade de consumo consciente e abastada interessada em moda e viagens.” (RIMES; BHASKARAN, 2007, p.14). Alguns movimentos se destacaram nesse período, entre eles o ‘art and crafts’ (arte e oficio). Considerado por alguns autores como o marco inicial do design, este grupo pretendia unir as funções de artesão e artista, o que impulsionou algumas tecnologias de impressão.

Com a era da tecnologia em alta, nos apegamos cada vez mais aos novos métodos de ilustrações gráficas que surgem a cada dia. Estamos constantemente nos adaptando aos aparelhos que nos conectam com a era digital, os papéis que serviram de suporte para os traços de um cartaz deram lugares a imensos monitores com imagens de alta definição. O presente trabalho mescla técnicas digitais e retros de design gráfico, a fim de unir essas áreas estimulando a criação de novas artes gráficas baseados em fatos históricos significativos no surgimento do mesmo. Deste modo salientamos a importância do conhecimento não apenas da técnica dos programas de edição, mas também da estratégia do design, e não podemos nos esquecer da influência dos percursores do design e da sua importância para o desenvolvimento das técnicas de trabalho utilizadas atualmente.

2.1 Art nouveau Inspirado no ‘arts and crafts’ o art nouveau leva ao mundo um movimento totalmente voltado para o design, pois a arte deixa de servir aos nobres e passa a ser funcional em forma de rótulos, cartazes e outros meios no comércio. O surgimento a litografia colorida impulsiona o design gráfico da época. Assim, Cardoso (2005) considera que:

2 Fundamentação teórica A priori, devemos nos lembrar dos precursores do design gráfico, os artistas e ilustradores que exerciam a função do que categorizamos hoje de designer gráfico, muitos não reconhecidos como tal por não haver um termo específico para esse profissional no início do século XX. O surgimento do design gráfico está atrelado as inovações trazidas pela revolução industrial, pois a partir daí iniciou-se um processo de experimentações para o desenvolvimento de novos tipos de arte. Pois, de acordo com Bhaskaran (2007):

a grande vantagem da litografia em relação às técnicas de reprodução de texto e de imagem anteriores está na possibilidade de criação do desenhoincluindo ai o desenho a letra e textos imediatamente sobre a matriz a ser impressa, praticamente como se fosse sobre o papel. (CARDOSO, 2005,p.32).

O artista comercial precursor do design gráfico, nasceu dessa fusão entre arte e oficio, criando uma nova linguagem visual necessária para se comunicar com o novo público alvo. A publicidade, em seu sentido moderno, tornou-se uma profissão em si. (RIMES; BHASKARAN, 2007, p.14).

Esse foi um marco fundamental na história do design, pois possibilitou uma liberdade de formas, cores e principalmente nos materiais utilizados na criação de novos produtos. No design gráfico os ilustradores utilizavam de novos traços e cores, agora, o artista passa a dominar também as 200


Pesquisa em Foco Figura 01 – A arte: Dança. (1898) - Alphonse Mucha.

diversas técnicas de impressão. Sembach (2010) retrata isso no trecho abaixo: a ambivalência da arte nova, a multiplicidade das suas faces e a sua aparência versátil não resultaram de um capricho, mas da situação que a produziu. Dito de maneira simplificada, era uma consequência da dissonância entre arte e técnica que se confirmara cada vez mais claramente no século XIX, necessitando urgentemente de ser resolvida (SEMBACH, 2010, p.13).

A arte nouveau tem traços únicos que são caracterizados por formas curvilíneas, de influências florais, uma paleta de cores sempre em tons claros, a evidência da figura feminina (sempre valorizando as curvas de tecidos e cabelos belíssimos) e elementos que rementem a natureza foram inspirações para as curiosas fontes e ilustrações surgidas na época. Entretanto Sembach (2010) contradiz essa ideia:

Fonte: http://www.abcgallery.com/M/mucha/mucha4.html

mas não é a maneira de se desenhar uma linha que é determinante para a classificação do seu estilo, mas sim, a motivação que a determina devendo ser automaticamente diferente num ornamento ou numa casa, ou ainda quando a encontramos no seio de um quadro (SEMBACH, 2010, p.12).

Figura 02 - Rêverie (1897) Alphonse Mucha.

3 Procedimentos metodológicos Depois de uma longa pesquisa de autores, layouts e referências da época, escolhemos as obras de Alphonse Maria Mucha referência visual do movimento. Ele se destacou pelas suas representações da figura feminina. Vestimentas folgadas, cabelos soltos, utilização de elementos da natureza (flores e ramagens) e cores claras são características marcantes das suas obras. Executados através da litografia, técnica muito usada pra impressão de cartazes no século XIX que consistia no acúmulo de gordura em uma matriz. Foram escolhidas quatro obras como referências visuais para o desenvolvimento do nosso pôster.

Fonte: http://www.abcgallery.com/M/mucha/mucha28.html

201


Caderno de Experiências Figura 03 - Cartaz para "Moët & Chandon: Dry Imperial (1899).

curvilíneas que remetem a natureza, foram desenvolvidas e em seguida digitalizadas. Depois de digitalizados e vetorizados, foi possível trabalhar suas formas aliadas a Gestalt, com agrupamento, multiplicação e continuidade mostrados na figura 05. Figura 05 - Ornamentos desenhados a mão livre a esquerda e trabalhados com Gestalt à direita.

Fonte: Autoral No que diz respeito à disposição dos ornamentos da imagem a figura 01 nos serviu como molde, pois de forma sucinta transmite a sensualidade da mulher em destaque. E a paleta de cores foi retirada das obras de Mucha, cores sutis da paisagem de fundo da figura 01, o verde marcante da figura 02 e as cores das joias tão simbólicas da figura 03.

Fonte: http://www.abcgallery.com/M/mucha/mucha40.html Figura 04 - Zodiac (1896).

Figura 06 - Disposição dos ornamentos e paleta de cores.

Fonte: http://www.abcgallery.com/M/mucha/mucha11.html

As figuras 02 e 04 foram utilizadas como base para criação de alguns ornamentos que foram primeiramente trabalhados a mão livre, de forma que representassem não só as obras de Mucha, mas também o conceito da arte nouveau. A figura 05 mostra os rascunhos dos ornamentos, formas

Fonte: Autoral

A figura feminina foi trabalha de maneira separada, pois assim como Mucha, quisemos valorizar a mulher trabalhando nas curvas de seus cabelos e de suas vestes. A posição de perfil foi inspirada na figura 04, de modo a proporcionar a 202


Pesquisa em Foco leveza e movimento que almejamos transmitir. O processo de construção foi feito da mesma maneira que os ornamentos, desenhada a mão livre, digitalizada, vetorizada e trabalhada em programas de edição de imagem.

Intitulado Brisa pela maneira como a mulher e os elementos ornamentais se dispõe na obra, procuramos transmitir com esse pôster uma releitura das obras de Mucha, trazendo elementos característicos de suas obras e da arte nouveau executados com técnicas atuais.

Figura 07 - Processo de criação da figura feminina.

5 Considerações finais O conhecimento da história do design é importante para a execução de uma boa peça gráfica e aplicações nas novas práticas tecnológicas. Observamos atualmente que o estudo das ferramentas dos programas de edição tem dominado o mercado de layouts, pois há facilidade de manuseio e armazenamento dos trabalhos. O conhecimento dos precursores do que conhecemos hoje como design gráfico é importante para a compreensão das técnicas do presente, pois através do estudo da história percebemos, comparamos e compreendemos melhor as transformações e desenvolvimento das técnicas de design ao logo do tempo.

Fonte: Autoral

4 Resultados e discussão Referências

Figura 08 - Brisa

CARDOSO, Rafael. O design brasileiro antes do design aspectos da historia gráfica. São Paulo: Cosac Naify, 2005. FORTY, Adrian. Objetos de desejo, design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac & Naify, 2007. MUNARI, Bruno. Design e comunicação visual. São Paulo: Martins Fontes, 2001. RIMES, Jonatha; BHASKARAN, Lakshimi. Design retro: 100 anos de design gráfico. São Paulo: SENAC São Paulo, 2007. SEMBACH, Laus-Jürgen. Arte nova: a utopia da reconciliação. Bona: Taschen, 2010.

Fonte: Autoral

Como resultado final desta pesquisa, nosso pôster (figura 08) propõe a utilização dos elementos visuais do design retro executados através das técnicas do Photoshop, enfatizando a originalidade de uma obra que uni elementos digitais e a experiência do design. 203


Caderno de Experiências Francisco Neudimar Ferreira Junior Design de Produto/UFCA juniisq@gmail.com

GESTÃO DO DESIGN COMO FERRAMENTA PARA O ESTUDO DE ALTERNATIVAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AO DESENVOLVIMENTO REGIONAL

1 Introdução

Deborah Macedo dos Santos Professor /UFCA deborah.macedo@gmail.com

Para Betts (2004), desde a revolução Industrial o conceito de consumo está associado ao suprimento de necessidades que foram se modificando ao passar do tempo, desde a sobrevivência até o indivíduo passar a buscar no consumo a experiência, aquilo que diz respeito ao produto e/ou serviço, indivíduo e sociedade. Para Arruda e Landim (2009) o consumo quando exagerado, é transformado em consumismo. O consumo tem uma parcela de responsabilidade na busca por um desenvolvimento se faz necessário mudanças comportamentais, por um desenvolvimento mais responsável e sustentável. O desafio da busca de um sistema sustentável, está ligado as mudanças do conceito de consumo da sociedade. E o entendimento deste conceito de sustentabilidade é sem dúvidas o primeiro passo para alcançar seus objetivos. Para Sanchs (1993) é necessário que compreenda a sustentabilidade, pelo menos, por meio de cinco dimensões, sendo elas: Sustentabilidade Social, Econômica, Ecológica, Espacial e Cultural. O desafio também passa pela avaliação da legislação ambiental em vigor no Brasil. A Lei nº 11.445/2007 estabelece, em seu artigo 1º, as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Em seu artigo 2º, inciso III, a lei determina que os serviços públicos de saneamento básico serão prestados, entre eles tem-se o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente. A lei Nº 12.305/2010, institui a política nacional de resíduos sólidos, tendo como principal objetivo diretrizes relativas a gestão integrada dos resíduos sólidos. No Capítulo II, parágrafo XI a lei afirma que consiste em um “conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”. Sabendo que o consumo consciente é uma das maneiras que a sociedade pode seguir para atingir o

O Presente artigo se propõem estudar da importância da Gestão do Design como ferramenta para o estudo de alternativas para implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento regional. Compreender a importância da contribuição da gestão de design nas mudanças culturais acerca do consumo e modos de produção na sociedade. Pretende-se estudar a responsabilidade do design em relação ao desgaste socioambiental causado pela expansão das áreas urbanas, e o impacto ambiental causado pelo descarte não responsável de resíduos sólidos urbanos (RSU). Segundo Bonsiepe (2011) o desafio maior do design é solucionar problemas contribuindo com mudanças que já estão acontecendo em busca de um desenvolvimento sustentável para o planeta. 2 Fundamentação teórica A geração de lixo nas cidades é inevitável devido à cultura do consumo. Segundo dados do IBGE, são produzidas, por dia, cerca de 1,2kg de resíduos sólidos por habitante no Brasil. A disposição inadequada de resíduos sólidos origina impactos ambientais negativos, portanto, as práticas de consumo têm uma notável parcela de responsabilidade nas relações de cunho ambiental e, para um desenvolvimento mais responsável e sustentável, se fazem necessárias mudanças comportamentais. Os hábitos e costumes urbanos, tais como a produção exacerbada de lixo, formam resíduos que geram intensas agressões ao ambiente urbano. A produção de lixo nas cidades se intensifica e não se pode conceber uma cidade sem problematizar os resíduos sólidos gerados por ela. Somente na cidade do Crato produz-se, por dia, cerca de 120 toneladas de resíduos sólidos, segundo o secretário do Meio Ambiente da cidade (Diário do Nordeste). A sociedade de consumo é caracterizada pelas relações de consumo e valores a elas associadas. 204


Pesquisa em Foco desenvolvimento sustentável, cabe a este estudo questionar como a Gestão de Design pode contribuir para a transição de uma cultura do consumo excessivo à uma cultura do consumo consciente. De acordo com Fachinetto, Macedo e Nascimento (2006), a função do design é compreendida como aquela que está ligada ao que é tecnicamente possível ao que é ecologicamente necessário, assim se faz surgir novas propostas que sejam apreciadas tanto social como culturalmente. Sendo assim o design tem a possibilidade de minimizar os impactos ambientais e através da Gestão de Design compreender o gerenciamento de recursos das organizações a fim de alcançar seus objetivos estabelecidos, como também na condução de ações corretivas na busca de um desenvolvimento sustentável.

5 Considerações finais O design abrange uma nova gama de conhecimento e desempenha outras funções dentro das organizações além de desenvolver produtos ou serviços, ele vem agregando competência de gestão. Como afirma Niemeyer ao destacar uma das funções do design “onde o designer tem a função de integrar os aspectos de diferentes especialistas” (NIEMEYER, 2007, p. 24), para Mazine, um designer deve fazer uso de uma abordagem sistêmica para obter a possibilidade de visualizar com mais facilidade os impactos ambientais dos produtos. Este estudo se faz necessário, pois com ele pretende-se destacar de forma sistêmica o conjunto de ferramentas estratégicas, táticas e operacionais, de gestão do design, que visam interferir no desenvolver desta cultura de projetos sustentáveis através da percepção ambiental.

3 Procedimentos metodológicos Para a realização desta pesquisa que investiga o perfil da população residente na área comercial do Crato, quando a produção e o descarte de resíduos sólidos no ambiente urbano, quando ao destino dado aos resíduos. Pretende-se aplicar uma pesquisa de campo, para o levantamento, com abordagem quantitativa do tipo descritiva para obter os objetivos. Segundo Gil (2009), levantamento “é uma pesquisa que envolve a interrogação direta das pessoas cujo comportamento sobre determinada realidade se deseja conhecer”. O autor (Idem) a pesquisa descritiva tem como principal objetivo “a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 2009, p. 42).

Referências ARRUDA, Glória L. Rodríguez Correia de. LANDIM Paula da Cruz. Indústria, sustentabilidade e design. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESIGN SUSTENTÁVEL,2,2009. São Paulo. Anais...São Paulo: Rede Brasil de Design Sustentável,2009 . BRASIL. Lei Federal nº 11.445 de 5 de janeiro de 2007. Diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20 07-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 10.Out.2014. ______. Lei federal lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Política Nacional de Resíduos Sólidos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato200 7-2010/2010/lei/l12305.htm>. Acesso em: 10.Out.2014.

4 Resultados e discussão Não é de hoje a preocupação com a preservação dos recursos naturais e com os impactos gerados pela produção, com estudos desde a década de 1960 (SANTOS, 2011), com diversas abordagens, práticas e ferramentas que tratam de diretrizes ambientais no desenvolvimento de produto. Com este estudo pretende-se fazer o diagnóstico e propor soluções, através da gestão estratégica do design, para diminuir os impactos negativos que a indústria, o comercio e o consumismo causam ao meio ambiente. Trazer a reflexão da importância da transição a uma cultura de consumo consciente, possibilitando à sociedade um desenvolvimento justo, culturalmente aceito, ambientalmente correto e responsável.

BONSIEPE, Gui. Design, do material ao digital. Florianópolis: Blucher, 1997. BETTS, Jaime Alberto. Sociedade de Consumo e Toxicomania: Consumir ou não ser. Disponível em: http://www.appoa.com.br/uploads/arquivos/re vistas/revista26__sociedade_de_consumo_e_toxicomanias.pdf. Acesso em: 11.Out.2014. DIÁRIO DO NORDESTE. Ceará. Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/su plementos/cariri-regional/consorcio-regional205


Caderno de Experiências para-aterro-sanitario-ainda-esta-no-papel1.1075108 Acesso em: 12.Out.2014

NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: Origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 2007.

FACHINETTO, Marina. MACEDO, Fernanda Busnardo NASCIMENTO, Marilzete Basso. Sustentabilidade como Requisito de Design. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN,7, Paraná, 2006.

SANTOS, Adriane Shibata. Gestão do design e sustentabilidade: Um modelo de diagnóstico e a indústria da mobilidade urbana. Tese Doutorado Pós-graduação em Design, Departamento de Departamento de Artes & Design, Pontifica Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2011.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. Agradecimentos GONÇALVES, Rúbia Cristina Martins. A voz dos catadores de lixo em sua luta pela sobrevivência. Dissertação Mestrado Políticas Públicas e Sociedade. UFSC, 2005.

Agradeço ao Programa de Educação Tutorial – Cambada PET Design, por me proporcionar vivencias incríveis ao logo desse período junto trabalhamos construindo esse Escritório Modelo. Ao curso Design de Produto, por me proporcionar experiências teóricas e práticas do que é viver de design. A Universidade Federal do Cariri, pelo apoio institucional.

SACHS, I. Estratégias de transição para o século.In: DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE,21, São Paulo. Anais....São Paulo: Studio Nobel, 1993.

206


Pesquisa em Foco

O MOVIMENTO VANGUARDA JAPONESA DÉCADA DE 80

João Sérgio Viana Côrtes Design de Produto/UFCA joao.cortes@live.com

DE NA

1 Introdução

Cristina Rejane Feitosa Silva Professor /UFCA cristinasilva@ufca.edu.br

Antecedendo isso não só a estética japonesa, o oriente inteiro influenciou a cultura européia ao longo do século XVII, esta influencia apelidada de exotismo se caracteriza pela chegada da estética e por peças vindas do oriente a europa, graças ao fascínio e estranheza que estas causavam, estas influencias foram enfraquecidas em meados de 1780 graças a avanços politicos, sociais e culturais onde o exagero era associado a desigualdade da estrutura de classes vigentes, com isso o vestuário foi simplificado, fazendo com que influencias orientais significantes sejam vistas apenas no século XIX com o orientalismo (MACKENZIE, 2011). O Japão começa a ter mais destaque quando, segundo Milhaupt (2005) o gosto pelas coisas que vinham do Japão podiam ser vistos através de pinturas de artistas europeus como Tissot, Monet, que traziam suas modelos venstindo quimonos. A moda também foi influenciada não só em estamparia mas também na modelagem vista nos trabalhos de Vionnet e Poiret em que modelagens mais soltas ao corpo eram vistas (SINZATO, 2011).

O vanguardismo japonês iniciou na moda em 1981na semana de moda de paris nas coleções de Rei Kawakubo pra Comme des Garçons e a coleção de Yohji Yamamoto, que desafiava a tradição trazendo roupas sem relação com a forma do corpo, este artigo trata do movimento em suas origens e é breve em algumas influencias atuais. Os objetivos deste artigo é o de entendimento do movimento, e clareza na assimilação dos termos. O artigo foi desenvolvido pelo interesse do pesquisador no movimanto de vanguarda japones, no inicio dos anos 80 com as coleções dos estilistas rei kawakubo, yohji yamamoto e Issey Miyake que mudaram padroes de estetica até então vistos, o que influencia a moda até os dias atuais, é um tema ainda recorrente e pelo o que ele causou é um objeto de estudo como um movimento de moda, urbano e de quebra. 2 Fundamentação teórica Antes de entrar no movimento de vanguarda japonesa é importante entender os antecedentes que permeiama moda japonesa, para que, então, haja o entendimento da quebra de padrões que o vanguardismo trouxe e as suas influencias atualmente. 2.1 O japonismo Segundo Iwamoto et al (2014) ’’O termo japonismo, cunhado na segunda metade do século XIX, designa o intenso intercâmbio cultural e econômico entre o continente europeu. Esse fenômeno atingiu de maneira multiforme e de forma decisiva na estética de todo século e foi determinante para o direcionamento do design moderno.” Traz o entendimento de que o japonismo é um movimento de influencias que a estética oriental imprimiu na europa na metade do século XIX. Trazendo tendencias que influenciaram a estética de todo o século, devido ao cansaço do público das mercadorias produzidas em massa graças a revolução industrial (WICHMANN, 2007). 207


Caderno de Experiências Imagem 1- Vestido de Madeleine Vionnet do século XX e"retrato de Père Tanguy", 1887 de Vincent Van Gogh.

Imagem 2- Casaco de Paul Poiret, 1923.

Fonte: Google imagens

2.2 Século xx As coleçoes de 1982 lançadas em paris em 1981 de Rei Kawakubo para a Comme des Garçons e de Yohji Yamamoto provocaram choque no mundo da moda ao provocar as tradiçoes até então assimiladas “[...] As modelos foram para a passarela com trapos adornando os seus cabelos, sem maquiagem e com o lábio inferior aparentemente arroxeado como um hematoma. As roupas esfarrapadas não tinham relação com a forma do corpo e desafiavam a compreeesão das platéias.[...]” (MACKENZIE, 2011). Mendes& De La Haye (2003) dizem que Rei Kawakubo em março de 1983 apresentou uma coleção que incluia vestidos-casaco de silhueta oversized e geométrica sem uma silheta assimilável. Com cortes assimétricos; lapelas botões e mangas nos lugares errados, tecidos que não combinavam, amarrotados com nós, rasgões, pregueados e os calçados eram chinelos e sapatos de biqueira quadrada.

Fonte: Google imagens

Segundo Fukai (1994) Paul Poiret, estilista francês conhecido como o “Rei da Moda” trouxe o orientalismo em suas criações principalmente no início de sua carreira em 1903, apresentou o casaco estilo quimono. Essa criação trazia um novo conceito em estrutura, pois a silhueta não mais enfatizava a linha da cintura, mas sim os ombros, que sustentavam a roupa. Poiret também difundiu o que seria chamado de design moderno através de sua estética ao libertar a mulher do espartilho pela primeira vez desde o renascimento.Poiret foi o ultimo grande orientalista da moda (KODA; BOLTON, 2014). 208


Pesquisa em Foco Imagem 4- peças de Rei Kawakubo pra Comme Des Garçons ,1982.

e Hanae Mori, além disso Yohji e Rei já possuiam suas empresas bem estabelecidas em tóquio. Boucher (2010) relata sobre o movimento como sendo uma moda baseada na amplitude, no preto, no comprimento, na assimetria e na desconstrução, feitas numa visão apocalíptica, suas roupas fazem uma apologia a feiura e a miséria. Imagem 5: Fotografia de Nick Knight de peças Outono/Inverno 1986-87 de Yohji Yamamoto.

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-YAc5UOmLKw/UZnltTk85I/AAAAAAAABd0/ICv0EWyTGo/s1600/2575.jpg

Sobre Yohji Yamamoto Mendes& De La Haye (2003) relatam sobre o esmaecimento das questões do sexo, com suas peças grandes, em camadas, bolsos assimétricos, sempre utilizando o negro em suas criações e sua inovação na escolha de tecidos.. É neste cenário que este artigo se concentra, o de um movimento de quebra, de vanguarda, segundo a revista GQ em 1984 a estética foi defnida como algo que não está em conformidade com nenhum padrão de moda, que buscam a abolição da forma, caem no corpo em silhuetas incomuns e de tamanhos grandes em paletas monocromáticas. Segundo Mackenzie (2011) os criticos se esforçavam pra classificar a estética, alguns interpretavam como uma declaração politica, denominando o movimento “hiroshima chic”, enquanto outros chamavam de “visual mendigo”. O impacto sobr a moda foi inquestionavel o jornal francês Libération dizer que “a moda francesa encontrou seus mestres: os japoneses.O conceito ocidental sobre o que era a moda oriental foi questionado pelas caracteristicas não culturais das coleções de Yohji e Rei. Apesar do grande frenesi as coleções não estavam fora de contexto já que haviam precendentes desde o fim da década de 60, como Kenzo Takada, Issey Miyake

Fonte: http://media-cacheak0.pinimg.com/736x/df/d2/b7/dfd2b73da684b2039 cb2cd8695954acf.jpg

No documentário “Notebook On City And Clothes” de Wim Wenders (1989), Yohji Yamamoto explica o uso do preto no seu objetivo de trazer apenas silhueta e forma, onde a interferencia da cor não é necessária, além disso o preto segundo Yohji é a “conclusão da cor” por ser a mistura de todas as cores. Afirma também não criar moda japonesa, que não há traços de nacionalidade nos desenhos dele, e entende que mesmo assim representa a moda japonesa por sua nacionalidade. No discurso de Mendes & De La Haye(2003) o já estabelecido estilista Issey Miyake, radical e visionário, durante os anos 80 adota uma visão modernista experimentando formas e materiais, no outono/inverno de 1981-82 usou bustiês de silício com zíper e calças de jérsei cobertas de poliuretano, e na primavera de 1983 túnicas e estolas inpiradas numa alga marinha (wakame) executadas a partir da combinação de um tecido sintético plissado combinado com outro tecido 209


Caderno de Experiências metálico, em 84 calças de tecido acolchoado, em 88 criou chapéus em colaboração com Maria Blaisse de espuma de poliuretano moldada. Conhecido pelos seus trajes fluidos com formas (e materiais) organicos priorizando praticidade e conforto, o estilista afirma não criar uma estética de moda e sim um estilo com base na vida.

outras pesquisas que podem ser encontrados em sites na internet objetivando sempre apresentar um quadro atual e de forma expressiva da realidade abordada. 4 Resultados e discussão Sinzato apudINCE, NII(2011) afirma que os passos dos estilistas vanguardistas citados anteriormente abriram caminho para uma nova geração de estilistas no Japão, como JunyaWatanabe, JunTakahashi, TaoKurihara, Matohu, AkiraNaka, Mintdesigns.

Imagem 6- Publicação em revista de moda de peças do desfile de Issey Miyake de 1983.

Muitos desses novos designers foram não só inspirados pelos estilistas veteranos da vanguarda japonesa; eles de fato começaram suas carreiras trabalhando para eles. Junya Watanabe e Jun Takahashi foram protégés de Kawakubo e tiveram coleções próprias lançadas sob a Comme des Garçons, enquanto Kosuke tsumura e Hiroaki Ohya foram desenvolvendo suas marcas dentro das empresas do grupo Miake. (SINZATO, 2011p. 63).

Sinzanato(2011) também fala sobre as influencias que o movimento trouxe para alguns estilistas belgas que surgiram aproximadamente uma década depois, explorando a desconstrução e vistos como reflexo da moda oriental no ocidente, grandes nomes deste grupo é Martin Margiela, Ann Demeulemeester e Dries Van Noten. O desconstrucionismo segundo Mackenzie (2011) é um “ismo” que busca reavaliar o significado das roupas e a forma como são usadas onde a desconstrução é a parte chave da construção.

Fonte: http://culturalite.com/article/view/id/1856401

É neste período onde modismos subculturais e revolucionários emergem que a moda reafirma seu status artístico, até então quase sempre relacionado à alta costura. 3 Procedimentos metodológicos Para entender o movimento de vanguarda japonesa nos anos oitenta, pretendo como forma de elaboração desta pesquisa abordar o método qualitativo, o qual se dará através de meios bibliograficos. Rodrigues (2006) ressalta que esse tipo de pesquisa é realizado partindo de fontes já publicadas sobre o tema abordado. Através de pesquisas em artigos acadêmicos e livros, bem como outros meios de informação como periódicos, revistas, documentários além de 210


Pesquisa em Foco Imagem 7- Desfile de Outono/Inverno 2013 de Martin Margiela.

Imagem 8: Desfile do estilista Rick Owens mostra influencias do movimento de vanguarda japonesa, 2009.

Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_teww_WLX6jM/SmhVEh Q7TXI/AAAAAAAABkM/1oKnx2W5SAE/s800/rick+o wens+runway+women.jpg

5 Considerações finais

Fonte: http://trendland.com/wpcontent/uploads/2013/02/Maison-MartinMargiela.jpg

A vanguarda japonesa foi um movimento de quebra na moda que ocorreu no início dos anos 80 que se iniciou com os desfiles de Yohji Yamamoto, Rei Kawakubo e Issey Miyaki, este movimento trazia algo diferente de tudo até então visto, desconstrução da silhueta, inovação com materiais e um “desleixo” finamente elaborado, e, às vezes também mostrava não possuir nacionalidade em busca de uma “neutralidade” estética, movendo o mundo da moda por trazer algo, na época, considerado feio e complexo e em alguns casos era visto também como uma crítica social. Suas referencias vistas até hoje na moda, na arte e nos mais diversos campos são inspiração para muitos, mostrando ser um movimento que se reinventa por ser livre na forma e no pensar.

Na moda, que é um nicho cíclico é necessário um entendimento de onde começam as revoluções estéticas para que assim entendamos o que desencadeou e o que ocorreu após tal quebra na sociedade, a capacidade de reinvenção é uma das coisas necessárias para manter um mercado estável. Até mesmo marcas que não se relacionavam com movimento de vanguarda, ou mais recentes mostram que bebem desta fonte. O movimento de vanguarda é visto ainda hoje não só na moda, mas também na arte, e suas influencias podem ser vistas espalhadas por todo o globo.

Referências BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. São Paulo. Cosacnaify, 2010. FUKAI (ed.). MODA Una historia desde El siglo XVIII al siglo XX.Tomo II: Siglo XX. Köln: Taschen, 2006. GRAND, France.Comme des Paulo; Cosac & Naify, 2000. 211

Garçons.São


Caderno de Experiências INCE, Catherine (ed.) e NII, Rie (ed.). Future Beauty: 30 years of Japanese Fashion. Londres: Merrell Publishers Limited, 2010.

MILHAUPT, Terry Satsuki. Second Hand Silk Kimono MigraYngAcross Borders. Em PALMER e CLARK (ed.). Old Clothes, new looks:second hand fashion. Oxford: Berg, 2005.

WENDERS, Wim. Notebook on City and Clothes, França, 1989.

RODRIGUES, Auro de Jesus. Metodologia científica. São Paulo; Editora Avercamp, 2006.

KODA, Harold; BOLTON, Andrew.Paul Poiret. < http://www.metmuseum.org/toah/hd/poir/hd _poir.htm >.

SINZINATO, Alice Yumi. Relações entre moda e arte: novas possibilidades a aprtir da moda de vanguarda japonesa. 2011.

MACKENZIE, Mairi. Ismos: para entender a moda. Tradução: Christiano Sensi – Sãp Paulo; Editora Globo, 2010.

WICHMANN, Siegfried. Japonisme: The Japanese Influence on Western Art since 1858. London: Thames & Hudson, 2007

MENDES, Valerie (ed.) e DE LA HAYE, Amy. A Moda Do Século XX. São Paulo, editora Martinsfontes, 2009.

212


Pesquisa em Foco Higo Tavares Barbosa Engenharia/UFCA higotb@hotmail.com

ANÁLISE DE MÉTODOS DE PROCESSAMENTOS DE DADOS GPS NA DETERMINAÇÃO DE COORDENADAS PLANIMÉTRICAS 1 Introdução

Marcos José Timbó Lima Gomes Professor/UFCA timbo@det.ufc.br

o sistema para levantamentos de campo, elaboração de mapas e locação de obras (SEGANTINE, 2005). Apesar da disposição dos sinais para uso civil, este possuíam um erro proposital, imposto pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos que provocava uma degradação no sinal e, consequentemente, uma imprecisão na determinação de coordenadas (LOCH, 2007). Esta técnica é denominada de Anti Spoofing (AS), caracterizada pela decodificação do código preciso P, sobre as duas fases da portadora (L1 e L2). Segundo Segantine (2005), após um longo período de discussões à respeito da degradação de sinais emitidos pelos satélites do sistema GPS para o uso civil, o governo americano, no dia 02 de maio de 2000, desativou a técnica AS, havendo uma melhora na precisão dos posicionamentos com receptores GPS, principalmente no posicionamentos absolutos. Com a desativação do AS, os usos civis do GPS tornaram-se mais abrangentes, fazendo com que o mercado dos receptores GPS popularizasse seus equipamentos, tornando-os mais acessíveis para diversos segmentos da sociedade civil, tais como: agrimensura, agricultura, navegação, cartografia, dentre outros. Fato consequente do aumento da acurácia na determinação de posições, bem como de rotas. Entretanto, o uso dessa tecnologia requer conhecimentos específicos para adoção de critérios sobre o tipo de equipamento a ser utilizado, o tipo de levantamento (tempo de observação, comprimento da linha de base) e dos métodos de processamento dos dados obtidos. Portanto, o presente estudo têm como objetivo fazer uma análise, com utilização de diferentes tipos de receptores GPS, de diferentes métodos de posicionamento e de processamento de dados para obtenção de posições (coordenadas) mais precisas, verificando se suas precisões atendem ao exigido pela legislação vigente.

O Global Positioning System (GPS) é um Sistema de navegação, criado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos (EUA), cujo objetivo inicial era atender as necessidades dos usuários civis e militares para determinação de posições, velocidades e tempo, em relação à um plano de referência, em qualquer ponto próximo à superfície terrestre (SEGANTINE, 2005). O sistema foi dimensionado para que em qualquer ponto da superfície terrestre exista, pelo menos, quatro satélites no plano do observador, de modo à garantir uma geometria adequada para navegação em tempo real (LOCH, 2007). É dividido em três segmentos: espacial, de controle e dos usuários. O segmento espacial é composto por uma constelação de 24 satélites que têm como função a transmissão de códigos, portadoras e mensagens de navegação (LOCH, 2007). Os satélites estão distribuídos em seis planos orbitais, com altitude aproximada de 20.200 km, inclinados 55° em relação ao Equador e um período orbital de 12 horas siderais (MONICO, 2008). O segmento de controle é composto por estações terrestre que têm como função o monitoramento da posição dos satélites, controle de manobras de modo à mantê-los em suas órbitas, do tempo GPS, da efemérides, dos relógios dos satélites e de suas mensagens de navegação (SEGANTINE, 2005). Existem cinco estações de controle distribuídas em torno da Linha do Equador, sendo uma delas de controle central, todas pertencentes à American Air Force (AAF) do Department of Defense (DoD) dos Estados Unidos. O segmento dos usuários compreende os usuários civis e militares que fazem uso de receptores que rastreiam códigos ou a fase das portadoras, além de mensagens transmitidas pelos satélites (LOCH, 2007). Segundo Mônico (2008) dentre as aplicações do GPS para a comunidade militar, incluem: navegação de aeronaves, navios, veículos, reconhecimento fotográfico, guiagem de mísseis, monitoramento de testes nucleares e posição e navegação de outros veículos no espaço. O sistema GPS foi desenvolvido, primordialmente, para atender às necessidades miliares, especificamente, do governo dos Estados Unidos, mas usuários civis, ao longo dos anos, têm utilizado

2 Fundamentação Teórica O posicionamento de um objeto é uma tarefa de atribuição de coordenadas ao mesmo, em relação à um referencial (MONICO, 2000). O posicionamento através do GPS pode ser executado 213


Caderno de Experiências com o auxílio de diferentes técnicas de observação, as quais podem oferecem diferentes níveis de acurácia, podendo variar de algumas dezenas de metros até poucos milímetros (IBGE, 2008). Os métodos de posicionamento para levantamentos geodésicos são utilizados com o intuito de minimizar os erros que, por ventura, podem acontecer caso eles não sigam um determinado procedimento de levantamento, tendo em vista que a precisão do mesmo depende de como foi realizada a observação. Os métodos de posicionamento mais comuns são: absoluto e relativo. De acordo com Segantine (2005) o posicionamento absoluto pode ser do tipo instantâneo ou por ponto simples. O posicionamento absoluto instantâneo caracteriza-se por utilizar apenas um receptor para o levantamento, suas coordenadas são obtidas com o cálculo das pseudodistâncias através do uso dos códigos ou da fase das portadoras. Já o absoluto por ponto simples caracteriza-se pela coleta de informações do código e da fase da portadora para posterior processamento específico, considerando a opção “Single Point Positioning”. Em ambos, a precisão é função do tempo de observação, ou seja, quanto menor o tempo de observação, menor a precisão do posicionamento. Além dos métodos comumente citados pela literatura, o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística possui um método de processamento chamado de Posicionamento por Ponto Preciso (PPP) ou Posicionamento Absoluto Preciso. Tal método se baseia apenas nas órbitas e relógios dos satélites GPS, dispensando a necessidade de um outro receptor estar coletando informações simultaneamente. Entretanto, para que as coordenadas sejam determinadas é preciso que o ponto de observação esteja localizado na América do Sul (IBGE, 2013a). Assim como nos outros métodos, a precisão do PPP varia de acordo com o tempo de observação. Pequenos períodos de observação irão gerar coordenadas usando somente as observações da pseudo-distância. Já para longos períodos, é possível que as ambiguidades sejam resolvidas utilizando as observações da fase da portadora, o que elevará a precisão do posicionamento. Para determinação de posições com níveis de precisão elevados requerem posicionamentos do tipo relativo. O posicionamento relativo caracteriza-se pela utilização de dois ou mais receptores GPS para um mesmo levantamento. Pelo menos um deles é mantido fixo em um ponto de coordenadas conhecidas e os demais são utilizados para levantamento dos pontos de interesse, cujas coordenadas serão determinadas, através do código, fase do código suavizada pela portadora e da fase da portadora. Pode ser utilizado tanto no modo estático quanto no modo cinemático onde se obtém vetores, mais conhecidos com linhas de base,

que ligam a estação fixa com as estações móveis dos pontos levantados (LOCH, 2007). Caso, para o levantamento do ponto, exista apenas um receptor, é possível a utilização de uma ou mais estações de referência da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo GPS (RBMC), pertencentes ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo IBGE (2013b), as estações da RBMC têm como função assumir o papel do ponto fixo de coordenadas conhecidas para o processamento relativo. Além disso, seus receptores são de alto desempenho e possuem observação contínua, com seus dados brutos, no formato RINEX, disponíveis no site do IBGE. De acordo com Maccormac (2007), após o levantamento, usuário deve processar as informações com o objetivo de determinar as diferenças X, Y e Z entre a estação de referência e os pontos levantados. As diferença entre as coordenadas conhecidas e as coordenadas geradas são entendidas como erro (SEGANTINE,2005). Segantine (2005) afirma que, para que haja uma boa precisão, repetibilidade e confiança nas obtenção das informações, é necessário que o tempo mínimo de observação de uma linha de base seja de uma hora e com uma taxa de armazenamento de, no máximo, 15 segundos. 3 Procedimentos Metodológicos Foi escolhido um ponto da área do estacionamento da Universidade Federal do Cariri – Campus Juazeiro do Norte, Ceará (Figura 01). O levantamento foi realizado no dia 15/10/2014, no período de 07:30 às 08:35. Para tal, foram utilizados, simultaneamente, um receptor GNSS Trimble R4 de dupla frequência e um receptor GPS de Navegação Magellan Triton 500, utilizando-se dos métodos de levantamento estático-relativo e absoluto, respectivamente. Ambos os equipamentos foram configurados para o elipsoide WGS84 – Zona 24S. O tempo de observação do levantamento foi de 60 minutos. Foram obtidos os dados brutos, do mesmo dia do levantamento em estudo, de dois receptores GNSS da RBMC (Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo), um localizado na cidade de Crato (linhabase curta) e o outro na cidade de Sobral (linhabase longa), ambas no estado no Ceará, através do site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

214


Pesquisa em Foco

Figura 01: Localização do ponto levantado na UFCA-Campus Juazeiro do Norte.

Com o intuito de se obter o melhor processamento, dentre os pós-processados, foi calculado o fator Position Quality (Posn Qlty), através da Equação 01. (Equação 01) Onde, σLAT. = desvio padrão da latitude. σLONG. = desvio padrão da longitude. Obtido o melhor processamento, de acordo com a variável supracitada, este foi comparado com os demais processamentos e levantamentos através do cálculo do erro linear, de acordo com a Equação 02.

(Equação 02) Onde, ErroX = diferença, em coordenadas UTM do eixo x. ErroY = diferença, em coordenadas UTM do eixo y.

metros,

entre

as

metros,

entre

as

4 Resultados e discussão A Tabela 02 apresenta os diferentes métodos de processamentos com suas respectivas coordenadas. Verificou-se que o método de processamento que apresentou o melhor Posn. Qlty. foi o método 5, caracterizado por um processamento de dupla frequência com uma linha de base curta (RBMC(Crato)-UFCA) com solução de ambiguidades. Entretanto, o método 4, processamento monofrequência (L1) de linha de base curta, apresentou um valor de Posn. Qlty. próximo ao do método 5, considerado o melhor. Os métodos 2 e 3 apresentaram os maiores valores de Posn. Qlty, o que já era de se esperar por se tratarem de métodos de processamento de dados brutos de levantamento GPS absolutos, os quais não consideram as diversas variáveis envolvidas para solução das ambiguidades aplicadas nos demais métodos (4, 5, 6 e 7). Os métodos de processamentos 6 e 7, além de apresentarem valores de Posn. Qlty. maiores do que os métodos 4 e 5, não obtiveram sucesso na resolução das ambiguidades. Tal resultado pode estar relacionado à um tipo de levantamento de linha de base longa (RBMC(Sobral-UFCA), que necessita de um tempo de observação maior do que o em estudo.

O processamento dos dados brutos foi realizado através do software Leica Geo Office (LGO - v5.0). Neste, consideraram-se os pontos da RBMC, citados anteriormente, como estações base e o ponto da área em estudo como estação móvel (rover), processados separadamente. Com o objetivo de se analisar a acurácia dos métodos de processamento dos dados brutos de GPS, foram processados no software LGO as estratégias de acordo com a Tabela 01. Tabela 01: Métodos de levantamento em estudo. Método Estratégia 1

Absoluto

2

Absoluto

3

Absoluto

4

Relativo

5

Relativo

6

Relativo

7

Relativo

processamento

do

Modo Observada Gps de CA Navegação Ponto Simples CA (SPP) PPP (IBGE) Base Curta L1+CA (RBMC - Crato) Base Curta L1+L2 (RBMC - Crato) Base Longa (RBMC L1+CA Sobral) Base Longa (RBMC L3 Sobral)

215


Caderno de Experiências Tabela 02: Coordenadas finais dos diferentes métodos.

Método

1 2 3 4 5 6 7

Modo

Navega ção Ponto Simple s (SPP) PPP (IBGE) Base Curta Base Curta Base Longa Base Longa

Observada

Solução da Ambigui dade

UTM (X)

UTM (Y)

σ Lat

σ Long

Posn. Qlty.

CA

-

466331,0949

9197761,6407

-

-

-

CA

-

466327,3190

9197764,6521

0,0460

0,0531

0,07025

-

-

466328,2444

9197764,2735

0,0240

0,0450

0,05100

L1+CA

Sim

466328,2355

9197764,2655

0,0005

0,0007

0,00086

L1+L2

Sim

466328,2367

9197764,2689

0,0004

0,0006

0,00072

L1+CA

Não

466327,7014

9197764,6579

0,0039

0,0084

0,00926

L3

Não

466328,2297

9197764,2069

0,0009

0,0019

0,00210

Os métodos 1, 2, 3, 4 e 5, por se tratarem de métodos de obtenção de coordenadas absolutas e de coordenadas processadas com resolução de ambiguidades, foram comparados através de um

gráfico de dispersão das suas respectivas coordenadas UTM, conforme a Figura 02.

Figura 02: Dispersão da coordenadas dos métodos 1, 2, 3, 4 e 5.

216


Pesquisa em Foco Verificou-se que o método 1 apresentou uma maior dispersão dentre os métodos apresentados no gráfico acima. Esse fato justifica-se por se tratar de um método absoluto, ou seja, não processado. Os métodos 3, 4 e 5 apresentaram proximidade na dispersão de suas respectivas coordenadas. Devido ao seu menor valor de Posn. Qlty., considerou-se como o melhor método de

processamento o método 5. A partir desta consideração, pôde-se calcular o erro linear dos demais métodos em relação a este, citado anteriormente, e comparar os valores com o limite máximo estabelecido pelo INCRA (0,5m), conforme apresentado na Figura 03.

Figura 3: Erro Linear dos Métodos

De acordo com a Figura 03, os métodos 3, 4 e 7 atenderam às exigências da legislação vigente sobre georreferenciamento de imóveis rurais do INCRA.

método, ou seja, um receptor GPS monofrequência, com um tempo de observação de 60 minutos e de linha de base curta, irá determinar uma coordenada planimétrica com erro milimétrico em relação à um levantamento utilizando dupla frequência. Além disso, o método 03, caracterizado por utilizar um software online do IBGE para o processamento, atendeu às exigências do INCRA (2013). Verificou-se também que nenhum dos métodos absolutos (métodos 2 e 3) atenderam ao máximo estabelecido pelo INCRA (2013), evidenciando que para determinação de coordenadas precisas, os métodos absolutos não são indicados, podendo apresentar erros na ordem métrica.

Considerações Finais O uso da tecnologia GPS possui diversos benefícios para levantamentos planimétricos em relação aos métodos tradicionais de topografia, tais como praticidade e agilidade na definição dos vértices do levantamento. Entretanto, para um levantamento preciso, se faz necessário discutir os métodos que melhores se adequam às condições específicas dos pontos levantados. No presente estudo, o método de processamento 05 se apresentou como mais preciso, caracterizado como linha de base curta (RBMC_Crato-UFCA) e dupla frequência (L1+L2), com solução de ambiguidades. O método 04, caracterizado por um levantamento de linha de base curta e monofrequência, apesar de possuir uma precisão menor do que o método 05, ele apresentou uma diferença milimétrica (3,6 mm) em relação a tal

Referências IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Recomendações para Levantamentos Relativos Estáticos - GPS. Brasília: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2008. 35 p. 217


Caderno de Experiências IBGE.a (2013) - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geod esia/rbmc/rbmc.shtm?c=7. Acesso em: 19 de setembro de 2014.

MCCORMAC, Jack. Topografia. 5 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2007. MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo NAVSTAR-GPS: descrição, fundamentos e aplicações, São Paulo: Editora UNESP. 2000. 287p.

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Norma Técnica para o Georreferenciamento de Imóveis Rurais. 3 ed. Brasília: Coordenação Geral de Cartografia, 2013. 4 p.

MONICO, João Francisco Galera. Posicionamento pelo GNSS: Descrição, fundamentos e aplicações. 2 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2008. 480 p.

LOCH, Carlos. Topografia contemporânea: planimetria. 3 ed. Florianópolis: Editora da Ufsc, 2007. 321 p.

SEGANTINE, Paulo Cesar Lima. GPS: Sistema de Posicionamento Global. EESC/USP-São Carlos: Edusp, 2005.

218


Pesquisa em Foco

CARACTERIZAÇÕES REALIZADAS COM ARGILAS DA REGIÃO DO CARIRI - CEARÁ

1 Introdução

Amélia De Santana Cartaxo Engenharia de Materiais /UFCA ameliacartaxo@gmail.com

Antonio Demouthie de Sales Rolim Esmeraldo Engenharia de Materiais /UFCA tierolim@hotmail.com

Laedna Souto Neiva Professora/UFCA laedna@cariri.ufc.br

Maria Isabel Brasileiro Professora/UFCA isabelbras@cariri.ufc.br

produtos resultantes, sendo que a distância tornase um obstáculo. Este fato faz com que a região do Cariri-CE, possua um padrão produtivo considerado tecnologicamente atrasado quando comparadas a outras regiões do Brasil. Sendo que, o Anuário Estatístico (2010), relata que o Brasil também se encontra tecnologicamente atrasado frente a outros países produtores de cerâmica vermelha. Na opinião de Menezes et al. (2001), apesar da grande importância econômica e social da cerâmica vermelha no país, a grande maioria das jazidas de argilas não é devidamente estudada, não havendo, em geral, dados técnico-científicos que orientem sua aplicação industrial da maneira mais racional e otimizada possível. Desta maneira, este trabalho tem como objetivo a caracterização física e química das argilas utilizadas em olarias na região do Cariri- Ceará, como forma de desenvolver produtos que possuam características eficazes e que se enquadrem dentro das normas técnicas.

A indústria cerâmica brasileira tem participação de cerca de 1% no PIB nacional, sendo aproximadamente 40% desta participação representada pelo setor de cerâmica vermelha, também conhecida como cerâmica estrutural, a qual pertence a um segmento industrial de uso intensivo de mão de obra. Esse setor de cerâmica vermelha consome cerca de 70 milhões de toneladas de matérias-primas por ano, através das 12 mil empresas distribuídas pelo país, a maioria de pequeno porte, gerando centenas de milhares de empregos (MACEDO et al, 2008). No estado do Ceará, existem aproximadamente, 254 fábricas de produtos de cerâmica vermelha em atividade, distribuídas na sua maioria em pelo menos 10 municípios, oferecendo cerca de 8.000 empregos diretos e 30.000 indiretos (FIEC, 2012). Neste setor prevalecem as micro-empresas familiares com técnicas essencialmente artesanais e empresas de pequeno e médio porte que utilizam processos produtivos tradicionais (ANUÁRIO ESTATÍTICO, 2010, p.33). Na região do Cariri o número de fábricas chega a aproximadamente 30 empresas (MEHISUFC, 2014), sendo estas indústrias, de minerais não-metálicos, caracterizada como uma indústria “nativa” da Região, com uma estrutura de gestão marcadamente familiar, onde a presença das micro e pequenas olarias ainda é importante. O processo de manufatura, na maioria das fábricas da região do Cariri-CE, é simples e envolve a mistura de dois tipos de argila com água, passando em uma extrusora. A secagem, em algumas delas, é realizada ao ar livre, e a queima é feita usando lenha como combustível. Neste caso, todo o processo, na maioria das indústrias, fica comprometido, pois as peças não são monitoradas de forma adequada, comprometendo a sua qualidade e o rendimento da indústria. Outro agravante é que, a região do Cariri-CE, situa-se na região Sul do Estado do Ceará a aproximadamente 600km de distância da Capital Fortaleza e 500km de Campina Grande-PB, onde pode-se encontrar centros de pesquisa especializados, os quais poderiam realizar os testes necessários para aprimoramento das matérias-primas e dos

2 Fundamentação Teórica As argilas são compostas normalmente por diferentes minerais, que se misturaram durante o processo de fabricação. A quantidade e a natureza desses compostos, a composição química, granulometria das partículas e outros parâmetros da matéria-prima como o comportamento em presença de água, determinam as características do produto cerâmico. Desta maneira, o estudo das matérias-primas faz-se necessário para otimização do processo de fabricação, porém isto não é realizado por muitas indústrias brasileiras. O termo argila permite vários conceitos subjetivos e interpretativos, tornando-o, de certa forma, indefinível e com vários sentidos. As várias definições de argila dependerão do profissional que irá utiliza-la ou estuda-la, sejam eles, engenheiros civis, geólogos, agrônomos, mineralogistas, químicos, petrólogos, ceramistas, pedólogos, sedimentólogos, etc., os quais a definirá pelas suas propriedades, sua gênese, ou ainda pelas suas aplicações. Segundo Souza Santos (1989), a argila é um material natural terroso, de granulação fina, que 219


Caderno de Experiências geralmente adquire, quando umedecido com água, certa plasticidade. E todas as argilas são constituídas principalmente por partículas cristalinas extremamente pequenas de um número restrito de minerais conhecidos como “argilominerais”. Os argilominerais são silicatos de alumínio, ferro e magnésio hidratados, com estruturas cristalinas em camadas (filossilicatos), constituídos por folhas contínuas de tetraedros SiO4, ordenados de forma hexagonal, condensados com folhas octaédricas de hidróxidos de metais di e trivalentes; a maioria dos argilominerais, naturalmente, é constituídas essencialmente por partículas(cristais) com algumas dimensões geralmente abaixo de 2μm. (SOUZA SANTOS, 1989). A partir da complexibilidade da composição da argila, não existem duas argilas iguais e suas propriedades são definidas pelos constituintes mineralógicos que a compõem (SOUZA SANTOS, 1989). Dessa forma, a caracterização, a identificação e o conhecimento das propriedades das argilas utilizadas, tornam-se fundamental para o processamento e uso das matérias-primas, pois, fornecerão informações sobre o comportamento de um produto cerâmico durante sua preparação e as suas propriedades finais (ANUÁRIO BRASILEIRO DE CERÂMICA, 2012). O método utilizado para caracterizar a composição química de matérias-primas é a análise química. É um processo que fornece informações químicas ou físicas sobre uma amostra ou sobre a amostra, sabendo do que se trata o material assim como, a quantidade de cada elemento químico presente. Uma das características físicas mais importantes de uma argila é a sua plasticidade. É o que a faz ser utilizada nos vários processos industriais. O termo plasticidade se refere à propriedade que um sistema possui de se deformar pela aplicação de uma força e de manter sua forma quando essa força é retirada. Nas argilas, a resultante das forças de atração entre partículas de argilominerais e a plasticidade é a ação lubrificante da água entre as partículas anisométricas lamelares. A plasticidade se desenvolve quando a argila tem água suficiente para cobrir toda a superfície acessível do argilomineral com uma película de “água rígida” (água um pouco orientada, com propriedades mais próximas do gelo do que a água no estado líquido) mais um pouco de água líquida, não orientada, que age como um meio lubrificante facilitando o deslizamento das placas umas sobre as outras quando uma tensão tangencial é aplicada (SOUZA SANTOS, 1989). Sendo assim, argilas com composições mineralógicas diferentes apresentam comportamentos plásticos diferentes, embora os seus teores de água possam ser iguais. Para Ribeiro et al. (2004), ao se estudar a plasticidade das massas plásticas cerâmicas,

existem vários métodos de determinação, os quais podem ser divididos em dois grupos, um deles são os métodos indiretos. Os métodos indiretos incluem medições da: proporção de água necessária para desenvolver na massa uma determinada consistência; proporção de matéria coloidal presente na argila; viscosidade da massa; penetrabilidade da massa; resistência à flexão e retração à verde. De acordo com Ribeiro et al. (2003), geralmente uma massa com maior plasticidade incorpora mais água até fluir (comportamento de uma barbotina). Isto significa que uma argila mais plástica precisa de mais água, para desenvolver a plasticidade, do que outra menos plástica. Este é o fundamento de índice de plasticidade de Atterberg. Quando pequenas quantidades de água são adicionadas pouco a pouco a uma massa seca, alcança-se inicialmente um estado em que esta começa a apresentar alguma coesão. Este estado corresponde à quantidade mínima de água requerida para formação de um filme estável envolvendo cada partícula argilosa. Se continuar a ser adicionada mais água, a massa plástica torna-se cada vez mais mole, alcançando-se um estado em que começa a fluir sob ação do seu próprio peso (passa a comportar-se como uma barbotina). Segundo Caputo (1994), sendo a umidade (h) de um solo argiloso muito elevada, este se apresenta como um fluido denso e em estado líquido. À medida que evapora a água, ele se endurece e, para certo h = LL, perde sua capacidade de fluir, porém, pode ser moldado facilmente e conservar sua forma. O material encontra-se, agora, no estado plástico. Continuando a perder umidade, o estado plástico desaparece até que, para h = LP, o solo se desmancha ao ser trabalhado. Este é o estado semisólido. A continuar a secagem, ocorre a passagem gradual para o estado sólido. A Figura 1 a seguir, ilustra tal fenômeno físico. Figura 1 - Esquema dos estados de consistência e suas fronteiras

Fonte: CAPUTO, 1994.

De acordo com Barba et al.,1997, o Limite de Plasticidade é determinado através da modelagem manual de pequenos cilindros. Assim, o LP corresponde ao teor de água em porcentagem do peso de massa seca a 110ºC, acima do qual a amostra de argila pode ser enrolada em cilindros, 220


Pesquisa em Foco com diâmetro de 3mm e aproximadamente 15cm de comprimento. O limite de liquidez (LL) é medido por meio da colher de Casagrande. Para isso, a massa é colocada na tigela e se determina o número de golpes que são necessários para que os lados do sulco, realizado com um cinzel padronizado, unamse em pelos menos 1 cm. Os ensaios são repetidos várias vezes através de massas preparadas com distintas quantidades de umidade, definindo o limite de liquidez (LL) como a quantidade de umidade a qual o sulco se fecha em 25 pancadas. No caso de não se conseguir obter a condição estipulada pelo método para as 25 pancadas, emprega-se a equação 1, que segundo o American Society for Testing Materials, pode-se chegar a esse valor em função de um número de pancadas compreendido entre certos limites. Limite de Liquidez = WN (N/25)0,12 (1) Onde, WN = percentagem de umidade correspondente N = o número de pancadas da determinação O índice de plasticidade (IP) que é calculado pela equação (2), define a zona em que o solo se acha no estado plástico. Assim, quanto maior o índice de plasticidade, mais plástico será o solo (CAPUTO, 1994).

energia dispersiva, utilizando um equipamento da marca SHIMADZU, modelo EDX-720. A fluorescência de raios-X (XRF) utiliza sinais de raios-X para excitar uma amostra desconhecida. Os elementos individuais presentes na amostra emitem seus raios-X característicos (fluorescentes). O EDX detecta estes raios-X e, qualitativamente, determina quais elementos estão presentes no material. Para o estabelecimento do índice de plasticidade, realizou-se o peneiramento em malha ABNT Nº 40 de abertura 0,42mm e o método empregado nessa determinação foi o Atterberg. Assim, pode-se calcular limite de plasticidade, o limite de liquidez e o índice de plasticidade segundo as Normas da ABNT 6459 e 7180. A umidade em cada ponto foi calculada por: H (%) = [(P1 – P2) / (P2 – P)] x 100

(3)

Onde P1 é a massa úmida, P2 é a massa seca e P é a massa do recipiente. O limite de liquidez foi determinado através do aparelho Casagrande e calculado pela Equação (1) anteriormente citada, da American Society for Testing Materials. Essa equação é utilizada no caso de não se conseguir obter a condição estipulada pelo método para as 25 pancadas. Para o limite de plasticidade (LP), foram confeccionados cilindros que ao se fragmentar, imediatamente seus pedaços foram colocados em um recipiente e a umidade foi determinada pela Equação (3). Essas operações foram reproduzidas até que três valores obtidos ficaram no intervalo de 5% da média. Então o limite de plasticidade foi expresso pela média dos teores de umidade obtidos como indicado acima, aproximando-se para o número inteiro mais próximo. Diante disso, o índice de plasticidade (IP) foi calculado pela subtração entre os limites de liquidez e de plasticidade, a partir da Equação (2), para cada uma das argilas, fazendo uma análise comparativa entre elas.

IP = LL - LP (2) Para Macedo (2005), as argilas são tanto mais compressíveis quanto maior for o IP. Os solos argilosos poderão ser classificados em: • fracamente plásticos............................ ...1 < IP < 7 • medianamente plásticos.........................7 < IP < 15 • altamente plásticos...................................... IP > 15 .

3 Procedimentos Metodológicos Foram analisadas quatro amostras provenientes da Cerâmica Pé Seco localizada no município do Crato-CE denominada como na indústria: argila branca 1(AB1), argila branca 2(AB2), argila verde(AV) e barro preto(BPps) e quatro amostras provenientes da Cerâmica Batateiras localizada na região do Crato-CE denominadas argila do meio(AM), barro vermelho(BV), Barro preto(BPcb) e Barro Branco(BB). Primeiramente as amostras foram submetidas a um beneficiamento, sendo trituradas em um moinho tipo galga e colocadas na estufa para secagem. Uma parte das argilas foram passadas em peneira ABNT nº200 e enviadas ao Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de Campina Grande – Paraíba, com o propósito de serem analisadas quimicamente. A análise semiquantitativa dos elementos presentes nas amostras foi determinada por fluorescência de raios-X por

4 Resultados e discussão A Tabela 1 e a Tabela 2 apresentam a composição química das amostras que estão sendo estudadas das indústrias, Cerâmica Pé Seco e Cerâmica Batateiras, respectivamente. Tabela 1. Composição química das amostras da Cerâmica Batateiras Amostra Óxidos SiO2 Al2O3 Fe2O3

221

AM 60,14% 23,17% 7,4%

BB 67,44% 25,44% 2,81%

BPcb 62,46% 23,37% 5,98%

BV 65,18% 26,71% 4,37%


Caderno de Experiências K2O MgO CaO TiO2 Outros óxidos

3,77% 3,16% 0,61% 1,04% 0,71%

1,78% 0,97% 0,38% 0,86% 0,31%

2,78% 2,44% 0,98% 0,97% 1,01%

Tabela 4. Relações entre os teores de óxidos das matérias-primas da Cerâmica Pé Seco

1,70% 1,25% -0,67% 0,11%

Tabela 2. Composição química das amostras da Cerâmica Pé Seco Amostras Óxidos SiO2 Al2O3 Fe2O3 K2O MgO CaO TiO2 Outros óxidos

AV 56,114% 24,045% 10,259% 4,286% 3,445% 0,447% 1,215% 0,19%

BPps 61,263% 23,274% 6,807% 3,30% 2,347 1,332% 1,085% 0,593%

AB1 58,104% 24,685% 8,612% 3,62% 3,181% 0,457% 1,147% 0,194%

Pode-se observar, a partir das tabelas 1 e 2, que todas as amostras analisadas apresentaram composições típicas, segundo Souza Santos (1989), de matérias-primas utilizadas na indústria de cerâmica vermelha, com altos teores de sílica (SiO2) e óxido de alumínio (Al2O3). Destaque pode ser dado aos teores de óxidos de ferro, os quais podem ser encontrados na forma de hematita (Fe2O3) e magnetita (Fe3O4), e que proporcionarão a cor vermelha dos produtos. De acordo com Silva et al. (2011), as argilas possuem cor avermelhada quando o ferro está na forma de hematita e cor preta quando está na forma de magnetita. As amostras que apresentam maiores teores de SiO2, pode resultar na redução da plasticidade das massas, entretanto, podendo vir a influenciar de forma positiva na permeabilidade e na estabilidade dimensional dos copos de prova. As amostras designadas por BB (Tabela 1) e AB2 (Tabela 2) apresentaram predominância de SiO2 e Al2O3, entretanto, diferente das demais, a porcentagem de Fe2O3 provavelmente não será suficiente para proporcionar a coloração avermelhada após a queima. Nas tabelas 3 e 4 estão descritas as relações entre os óxidos presentes em porcentagem nas amostras da Cerâmica Batateiras e Cerâmica Pé Seco, respectivamente.

TOTAL DE FUNDENTES 7,54

BB BPcb BV

2,65 2,67 2,44

3,13 6,2 2,95

AV BPcp AB1 AB2

2,33 2,63 2,35 2,42

TOTAL DE FUNDENTES 8,18 6,98 7,26 7,63

Tabela 5 - Limite de Liquidez, Limite de Plasticidade e Índice de plasticidade das amostras da Cerâmica Batateiras Amostra

AM BB BPcb BV

Limite de Liquidez LL 46,1 27,3 35,7 20,8

Limite de Plasticidade LP 23,1 7,8 18,2 --

Índice de PlasticidadeIP 23,0 19,5 17,5 --

Tabela 6 - Limite de Liquidez, Limite de Plasticidade e Índice de Plasticidade das amostras da Cerâmica Pé Seco Amostra

AV BPpc AB1 AB2

Limite de Liquidez LL 63,4 23,7 58,8 37,1

Limite de Plasticidade LP 33,06 8,32 27,3 23,3

Índice de Plasticidade IP 30,4 15,4 31,6 8,9

Pelas Tabelas 5 e 6, observou-se que as amostras apresentaram limite de liquidez variando de 20% a 63,4%. A amostra Barro vermelho – BV, a qual apresentou limite de liquidez de 20,8% não foi capaz de ser moldada, sendo considerada uma argila não plástica. A medida do limite de liquidez ou a porcentagem da umidade de uma amostra, a qual passa do estado

Tabela 3. Relações entre os teores de óxidos das matérias-primas da Cerâmica Batateiras SiO2/Al2O3 2,6

SiO2/Al2O3

Observou-se, a partir das Tabelas 3 e 4, que as porcentagens de álcalis e fundentes variaram de 2% a 8%. Esses óxidos, chamados fundentes são responsáveis pela redução do ponto de fusão da mistura das matérias-primas e auxiliam o processo de densificação das peças, deixando-as mais compactas e com maior resistência mecânica. Desta maneira, as amostras com maiores teores desses elementos provavelmente terão a temperatura de sinterização dos corpos de prova reduzida quando comparadas as demais. Possivelmente, as proporções de óxidos que as amostras possuem, influenciarão tanto nas características de plasticidade quanto no comportamento após a sinterização das peças. As Tabelas 5 e 6 apresentam os resultados dos limites de plasticidade, limite de liquidez e índice de plasticidade das amostras de argilas da Cerâmica Batateiras e Cerâmica Pé Seco, respectivamente.

AB2 63,149% 26,091% 2,453% 2,644% 4,147% 0,834% 0.478% 0,199%

AMOSTRA AM

AMOSTRA

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Pesquisa em Foco líquido para o estado plástico, determina quando a mesma pode ser moldada sem perder a sua forma. Isso acontece se o número de golpes for próximo de 25. Portanto, o cálculo do limite de liquidez é um fator importante na indústria de cerâmica vermelha, pois marca o momento em que as técnicas de moldagem podem ser utilizadas sem desperdícios de matéria-prima e energia. Quanto ao índice de plasticidade, as amostras AM, BB, BPcb, AV, AB1 e BPcp apresentaram valores dentro da faixa de plasticidade alta adequada para a produção de materiais cerâmicos, os quais se podem citar: blocos e telhas, segundo (MACEDO, 2005). Observou-se também, que a argila AB2 apresentou um índice de plasticidade, que segundo Macedo (2005) caracteriza plasticidade mediana e que a argila AV apresentou índice de plasticidade superior as demais, provavelmente por apresentar em sua composição teores de SiO2 menores e teores de fundentes maiores, vindo proporcionar uma plasticidade maior na argila. Ao compararmos os dados obtidos entre as amostras, pôde-se observar que as argilas utilizadas pela Cerâmica Pé Seco, apresentaram plasticidade maior que as da Cerâmica Batateiras, sendo assim quando adicionada a massa cerâmica, necessitará de uma quantidade de água superior para moldagem dos produtos.

Contudo, com os resultados e conclusões obtidos no estudo, foi possível conhecer as composições químicas e as características de plasticidade das argilas utilizadas pelas empresas e a partir daí, traçar metas para estudos mais amplos. Foi possível observar também que as argilas utilizadas pela região apresentam características típicas das que estão sendo utilizadas pelo país como um todo. Essa pesquisa torna-se pioneira na região do Cariri, pois está sendo feita próxima as indústrias e com parcerias bastante promissoras, o que torna viável para as indústrias visto que, além de diminuir distâncias entre empresa-centro de pesquisa, estão sendo feitos estudos das matérias-primas utilizadas pelas mesmas acarretando em possíveis diminuições dos custos dos produtos, diminuição das perdas além de adequar os produtos aos padrões estabelecidos por Normas. Entretanto, esse estudo ainda é preliminar, sendo feito em algumas indústrias cerâmicas com as matérias-primas por elas utilizadas. Para que haja uma ampliação na pesquisa de forma geral e mais matérias-primas e produtos e mais indústrias sejam alcançadas com o estudo, torna-se necessário que nossos laboratórios estejam com mais equipamentos e assim, mais análises sejam realizadas aqui na UFCA, pois muitas das análises que são feitas fora da região leva tempos superiores ao previsto, atrasando desta maneira as conclusões e medidas que poderiam ser tomadas para dar êxito ao estudo, sendo esta uma das nossas limitações.

Considerações Finais Foram estudadas 8 amostras de argilas fornecidas por duas indústrias de cerâmicos da Região do Cariri-CE, objetivando analisá-las preliminarmente e compara-las quanto às características química e de plasticidade. Na análise das propriedades observou-se o seguinte: As argilas denominadas AM, BPcb, BV, AV, BP e AB1 as quais possuem teores elevados de óxido corante, Fe2O3, provavelmente fará com que os produtos queimem com a cor vermelho-marrom, sendo que esse teor é ainda maior nas argilas denominadas AV, BPps e AB1. Por outro lado, as argilas denominadas por BB e AB2, devido ao baixo teor de óxido corante, provavelmente dará cor clara aos produtos fabricados com as mesmas. As amostras AV, BPps, AB1 e AB2 apresentaram teores de óxidos fundentes mais elevados que as demais, e dessa forma provavelmente apresentarão menor temperatura de queima. A argila AB1 apresentou índice de plasticidade mais elevado seguida da amostra AV, AM, BB, BPcb, BPps e AB2. A argila BV não apresentou plasticidade, e, portanto é utilizada na indústria em misturas com outras argilas plásticas, já que normalmente numa massa cerâmica nunca se usa apenas uma argila.

Referências ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). NBR 7180: Solo Determinação do limite de plasticidade. Rio de Janeiro: ABNT, 1984. ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). NBR 6459: Solo Determinação do limite de liquidez. Rio de Janeiro: ABNT, 1984. Anuário Brasileiro de Cerâmica. Dados oficiais. Disponível em: www.anicer.com.br. Acesso em: 23/04/2014. BARBA, A. et al.. Materias primas para la fabricación de suportes de baldosas cerámicas. Castellón, Espanha: Castañeda, 1997. 292p. CAPUTO, H. P. Mecânica dos solos e suas aplicações fundamentais. Rio de Janeiro: Livros Técnicos, v. 1, 1994. FIEC: Disponível em HTTP://www.fiec.org.br Acesso em 08/08/2012. 223


Caderno de Experiências MACEDO, R. S.; MENEZES, R. R.; NEVES, G. A.; FERREIRA, H. C. Estudo de argilas usadas em cerâmica vermelha. Cerâmica, v. 54, p. 411-417, 2008.

RIBEIRO, M.J.; FERREIRA, A.A.L.; LABRINCHA, J.A. Aspectos fundamentais sobre a extrusão de massas de cerâmicas vermelhas. Cerâmica Industrial, v. 8, nº. 1, 2003.

MACEDO, R. S. Estudo comparativo entre massas cerâmicas industriais e aditivadas para uso em blocos cerâmicos. 2005. Tese (Doutorado em Engenharia de Processos) – Centro de Ciência e Tecnologia, UFCG, Campina Grande, 2005.

RIBEIRO, C.G.; CORREIA, M.G.; FERREIRA, L.G.; GONÇALVES, A.M.; RIBEIRO, M.J.P.; FERREIRA, A.A.L. Estudo sobre a influência da matéria orgânica na plasticidade e no comportamento térmico de uma argila. Cerâmica Industrial, v. 9, nº. 3, 2004.

MENEZES, R.R.; NEVES, G.A; FERREIRA, H.C. Mapeamento de argilas do estado da Paraíba. Cerâmica, v. 47, nº. 302, 2001, p.7781.

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MEHISUFC: Disponível <HTTP://www.mehisufc.blogspot.com.br> Acesso em: 08/08/2014.

em

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SOUZA SANTOS, P., Ciência e Tecnologia de Argilas. São Paulo: v. I e II, Edgard Blücher, 1992.

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Pesquisa em Foco

TEORES DE CARBONO E NITROGÊNIO EM SOLOS SUBMETIDOS À AREAS DE MANEJO FLORESTAL E VEGETAÇÃO NATIVA

Francisco Assis de Sousa Filho Agronomia/UFCA asfilho@agronomo.eng.br

Antonio Italcy de Oliveira Júnior Engenharia/UFCA antonioitalcy@alu.ufc.br

Adriana Oliveira Araújo Engenharia/UFCA adrianasaneamento050@gm ail.com

Luiz Alberto Ribeiro Mendonça Professor/UFCA larm@ufc.br

1 Introdução

2 Fundamentação Teórica

O manejo do solo empregado na agricultura e o extrativismo da vegetação, resultantes da substituição de áreas de vegetação nativa por sistemas agrícolas, resultam em impactos ambientais negativos, alterando a dinâmica da matéria orgânica do solo (MOS) (RANGEL et al., 2008). LEITE et al (2003) ressalta que os sistemas agrícolas e manejos florestais, em substituição às florestas nativas, causam desequilíbrios de ecossistemas, modificando propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos. A intensidade destas modificações varia com as condições edafoclimáticas, a natureza do solo e os usos e manejos adotados. Neste contexto, os sistemas agrícolas e manejos florestais em substituição ás florestas nativas causam desequilíbrios de ecossistemas, modificando propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. A intensidade destas modificações varia de acordo com as condições edafoclimáticas, a natureza do solo e os usos e manejos adotados (ÁRAUJO et al., 2004). A relação C/N é um bom indicador da qualidade de solos manejados. Elevados valores da relação C/N indicam que a decomposição da MOS é lenta, já que há menor quantidade de nitrogênio disponível para os microrganismos, favorecendo a imobilização. Valores de C/N > 30 (alto) indicam a possibilidade do esgotamento do nitrogênio nos solos, já para C/N < 20 (baixo) há possibilidade de liberação do carbono mineralizado (MOREIRA & SIQUEIRA, 2006). A MOS faz parte do equilíbrio do ciclo do carbono (C) e do nitrogênio (N), e seu conteúdo encontra-se estável em solos sob vegetação natural. Quando ecossistemas nativos são alterados por atividades antrópicas, o equilíbrio dinâmico é quebrado e, normalmente, as entradas de C são menores do que as saídas, o que conduz à redução da quantidade e a modificação da qualidade da MOS (BORTOLON et al., 2009). Assim, objetivou-se com este estudo analisar os teores de carbono orgânico e nitrogênio total de solos sob áreas de manejo florestal e de vegetação nativa preservada na Chapada do Araripe.

A região do Araripe, na confluência dos Estados de Pernambuco, Ceará e Piauí tem localizada em seu território a Floresta Nacional do Araripe – FLONA/ARARIPE, primeira a ser criada no Brasil, através do Decreto Nº 9.226, no dia 02 de maio de 1946. Localiza-se no topo da Chapada do Araripe – centro da Região Nordeste do Brasil, no extremo sul do estado do Ceará, abrangendo parte dos municípios de Santana do Cariri, Crato, Barbalha, Missão Velha e Jardim ocupando aproximadamente 5 % da área da Chapada do Araripe, que é de 8.000 km2. (ALVES, 2011). Manejo Florestal (MF) é a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema. Corresponde à utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços ambientais (SÁ et al, 2011). A qualidade do solo (QS) está centrada na identificação de um índice capaz de servir como indicador, assim como existem indicadores para qualidade do ar e da água. Cientistas do solo, agricultores e instituições governamentais tem interesse em obter um indicador de qualidade do solo (IQS) para avaliar terras, em relação à degradação, estimar necessidades de pesquisa e de financiamentos e julgar práticas de manejo, a fim de monitorar mudanças nas propriedades e nos processos do solo, na sustentabilidade e na qualidade ambiental, que ocorram no tempo, em resposta ao uso da terra e as práticas de manejo (VEZANI; MIELNICZUC, 2009). O solo pode ser entendido como um sistema aberto, sendo que o conteúdo de matéria orgânica do solo (MOS) presente no mesmo é resultado do balanço entre as adições e perdas de C do sistema. A adição se dá pelas plantas, com a formação da biomassa vegetal (parte aérea e raízes), e as perdas ocorrem pelos processos de decomposição microbiana da MOS, lixiviação de compostos orgânicos e erosão hídrica. Segundo o mesmo autor estes processos são determinados não só pelo clima e condições do solo, mas também pela qualidade do resíduo e pela atividade de raízes, micro-organismos e fauna do solo (LAPEN et al ., 2004). 225


Caderno de Experiências Sendo então um grande reservatório de nutrientes vegetais e de carbono, afetando diretamente os atributos físicos, químicos, biológicos e morfológicos do solo. Assim, o estudo e a compreensão de sua dinâmica são fundamentais para a manutenção da sustentabilidade dos diferentes sistemas agrícolas e para a produtividade do solo, que muda constantemente em função do uso desse recurso natural. Entretanto a relação entre o teor de MOS e a produtividade nem sempre é direta e linear, mas na maioria das vezes, pode-se afirmar que quanto maior o teor de MOS, melhor é o solo (ALVES, 2011). O carbono do solo (C) pode estar na forma inorgânica (carbonato, bicarbonato e dióxido de carbono) e orgânica (polissacarídeos, ácidos graxos, aminoácidos, polifenóis, etc.). Em solos ácidos que não tenham recebido calagem recente, as quantidades de C inorgânico são insignificantes. O C orgânico do solo é encontrado na biomassa microbiana dos micro-organismos, no húmus estabilizado, nos resíduos vegetais e animais em diferentes estágios de decomposição e em materiais inertes como carvão vegetal ou mineral (SILVA; MENDONÇA, 2007). O nitrogênio é um dos principais fatores limitantes ao aumento ou mesmo à manutenção da produtividade das culturas nos solos tropicais, pela sua dinâmica complexa e custo da obtenção na indústria, o que leva à busca de alternativas viáveis para minimizar a necessidade de aplicação e prolongar o seu tempo de disponibilidade para as plantas (SOUZA; MELO, 2000). O nitrogênio é encontrado na natureza como gás (N2) muito pouco reativo (energia de dissociação de 225,8 Kcal mol.-1) ou combinado com outros elementos, principalmente oxigênio, hidrogênio e carbono em ligações covalentes. Os teores de N total dos solos agrícolas variam em geral entre 0,02 e 0,5 dag kg.-1, sendo que, 98% desde encontra-se na forma orgânica. Os 2% restantes correspondem a formas inorgânicas, principalmente, NH+4 e NH3 (SILVA; MENDONÇA, 2007). A disponibilidade dos nutrientes para as plantas depende de sua natureza e forma química, o que determina o nivel de atividade da população de organismos heterotroficos e o balanço liquida entre a mineralização e imobilização (M/I). Na relação C/N esse balanço é controlado pela quantidade em termos proporcionais da quantidade de carbono e o nitrogênio (KIEHL, 1979). Segundo Dick et al. (2005) nos primeiros anos após a conversão de uma área florestal para uma área de manejada, a MOS deve funcionar como fonte de nutrientes, visto que ocorre alteração do equilíbrio, há rápida decomposição da MOS e liberação de nutrientes. A relação C/N dá a informação do estado de humificação da MOS. Sabendo-se que o húmus possui uma relação C/N que varia de 12:1 a 8:1

tendo por média 10:1, quando o resultado das análises desses elementos apresentarem elevados teores de carbono, em relação aos de nitrogênio, sabe-se que a matéria orgânica desse solo não está completamente humificada ou foram feitas adições recentes de restos de vegetais crus (KIEHL, 1979). Quando relações C/N estão em proporções entre a faixa de 20–30, a imobilização e a mineralização operam na mesma intensidade, havendo equilíbrio entre esses processos e sem alteração imediata na disponibilidade dos nutrientes. Quando a relação C/N<20 são chamados substratos ricos onde esses são mineralizados, ocorre aumento na disponibilidade de nutrientes, ao contrário daqueles classificados como pobres, com relação C/N>30, que não possuem nutrientes e quantidade suficiente para atender à demanda da comunidade mineralizadora, causando imobilização de nutrientes do solo. A decomposição e a mineralização da MOS sofrem grande influência das intervenções feitas no solo, que afetam a comunidade microbiana e sua atividade, com reflexos em curto prazo na reciclagem da MOS e dos nutrientes (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006). 3 Procedimentos Metodológicos O estudo foi realizado na Floresta Nacional do Araripe (FLONA) e na unidade de manejo florestal (UMF) das Fazendas Pau D’arco e Bonfim, localizadas no setor oriental da Chapada do Araripe, extremo sul do Estado do Ceará (9183896 - 9199039 N e 435987 - 460703 S, Zona 24S, SAD69 datum) A FLONA, com área de aproximadamente 383 km2, foi a primeira Unidade de Conservação federal do Brasil, criada pelo Decreto 9.226, de 02 de maio de 1946, com o objetivo de conservar os recursos florestais para manter centenas de nascentes perenes que irrigam os vales. Ela é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e é constituída, predominantemente, de floresta úmida semiperenifólia, cerradão e cerrado. Ela possui aproximadamente 383 km2 de área preservada e exerce grande influência no clima local, tornando-o úmido, além de possuir grande relevância na manutenção do equilíbrio hidrológico, climático, ecológico e edáfico da região. (EMBRAPA, 2006; ALVES et al., 2011). A UMF do estudo tem área de aproximadamente 15 km2, está localizada na zona de entorno da FLONA e é constituída de cerrado. De acordo com o levantamento exploratório de Jacomine et al., (1973) e de Carvalho et al., (1999), no setor oriental da chapada do Araripe predominam os solos do tipo Latossolo Vermelho-Amarelo (LVA) de textura média a argilosa, provenientes dos arenitos da Formação Exu, que afloram na área. Segundo 226


Pesquisa em Foco Araujo (2010), os solos da FLONA e do manejo possuem textura franco argilo arenoso. As áreas de estudo encontram-se em altitude de aproximadamente 1.000 m, em relevo tabular plano; a FLONA, porém, encontra-se limitada por escarpas abruptas em direção ao Vale do Cariri, com desnível de aproximadamente 400 m. A Unidade de Manejo Florestal (UMF) localiza-se na Fazenda Pau D’árco e Bonfim, setor oriental da Chapada do Araripe, próxima a divisa com o Estado do Pernambuco, extremo sul do Estado do Ceará (Figuras 1 e 3). A UMF foi implantada no ano de 2002 com a finalidade de fornecer lenha para uma indústria de cerâmica localizada no município do Crato. Para isto, a área de manejo foi dividida em 22 talhões (T1 a T22), sendo quatro já explorados, (T1; T2; T3 e T4) desde 2006, em diferentes períodos de pousio, um em exploração (T5), desde 2012, e 17 ainda não explorados. Porém esse trabalho foi desenvolvido em três talhões (T2; T4; T5) e uma reserva ambiental (RA). Durante a exploração dos talhões, ocorre trânsito de pessoas e eventualmente de máquinas, principalmente nas margens dos talhões explorados. Antes da implantação, a partir de 1974, a área havia sido degradada para plantio de café e outras culturas, além de abrigar aproximadamente 52 famílias, que sobreviviam da caça e da produção clandestina de carvão vegetal. As coletas das amostras foram realizadas nos períodos seco de 2012 e chuvoso de 2013, em quatro talhões já explorados (T1, T2, T3 e T4), um em exploração (T5), um na área de Reserva Ambiental (RA) e na FLONA - Araripe (F),

perfazendo um total de quatro coletas em cada ponto nas camadas de 0-10, 10-20 e 0- 20 cm. Após as coletas as amostras foram acondicionadas em sacos plásticos e levadas ao Laboratório de Saneamento da Universidade Federal do Cariri para os procedimentos analíticos. Os teores de COT foram determinados por oxidação da matéria orgânica empregando solução de dicromato potássio (K2Cr2O7), após as amostras terem sido trituradas em almofariz e peneiradas em malha 0,210 mm, conforme descrito por (MENDONÇA ; MATOS, 2005). O NT foi determinado pela digestão do solo com ácido sulfúrico seguida de destilação a vapor Kjeldahl (MENDONÇA ; MATOS, 2005). Utilizou-se análise de variância, com 4 repetições (correspondente ao número de coletas) e 2 tratamentos ( UMF e FLONA). Esta análise foi feita em duas camadas: 0-20 cm. As médias das diferentes camadas foram comparadas pelo teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade e realizada matriz de correlação de Pearson, com o auxílio do programa computacional Statistical Analysis Systems (SAS). 4 Resultados e discussão Na Tabela 1 está apresentada a análise descritiva dos parâmetros químicos obtidos em amostras de solos coletadas na UMF e na FLONA, nas profundidades de 0 a 20 cm.

Tabela 2. Estatística descritiva dos parâmetros químicos carbono orgânico total (COT) e nitrogênio total (NT).

Áreas

Méd

COT (g.kg-1) Máx Mín

T2 T4 T5 RA FLONA

19,56 17,81 18,29 22,09 34,14

24,10 20,74 21,59 24,91 39,49

16,10 13,89 16,27 18,79 30,14

D.P

C.V

4,11 3,53 2,88 3,09 4,82

0,21 0,19 0,15 0,13 0,14

De acordo com a Tabela 1, observam-se que os maiores teores de COT na FLONA nas duas profundidades. Esse comportamento é típico de vegetação nativa preservada, com resíduos vegetais na superfície do solo que promove a decomposição lenta e gradual, a qual garante a constante incorporação de material orgânico no solo. Esses resultados podem ser corroborados por estudos realizados por Guareschi et al (2012) esses autores afirmam que os maiores teores de COT em áreas de vegetação preservada estão relacionados ao maior aporte e deposição de resíduos,

Méd

NT (g.kg-1) Máx Mín

D.P

C.V

0,49 0,62 1,01 0,61 0,98

1,01 1,23 1,01 1,18 1,74

0,39 0,49 0,40 0,47 0,65

0,79 0,79 0,39 0,77 0,66

0,06 0,06 0,05 0,04 0,16

diversidade de plantas, densidades de espécies arbóreas e tipo de espécie vegetal. Ao se considerar as diferentes áreas de estudo verifica-se que os maiores teores de NT foram obtidos também na FLONA. Esse comportamento é típico de vegetação nativa preservada, com resíduos vegetais na superfície do solo que promove a decomposição lenta e gradual, a qual garante a constante incorporação de material orgânico no solo. Em relação ao incremento de NT, este pode estar associado à elevada umidade e também ao tipo de resíduo vegetal. 227


Caderno de Experiências Carbono orgânico total e nitrogênio total

FLONA

NT (g. kg-1)

C/N

T2

21,10 b

0,89 b

23,70

T4

23,10 b

0,80 b

28,87

T5

19,80 b

1,00 b

19.80

28,80 b

0,82 b

35,12

30,16

T2

17,80 b

0,59 c

T4

18,00 b

0,80 bC

22,5

T5

17,79 b

0,99 b

17,96

RA

19,79b

0,56 b

35,33

FLONA

35,42 a

1,30 a

27,24

T2

24,46b

0,64 a

38,21

T4

29,70b

0,71 a

41,83

T5

23,60 b

0,70 a

33,71

RA

19,10 b

0,71 a

26,9

FLONA

37,10 a

0.93 a

38,64

Médias das colunas seguidas das mesmas letras não diferem significativamente entre si pelo teste de Tukey a 5%.

Em estudo realizado por Ferreira (2008), também foi observada correlação positiva entre COT e C/N, na camada 0-20 cm, (r = 0,72; p < 0,05; n=12). Essa correlação foi atribuída a uma maior influência da qualidade da MOS depositada no solo pelos diferentes tipos de vegetação, podendo ocasionar as variações do NT em diferentes camadas. De modo geral, ocorreu um decréscimo de COT ao longo da camada em ambas as áreas. Esse comportamento também foi identificado por diversos autores (LEITE, 2002; CONCEIÇÃO, et al., 2005; GUARESCHI, et al., 2012). Pode-se inferir, também, que, apesar das diferenças entre as médias dos teores de carbono não serem estatisticamente significativas, pode-se observar uma tendência a redução dos teores de COT, no T5, em camada. Este resultado indica impacto negativo ocorrido no solo após a retirada da vegetação, uma vez que este talhão ainda está sendo explorado. É importante destacar que, ao longo das camadas, não foram obtidas diferenças significativas entre as concentrações de COT, reforçando a assertiva de que o COT não é um indicador sensível para avaliar as mudanças da qualidade do solo em função do manejo, devido à predominância de compartimentos mais recalcitrantes (GUIMARÃES et al., 2012). Em relação ao decréscimo de NT, ao longo da camada, em ambas as áreas, verificou-se, de maneira geral, semelhança com observado por Santana et al. (2011), ao estudar um Latossolo subtropical com a presença de Fe e Al. Fracetto et al. (2012), enfatizam que esse comportamento só pode ser explicado se o NT não estiver ligado aos complexos argilominerais da fração argila. Assim, tanto o N como a MOS podem ser utilizados como indicadores da qualidade do solo, em sistemas agrícolas e em áreas de vegetação nativa. Quanto à relação C/N, verificou-se, na FLONA, uma tendência de elevação ao longo da camada. Esse resultado pode estar relacionado ao maior

0 -10 cm

RA

29,07

0 - 20 cm

Tabela 2: Valores COT e NT, e relação CN COT (g. kg-1)

1,41 a

10 - 20 cm

As concentrações de carbono orgânico total (COT) e de nitrogênio total (NT), bem como a relação C/N, são apresentadas na Tabela 2. Verifica-se, na Tabela 2, que os teores de COT diferiram estatisticamente entre as áreas de estudo. Com relação ao nitrogênio, foram observadas diferenças estatísticas nas camadas de 0 - 10 e 10 20 cm. Também se verificou que os maiores teores de COT foram encontrados, em ambas as áreas, nas camadas de 0 - 10 e 0 - 20 cm, sendo os maiores valores na FLONA e os menores nas áreas da UMF. Com relação ao NT, os maiores teores foram obtidos na camada de 0-10 cm. Ao se considerar as diferentes áreas de estudo verifica-se que os maiores teores de NT foram obtidos também na FLONA. Esse comportamento é típico de vegetação nativa preservada, com resíduos vegetais na superfície do solo que promove a decomposição lenta e gradual, a qual garante a constante incorporação de material orgânico no solo. Em relação ao incremento de NT, este pode estar associado à elevada umidade e também ao tipo de resíduo vegetal. Esses resultados podem ser corroborados por estudos realizados por Araújo et al., (2013); Fracetto (2012) e Guareschi et al., (2012). Esses autores afirmam que os maiores teores de COT e NT em áreas de vegetação preservada estão relacionados ao maior aporte e deposição de resíduos, diversidade de plantas, densidades de espécies arbóreas, tipo de espécie vegetal. A cobertura vegetal nessas áreas favorece as melhores condições edafoclimáticas, tais como, clima e aeração do solo, que podem contribuir com o incremento de COT (GUIMARÃES et al., 2012). Ao se determinar o Coeficiente de Correlação de Pearson (r), para um nível de significância de 5% (α = 0,05), na camada de 0-20 cm, verificou-se correlação positiva entre o COT e a relação C/N (r = 0,74; p < 0,05; n=7). Essa correlação sugere uma maior influência da vegetação e do tipo de material orgânico presente no solo sob a FLONA e os talhões (T1 a T5). Tabela 2. Médias das concentrações de carbono orgânico total (COT) e de nitrogênio total (NT), bem como a relação C/N, determinadas em amostras de solo coletadas na UMF e na FLONA, nas camadas de 0 - 10, 10 - 20 e 0 – 20 cm.

Áreas

41,00 a

228


Pesquisa em Foco aporte de resíduos vegetais e a sua qualidade no solo. No entanto, solos de florestas apresentam maiores relações C/N tanto em camadas superficiais quanto em camadas profundas. No ambiente de floresta, os valores elevados de C/N em camadas mais profundas do que 20 cm devemse a presença de fragmentos de MOS recalcitrante (SANTANA et al., 2011). Assim, a relação C/N, além de sugerir sobre a qualidade da MOS adicionada ao solo também pode sugerir sobre o grau de humificação da MOS, sendo que altos valores sugerem adição e/ou presença no solo de uma MOS de difícil degradação (recalcitrante). Baixos valores indicam uma MOS mais facilmente decomponível e mais estável no solo (LEITE, 2002).

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Considerações Finais

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- As áreas de manejo florestal submetidas a corte tipo raso de vegetação nativa apresentaram redução nos teores de COT e NT em relação à FLONA Araripe. - Os teores de COT e NT apresentaram correlação positiva em todas as camadas. - As áreas apresentaram relação C/N característica de substrato em condição intermediaria.

DICK, D.P.; GONSALVES,C.N.; DALMOLIN, R.S.D.; KNICKER, H.; KLAMT, E.; KOGELKNABNER, I; SIMÕES, M.L.& MARTIN NETO, L. Characteristics of soil organic matter of different Brasilian Ferralsols under native vegetation as a function of soil depth. Geoderma, 124:319-333, 2005.

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230


Pesquisa em Foco

UTILIZAÇÃO DA ANÁLISE DE AGRUPAMENTOS NA CARACTERIZAÇÃO DO SOLO DA MICROBACIA HIDROGRÁFICA DO SÃO JOSÉ NO CARIRI CEARENSE

Antonio Italcy de Oliveira Júnior Engenharia/UFCA antonioitalcy@alu.ufc.br

Wandson de Freitas Pereira Engenharia/UFCA wandsonf@gmail.com

Sávio de Brito Fontenele Engenharia Agricola/UFCA savio.fontenele@hotmail.com

Adriana Oliveira Araújo Engenharia Agricola/UFCA adrianasaneamento050@gma il.com

LUIZ ALBERTO RIBEIRO MENDONÇA Professor/UFCA larm@ufc.br

1 Introdução

resistência à penetração orgânica).

A degradação do solo influencia na qualidade e quantidade das reservas hídricas. A exploração da vegetação e a crescente urbanização torna o solo desprotegido e aumenta à impermeabilização do mesmo. Em resposta a essas ações o solo fica mais vulnerável a impactos mecânicos e mais suscetível ao escoamento superficial e a perdas de sedimentos, favorecendo ainda mais a compactação (ARAÚJO, 2010). Diante disso, surge uma problemática no que diz respeito à redução da recarga de aquíferos, sobretudo em regiões de clima semiárido que possuem o abastecimento de água oriundo de reservas subterrâneas, como por exemplo, a região do Cariri cearense, localizada no extremo sul do Estado do Ceará. Nesse sentido, é importante caracterizar os solos de bacias hidrográficas localizadas nesses ambientes vulneráveis. Essa caracterização pode ser realizada através de análises que contemplem os aspectos antropicos (uso e ocupação do solo) e topografia (altitude e a declividade) de uma dada bacia hidrográfica, associados às propriedades físicas e químicas dos solos (umidade, granulometria, resistência à penetração, teor de matéria orgânica, etc.). Como ferramenta auxiliar nesta caracterização encontra-se a análise estatística multivariada. Esta ferramenta vem sendo utilizada nos últimos tempos por diversos pesquisadores e uma das técnicas de classificação encontra-se a análise de agrupamentos. Estudos apontam a mesma como uma ferramenta eficiente, tanto na caracterização de solos (ARAÚJO et al., 2013), quanto de águas (FERNANDES et al., 2010). Nesse contexto, este trabalho tem por objetivo empregar a ferramenta de análise multivariada, por meio da técnica de análise de agrupamentos, na caracterização dos solos da Microbacia Hidrográfica do São José, considerando aspectos antropicos (uso e ocupação do solo) e topográficos (altitude e a declividade) e propriedades físicas e químicas dos solos (umidade, granulometria,

e teor

de matéria

2 Fundamentação Teórica De acordo com CARVALHO et al.( 2012), uma das principais preocupações do planejamento e da gestão dos recursos hídricos é a minimização dos impactos do uso do solo e a eliminação do uso inadequado da água pelo homem. Segundo Brooks et al., (1991), o manejo de bacias hidrográficas consiste na organização e orientação do uso da terra e de outros recursos naturais, com a finalidade de produzir bens e serviços, sem destruir ou alterar adversamente o solo e a água. Nesse sentido, a identificação e classificação do uso do solo são de fundamental importância no conhecimento do ambiente em que a bacia está inserida. Vazea et al., (2010) destacaram que à medida que a ocupação urbana de uma bacia aumenta, ocorre redução da capacidade de infiltração dos solos e como consequência um aumento no volume e velocidade do escoamento superficial, gerando problemas na drenagem urbana, como por exemplo as enchentes. De acordo com Porto et al., (1999) a declividade de uma bacia apresenta forte e complexa relação com o escoamento superficial, a capacidade infiltração, a umidade dos solos e a recarga dos aquíferos. Para eles a declividade é um dos fatores mais significativo que controla o escoamento superficial e a concentração da chuva e, portanto, tem importância direta com relação à proporção das enchentes. Os fatores hidrometeorológicos, tais como temperatura, precipitação e evaporação são funções da altitude e exercem influência no deflúvio médio da bacia. Desse modo, esta característica física da bacia hidrográfica preconiza que o relevo deve ser nitidamente conhecido para melhor compreensão do comportamento hidrológico (TONELLO et al., 2006). De modo geral, o solo é formado por partículas sólidas, líquidas e gasosas. A quantidade de água contida em uma amostra de solo é obtida através do 231


Caderno de Experiências cálculo da umidade que é uma relação, expressa em percentual, entre a massa de água e a massa sólida. A umidade é um dos parâmetros físicos que é observado para identificar modificações na qualidade do solo. Além do mais, o manejo do solo em condições de umidade inapropriadas, associado a determinadas granulometrias do solo, podem favorecer a compactação (ARAÚJO et al, 2013). O solo contém partículas de tamanhos diferentes em variadas proporções e a determinação do tamanho destas partículas e os respectivos percentuais de ocorrência, possibilita a construção da função de distribuição das partículas do solo, denominada distribuição granulométrica. As frações granulométricas de um solo podem variar entre argila (menores partículas), silte (partículas de tamanho intermediaria) e areia (maiores partículas). O grau de compactação das camadas do solo tem relação com a resistência à penetração das mesmas, isto é, quanto maior a resistência à penetração mais rígida e compactada é a camada do solo. Segundo Araújo et al, (2013), a compactação do solo reduz o volume de vazios através da modificação do arranjo estrutural das partículas, contribuindo com o aumenta da densidade e dos microporos, reduzindo os macroporos e a capacidade de infiltração do solo. A matéria orgânica dos solos é composta pela fração dos organismos vivos e seus restos em variados graus de decomposição. A matéria orgânica do solo é um constituinte cimentante, influente na formação e manutenção dos agregados, que conserva a porosidade (macro e microporosidade), a umidade e a capacidade de infiltração dos solos (CALOURO, 2005; MENDONÇA et al., 2009; ARAÚJO et al, 2013). Neste contexto, a caracterização dos solos a partir da interpretação de vários atributos é uma metodologia complexa que utiliza análise estatística multivariada, na qual enquadra-se a técnica de análise de agrupamentos. A análise de agrupamentos tem o propósito de reunir objetos fundamentando-se nas características dos mesmos. Ela classifica os objetos de acordo com aquilo que cada um tem de similar em relação a outros, agrupando-os a partir de critério de seleção predeterminado. Dessa forma, o grupo resultante da classificação deve apresentar alta homogeneidade interna e alta heterogeneidade externa (CORRAR et al., 2009).

(CARVALHO, 2013) (Figura 1). Esta microbacia hidrográfica encontra-se inserida na Bacia Sedimentar do Araripe, com maior parcela nos municípios de Crato e Juazeiro do Norte e menor no município de Barbalha. O clima da região, segundo a classificação de Köppen-Geiger, é semiárido, com precipitação média anual de aproximadamente 1.000 mm, distribuída em regime bastante irregular: nos meses de janeiro a maio ocorre a principal estação chuvosa, responsável por aproximadamente 70% das chuvas anuais. Figura 1: Localização da microbacia hidrográfica do São José

Fonte: Carvalho, 2013.

Apesar da tipologia diversificada e expressiva variação espacial dos solos na região do Cariri, a área estudada apresenta apenas três tipos de solos: os Latossolos Vermelho-Amarelo, os Neossolos e os Argissolos (CEARÁ, 2006). Na MHSJ foram selecionados 39 pontos para obtenção dos dados e cada um deles foi georeferenciado com auxílio de GPS (Tabela 1). A obtenção dos dados foi feita no ano de 2011 a partir de amostragens realizadas na camada superficial de 0-20 cm. Costa (2013) classificou o uso e ocupação do solo da MHSJ nas seguintes classes: vegetação rasteira (1), área urbana (2), caatinga arbustiva arbórea (3), agricultura (4), floresta úmida (5), cerrado (6) e solo exposto (7), conforme mostrado na Figura 2. Os números entre parênteses referem-se a identificação dos usos e ocupação dos solos.

3 Procedimentos Metodológicos A Microbacia Hidrográfica do São José (MHSJ) localiza-se no extremo sul do Estado do Ceará e possui área de aproximadamente 40 km²

232


Pesquisa em Foco Tabela 1: Georeferenciamento dos 39 pontos (pt.) de colate de amostras Pt. GU01 GU03 GU05 GU06 GU07 GU08 GU09 GU10 GU11 GU12

Lat. 460831 461193 459064 459855 461268 461847 459271 460249 461318 458023

Long. 9201410 9200820 9200176 9199892 9199840 9200242 9199496 9199176 9199268 9198986

Pt. GU13 GU14 GU15 GU16 GU17 GU18 GU19 GU20 GU22 GU23

Lat. 458610 459504 457805 460406 460874 458224 458861 460893 459895 457725

Long. 9198966 9198598 9198420 9197988 9198588 9198060 9197656 9197742 9197166 9197725

Pt. GU24 GU25 GU26 GU27 GU28 GU29 GU31 GU32 GU35 GU37

Lat. 458168 459017 460539 461457 458155 456577 460151 460776 459948 456816

Long. 9196630 9196816 9196560 9196210 9196146 9195588 9195750 9195486 9194566 9194420

Pt. GU38 GU39 GU40 GU41 GU42 GU43 GU44 GU46

Lat. 457983 455996 457197 458752 455120 455039 455570 453622

Long. 9195366 9193394 9193640 9194384 9194732 9192928 9192874 9193810

GU47

454599

9192644

Figura 2: Mapa de uso e ocupação dos solos da MHSJ

Fonte: Adaptada de Costa, 2013.

Os dados topográficos dos pontos coletados foram obtidos através dos modelos numéricos de terreno – MNT, gerados com dados do SRTM (Shuttle

Radar Topography Mission). Foram utilizados dados do SRTM de 92 m x 92 m de resolução 233


Caderno de Experiências espacial, disponibilizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). A umidade das amostras de solos foi quantificada através do método gravimétrico (Equação 1). As massas secas foram obtidas por pesagem das amostras depois de secagem em estufa a aproximadamente 105 ºC (EMBRAPA, 1997).

critério hierárquico de agrupamento, com medida de similaridade dada pela “distância euclidiana quadrada”. O processamento das informações foi efetuado pelo software SPSS, versão 20.0. 4 Resultados e discussão Na Tabela 2 são apresentados os resultados dos parâmetros analisados e a estatística descritiva. De forma geral, as amostras apresentaram baixo teor de umidade, com média de aproximadamente 4,81% e declividade de média de 7,01%. Quanto ao uso e ocupação do solo nota-se a predominância da vegetação rasteira. A maioria das amostras coletadas apresentaram maior fração de areia (grossa e fina) e resistência a penetração maior que 4 MPa. Segundo Carvalho et al., (2012) solos não revolvidos anualmente são toleráveis até 4 MPa, favorecendo a permanência e continuidade de poros, atividades biológicas mais ativa e maior estabilidade dos agregados. É importante salientar que os baixos teores de umidade dos solos da área também podem ter contribuído com o aumento da resistência a penetração. A análise da variabilidade dos parâmetros, medida pelo coeficiente de variação (CV) (Tabela 2) foi fundamentado nos limites proposto por Warrick e Nielsen (1980), para classificação dos parâmetros analisados do solo, que admite: variabilidade baixa (CV <12%), variabilidade média (12%< CV <60%) e variabilidade alta (CV> 60%). Dos parâmetros analisados a declividade, fração silte, fração argila, teor de umidade, teor de matéria orgânica e resistência à penetração apresentaram variabilidade alta. Já a altitude, fração areia grossa e fração areia fina apresentaram variabilidade média.

(1) Em que, U é a umidade (%), Ma é a massa úmida da amostra (g) e Ms é massa seca da amostra (g) A granulometria foi obtida pelo método da pipeta (EMBRAPA, 1997) utilizando como dispersante químico o hidróxido de sódio (NaOH 1mol.L-1). A resistência à penetração foi medida utilizando um penetrômetro de impacto modelo Stolf (STOLF et al., 1983). Neste procedimento, a penetração por impacto foi lida na haste graduada do penetrômetro e os resultados foram fornecidos em impactos/dm (número de impactos necessários para perfurar um decímetro de solo) e posteriormente transformados para MPa (Mega Pascal). A matéria orgânica foi determinada no Laboratório de Saneamento da Universidade Federal do Cariri através do método gravimétrico. Neste procedimento, 4 g de amostra do solo previamente seca a 105 °C é levada a mufla aquecida a 550 °C por 5 h. Através da razão entre o peso da fração calcinada da amostra e o peso do solo seco em estufa a 105°C obtém-se o teor de matéria orgânica (DAVIES, 1974). As amostras foram pesadas em balança digital com sensibilidade de 0,001 g. Dos dados obtidos construiu-se uma matriz de correlação linear de Pearson, a partir da qual avaliou-se o grau de associação entre os mesmos. Em seguida, procedeu-se à análise de agrupamento multivariada. Para agrupar espacialmente os pontos analisados, empregou-se o método do “vizinho mais distante” (furthest neighbor) como

Tabela 2: Parâmetros analisados e a estatística descritiva Areia Declividade Altitude PONTO grossa (%) (m) (%) GU01 GU03 GU05 GU06 GU07 GU08 GU09 GU10 GU11 GU12

3.12 3.37 7.78 6.71 4.46 6.89 1.46 0.90 3.18 3.30

388.90 418.10 441.90 425.50 418.90 433.70 426.00 404.10 419.20 481.20

0.63 0.55 0.36 0.59 0.51 0.18 0.47 0.14 0.47 0.42

Areia fina (%)

Silte (%)

Argila (%)

0.29 0.41 0.39 0.34 0.43 0.37 0.46 0.23 0.39 0.38

0.06 0.04 0.11 0.03 0.06 0.16 0.03 0.36 0.07 0.06

0.02 0.00 0.14 0.04 0.00 0.28 0.06 0.28 0.07 0.14

234

Resisten Uso e cia a ocupa Penetra ção do ção solo (Mpa) 2.19 3.18 1 0.83 3.02 2 4.61 5.38 3 1.53 5.51 2 1.45 2.17 2 14.02 14.87 2 1.67 9.12 1 9.36 12.02 1 4.78 2.17 1 4.79 7.08 1

Matéria Umi orgânica dade (g/Kg) (%) 11.17 2.28 8.38 1.86 1.55 7.65 1.45 19.86 7.55 8.59


Pesquisa em Foco GU13 GU14 GU15 GU16 GU17 GU18 GU19 GU20 GU22 GU23 GU24 GU25 GU26 GU27 GU28 GU29 GU31 GU32 GU35 GU37 GU38 GU39 GU40 GU41 GU42 GU43 GU44 GU46 GU47 Média Desvio Padrão CV (%)

6.64 9.36 3.36 2.01 3.09 6.79 8.08 4.53 3.76 6.72 3.49 3.32 5.19 4.41 10.75 11.28 1.93 4.32 1.99 9.61 1.26 6.10 13.35 2.79 8.99 35.23 26.38 27.05 0.22 7.01

463.70 434.70 497.20 411.60 419.00 465.70 436.90 431.60 434.60 509.80 466.70 426.60 425.30 446.70 448.60 570.30 429.60 442.10 438.80 602.50 449.70 695.50 644.70 447.70 644.30 918.90 816.60 938.40 952.20 511.99

0.41 0.33 0.51 0.55 0.45 0.50 0.35 0.42 0.19 0.56 0.19 0.54 0.57 0.26 0.38 0.33 0.65 0.30 0.30 0.41 0.61 0.38 0.39 0.36 0.40 0.36 0.28 0.28 0.30 0.41

0.31 0.51 0.26 0.41 0.46 0.41 0.51 0.43 0.72 0.25 0.18 0.39 0.35 0.64 0.29 0.22 0.29 0.56 0.60 0.32 0.31 0.29 0.33 0.37 0.34 0.25 0.21 0.15 0.14 0.36

0.09 0.04 0.07 0.03 0.04 0.07 0.10 0.05 0.04 0.05 0.52 0.04 0.04 0.06 0.15 0.17 0.05 0.07 0.08 0.11 0.03 0.10 0.14 0.11 0.10 0.11 0.17 0.15 0.54 0.11

0.20 0.13 0.16 0.02 0.06 0.02 0.04 0.09 0.05 0.14 0.11 0.03 0.04 0.04 0.18 0.28 0.02 0.07 0.03 0.16 0.05 0.24 0.14 0.17 0.15 0.27 0.34 0.42 0.01 0.12

9.41 5.07 6.30 1.76 1.97 3.31 4.45 5.17 4.45 9.52 6.41 4.76 5.59 2.79 11.48 12.00 3.62 4.65 4.34 9.72 1.76 13.34 10.65 10.65 17.07 26.79 37.86 35.07 37.55 9.69

7.36

153.19

0.13

0.13

0.12

0.10

105.04

29.92

32.34

35.44

106.49

86.27

Souza et al.,(2004) relatam em seu trabalho, avaliando a variabilidade espacial dos atributos físicos do solo em diferentes formas de relevo, que pequenas variações nas formas de relevo condicionam variabilidade diferenciada nos atributos físicos do solo. Na Tabela 3, encontra-se a matriz de correlação para os parâmetros analisados. Observou-se que dos 25 coeficientes de correlação, aproximadamente 56% do total de pares apresentaram valores significativos. Desses, aproximadamente 48% apresentaram correlações “fortes” (0,6 | r |< 0,9), os outros 52% apresentaram correlações moderadas (0,3 | r |< 0,6). A matriz de correlação evidenciou que a declividade correlacionou-se positivamente com a altitude, uso e ocupação do solo, argila, matéria orgânica e

5.76 3.60 5.84 1.23 2.24 1.81 2.24 3.00 1.75 5.18 4.35 1.88 2.44 2.78 5.32 7.91 0.88 2.89 2.25 2.95 1.90 6.90 3.93 4.55 4.60 11.56 12.58 15.93 14.24 4.81

10.14 9.88 6.84 3.50 3.61 6.88 11.59 4.36 2.43 6.84 3.17 3.17 6.29 9.39 3.17 16.63 6.29 5.04 3.15 7.08 10.15 9.12 13.34 2.62 3.89 2.65 2.39 2.17 2.33 6.22

1 3 3 1 1 3 3 1 1 3 3 1 3 3 1 3 1 1 1 1 4 5 1 4 1 5 5 6 6 -

9.57

3.98

3.88

-

98.73

82.64

62.35

-

umidade. Já a altitude é positivamente correlacionada com o uso e ocupação do solo, argila, matéria orgânica e umidade. A areia grossa apresentou as seguintes correlações negativas significantes: areia grossa x silte (r 0,56), areia grossa x argila (r -0,51) e areia grossa x matéria orgânica (r -0,55), esse comportamento pode ser devido os macroporos presentes na fração areia não conseguirem reter as partículas finas (silte e argila) e assim não ocorre interação com o material orgânico. Quanto às correlações positivas significativas não foram evidenciadas nenhuma para este parâmetro. Também se observa correlações negativas significativas entre a altitude x areia fina (r 0,54) e uso e ocupação do solo x areia fina (r 0,45).

235


Caderno de Experiências Tabela 3: Matriz de correlação dos parâmetros analisados Uso e ocupa Areia Areia Declividade Altitude ção Grossa Fina do solo 1 Declividade 0.71* 1 Altitude Uso e ocupação 0.48* 0.70* 1 do solo Areia -0.23 -0.28 -0.20 1 Grossa Areia Fina -0.34 -0.54* -0.45* -0.10 1 Silte

0.03

0.41

0.68*

0.55*

Argila Matéria 0.63* 0.88* Orgânica Umidade 0.57* 0.75* Resistência à -0.08 -0.16 Penetração *valores significativos com p<0,05.

Silte

Maté ria Argila Orgâ nica

Umi dade

0.36

-0.56*

0.54*

1

0.41

-0.51*

0.51*

0.30

1

0.62*

-0.40

0.62*

0.55*

0.65*

1

0.61*

-0.55*

0.59*

0.56*

0.79*

0.86*

1

-0.06

-0.18

-0.02

0.00

0.25

-0.19

0.08

A técnica de análise de agrupamento multivariado empregada nos parâmetros analisados, para distancia de corte em 5, agrupou as amostras em 3 grupos com características similares. O resultado do processamento desta análise pode ser visualizado no dendrograma apresentado na Figura 4. O grupo 3 foi o que apresentou menor quantidade de pontos agrupados ( 10,2%). Este grupo foi composto por pontos que apresentaram os maiores valores de declividade, altitude, matéria orgânico e umidade (Tabela 2). Os usos e ocupação dos solos desse grupo foram floresta úmida e cerrado preservado. Possivelmente, o grupo 3 poderá ser utilizado como referência para estudos de modificações nas características do solo ao longo da bacia. Tendo em vista que os pontos deste grupo localizam-se mais próximo a Chapada do Araripe. No entanto, para confirmação desta assertiva é necessário investigar

Resistên cia à Penetra ção

1

quais parâmetros influenciaram mais nos resultados destes agrupamentos. O grupo 2 também apresentou baixa quantidade de pontos agrupados ( 12,8%). Os pontos deste grupo apresentam valores intermediários de declividade, altitude, matéria orgânico e umidade (Tabela 2). Os usos e ocupação dos solos desse grupo foram vegetação rasteira e caatinga arbustiva arbórea. O grupo 1 foi o grupo que apresentou maior quantidade de componentes ( 77%). Os valores de declividade, altitude, matéria orgânico e umidade dos pontos deste grupo são inferiores aos observados no grupo 3 e 2. O grupo 1 apresentou os seguintes usos e ocupação dos solos: vegetação rasteira, área urbana, caatinga arbustiva arbórea, agricultura e floresta úmida. A figura 4 evidencia que os grupos 1 e 2 se mostraram mais próximos entre si e mais distantes do grupo 3.

236


Pesquisa em Foco Figura 4: Dendograma resultante da análise de agrupamentos

Considerações Finais

parâmetros avaliados. No entanto sugeri-se estudar outras técnicas de análise multivariada que corrobore a formação dos grupos, aumentando com isso o poder de explicação da análise. 3. A análise de agrupamentos mostrou-se uma ferramenta eficiente para aplicação em estudos de caracterização dos solos da MHS, considerando aspectos antropicos e topográficos e as propriedades físicas e químicas dos solos.

1. A análise de agrupamento aplicada aos parâmetros de caracterização do solo da Microbacia Hidrográfica do São José (MHSJ) evidenciou a formação de três grupos homogêneos. Os grupos 1 e 2 apresentaram maior proximidade entre si e maior distanciamento em relação ao o grupo 3. 2. A análise de agrupamentos permitiu uma classificação prévia do solo de acordo com os 237


Caderno de Experiências Referências

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CARVALHO, T. R. A. Análise dos processos hidrológicos da microbacia hidrográfica do São José no Cariri cearense. Universidade Federal do Cariri. Curso de Agronomia, 2013. 63 p. (Trabalho de Conclusão de Curso).

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CALOURO, F. Atividades agrícolas e ambiente. 1 ed. Porto. SPI (Sociedade Portuguesa de Inovação), 2005.

VAEZA, R. F.; et al. Uso e Ocupação do solo em bacias hidrográficas urbanas a partir de imagens orbitais de alta resolução. Floresta e Ambiente, 2010, 17(1):23-29.

CORRAR, L. J. et al. Análise Multivariada para os cursos de Administração, Ciências Contábeis e Economia. 1. Ed. 2. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2009. 541p.

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238


Pesquisa em Foco

DESCARGA DE CAPACITORES: CÁLCULO EXPERIMENTAL DA RESISTÊNCIA INTERNA DE UM VOLTÍMETRO

1 Introdução

Taisa de Morais Soares Engenharia/UFCA taisamoraissoares@hotmail.c om

Caio Cesar Paz Coelho Engenharia/UFCA caio-paz@hotmail.com

Felipe Cavalcante da Rocha Engenharia/UFCA felipe@cariri.ufc.br

Mário Henrique Gomes Pacheco Professor/UFCA pacheco@fisica.ufc.br

análise para a busca de soluções de problemas, como a dissipação de energia. A teoria de circuitos é também valiosa para estudantes que se especializam em outros ramos das ciências físicas, pois os circuitos são bons modelos para o estudo de sistemas de energia genéricos, além do fato da utilização da matemática (ALEXANDER, SADIKU; 2003). Resistência elétrica é a capacidade de um corpo qualquer se opor à passagem de corrente elétrica mesmo quando existe uma diferença de potencial aplicada. Quando uma corrente elétrica é estabelecida em um condutor metálico, um número muito elevado de elétrons livres passa a se deslocar nesse condutor. Nesse movimento, os elétrons colidem entre si e também contra os átomos que constituem o metal. Portanto, os elétrons encontram uma certa dificuldade para se deslocar, isto é, existe uma resistência à passagem da corrente no condutor. O voltímetro (figura 1) é o aparelho utilizado para medir a diferença de potencial entre dois pontos. Por conta disto deve ser ligado em paralelo com o trecho a ser analisado. Diferentemente do amperímetro, é preferível que nenhuma corrente passe através desse para que não ocorram discrepâncias entre o que foi calculado e os resultados obtidos experimentalmente. Um voltímetro ideal possui resistência interna infinita e, quando mede uma diferença de potencial, nenhuma corrente é desviada para ele (YOUNG, FREEDMAN; 2008). Por se tratar de algo muito difícil de ser produzido, necessita-se que o voltímetro possua a maior resistência interna possível. O experimento que será feito consiste em carregar o capacitor até atingir a sua carga máxima e depois descarregá-lo no voltímetro para medir a variação de tensão em relação ao tempo. E por fim, calcular a resistência interna do aparelho. Demonstraremos abaixo as fórmulas da carga e descarga de um capacitor.

No uso de aparelhos de medição em circuitos elétricos (voltímetro, amperímetro, ohmímetro, entre outros) nota-se que há certa diferença entre os valores calculados e os obtidos na prática, muito por conta da dissipação de energia nos componentes do circuito. O objetivo desse experimento é mensurar o valor da resistência interna de um voltímetro. Para isso, faz-se uso de elementos elétricos, que servem como ferramenta de auxílio na obtenção dos resultados, verifica-se o ritmo de variação da diferença de potencial no capacitor, controi-se um gráfico de tensão x tempo e calcula-se o valor da resistência interna do aparelho. Os aparelhos de medida reais que podemos usar num laboratório não são aparelhos de medida ideais que se vê em teoria, isso significa que em muitos casos precisamos levar em conta as propriedades do aparelho e sua interferência com o fenômeno que está sendo medido, tais como desvios causados pelo instrumento. É necessário conhecer o valor da resistência interna dos nossos principais aparelhos de medida, nesse caso, o voltímetro e saber corrigir os desvios introduzidos pelos instrumentos de medida. O voltímetro é um medidor de tensão elétrica que funciona graças à conexão, em série, de um Galvanômetro com um resistor de valor elevado. Para ser utilizado, esse instrumento deve ser ligado em paralelo com a região a qual se deseja medir a diferença de potencial elétrico, entretanto grande parte dos erros relacionados com a medida da tensão ocorre devido à resistência interna do voltímetro, que deveria ser elevada, mas em determinados aparelhos essa resistência não possui valor muito maior que da região medida, interferindo no sistema e ocasionando um erro grande. 2 Fundamentação Teórica Circuito elétrico é qualquer caminho fechado pelo qual a corrente elétrica pode transitar. Para que exista corrente elétrica é necessária uma fonte de tensão, que juntamente com outros elementos elétricos servirão como ferramenta de estudo e de 239


Caderno de Experiências Figura 1 – Voltímetro Digital

Deste resultado, observa-se que quando t→∞ a carga q vai tender a C. Portanto, a carga máxima de um capacitor é C. Aplicando novamente a regra das malhas para o processo de descarga, obtemos: − Ri −

R

dq q + =0 dt C

R

dq − q = dt C

q

∫ Cε

Considere um circuito formado por um capacitor C completamente descarregado, um resistor R e uma fonte ε. Aplicando a regra das malhas para o processo de carga, obtemos: Tensao (Mpa)

ln

t

dq −dt =∫ q 0 RC q −t = Cε RC −t

q = e RC RC

R e s in a e p o x i E p o x i c o m 0 .5 % d e E V A E poxi co m 1 % d e E V A

6 0

q =0 C

4 0

2 0

0 0 ,0

0 ,7

1 ,4

D e fo rm a ç a o (% )

−t

q= Cε e RC

dq Como: i= d t , temos:

Fazendo q 0= Cε , temos: ε−R

R

dq q − =0 dt C

q= q 0 e

∫ 0

ln

3 Procedimentos Metodológicos Materiais utilizados nessa prática: 1 fonte de tensão 6V; 1 placa para ensaios de circuitos elétricos; 3 fios para conexão; 1 multímetro digital com pontas de prova; 1 cronômetro digital; 1 capacitor 220µF. Para proceder com a montagem do circuito, deve-se ligar o capacitor de 220µF em série com a fonte de 6V. Deve-se tomar cuidado com a polaridade do capacitor, pois existe uma indicação de polaridade que deve ser considerada no momento de se fazer as ligações. Os seguintes passos devem ser seguidos: 1. Liga-se a fonte de tensão na placa para ensaios de circuitos elétricos; 2. Liga-se o pólo negativo da fonte de tensão ao ponto 3 da chave; 3. Liga-se o ponto 2 da chave à ilha de conexão 4;

t

dq dt =∫ Cε − q 0 RC C ε −q −1 t = Cε RC −t

C ε −q RC =e Cε −t

C ε − q= C ε e RC

(

Descarga de um capacitor em função do

tempo (equação 2).

dq q =ε− dt C

dq Cε −q = dt RC q

−t RC

−t

)

q= C ε 1 −e RC , Carga de um capacitor em função do tempo (equação 1).

240


Pesquisa em Foco 4. Coloca-se o capacitor 220µF entre os pontos 3 e 4. A haste maior do capacitor deve ser colocada no pólo positivo; 5. Liga-se a ilha de conexão 3 ao pólo positivo da fonte de tensão; 6. Liga-se a chave, até que o capacitor esteja totalmente carregado sob a tensão da fonte; Desliga-se a chave, fazendo com que o capacitor se descarregue no voltímetro; 7. Coletam-se as medidas do tempo para os valores de tensão com o auxílio do cronômetro; 8. Com os valores obtidos, controi-se um gráfico da tensão em função do tempo; 9. Como não existe força eletromotriz após a chave ser aberta, aplicamos a equação 2.

Para reduzir a possibilidade de erros, repete-se o procedimento mais de uma vez. Tabela 1 - variação da tensão com o tempo V (V) 6,00 5,50 5,00 4,50 4,00 3,50 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00

Figura 2 - Circuito Esquematizado

0,50

Tempo (s) 0,00 0,08 0,33 0,51 0,99 1,66 2,86 4,70 10,80 32,40 79,17 183,1 9

0,00 0,07 0,39 0,51 0,90 0,99 1,80 3,84 7,66 18,17 59,55 174,1 5

0,00 0,08 0,37 0,50 0,90 1,79 2,51 4,50 9,78 28,82 74,00 176,2 8

0,00 0,09 0,35 0,51 1,00 1,48 2,44 5,60 9,93 24,61 68,96 171,5 8

Valor médio (s) 0,00 0,08 0,36 0,51 0,95 1,48 2,42 4,66 9,54 26,00 56,92 176,30

Gráfico 1 - tensão x tempo

Figura 3 - Circuito Montado

Utilizando a equação 2, tem-se que, no instante t = RC, a carga do capacitor está reduzida a 36,8% de sua carga inicial, consequentemente, 36,8% da sua tensão inicial. De acordo com o gráfico, o capacitor adquire esta carga no tempo t = 7,5s. Calcula-se a resistência interna do voltímetro: t 7,5 s R= ↔ R= ↔ R= 34,09 kΩ C 220 µF Nota-se que é um valor razoavelmente alto e que, por se tratar do único elemento do circuito com resistência considerável, praticamente nenhuma corrente passará pelo voltímetro. Entretanto, considerando um circuito com vários resistores, possivelmente a utilização deste aparelho acarretará em mudanças no resultado desejado. Uma possível solução seria conectá-lo em série com um resistor de alta resistência e conectar o conjunto voltímetro + resistor em paralelo com o trecho no

4 Resultados e discussão Colocam-se em tabela os valores obtidos ao cronometrar o tempo de descarga do capacitor. 241


Caderno de Experiências qual deseja-se obter o valor da diferença de potencial.

senso crítico de que o que é aprendido nos livros é uma aproximação da realidade, mas com resultados representativos.

Considerações Finais Referências No estudo teórico de circuitos elétricos, para fins didáticos, grande parte dos cálculos são realizados tendo como base componentes de circuito ideais. Ao tentar reproduzir o valor da energia interna dos aparelhos é possível entender que sempre há perdas de energia e que uma das grandes vertentes do estudo de circuitos elétrico é tentar minimizá-la. Entender que, na prática, um voltímetro não possui resistência interna infinita desperta no aluno um

YOUNG, Hugh David; FREEDMAN, Roger A. FÍSICA III – Eletromagnetismo. 12ª Edição, São Paulo: Addison-Wesley, 2009. ALEXANDER, Charles K.; SADIKU, Matthew N. O. Fundamentos de Circuitos Elétricos. São Paulo: McGraw-Hill, 2003.

242


Pesquisa em Foco

ANÁLISE DA ELETRODEPOSIÇÃO NOS ELETRODOS DE UMA REAÇAO ESPONTANEA PELOS FUNDAMENTOS DAS LEIS DE FARADY

1 Introdução

Jhonney Soares Silva Brito Engenharia de Materiais/UFCA jhonneybritoh@gmail.com

Valesca Poliana Sampaio Santana Engenharia Civil/UFCA valescasantana@hotmail.com

Francisco José de Paula Filho Professor/UFCA franciscojose@cariri.ufc.br

Caroline Vieira Gonçalves Professor/UFCA caroline@cariri.ufcbr

grandes conhecimentos obtidos, primeiro em 1909 quando o físico americano Millikan determinou que a carga elétrica de um elétron é igual a 1,6x10-19C, já conhecendo a constante de avogrado de que um mol de elétrons corresponde a 6,02x1023 e(6,02214129 × 1023 mol-1),em seguida o cientista britânico Michael Faraday determinou que a quantidade de carga transportada pela passagem de um mol de elétrons é dada pelo produto entre esses dois valores, ou seja: 1,6x10-19 x 6,02x1023 = 9,65x104C ou 96500C (quantidade de carga transportada por um mol de elétrons, denominada Constante de Faraday (F) que representa a carga molar elementar de acordo com a IUPAC e foi lhe atribuído o seu nome em homenagem a Michael Faraday devido aos estudos que desenvolveu na área da eletroquímica). O seu valor (em unidades do sistema internacional) é de aproximadamente (IUPAC):

Há várias aplicações para eletrodeposição. Alguns casos, ela pode aumentar o valor ou melhorar a aparência de um objetivo, como no caso de revestimento com ouro ou prata. Revestimento com cromo tem como objetivo dar uma superfície brilhante e atrativa além de melhorar as características físicas do objeto. Metais como zinco ou estanho são depositados em aço para protegê-lo da corrosão. Uma das principais aplicações das células eletrolíticas é o processo de eletrodeposição, no qual um filme de metal (raramente chegando a 0,002 cm) é depositado em uma superfície condutora de corrente elétrica (MASTERTON e STANITSKY,1990). O objetivo do presente trabalho é analisar o processo de eletrodeposição que ocorre em uma reação espontânea, na pilha de Daniel, onde os eletrodos são cobre e zinco. Serão avaliados os níveis de deposição no eletrodo de Cobre como consequência da passagem de corrente elétrica quando o circuito da pilha é fechado com o auxilio de um multímetro digital. Essa analise visa estabelecer uma relação entre uma analise prática e teórica.

F= (1)

96485,3399(24)

C

mol-1

Quando se conhece a quantidade de carga fornecida em uma eletrólise, é possível prever a quantidade de massa ou mol de substâncias que serão produzidas nesse processo. A partir disso é possível definir a 1ª e 2ª leis de Faraday. Segundo a 1ª lei, a massa que se forma em um eletrodo é diretamente proporcional à quantidade de carga que atravessa o circuito (RUSSEL, 1994). Logo:

2 Fundamentação Teórica Para a análise dos dados obtidos em nosso trabalho, nos munimos de algumas fundamentações teóricas e práticas. A base teórica adotada nesse experimento, para análise da eletrodeposição no eletrodo, são as leis de Faraday. Partindo desse ponto, utilizamos algumas fundamentações teóricas a fim de fazer uma comparação entre essa variação de massa em uma análise prática e teórica. Na fundamentação teórica incluímos conceitos que relacionem os dados que temos em mãos. São esses; carga elétrica formada pela corrente elétrica que flui entre os eletrodos e o tempo de passagem desses elétrons, a variável equivalente de oxirredução que depende da massa molar do elemento por numero de elétrons perdidos ou ganhados na reação e por fim a constante de Faraday que foi determinada pela junção de dois

R e s in a e p o x i E p o x i c o m 0 .5 % d e E V A E p o x i c o m 1 % d e E V A

Tensao (Mpa)

6 0

4 0

2 0

0 0 ,0

0 ,7

D

e fo r m

1 , 4

a ç a o ( %

)

(2)

Onde: m - massa de substância produzida; k - constante de proporcionalidade; Q - quantidade de carga em C Já a 2ª lei diz que massa que se forma em um eletrodo é diretamente proporcional ao equivalente de oxirredução da substância (RUSSEL,1994). Logo: m= k . E (3) Onde: 243


Caderno de Experiências m - massa de substância produzida; k - constante de proporcionalidade; massa molar E (equivalente de oxirredução) nº de carga

-O eletrodo positivo será aquele que ira reduzir (ganhar elétrons) aumentar sua massa, diminuir a concentração da sua substancia iônica e ser o agente oxidante no caso da pilha de Daniel esse eletrodo é o cobre (Cu). -O eletrodo negativo será aquele que ira oxidar (perder elétrons) diminuir sua massa, aumentar a concentração da sua substancia iônica e ser o agente redutor no caso da pilha de Daniel esse eletrodo é o zinco (Zn).

Levando em consideração o enunciado das duas leis de Faraday, a massa de substância produzida em um eletrodo poderá ser calculada por meio das seguintes relações: m=

E∙Q 96500 (4)

m=

E ∙i ∙t 96500 (5)

A Pilha de Daniel é descrita como: Zn/ Zn+2// C u+2/ C u. Figura 1: Pilha de Daniel feita em laboratório

Onde: i– Intensidade de corrente t - tempo Ainda será de suma importância a utilização da primeira Lei de Ohm para os cálculos que relacionam potencial e corrente elétrica. A Lei de Ohm, assim designada em homenagem ao seu formulador Georg Ohm é uma relação matemática que diz que a voltagem aplicada nos terminais de um condutor é proporcional à corrente elétrica que o percorre, matematicamente fica escrita do seguinte modo (HALLIDAY et al., 2009): U= R ∙ i (6)

Onde: U - Potencial elétrico; R – Resistência.

Fonte: Elaboração própria

3.1.2 Equipamento e substancias Para a construção da pilha de Daniel muniu-se de dois béqueres de 100,0ml, um chumaço de algodão umedecido em uma solução de cloreto de sódio, um multímetro digital, uma balança analítica, solução de sulfato de cobre, solução de sulfato de zinco, solução de cloreto de sódio a um molar. Como anodo foi utilizado uma placa de zinco de aproximadamente 10,0cm de altura por cinco centímetros de largura e como catodo um fio de cobre de aproximadamente 10,0cm de comprimento

3 Procedimentos Metodológicos Em uma análise dessa reação, foi feita uma a comparação da massa do eletrólito de cobre antes e depois de um intervalo de tempo, a fim de provar o depósito de elétrons causados pela redução do eletrodo de cobre ao oxidar o eletrodo de zinco e correlacionar essas medidas feitas em uma balança analítica, com as massas calculadas utilizando as leis de Faraday. 3.1 Experimento 3.1.1. Eletrodos utilizados

3.1.3 Construção da ponte salina

Foi utilizada como eletrodos a pilha de Daniel, ilustrada na imagem 01 montada no laboratório de química, formada por dois eletrodos um positivo e um negativo, interligados por uma ponte salina a fim de se obter o equilíbrio iônico, o circuito dos eletrodos foi fechado com um multímetro que, além disso, fez as medidas do potencial elétrico da pilha.

Preparou-se uma solução de cloreto de sódio NaCl a 1M. Em seguida, cortou-se um pedaço de algodão, de aproximadamente 15 cm, de forma a poder formar um ’U’, embebeu-a na solução de NaCl 1M e inseriu-se cada uma das extremidades em ambos os béqueres. A ponte salina é de fundamental importância para a realização desse experimento e sua função é manter 244


Pesquisa em Foco a eletroneutralidade das soluções, fechando o circuito elétrico.

Na tabela abaixo temos as massas resultantes da eletrodeposição no eletrodo de cobre medidas com o auxilio de uma balança analítica ao longo do intervalo de tempo de duas horas.

3.1.4 Preparação da pilha de Daniel Preparou-se em um béquer de 100 ml uma solução de ZnSO4 á 0,0988 M e, em outro béquer, uma solução de CuSO4á0,1962 M. Em seguida, mergulhou-se na solução de sulfato de zinco a placa de zinco e na solução de sulfato de cobre o fio de cobre.

Tabela 01: Massa medida com o multímetro digital Tempo de reação (horas) Massa depositada (gramas)

3.1.5 Memorial de cálculos 3.1.5.1 Cálculo das concentrações de CuSO4 e ZnSO4. Como precisamos de sulfato de cobre e sulfato de zinco e o que temos em mãos são esses sais hidratados, devemos fazer os cálculos necessários para desconsiderar a massa de água presente nesse saís hidratados, são eles: CuSO4.5H2O para uma molaridade de 0,2 M de CuSO4 5H2O vamos calcular a molaridade de CuSO4 Para essa molaridade temos uma massa de 4,99 g e da agua que temos 1,799g em seguida vamos medir o volume de agua correspondente a essa massa, considerando uma densidade de 0,998g/cm3 encontramos um volume de 1,8027ml. Logo, a concentração de CuSO4 em CuSO4 5H20 C= (4,99g-1,799)/(100ml + 1,8027) C= 31,344g/l Sendo em concentração molar igual a 0,1962 M, sendo a concentração exata de CuSO4. ZnSO47H2O para uma molaridade de 0,1 M de ZnSO47H2O vamos calcular a molaridade de ZnSO4 Para essa molaridade temos uma massa de 2,873 g e da agua que temos 1,258g em seguida vamos medir o volume de agua correspondente a essa massa, considerando uma densidade de 0,998g/cm3 encontramos um volume de 1,26ml. Logo, a concentração de CuSO4 em CuSO4 5H20 C= (2,873g- 1,258) / (100 ml + 1,26) C= 15,95g/l Sendo em concentração molar igual a 0,0988 M, sendo a concentração exata de ZnSO4. Representação esquemática: Zn(s) + Cu2+ (0,1962M) → Zn2+ (0,0988M) + Cu(s)

0

1

2

5,24

5,25

5,27

4.2 Medidas da massa do eletrodo de cobre (Cu) pelas Leis de Faraday. Primeiro, iremos considerar uma fundamentação teórica de que a corrente não varia com o tempo. Aplicando a Lei de Faraday (Eq. 5), considerando t = 1 hora e i = 0,009 A, temos:

M=

(31,77 ∙ 3600∙ 0,009 ) 96450

+5,24

M = 5,25067235 g

Considerando um tempo de 2 horas e uma corrente de 0,009 A, temos:

M=

(31,77 ∙ 7200∙ 0,009 ) 96450

+5,24

M = 5,26134469 g

Em seguida iremos considerar a variação da corrente elétrica no circuito ao longo do tempo. Utilizando a primeira lei de Ohm (Eq.6), considerando i = 0,009ª e U = 1050,0mV, temos: R=

1050,0 = 116,7 Ω 0,009

Assim, para uma ddp de 1030,0mV, teremos uma corrente de 0,008829A. Para essa corrente 2 horas depois do experimento temos uma massa (M) de 5,26093813 g. Duas horas depois e uma ddp de 1010mV teremos uma corrente de 0,008657ª e M = 5,26053157 g. O gráfico 1 mostra um resumo tanto das massas calculadas e medidas ao longo do experimento.

4 Resultados e discussão 4.1 Medidas da massa do eletrodo de cobre (Cu) utilizando uma balança analítica.

245


Caderno de Experiências Figura 2: Massa de cobre ao longo do tempo de reação da pilha

tempo. Partindo desse pressuposto foi elaborada uma solução para essa determinação utilizando as leis de Faraday. Esse método pode ser utilizado no ensino da química, em particular no ramo da eletroquímica, a fim de aplicarmos a esse uma ideia investigativa ou também como ferramenta em pesquisas que envolvem essa vertente da química. Referências MASTERTON, Willian L.; STANITSKY, Conrad. Princípios de Química. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1990. HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentos da Física. Vol 3. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2009.

Considerações Finais

RUSSELL, John. B. Química Geral. Vol 2. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1994.

Esse trabalho usou da literatura científica atual para a determinação da eletrodeposição de soluções envolvidas numa pilha, com auxilio das Leis de Faraday e os princípios da eletroquímica. Foi pensada de início numa maneira de analisar a variação da deposição no catodo ao longo do

IUPAC Compendium of Chemical Terminology, Electronic version, Faraday constant. Disponível em: <http://goldbook.iupac.org/F02325.html>. Acesso em: 10 nov. 2014.

246


Pesquisa em Foco Brenda de Alencar Távora Ribeiro Engenharia Civil/UFCA brendadealencartr@gmail.co m

SOLUÇÃO ANALÍTICA E NUMÉRICA DA EQUAÇÃO DE FLUXO SUBTERRÂNEO EM AQUÍFERO CONFINADO

Clodoaldo Rodrigues Castro Júnior Engenharia Civil/UFCA juniorrcastro@hotmail.com

Tensao (Mpa)

Luiz Alberto Ribeiro de Mendonça Professor/UFCA larm@ufc.br

1 Introdução

6

0

4

0

2

R E E

e p p

s o o

i n x i x i

a

e c c

o o

p m m

o

x 0 1

i . 5 %

%

o

(

d d

e E

e

E V

V

A

A

0

0 0

,

0

0

D

Como a Universidade Federal do Cariri está localizada na região do Cariri cearense, que compreende parte significativa da Bacia Sedimentar do Araripe, onde o abastecimento público e privado é realizado por águas subterrâneas, é de fundamental importância o entendimento da dinâmica de fluxo em meio poroso. Neste contexto o trabalho aqui exposto foi desenvolvido focado na área da hidrogeologia para avaliar conceitos físicos básicos que regem o fluxo hídrico subterrâneo em aquífero confinado e nas formas de solucionar a equação diferencial envolvida. Para isso, deduziu-se a equação diferencial de fluxo subterrâneo em aquífero confinado e concomitantemente fez-se um estudo conceitual de todos os parâmetros envolvidos na equação: condutividade hidráulica, carga hidráulica, transmissividade e coeficiente de armazenamento. Em seguida foi feito um estudo sobre a os métodos utilizados na solução da equação diferencial deduzida (analítico e numérico) e o uso do aplicativo visual MODFLOW, que utiliza o método numérico das diferenças finitas. Com tudo isso, o objetivo específico do trabalho desenvolvido foi entender a dinâmica de fluxo subterrâneo em aquífero confinado a partir da solução da equação diferencial que rege o processo, tendo como base o exemplo "traçado da linha piezométrica unidimensional em um aquífero confinado com fluxo estacionário" e analisando a aplicabilidade da solução numérica, a partir da comparação com a solução analítica.

e

f

,

o

7

1

r

m

a

ç

a

%

,

4

)

Em que:

k x , k y , k z : condutividades hidráulicas nas direções x, y e z (L/T); W: fluxo externo por unidade de volume, representando fonte ou sumidouro (1/T); h: carga hidráulica (L); S: coeficiente de armazenamento (volume de água liberado por unidade de volume de um aquífero por decréscimo de carga hidráulica) (1/L); t: tempo (T). Como a solução analítica da Equação (1) não é facilmente resolvida para situações reais com grandes domínios, o que se faz na prática é aproximar a solução para uma calculada numericamente por computador. Uma das opções de soluções numéricas é o Método de Diferenças Finitas, que aproxima a região estudada por uma malha uniformemente espaçada de nós, onde cada nó representa uma porção limitada do aquífero. Neste caso, os parâmetros atribuídos a um nó são considerados constantes para a célula que ele representa. Em cada nó, a derivada da expressão matemática do problema é aproximada por uma equação linear, formando um sistema de equações lineares, com uma equação para cada célula da malha, que é solucionada através de um processo iterativo. No estudo numérico da Equação 1 utilizou-se o aplicativo MODFLOW desenvolvido por McDonald & Harbaugh (1988). Esse aplicativo consiste de uma serie de “pacotes” independentes que quantificam as características do sistema hidrogeológico (drenagem, recarga, evapotranspiração ou poços). Cada “pacote” define uma função que formula coeficientes na equação de diferenças finitas representando fluxos provenientes de fontes ou sumidouros.

2 Fundamentação Teórica A equação diferencial parcial que descreve o movimento tridimensional do fluxo de densidade constante, não estacionário, em um meio poroso heterogêneo e anisotrópico é (FREEZE & CHERRY, 1979):

247


Caderno de Experiências 3 Procedimentos Metodológicos Substituindo as Equações 4 e 6 na Equação 3 obtém-se a Equação (7).

A solução analítica da questão foi desenvolvida da seguinte forma: Considere o fluxo subterrâneo unidimensional em aquífero confinado descrito na Figura 1, em que é a espessura do aquífero confinado, é a carga potenciométrica observada em , é a vazão específica de Darcy e a linha tracejada é a linha piezométrica.

h=

− qx x +h o (7) kx

Considerando um caso em que k x = 0,05 m / d , h (0 )= 40 m e h (9400 )= 20 m , da Equação 7 obtém-

se: Figura 1: Representação esquemática de fluxo subterrâneo unidimensional em aquífero confinado

h=

−20 x+ 40 9400

(8)

A solução numérica obtida com o auxílio do MODFLOW foi desenvolvida da seguinte forma: Na simulação considerou-se o aquífero confinado de área 10 km x 10 km e espessura de 50 m (Figura 2), cargas potenciométricas de 40 m e 20 m nas extremidades (Figura 3) para definirem a direção de fluxo e um conjunto de 48 piezômetros alinhados (Figuras 2 e 3) a partir dos quais foram obtidas as cargas calculadas numericamente para serem comparadas com as calculadas analiticamente. Figura 2: Representação geométrica do aquífero modelado no MODFLOW e indicação dos piezômetros utilizados na obtenção das cargas calculadas unidimensionalmente

Considerando o escoamento unidimensional (será analisado apenas o fluxo na direção x) e estacionário, da Equação 1 obtém-se:

( ) (2)

d dh kx dx dx

Solucionando a Equação 2 analiticamente obtémse:

( )

d dh = 0 <=> dx dx

dh= C 1∫ dx

dh = C1 dx

<=>

h= C 1 x +C 2 (3)

Considerando a condição inicial, se x= 0 então h (0 )= ho , obtida da Figura 1, obtém-se da Equação 3:

ho = C2 (4) Substituindo a Equação 3 na Equação 5 que fornece a vazão específica de Darcy, obtém-se a Equação 6. q x= − k x

dh dx

(5)

− qx q x = − k x C1 <=> C1= k x (6) 248


Pesquisa em Foco Figura 3: Apresentação da malha, das cargas constantes (na cor marrom: à esquerda de 40 m e à direita de 20 m) e dos piezômetros (na cor verde) definidos no MODFLOW

apresenta uma análise mais completa do objeto de estudo, como um gráfico do campo de velocidade, o traçado das linhas equipotenciais, o balanço de massa etc; possibilitando análises mais aprofundadas do problema. As principais dificuldades encontradas no trabalho estão relacionadas com o uso do aplicativo MODFLOW, pois o tempo utilizado no trabalho, de apenas um ano, foi insuficiente para adquirir conhecimentos específicos necessários para definir a malha do modelo, identificar os parâmetros hidrogeológicos e as condições de contorno, entender os métodos numéricos e interpretar os resultados. Figura 5: Cargas potenciométricas calculadas numericamente pelo MODFLOW em função da distância

4 Resultados e discussão O Gráfico 1 apresenta as cargas potenciométricas calculadas numericamente pelo MODFLOW em função da distância, considerando como a carga do primeiro piezômetro (mais a esquerda, na Figura 3). A comparação entre a solução numérica, obtida no MODFLOW e a analítica, obtida da Equação 8, estão no Gráfico 2. O Gráfico 2 mostra um bom ajuste linear entre os resultados obtidos pela solução numérica e analítica, com erro médio de apenas -0,00041 m, indicando uma leve superestimativa por parte da solução numérica. O refinamento da malha de diferenças finitas causa um aumento no número de células e consequentemente no número de linhas e incógnitas (cargas hidráulicas) do sistema de equações lineares, produzindo um aumento no tempo de processamento do MODFLOW, indicando que a obtenção de resultados mais precisos requer um maior esforço computacional. Por um lado, a análise analítica pode se mostrar mais útil por não necessitar de discretização do domínio e ser facilmente calculada com auxílio do Excel, fornecendo resultados rápidos; já que o MODFLOW, apesar da interface amigável, se mostrou mais trabalhoso na entrada de dados. Em compensação, na saída de dados, o MODFLOW

Figura 6: Solução numérica (obtida no MODFLOW) vs. solução analítica (obtida da Equação 8)

249


Caderno de Experiências Considerações Finais

Subterrânea. Disponível http://www.abas.org - Internet.

A solução analítica da equação diferencial de fluxo subterrâneo em aquífero confinado nem sempre é simples. Neste caso, métodos numéricos podem ser aplicados para obter uma solução aproximada e um desses métodos é o das Diferenças Finitas, que consiste na formulação de um sistema de equações lineares (uma equação para cada célula da malha retilínea que discretiza o domínio do modelo) e na resolução deste sistema, que também é feita através de um método numérico com o auxílio do computador. As soluções numéricas e analíticas do exemplo analisado apresentaram resultados semelhantes, com erro médio de apenas -0,00041 m, indicando a viabilidade da solução numérica da equação diferencial de fluxo subterrâneo em aquífero confinado.

em:

FREEZE, R. A.; CHERRY, J. A. Groundwater: Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice Hall, 1979. 604p. MCDONALD, M. G; HARBAUGH, A. W. A modular three-dimensional finite difference ground-water flow model. Techniques of Water Resources Investigations of the United States Geological Survey. Washington: Book 6, chap. A1, 1988. MASCARENHAS, F.C.B. & NASCIMENTO, E.A; A Modelagem numérica do fluxo de água subterrânea em aquífero não confinado. Revista da CPRM. São Paulo. 1999. NASCIMENTO, E. A.; Modelagem matemática do fluxo de água subterrânea. Tese de Doutorado.Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Rio de Janeiro,1998.175p.

Referências ABAS (Associação Brasileira de Águas Subterrâneas). 1997. Vantagens da Água

250


Pesquisa em Foco

ANÁLISE DA ADESÃO AO USO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL EM ÁREAS DE MINERAÇÃO

1 Introdução

Paula Hemília de Souza Nunes PRODER/UFCA paulahemilia@yahoo.com.br

Flávio César Brito Nunes Professor/IFCE – Cariri flavio@ifce.edu.br

Iana Patrícia Nunes Bandeira Professor/UFCA anabandeira@ufca.edu.br

Maria Gorethe de Sousa Lima Professor/UFCA gorethelima@cariri.ufc.br

Cariri, no município de Santana do Cariri-CE, bem como sugerir, caso seja necessário, medidas para proporcionar o aumento dessa adesão.

O homem, na tentativa de explorar economicamente o meio ambiente, buscando, assim, condições favoráveis à sua sobrevivência, vem provocando inúmeras agressões a natureza. É o que acontece com as atividades de mineração que, embora tenha grande importância socioeconômica, provocam de forma acentuada degradação ambiental, além de causar um ambiente de trabalho insalubre e com riscos potenciais de morbidade e mortalidade para os trabalhadores das minas. Nesse contexto, as doenças profissionais e os acidentes de trabalho são importantes problemas de saúde publica (BORTOLETO et al. 2011). No Brasil, segundo a Previdência Social, no ano de 2008 ocorreram cerca de 650 mil acidentes de trabalho, destes, 20.786 correspondiam às doenças de trabalho (BRASIL, 2008). As estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam uma ocorrência anual de 160 milhões de doenças profissionais, 250 de acidentes de trabalho e 330 mil óbitos no mundo (ZOCCHIO, 2000). O reconhecimento dos riscos nas atividades relacionadas à mineração é um fator de extrema importância para a higiene e segurança dos trabalhadores. No Brasil, o Ministério do Trabalho e Emprego/MTE dispõe de 35 Normas Regulamentadoras/NR, das quais, uma é especifica para a mineração, a NR 22. A ausência da aplicação da NR 22 no ambiente de trabalho, assim como de outras (NR 6 – Equipamento de Proteção Individual – EPI e NR 9 - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, por exemplo) é uma ameaça à saúde dos mineradores (VASCONCELOS et al., 2013). Nas atividades de mineração, os riscos de acidentes são considerados elevados em praticamente todas as etapas do processo, sendo indispensável o uso de Equipamentos de Proteção Individual. O Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional do National Research relata que aproximadamente 50% dos mineiros vão experimentar a perda de audição aos 50 anos de idade, em comparação com apenas 9% da população em geral (QUICK, STEPHENSON, WITTE, VAUGHT, BOOTHBUTTERFIELD, PATEL, 2008, p.329). Ante o exposto, este artigo tem por objetivo analisar a adesão ao uso dos equipamentos de proteção individual pelos mineradores da Pedra

2 Fundamentação Teórica Na Região do Cariri, estado do Ceará, o minério calcário laminado, conhecido comercialmente como pedra Cariri, é a principal atividade econômica, gerando inúmeros empregos diretos e indiretos nos municípios de Nova Olinda e Santana do Cariri. A produção média anual é estimada em 80 mil toneladas (VIDAL; FERNANDES, 2007 apud MOURA et al., 2013). A mineração e o beneficiamento são atividades que geram grande volume de resíduos, deixando trabalhadores expostos à poluição ambiental comprometendo a saúde e segurança do trabalhador em curto, médio e longo prazo, provocando lesões imediatas, doenças ou a morte, além de prejuízos de ordem legal e patrimonial para a empresa (SEBRAE; SESI, 2005 apud VASCONCELOS et al., 2013). É o que acontece também na extração da Pedra Cariri. Segundo a NR-09, consideram-se riscos ambientais os agentes físicos, químicos e biológicos existentes no ambiente de trabalho que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador. Para Rodrigues (2004), os riscos de acidentes na atividade mineira encontram-se praticamente em todas as etapas do processo, podendo-se destacar o uso de explosivos, manuseio de máquinas e equipamentos, além da queda de objetos. Identificar e focar as ações, para evitar a exposição aos riscos ambientais na organização é evitar perdas, tanto para as empresas como para os trabalhadores. Na extração da Pedra Cariri isso não é diferente. Os riscos ambientais podem trazer problemas respiratórios, digestivos, dermatológicos, sonoros, visuais, acidentes de trabalho, entre outros, sendo neste caso importante o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), a fim de minimizar os efeitos negativos da atividade e reduzir o grau de risco dos trabalhadores expostos ao problema. O Ministério do Trabalho e Emprego considera Equipamento de Proteção Individual (EPI) todo 251


Caderno de Experiências dispositivo ou produto de uso individual, utilizado pelo trabalhador, destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho (NR-6 da Portaria nº 3.214/1978). Vale ressaltar que é de responsabilidade da empresa, fornecer, exigir, orientar e treinar os trabalhadores quanto ao uso correto dos EPI, além de dar instruções de como se deve guardar e conservar os mesmos. Para isso, faz-se necessário o conhecimento amplo da percepção dos profissionais de saúde com relação a esse assunto (MAIA; JUNIOR, 2008 apud BATISTONI 2011, p. 03). Segundo a Norma Regulamentadora No 06 (BRASIL, 2009), os EPI devem ser fornecidos aos trabalhadores nas seguintes situações: a) sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes do trabalho ou de doenças profissionais e do trabalho; b) enquanto as medidas de proteção coletiva estiverem sendo implantadas; e c) para atender a situações de emergência. A escolha e o rigor nas especificações do EPI são essenciais, devendo atender à legislação brasileira e proteger os usuários, conservando a saúde dos mesmos. Nas atividades de mineração, o não uso dos equipamentos de proteção é um problema grave, principalmente no que diz respeito às vias respiratórias, pois a atividade mineira libera, na atmosfera, poeiras contendo resíduos minerais, provocando doenças pulmonares em decorrência da inalação de partículas. A silicose, por exemplo, é uma doença caracterizada pela presença de nódulos difusos nos pulmões e ocorre após um longo tempo de exposição à sílica presente em alguns minérios (SOUZA; ALCHIERI, 2011). Os EPI mais importantes a serem utilizados nas atividades de mineração são: botas, capacetes, máscaras, luvas, óculos, protetor auricular e avental. Destaca-se que o simples fornecimento de EPI por parte das empresas não as isentam das responsabilidades de responder por um acidente de trabalho ou por doença profissional.

se nos dados do IBGE e no índice de confiabilidade desejado (95%), assim como na margem de erro amostral esperada (5%). De acordo com o último Censo do IBGE (2010), o município de Santana do Cariri possui 109 trabalhadores envolvidos diretamente coma atividade de mineração e 15 mineradoras, segundo pesquisa de campo. Diante destes dados, o tamanho da amostra deste estudo foi de 85 mineradores. Vale destacar que a pesquisa foi realizada em todas as mineradoras do município. As informações foram coletadas por meio de uma entrevista, observação do local de trabalho e registros fotográficos. Após a coleta dos dados os mesmos foram consolidados em uma tabela e posteriormente representados por meio de gráficos. 4 Resultados e Discussão Através das entrevistas realizadas verificou-se que a maioria das empresas oferece equipamentos de proteção individual aos mineradores (87%); no entanto, como o uso do EPI é obrigatório este resultado é preocupante, visto que 13% dos trabalhadores executam suas atividades sem nenhuma proteção individual (GRÁFICO 01). Figura 1- Mineradores que recebem EPI das empresas

Fonte: Elaborado pelos autores

Durante a visita de campo foi verificado que os indivíduos nem sempre utilizam os EPI recomendados pelas normas (FIGURA 01). Observou-se que o uso de botas e de chapeis ou bonés é frequente, no entanto os chapeis ou bonés servem apenas para amenizar os efeitos dos raios solares, não protegendo adequadamente a cabeça contra impactos ou penetração de objetos, nem contra choques elétricos e combates a incêndio, sendo recomendado para tais o uso do capacete.

3 Procedimentos Metodológicos Para o desenvolvimento deste trabalho realizou-se pesquisa de campo e revisão bibliográfica, de natureza exploratória e descritiva. O estudo foi realizado no município de Santana do Cariri-CE, por meio de realização de entrevistas com os trabalhadores da mineração da Pedra Cariri. A coleta de dados ocorreu entre os meses de junho e novembro de 2014. Buscando realizar este trabalho com uma amostragem representativa, foi calculado o número de trabalhadores a serem entrevistados, baseandoFigura 2: Mineradores sem o uso de botas e luvas. 252


Pesquisa em Foco

Fonte: Próprios autores.

Diante desta verificação os trabalhadores foram questionados quanto aos tipos de equipamentos fornecidos pelas empresas. A maioria respondeu que recebem apenas botas (71,7%); os que responderam que recebem óculos e abafador de ruídos totalizaram 30% cada. O percentual de mineradores que recebem máscaras e luvas é de cerca de 20% cada. Com relação aos aventais, 13% confirmaram que era fornecido pela empresa e apenas 3% dos trabalhadores recebem capacete, sendo um percentual extremamente baixo. Quando os trabalhadores foram questionados sobre os tipos de equipamentos que utilizavam, durante a execução das atividades, os resultados foram ainda mais alarmantes. O Gráfico 02 apresenta os resultados do quantitativo de equipamentos fornecidos pelas empresas e do quantitativo dos equipamentos utilizados pelos mineradores. Os resultados desta análise concordam com as situações observadas no local de trabalho. Ao se analisar o Gráfico 02, verifica-se que alguns EPI, como nos casos das botas e dos aventais,

possuem um percentual de utilização pelos mineradores maior que o valor percentual indicativo de fornecimento pelas empresas. Isto acontece por que alguns trabalhadores recebem o EPI de doação, ou até já possuem esses equipamentos. As empresas mineradoras devem oferecer gratuitamente os EPI aos trabalhadores, assim como devem fiscalizar o seu uso; o não cumprimento da lei as coloca numa situação sob pena de multas e processos. Ressalta-se que os EPI fornecidos devem conter o Certificado de Aprovação do Ministério do Trabalho, garantindo a qualidade e aprovação do equipamento. Em caso dos equipamentos estarem sem condições de uso, os mesmos deve ser substituído por outro em perfeito estado. Durante a realização deste estudo os mineradores informaram que os equipamentos recebidos tinham baixa qualidade e curta durabilidade; e que os EPI não eram fornecidos no primeiro dia de trabalho.

253


Caderno de Experiências Gráfico 02- EPI fornecidos pelas empresas e utilizados pelos mineradores 100%

90% 80% 70% 60% 50%

Fornecidos pelas empresas

40% 30% 20%

Utilizados pelos mineradores

10% 0%

Fonte: Elaborado pelos autores

Durante a visita de campo verificou-se que alguns EPI são fornecidos apenas aos trabalhadores que estão executando a atividade em contato mais próximo da incidência do risco. Por exemplo: as máscaras e aventais são disponibilizados apenas para quem trabalha na atividade de serraria; no entanto isto não deveria ocorrer, visto que a extração da Pedra Cariri elimina materiais particulados em todas as suas etapas, expondo os trabalhadores a doenças respiratórias, sendo necessário que todos utilizem as máscaras. Ressalta-se também que foram verificados trabalhadores expostos a poeira, sem o uso de máscaras, assim como trabalhadores usando protetores auriculares ineficientes para proteção contra ruídos, servindo apenas para proteger contra as impurezas. No processo de extração da Pedra Cariri, a poluição sonora é causada essencialmente pela máquina de corte que é demasiadamente ruidosa. Este tipo de poluição afeta a audição, causando várias funções fisiológicas, tais como: sensação de incômodo, stress, perturbação do sono, além de interferir na comunicação oral. A generalização do uso dos equipamentos de segurança em qualquer tipo de atividade também não é eficiente, podendo expor o trabalhador a um acidente de trabalho. Para que o uso do EPI seja realizado com eficácia e eficiência é necessário que um profissional competente realize uma avaliação do tipo de equipamento de proteção adequado para as diferentes etapas da mineração, analisando a área de influência das atividades. O uso de óculos de proteção, por exemplo, tem a função de proteger contra impacto de partículas sólidas e fagulhas; contra aerodispersoides e respingos líquidos; ou contra o ofuscamento e radiações lesivas (infravermelho e ultravioleta); dependendo do que se deseja proteger existe o tipo de óculos adequado.

Na área de estudo verificou-se que os que usavam óculos, a lente era do tipo escura. Considerações Finais Os resultados obtidos neste estudo permitem concluir que o número de adesão ao uso dos EPI é extremamente baixo nas mineradoras de Santana do Cariri-CE, o que pode ser devido ao desconhecimento da importância dos equipamentos. Segundo os trabalhadores, os acidentes envolvendo cortes e perfurações, traumas e lesões em membros superiores são os mais comuns, o que estão fortemente ligados ao não uso dos equipamentos de proteção. A não utilização dos EPI oferece inúmeros riscos à saúde do trabalhador, que vão desde os problemas respiratórios decorrentes da inalação de material particulado até as lesões físicas como cortes e fraturas, constituindo assim a lesão corporal, que é definido como aqueles eventos que acontecem no exercício do trabalho prestado à empresa e que provocam lesões corporais ou perturbações funcionais que podem resultar em morte, na perda ou em redução, permanente ou temporária, das capacidades físicas ou mentais do trabalhador. Para o aumento do percentual de adesão ao uso dos EPI nas mineradoras da área de estudo, melhorando as condições de segurança e o bemestar dos trabalhadores, sugerem-se as seguintes medidas: - Promover palestras sobre o tema; - Realizar orientações e treinamentos sobre o uso adequado dos equipamentos; - Orientar como manter sempre em boas condições de uso e conservação; - Fiscalizar o uso dos EPI pelos mineradores; - Fiscalização das empresas pelos órgãos públicos. 254


Pesquisa em Foco demografico-2010:-resultados-da-amostratrabalho>. Acesso em 20/10/2014.

Para trabalhos futuros sugere-se: - Estender este trabalho para os demais municípios que exploram a Pedra Cariri. -Analisar a qualidade dos equipamentos de segurança utilizados; - Analisar os impactos ambientais provocados pelas atividades de mineração da Pedra Cariri nas regiões dos municípios onde as mesmas se realizam, assim como na saúde de suas populações.

MOURA, Washington Almeida; LEITE, Mônica Batista; BASTOS, Adolfo Jacques Oliveira. Avaliação do uso de resíduo de serragem de pedra Cariri (RSPC) para produção de concretos convencionais. Rev. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 13, n. 1, p. 7-24, jan./mar. 2013. QUICK, B.L.; STEPHENSON, M.T.; WITTE, K.; VAUGHT, C.; BOOTH-BUTTERFIELD, S.; PATEL, D. An examination of antecedents to coal miners' hearing protection behaviors: A test of the theory of planned behavior. 2008. Journal of Safety Research. p. 329–338.

Referências BORTOLETO, Maira Sayuri Sakay; NUNES, ALMEIDA, Elisabete de Fátima Pólo de; HADDAD, Maria do Carmo Lourenço; REIS, Gislene Aparecida Xavier dos. Acidentes de trabalho em um pronto atendimento do sistema único de saúde em município de médio porte da região sul do Brasil. Revista Espaço para a Saúde, Londrina, v. 13, n. 1, p.91-97, dez. 2011 91.

RODRIGUES, Gilson Lucio. Poeira e ruído na produção de brita a partir do balsato e gnaisse na região de Londrina e Curitiba, Paraná: incidência sobre trabalhadores e meio ambiente. 2004. 171 p.

BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Anuário estatístico de acidentes do trabalho. Brasília: Secretaria da Previdência e da Assistência Social, 2008.

SOUZA, Milena Nunes Alves de; ALCHIERI, João Carlos. (2011). Atenção à saúde do trabalhador no processo de produção de caulim: uma revisão integrativa da literatura. C&D-Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v.4, n.1, p.20-37

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: Resultados da Amostra – Trabalho. Ceará » Santana do Cariri ». Brasília, 2010. Disponível em: <http://cidades. ibge.gov.br/xtras/ temas.php?lang=&codmun =231210&idtema =107&search=ceara|santana-do-cariri|censo-

ZOCCHIO, Álvaro. Segurança e saúde no trabalho: como entender e cumprir as obrigações pertinentes. São Paulo: LTR, 2000.

255


Caderno de Experiências Laís Chaves Guilherme Engenharia Civil/UFCA laiscg.eng@gmail.com

AVALIAÇÃO DO POTÊNCIAL DE COLAPSO DO SOLO DE BARBALHA.

Francisco Hiago Vieira Grangeiro Engenharia Civil/UFCA hiagograngeiro@hotmail.com

Ana Patrícia Nunes Bandeira Professora/UFCA anabandeira@cariri.ufc.br

1 Introdução

custo benefício alteradas negativamente, onde muitas vezes são necessários reforços de fundação podendo vir a tornar a obra economicamente inviável. Para evitar despesas adicionais geradas pela construção em áreas de solos problemáticos faz-se necessária uma a realização de uma investigação geotécnica específica para o problema, de forma a prever o comportamento do solo e realizar um projeto adequado para a situação. O presente artigo tem como objetivo avaliar o potencial de colapso do solo do município de Barbalha pertencente à região metropolitana do Cariri, neste município a expansão imobiliária também tem crescido nos últimos anos onde algumas obras construídas recentemente vêm representando patologias na edificação o que pode ser indício da presença de solos problemáticos em suas fundações. Sousa Neto (2004), em sua tese de doutorado, relata que o colapso é o termo utilizado para os recalques adicionais de uma fundação devido ao umedecimento de um solo não saturado, normalmente sem aumento nas tensões aplicadas (JENNINGS e KNIGHT, 1975). Os solos não saturados sujeitos a este fenômeno são, normalmente, denominados de “Solos colapsíveis”. Uma das formas de análise que pode ser usada para avaliação do colapso é o modelo de Terzaghi que explica o processo de modificação do volume dos solos na presença de umidade e tensão, baseandose nesse conhecimento, Caputo(1996) conclui que solos com características arenosas tem um potencial de realizar essa variação de volume de forma mais rápida, ou seja, solos arenosos tem maior potencial colapsível.(O que não extenua as argilas de terem um caráter colapsível como é o caso das argilas porosas de Brasília). Segundo Sousa Neto (2004) solos colapsíveis são comuns em áreas com grandes períodos de seca, compatível com países tropicais, possuindo uma estrutura aberta com altos índices de vazios frequentemente referidos a grãos redondos, unidos por algum material de ligação ou força a qual é susceptível de ser removida ou reduzida por adição de água (BARDEN et al., 1973; POPESCU, 1986). O mecanismo de colapso consiste em um rearranjo brusco na estrutura com consequente redução de volume, a presença de umidade provoca uma espécie de “lubrificação” entre as partículas

O conhecimento do solo no qual se pretende apoiar uma edificação é indispensável no planejamento construtivo, pois uma obra assentada sobre solos problemáticos traz prejuízos econômicos devido à necessidade de reforços e reparos. Como exemplo destes solos tem-se os solos colapsíveis que, em sua movimentação, são capazes de gerar trincas, fissuras, desabamentos, e também interferir na infraestrutura (rede de água e esgoto, elétrica, sistema viário, etc.). Obras de pequeno porte relacionadas ao baixo custo, quando executadas em solos com características colapsíveis podem ter sua relação de custo benefício alteradas negativamente, onde muitas vezes são necessários reforços de fundação podendo vir a tornar a obra economicamente inviável. Para evitar despesas adicionais geradas pela construção em áreas de solos problemáticos faz-se necessária uma a realização de uma investigação geotécnica específica para o problema, de forma a prever o comportamento do solo e realizar um projeto adequado para a situação. O presente artigo tem como objetivo avaliar o potencial de colapso do solo do município de Barbalha pertencente à região metropolitana do Cariri, neste município a expansão imobiliária também tem crescido nos últimos anos onde algumas obras construídas recentemente vêm representando patologias na edificação o que pode ser indício da presença de solos problemáticos em suas fundações. 2 Fundamentação Teórica O conhecimento do solo no qual se pretende apoiar uma edificação é indispensável no planejamento construtivo, pois uma obra assentada sobre solos problemáticos traz prejuízos econômicos devido à necessidade de reforços e reparos. Como exemplo destes solos tem-se os solos colapsíveis que, em sua movimentação, são capazes de gerar trincas, fissuras, desabamentos, e também interferir na infraestrutura (rede de água e esgoto, elétrica, sistema viário, etc.). Obras de pequeno porte relacionadas ao baixo custo, quando executadas em solos com características colapsíveis podem ter sua relação de 256


Pesquisa em Foco permitindo com que as mesmas desloquem-se para espaços vazios, Oliveira (2010). O processo de avaliação do colapso consiste em definir o potencial e classifica-lo de acordo com um autor específico. Sousa neto (2004) cita ABELEV (1948) citado por LUTENEGGER e SABER (1988) e ROGERS et al.(1994) define “coeficiente de colapso estrutural” como sendo: Onde: ∆e = variação do índice de vazios devido à inundação sob uma tensão específica, ei = índice de vazios, antes da inundação, correspondente à tensão de inundação, de 300 kPa.

Fonte: http://fmguarany.com Figura 2: Localização da Cadeia Pública de Barbalha

as.

Baseado neste índice, ABELEV (1948) classifica como solos colapsíveis todo aquele que apresente i > 2%. LUTENEGGER e SABER (1988) classificam os danos em uma obra de leve a alto, a depender o valor de i. Esta proposta encontra-se resumida na Tabela I. VARGAS (1978) considera colapsível todo solo que apresente i > 2%, porém para uma tensão de inundação qualquer, o que é um critério mais sensato, uma vez que muitos solos colapsíveis apresentam valores de i superiores a este limite para tensões inferiores a 300 kPa. Tabela I. Classificação da colapsibilidade em obras de engenharia

i (%) 2 6 10

GRAVIDADE DOS PROBLEMAS Leve Moderado Grave

Fonte: LUTENEGGER e SABER, 1988. Fonte: GOOGLE, Programa Google Earth, 2014 Figura 3: Fissuras encontradas na Cadeia após a reinauguração

3 Procedimentos Metodológicos A Cadeia pública do município de Barbalha foi construída onde antes funcionava na Casa de Câmara e Cadeia (Palácio 3 de Outubro), prédio bastante antigo, cuja construção remonta à grande seca de 1877. Após anos de funcionamento, em 2004 parte da edificação veio a ruir devido a ocorrência de fortes chuvas no município. Em 2008 a Cadeia foi reinaugurada, no entanto parte da nova edificação vem apresentando avarias como rachaduras e pequenas fissuras dando indícios de estar com suas fundações assentadas em solos problemáticos. Diante desta situação foi estudado o solo das proximidades da Cadeia com objetivo de entender o comportamento do material. Figura 1: Cadeia Pública de Barbalha

Para a realização deste trabalho foi adotado uma campanha de investigação geotécnica de campo e laboratório. Através da investigação de campo foram retiradas amostras indeformadas e deformadas, em acordo com a NBR9604. 257


Caderno de Experiências Através da investigação de laboratório, realizou-se ensaios básicos de caracterização do solo: granulometria (NBR 7181/1984) por peneiramento e sedimentação; densidade das partículas/massa especifica (NBR 6508/1984b); Limites de Liquidez (NBR 6459/1984c) e Limite de Plasticidade (NBR 7180/1984d). Também foram realizados ensaios especiais de laboratório para o conhecimento do potencial de colapso do solo, através do ensaio edométrico simples com amostras inundadas sobre tensões de 50 e 100kPa. As tensões escolhidas para a inundação da análise de colapso foram baseadas nos níveis de tensões que são provocados pelas cargas advindas da obra (Cadeia Pública), para que se observe o comportamento do solo de fundação perante as mesmas.

areia fina. Os ensaios de sedimentação foram realizados com e sem defloculante, no ensaio com defloculante como determina a norma o percentual de silte foi de 18% e o de argila 18%, já no ensaio sem defloculante as frações de silte e argila apresentaram 18 e 4 por cento, respectivamente. A variação da fração de argila obtida pelos ensaios de sedimentação com e sem defloculante, revela que na natureza essa parcela de solo fino se apresenta em forma de grumos com diâmetros superiores a sua classe se comportando como solo de textura granular(areia). A figura 4 apresenta a curva granulométrica do solo, com ensaios de sedimentação realizados com e sem defloculante. O Limite de Liquidez e o Limite de Plasticidade foram de 29,6 e 22,1 respectivamento correspondendo a um IP de 7,5%. Através desses resultados foi possível classificar o solo pelo Sistema Unificado (USCS) como SM (areia siltosa), essa característica do solo dá indícios de comportamento colapsível.

4 Resultados e Discussão Os resultados da caracterização geotécnica revelaram uma predominância de solo de textura arenosa(63%), sendo 44% de areia média e 17% de Figura 4: Curva Granulométrica

Com relação aos ensaios edométrico simples, as figuras de 5 a 8 apresentam os resultados. As figuras 5 e 6 apresentam as curvas tensão vertical x deformação volumétrica e tensão vertical x índice de vazios respectivamente, para a amostra

inundada na tensão de 50 kPa; já as figuras 7 e 8 apresentam as curvas tensão vertical x deformação volumétrica e tensão vertical x índice de vazios, para a amostra inundada na tensão de 100 kPa. A amostra que foi inundada na tensão de 50 kPa 258


Pesquisa em Foco apresentou um potencial de colapso 7,4% já a amostra inundada na tensão de 100 kPa apresentou um potencial de colapso de 13,3%. Esses resultados permitem classificar o solo, com base em Vargas (1978) como solo colapsível.

Figura 8.Gráfico Tensão Vertical x Índece de Vazios. Tensão de inundação 100 kPa

Figura 5. Gráfico: Tensão Vertical x Deformação Volumétrica. - Tensão de inundação 50 kPa

Considerações Finais Através desse estudo concluí-se que as características colapsíveis do solo da região de Barbalha pode ser uma das prováveis causas das patologias observadas nas edificação da Cadeia Pública da cidade. Diante deste estudo recomendase a avaliação do potencial de colapso para outras obras a serem projetadas para a região, tendo em vista que ações antecipadas e previsão de riscos podem ser palavras chaves para uma construção eficaz. Para a continuidade deste estudo recomenda-se avaliar o potencial de colapso do solo para outros níveis de tensões, assim como realizar ensaios edométrico duplo para um conhecimento mais amplo, também é importante conhecer a capacidade de carga e a tensão admissível do solo de fundação para o entendimento das causas dos possíveis recalques.

Figura 6.Gráfico: Tensão Vertical x Índice de Vazios. Tensão de inundação 50 kPa

Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7181: análise granulométrica. Rio de Janeiro, 1984a.'

Figura 7. Gráfico Tensão Vertical x Deformação Volumétrica. Tensão de inundação 100 kPa

______. NBR 6508: massa específica dos grãos. Rio de Janeiro, 1984b. ______. NBR 6459: Limite de Liquidez. Rio de Janeiro, 1984c. ______. NBR 7180: limite de plasticidade. Rio de Janeiro, 1984d.

259


Caderno de Experiências ______. NBR 6457: amostras de solo – preparação para ensaios de compactação e ensaios de caracterização. Rio de Janeiro, 1986e.

inundação (colapso). 2004. Tese – COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

GOOGLE, Programa Google Earth, 2014.

CAPUTO, Homero Pinto. Mecânica dos Solos e suas aplicações: Fundamentos. Rio de Janeiro: LTC, 1996.

SOUZA NETO, João Barbosa . Comportamento de um solo colapsível avaliado a partir de ensaios de laboratório e campo, e previsão de recalques devidos à

OLIVEIRA, Luíz Marcelo. Acidentes Geológicos urbanos.Curitiba: Ltda,2010.

260


Pesquisa em Foco Ícaro Cabral Landim Engenharia Civil/UFCA icaro91011@hotmail.com

ANÁLISE DA ERODIBILIDADE DO SOLO DE UMA ENCOSTA DA CIDADE DE JARDIM-CE POR MEIO DO ENSAIO DE INDERBITZEN 1 Introdução

Ana Patrícia Nunes Bandeira Agronomia/UFCA anabandeira@cariri.ufc.br

forma mais frequente de analisar a erodibilidade dos solos é por meio das propriedades físicas e químicas e de agentes condicionantes externos (CARVALHO et al., 2006). Pode-se estudar a erodibilidade do solo através de ensaios diretos e indiretos, estando entre eles: ensaios de caracterização física, granulometria (com e sem defloculante), limites de Atterberg, MCT, ensaios de Inderbitzen, desagregação e furo de agulha. O ensaio de Inderbitzen foi originalmente proposto por INDERBITZEN (1961) com objetivo de quantificar a erodibilidade do solo (fator K), permitindo considerar alguns fatores, tais como: a compactação, inclinação do talude, vazão e duração do escoamento (Lafayette, 2006). O equipamento é composto por uma rampa hidráulica em chapa metálica, com inclinação variável, dotada de um orifício central, onde deve ser colocada a mostra de solo. Buscando relacionar a erodibilidade ao longo de um perfil de solo ou entre solos de diferentes potenciais erosivos, Fácio (1991) propôs a padronização do ensaio de Inderbitzen quanto aos valores de alguns parâmetros, sendo eles: a) Vazão do escoamento de 50 ml/s; b) Inclinação da rampa de 10°; e c) Tempo mínimo de ensaio de 20 minutos. Na opinião de Bastos et al. (1998), o ensaio de Inderbitzen é bastante promissor na avaliação da erodibilidade dos solos. Ele obteve boa resposta na tentativa de se estimar o fator de erodibilidade (K) em solos residuais na região de Porto Alegre, em duas condições de vazão e várias inclinações de rampa. Lima (1999) e Santos (1997) realizaram ensaios de Inderbitzen em amostras nas condições de umidade natural e saturada. Esses autores executaram os ensaios nas mesmas condições utilizadas por Fácio (1991), porém com tempo de ensaio de 30 minutos. O ensaio realizado na amostra saturada ocorreu após a realização do ensaio com o corpo de prova na umidade natural, sendo a amostra arrasada e saturada por um tempo mínimo de quinze minutos, utilizando geotêxtil para proteger a sua face. Lafayette (2006), também realizando ensaios de Inderbitzen, utilizou na sua pesquisa de doutorado as seguintes variáveis: inclinação da rampa de 10°, 18° e 30°, e vazões de 70 ml/s, 100 ml/s e 170 ml/s. As amostras foram estudadas nas condições de umidade natural, seca ao ar e inundada. Estas inclinações foram determinadas por meio de

A ocupação desordenada de encostas é um dos principais agravantes dos processos erosivos, pois aceleram o fenômeno e aumentam a possibilidade do arraste das partículas, podendo essas assorear rios e canais e por conseguinte, elevar o risco de inundações. O processo erosivo depende do potencial de erosividade da chuva e da erodibilidade do solo. Com relação à erodibilidade do solo, diversos fatores interferem no atributo, tais como cobertura vegetal, tipo de solo, as condições de infiltração e escoamento superficial, a declividade e comprimento do talude ou encosta. Devido ao grande número de variáveis que influenciam a erodibilidade torna-se difícil sua determinação, no entanto há diversos procedimentos de ensaios geotécnicos que fornecem indicação do potencial de erosão do solo. Este trabalho visa avaliar a erodibilidade do solo de uma encosta situada na cidade de Jardim-CE, Região Metropolitana do Cariri, por meio do ensaio de Inderbitzen. 2 Fundamentação Teórica A erosão, quando ocorre de forma natural, é considerada um agente geológico que provoca alterações nas paisagens terrestres; sendo um mecanismo lento e medido pelo tempo geológico. As ações humanas inadequadas alteram esse processo natural, acelerando sua ação e aumentando sua intensidade. Quando a ação antrópica é identificada como deflagradora e intensificadora dos processos de erosão hídrica, denomina-se erosão hídrica acelerada (BASTOS, 1999). A erosão hídrica tem a chuva como agente erosivo, provocando a desagregação das partículas superficiais de solo, ocasionado pelo impacto das gotas da chuva e pela força cisalhante do escoamento superficial do fluxo hídrico concentrado (BASTOS, 1999; AMORIM et al., 2001; NUNES e CASSOL, 2008). A erodibilidade pode ser definida como a suscetibilidade do solo à erosão superficial, de forma que as partículas de solo são desagregadas e transportadas pelo fluxo hídrico superficial concentrado (BARROS, 2005). Desta forma, a 261


Caderno de Experiências

Tensao (Mpa)

observações feitas na área de estudo, na tentativa de simular a situação de campo. O fator de erodibilidade (K) expressa a quantidade de solo erodido por unidade de índice de erosividade da chuva, para um solo específico que é mantido sem cobertura. Bastos (1999) propõe uma classificação para erodibilidade em três principais classes: Alta erodibilidade (K> 0,1g/cm²/min/Pa); Média erodibilidade (0,1 ≥ K≥ 0,001g/cm²/min/Pa) e Baixa erodibilidade- (K< 0,001g/cm²/min/Pa). O valor da erodibilidade pode ser obtido plotando-se um gráfico Tensão Cisalhante Hidráulica () versus Perda do Solo (por unidade de área e tempo de ensaio), sendo K o valor do coeficiente angular da equação da reta que melhor ajuste os pontos dos pares. Os valores da perda do solo podem ser obtidos diretamente do ensaio de Inderbitzen e os valores das tensões cisalhantes hidráulicas podem ser obtidos por intermédio da Equação 1 (a partir de Lafayette, 2006). Lafayette (2006) calculou a tensão de cisalhamento hidráulico utilizando-se a seguinte equação: 6

0

4

0

2

0

R E E

e p p

s o o

i n x i x i

a

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p m m

o

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i . 5 %

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E V

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A

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)

posicionada a amostra de solo com 10 cm de diâmetro e altura variável, pois o recipiente da amostra permite regular a altura conforme a quantidade de ensaios a serem realizados. Durante a realização do ensaio o fluxo de água foi alimentado através de uma rede hidráulica e controlado por meio de um registro. A amostra de solo foi posicionada no equipamento de tal forma que a sua superfície fique no mesmo nível que a rampa. O sistema de coleta do material erodido foi feito por um conjunto de baldes. Com relação às variáveis do processo metodológico, foi realizado o ensaio com as seguintes especificações: -Inclinação da rampa: 25º; -Vazões: 3 l/min, 4,8 l/min e 9,3 l/min; -Condições de umidade da amostra: inundada. A inclinação da rampa adotada no ensaio buscou aproximar as condições naturais da área de estudo. As vazões de 3 l/min e 4,8 l/min foram baseadas no estudo de Lafayette (2006) e a vazão de 9,3 l/min foi à máxima obtida através da rede hidráulica. Para a realização do ensaio foram executadas 06 principais etapas, que estão descritas a seguir: a) Moldagem do corpo de prova: moldou-se um corpo de prova da amostra indeformada com 10 cm de diâmetro e 10 cm de altura;

, 4

Equação 1

Onde: γ w - peso específico da água (kN/m³); h -altura da lâmina de fluxo (m); d - declividade da rampa em (m/m); A altura da lâmina de água pode ser estimada a partir da velocidade de escoamento utilizando-se um corante no fluxo hídrico e o tempo necessário para o mesmo percorrer o canal. Utilizando-se a vazão (m³/s), a velocidade (m/s) e a largura do canal (m) e aplicando na Equação 2, da continuidade de Mecânica dos Fluidos, pode-se encontrar a altura da lâmina do fluxo (m). Matematicamente, a expressão pode ser apresentada conforme a Equação 3: Q= A

Q= (l

b) Inundação do corpo de prova: o solo foi posicionado dentro do cilindro e em seguida inundado por um período de uma hora; c) Estabilização de uma determinada vazão: a rampa hidráulica foi umedecida e a vazão foi estabelecida para o ensaio. Realizou-se a determinação da vazão por meio da medida do volume de água que escoa em um determinado tempo, utilizando-se para isso uma proveta e um cronômetro.

v

Equação 2. h ) v Equação 3.

d) Posicionamento do corpo de prova na rampa: Após a estabilização da vazão a amostra de solo foi posicionada no equipamento de tal forma que a sua superfície coincidisse com o nível da rampa, mas com o cuidado de impedir que o fluxo hídrico percorresse a superfície da amostra antes do início da coleta de solo e da contagem do tempo; e) Coleta de solo erodido: O sistema de coleta do material erodido foi realizado por um conjunto de baldes. Para cada intervalo de tempo foi posicionado um balde. Nos tempos de 1 min, 5 min, 10 min e 20 min de ensaio, os sedimentos foram recolhidos (Figura 2) e colocados em estufa durante 24h, para secagem e determinação do peso seco.

Onde: Q -vazão (m³/s); A -área de seção do fluido (m²); v -velocidade do escoamento (m/s); l -largura do canal (m); h -altura da lâmina de fluxo (m); 3 Procedimentos Metodológicos Para a realização deste trabalho, a erodibilidade do solo foi estimada por meio do aparelho Inderbitzen (Figura 1), do Laboratório de Mecânica dos Solos da UFCA. O referido equipamento apresenta as seguintes características: rampa hidráulica em chapa metálica com 0,2 m de largura e 1,20 m de comprimento, dotada de um orifício onde é

f) Realização do ensaio com outras vazões: após a realização do ensaio de Inderbitzen com uma determinada vazão, parte do corpo de prova era 262


Pesquisa em Foco extraído do cilindro para então ser regularizado na superfície da rampa e posteriormente ser ensaiado com outra vazão (Figura 3).

para coesão e de 14,7° para o ângulo de atrito, para amostra inundada; sendo este valor de coesão representativo para se contrapor à força de arraste da erosão. Com relação aos resultados dos ensaios de Inderbitzen realizados no presente estudo, os valores de perda de solo das amostras inundadas, ensaiadas nas vazões de 3 l/min, 4,8 l/min e 9,3 l/min estão apresentadas nas Tabelas 1, 2 e 3; e a Figura 4 apresenta as curvas Perda de solo versus Tempo, para as vazões citadas. Observa-se nesta Figura 4 que o solo erodido aumenta com a vazão e que a maior fração de perda de solo se deu no primeiro minuto de ensaio para todas as vazões.

Figura 1- Aparelho de Inderbitzen

Tabela 1: Resultado do ensaio de Inderbitzen para a vazão de 3 l/s.

Fonte: Dados da pesquisa.

Peso seco (g)

Figura 2- Sedimentos sendo recolhidos

0.53 0.22 0.07 0.14

Peso seco Acumulado (g) 1.41 1.62 1.7 1.83

Peso seco Acumulado (g/cm²) 1.80E-02 2.06E-02 2.16E-02 2.33E-02

Tempo (min) 1 5 10 20

Tabela 2: Resultado do ensaio de Inderbitzen para a vazão de 4,8 l/s

Peso seco (g)

Fonte: Dados da pesquisa. Figura 3- Corpo de prova sendo rasado.

2.28 0.52 0.2 0.28

Peso seco Acumulado (g) 2.28 2.8 3 3.28

Peso seco Acumulado (g/cm²) 2.90E-02 3.57E-02 3.82E-02 4.18E-02

Tempo (min) 1 5 10 20

Tabela 3- Resultado do ensaio de Inderbitzen para a vazão de 9,3 l/s.

Peso seco (g) Fonte: Dados da pesquisa.

3.69 0.46 0.24 0.27

4 Resultados e Discussão

Peso seco Acumulado (g) 3.69 4.15 4.39 4.66

Peso seco Acumulado (g/cm²) 4.70E-02 5.28E-02 5.59E-02 5.93E-02

Tempo (min) 1 5 10 20

Fonte: Dados da pesquisa.

O solo estudado, segundo os ensaios realizados por Tavares (2014), apresenta textura de predominância arenosa, com índice de plasticidade de 11,4%, sendo classificado como areno-argiloso (SC), dando indícios de solo de médio a elevado potencial erosivo, segundo a classificação de LOPPIS TRILHO (1999). Tavares (2014) também apresentou parâmetros de resistência ao cisalhamento deste solo, nos valores de 36,8 kPa

A Tabela 5 apresenta os dados obtidos dos somatórios da perda de solo seco por área, de cada vazão, e as tensões de cisalhamento hidráulico, que foram calculadas através da Equação 1. A Figura 5 representa graficamente estes dados. Traçando a linha de tendência dos pontos e exibindo a equação linear da reta, observa-se na Figura 5 que o valor da taxa de erodibilidade (K) é igual a 0,0121 263


Caderno de Experiências (g/cm²/min/Pa), correspondendo a um solo de média erodibilidade segundo Bastos (1999).

BASTOS, C. A. B. Estudo geotécnico sobre a erodibilidade de solos residuais não saturados. Tese de Doutorado, UFRGS, PortoAlegre, 296p, 1999.

Tabela 5- Peso seco erodido acumulado e a Tensão cisalhante hidráulica.

Vazão (l/min) 3 4,8 9,3

Peso seco Acumulado (g/cm²/min) 0,0233 0,0418 0,0593

CAMAPUM DE CARVALHO, J.C.; SALES, M.M.; SOUZA, N.M.; MELO, M.T.; MELO, S.M. . Processos Erosivos no Centro-Oeste Brasileiro. Brasília: Universidade de Brasília: Finatec, 2006.

Tensão de Cisalhamento Hidráulico (Pa) 1,603 2,566 4,47

FÁCIO, J. A. Proposição de uma Metodologia de Estudo da Erodibilidade dos Solos do Distrito Federal. Dissertação de Mestrado em Geotecnia, UnB, Brasíla, DF, 1991.

Fonte: Dados da pesquisa.

Considerações Finais LAFAYETTE, K. P. V..Estudo Geológico – Geotécnico Do Processo Erosivo Em Encostas no Parque Metropolitano Armando De Holanda Cavalcanti - Cabo De Santo Agostinho/Pe Recife . Tese (doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CTG. Engenharia Civil, 2006.

O ensaio de Inderbitzen permitiu avaliar o potencial do solo estudado de sofrer erosão por meio de um fluxo hídrico. A erodibilidade para solo inundado foi de 0,0121 (g/cm²/min/Pa), o que representa um médio potencial de erosão, coerente com o tipo de solo ensaiado (SC) e com os parâmetros de resistência ao cisalhamento (coesão de 36,8 kPa e ângulo de atrito 14,7°). Como sugestões para trabalhos acadêmicos futuros, recomenda-se continuar esse estudo realizando ensaios de Inderbitzen para outras inclinações de rampa. Também se recomenda realizar testes alterando a rugosidade da rampa, para que fique mais próxima da rugosidade do solo. A realização deste tipo de ensaio em outras locais também é importante, de maneira a avançar com os resultados e contribuir com a normatização do ensaio.

LIMA, M. C. Contribuição ao Estudo do Processo Evolutivo de Boçorocas na Área Urbana de Manaus. Dissertação de Mestrado em Geotecnia– Departamento de Engenharia Civil, UnB, Brasília, 1999. LLOPIS TRILHO, G. Control de la Erosión y Obras de Desague. Manual de Estabilizacion y Revegetación de Taludes. Madri, Entorno Grafico S. L., 1999. NUNES, M. C. M; CASSOL, E.A. Estimativa da erodibilidade em entressulcos de latossolos do Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v 32 Número especial, p.2839-2845, 2008.

Referências AMORIM, R.S.S.; SILVA, D.D. da; PRUSKI, F.F.; MATOS, A.T. Influência da declividade do solo e da energia cinética de chuvas simuladas no processo de erosão entre sulcos. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.5, n.1, p. 124-130, 2001.

SANTOS, R.M.M. Caracterização Geotécnica e Análise do Processo Evolutivo das Erosões no Município de Goiânia. Dissertação de Mestrado em Geotecnia Brasília: UnB, 1997.

BARROS, S. H. A. Estudo dos solos da região metropolitana de Fortaleza para aplicação na Engenharia Rodoviária. Tese de Mestrado. Departamento de Transportes, Escola de Engenharia de São Carlos, São Carlos, São Paulo, 2005.

TAVARES, U. C. N. Análise da erodibilidade de uma encosta da cidade de Jardim-CE. Monografia de Bacharelado em Engenharia Civil, UFCA, Juazeiro do Norte, 2014.

264


Pesquisa em Foco

ANÁLISE DOS RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO: PROBLEMÁTICA QUE AFETA A CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE

1 Introdução

Ivson Sobreira Miranda Engenharia Civil/UFCA ivsonsobreiramiranda@hotm ail.com

Lucas Daniel Rodrigues de Araújo Engenharia Civl/UFCA lucas_daniel_rda@hotmail.c om

Edenia Nascimento Barros Engenharia Civil/UFCA edenia@cariri.ufc.br@hotmai l.com

Larissa Maria Argollo de Arruda Falcão Pofessora/UFCA larissafalcao@cariri.ufc.br

Tabela 1: Taxas de desperdício de materiais de construção no Brasil

A construção civil é sem dúvida um setor que gera uma das maiores parcelas dos índices de emprego formal e informal no mundo, e é um dos setores que mais cresce atualmente. Nos últimos anos o Brasil tem visto notadamente esses índices nas manchetes de jornais, estatísticas econômicas, vivência social e na modificação das paisagens urbanas, ao passo que muitos órgãos regulamentadores e fiscalizadores às vezes não conseguem acompanhar tal crescimento. Como para tudo que se é produzido existe a geração de resíduos, deve ser posto em destaque aqueles provenientes da construção civil. A cadeia produtiva da construção civil é responsável por uma quantidade considerável de resíduos de construção e demolição (RCD) depositados em margens de rios, vias e logradouros públicos, criando locais de deposições irregulares nos municípios. Esses resíduos comprometem a paisagem urbana, invadem pistas, dificultam o tráfego de pedestres e de veículos, como também a drenagem urbana; além de propiciar a atração de resíduos não inertes, com multiplicação de vetores de doenças e degradação de áreas urbanas, o que afeta a qualidade de vida da sociedade como um todo (KARPINSKI et al., 2009). Alguns anos atrás não havia quaisquer indicadores para a ocorrência de perdas na construção civil e pouco se conhecia sobre a intensidade da geração de resíduos de construção e demolição, senão a frequência com que iam se formando as “montanhas” de entulho nos ambientes urbanos. No Brasil, as informações hoje disponíveis permitem confirmar a significância das perdas na construção e quantificar a geração dos RCD, demonstrando sua supremacia na composição dos RSU em cidades de médio e grande porte (PINTO, 1999). Dados esses comprovados através da Tabela 1.

MATERIAIS

TAXA DE DESPERDÍCIO (%) MÉDIA

MÍNIMO

MÁXIMO

9

2

23

Aço

11

4

16

Blocos e tijolos

13

3

48

Placas cerâmicas

14

2

50

Revestimento têxtil

14

14

14

Eletrodutos Tubos para sistemas prediais Tintas

15

13

18

15

8

56

17

8

24

Condutores

27

14

35

Gesso 30 Fonte: ESPINELLI (2005)

14

120

Concreto usinado

Um contribuinte significativo na parcela dos resíduos gerados na construção civil é o desperdício proveniente dos métodos construtivos não elaborados, pois com a devida racionalização e otimização dos projetos obtém-se uma diminuição significativa das perdas e, inclusive a melhoria da produtividade. Portanto, em decorrência dessa ausência são produzidas perdas consideráveis, que por sua vez tem atuação direta na quantificação dos resíduos. A partir do conteúdo exposto, justifica-se então um estudo prévio da geração e destinação dos resíduos da construção e demolição (RCD) do município de Juazeiro do Norte – CE, promovendo uma análise da gestão dos resíduos no município, atrelando questões ambientais e sociais. Com isso poder promover assim uma difusão do assunto para a população poder compreender e tomar conhecimento do mesmo, e só assim buscar possíveis melhorias do sistema de gestão de resíduos com os órgãos competentes. Logo, é eminente a necessidade de coleta e destinação adequada dos resíduos sólidos produzidos pela construção civil na cidade de Juazeiro do Norte, de modo a minimizar os danos ambientais que para a surpresa dos órgãos 265


Caderno de Experiências responsáveis, a atividade da Construção Civil gera a parcela predominante da massa total de resíduos sólidos urbanos produzidos nas cidades (PINTO, 2005). Este trabalho tem por objetivo analisar a quantidade de resíduos de construção e demolição (RCD) gerados e disposição dos mesmos no município de Juazeiro do Norte/CE com o interesse de oferecer a população conhecimento da situação, uma vez que assim a mesma possa cobrar dos órgãos envolvidos uma melhor reestruturação do sistema, acarretando em melhorias significativas principalmente para o meio ambiente. Observa-se que a deposição inadequada dos resíduos sólidos tem provocado grandes impactos de relevância dentro do ambiente urbano, e se tornado uma problemática a nível nacional, principalmente quando são depositados em passeios públicos e terrenos baldios, prejudicando a estética da cidade, as condições sanitárias e o bem estar da população. Logo o seu transporte e destinação devem ser tratados de forma diferenciada a dos resíduos domésticos. Tal problemática é de suma importância tanto que vem sendo tratada com foco na Resolução do CONAMA Nº307/2002 (Conselho Nacional do Meio Ambiente), em que a disposição quando não realizada em conformidade com as diretrizes do mesmo pode resultar em impactos ambientais graves.

Figura 1: Plano de Gerenciamento Integrado de RCD

Fonte: LIMA e LIMA (2011)

Essa Resolução define que os geradores são os responsáveis pelo resíduo produzido, devendo considerar primeiramente a não geração do RCD, caso não seja possível, deve-se priorizar a redução, reutilização e reciclagem, tendo como última medida apenas a disposição final em aterros de resíduo da construção civil e áreas de destinação de resíduos (CONAMA, 2002). Talvez por práticas comumente culturais e antigas, por falta de fiscalização e/ou imposição do poder público, ou até mesmo pelo não acompanhamento dos órgãos públicos em relação alto crescimento urbano, muitos geradores de resíduos não os encaminham de forma correta e legal, porém isso acontece tanto por culpa do gerador, como por culpa do contratado para coletar o resíduo, sendo de responsabilidade do poder público municipal a fiscalização e legalização desta atividade desde a coleta correta até a disposição final dos mesmos. Em seu estudo, Marinho e Silva (2012), localizaram na região do Crajubar (Crato-Juazeiro do NorteBarbalha) 14 pontos de deposição irregular, sendo oito pontos do município de Juazeiro do Norte, quatro pontos em Crato e dois em Barbalha. De acordo com o trabalho desenvolvido pelos mesmos, em que foram entrevistadas empresas geradoras de resíduos, 50% delas consideram que os resíduos produzidos por suas obras que foram depositados de forma irregular podem causar um médio impacto ao meio ambiente como mostra a Figura 2, logo estes dados devem direcionar uma atenção maior por parte dos órgãos de controle ambiental e conscientizar os geradores em relação aos danos

2 Metodologia/resultados A Resolução 307/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) define, classifica e estabelece os possíveis destinos finais dos resíduos da construção e demolição, determinando assim a execução de um plano integrado de gerenciamento de RCD como medida de planejamento e gestão, cabendo aos municípios e ao Distrito Federal, apresentar algumas soluções para o gerenciamento de volumes reduzidos, assim como o disciplinamento da ação dos envolvidos com grandes volumes. A figura 1 mostra a organização do Plano de Gerenciamento Integrado de RCD.

266


Pesquisa em Foco que a deposição irregular dos RCD pode causar ao meio ambiente e consequentemente à saúde pública.

Figura 4: Disposição irregular de RCD em “botaforas” clandestinos

Figura 2: Impacto causado pela geração de RCD na região do Crajubar

Fonte: BARROS (2013)

A amostragem através de dados e quantificações sempre é de enorme valia para servir de parâmetros comparativos e analíticos. Logo para complementar a análise do estudo, será exposto através de dados coletados em um período decorrente de Novembro de 2010 a Julho de 2012 (21 meses), a quantificação de RCDs coletados mensalmente por uma empresa atuante na área e no município, podendo assim constatar que foram coletados pela empresa um volume total de 32.920m³ de resíduos da construção civil, que distribuídos pela quantidade de meses tem-se uma média mensal de 1.567m³. O volume coletado mensalmente pode ser observado na Figura 5.

Fonte: Marinho e Silva (2012)

Quanto à existência de áreas para descarte de RCD apenas a cidade de Juazeiro do Norte possui áreas cadastradas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Serviços Públicos – SEMASP e apropriadas para descarte dos resíduos por parte das empresas coletoras, caçambeiros e carroceiros (MARINHO; SILVA, 2012). Com o intuito de apresentar a problemática da disposição irregular de RCD comumente encontrada no perímetro urbano e em terrenos com disposição clandestina que circundam a cidade de Juazeiro do Norte-CE, alguns registros fotográficos serão expostos, como ilustra a Figura 3 e Figura 4.

Figura 5: Coleta volumétricos

mensal

de

RCD,

dados

Figura 3: Disposição irregular de RCD em terrenos baldios e passeios públicos

Fonte: BARROS (2013)

Pode-se observar um aumento excessivo entre o primeiro mês e o seguinte, que pode ser justificado pelo fato de que a empresa ainda estava em inicio de atividades na região e em período de divulgação e implantação. A Tabela 2 abaixo apresenta a quantificação mensal, em volume e peso, do RCD coletado pela empresa durante o período avaliado no estudo.

Fonte: BARROS (2013)

267


Caderno de Experiências Tabela 2: Demonstrativo de quantificação de resíduos mensal

Missão Velha

02

Nova Olinda

02

nov/10

Quantidade (m³/mês) 175

Valor (t/mês) 202,30

dez/10

410

473,96

jan/11

1000

1156,00

fev/11

1275

1473,90

mar/11

990

1144,44

abr/11

1175

1358,30

mai/11

1520

1757,12

jun/11

1435

1658,86

jul/11

1890

2184,84

ago/11

1075

1242,70

set/11

1195

1381,42

out/11

1220

1410,32

nov/11

1465

1693,54

dez/11

1550

1791,80

jan/12

1600

1849,60

Empresa 1

Juazeiro do Norte

200

fev/12

1495

1728,22

Empresa 2

Juazeiro do Norte

250

mar/12

1580

1826,48

abr/12

1570

1814,92

mai/12

3220

3722,32

Empresa 3 Crato Total de Caçambas

jun/12

3905

4514,18

jul/12

3175

3670,30

Mês

Total Geral

Santana do Cariri 02 Fonte: Marinho e Silva (2012)

Ainda segundo o estudo de Marinho e Silva (2012), o volume de resíduos proveniente de reformas e demolições e descartados irregularmente foi estimado a partir de dados fornecidos pelas empresas coletoras de RCD da Região Metropolitana do Cariri, sendo recolhidos em torno de 750 containeres de 5m3 por mês, conforme Tabela 4. Tabela 4: Quantidade de RCD coletados pelas empresas especializadas

Empresas Cidade da RMC Quantidade Coletoras de de container RCD de RCD coletado/mês

Através das tabelas pode se identificar que a cidade de Juazeiro do Norte comparada a cidade do Crato possui mais pontos de distribuição irregular para uma menor quantidade de resíduos coletados, mostrando que a problemática se agrava mais no Juazeiro. Outra discussão de grande importância, mas não abordada nessa pesquisa, ficando como sugestão para trabalhos futuros, é a caracterização desses resíduos da região e uma posterior análise do possível reaproveitamento dos mesmos para fins diversos.

O valor médio mensal encontrado no estudo, considerando todo o período da pesquisa (nov/2010 a jul/2012), foi de 1.567,62 toneladas, valor este estimado em uma considerável contribuição. Enaltecendo ainda mais a pesquisa através da exposição de dados segundo o estudo realizado por Marinho e Silva (2012), durante sua pesquisa constatou-se a existência de 24 (vinte e quatro) pontos de disposição irregular na Região Metropolitana do Cariri, conforme se pode constatar na Tabela 3.

Considerações Finais Decorrente do que foi exposto pode-se concluir que apesar da existência de áreas cadastradas pela SEMASP e apropriadas para descarte ainda há vários locais de deposição irregular em pontos distintos da cidade, e também a existência de locais que podem ser classificados como bota-foras clandestinos, pois os mesmo não possuem licença ambiental para recebimento adequado e regular dos resíduos. Mostrando também o grande desenvolvimento da construção civil na região que em consequência aumenta substancialmente a quantidade de resíduos gerados, ao passo que seu destino final ainda se da através de formas inadequadas e ilegais.

Tabela 3: Distribuição dos pontos de disposição irregular dos RCD na área de estudo Nº de pontos

Barbalha

02

Caririaçu

02

Crato

04

Farias Brito

01

Jardim

01

Juazeiro do Norte

08

750

Fonte: Marinho e Silva (2012)

32920 38055,52 Fonte: BARROS (2013)

Cidades

300

268


Pesquisa em Foco Observa-se ainda que a ausência de fiscalização, por parte do poder público municipal, associado à falta de conhecimento por parte da população, sobre os impactos que a deposição inadequada de resíduos pode causar ao meio ambiente e à própria população, ou até mesmo pela certeza da impunidade faz com que os pequenos geradores e os coletores não licenciados, depositem em passeios e logradouros públicos estes resíduos, que além de dificultar o tráfego de pedestres e veículos, poderá degradar a paisagem urbana através da poluição, tornam-se vetores de doenças comprometendo a saúde da população e um possível comprometimento da drenagem urbana. Embora, a SEMASP tenha legislação para multar quem deposita resíduos em passeios públicos, vale ressaltar que a lei sem a devida fiscalização não tem eficácia, pois dá uma sensação de impunidade que fará com que continuem depositando irregularmente este tipo de resíduo. Sendo assim notável a necessidade de reformas da situação analisada, torna-se essencial para o município a difusão do assunto com finalidade de conscientização da população, levando a ela um conhecimento necessário para que assim a mesma possa reivindicar melhorias na gestão de resíduos do município de Juazeiro do Norte.

LIMA, R. S.; LIMA, R. R. R. Perspectivas do Investimento 2010-2013. In: Guia para elaboração de projeto de gerenciamento de resíduos da construção civil. Séries de Publicações Temáticas do CREA-PR. Fortaleza, 2010. 58p. PINTO, T. P. Gestão ambiental de resíduos da construção civil: a experiência do SindusConSP. São Paulo: SINDUSCON-SP, 2005. 48p. PINTO, T. P. Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos da construção urbana. São Paulo, 1999. KARPINSKI, L. A.; PANDOLFO, A.; REINEHER, R.; GUIMARÃES, J. C. B; PANDOLFO, L. M.; KUREK, J. Gestão diferenciada de resíduos da construção civil: uma abordagem ambiental. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2009. 163p. Disponível em: <http://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs/>. Acesso em: 25 out. 2012. LIMA, R. S.; LIMA, R. R. R. Perspectivas do Investimento 2010-2013. In: Guia para elaboração de projeto de gerenciamento de resíduos da construção civil. Séries de Publicações Temáticas do CREA-PR. Fortaleza, 2010. 58p.

Referências ______. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – CONAMA. Resolução n° 431, de 24 de maio de 2011. Altera o art. 3º da Resolução n° 307, de 5 de julho de 2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, estabelecendo nova classificação para o gesso.Ministério do Meio Ambiente. Publicada no DOU nº 99, de 25 de maio de 2011, pág.123. acesso em: 04 Mar 2013.

MARINHO, J. L. A.; SILVA, J. D. Gerenciamento dos resíduos da construção e demolição: diretrizes para o crescimento sustentável da construção civil na região metropolitana do cariri cearense. E-tech: Tecnologias para competitividade Industrial. Florianópolis, v. 5, n. 1, p.102-119, 2012. ESPINELLI, U. A gestão do consumo de materiais como instrumento para a redução da geração de resíduos nos canteiros de obras. In:Seminário de Gestão e Reciclagem de Resíduos da Construção e Demolição – Avanços e Desafios. São Paulo. PCC USP, 2005.

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SINDUSCON-SP. Gestão Ambiental de Resíduos da Construção Civil. São Paulo, 2005.

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SPOSTO. R. M. Os resíduos da construção: problema ou solução? Revista Espaço Acadêmico, n. 61, 2006. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/061/61s posto>.

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Caderno de Experiências Madson Lucas de Souza Engenharia Civil/UFCA madson_lucas@hotmail.com

DIMENSIONAMENTO E ORÇAMENTO DE PAINÉIS FOTOVOLTAICOS: APLICADOS A CASA PADRÃO CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Larissa de Moraes Rocha Engenharia Civil/UFCA larissamoraesrocha@yahoo.c om.br

Larissa Maria Argollo de Arruda Falcão Professora/UFCA larissafalcao@cariri.ufc.br

1 Introdução

2 Fundamentação Teórica

As crescentes mudanças climáticas causadas pela geração de energia por meio do petróleo, do gás, do carvão e outras de fontes emissoras de CO2, obrigam governos, empresas e a sociedade a buscarem novas soluções como fontes limpas e renováveis que permitam a sustentabilidade a fim de suprir as demandas enérgicas atuais (MARCOLINO, 2011). Sabe-se que o efeito estufa, resultado da queima do petróleo, carvão mineral e gás natural, é hoje um dos principais, se não o principal, responsável pelas mudanças climáticas percebidas e discutidas na sociedade. Há consenso de que o planeta não suportará o uso de petróleo no século 21 da mesma forma que foi usado no século 20 (EXAME,2006). O considerável aumento do consumo elétrico atual, que se iniciou desde a revolução industrial, foi seguido de pesquisas que buscassem melhorar e baratear a obtenção de energia elétrica por fontes renováveis, pois não há preocupação apenas quanto a possível falta de energia, mas também, quanto à forma como ela é gerada. Diante desse cenário, pode-se apontar como alternativa o sol, pois o mesmo mostra-se como fonte de energia renovável e utilizada para produção de energia elétrica, sendo uma alternativa promissora diante de um cenário de desafios energéticos e ambientais. O Sol libera uma enorme quantidade de energia irradiada para o sistema solar. Sensores de radiação solar mostram que no espaço extraterrestre a irradiação medida entre o sol e a Terra é cerca de 1353 W/m² e parte desta energia, tipicamente 1000 W/m² incide na superfície da Terra. Ainda assim, o montante da energia do Sol que atinge a superfície da Terra a cada hora é maior do que a quantidade de energia utilizada em um ano pela população mundial. (BRUSCHI,2010). Tendo em vista essa possibilidade, pode-se absorver a Energia Solar através de painéis solares e convertê-la em Energia Elétrica, tecnologia essa, que pode ser aplicada em residências. Com isso, fez-se um orçamento tendo por base uma casa padrão da Caixa Econômica Federal, para que assim, houvesse uma análise que mostre a viabilidade desse processo, uma vez que muitas pessoas ainda pensem na Energia Solar como algo inviável.

O trabalho descrito tem por objetivo mostrar um orçamento para uma casa funcionando através da Energia Solar. Para o melhor entendimento do que será discorrido fazem-se necessárias algumas definições muito importantes. Sustentabilidade e Sustentável são palavras derivadas do verbo sustentar que tem origem no latim “sustentare” que significa conservar, amparar, defender, manter, impedir que caísse (Ferreira, 1986). Segundo Capra (1997, epílogo) sustentabilidade é a combinação de cinco características básicas: “interdependência, reciclagem, parceria, flexibilidade e diversidade”. Para este autor a sustentabilidade não se refere somente à interação do homem com a preservação ou conservação para não comprometer o meio ambiente, mas é um processo que além de continuar a existir é capaz de manter um padrão de qualidade de vida, autonomia de manutenção, contar com suas próprias forças, pertencer a uma rede de coadjuvantes sustentáveis além de promover a harmonia das relações sociedadenatureza. Alguns autores como Silva 2000; Cook, 2001 e Rogers,1998; colocam que embora não exista consenso sobre o termo já se identificam etapas a serem cumpridas, ou seja, níveis de sustentabilidade, nesse processo de busca de uma arquitetura que gere menor impacto ambiental. Considerando-se no primeiro momento enfocando somente a sustentabilidade da edificação como a escolha dos materiais, consumo de água e energia. No segundo momento a preocupação com o entorno o qual a edificação está inserida, sendo maior a preocupação com os aspectos relacionados à fauna e flora, a qualidade do ar, e na comunidade em que está inserido. No terceiro momento estariam incorporadas além dos aspectos citados, mudanças estruturais profundas, vínculo com o local em que vivemos e as alterações de hábitos e estilos de vida cominaria num modo de vida sustentável. Segundo o autor do Livro “Do Pré-Sal ao Aquecimento Global”, Hércules Góes, 2009, podese definir como energia renovável aquela que é obtida de fontes naturais capazes de se regenerar, e, portanto virtualmente inesgotáveis, ao contrário dos recursos não-renováveis. São conhecidas pela imensa quantidade de energia que contêm, e 270


Pesquisa em Foco Figura 1 - Projeto Arquitetônico Casas Populares Caixa Econômica Federal

porque são capazes de se regenerar por meios naturais. Exemplos de fontes renováveis incluem a energia solar (painel solar, célula fotovoltaica), a energia eólica (turbina eólica, cata-vento), a energia hídrica (roda d’água, turbina aquática) e a biomassa (matéria de origem vegetal). A energia solar pode ser considerada inesgotável, lembrando a sua utilização para a produção de eletricidade através de painéis solares e células fotovoltaicas. O sol é fonte de energia renovável e o aproveitamento desta energia, tanto como fonte de calor quanto de luz, é uma das alternativas energéticas mais promissoras para que seja possível enfrentar os desafios ambientais que aparecem a cada instante. Painel solar ou placa solar pode ser definido como uma ferramenta criada para converter a radiação solar em energia. Trata-se do método mais limpo conhecido de geração de energia, pois utiliza apenas o Sol como fonte energética. Painéis Solares pode ser divididos painéis solares fotovoltaicos e painéis térmicos. Os Painéis Solares Fotovoltaicos são conjuntos de células fotovoltaicas que convertem a luz solar em energia elétrica. Já os Painéis Solares Térmicos são os painéis para aquecimento solar. Estes não convertem a energia solar em elétrica, mas aproveitam a energia térmica gerada pelo sol, usando-a para aquecer ou até resfriar um ambiente com energia solar. Existe ainda um terceiro grupo, o dos painéis solares mistos, que são associações de painéis solares fotovoltaicos e painéis solares térmicos.

Para fazer a correta escolha de painel solar, faz-se necessário o dimensionamento de eletrodomésticos e semelhantes que serão possivelmente utilizados na residência, resultando na seguinte tabela:

Equipamento Quantidade Potência** Tempo de Uso Total KWh/Mês Carregador de celular 04 15 W 02 hr 00 Min 3.6 Chuveiro 01 3000 W 00 hr 10 Min 15 Computador 01 200 W 02 hr 00 Min 12 Ferro elétrico 01 1000 W 00 hr 07 Min 3.5 Geladeira 01 200 W 10 hr* 00 Min 60 Lâmpadas 05 60 W 04 hr 00 Min 36 Liquidificador 01 300 W 00 hr 05 Min 0.75 Rádio-relógio 01 05 W 05 hr 00 Min 0.75 Sanduicheira 01 750 W 00 hr 02 Min 0.75 Televisão 01 150 W 04 hr 00 Min 18 Ventilador 02 80 W 08 hr 00 Min 38.4 Total: 188.75 *O tempo médio de 10 horas diárias para geladeira refere-se ao período em que o compressor fica ligado para manter o interior na temperatura desejada. ** A potência dos aparelhos aqui demonstrada é uma média das encontradas no mercado. 271


Caderno de Experiências O sistema utilizado é o Grid-Tie, onde é feito por parceria com a concessionária de Energia Elétrica, ou seja, durante o dia, a casa funcionará utilizando Energia proveniente do painel solar, quando não for suficiente para o consumo residencial ou durante o período noturno, a mesma utilizará energia da concessionária, sendo assim, não será necessária à utilização de baterias, mas de um sistema como mostrado na figura 2.

4 Resultados e discussão Pelo dimensionamento já descrito na metodologia, a potência máxima foi de 188,75KWh/mês, equivalente a 262,15Wh, porém, devido ao uso de Energia Elétrica pela noite, em que não há transformação de Energia Solar para Elétrica e pela falta da bateria para armazenamento da mesma, considera-se que a potência que será proveniente da Energia Solar, girará em torno de 44 a 49% da total consumida. O sistema foi selecionado conforme critérios técnicos e financeiros, buscando maior custo benefício voltado à população de renda média. Como a potencia que será fornecida pelo painel solar gira em torno de 44 a 49% da total, equivalente a 115.35 a 128,45Wh, será mais adequado um painel solar de 140Wh. Portanto, diante dos dados obtidos durante pesquisa de preço, verificou-se que o melhor custo benefício seria obtido através da compra de um Kit Solar Fotovoltaico de 140W. Descrito na tabela:

Figura 2: casa com sistema Grid-Tie

Kit Solar Fotovoltaico O painel solar fotovoltaico Yingli, modelo YL140p-17b, pesa 11,8Kg e tem dimensões de 1470 x 680 x 35 (mm). Este módulo fotovoltaico foi certificado pelo INMETRO,sentando eficiência de Painel Solar 14% e nota “A”. As células Fotovoltaico fotovoltaicas são protegidas por Yingli YL140Puma resistente camada de vidro 17b (140Wp) temperado de 3,2mm e a moldura em alumínio já vem com as furações para fixação.Em condições ideais de insolação, este módulo solar fotovoltaico produz 140W, 7,77A e 18V em corrente contínua. Funciona em 12V ou 24V com detecção automática. Algorítmo de carga da bateria por PWM (Pulse Width Controlador de Modulation) de alta eficiência. Controla carga com corrente Carga Epsolar Landstar LS1024 máxima de 10A. Parâmetros pré-ajustáveis para 10A 12/24V baterias: selada, gel e ventilada. Compensação de temperatura. Indicadores LED para estado de carga das baterias. O inversor de 400W Unitron pode alimentar eletroeletrônicos de Inversor Unitron pequeno porte, como laptops e TVs iVolt - 400W / e blu-ray player. Permite ligar 12Vcc / 115Vac / aparelhos que consumam até 60Hz 400W constantemente ou 800W em pico.

O sistema de transformação de Energia utilizado consiste em um painel fotovoltaico – parte A, figura 2 –. Fios levam a energia até o inversor de potência de 2kW que transforma a corrente contínua em corrente alternada de 220V. Junto com o painel faz-se necessário o inversor – parte B, figura 2 –, cuja função é converter essa c corrente contínua em corrente alternada para alimentar eletrodomésticos e demais equipamentos convencionais e manter sincronização com a rede. Por segurança, ele desliga a geração em casos de falhas, evitando assim, perigo de choque em funcionários da concessionária que estejam trabalhando na linha, além de um controlador de carga – parte D, figura 2 –, que mede continuamente a alimentação elétrica e um painel elétrico – parte C, figura 2 –, como um quadro de distribuição, que recebe a corrente alternada vinda do inversor. A troca de energia entre o sistema solar e a rede é constante e dispensa baterias: quando há consumo dentro de casa, a energia é usada diretamente. Quando a geração é inferior ao consumo, a energia é completada pelo fornecimento da concessionária. Em caso de geração alta e baixo consumo há injeção de energia na rede. Um medidor bidirecional contabiliza a energia consumida e a injetada, permitindo formar um saldo de energia no final do mês.

O preço do kit descrito acima é de 949,44 reais, vale ressaltar que neste valor não estão inclusos os cabos nem a instalação do equipamento. 272


Pesquisa em Foco Além de todas as outras vantagens já citadas, temse que o painel solar não necessita de gastos extras manutenção, apenas uma simples limpeza com pano da camada de vidro, quanto aos outros componentes do kit, a manutenção equivale a de eletrônicos. Apesar de aparentemente parecer um investimento caro, no caso descrito, haverá um retorno financeiro em aproximadamente dois anos. A energia solar tem representado hoje uma das mais sustentáveis fontes de geração de energia elétrica.

Development of Built Environment, November 7 to 9, 2001, Florianópolis, Brasil, p.37-44. ESTUDO sobre o uso de painéis fotovoltáicos. Exame. FERREIRA, A.B.H. (Coord.). Novo dicionário da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. 1838p. GÓES, H. Do Pré-sal ao aquecimento global. 1º. ed. [S.l.]: Ecoturismo, 2009.

Considerações Finais

MARCOLINO, Juliane Bernardes. Desenvolvimento de células solares com retrovisor formado por pasta de alumínio e difusão em forno de esteira. 2011. Dissertação (Mestrado em engenharia e tecnologia dos materiais) -Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

A energia solar é uma fonte inesgotável e gratuita de energia. No Brasil, esta fonte de energia deve ser aproveitada ao máximo, já que está situado em zona tropical, em que dispõe de alta incidência de radiação solar. Os painéis solares, apesar de ainda não haver comercialização de forma que reduza ainda mais o custo, tendem a ser utilizado em maior escala, por serem considerados uma boa alternativa para a geração de energia limpa, além de permitirem que o consumidor consiga um retorno de investimento relativamente rápido e de representarem redução de cerca de 50% do custo da energia.

MINHA CASA SOLAR. Minha Casa Solar. Site da Minha Casa Solar. Disponivel em: <http://minhacasasolar.lojavirtualfc.com.br/pr od,IDLoja,14743,IDProduto,3076363,inversorde-tensao-inversor-12v-para-110v-inversor-deenergia-de-400w-unitron-ivolt---12v-115v>. Acesso em: 6 Novembro 2014.

Referências

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CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos - Alfabetização Ecológica . Cultrix - Amana-Key, São Paulo, 1997

ROGERS, Richard - Cities for a small planet; editado por Philip Gumuchdjian, Estados Unidos da América, West view Press, 1998, 180p

COOK, Jeffrey – Millennium Measures of Sustainability: Beyond Bioclimatic ArchitectureIn: Proceedings of PLEA 2001 Conference – The 18th International Conference on Passive and Low Energy Architecture – Renewable Energy for a Sustainable

SILVA, SANDRA R. Mota – Indicadores de Sustentabilidade urbanas perspectivas e as limitações de Operacionalização de um Referencial Sustentável- Dissertação de mestrado, apresentado ao Programa de Pós273


Caderno de Experiências Graduação em Engenharia Urbana, da Universidade Federal de São Carlos, 2000, 260p

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Pesquisa em Foco

INCORPORAÇÃO DE RESÍDUO DE EVA EM RESINA EPÓXI

1 Introdução

Francisco Diassis Cavalcante da Silva Engenharia de Materiais/UFCA francisco.dias2@hotmail.com

Wendell Bruno Almeida Bezerra Engenharia de Materiais/UFCA wendellb99@gmail.com

Antonio Demouthie de Sales Rolim Esmeraldo Engenharia de Materiais/UFCA tierolim@hotmail.com

Ademir José Zattera Professor/UCS ajzatter@ucs.br

Marco Aurélio Colombo Engenharia Química/UCS marcos.colombo@grendene.c om.br

Ledjane Lima Sobrinho Professor/UFCA ledjane@cariri.ufc.br

paralelamente, reduzir os problemas ambientais associados ao descarte de resíduos poliméricos.

O estado do Ceará, atualmente consolidado como um grande centro da indústria de calçados nacional tem no Pólo Calçadista do Cariri o principal motor para o sucesso do setor. Concentrando 250 indústrias (das quais 90% desse ramo) e empregando 16 mil pessoas na região, o complexo industrial é o maior pólo produtor do norte e nordeste e o terceiro do país. Entretanto, o crescimento econômico do setor calçadista na região do Cariri tem sido proporcional ao aumento da geração de resíduos, particularmente de resíduos de EVA (Etileno Acetato de Vinila). Por outro lado, sabe-se que as resinas epóxi são inerentemente frágeis. Quando curadas, tornam-se termorrígidos amorfos altamente reticulados e apresentam baixa resistência ao crescimento de trincas (May, 1988). Um aumento da tenacidade desses materiais pode ser obtido através da adição de agentes modificadores/tenacificadores, tais como nanopartículas rígidas, material elastomérico ou termoplástico, que fornecem uma maior capacidade de deformação do polímero e aumento da energia de fratura (May, 1988; Lowe, 1995). A adição de borrachas, tal como copolímero poliacrilonitrila, butadieno e carboxilado (CTBN) tem se mostrado o método mais eficiente de tenacificação desses sistemas poliméricos (SOBRINHO, et. al., 2012) Entretanto, vale ressaltar que essas borrachas normalmente são importadas e apresentam alto custo. Nesse cenário, a ideia de se utilizar EVA para modificação de resinas epóxis é bastante atrativa. A proposta é aproveitar/utilizar os resíduos da indústria local e simultaneamente apresentar uma nova possibilidade de tenacificar sistemas poliméricos termorrígidos. O principal objetivo do presente trabalho é tenacificar uma resina epoxídica a partir da incorporação de EVA. Almeja-se contribuir para a redução de custos associado aos métodos de tenacificação de termorrígidos, especialmente em se tratando da importação de elastômeros e,

2 Fundamentação Teórica Segundo Mallick (1993), um polímero é definido como uma macromolécula composta por uma ou mais unidades de repetição (meros) unidas por ligações covalentes. Em função das ligações covalentes entre os meros, os polímeros apresentam baixa condutividade térmica e elétrica. Entretanto, são mais resistentes à corrosão do que os metais (CHAWLA, 1987; CANEVALORO, 2002). Várias são as formas de se classificar um polímero: quanto à ocorrência (natural ou sintética), quanto à forma estrutural (linear, ramificada ou reticulada), quanto ao modo de preparação (polímeros de condensação e polímeros de adição) dentre outros, (LUCAS et al., 2001). Dentre essas, a classificação em função da fusibilidade forma as duas maiores classes de polímeros, os termorrígidos e os termoplásticos (CHAWLA, 1987). Na opinião de Mallick (1993) e US Department of Defense (2002) nos termoplásticos, as ligações secundárias que unem as cadeias podem ser temporariamente quebradas com o aumento de temperatura e pressão, e sob essas condições, os termoplásticos têm a capacidade de amolecer e fluir. Quando resfriadas, as moléculas solidificamse em suas novas posições, restaurando as ligações entre elas (MALLICK, 1993). Nos polímeros termorrígidos (ou termofixos), por outro lado, as cadeias moleculares estão unidas entre si por ligações químicas primárias (reticulação ou ligações cruzadas), formando um sistema tridimensional rígido, infusível e insolúvel (MALLICK, 1993) (US DEPARTMENT OF DEFENSE, 2002). Suas propriedades mecânicas dependem da densidade de ligações cruzadas e das unidades moleculares que formam o sistema. Segundo Clyne e Hull (1996) a cura desses polímeros pode ser obtida em temperatura 275


Caderno de Experiências ambiente, ou a partir de um ciclo que envolve o aquecimento em uma ou mais temperaturas por tempos predeterminados. O termo cura é usado para descrever o processo pelo qual um ou mais tipos de reagentes, por exemplo, a resina e um endurecedor (agente de cura), são transformados de materiais de baixo peso molecular em um material altamente reticulado. Chama-se de tratamento de pós-cura a última parte do ciclo de cura em que se usam temperaturas mais altas, com o objetivo de minimizar a ocorrência de cura posterior e consequentemente, mudanças de propriedades durante o serviço. Tradicionalmente, as resinas termorrígidas têm sido empregadas como matriz em compósitos de alto desempenho. Dentre essas, as resinas poliéster, vinil éster e epóxi são as mais utilizadas (CLYNE; HULL, 1996). Tais resinas respondem por cerca de 90% dos sistemas poliméricos utilizados em compósitos estruturais.

molécula e distância entre os grupos), da funcionalidade do agente de cura e das condições da reação, tais como temperatura e tempo. Enquanto o módulo de elasticidade, a temperatura de transição vítrea (Tg), a estabilidade térmica e a resistência química aumentam com o aumento da densidade de ligações cruzadas, a deformação na fratura e a tenacidade à fratura são reduzidas (MALLICK, 1993). Figura 2 - Estrutura química da resina epóxi DGEBA

O amplo interesse em resinas epóxi é função da ampla variedade de reações químicas e de materiais que podem se usados para cura, o que possibilita a obtenção de diferentes propriedades mecânicas, físicas e químicas. O nome epóxi classifica uma larga escala de produtos que apresentam em comum um anel constituído de dois átomos de carbono ligados a um átomo de oxigênio, por meio de ligações covalentes simples. Quimicamente, a resina epoxídica pode ser definida como qualquer molécula que contém um ou mais grupos a-epóxi (Figura 1), também conhecido como oxirano, que pode reagir para formar um polímero termorrígido. As resinas epoxídicas podem ser homopolimerizados de forma catalítica ou formar um heteropolímero através da funcionalidade de seus grupos epóxis com seus agentes de cura (LEE; NEVILLE, 1967).

Matrizes epoxídicas, como uma classe de resinas, têm as seguintes vantagens em relação a outras resinas termorrígidas: ausência de material volátil e baixa contração durante a cura, alta resistência à tração, excelente resistência química e à corrosão, boa estabilidade dimensional, além de boa adesão a vários substratos (LEE; NEVILLE, 1957; MALLICK, 1993). Em função dessas características, esses sistemas são amplamente usados em vários tipos de aplicações, tal como, matriz de materiais compósitos avançados, adesivos estruturais e revestimentos (LEE; NEVILLE, 1957; GOODMAN, 1988). Por conta de sua estrutura química, essas resinas formam cadeias termorrígidas amorfas altamente reticuladas, no qual apresentam baixa resistência ao crescimento de trincas, baixa deformação e flexibilidade. Segundo Lowe et al.1995, é sabido, entretanto, que a partir da adição de agentes modificadores (nanopartículas rígidas, elastômeros ou termoplásticos) é possível obter um aumento da tenacidade dos termorrígidos. Os copolímeros poliacrilonitrila butadieno carboxilado - CTBN, poliacrilonitrila butadieno com terminação amina - ATBN e poliacrilonitrila butadieno com terminação hidroxila- HTBN são geralmente utilizados como agentes modificadores de resinas epoxídicas, sendo o CTBN o mais adotado. Embora esses copolímeros tenham composição química similares, as reatividades são diferentes. O grupo polar carbonila apresenta maior afinidade com as resinas epoxídicas. Vários são os trabalhos relacionados à tenacificação de polímeros termorrígidos por meio da adição de borracha. No entanto, é importante ressaltar que as borrachas utilizadas para este fim normalmente são importadas, o que gera um aumento considerável no custo final do processo. Este contexto nos

Figura 1 – Grupo reativo epóxi

Mallick (1993) descreve a resina epoxídica DGEBA, produto da reação entre a epicloridrina e o bisfenolA, como a mais comum (Figura 2), que contém dois grupos epóxi nas extremidades das cadeias. O excepcional desempenho, característico dessas resinas, é expresso pelo bisfenol-A (rigidez e elevado desempenho em altas temperaturas), pelo ligante éter (resistência química) e pelo grupo epóxi (propriedades adesivas ou reatividade com uma ampla variedade de agentes químicos de cura), (LEE; NEVILLE, 1967). As propriedades de uma resina epoxídica curada dependem principalmente da densidade de ligações cruzadas, controlada pela estrutura química da resina (número de grupos epóxi por 276


Pesquisa em Foco incentivou a estudar um novo método para modificar o comportamento frágil dos termorrígidos e, concomitantemente, gerar uma alternativa para aplicação dos resíduos de EVA produzidos na região. O copolímero poli [(etileno)-co-(acetato de vinila)] (EVA) é formado pelo encadeamento de sequências aleatórias de polietileno e poliacetato de vinila. O teor de acetato de vinila no copolímero pode variar de 1 a 45 mol% (KOOPMANS, et. al., 1982). Em geral, pode-se classifica-los em dois grupos, os de baixa concentração, que possuem entre 1 e 18 mol% de acetato de vinila, e os de alta concentração, que possuem uma concentração de acetato de vinila acima de 18 mol%. Estes últimos, com teores mais altos de acetato de vinila, são utilizados principalmente na indústria calçadista sob a forma de placas expandidas (BUFFON; GONSALEZ, 2002). O aumento no teor de acetato de vinila proporciona ao EVA, dentre outras características, uma redução na rigidez, maior barreira a permeação de gases, maior resistência a intempéries e melhor compatibilidade com outras resinas (KOOPMANS, et. al., 1982). O grande volume de resíduos de EVA oriundo destas placas expandidas tem incitado o estudo para sua reutilização. Por se tratar de um resíduo que possui, além das características mencionadas previamente, baixas massa específica e grande capacidade de se deformar, acreditamos que a proposta de utilizá-los como agente modificador de resinas epóxis seja verdadeiramente promissora.

Para o ensaio mecânico de tração, os corpos-deprova foram produzidos em um molde metálico, de acordo com a Norma ISSO 527-2. O ciclo de cura foi feito de acordo com a indicação da empresa fornecedora da resina epóxi, 2h a 80°C e 2h a 120°C. Os testes foram realizados em uma máquina eletromecânica EMIC. As seguintes condições experimentais foram adotadas: célula de carga de 5 kN e velocidade de deslocamento do travessão de 1,0 mm/min. As deformações foram obtidas por vídeo extensômetro. As temperaturas de transição vítrea das amostras com e sem EVA foram determinadas em um analisador dinâmico–mecânico (DMA–Dynamic Mechanical Analyzer), da PekinElmer Instruments. As seguintes condições experimentais foram adotadas: frequência de oscilação de 1 Hz, amplitude de 10 µm, força estática de 330 mN e força dinâmica de 300 mN. A análise da estabilidade dos sistemas poliméricos em função da temperatura foi feita em um equipamento de análise termogravimétrica, modelo TGA Pyris 1 da PerkinElmer. Foi feita uma corrida de 0°C a 200°C com taxa de aquecimento de 10◦C/min, vazão de nitrogênio na amostra de 20 ml/min e vazão de nitrogênio na balança de 40 ml/min. O teor de gel das amostras (0,3g) foi determinado de acordo com a norma ASTM D2765-95 por extração em xileno a quente (ebulição), durante 12 horas (em triplicata). Para o ensaio, as amostras foram moídas criogenicamente; foram peneiradas entre peneiras de 35 e 48 “mesh”. O filtro (portaamostra) foi confeccionado com tela de aço de 120 “mesh”. Após a extração dos solúveis, as amostras foram secas em estufa a 150°C por 24 horas, até peso constante e depois acondicionadas e um dissecador. Essas análises foram realizadas no Laboratório de Polímeros da Universidade de Caxias do Sul.

3 Procedimentos Metodológicos A adição de EVA, como agente modificador/tenacificador da resina epóxi, e caracterização dos sistemas poliméricos preparados foram feitas a partir de uma sequência de atividades: A Figura 4 apresenta o fluxograma dessas atividades e em seguida será feita a descrição de cada uma delas.

4 Resultados e discussão Os resultados dos testes de tração são apresentados na forma de curvas tensão-deformação. A Figura 5 mostra as curvas características do comportamento sob tração das amostras e a Tabela 1 lista os valores médios de tensão e deformação de fratura.

Figura 4 – Fluxograma de atividades

A funcionalização do EVA foi realizada tomando como base o método utilizado por Moreira e Soares (2003). A modificação da resina epóxi foi realizada a partir da adição de diferentes porcentagens de EVA (0,5 e 1,0%). A caracterização dos sistemas poliméricos produzidos foi feita por meio de ensaio mecânico de tração e análises térmicas (DMA e TGA). 277


Caderno de Experiências Figura 5: Curvas tensão–deformação que ilustram o comportamento sob tração dos sistemas poliméricos desenvolvidos Resina epoxi Epoxi com 0.5% de EVA Epoxi com 1% de EVA

40

20

0 0,0

0,7

1,4

80 60 40 20 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600

Temperatura(°C)

Pela técnica de DMA, a temperatura de transição vítrea (Tg) pode ser determinada por três maneiras diferentes: queda brusca do módulo de armazenamento, máximo da curva do módulo de perda e máximo da curva de tan δ (Figura 7) em função da temperatura. A transição vítrea é um importante efeito térmico que pode ser utilizado para a caracterização de materiais amorfos ou semi-cristalinos e ocorre quando as cadeias moleculares de um polímero, por exemplo, adquirem energia suficiente para permitir o deslocamento de uma cadeia em relação à outra por mudanças conformacionais. Sob essas condições, o material passa do estado vítreo, caracterizado pela mobilidade limitada, para um estado no qual as cadeias poliméricas têm uma maior mobilidade. Em geral, fatores que diminuem a rigidez do polímero, como a diminuição da densidade de ligações cruzadas, tendem a diminuir a Tg. Como pode ser observado na Figura 7, a adição de EVA à resina promoveu redução na Tg do sistema polimérico (cerca de 14%). A Tg da resina pura passou de 117,35°C para aproximadamente 99,88°C após a adição de 1,0% de EVA. Essa redução da Tg era esperada em função da adição de um componente mais flexível à resina e diminuição da densidade de reticulação do sistema.

Tabela 1 – Propriedades mecânicas médias dos sistemas poliméricos desenvolvidos

Epóxi pura Epóxi + 0,5% EVA Epóxi + 1,0% EVA

100

0

Deformaçao(%)

Tensão média (Mpa) 50,89 50,02 51,46

Resina Epoxi Epoxi com 1% de EVA Epoxi com 0.5% de EVA

120

Perda de massa(%)

Tensao (Mpa)

60

Figura 6: Curvas de degradação térmica dos sistemas poliméricos sem e com EVA (0,5 e 1,0%): perda de massa versus temperatura

Deformação média (%) 1,27 1,30 1,32

Como observado na Figura 5 e na Tabela 1, as tensões e deformações na fratura dos três sistemas poliméricos apresentaram valores médios muito próximos. Um teste simples do Programa Statistica, teste LSD de Fishher com 5% de significância, mostra que não existe uma diferença estatisticamente significativa entre os três sistemas poliméricos, para as propriedades mecânicas analisadas. Incialmente estipulou-se que, provavelmente, isto tenha ocorrido em função de uma interação inexpressiva do EVA com a resina epoxídica. Entretanto, contrariamente aos ensaios de tração, as análises térmicas apontam para existência de interação entre a resina epoxídica e o EVA e, deste modo, estipulou-se que novos testes de tração, com uma amostragem maior, sejam necessários para a determinação das propriedades mecânicas dos sistemas poliméricos desenvolvidos. Na análise termogravimétrica verifica-se a estabilidade do polímero em função da temperatura. As temperaturas de degradação foram determinadas a partir de onde se inicia uma queda abrupta da massa do sistema, Figura 6, e a determinação do ponto do início da queda é auxiliada pelo pico da derivada da curva. As temperaturas de degradação determinadas para os sistemas poliméricos sem EVA, com 0,5 e 1,0 % de EVA foram de 424,94°C, 434,49°C e 442,29°C, respectivamente. O que se nota, positivamente, é que a adição de EVA aumentou a resistência do sistema polimérico à degradação térmica.

278


Pesquisa em Foco Figura 7: Análise de Tg por DMA das amostras com e sem EVA. Variação de tan δ em função da temperatura.

Os resultados apresentados nas análises térmicas foram semelhantes aos encontrados em trabalhos apresentados na literatura após a modificação de resinas epoxídicas com agentes tenacificadores (SOBRINHO, et. al., 2012, Lowe, 1995, NIGAM, et. al., 1999, CHIKHI, et. al., 2002, THOMAS et. al., 2004, TRIPATHI and SRIVASTAVA, 2007). Por outro lado, o comportamento sob tração diferiram fortemente. No entanto, vale ressaltar que essa análise comparativa está sendo realizada com sistemas diferentes. No presente trabalho utilizouse resíduos de EVA como agente modificador da resina epóxi, enquanto nos trabalhos acima referidos foram utilizadas borrachas.

Resina epoxi Epoxi com 1,0% de EVA Epoxi com 0,5% de EVA 1.40E+008

7.00E+007

0.00E+000 0

100

A Tabela 2 apresenta os resultados da análise de teor de gel.

200

Temperatura(°C)

Tabela 2 – Dados obtidos para o cálculo do teor de gel

EVA reticulado

(m0)

(m1)

(m2)

(m3)

Solúvel

Insolúvel

(Pi)

Amostra (a) Amostra (b)

0,2991 0,3012

1,0032 0,9221

1,3023 1,2233

1,243 1,1603

0,0593 0,0630

0,2398 0,2382

80,17 79,08

Amostra (c)

0,3008

0,9732

1,274

1,2143

0,0597

0,2411

80,15

Média

79,80

O percentual de material reticulado existente no resíduo estudado (teor de gel) foi determinado a partir dos dados da tabela 2 e das equações a seguir.

indicativo de interação da resina epóxi com o EVA. Similarmente aos resultados da análise termogravimétrica, as curvas de tan de delta apontam para a existência de uma interação entre os componentes do sistema polimérico desenvolvido. A Tg do sistema diminuiu com o aumento da porcentagem de EVA adicionado. Por outro lado, os resultados dos ensaios mecânicos de tração não apresentaram diferença significativa, e retratam a necessidade de realização de novos testes.

% Amostra extraída = Onde: M1 é a massa do filtro (porta amostra), selado em dois lados; M2 é a massa do filtro (porta amostra), mais a massa da amostra, selado em dois lados; M3 é a massa do filtro (porta amostra), mais a massa da amostra, selado em dois lados após extração, e Pi é a percentagem de polímero na mistura que é insolúvel a xileno. Teor de Gel = (100 – %Amostra extraída). O percentual de amostra extraída calculado foi de 25,16%, assim sendo o teor de gel observado foi de 74,84%.

Referências BUFFON, C. W.; GONSALEZ. Materiais – solados e palmilhas de montagem. Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins - CTCCA, 2002. CANEVALORO, S. V. Jr. Ciência dos Polímeros: um texto básico para tecnólogos e engenheiros. São Paulo: Artliber Editora, 2002. CHAWLA, K. K.. Composite Materials: Science and Engineering., New York: Springer -Verlag, 1987.

Considerações Finais Os resultados parciais permitem elaborar as seguintes conclusões: o aumento da porcentagem de EVA adicionado ao sistema polimérico epoxídico promoveu, semelhante aos resultados apresentados na literatura com uso de borrachas, um aumento da resistência do sistema à degradação térmica;

CHIKHI, N., FELLAHI, S., BAKAR,M.,“Modification of epoxy resin using reactive liquid (ATBN) rubber”, European Polymer Journal,v.38,pp.251– 264, 2002. 279


Caderno de Experiências GOODMAN, S. H., editor. Handbook of Thermoset Plastics. New Jersey: Noyes Publications, 1988. HULL, D.; CLYNE, T. W.. An Introduction to Composite Materials. Cambridge solid state science series. New York: Cambridge University Press, 1996. LEE, H.; NEVILLE, K., editors. Handbook of Epoxy Resins. New York: McGraw-Hill, 1967.

Polímeros: Ciência e Tecnologia, 13, 1, 54-63, 2003. NIGAM, V., SETUA, D. K., MATHUR, G. N., “Characterization of liquid carboxy terminated copolymer of butadiene acrilonitrile modified epoxy resin”, Polymer Engineering and Science,v.39,n.8,pp.1425–1432,1999. SOBRINHO, L.; et al. Effects of rubber addition to an epoxy resin and its fiber glass-reinforced composite. Polymer Composites, 33, 2, 295– 305, 2012.

LEE, H.; NEVILLE, K. Epoxy Resins in their Application and Technology. New York: McGraw-Hill, 1957.

THOMAS, R., ABRAHAM, J., THOMAS, S. P., et al., “Influence of carboxylterminated (butadieneco-acrylonitrile) loading on the mechanical and thermal properties of cures epoxy blends”, Journal of Polymer Science: Part B: Polymer Physics, v. 42, pp. 2531–2544, 2004.

LOWE, A.; et al. Fatigue and fracture behaviour of novel rubber modified epoxy resin. Polymer, 37, 4, 565–572, 1995. LUCAS, E. F.; et al. Caracterização de Polímeros – Determinação de Peso Molecular e Análise Térmica. Rio de Janeiro: E-papers, 2001. MALLICK, P. K.. Fiber-Reinforced Composites: materials, manufacturing and design., New York: Marcel Dekker, 1993. MAY, C. A., editor. Epoxy Resins: Chemistry and Technology. New York: Marcel Dekker, 1988. MOREIRA, V. X. e SOARES, B. G. Avaliação da Incorporação de Resíduo de Poli(Etileno-coAcetato de Vinila) em Borracha Nitrílica.

280

TRIPATHI, G., SRIVASTAVA, D., “Effect of carboxyl-terminated poly(butadiene-coacrylonitrile) (CTBN) concentration on thermal and mechanical properties of binary blends of diglycidyl ether of bisphenol-A (DGEBA) epoxy resin”, Materials Science & Engineering A, v. 443, pp. 262–269, 2007. US Department of Defense. Composite Materials Handbook: Polymer Matrix Composites Guidelines for Characterization of Structural Materials, 1, CRC, 2002.


Pesquisa em Foco

A RELAÇÃO PARADOXAL ENTRE PARRESÍA E DEMOCRACIA NAS PRELEÇÕES DO ÚLTIMO FOUCAULT

1 Introdução

Cícera Ferreira de Sousa Filosofia /UFCA ciceraferreiradesousa@hotm ail.com

Lílian Barbosa Xavier Filosofia /UFCA lilianbx@hotmail.com

Geislane Lopes Rodrigues Filosofia /UFCA geislanelopes@outlook.com

Eliúde Ferreira Lima Filosofia /UFCA eliudelima@hotmail.com

Jonathan Sales da Silva Filosofia /UFCA jonascoroinha@hotmail.com

Regiane Lorenzetti Collares Professor /UFCA regianecollares@hotmail.com

Portanto, no contexto da prática da parresía no âmbito ético, o ser livre realiza ações significando um modo de vida que o condiciona sobremaneira a não ser escravo de si mesmo. Para a constituição do cidadão livre se fazia fundamental o estabelecimento de certa relação de domínio e controle consigo mesmo, segundo Foucault, para não ser escravo dos apetites. Esse cuidado de si, no entanto, não se formaria como um exercício da razão a ser realizado em determinado episódio, mas se desenvolveria como uma tarefa ou dever oriundo de uma forma de veridicção encontrada em um cuidado da alma. Foucault, ao analisar alguns textos do grego antigo, destaca que o termo “parresía” é atestado pela primeira vez nos escritos de Eurípedes (FOUCAULT, 2011, p.31), na problematização da democracia como o direito de falar publicamente, em que cada um se relacionaria ao outro diante desta prática de veridicção, sendo que as opiniões seriam expressas em uma ordem de coisas que interessariam tanto a si mesmo como a todos aqueles que comporiam a cidade. Doravante, o direito de dizer a palavra verdadeira na democracia grega, de certo modo, não era dado genericamente pela condição de cidadão. Mesmo que a lei proporcionasse ser um cidadão, isto simplesmente não era o suficiente para habilitar alguém a ter a liberdade do discurso político, dado que o dizer verdadeiro só era permitido àquele que era cidadão por nascimento. Outro impedimento, identificado por Foucault, encontrado na democracia da Grécia antiga para o dizer verdadeiro, referia-se ao exílio de um cidadão em uma cidade estrangeira, pois, seja qual fosse a causa que tivesse levado alguém a tal circunstância, este também não possuiria o direito à parresía. A parresía, todavia, era um direito a se exercer somente por um cidadão livre no seu sentido pleno, ou seja, um cidadão de ascendência dotado de liberdade com o direito de exercer seus privilégios em relação aos outros ou sobre os outros. Dessa forma, a parresía se consolida na Grécia antiga do século V como um direito e um dos privilégios que fazem parte da existência de um cidadão bemnascido, honrado, e que lhe daria acesso à vida

Esta investigação desenvolve-se no contexto do projeto Produção de verdade e práticas de si: a interface entre ética e política em Michel Foucault vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC 2014/UFCA), no qual o trabalho de pesquisa aqui apresentado refere-se primeiro em detalhar a relação genética entre democracia e parresía (fala verdadeira e franca fundamental nos processos decisórios da esfera política) a partir da preleção de Foucault no Collège de France, em 08 de fevereiro de 1984, e, em segundo aspecto, apontar um entroncamento ético das considerações foucaultianas nesta mesma aula no que diz respeito a identificar no âmbito do pensamento grego antigo as condições de incompatibilidade entre as práticas democráticas e a veridicção parresiástica. 2 Fundamentação teórica Na aula de 8 de fevereiro de 1984, contida na coletânea de preleções A Coragem da Verdade (2011), Michel Foucault retoma o problema da parresía no período grego do século V, esquematizando as transformações que ocorreram da passagem de uma prática de falar a verdade vinculada à política da cidade, em seu aspecto democrático, para um outro tipo de relação paradoxal e incompatível entre a parresía e a cidade democrática. Se os gregos antigos puderam problematizar efetivamente sua liberdade e a liberdade do indivíduo como um problema ético, Foucault identifica aí a possibilidade cultural para um falar franco e o desvio de sua implicação política. Assim, o cidadão que possuía um belo ethos seria visto como alguém que praticaria a liberdade em decorrência de todo um trabalho de si sobre si mesmo. A prática do cuidado de si, então fundamental no conhecer a si mesmo, foi em certo sentido decorrente da integração da parresía aos modos de vida e a exclusão dela nas decisões da cidade democrática. 281


Caderno de Experiências política entendida como possibilidade de opinar, contribuindo para as decisões coletivas. Michael Peters, ao investigar a parresía, destacaria a existência de três variações desta veridicção no contexto da Grécia Antiga, a partir da relação entre logos e verdade. São as seguintes:

liberdade de expressão, apenas procuravam satisfazer as suas próprias vontades, colocando em prática um discurso dissimulado. Desse modo, os elementos retóricos que comporiam a arte persuasiva sofística, tão comum na democracia grega, não firmariam compromisso com a verdade e deveriam ser rechaçados. Outro aspecto que diz respeito ao deslocamento da parresía do campo político para o ético refere-se ao fato de que a verdadeira parresía vai se tornar cada vez mais impossível ou perigosa para a cidade democrática. Assim, todo aquele que possui a atitude corajosa de exercê-la, corre o risco de exclusão ou de morte. A noção de parresía se dissocia assim da democracia; de um lado, ela aparece como a latitude perigosa para a cidade, em que todos possuem o direito de expressar qualquer opinião que parece ser conveniente, ou seja, opiniões desqualificadas. E, depois, a boa parresía, a parresía corajosa, é perigosa para quem dela faz uso. Foucault fundamenta esta leitura a partir da crítica de Platão à democracia e concebe a metáfora do barco no livro VI da República, na briga pelo leme, como um exemplo par excellence das implicações negativas da democracia, em que os oradores desqualificados se enfrentam para seduzir o povo e os que realmente tentam alertar expondo o que é verdadeiro não são ouvidos. (FOUCAULT, 2011, p.34) Desse modo, o parresiasta na democracia não é reconhecido como aquele ocupado com o governo dos outros e de si, pois, talvez os cidadãos não estivessem em condição e à altura de ouvi-lo, justamente pelo fato de na democracia prevalecer a fala retórica, a lisonja, como modo de se obter ganhos políticos. Vale salientar que Foucault referese a um texto no qual se pode encontrar críticas primárias à democracia, em um ambíguo panfleto atribuído a Xenofonte, intitulado Constituição dos atenienses (FOUCAULT, 2011, p.38). Neste panfleto é formulado que não pode haver distinção entre discurso verdadeiro e o discurso falso na democracia. Mas, segundo Foucault, as palavras que o autor usa para formular o elogio em homenagem à democracia ateniense são distorcidas, sendo que o elogio empreendido é reconhecido como uma crítica das instituições atenienses, ressaltando-se que nas cidades democráticas as leis boas só podem ser formuladas por aqueles que são considerados mais hábeis e bons em consequência do afastamento dos maus e inábeis homens, pois,

(1) Logos, verdade e genos (nascimento), isto é, o discurso verdadeiro só pode ser enunciado por aqueles que têm direito, no caso dado pelo nascimento. Foucault explica este uso da parresía através da análise da peçaii Íon, de Eurípides. (2) Logos, verdade e nomos (lei), presente no campo da política. (3) Logos, verdade e bios (vida), parresía ligada ao campo da vida prática, no campo moral. Estas três formas estão ligadas às três funções que a parresía pode ter: (a) uma função epistêmica, isto é, o parresiasta pode dizer certas verdades sobre o mundo; (b) uma função política, na medida em que o parresiasta critica as leis e as instituições; (c) uma função terapêutica ou espiritual, pois o parresiasta tem o papel de clarificar a relação entre a verdade e o estilo de vida de alguém. (PETERS apud BELO, s.d)

(2) Foucault, ao identificar estas variáveis da parresía, dedica-se em suas primeiras preleções de 1984, contidas em A coragem da Verdade (2011), à análise da crise parresiástica diante da democracia. Tal análise se debruça sobre a literatura filosófica e política da Grécia antiga a partir do pensamento filosófico de Platão, em que surge com mais contundência o desvio da parresía do contexto político para uma possibilidade exclusivamente ética do dizer-a-verdade. Ora, aos poucos, segundo a leitura foucaultiana, o lugar para o discurso verdadeiro nas instituições democráticas gregas foi se estreitando, algo gerou uma espécie de bloqueio no funcionamento da democracia impedindo a prática da parresía. Mas o que então estava se imiscuindo na esfera eminentemente política do discurso parresiatíco das instituições democráticas da Grécia antiga? “e esse alguma coisa, vou procurar mostrar que é o que se poderia chamar de diferenciação ética” (FOUCAULT, 2011, p. 33). Diante da intromissão de uma demanda ética na esfera política, a parresía presente na democracia, em que primeiramente todo cidadão livre teria o direito de tomar a palavra, começa a se destituir e ter um sentido negativo. Segundo Foucault, em uma interpretação platônica, quando a democracia abriu espaço para que todos pudessem participar das decisões políticas referentes à pólis, também se cedeu lugar para os sofistas, que possuindo a

não têm seu lugar na Assembleia, não têm o direito de falar, a fortiori não têm o direito de dar seu parecer nos conselhos. E, diz o autor do texto, nessas cidades, e com todo esse conjunto de precauções, o que reina é, diz ele, a eunomía (a boa constituição, o bom regime). (FOUCAULT, 2011, p.38).

282


Pesquisa em Foco que é direcionada a si, sendo que “a reversão platônica mostra portanto que, para que um governo seja bom, para que uma politeia seja boa, eles têm de se basear num discurso verdadeiro, que banirá democratas e demagogos” (FOUCAULT, 2011, p. 42). Em síntese, “o bom regime político supõe a excelência ética dos governantes e sua capacidade de discernir o verdadeiro” (GROS, 2004, p.160). A parresía vista no contexto da democracia, após a reversão platônica, passa a tomar direção ética. A verdade do ser ultrapassa o campo político e é esse saber que condiciona o modo de vida na pólis. Essa distinção ética, no qual o falante faz uso da sua liberdade, forma o sujeito moral e é específico para corrigir os problemas da cidade, inferindo-se daí que essa atitude ética singular de dizer a verdade faz surgir problemas na política. Já no governo em que o poder se exerce efetivamente em uma tirania, aumentaria muitos desafios ou perigos no uso da parresía, na medida em que na tirania não existe a relação com a verdade. Nesse governo está presente uma espécie de mitigação ética; o poder tirânico estabelece um estado de dominação através do abuso de poder que interfere na liberdade dos cidadãos. O tirano se constitui na cidade como autoridade livre voltada para a conquista alucinada do poder. Os cidadãos que temem o tirano recorrem à lisonja ou tomam precauções para que a verdade que pensam e que exprimem não chegue ao conhecimento daquele que poderá puni-los. Pelo contrário, o cidadão que está cansado de se submeter ao poder do tirano, se opõe radicalmente à vontade maior, questiona as regras estabelecidas e impulsionado pela coragem da verdade faz uso do argumento verdadeiro com o objetivo de desvendar o oculto e estabelecer a justiça, tendo em vista o bem comum. Aquele que ousa exercer a fala franca corre então um risco indeterminado, sendo visto pelo poder tirânico como uma ameaça ou problema para a cidade. De acordo com o que foi sumariamente elencado sobre a atitude parresiástica, o cidadão que a praticasse romperia com os esquemas de poder encontrados na cultura. Foucault ressalta ainda que a partir da ótica platônica começa a se dar a valorização do poder soberano ou poder do rei-filósofo, que trata da relação que governante tem com a verdade. O filósofo, por possuir a virtude, dever e técnica que se mostra em uma liberdade corajosa, se faz um diretor de consciência, mas não em função de uma pedagogia, mas por seu comprometimento com a verdade. Na aula de 08 de fevereiro, Segunda Hora, Foucault (2011, pp.51-61) discorre que os conselheiros que, por meio de uma formação de caráter filosófico, estariam aptos a fornecer orientação moral para o governante, sendo necessários para que o príncipe pudesse sair da

Em suma, aqueles que são vistos como um problema para o governo democrático, não possuiriam o direito à palavra, seriam impedidos de participarem das deliberações das instâncias decisórias da cidade por serem contrários ao governo e se recusarem a seguir as restrições postuladas. A argumentação do texto Constituição dos atenienses possui, segundo Foucault, um caráter sofistico na medida em que o enunciado é performativo, pois os que são determinados para governar não são qualitativamente capazes de exercer a arte do governo. Ora, o que é bom, o que é útil para a cidade, é ao mesmo tempo, por definição, o que é bom, útil e vantajoso para os melhores da cidade. De sorte que, incitando a cidade a tomar decisões que sejam úteis para ela, não fazem mais que servir a seu próprio interesse, ao interesse egoísta deles, que são os melhores (FOUCAULT, 2011, p. 39).

Dessa forma, o princípio de crítica da democracia como lugar da parresía pode ser resumido da seguinte maneira: em uma cidade democrática a distinção passa a ser quantitativa, em que prevalece a decisão daqueles que se distinguem por serem mais numerosos em detrimento de outros menos numerosos. A divisão, que tem como princípio a oposição quantitativa, dá origem à diferenciação ética ou distinção política entre os bons e os maus. Para Foucault, “poderíamos chamar, se vocês quiserem, de princípio do isomorfismo éticoquantitativo” ou “princípio de escansão da unidade da cidade” (FOUCAULT, 2011, p.40). Destarte, o parresiasta se colocaria entre os menos numerosos, de acordo com o postulado do isomorfismo ético-quantitativo, de modo que se esses menos numerosos não possuem o poder de domínio, ao contrário, o grupo mais numeroso se destacará em decorrência de possuírem o poder que comanda e controla toda a cidade, sendo a maior quantidade o inverso ao poder particular da verdade do parresiasta. É por isso que o dizer-a-verdade não pode ter seu lugar no jogo democrático, na medida em que a democracia não pode reconhecer e não pode abrir espaço para a divisão ética a partir da qual o dizer-a-verdade é possível (FOUCAULT, 2011, p.41).

Foucault analisa então esse aspecto da primazia ética na parresía como uma reversão platônica, de modo que a atuação do parresiasta na democracia é marcado como uma espécie de impossibilidade, dado que a divisão ética entre bons e maus só pode ter sua forma na eliminação da democracia. A estrutura democrática não legitima assim a verdade 283


Caderno de Experiências zona de alienação, direcionando-o a se conduzir ou a tomar as decisões cabíveis para cada situação, limitando o seu poder. Essa relação com a verdade apresenta uma forma de orientar o príncipe de maneira que ele possa governar a si mesmo e aos outros. O que torna necessário, portanto, o dizer-averdade ao governante é o fato de que a maneira como ele governará a cidade depende do seu iiethos que se forma e se determina pelo efeito do discurso verdadeiro que lhe é endereçado. Na medida em que a verdade é exposta como uma opinião individual, o governante poderá ainda aceitá-la ou optar por não acatá-la. A partir deste ponto, Foucault passa a discorrer sobre o objetivo maior da filosofia de Platão que consiste em tornar possível o dizer verdadeiro. Dependendo da disposição da alma, pode ser possível a cada um o acolhimento da verdade e a auto condução em conformidade com o dizer verdadeiro. A parresía em Platão se mostra como essencial à psykhé (a alma) na medida em que

a partir da preleção de 08 de fevereiro de 1984, duas variações da parresía da Grécia antiga, a saber, uma incidência estritamente política e outra moral. O caráter político da parresía proporcionaria a verdade democrática, em que os cidadãos ao falarem a verdade estariam comprometidos com o destino da cidade. Foucault nos mostra como a parresía surge como um direito político do cidadão, dada sua condição de liberdade, de não se submeter ao domínio de outro. Cabe-nos considerar que quanto mais parresía e democracia se tornavam incompatíveis na organização política da Grécia antiga, mais o dizer verdadeiro deixava de ter significado político e passava a se entrelaçar a um campo ético. O sentido ético desenvolvido às sombras da parresía política ganha fundamento na filosofia socrático-platônica, em que o parresiasta admite a verdade como ligada à condução da alma, ao governo de si e dos outros. Neste contexto, na parte inicial da pesquisa, cumpriu-nos apresentar em acordo com as considerações foucaultianas como a verdade de capacidade crítica e de intervenção política foi possível na Grécia antiga.

O objetivo desse dizer-a-verdade, o objetivo da prática parresiástica, agora orientado para a psykhé, não é mais tanto o conselho útil nesta ou naquela circunstância particular, quando os cidadãos estão embaraçados e procuram um guia que possa lhes permitir escapar aos perigos e se salvar, mas a formação de uma certa maneira de ser, de uma certa maneira de fazer, de certa maneira de se comportar nos indivíduos ou num indivíduo. O objetivo do dizer-a-verdade é portanto menos a salvação da cidade do que o ethos do indivíduo (FOUCAULT, 2011, p.58).

Referências BELO, F; ANDRADE, P.G.G. Foucault, Direito e Parresía: um projeto de pesquisa. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/man aus/arquivos/anais/bh/fabio_roberto_rodrigue s_belo.pdf. Acesso em 5/11/14. FOUCAULT, Michel. A Coragem da Verdade: o governo de si e dos outros II. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

Com esta pesquisa, concentrada na preleção de 08 de fevereiro, Foucault nos fornece uma genealogia da imbricação e da incompatibilidade entre democracia e parresía, ressaltando um aspecto importante no que consiste a pensar a verdade, não apenas vinculada ao conhecimento, mas como uma prática de si com implicações políticas e éticas.

FOUCAULT, Michel. O Governo de Si e dos Outros. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. GROS, Fréderéric. A parrhesia em Foucault. In: GROS, F. Foucault: a Coragem da Verdade. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

3 Considerações finais Em consonância com a pesquisa Produção de verdade e práticas de si: a interface entre ética e política em Michel Foucault, pretendeu-se ressaltar

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Pesquisa em Foco Michelle Fernandes De Araújo Filosofia/UFCA michelle_filosofia@hotmail.c om

ABSURDO E CRIAÇÃO EM O MITO DE SÍSIFO DE ALBERT CAMUS

1 Introdução

Luiz Manoel Lopes Professor /UFCA lluizmanoel@hotmail.com

Suicídio, evidenciando que pensá-la implica percorrer o caminho mais premente de toda filosofia, Camus se pergunta quais consequências se podem tirar da vacilação frente ao valor da vida. Todas as pessoas saudáveis - afirma o autor - já foram ou são capazes de pensar em seu próprio suicídio. Ora, podemos pensar que o suicida percebe que a vida não vale a pena ser vivida por não haver um sentido último que a ultrapasse. O sentimento de que o mundo e a vida são inexplicáveis, injustificáveis para o homem, "o exílio da pátria perdida ou da esperança prometida", Camus chama de sentimento do Absurdo (CAMUS, 2013, p.20). Esta é a primeira aparição de "Absurdo" no texto, e é interessante notar que não se trata ainda da noção de Absurdo, coforme será explicitada ao longo da obra, mas de um sentimento que o autor considera estar suposto no ato do suicídio, como uma aspiração ao nada. Entretanto, pergunta Camus, supor que não haja um sentido que comande a vida implica em pensar que, desse modo, a vida não vale a pena ser vivida? Será que o Absurdo que comanda a vida exige que saiamos dele pelo suicídio ou pela esperança de uma outra vida? Seu ensaio se posiciona exatamente neste ponto: a "relação entre o absurdo e o suicídio, a medida exata em que o suicídio é uma solução para o absurdo" (CAMUS, 2013, p.20). O Absurdo não é a conclusão do ensaio, mas seu ponto de partida1. O suicida confessa que foi vencido pela vida, rompe com o costume de permanecer fazendo os gestos habituais. No entanto, mesmo inicialmente tendo percorrido o caminho fundamental da dúvida pelo sentido da vida, experimentando o sentimento do Absurdo - pois causar sua própria morte é reconhecer o quanto nossa existência é contraditória - o suicida parece querer aniquilá-lo, sair dele. Experimentado o sentimento do Absurdo, parece só haver duas posições: suicidar-se, respondendo assim pela negação do valor da vida, ou permanecer vivo, supondo que a vida vale a pena. Aqui nasce o ponto fundamental da busca de Camus: na encruzilhada entre "suicídio ou reestabelecimento" (CAMUS, 2013, p.27). Seria simples pensar que ou a pessoa se mata ou não. Porém o ponto central deste caminho é pensar naqueles que não param de se interrogar e não chegam à conclusão nenhuma, e, para nosso pensador, trata-se da maioria. Se a questão do suicídio é a questão filosófica mais importante, será

Trata-se de compreender por que o suícidio não é resposta necessária para a falta de sentido da existência, em O Mito de Sísifo: Um Raciocínio Absurdo de Albert Camus. E como, segundo o autor, frente à constatação da falta de sentido da condição humana, pode-se ter uma atitude afirmativa e criadora diante da vida, embora sem esperança. Cohn, por exemplo, afirma que "a criação artística se situa no centro de suas ocupações" (COHN, 1970:146), o que se quer aqui é desenvolver esta hipótese no escopo do ensaio em questão. Para isto será necessário expor e esclarecer os elementos fundantes do chamado "ciclo do Absurdo", em especial as noções de Absurdo, Suicídio, Suicídio filosófico, Esperança e Criação. Pretendemos, assim, problematizar, junto a Camus: Como o homem pode sobreviver em um mundo que se contradiz a todo momento? Em um mundo sem Deus e sem esperança, a vida valeria a pena ser vivida? Como imaginar o homem consciente feliz, afirmador do caráter finito de sua existência? Que papel a criação exerce neste processo? Sem ignorar a ressalva do autor de que "nenhuma metafísica, nenhuma crença está presente aqui" (CAMUS, 2013, p.16), buscar-se-á seguir o movimento filosófico de seu raciocínio, sua interlocução com outros pensadores, e suas consequências existenciais: éticas e estéticas. Assumimos como obejetivo explicitar como, frente à pergunta pelo sentido da vida e à possibilidade do suicídio, se dá a afirmação da vida, através da criação absurda em O Mito de Sísifo: Um Raciocínio Absurdo de Albert Camus. 2 Fundamentação teórica No início de seu ensaio, Camus vai direto ao ponto: "só existe um problema filosófico realmente sério: a questão do suicídio" (CAMUS, 2013, p.17). Responder tal questão é pensar no problema central da filosofia: o valor da vida. Seu interesse, antes de tudo, é o de deixar claro que, em sua concepção, um problema verdadeiramente filosófico, é um problema que tem repercussões existenciais. O suicídio, como resposta, aponta para a pergunta fundamental, ou seja, se a vida vale, ou não, a pena ser vivida. Matar-se seria confessar que a vida não vale a pena. Partindo da questão do 285


Caderno de Experiências não a experiência mesma dos que se suicidam, que põe fim ao sentimento de absurdo, mas a experiência dos que permanecem vivos, apesar do absurdo, o que interessará ao raciocínio absurdo. Há os que restabelecem o sentido da vida pela esperança em outra vida com sentido e há os que permanecem vivos por costume, pela força do hábito de viver que é anterior ao de pensar. Mas há também os que permanecem acordados frente à estranheza do mundo. O sentimento do Absurdo funda a noção de Absurdo que aparece aí, para a consciência desperta que percebe a falta de sentido do mundo, a sua incomensurabilidade com a razão humana e, então, pensa. Será preciso, então, perscrutar como Camus dialoga com a tradição filosófica de seu tempo, mas também remontando a filósofos antigos e modernos, para explicitar em que consiste esta irrazoabilidade do mundo e as consequências que daí decorrem. Embora, como ele mesmo afirma, sua pretensão não seja fundamentar uma metafísica, ele sustenta uma posição frente à metafísica clássica, próxima de autores como Nietzsche e Kierkegaard, a saber: a busca racional pela unidade de sentido do mundo é falha2. Reconhecendo o Absurdo como condição humana, é preciso perguntar como saímos dele e se o suicídio pode ser deduzido dele. O Absurdo é confrontação, uma luta sem trégua. Suicidar-se é renunciar a esta luta. Camus diagnostica que há modos filosóficos de suicidar-se. Não acabar com sua vida de fato, mas evadir o pensamento da tensão para com o mundo, jogando-o a uma irracionalidade elevada a princípio.

A fidelidade ao Absurdo não é uma afirmação dogmática sobre a irracionalidade do mundo, mas a aposta honesta e lúcida de seus limites, na jornada humana na vida. O homem absurdo exige de si mesmo "viver somente com o que sabe, arranjar-se com o que é e não admitir nada que não seja certo" (CAMUS, 2013, p.65). Podemos perceber aí ecos da disposição meditativa de Descartes3. O raciocínio absurdo é uma meditação não sobre a validade epistemológica e ontológica dos juízos do homem, mas sobre a validade existencial da vida para além da impossibilidade de fundamentação última de uma epistemologia e de uma ontologia. A posição camusiana coloca no lugar da dúvida hiperbólica, o sentimento Absurdo que se entrevê no Suicídio. A evidência que ele encontra é a de que há quem experimente o Absurdo e permaneça vivo e consciente. Então ele percebe a possibilidade de distinguir sentido para a vida de valor da vida. A vida parecia não valer a pena porque o Absurdo tirava dela o sentido. No entanto, não há nenhuma relação necessária aí. O Suicídio seria uma aceitação porque o homem resolveria o Absurdo nele. A manutenção do Absurdo depende da Revolta4, isto é, da afirmação do desejo de contemplar o Absurdo e dar medida humana ao mundo. Se não há esperança de outra vida, nem fuga para a morte do corpo ou do pensamento, libera-se o homem para sua ação na vida. Anteriormente tratava-se de saber se a vida devia ter um sentido para ser vivida. Agora parece, pelo contrário, que será tanto melhor vivida quanto menos sentido tiver. Viver uma experiência, um destino, é aceitá-lo plenamente. (CAMUS, 2013, p.65)

Para me ater às filosofias existenciais, vejo que todas me propõem, sem exceção, a evasão. Por um raciocínio singular, partindo do absurdo sobre os escombros da razão, num universo fechado e limitado ao humano, elas divinizam aquilo que as oprime e encontram uma razão para ter esperança dentro do que as desguarnece. Essa esperança forçada tem, em todos eles, uma essência religiosa. (CAMUS, 2013, p. 46)

O objetivo da pesquisa será esclarecer este movimento e suas consequências, analisando o papel que a Criação Absurda desempenha nele, como paradigma dos estilos de vida absurdos5. Se o homem absurdo é consciente de sua própria finitude e incapaz de dar um sentido transcendente para a vida, por que ele permanecerá vivo, agindo e criando? A aposta absurda não é um salto no absoluto irracional, mas uma construção consciente no tempo. O que permite a manutenção feliz desta consciência e desta fidelidade ao tempo parece ser a criação.

O absurdo torna-se deus. Camus não entra por essa via, denunciando ainda seu escamotear do que ela mesma revela. Reconhece a tensão do mundo, não despreza absolutamente a razão e admite o irracional, neste ponto já não há espaço para a esperança, nem para o suicídio. "O absurdo é a razão lúcida que constata seus limites" (CAMUS, 2013:61) e o raciocínio absurdo deseja ser "fiel à evidência que o despertou (...) o divórcio entre o espírito que deseja e o mundo que decepciona (...) nostalgia de unidade, o universo disperso e a contradição que os enlaça." (CAMUS, 2013, p.62)

Não se pode negar a guerra. Nela é preciso morrer ou viver. É como o absurdo: trata-se de respirar com ele, reconhecer suas lições e encontrar sua carne. Neste sentido o deleite absurdo por excelência é a criação. (CAMUS, 2013, p.109)

Estará Camus dizendo que o que permite à criação artística o poder de manter o homem fiel ao 286


Pesquisa em Foco Absurdo é a sua força imitativa, sua capacidade de descrever, na medida humana, a experiência da falta de sentido da vida? O autor afirma que é preciso não ver a arte como refúgio, como uma mentira que enobrece a vida. A própria arte é um fenômeno absurdo, ela recria o já feito, para nada. Ainda assim, há para a criação artística o perigo que há para todos os modos de vida absurdos: perder a consciência do Absurdo e cair ou na explicação esperançosa do mundo ou no suicídio do pensamento. O criador deve ser fiel à inutilidade de sua obra, como diz Espínola, o escritor recria a realidade descrevendo a experiência que fez do absurdo em sua própria existência (ESPÍNOLA, 1998, p.71). Camus pergunta: "quando se aceita viver sem apelo, pode-se também aceitar trabalhar e criar sem apelo e qual é o caminho que leva a essas liberdades?". Em outras palavras, ainda camusianas, é possível criação sem amanhã? A grande obra de arte, dirá ele, não tem tanta importância em si mesma quanto na oportunidade que oferece ao homem de se aproximar lucidamente de sua realidade absurda (CAMUS, 2013, p.131). "Criar é dar uma forma ao destino" (CAMUS, 2013, p.133). A imagem de Sísifo aparece, então, para a descrição com imagens, a repetição e insistência no pensamento do que foi dito até aí. Sísifo é considerado o mais esperto dos mortais, quis enganar os deuses e a morte. Sua condenação consiste em passar o resto da vida executando um trabalho inútil, empurrar uma rocha até o cume da montanha e, ao chegar ao topo, ver a rocha descer rolando; tornar então a descer e reiniciar o movimento de subida da rocha. Assim, Sísifo passará a eternidade, executando um trabalho sem fim nem recompensa. Porque Sísifo ama a vida os deuses o condenaram ao esforço do trabalho inútil, que lhe acompanhará por toda a existência, um trabalho Absurdo. Sísifo é consciente da inutilidade de seu trabalho, daí a tragicidade de seu mito. Assim também, o homem que trabalha por hábito, executando mecanicamente tarefas inúteis pode tornar-se consciente um dia daquilo que faz. Para Sísifo a consciência não traz o fim do trabalho, Sísifo não pára; ele recomeça penosamente a cada vez. Mas Camus finaliza seu ensaio dizendo que é preciso imaginar Sísifo feliz. Como o sofrimento do trabalho inútil, quando consciente, pode tornar-se liberdade? O homem, na maioria das vezes, é alegre quando esquece que existe dor, quando está distraído ou esperançoso. Assim, agarra-se a isto e clama para não perder sua alegria. Sísifo vê a felicidade justamente por já saber o desfecho de seu esforço: a rocha tornará a rolar montanha abaixo. Mas parece existir, como imagem da criação absurda, uma entrega e encontro com a vida para aquele que não

enxerga recompensa em sua obra. Como diz Hermet: "a lucidez do homem consiste em fixar sua atenção para a dor, a beleza, a morte, o sol, o avesso e o direito da vida humana" (HERMET, 1976: 41). 3 Procedimentos metodológicos Esta é uma pesquisa teórica, de esclarecimento de uma noção em uma obra específica. Para efetivação desse projeto assumimos como metodologia a leitura, fichamento e análise da bibliografia selecionada, com vistas a situar nosso problema central. Este percurso exige ainda a leitura de textos complementares dos comentadores da obra de Camus, para que dialoguemos com a tradição interpretativa. 4 Resultados e discussão Enfrentamos concepções fundamentais na obra do pensador Albert Camus tais como: suicídio, absurdo, liberdade e criação artística - questões essenciais para o desenvolvimento da nossa pesquisa- e para melhor compreendermos como estas noções de desenvolvem, recorremos também aos autores referidos por Camus, relacionados aos temas da existência, finitude, liberdade e criação, tais como Sartre, Heidegger, Kierkegaard, Husserl, Jasper, Nietzsche, Chestov, Dostoiévski e Kafka. 5 Considerações finais A gratuidade da ação criadora parece ser a paixão que torna Sísifo feliz. Sua felicidade não é uma esperança? Sua felicidade não dá um outro sentido para a sua condenação? Não, nos diz Camus. Sua felicidade é a sustentação do Absurdo através da contemplação do sem sentido de sua experiência, ao mesmo tempo em que se dá conta da força da sua existência, na sua medida finita, na sua luta diária e esforçada em um mundo gratuito. O pensamento humano é capaz de criar sistemas, ciência, metafísica, arte, guerra. Todas estas criações anulam os elementos contraditórios do mundo? Será que a pergunta pelo sentido da vida alguma ciência ou filosofia poderá responder? Camus, na honestidade de seu raciocínio absurdo, diz que não sabe. O que lhe interessa, entretanto, não é dar esta resposta. Mas pensar em que medida a vida não ter sentido implicaria em que ela não vale a pena ser vivida. A isto ele parece responder: tanto mais vale quanto menos sentido tem, desde que o homem se mantenha fiel ao Absurdo. Esta fidelidade se dá pelo modo de vida livre e consciente que tem, para Camus, como paradigma, a criação artística. 287


Caderno de Experiências Referências COHN, LIONEL. La nature el l’homme dans d’Albert Camus et dans la pensée de Teilhard de Chardin. Lousanne: L’aged’homme, 1975.

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Pesquisa em Foco

AS FORMAS DE VERIDICÇÃO E A PARRESÍA SOCRÁTICA NAS PRIMEIRAS PRELEÇÕES DE FOUCAULT NO CURSO “A CORAGEM DA VERDADE”

Lília Barbosa Xavier Filosofia /UFCA lilianbx@hotmail.com

Cícera Ferreira de Sousa Filosofia /UFCA ciceraferreiradesousa@hotm ail.com

Geislane Lopes Rodrigues Filosofia /UFCA geislanelopes@outlook.com

Eliúde Ferreira Lima Filosofia /UFCA eliudelima@hotmail.com

Jonathan Sales da Silva Filosofia /UFCA jonascoroinha@hotmail.com

Regiane Lorenzetti Collares Professor /UFCA regianecollares@hotmail.com

lógicas, pela ausência de uma hierarquia rigorosa de conceitos provenientes dos universais, preferindo analisar as práticas discursivas, que são heterogêneas e historicamente condicionadas. A verdade é luta, estratégia, conquista e vitória; é uma força imanente inteiramente atravessada por relações de poder. (WELLAUSEN, 1996, p.113-114)

1 Introdução O presente relato de pesquisa compreende o detalhamento das formas de veridicção apresentadas por Foucault, sendo a parresía, a fala franca de incidência ético-política, destacada por um lado como um conhecer-se a si mesmo e, por outro lado, como uma prática de si de suma importância para a vida e a formação de si e do outro na Antiguidade. Na sequência da pesquisa, buscou-se investigar de que modo Sócrates se apresenta para Foucault como um parresiasta par excellence. Neste sentido, esboçaremos os passos iniciais do projeto de pesquisa intitulado Produção de verdade e práticas de si: a interface entre ética e política em Michel Foucault, vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC 2014/UFCA), a partir das primeiras preleções de Foucault, em 1984, no Collège de France.

Foucault menciona inicialmente que diversos homens que foram grandiosos no que faziam, tinham sempre alguém que os aconselhava, ou melhor, que os fazia dizer a verdade sobre si. No decorrer da história vários homens importantes tinham pessoas de confiança para se aconselhar e isso ocorria por uma espécie de orientação ou formação dada a partir da verdade. Desse modo, as formas de veridicção se dão como um dizer implicado na formação do sujeito. Por exemplo, os diários encontrados no decorrer da história de certo modo já atestam que o ato de escrever para si mesmo aquilo que se faz no decorrer do dia, as dúvidas e desejos, os sonhos que se pretende realizar, ou, ainda, as fantasias mais secretas, tudo isso já sinalizaria um modo de ligação do sujeito com a verdade, de constituir a verdade de si. Inicialmente na Grécia Antiga a verdade dita nas escolhas democráticas supunha uma relação com o outro pautada na liberdade e nunca no domínio. No decorrer da história, o outro, que diz e escuta a verdade, vai assumindo diferentes formas; a igreja e várias outras instituições constituíram esse outro que, por vezes, proferia a verdade seja no diagnóstico e tratamento do médico, nas palavras de perdão do confessor, nos conselhos de um diretor de consciência, no veredito do juiz, nas aulas do professor etc. Todavia, o dizer a verdade, em qualquer época da história, passa a ser identificado por Foucault a partir de três elementos primordiais: os saberes, as relações de poder e as práticas de si. Os saberes possibilitam que a fala da verdade seja articulada

2 Fundamentação teórica As preleções de Foucault do curso intitulado “a Coragem da Verdade”, proferidas no ano de 1984, dão cabo de uma revisão das formas de veridicção presentes na Antiguidade, bem como da explicitação enfática da parresía como modo de veridicção de incidência ético-política. Mas, no contexto do último período do estudo de Foucault, o que significa a retomada da verdade? Wellausen comenta o seguinte a respeito do tratamento da verdade no último período da pesquisa foucaultiana: verdade não é adequação da mente com a realidade; não é paradigma do conhecimento ou regra para tudo a ser descoberto; não é caminho que conduz o sujeito do conhecimento ao seu objeto, nem experiência originária; não é universal, nem eterna por sua natureza, porque a verdade não tem essência. Foucault negligencia as construções

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Caderno de Experiências corretamente; as relações de poder atravessam tanto aquele que diz a verdade como o que a escuta; e as práticas de si se atrelam ao conhecimento, de mesmo modo que na antiguidade o conhece-te a ti mesmo se implicava no cuidado de si. Na dimensão da parresía, forma de veridicção com incidência política e derivação moral estabelecida na Antiguidade, o dizer a verdade presume coragem, pois, o dizer a verdade da parresía é realizado sem rodeios e mascaramento, dito diretamente. A coragem do parresiasta se resume então em dizer a verdade francamente e em aceitar a verdade dita pelo outro.

de falar” (FOUCAULT, 2011, p. 24). O técnico é assim aquele que ensina e trabalha com a verdade, ele o faz por obrigação, pois, a sua profissão é o dizer ou o agir conforme verdade que detém. Nesta forma de veridicção, a questão principal de Foucault é identificar a racionalidade da técnica que pode em seus amplos limites tanto produzir quanto condicionar toda uma população. A segunda forma de veridicção é apresentada pelo sábio, sendo que sua verdade é dita “quando quer e sobre o fundo de seu próprio silêncio, o ser e a natureza (a physis).” (FOUCAULT, 2011, p. 25). O sábio não age de forma corajosa em relação à verdade nem transmite sua sabedoria por função de sua profissão ou obrigação, mas sim pelo prazer e pela única determinação do seu querer e de sua sabedoria. Já o terceiro modo da veridicção se dá nas palavras do profeta, que diz a verdade “em nome de outro e enigmaticamente, o destino” (FOUCAULT, 2011, p. 24). O profeta fala do destino, e ele é corajoso e fala de modo franco, todavia, ele não diz em nome de si mesmo, ou da verdade em si, mas em nome de um deus ou divindade. Já na parresía haveria uma fundamental distinção com as demais formas de veridicção, pois nela se fala corajosamente a verdade que precisa ser dita, sem medo da morte, da ameaça ou da hostilidade, se fala a verdade por si mesmo e não em nome de outros.

A parresía é, portanto, em duas palavras, a coragem da verdade naquele que fala e assume o risco de dizer, a despeito de tudo, toda a verdade de que pensa, mas é também a coragem do interlocutor que aceita receber como verdadeira a verdade ferina que ouve. (FOUCAULT, 2011, p. 13)

Assim, a fala franca deve ser pronunciada, mas deve principalmente ser ouvida. É nesse momento que a verdade da parresía se destaca, pois o parresiasta não apenas é aquele capaz de dizer a verdade, mas também aquele capaz de conceder um novo caminho, que se seguido pode levar a algum lugar ou não, mas pelo menos a verdade em questão foi dita, de modo que o “outro tão necessário para que eu possa dizer a verdade sobre mim mesmo, esse outro na cultura antiga pode ser um filósofo de profissão, mas também qualquer um.” (FOUCAULT, 2011, p. 06). Portanto, esta forma de veridicção, adotada na Antiguidade, expressava uma ligação ética entre os cidadãos, entre a formação de si e do outro. Foucault, além da parresía, elenca mais três formas de veridicção, quer sejam: a técnica, a profecia e a sabedoria. Esclarece Foucault sobre as dimensões dessas formas de veridicção:

O dizer-a-verdade do parresiasta assume os riscos da hostilidade, da guerra, do ódio e da morte. E se é verdade que a verdade do parresiasta – [quando] é recebida, [quando] o outro, diante dele, aceita o pacto e joga o jogo da parresía – [...] a possibilidade do ódio e da dilaceração. (FOUCAULT, 2011, p. 24)

Daí entendemos, nas linhas gerais desta pesquisa, que o parresiasta é um tipo diferente daquele que diz a verdade, sem medo ou contradições, ele é franco e não faz recurso de uma linguagem rebuscada ou enigmática. Neste sentido, a veridicção parresiástica não é apenas mera conexão de ideias de realidade e de vocações históricas; a verdade em destaque é construtora de realidades, sua conexão com o indivíduo está presente na vida. Vale salientar que não é qualquer forma de dizer a verdade que se relaciona com a parresía, porque “o objetivo do dizer a verdade é, portanto, menos salvação da cidade do que o éthos do indivíduo” (FOUCAULT, 2011, p. 58). Faz-se elucidativo salientar que Foucault identifica na atitude de Sócrates, na sua missão de interpelar a cada um a respeito do “conhece-te a ti mesmo”, um dizer que aglutinaria significativamente todas as formas de veridicção presentes na cultura da Grécia antiga. Sendo assim, Sócrates, diante do oráculo de Delfos, quando tomou ciência de sua missão, tornou-se par excellence o profeta da

[...] as dimensões clássicas da verdade: em vez de ser o objeto de uma descoberta com vocação universal, a verdade é produzida por rituais, procedimentos e tecnologias historicamente datadas; em vez de se conformar com um real pré-dado, a verdade é inventada e criadora de realidades; em vez de se referir a um sujeito conhecedor autônomo, ela é técnica de sujeição e de normalização dos indivíduos. (FOUCAULT, 2011, p. 307)

Foucault, no transcorrer de seu curso, passa então a diferenciar tais formas de veridicção. A primeira e mais conhecida é a tékhne, verdade proferida por todo aquele que “recebeu a verdade e vai transmitila, encontramos esse princípio em uma obrigação 290


Pesquisa em Foco parresía, o porta-voz da verdade. Ao mesmo tempo ele foi reconhecido como o sábio do seu tempo e como aquele dotado do talento da mestria na condução dos jovens atenienses. A verdade então dita por Sócrates não apenas simboliza a atitude do educador, do sábio, ou mesmo do profeta, mas revela que “a interrogação é uma maneira de, podemos dizer, compor com o dever de parresía” (FOUCAULT, 2011, p. 26). No entanto, Sócrates significa para Foucault, sobretudo, um parresiasta, em decorrência de assumir em vida a coragem de viver a sua verdade. Foucault compreende o caráter corajoso da veridicção socrática no fato de que ainda na eminência de sua condenação à morte, em que “Críton propõe a Sócrates organizar uma fuga. Todo um complô de amigos foi urdido, e bastaria Sócrates aceitar o princípio da fuga para a coisa ser feita.” (FOUCAULT, 2011, p. 90), mesmo assim, Sócrates não declina da sua verdade e se entrega às autoridades. A coragem se estabelece então como o aspecto primordial do parresiasta, pois, “a parresía supõe coragem, porque se trata quase sempre de uma verdade que pode ferir o outro e que assume o risco de uma reação negativa da parte dele” (GROS, 2004, p. 157). Desta forma, a parresía provém de um ato, ela não apenas simboliza o dizer-verdadeiro, a veridicção não é apenas o dizer, mas presume um agir. Ou seja, quando Sócrates defende a justiça ele age segundo a justiça, e o seu agir e a verdade se implicam mutuamente. Por conseguinte, a ação é o que torna a parresía possível, pois a verdade necessita ser defendida, é o agir do parresiasta que dá à verdade seu real valor, em que se “possui certo número de conhecimentos, que põe em ação de maneira imediata.” (ADORNO, 2004, p. 41). Em suma, a própria vida de Sócrates significa no pensamento foucaultiano um dito de verdadeira coragem, porque o exame da verdade não se apresenta apenas no seu simples dizer, mas também na sua demonstração ética no decorrer da vida, pois como considera Candiotto, “somente o cuidado permanente da verdade, da justiça consigo, confere dignidade ao viver, no decorrer da existência.” (CANDIOTTO, 2010, p. 168).

O discurso do parresiasta diz a verdade em qualquer circunstância provocando efeitos de transformação naquele a quem se endereça. Diferente da veridicção do profeta, do sábio e de mestre, a verdade da parresía sempre implica coragem. Não parece ser à toa que Foucault reconheça em Sócrates, como endossa o seu interlocutor F. Gros, “um exemplo de coragem da verdade. Figura maior, inclusive até a morte” (GROS, 2004, p.160). No artigo de Francesco Paolo Adorno, A tarefa do intelectual, o modelo socrático, há a consideração de que a presença de Sócrates nos textos de Foucault representaria o filósofo do “ponto de vista tanto ético quanto político” (GROS, 2004, p.57) No sentido da continuação desta pesquisa, cabe-nos então a indagação: de que forma a figura parresiática de Sócrates nos serve para pensar a interface entre ética e política na atualidade? De que forma é ainda hoje possível pensar uma política comprometida com a verdade? Consideramos que algumas pistas já possam ser extraídas dos passos iniciais desta investigação. Ora, na ontologia do presente traçada por Foucault, na sua tarefa de diagnosticar o presente de uma cultura, contatamos uma pesquisa em que o lugar da filosofia está acoplado às práticas de vida, tirando-nos da zona de conforto das nossas evidências. A parresía, forma de veridicção prioritariamente aqui examinada, nos conduz a conceber como em um dado momento histórico o conhecimento de si e o cuidado de si passaram a se entrelaçar, em que a filosofia voltada para o “cuidado de si é conhecimento e, mais que conhecimento, é modo de existência, estilo de vida. É esta modalidade esquecida da filosofia que Foucault quer conduzir às possibilidades de nosso presente. Ela traz implicações diversas, em particular as de natureza ética.” (MUCHAIL, 2011, p. 127) No entanto, há a constatação de que o conhecimento de si (gnôthi seautón) foi o que prevaleceu na tradição filosófica, desaparecendo a dimensão do cuidado de si (epiméleia heautoû). Então, Foucault mostra que a coragem de Sócrates em falar a verdade, mesmo sob o alto preço de pagar com a própria vida esta atitude, nos deixa certamente um efeito, a saber, a coragem “de fazer aflorar por sua ação verdades que todo mundo conhece, mas que ninguém diz, ou que todo mundo repete, mas que ninguém se dá o trabalho de fazer viver, a coragem da ruptura, da recusa, da denúncia”. (GROS, 2004, p.166) O prosseguimento desta investigação segue então no rastro de como a verdade reencontra seu lugar ético nas formulações foucaultianas, trabalho que certamente se desdobrará na contracorrente dos jogos de verdade de dominação, de opressão e de exclusão que justificam ser a fala franca e engajada

3 Considerações finais No que consiste à sua tarefa genealógica, Foucault quando aborda a questão da parresía, de sua recuperação histórica, parece suscitar a partir desta forma de veridicção um momento decisivo no qual se esboçava um contexto que ligava as verdades ditas pelos sujeitos às ações. O último curso que Foucault ministrou no Collège de France, meses antes de sua morte, fundamentalmente traz à tona outro modo de se pensar a verdade como uma das “matrizes históricas da experiência.” 291


Caderno de Experiências algo incompatível com a esfera ético-política do mundo contemporâneo.

FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros: curso no Collège de France (1982-1983). São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

Referências

FOUCAULT, Michel. A coragem da verdade: o governo de si e dos outros II. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

ADORNO, Francesco Paolo. A tarefa do intelectual: o modelo socrático. In: GROS, Frédéric (Org.). Foucault: a coragem da verdade. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

GROS, Frédéric. Foucault: a coragem da verdade. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

CANDIOTTO, Cesar. Ética e política em Michel Foucault. Trans/Form/Ação, Marília, v.33, n.2, p.157-176, 2010

MUCHAIL, Salma Tannus. Foucault, o mestre do cuidado: Textos sobre A hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

FERREIRA, Eric Duarte; CAMBRUSSI, Morgana Fabiola. A parrhesia como prática e o estatuto do outro. Universidade Federal de Santa Catarina, 2006. Disponível em:<http://www.celsul.org.br/Encontros/07/dir/a rq12.pdf>. Acesso em: 7 de novembro de 2014.

VEYNE, Paul. Foucault: Seu pensamento, sua pessoa. Trad.: Marcelo Jacques de Morais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. YOUNG, Julian. Michel Foucault: Esta obra foi dirigida por Philippe Artières, Jean-François Bert, Frédéric Gros e Judith Revel. 1 Ed. – Rio Janeiro: Forense, 2014.

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Pesquisa em Foco

PLATÃO E FILOSÓFICO

O

Camila do Espírito Santo Prado de Oliveira Professor /UFCA camiladoespiritosanto@yaho o.com.br

DIÁLOGO

1 Introdução

pensamento de Platão, acontece em meio a muitas outras falas (centradas em outras questões) e que, assim, eventualmente, vazam rumores de lado a lado que “contaminam” o desenrolar das histórias. O que está em jogo em uma conversa não é nunca só o que é enunciado pelos interlocutores como questão. Isto parece ser assim na conversa que forma a tradição interpretativa, bem como nos encontros entre discursos que acontecem na obra platônica; ou ainda – e talvez seja para isto que Platão aponta nos seus diálogos – em qualquer conversa. Trazer à fala o que realmente está em questão é a tarefa da interpretação. Mas não partimos da assunção de que toda interpretação é também partícipe de uma conversa? Que confusão! Retomemos o fio da meada: pretendemos entrar em uma conversa cujo tema é “o pensamento de Platão”. Foi dito, no entanto, que talvez esta não seja a única questão, ou ainda, não seja propriamente o que está em questão. Como descobrir o que está propriamente em questão? Se, como se pode suspeitar, os diálogos de Platão nos convidam a experimentar a passagem dos problemas enunciados ao que está em questão sem vir à fala, então “cair na conversa” de Platão pode ser uma boa maneira de aprendermos a ouvir o que está propriamente em questão no diálogo sobre o pensamento de Platão. Prossigamos: de que modo está posta a questão pelo que se denominou “pensamento de Platão”? Este é o ponto para o qual converge toda esta conversa sobre conversa. Há muitos modos de perguntar pelo pensamento de Platão, ou ainda, há muitos modos de percorrer a obra platônica em busca de seu pensamento. Estes muitos métodos, que, talvez, rigorosamente, sejam tão inumeráveis quanto são inúmeras as vozes que conversam, precisaram ser agrupados por semelhanças para permitir, a quem chega depois, uma localização inicial na conversa. Quando nos aproximamos, já ouvimos alguns participantes, que chegaram antes, falarem em correntes interpretativas ou estilos de leitura1, fornecendo, assim, um guia geral dos muitos modos pelos quais se tem perguntado pelo pensamento de Platão. Aplicando o método da divisão (diaíresis) aos estilos de leitura elencados por Gill (2005), com o intuito de nos localizarmos, teríamos o seguinte mapa:

O Núcleo de Estudos do Pensamento Antigo e Medieval (NEPAM) é um Grupo de Pesquisa que promove atividades de formação (grupos de estudo, orientações, minicursos) e projetos de pesquisa em temas ligados ao pensamento clássico grego e medieval. Este artigo é resultado de um trabalho de pesquisa sobre a obra platônica e a constituição da filosofia como diálogo. Seu objetivo é apresentar reflexões e decisões metodológicas sobre como ler Platão e algumas hipóteses interpretativas sobre seu pensamento. 2 Fundamentação teórica Propor uma pesquisa sobre o pensamento de Platão envolve a pretensão de entrar em uma prosa que começou há muitos e muitos anos, em um reino muito distante, e que é composta por inúmeras vozes. Recorrer à fórmula utilizada para iniciar os contos de fada serve, aqui, para chamar a atenção para o caráter extraordinário desse movimento – a tradição interpretativa – que atravessa séculos, unindo mortos e vivos de todo o mundo em torno à obra de um homem. Participar de uma conversa em andamento depende de alguns procedimentos. O primeiro é inteirarmo-nos sobre qual é o teor da discussão. O segundo é compreender de que modo a questão está posta e como ela vem se desenvolvendo. O terceiro procedimento, caso haja algo a dizer, é elaborar a contribuição e enunciá-la. A pauta desta confabulação foi dita acima numa formulação bastante abrangente para comportar a grande diversidade do que aparece como questão: o pensamento de Platão. Esta determinação pode parecer, além de vaga, artificial. Talvez haja vozes que participam desta conversa e que não se reconheçam interessadas no “pensamento de Platão”. Pode-se ir à obra platônica, por exemplo, buscando testemunhos de uma posição que já se considera como sendo o legado do filósofo: o idealismo, o realismo, a metafísica ocidental, por exemplo. Nestes casos, por vezes importa mais apontar as consequências (historicamente construídas) de certas teses atribuídas a Platão do que tentar esclarecer como se constitui seu pensamento. Admite-se, diante disso, o artifício. Consideremos que o “nosso” diálogo, sobre o 293


Caderno de Experiências

O que se quer não é apresentar um mapeamento completo das possibilidades interpretativas, mas dizer, levando em conta as linhas gerais ofertadas, desde onde falamos aqui. Isto pode ser dito também em termos de pressupostos metodológicos. Esta pesquisa parte dos três seguintes: 1. Tudo em Platão é importante (como diriam Proclo e Heidegger, entre muitos). Isto é, a leitura que aqui se empreende leva em conta a construção literária ou dramática dos diálogos e não considera que haja um porta-voz de Platão, em cada diálogo, que expressa a doutrina platônica, ou encaminha para ela, restando analisar seus argumentos. Argumento, em Platão, é como argumento no cinema: trama trançada por todos os elementos do texto; 2. Os diálogos de Platão podem conversar entre si. Ainda que as questões sejam postas em níveis diversos ao longo dos diálogos e que, por vezes, uma mesma questão receba propostas de soluções diferentes, há uma unidade em toda obra platônica que é, justamente, o fato de que as questões não se esgotam nas soluções e os interlocutores sempre podem ser convidados a questionar e reformular as teses propostas. A estrutura é tão espiral que poderíamos ver refletida uma questão, tal como formulada em um diálogo "de juventude", na conversa entre os interlocutores dos diálogos "de velhice". Em outras palavras, juventude e velhice conversam o tempo todo, em todos os níveis (dramático e intertextual), na obra de Platão; 3. Se o diálogo, que á a obra platônica, inclui também os “velhos” gregos, isto é, as obras da tradição grega, então ouvir bem a voz desses interlocutores permite compreender melhor a conversa que se desenrola.

Minimamente localizados quanto ao modo de aproximação, cabe perguntar: há o que dizer? Por necessidade de, em público e ao público que nos vem suportando, prestar contas do que estudamos há alguns anos, formulamos algo sobre o diálogo em Platão, “não como quem sabe, mas como quem entende em consentir dizer aquilo que pensa”. Se assim corre-se o risco de ser acusado por Sócrates de andar cego, emitindo opiniões sem saber, já é uma satisfação, ainda que através de provável vergonha, trazer “o homem mais justo de seu tempo” à conversa. 3 Procedimentos metodológicos Trata-se de buscar compreender como a filosofia se constitui na obra platônica. Para isto percorremos quase a totalidade dos 35 diálogos e das 10 cartas do autor (textos autênticos e duvidosos), em um seminário semanal em que participaram alguns dos estudantes ligados ao NEPAM. Cada participante do grupo ficou responsável por uma (ou mais) obra (s) de Platão, apresentando um resumo dos principais movimentos dialógicos do texto, seguindo-se a isto, uma discussão sobre a construção do pensamento filosófico nas obras. Alguns trabalhos de fim de curso e projetos de mestrado de estudantes, além da minha tese doutorado, defendida no fim do ano passado, são exemplos dos frutos deste trabalho de estudo e discussão.

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Pesquisa em Foco 4 Resultados e discussão

Foi dito que Platão desconstrói os discursos da tradição e constrói uma nova tradição discursiva. Mas, se olharmos bem, essa construção mais parece uma reconstrução. Isto porque se, por um lado, o Sócrates platônico se contrapõe às posturas da poesia, dos sofistas e da maioria frente às questões levantadas, por outro, as teses a que ele e seus interlocutores dão assentimento ao longo dos diálogos não rompem de todo com a tradição. Ainda: apesar da crítica ao estilo dos outros discursos, em especial ao da poesia, Platão, como autor, e Sócrates, como o personagem que orienta a investigação filosófica, utilizam-se da imitação poética. O que parece mais desconcertante na obra platônica como um todo é a ausência de Platão. Onde está o filósofo? Quem fala pelo filósofo? Quando fala o filósofo? Silêncio. Se não é Platão quem fala, quem fala? Essa questão pode ser vista como uma questão ingênua, despropositada. Há quem diga que Platão apenas segue a tradição dos diálogos socráticos. Outros dizem que essa suposta ausência do autor é, na verdade, uma artimanha utilizada por um hábil escritor para apresentar críticas aos seus concidadãos e incríveis teses metafísicas de maneira palatável. Diz-se, ainda: que os diálogos foram escritos para os não-iniciados e que, portanto, só continham parte da doutrina platônica, sua parte mais fácil (sim, mais fácil!?). O fundamental, Platão teria dito aos seus discípulos da Academia, somente. Quem somos para teimar em que não foi assim? Não teimamos. Aceitamos o que temos: os diálogos. Vemos neles o que eles mostram: a cena. Platão se ausenta e deixa em seu lugar a cena, a cidade, os discursos, a vida mesma se desenrolando. Não se quer, com isto, dizer que Platão era simplesmente um cronista fiel que expressava os fatos tais quais aconteciam. Não, o que se tenta dizer é mais que isso. Platão era ele mesmo o palco desses acontecimentos, o meio pelo qual a cidade se encontrava, os cidadãos conversavam. Se a filosofia é a conversa da alma consigo mesma, como diz Sócrates no Teeteto, é na alma de Platão que acontece a cena, ela é o palco dos encontros. Vale a ressalva de que não negamos a relação entre os personagens dos diálogos platônicos e as “pessoas reais” que viveram na Grécia há vinte e cinco séculos. Nem dizemos que é irrelevante, para a compreensão da obra, o momento histórico em que o filósofo viveu, a morte de Sócrates, a crise religiosa, a crise política. Pelo contrário, segundo cremos, estes são elementos essenciais para a compreensão dos diálogos. Então, o que de fato está sendo dito? Não parece que a cena seja, na obra platônica, um artifício da criação literária, um modo de dizer algo que poderia ser dito de outras formas, uma escolha estilística neutra (existirá isso?) de um autor. Por outro lado, não parece também que a ausência de

Se podemos dizer que, em sua obra, Platão tenta delimitar a especificidade da filosofia, distinguindoa dos outros discursos existentes na tradição grega, ele está, ao mesmo tempo, inaugurando uma nova tradição discursiva, na qual todos nós, que pretendemos fazer filosofia, estamos de alguma forma inseridos. Mas, se na figura do Sócrates platônico a filosofia se expressa como um saber da ignorância, um saber negativo, amor ao saber, aspiração que surge da falta, como é possível uma tradição filosófica positiva? Como se dá a passagem da postura negativa da filosofia (sua postura crítica, sua postura irônica) para a construção de um saber positivo, de uma história de pensadores e pensamentos? A leitura das obras surge como oportunidade para pensarmos esta passagem: da desconstrução dos discursos da tradição para a construção da nova tradição, que não se manteve como a pura negação de qualquer saber. Pelo contrário, a tradição inaugurada por Platão aparece, geralmente, como uma coleção de discursos, teses, doutrinas, sistemas, pura positividade. Isto espanta! Por que Platão não permaneceu não sabendo? Por que a necessidade de fundar nova tradição? Poderíamos compreendê-lo da seguinte forma: Sócrates, mestre de Platão, diagnosticou uma doença da cidade grega, uma doença que passava por condutas e discursos, e, por ter tornado público seu diagnóstico, foi condenado à morte. Pois bem, Platão, bom discípulo, viu na morte de Sócrates a comprovação da doença dos homens, a comprovação de um desvio de seu povo. Então, para responder a esse desvio, para tratar a doença, Platão resolveu forjar um medicamento: o discurso filosófico. Uma droga mais poderosa do que a cicuta. Uma droga capaz de curar a doença, reenviar o desviado. Tudo isso muito justo. Mas, pode-se perguntar: por que, então, munidos de tal remédio, ainda não purgamos a doença, não cicatrizamos a ferida? Simplesmente ainda não compreendemos a posologia? Será isto um fracasso de Platão: dar-nos o remédio sem a receita? Será isto um fracasso nosso: a incapacidade de seguirmos a receita? Talvez Platão não tivesse a desmedida pretensão de consertar Atenas, ou a nós, seus herdeiros. Quem sabe viu na morte de Sócrates a confirmação de que a cura precisa ser conquistada a cada vez? Sócrates conquistou a dele, como nos conta Platão. Deixou a seus discípulos e a cada um de nós a tarefa de conquistar a sua. Como se conquista a cura? Como Platão conquistou a sua? Qual foi o papel da tradição nessa conquista? Que relação se deve necessariamente estabelecer com a tradição para que se conquiste a cura? O que é a cura? O que sempre precisa ser curado? 295


Caderno de Experiências Platão, seu silêncio, seja um distanciamento diante do que está sendo contado; ele não está simplesmente reproduzindo a luta de discursos que o cercam. Ele não é totalmente ativo, definindo a seu bel-prazer o que será dito e como será dito, e nem é totalmente passivo, apenas descrevendo fatos. O silêncio de Platão é um silêncio de quem tem muitas vozes. É um silêncio que ouve e dá corda. Enfim, é um silêncio que muito diz. O diálogo mostra a cena. Quem está em cena? Os personagens da cidade grega: jovens, sofistas, poetas trágicos, cômicos, políticos, retóricos, médicos, escravos, estrangeiros, sábios, a poesia épica, a lírica, a pintura, a artesania... e um demônio: Sócrates. É ele quem atormenta a vida dos citadinos. Ele, com suas perguntas, com sua ironia, com sua divindade. Ele paralisa, envolve, seduz. Ele marca, desenvolve, conduz. Não me parece que Sócrates represente Platão, que ele seja seu porta-voz. Sócrates é a figura do interesse próprio à filosofia. Ele não é a própria filosofia, mas a sua disposição, seu demônio e um bom demônio (“eudaímon”). A cidade, então, é tomada por Sócrates e chamada a falar, a pensar. O diálogo platônico, filosofia: luta de discursos inspirados por esse afeto; a cidade tendo que responder por si, tendo que ser refeita. Tudo isso numa mesma alma: Platão. Por isso, ler Platão precisa ser deixar-se tomar por esse demônio e entrar também nessa luta: ouvir o mundo, perdê-lo, ganhar outros mundos, participar deles, unindo-os, ser um que dia-loga. Foi proposto que filosofar é ser “possuído” por certo demônio: Sócrates. Quem é Sócrates? Como e por que ele nos toma? Ah, se soubéssemos responder esta questão... O que nos mostra Platão: Sócrates é aquele que passa a vida tentando interpretar e seguir o oráculo. Sócrates é aquele que não pode deixar de defender a justiça na medida de suas forças, sob pena de ser acusado de impiedade. Sócrates está em direta relação com os deuses. É ele quem lembra o tempo todo que essa relação não pode afrouxar, sob pena de os homens decaírem, deixarem de ser justos, e, portanto, deixarem de ser homens (por isso os deuses não podem enganar os homens, nem os homens podem comprar os deuses). Sócrates é aquele que é condenado à morte pela cidade. Sócrates é aquele que morre feliz. O filósofo fala, então, porque está tomado por essa visão: vê, porque Sócrates lhe aponta, que o homem precisa “conhecer-se a si mesmo”, e que isso é ouvir e interpretar os deuses. Vê que, para isso, nessa busca (que tira o homem da preguiça), cada um precisa criar sua cidade (que será sempre a mesma, diferentemente). Vê que para criar sua cidade é preciso enfrentar a morte. Vê que cumprir o seu destino é dar voz aos outros, passados, presentes e

futuros. Vê que fugir desse destino é decadência. Por isso a alma do filósofo fala, em silêncio. 5 Considerações finais Relembrando a linha interpretativa a qual este trabalho se vinculou de início: ver os diálogos de Platão como convites para pensar e repensar as questões, para herdar e refazer o mundo no qual habitamos, através da luta de discursos - percebe-se que o que se fez até aqui foi apenas, a partir da leitura de suas obras, buscar no pensamento do autor elementos para justificar esta vinculação. A pesquisa aqui apresentada está apenas no seu início, mas já rende frutos em trabalhos acadêmicos dos estudantes envolvidos, em nível de graduação e pós-graduação, promovendo o desenvolvimento da reflexão competente sobre a herança da filosofia antiga. Referências ARIETI, J. A. Interpreting Plato: the dialogues as drama. Savage: Rowman& Littlefield, 1991 DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Trad. Mario da Gama Kury. Brasília: UnB, 1988. GILL, C. The Platonic Dialogue. In: Gill, Pellegrin P (eds) Blackwell Companion to Ancient Philosophy, Blackwell.,2005. PLATON. OEuvres Complètes. Traduction et notes par L. Robin, avec la collaboration de J. Moreau. Pléiade. 2 vol. Paris : Gallimard, 19591960. _________. OEuvres complètes. Tomes I à XII. C.U.F. Paris : Les Belles Lettres, 1920-1956. PLATO. Platonis Opera. Ioannes Burnet, Tomes I-V. Oxford : Clarendon Press, 1900-1907. PLATÃO. A República. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 9ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. _________. Diálogos. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Univ. Federal do Pará, 19751980. ROWE, C. Interpretando Platão. In: Benson, org. Platão. Trad. de Marco Antonio Zingano. Porto Alegre: Artmed, 2011.

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Pesquisa em Foco Francisco Rihelder Batista Bezerra Filosofia /UFCA rielder_18_@hotmail.com

PRAZER, INTELECTO E VIDA FELIZ NO FILEBO DE PLATÃO

1 Introdução

Camila Prado do Espírito Santo Professor /UFCA camiladoespirtosanto@yahoo .com.br

prazer. Entretanto, como bem observou Muniz (2012), o aspecto quantitativo não deve ser considerado o fator preponderante na determinação do tema principal deste diálogo. Nossa posição teórica é também endossada por Bravo (2009, p. 411):

Esta pesquisa se coloca como uma reflexão e estudo crítico sobre o prazer, o intelecto e a felicidade no pensamento de Platão, mais particularmente, no diálogo Filebo, considerado por muitos, um de seus últimos diálogos. Tal diálogo busca saber, mediante o fio dialético, qual seriam os ingredientes para uma vida boa ou feliz. A discussão se dá a partir de duas teses, a saber, a tese de Filebo que afirma que o bom para os seres vivos é o prazer, o deleite e tudo quanto tem aproximação com esse gênero de coisa e a tese de Sócrates que defende o pensamento, a inteligência, a memória, a opinião correta e tudo aquilo quanto tem aproximação com esse gênero de coisa, como sendo o que realmente é bom para os seres vivos. A primeira tese, a tese de Filebo, será defendida por Protarco visto que o personagem Filebo está cansado e não pode continuar a discussão. A nossa investigação se concentra principalmente em determinar o lugar e significação do prazer e do intelecto na constituição da vida feliz, já que os interlocutores do referido diálogo estabelecem o acordo de buscarem discursivamente a disposição ou estado da alma capaz de proporcionar aos homens uma vida boa.

o tema fundamental do Filebo não é o prazer, como dá a entender o subtítulo tradicional, mas a vida boa ou, mais precisamente, o bem supremo do homem. Protarco lembra a Sócrates que o objetivo dessa reunião é definir o mais precioso dos bens humanos. E, no final do diálogo, estão lançadas as bases para que qualquer pessoa tenha condições de decidir entre o prazer e a sabedoria, e assim afirmar qual dos dois tem mais parentesco com o bem supremo e com o maior valor, segundo o juízo dos deuses. A essa pergunta subordinam-se todas as outras, tantas as relativas ao prazer e a sabedoria e a outros temas, e uma atitude constante dos interlocutores é assegurar-se de que aquilo que estão analisando tenha relação com sua resposta.

Desta forma, a extensiva análise do prazer no Filebo visa algo mais determinante no contexto dialético desta obra. Prazer e intelecto são discutidos não apenas por que são aspectos importantes da existência humana, mas porque apontam para algo maior e duradouro, ou seja, aquilo que os gregos chamavam de eudaimonia e que aproximativamente traduzimos por felicidade. As duas formas de vida representadas por prazer e intelecto competem para a vida boa; tendo em vista a busca por saber o papel destes dois modos de vida na composição de uma vida feliz, faz-se necessário um exame valorativo tanto do prazer como do intelecto. Sócrates admite que a questão do prazer não é simples. Portanto, se faz indispensável uma reflexão sobre sua natureza. A primeira questão levantada quanto a sua natureza é a de saber se eles são diferenciados ou não. Os prazeres são dessemelhantes, ou seja, existem diferenças entre prazeres, por isso, os juízos de valor em relação aos prazeres serão diferentes. Por exemplo, o prazer de um homem intemperante difere do prazer de um homem moderado. Protarco defende a princípio que o prazer é somente unívoco, mas depois da

2 Fundamentação teórica O Filebo é um diálogo que se situa no terceiro período do pensamento platônico, é considerado, portanto, uma das últimas obras de Platão ao lado de diálogos como o Timeu e Leis. Associado à metáfora de uma selva impenetrável, por muito tempo (e ainda hoje para alguns), foi considerado um escrito intrincado, de difícil compreensão. Uma das primeiras dificuldades a uma adequada interpretação do Filebo seria o subtítulo “Do prazer” que a tradição adotou para melhor designar o conteúdo do diálogo em seu todo. Assim, muito se tem discutido a respeito de qual seria a temática central do Filebo; seu tema principal seria o bem humano? Seria o problema ontológico do uno e do múltiplo? Ou seria o tema do prazer e sua tipologia? A nossa posição é a de que o prazer não é o tema central do Filebo, mas é, sem dúvida, um dos seus temas primordiais, pois na maior parte da obra os interlocutores analisam as diversas formas de 297


Caderno de Experiências argumentação socrática de que existem prazeres contrários entre si e de que só poucos deles são prazeres bons, ele acaba por ceder e passa a admitir que o prazer seja tão variado quanto a própria ciência. Partindo da proposição de que os prazeres e os conhecimentos são unos, mas ao mesmo tempo múltiplos e dessemelhantes entre si, é que se examinará o bem humano. Para a razão, o prazer é uma unidade que contém múltiplas espécies. Para determinar as variadas manifestações do prazer exige-se uma rota segura. Tal exame exige o método dialético, mais particularmente o método das divisões (diáiresis). Esse caminho para a classificação dos diferentes prazeres e conhecimentos se compara ao fogo etéreo que Prometeu roubou dos deuses para dar aos seres humanos; sem este método jamais se poderá chegar a conhecer a melhor disposição para a felicidade humana (eudaimonia). Os personagens do diálogo Filebo, Sócrates e Protarco, são levados a superar a dicotomia entre prazer e intelecto. Sócrates fala de discursos que ouviu em que se dizia que nem o prazer nem o intelecto são o Bem, mas sim um terceiro elemento diferente e superior a eles. Se estes discursos são verdadeiros, então nem o prazer nem o intelecto podem sair com a vitória, pois nem um nem outro seriam idênticos ao bem. Ora, o bem é perfeito e auto-suficiente, e por isso, todo ser vivo o busca continuamente. Chega-se, por fim, ao seguinte questionamento aos dois candidatos ao bem supremo: uma vida só de prazer destituída de inteligência e uma vida só de inteligência destituída de prazer seriam auto-suficientes? Uma vida só de intelecto e uma vida só de prazer seriam insuficientes para uma vida realmente boa. De fato, sem o intelecto não poderíamos jamais saber se temos prazer ou não, ignoraríamos nosso próprio prazer. Estando desprovido da faculdade da memória, não poderíamos jamais nos lembrar se em algum momento da nossa vida tivemos a afecção de prazer; e o prazer presente nunca poderia ser recuperado por uma lembrança nossa. A privação do intelecto não nos possibilitaria também ter uma opinião acertada acerca do prazer que experimentamos, de tal modo que acreditaríamos não termos prazer no instante em que realmente temos prazer. Igualmente, sem intelecto fica impossibilitada toda previsão de um prazer futuro, o que tornaria impossível os prazeres que podemos antecipar. Toda essa argumentação de Sócrates em 21c nos leva a avaliar que uma vida tão-somente de prazer é uma vida não “digna de escolha”. A conclusão irônica a que Sócrates chega é a de que uma vida sem pensamento é uma vida não humana: “Não viverias, no entanto, uma vida humana, mas a vida de um molusco ou de uma dessas criaturas marinhas que vivem em corpos de ostras” (21c).

Da mesma forma, uma vida somente de inteligência, conhecimento e memória seria inaceitável, ou seja, uma vida sem prazer e sem dor também não é digna do ponto de vista humano. Protarco e Sócrates chegam ao acordo de que ninguém também escolheria uma vida só provida de intelecto sem dor nem prazer. Estas duas modalidades de vida, isoladas uma da outra, não podem constituir uma vida que permita a felicidade e por isso elas não são elegíveis; nenhumas das duas constituem o supremo bem, perfeito e autosuficiente, almejado pelos seres humanos. Se nenhuma dessas duas vidas – a de prazer e a de inteligência – são possuidoras do bem, então uma vida que combinasse ambas as disposições, isto é, a de prazer e a de inteligência seria melhor e superior que uma vida que comportasse unilateralmente uma só dessas disposições. A partir desta dupla limitação, uma por parte do prazer e a outra por parte do intelecto, Sócrates irá concluir que a vida boa, que possibilita a felicidade humana, é a vida mesclada, a vida que comporta ao mesmo tempo prazer e intelecto. O relutante Protarco irá admitir com Sócrates que nenhuma criatura, humana ou animal, pode ser realmente feliz dispensando estas duas disposições. Depois da confirmação da vida mista como sendo a melhor, como constituindo o primeiro prêmio na ordem dos bens, a discussão transita em torno do segundo prêmio, que será concedido ao responsável pela mistura entre prazer e intelecto que compõe a vida feliz. O segundo prêmio será concedido à causa que estabelece a vida mista. O que causa a vida mista? Sócrates irá colocar a tese de que a inteligência é mais aparentada que o prazer em relação à vida mista. Se isso for verdadeiro, o prazer não pode ter o direito ao segundo prêmio na disputa pela melhor forma de vida. Toda a ontologia do Filebo, isto é, a divisão de tudo que existe no universo em quatro gêneros (ilimitado, limite, a mistura entre limite e ilimitado, a causa da mistura) consistirá em mostrar que o segundo prêmio em relação ao bem humano cabe a inteligência. 3 Procedimentos metodológicos Nosso estudo adota como caminho investigativo principalmente a leitura e análise conceitual do diálogo Filebo. Usamos duas traduções disponíveis no português, uma mais antiga de Carlos Alberto Nunes e outra mais recente de Fernando Muniz. Recorremos também ao texto grego originário, pois pensamos ser indispensável uma consulta de termos da língua grega que são importantes no contexto do pensamento platônico. Dispomos também de outros diálogos como o Protágoras, o Górgias e a República, em que o filósofo discorre 298


Pesquisa em Foco sobre o prazer e a vida feliz, tema que aqui pesquisamos. Como bibliografia secundária, de grande relevância para o desenvolvimento da pesquisa, utilizamos obras de intérpretes do pensamento platônico que se ocuparam com o tema da nossa investigação. Assim, valemo-nos dos trabalhos de Fernando Muniz, Francisco Bravo, Victor Goldschmidt, Gabriela Roxana Carone, Sônia Maria Maciel, entre outros.

prazer vence de qualquer maneira. Ele assume aqui uma posição fortemente hedonista, pois identifica por completo prazer e bem humano. Ora, adotar tal posição inclui afirmar que o prazer deve ser buscado sempre, pois constitui a finalidade última a qual todos os seres perseguem. Diante da defesa vigorosa do prazer que é concebido como o bem supremo por personagens como Protarco e Filebo, convém nos perguntar qual apreciação Platão tem em relação ao prazer. A não aceitação por parte de Sócrates de que todos os prazeres são bons parece nos ser o indicativo da posição de Platão sobre o prazer; esta passagem atesta bem isso:

4 Resultados e discussão Felicidade, intelecto e prazer são assuntos bastante recorrentes na cultura e filosofia grega. Assim, antes mesmo do nascimento da filosofia já encontramos um posicionamento avaliativo diante destas questões. A poesia homérica, lírica e dos poetas trágicos fazem constantemente menção a esta temática. Com o declínio da tragédia e o surgimento da filosofia, o prazer deixa de ser apenas um tema para se tornar um problema digno de reflexão e crítica. Para a filosofia o prazer não é somente uma paixão (páthos), mas algo que deve passar pela experiência do pensamento questionador. A filosofia pré-socrática, principalmente nas figuras de pensadores como Pitágoras, Heráclito e Demócrito irá tecer considerações avaliativas do papel desta afecção na vida dos seres humanos. Já em diálogos do seu primeiro período, como oiii Protágoras e o Górgias, Platão irá tratar, de alguma forma, do prazer, seja de sua natureza, seja de seu valor. No primeiro Sócrates chega ao ponto de defender o prazer como sendo o bem. Alguns comentadores encararam a posição de Sócrates como irônica e não séria e defendem uma posição não hedonista de Platão nesta obra; outros por outro lado, incluindo Bravo, alegam que Sócrates e Platão defendem um hedonismo forte neste diálogo, no segundo, em 501e-502a Sócrates afirma que certas atividades como a do flautista e do tocador de cítara visam somente o nosso prazer. No segundo período do seu pensamento, em República 505b, Platão antecipa o início da discussão no Filebo: “Eis algo que sabes... Para a maioria das pessoas, o bem é o prazer, mas para os mais requintados é a inteligência.” Ainda em República, no livro IX, na avaliação do prazer em um contexto ético-político, o filósofo associa a fruição desmedida dos prazeres ao pior dos regimes políticos, isto é, a tirania. O tirano e a cidade que estar sobre seu controle se encontram em estado de decadência e jamais podem alcançar o bem e a felicidade. No Filebo, o prazer é defendido por Protarco e seu amigo Filebo como sendo o bem supremo humano. Antes de adormecer, o jovem Filebo afirma dogmaticamente que na eleição para o bem, o

S: Sustentamos sim, que, embora a maioria das coisas prazerosas seja má, há coisas prazerosas boas; e, no entanto, tu chamas a todas elas de boas, mas se alguém te pressionar com argumentos acabarás concordando que são dessemelhantes. O que há, exatamente, de mesmo nos maus, assim como nos bons prazeres, para que seja possível chamares todos os prazeres de bons? P: O que dizes, Sócrates? Supões que alguém, depois de manter que o prazer é o bem, aceitará pacientemente essa tua afirmação de que dentre os prazeres alguns são bons, e outros são maus? (13b-c).

Para um hedonista convicto, que parte do pressuposto do prazer como sendo idêntico ao bem, soa estranho a separação de prazeres em bons e maus. Parece-nos que para determinarmos o posicionamento de Platão no que concerne ao valor do prazer, faz-se preciso, no que toca a tal afecção, saber se seu gênero é bem-vindo ou não como um todo na constituição de uma vida mista feliz. É verdade que Platão, no Filebo, coloca o intelecto à frente do prazer e faz distinções valorativas das várias espécies de prazer com o intuito de estabelecer uma hierarquia entre eles. Há, sem dúvida, uma primazia do intelecto sobre os prazeres. Em posição superior ficará os prazeres puros e verdadeiros, que por não estarem em relação com a dor e a carência, são mais elevados. Estes se relacionam com a medida, característica da beleza, uma das ideias constitutiva do bem. Apesar da primazia do intelecto na composição da vida mista a que podemos designar de um intelectualismo ético moderado, parece-nos que no Filebo Platão tenta uma aproximação positiva frente ao prazer. Ora, a hermenêutica usual em torno de Platão, isto é, aquilo que se convencionou chamar de Platonismo, afirma comumente que tal filosofia sempre vê com desconfiança e desprezo o âmbito do sensível, e, por conseguinte, as coisas relativas ao corpo. Tal concepção foi alicerçada muito fortemente no diálogo Fédon em que o 299


Caderno de Experiências dualismo corpo-alma de origem órfico-pitigórica é fundamental na posição desfavorável de Platão em relação aos prazeres. Pretendemos mostrar que Platão, no Filebo, não segue nem uma perspectiva hedonista e nem antihedonista, mas defende um hedonismo moderado capaz de proporcionar uma vida boa e feliz.

_______. Filebo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFP, 1974. _______. Górgias. Tradução do grego, introdução e notas de Manuel de Oliveira Pulquério. Lisboa: Edições 70, 2006. _______. Protágoras. Tradução, Introdução e Notas de Ana da Piedade Elias Pinheiro. Lisboa: Relógio D’ Água Editores, 1999.

5 Considerações finais A relevância do Filebo, no contexto da discussão sobre o bem e o prazer, é muito significativa. Assim, Fernando Muniz (2011) afirma: “Como se sabe, presume-se, justificadamente, que seja no Filebo – uns dos últimos diálogos de Platão – que se deva encontrar a palavra final de Platão sobre os prazeres.” Com efeito, é só mesmo no Filebo que teremos um estudo ou investigação mais sistemática e aprofundada da natureza do prazer bem como de seu valor ético. Determinar a natureza do prazer consiste precisamente em tentar responder a pergunta: o que é o prazer? Como se vê, a pergunta de cunho ontológico “o que é?”, freqüente nos diálogos platônicos, se repete aqui no diálogo que nos propusemos investigar. Responder satisfatoriamente a tal pergunta se torna fundamental para o desenvolvimento da nossa pesquisa, pois a partir dela é que poderemos realizar uma melhor apreciação do lugar do prazer no contexto dramático do supracitado diálogo.

_______. República. Tradução Anna Lia Amaral de Almeida Prado; revisão técnica e introdução de Roberto Bolzani Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BRAVO, Francisco. As ambigüidades do prazer: ensaio sobre o prazer na filosofia de Platão. Tradução Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2009. CARONE, Gabriela Roxana. A cosmologia de Platão e suas dimensões éticas. Tradução Edson Bini. São Paulo: Edições Loyola, 2008. Coleção Estudos Platônicos. GOLDSCHMIDT, Victor. Os diálogos de Platão. Estrutura e método dialético. Tradução Dion Davi Macedo. São Paulo: Edições Loyola, 2002. MACIEL, Sonia Maria. Mútuas implicações: prazer e intelecto no Filebo. Boletim do CPA, Campinas, nº 15, jan./jun. 2003.

Referências PLATÃO. Filebo. Tradução, apresentação e notas de Fernando Muniz. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2012.

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MUNIZ, Fernando. A potência da aparência: um estudo sobre o prazer e a sensação nos Diálogos de Platão. São Paulo: Annablume, 2011. Coleção Archai .


Pesquisa em Foco

SOBRE A ANALÍTICA DO PODER: DA REPRESSÃO À BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT

Eliude Ferreira Lima Filosofia/UFCA eliudelima@hotmail.com

Veridiana Sâmiles Pereira Texeira Engenharia Civil/UFCA veridianatxr@hotmail.com

Lília Barbosa Xavier Filosofia/UFCA lilianbx@hotmail.com

Cícera Ferreira Sousa Filosofia/UFCA ciceraferreirasousa@hotmail. com

Geislane Lopes Rodrigues Filosofia/UFCA geislanelopes@outlook.com

Cesar Augusto Borges Paiva Ferreira Engenharia Civil/UFCA cesherion@hotmail.com

Marcius Aristóteles Loiola Lopes Professor /UFCA marcius_re@hotmail.com

1 Introdução

é assim tratado não como uma entidade estável, coesa ou até mesmo uma unidade, o poder é antes algo da “ordem da relação”. Notemos no que se refere à questão do poder na filosofia de Michel Foucault:

Este trabalho tem como finalidade tratar da analítica do poder em Michel Foucault como ponto de verificação filosófica. Apresentando a partir do olhar e pensamento do autor uma análise do poder e sua relação com a vida, Foucault elabora e apresenta sua analítica discorrendo sobre três momentos do poder dentro da sociedade ocidental. O primeiro é o poder soberano, este normalmente é dado pela figura de um rei ou soberano que tem poder sobre a vida e a morte de seus súditos. O segundo surge com o nascer da modernidade em que aparece uma nova tecnologia de poder, a qual Foucault chama de poder disciplinar que se dirige ao corpo individualmente. A terceira forma seria a biopolítica que é uma instrumentalidade que vai se somar ao poder de disciplina e fundamentalmente vai se dirigir aos fenômenos ligados à população, à espécie humana globalmente, refere-se ao poder centrado na vida. Diante disso, tentaremos expor neste trabalho como Foucault pensa o poder, de como desenvolve sua genealogia dos procedimentos e das práticas de funcionamento que permeia todas as relações humanas.

o poder não existe. Quero dizer o seguinte: a ideia de que existe, em um determinado lugar, ou emanando de um determinado ponto, algo que é um poder, me parece baseada em uma análise enganosa e que, em todo caso, não dá conta de um número considerável de fenômenos. Na realidade, o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado (FOUCAULT, 1979, p. 248).

Pelo o que se expõe no presente fragmento citado, há em Foucault uma recusa de encarar o poder como uma entidade fixa ou que emana de um centro. Vejamos a questão ainda por outro ângulo de compreensão: o poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em oposição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. Não se trata de conceber o indivíduo como uma espécie de núcleo elementar, átomo primitivo, matéria múltipla e inerte que o poder golpearia e sobre o qual se aplicaria, submetendo os indivíduos ou estraçalhando-os. Efetivamente, aquilo que faz com que

2 Fundamentação teórica Considerando a investigação do poder desenvolvida pelo filosofo francês Michel Foucault, Deleuze (2005) constata que os poderes não estão situados em nenhum lugar determinado na sociedade. O seu funcionamento ocorre por meio da disposição de aparelhos a que nenhuma pessoa se esquivar, pois, o poder “nunca é global, mas ele não é local nem localizável porque é difuso” (DELEUZE, 2005, p. 36). Detecta-se dessa forma a existência de modos de treino do poder sobre o homem como elementos de um dispositivo de natureza fundamentalmente política, como peças de relações de poder. O poder 301


Caderno de Experiências um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos é um dos primeiros efeitos de poder. Ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constitui (FOUCAULT, 1979, p.183 – 184).

A partir disso é notada uma inversão interessante em relação ao agir do poder dentro da sociedade ocidental, em sua análise genealógica Foucault apresenta três momentos que atesta a mobilidade do poder e sua atuação; o primeiro corresponde ao poder soberano, no segundo momento há uma reorganização do poder a partir da disciplina e, por último, um poder que se volta para a vida da população, a biopolítica. Se o poder, em sua primeira forma, operava por via única, marcado pelo poder de matar, se o rei como soberano tinha direito de fazer seus súditos morrerem, no poder disciplinar usa-se de dispositivos disciplinares com tarefa de controle do corpo de cada indivíduo, ocorrendo, por último, na biopolítica, o controle da vida coletiva, da formação da população. Seguiremos então por descrever mais detalhadamente cada um desses momentos do poder na história ocidental: O poder soberano vem calhar com o que Foucault define como sendo o poder repressivo, tendo ele, dentre outras características, o direito de vida e morte. O soberano é concebido como instância superior e tem direito exclusivo de um chefe supremo, autoridade e ordem sobre seu território e súditos, não admitindo na sua esfera nenhum tipo de intervenção. O comando é seu absolutamente;

Desta forma, uma das idéias que transcorrem a analítica foucaultiana do poder é uma espécie de deslocamento de foco em relação à teoria política tradicional, que imputa ao Estado o domínio do poder, sendo que para o autor de As Palavras e as Coisas “o Estado não é o ponto de partida necessário, o foco absoluto que estaria na origem de todo tipo de poder social” (MACHADO 2006, p.168). Foucault mostra que não é assim, nem disso, que procede o poder: ele é menos uma propriedade que uma estratégia, e seus efeitos não são atribuíveis a uma apropriação,‘mas a disposições, a manobras, táticas,técnicas, funcionamentos’; ‘ele se exerce mais do que se possui, não é o privilégio adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas’. Este novo funcionalismo, esta análise funcional certamente não nega a existência das classes e de suas lutas, mas as insere num quadro completamente diferente, com outras paisagens, outros personagens, outros procedimentos, diferentes desses com os quais nos acostumou a história tradicional, inclusive a marxista: inúmeros pontos de enfrentamento, focos de instabilidade, cada um comportando seus riscos de conflito, de lutas e de inversão pelo menos transitória das relações de forças’, sem analogia nem homologia, sem univocidade, mas com um tipo original de continuidade possível. Em suma, o poder não tem homogeneidade; define-se por singularidade, pelos pontos singulares por onde passa (DELEUZE, 2005, p. 35).

Por muito tempo, um dos privilégios característicos do poder soberano fora o direito de vida e morte. Sem dúvida, ele derivava formalmente da velha iiipatria potestaiii que concebia ao pai de família romano o direito de ‘dispor’ da vida de seus filhos e de seus escravos; podia retirar-lhes a vida, já que tinha ‘dado’ (FOUCAULT, 1988, p. 147).

O exercício do poder soberano configurava-se num tipo histórico de sociedade em que esta mesma relação de poder se efetiva no embargo de posses das riquezas, de serviços, de trabalho e de sangue imposta aos súditos. O principal intento do poder soberano aparece então como instância de confiscação da vida e tudo que a cerca, onde seu marco era a morte. A morte consolidava o direito que o soberano dispunha para se defender ou ordenar aos súditos essa tarefa. Por muito tempo este poder atuou na sociedade ocidental e além da punição, do castigo, do aviltamento, era pela morte que predominava e consolidava sua ação. A morte não era apenas a aplicação da pena para o crime cometido, mas era um meio que o soberano tinha para impor seu poder ao povo. Em síntese,

Sob a perspectiva foucaultiana, as sociedades modernas apresentam uma nova organização do poder que se desenvolveu a partir do século XVII e XVIII. Aqui o poder não se concentra apenas no poder político e nas suas formas de repressão, considera Roberto machado, “A ideia básica de Foucault é que as relações de poder não dizem respeito fundamentalmente ao direito, nem à violência; nem são basicamente contratuais nem unicamente repressivas” (MACHADO, 2006, p. 171).

a teoria da soberania esta vinculada a uma forma de poder que se exerce muito mais sobre a terra e seus produtos do que sobre os corpos e seus atos: se refere à extração e apropriação pelo poder dos bens e da riqueza e não do trabalho; permite transcrever em termos jurídicos obrigações descontínuas e distribuídas

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Pesquisa em Foco no tempo; possibilita fundamentar o poder na existência física do soberano, sem recorrer a sistemas de vigilância contínuos e permanentes; permite fundar o poder absoluto no gasto irrestrito, mas não calcular o poder com um gasto mínimo e uma eficiência máxima (FOUCAULT, 1979, p.188).

instituição, é algo que funciona como uma rede que não limita e nem demarca fronteira. “porque ela é um tipo de poder, uma tecnologia, que atravessa todas as espécies de aparelhos e de instituições para reuni-los, prolongá-los, fazê-los convergir, fazer com que se apliquem de um novo modo” (DELEUZE, 2005, p. 35). As disciplinas se articulam pelas seguintes características, citemolas:

Todavia, da passagem do século XVII ao XVIII, ocorre uma nova configuração de poder que não se destinava mais a mera repressão, em outros termos, surge um elemento importante: o aparecimento inédito de uma nova forma de poder com métodos exclusivos, ferramentas completamente novas e aparelhos bastantes distintos, o que é categoricamente incompatível com as relações de soberania. Este poder se contrapõe, em seus menores detalhes, ao mecanismo que a teoria da soberania apresentava. É o que veremos agora. Configurando a segunda forma de poder que Foucault vai discorrer, este tipo de poder denominado de poder disciplinar se ocupará do corpo individual. Este poder não operará no limiar de um rei e de seu comando, ao contrário, agirá pelo exercício incessante que incidirá fundamentalmente sobre cada corpo e seu funcionamento individualmente. Enuncia-se que a disciplina valida o mecanismo que garante a categorização das pluraridades humanas, efetuando-se através de treino progressivo do corpo.

em primeiro lugar, a disciplina é um tipo de organização do espaço. É uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório. Isola em um espaço fechado, esquadrinhado, hierarquizado, capaz de desempenhar funções diferentes segundo o objetivo especifico que dele se exige. Mas, como as relações de poder disciplinar não precisam necessariamente de espaço fechado para se realizar, essa é sua característica menos importante. Em segundo lugar, e mais fundamentalmente, a disciplina é um controle do tempo. Isto é, estabelece uma sujeição do corpo ao tempo, com o objetivo de produzir o máximo de rapidez e o máximo de eficácia. Neste sentido, não é o resultado da ação que lhe interessa, mas seu desenvolvimento. E esse controle minucioso das operações do corpo, ela o realiza através da elaboração temporal do ato, da correlação de um gesto específico com o corpo que o produz e, finalmente, pela articulação do corpo com o objeto a ser manipulado. Em terceiro lugar, a vigilância é um de seus principais instrumentos de controle. Não uma vigilância que se exerceria de modo fragmentar e descontínuo; mas que é ou precisa ser vista pelos indivíduos que a ela estão expostos como contínua, perpétua, permanente; que não tenha limites, penetre nos lugares mai recônditos, esteja, presente em toda a extensão do espaço. (MACHADO, 2006, p. 173-174)

Eram todos aqueles procedimentos pelos os quais se assegurava a disposição espacial dos corpos individuais (sua separação, seu alinhamento sua colação em serie e em vigilância) e a organização, em torno desses corpos individuais, de todo um campo de visibilidade. (FOUCAULT, 1999, p. 288).

Assinala-nos Foucault que o poder disciplinar constitui o conjunto de procedimentos pelos quais os sistemas de poder vão tem por finalidade e conseqüência os indivíduos em sua singularidade. O poder aparece aqui antes de tudo com objetivos econômicos e políticos e o corpo é ostentado nesta aparência e por isso constitui ponto de investimento (FOUCAULT, 1979).

O uso de técnicas (organização do espaço, controle do tempo, vigilância) promove a presença do poder no tecido social, que se ampliaram durante a época moderna e que assumiram a completude da vida. O corpo representa em última instância a efetivação do poder disciplinar, é logrado no corpo,

Esse novo objeto é o corpo natural, portador de forças e sede de algo durável; é o corpo suscetível de operações especificadas, que têm sua ordem, seu tempo, suas condições internas, seus elementos constituintes. O corpo, tornando-se alvo dos novos mecanismos do poder (FOUCAULT, 2009, p.149).

no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração de controle eficazes e econômicos - tudo isso assegurado por procedimentos de poder que caracterizam as disciplinas: anátomo-política do corpo humano (FOUCAULT, 1988, p. 151).

Notemos que a disciplina não constitui um aparelho de Estado, tão pouco se trata de uma 303


Caderno de Experiências não na morte. A morte agora não é mais a vitrine de demonstração do poder, o que interessa agora é a vida. Enquanto no poder soberano incide sobre a morte, na nova atividade corrente de poder a vida é suscitada a cada instante. “A velha potência da morte em que se simbolizava o poder soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida” (FOUCAULT, 1988, p. 152). O biopoder se insere e se desenvolve no entrosamento, na construção e na constituição dos indivíduos. Não somente agora incide na perspectiva do corpo do indivíduo, mas em toda população. Então, mesmo os massacres tornam-se vitais, pois é pela morte de uma parcela da populaçao que a outra garante vida. Se nas guerras se mata, não é mais pelo viés juridico do poder soberano, ma sim pelo viés biológico, para assegurar a ordem de uma população, se justificando daí um poder que “se situa e exerce ao nível da vida, da especie, da raça e dos fenomenos maciços de populaçao” (FOUCAULT,1988, p. 150).

Em docorrência do aumento da população, da formação das grandes metrópoles, o poder disciplinar se torna ineficiente. Então, o poder passa a atuar a partir da apreensão constante dos indivíduos, em que seu controle e produção não se dão unicamente por meio da aplicação e apreciação dos corpos individuais, mas se volta para todo um circunstancial do corpo população que é consentido por um maquinismo de poder político que se desempenha unilateralmente no nível de toda a espécie e que tem como alvo exclusivo a vida e seu desenvolvimento. Aparece então por assim dizer a instrumentalidade de poder que se somará ao poder de disciplina, que é a bioplítica. Trata-se, portanto, de uma nova técnica de poder que vai se implantar e se incrustar e se efetivar por meio de uma técnica disciplinar previamente instalada. Surgindo em complemento ao exercício disciplinar, porém, com aspecto mais geral, pois enquanto o poder disciplinar se ocupará do corpo individual, na biopolitica o que é importante, em princípio, é generalizar uma série de problemas, isto é, todos os aspectos do fenômeno população. Ao que essa nova técnica não disciplinar se aplica é à vida dos homens, isto é, não ao homem- corpo, mas ao homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, ao homem espécie

Com essa tecnologia do poder sobre a ‘população’ enquanto tal, sobre o homem enquanto ser vivo, um poder contínuo, científico, que é o poder de “fazer viver.” A Soberania fazia morrer e deixava viver. E eis que agora aparece um poder que eu chamaria de regulamentação e que consiste, ao contrário, em fazer e em deixar morrer (FOUCAULT, 1999, p.294).

A nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença (FOUCAULT, 1999, p.289).

3 Procedimentos metodológicos A presente pesquisa teórica consta de estudos de obras de Michel Foucault, tendo como fonte principal a obra História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. No primeiro momento da pesquisa utilizo a coletânea de textos de Foucault intitulada Microfísica do Poder, em que o objeto de investigação é o poder e sua atuação, sua presença em todas as relações humanas, ou melhor, dizer de um poder que não se encontra em um ponto específico. O estudo dessa compilação de textos foucaultianos se faz de grande necessidade na pesquisa, pois nos ajuda a entender que o poder não estar somente designado a uma ou outra relação, e sim que o poder permeia todas as relações, suscita todas as relações e seus aspectos, e não existe nenhuma relação que seja isenta de poder. Faz-se também importante a utilização da obra Em Defesa da Sociedade, pois, neste livro Foucault discorre sobre a passagem de um poder para outro, ou melhor, o autor descreve de forma bem clara os limites do poder isso consta especialmente no último texto desta obra.

Essa nova técnica de operação do poder que já deixa de ser individualizante e se torna massificante, apresenta “um conjunto de processos como a proporção dos nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população etc.” (FOUCAULT, 1999, p. 290). Tal tecnologia de poder se constitui na segunda metade do século XVIII, juntando-se com uma amostra de problemas econômicos e políticos, formando dessa forma os objetos de saber e os alvos de controle dessa biopolitica. O homem ocidental aprende pouco a pouco o que é ser uma espécie viva num mundo vivo, ter um corpo, condições de existência, probabilidade de vida, saúde individual e coletiva, forças que se podem modificar, e um espaço em que se pode reparti-las de modo ótimo (FOUCAULT, 1988, p. 155).

Neste contexto, a vida do homem aparece como objeto de aplicação de um poder centrado na vida e 304


Pesquisa em Foco 4 Resultados e discussão

apropriação de terrenos como da própria vida, no segundo momento o poder passa por mudança e se dissemina por toda parte e em todas as relações. Nesta pesquisa fez-se então primordial compreender de que forma a filosofia foucaultiana analisa os mecanismos de poder que se transformam e passam a agir sobre a vida e sua organização, de forma que a população passa a ser alvo e objeto direto de um novo procedimento de poder que visa produzir modos e estilos de vida.

Diante do exposto, Foucault mostra, assim, a exposição da transformação nos mecanismos do poder dentro da sociedade ocidental, destacando os seguintes aspectos: 1. Não se compreende absolutamente o poder quando se busca caracterizá-lo por sua função repressiva. 2. O que mais o interessa fundamentalmente ao poder não é eliminar os indivíduos da vida social, evitar o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, dominá-los em suas ações para que seja admissível e viável aproveitá-los ao máximo, utilizando suas habilidades, potencialidades e utilizando um sistema de aprimoramento gradual e ininterrupto de suas aptidões. A finalidade seria simultaneamente econômica e política. 3. Observemos uma regulamentação acerca da vida onde esta forma de administração centra-se “no corpo-espécie, o corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos”: (FOUCAULT, 1988, p. 152). Desta forma, cada indivíduo enquanto um e enquanto todos é depositário de um sustentáculo de procedimentos da vida. Estes artifícios são assumidos mediante todo um controle da população.

Referências DELEUZE, Gilles. Foucault. Brasiliense, 2005.

São

Paulo:

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 21. ed. São Paulo, julho de 2011. FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. FOUCAULT, Michel. Historia da Sexualidade I: A vontade de saber. . Rio de Janeiro; ed, Graal, 1998. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 23. ed. Rio de Janeiro, 1979. FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

5 Considerações finais Foucault mostra, assim, a exposição da transformação nos mecanismos de poder que não se exercerá mais primeiramente através da repressão, mas da produção de corpos dóceis, porque a vida neste momento se tornará o principal investimento do poder. A análise do autor vai ao encontro da mobilidade do poder exercida dentro da sociedade ocidental e que, se em num primeiro momento este aparece como repressivo, ou seja, que visa a confiscação e controle da circulação das riquezas e de

FOUCAUL, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 37ed. Petrópolis;Vozes, 2009. MACHADO, Roberto. Foucault, a ciência e o saber. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. VEYNE, Paul. Foucault: Seu pensamento, sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

305


Caderno de Experiências Marcelo Eduardo Leite Professor/UFCA marceloeduardoleite@gmail. com

UMA ANÁLISE DO PIONEIRISMO DE JEAN MANZON NO FOTOJORNAlISMO BRASILEIRO 1 Introdução

Júlio Pedro Araújo Riedl Jornalismo/UFCA juliopedroaraujo@hotmail.co m

requalificam. Dentre elas é pertinente citarmos, a Vu (1928) na França, Life (1936) e Look (1937) nos Estados Unidos e Picture Post (1938) na Inglaterra. Mesmo não demonstrando familiaridade com as novas tendências da área, já no começo do século XX, as revistas ilustradas já haviam chegado ao Brasil. A Revista da Semana, O Malho e Kosmos, são exemplos de publicações que já circulavam, porém elas usavam a fotografia em um modelo ainda bastante ultrapassado e de baixa qualidade técnica. Essas primeiras revistas brasileiras não conseguiram grande êxito no cenário nacional, sendo que nenhuma conseguiu se expandir além do Rio de Janeiro e muito menos inovar o uso da fotografia como linguagem independente (COSTA; BURGI, 2012, p. 11).

O presente artigo apresenta alguns dos resultados da pesquisa de Iniciação Científica que desenvolvemos na Universidade Federal do Cariri entre agosto de 2013 e julho de 2014. Nossa discussão aborda questões inerentes ao fotojornalismo produzido pela revista O Cruzeiro, marco na modernização do fotojornalismo brasileiro. Nosso intuito foi apontar algumas questões relacionadas aos processos ocorridos no decorrer do século XX, buscando entender a importância deste veículo inovador no fotojornalismo brasileiro e como se deram suas narrativas fotográficas durante diferentes períodos da revista. As mudanças na revista O Cruzeiro ocorrem, especificamente, após a chegada de Jean Manzon, francês que se tornou o responsável pela modernização dessa publicação. Manzon configurou-se numa ligação entre a modernidade editorial europeia e as revista brasileiras. Para melhor apresentar nossa reflexão mostramos alguns exemplos do uso da fotografia na revista antes e depois da reformulação implantada por ele na década de 1940. Dentre as modalidades existentes no jornalismo impresso, a revista O Cruzeiro se enquadra na categoria das revistas ilustradas. Esse modelo de publicação surge no final do século XIX, consolidando-se no início do século XX, particularmente na Alemanha, na qual temos a vanguarda de profissionais da área. Foi lá que surgiram publicações pioneiras no tocante ao uso da imagem juntamente com o texto, como, por exemplo, a Berliner Illustrierte Zeitung (1890) e Münchner Illustrierte Presse (1923), que se inserem nesta nova lógica, que deu aos fotógrafos maior autonomia e liberdade de criação (COSTA; BURGI, 2012, p. 303). Através desta junção de linguagens, os leitores tiveram acesso a uma nova forma de tratamento da informação, na qual texto e imagem se integraram (NEWHALL, 2006, p. 259). A difusão de tais conhecimentos para outros países se deu após a chegada de Hitler ao poder, em 1933, pois, devido ao total controle sobre a imprensa, houve a saída maciça de profissionais que buscaram outros locais de trabalho (NEWHALL, 2006). Foi nesse momento que vários profissionais gabaritados migram para outras nações, nas quais ou fomentam novas publicações, ou as

2 Metodologia: documental

análise

histórica

e

Projetada por Carlos Malheiros Dias, que antes trabalhara na Revista da Semana, O Cruzeiro foi o grande destaque na modernização do fotojornalismo brasileiro. Natural da cidade de Umbuzeiro, na Paraíba, o empresário Assis Chateaubriand foi quem impulsionou a imprensa em nosso país, tornado-se o maior empresário de comunicação de 1930 ao início dos anos 1960, sendo o líder dos Diários Associados, grupo que englobava vários veículos de comunicação, como jornais, estações de rádios e revistas (PEREGRINO, 1991, p. 16). O Cruzeiro entraria em circulação em novembro de 1928, e, anos depois, viria a prestar papel fundamental para a evolução do uso da fotografia no jornalismo em terras brasileiras. O Cruzeiro foi um marco em relação ao uso de fotografias em suas páginas, porém, em seus primeiros anos a revista não conseguiu romper com o padrão de uso da imagem como narrativa nas revistas brasileiras. Um dos grandes problemas do fotojornalismo da revista no seu começo foi o fato de fotografia e texto ainda serem linguagens heterogêneas, sem junção, o que motivou um atraso de O Cruzeiro em relação ao fotojornalismo de outros países (PEREGRINO, 1991, p. 21). Assim, essa ausência de um profissional com percepção de uma nova forma de construção editorial a fez usar a fotografia de forma meramente ilustrativa, sem fazer uso daquilo que as revistas mais tinham de inovador, uma linguagem híbrida que agregasse 306


Pesquisa em Foco imagem e texto na condução da narrativa jornalística. Antes da chegada de Jean Manzon, as imagens que vemos das matérias da O Cruzeiro são usadas sem muito critério, postadas muitas vezes de forma aleatória, para não dizer caótica. Silvana Louzada da Silva salienta que O Cruzeiro, no princípio da década de 1940, continha matérias voltadas ao público feminino, especialmente de comportamento, moda e culinária, que se misturavam aos anúncios em pequeno formato, as notícias pagas e algumas notícias já divulgadas em outros meios impressos (2004, p. 48). As matérias que usam imagens não apontam um equilíbrio em seu discurso, como podemos ver a seguir na reportagem que usamos como exemplo, na Figura 1, denominada Trabalho e Solidariedade Humana. Nela notamos uma distribuição das fotografias nas páginas numa forma de uso que não segue um padrão que venha a construir uma narrativa fotojornalística em particular, muito menos usa estratégias de articulação com o texto e recursos de diagramação. Sendo que, quanto à imagem, o cenário era de um uso precário, sobretudo com a diagramação das fotografias, quase sempre posadas e com estética repetitiva, além da falta de qualidade gráfica. Notamos também a falta de critérios com relação aos tipos gráficos escolhidos e os formatos da fotografia, além do constante uso de imagens inclinadas que acabam por desequilibrar a própria leitura e acompanhamento.

num empobrecimento da área. Além de não existir uma política ligada a ela, o número de profissionais era pequeno e os equipamentos ultrapassados. No exemplo da Figura 2, A Enxertia do Algodão Mocó, mais uma vez existe certa desorganização no uso do espaço, além da repetição no tocante aos enquadramentos do assunto abordado. Figura 2: O Cruzeiro, edição de 19 de Agosto de 1939

Observando atentamente fica clara a falta de critério na elaboração das páginas, tanto na escolha das imagens, com a mesma informação, como na sua disposição e organização espacial. Tal procedimento acaba provocando uma poluição visual que dificulta, inclusive, a própria interpretação da informação. Porém, no ano de 1942, é contratado o fotógrafo Jean Manzon, que integra os quadros com o intuito de mudar o perfil da revista, em especial com a mudança de seu padrão gráfico, injetando uma nova lógica de trabalho. O fotógrafo francês tinha vasta experiência em revistas ilustradas europeias, dentre elas a Mach e a Vu, nas quais teve a chance de participar de um período muito importante para a estruturação da fotorreportagem como linguagem. No Brasil, antes de ir para a revista, Manzon havia trabalhado para o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, criado pelo governo do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com o cargo ele conseguiu entrar em um circuito de celebridades, jornalistas e políticos que o ajudariam posteriormente na elaboração de pautas. A visão e experiência de Manzon no cenário vanguardista do fotojornalismo europeu foram base para o êxito da revista O Cruzeiro no jornalismo brasileiro durante as décadas de 1940 e 1950. Assim, notamos claramente os efeitos da participação de Manzon na estruturação do fotojornalismo da revista e, ao buscarmos a identificação das mudanças mais significativas, notamos que comparação se apresenta como um procedimento elucidador. Essa análise documental aponta como as mudanças trazidas por Manzon potencializaram o fotojornalismo com fenômeno de

Figura 1: O Cruzeiro, edição de 22 de Outubro de 1938

As imagens, em alguns casos, aparecem sobrepostas e as legendas não se articulam a uma narrativa definida. A forma de uso indica uma função meramente ilustrativa pouco tributária à linguagem recorrente nas revistas que circulam em outros países. A título de exemplo, podemos citar a revista Life, que nessa ocasião já desenvolvia uma narrativa fotográfica muito eficiente. Outra questão a se considerar é que, até então, a fotografia era vista como ilustrativa e isso implicava 307


Caderno de Experiências comunicação, na qual as fotografias marcaram época pela vitalidade de suas narrativas nos mais variados temas, como sociais, culturais e políticos (PEREGRINO, 1991, p.13). É importante entendermos que esse momento modifica a revista como um todo, pois foi dada carta branca para que o sobrinho de Assis Chateaubriand, Frederico Chateaubriand, então diretor da revista, executasse um plano de reformulação, no qual a mudança do papel da fotografia era central. Isso gerou uma nova concepção dos recursos visuais dentro das edições, além de abrir caminho para grandes modificações na diagramação e na arte. Depois de tais mudanças, muitos dos fotógrafos tinham à disposição dez páginas livres por edição, as quais eles poderiam utilizar com temas de sua livre escolha (COSTA; BURGI, 2012, p. 20). Além disso, foi dada uma nova visão sobre a arte fotográfica e ocorreram várias mudanças que iriam elevar bastante o nível do seu fotojornalismo. A reformulação de Frederico na direção da revista tem um resultado destacado por Nadja Peregrino (1991, p.19): no que se refere à fotografia, pode-se considerar que a valorização da linguagem fotográfica em O Cruzeiro introduziu um moderno conceito de editoração, consubstanciado pela ruptura com as formulas editoriais consagradas que, tradicionalmente, usavam o discurso verbal como fonte principal de informação na divulgação de notícias. O emprego da fotografia nesse projeto, consolidado a partir da II Guerra Mundial, propôs uma nova construção para o texto jornalístico, uma vez que ela passou a ocupar um espaço vem maior no corpo das matérias veiculadas.

As fotorreportagens ganharam papel de destaque nas publicações semanais, muitas vezes ocupando várias páginas e servindo de fio condutor, no qual os principais eventos e as principais notícias eram sempre representados por coberturas fotográficas. Manzon ainda foi o responsável pela iniciativa de se construir um laboratório bastante moderno, com equipamentos de ponta, seguido da indicação da contratação do jornalista David Nasser. Juntos eles trabalharam por quase toda a jornada de Manzon na revista, com perfis parecidos, os textos de Nasser seguiam uma linha de jornalismo moderno compatível com as fotografias, e essa afinidade entre os dois produziria várias reportagens marcantes. O Cruzeiro não era apenas a principal 308

revista brasileira, mas também o principal veículo de informação. Este foi o momento no qual a revista se aproximou daquilo que estava sendo feito na Europa e Estados Unidos (COSTA; BURGI, 2012, p. 18). Em terras europeias a fotografia havia se firmado como uma importante forma de informação, os fotojornalistas estavam indo fundo para transmitir histórias e eventos. Foi nessa época que correu uma evolução no tocante aos aspectos técnicos e gráficos, além das mudanças estruturais, na qual uma jovem equipe foi montada, com jornalistas e escritores de renome e vários fotógrafos contratados. Aos poucos, a reformulação segue seu caminho, como, por exemplo, com a contratação de grande quantidade de fotógrafos, formando uma equipe de mais de trinta repórteres fotográficos. Estes, por sua vez, delineiam dois grupos distintos. O primeiro, do qual Manzon era referência, contava também com Indalécio Wanderley, Peter Scheier e Ed Keffel, estes estavam mais voltados a uma imagem moderna do país, ligada aos ideais do governo. Este grupo faz fotografias usando máquinas de grande formato, principalmente a Rolleiflex. A outra linha, cujos fotógrafos que utilizam máquinas de pequeno formato, sobretudo a Leica, mais compacta e leve, seguindo à corrente de um fotojornalismo contemporâneo, estavam nomes como os de José Medeiros, Flávio Damm e Eugênio Silva (MAGALHÃES; PEREGRINO, 2004, p. 55). O grupo de Jean Manzon fazia aquilo que era visto como civilizado, urbano, ou seja, como a efetivação de uma ruptura entre o “atraso” e aquilo que é apresentado como “moderno”. Assim, tais linguagens estavam muito além de meras diferenças de enquadramento ou exercícios de composição, já que estava em jogo uma posição política. Independente dessas divisões, esta etapa é aquela que determina a evolução do fotógrafo como profissional. Desta maneira, além da nova diagramação, da divisão de tarefas e da importância dada à imagem fotográfica, é fundamental percebermos também seu papel na demarcação do fotógrafo como um narrador dos fatos. 3 Resultados e discussão A forma de uso da fotografia é tributária à lógica do uso da imagem nos anos anteriores, já que na virada do século XIX para o XX, a fotografia teve inicialmente uma função ilustrativa nos veículos impressos nos quais foram publicadas. Porém, aos poucos, designers, fotógrafos e editores engajam-se na construção de uma linguagem que aprimorou essa convergência de maneira que ela melhorasse a informação. Essa nova narrativa teve como característica principal a aliança entre fotografia e texto. Segundo Roland Barthes, o uso da fotografia


Pesquisa em Foco na imprensa faz com que a mensagem dela imprima o sentido da notícia, dando então uma nova lógica, já que antes a imagem entrava de forma complementar. O autor pontua que o texto acaba por ampliar os sentidos que já estão dados pela fotografia, insuflando-a (BARTHES, 1990). Da mesma forma Lorenzo Vilches (1987) indica que esse material noticioso é fruto de um conjunto de estratégias, opções técnicas, escolhas profissionais, que encaminham sua formalização na página da publicação, ou seja, não basta em tal processo um aprimoramento da fotografia, mas sim uma transformação na forma com que ela é pensada dentro da publicação. Além dessas mudanças nas concepções relativas à fotografia, na organização da equipe, é notória a introdução de conhecimentos relativos a diagramação, fazendo com que houvesse um equilíbrio na proposta agora apresentada (SILVA, 1985) Vejamos um exemplo do novo fotojornalismo da revista, numa reportagem cujo texto e imagem foram conduzidos pelo próprio Jean Manzon. Realizada em 1947 ela nos mostra os irmãos Vilas Boas na região do Araguaia e os apresenta como novos bandeirantes, desbravadores de um novo Brasil. As imagens apresentam grande equilíbrio e permitem ao leitor boa compreensão de aspectos variados. Além de fazer uso de grande espaço para as fotografias, existe ainda a preocupação em mostrar por meio de imagens aéreas o local, além de detalhes da moradia dos nativos e os personagens da história. Na disposição das imagens notamos a pluralidade de usos possíveis da linguagem fotográfica, com uma disposição que faz que as opções se complementem, fazendo um conjunto cujo sentido leva o leitor à compreensão dos fatos.

países distintos, tema muito trabalhado pela revista. Estão postos os opostos, o Brasil “atrasado” e o “moderno”, que chega pelo processo civilizatório, o qual a revista propagandeava. Figura 4: O Cruzeiro, edição de 23 de agosto de 1947

Acima, com o uso de uma imagem panorâmica que ocupa os dois lados superiores da página dupla, o recurso é dar ao leitor uma visão geral do espaço no qual o fato acontece. Essa possibilidade de permitir melhor compreensão do fato. Abaixo mais quatro imagens detalham o espaço da aldeia e mostra os personagens da narrativa, indígenas de um lado e colonizadores de outro. Figura 5: O Cruzeiro, edição de 23 de agosto de 1947

Figura 3: O Cruzeiro, edição de 23 de agosto de 1947

Fechando a fotorreportagem vemos fotografias que indicam de forma bem evidente a efetivação do processo anunciado, no qual o estado incorpora aquele que seria o Brasil selvagem, atrasado, as espera da possibilidade de transcender para um patamar superior. Duas fotografias chamam mais nossa atenção com relação a isso, aquela na qual um dos visitantes dorme numa rede presa ao avião, demonstrando uma clara separação entre sua posição e a dos nativos. A outra fotografia, que fecha a fotorreportagem, uma bandeira é hasteada,

Acima, na primeira fotografia ocupa a página inteira, observamos uma cena na qual os nativos saúdam um avião que aparentemente decola. Seu caráter é introdutório indicando uma relação de cordialidade entre os visitantes e os indígenas. Na página seguinte vemos o momento no qual ocorre o encontro entre os irmãos Villas Boas com os índios, configurando imageticamente o contato entre dois 309


Caderno de Experiências explicitando a imponência do estado nacional diante das suas regiões mais remotas. Além da clara introdução de uma forma narrativa na qual a fotografia tem um papel determinante, fazendo uso de sua grande capacidade informativa, notamos também que a revista tem um ganho substancial com a importância dada para a realização das fotorreportagens na O Cruzeiro, e é isso que a coloca como o veículo mais destacado do grupo de Assis Chateaubriand. Podemos dizer que foi essa a formula que acelera o crescimento do grupo, pois ela atrai o público brasileiro para temas nacionais e internacionais. O Cruzeiro foi inovador ao, em vez de comprar reportagens de agências estrangeiras, enviar fotógrafos para fazer diversas coberturas internacionais (COSTA; BURGI, 2012, p. 24). Essa exportação de fotógrafos brasileiros para fotografar pelo mundo foi extremamente importante para a valorização do fotógrafo. Por outro lado, havia grande interesse pessoal de Assis Chateaubriand nessas coberturas internacionais, tanto com relação às vendas, já que as tais coberturas despertavam a curiosidade do público que se motivava a comprar as edições da revista. Bom exemplo foi o período da segunda guerra mundial, como também na divulgação do que se era chamado de Americanismo. Chateaubriand era assumidamente anticomunista, apoiador do liberalismo econômico e também da injeção de capital estrangeiro em terras brasileiras, e ele viu em O Cruzeiro o veículo perfeito para disseminar imagens que claramente mostravam a admiração ao glamour das estrelas de Hollywood e ao desenvolvimento e o modernismo do capitalismo, criando um cenário ideário do progressismo americano (COSTA; BURGI, 2012, p. 25). Desta forma, notamos que a revista inaugura muito mais que uma diagramação na qual as fotografias ganhavam vibrações e dramaticidade, mas sim um processo no qual ela ganha espaço como ferramenta de produção da notícia, valorizando o fotojornalismo e o fotojornalista. Esse modelo procura transmitir, em imagens impressas, o imaginário que uma nação tem dos maiores centros, Rio de Janeiro de São Paulo, os quais só são conhecidos por rádio (KAZ, 2006, p. 6). A partir deste momento, a fotorreportagem ganhou um perfil próprio, modificando a lógica e mudando paradigmas por meio de um discurso que busca ainda a afirmação da nação.

possibilidades para a fotografia na imprensa (PEREGRINO, 1991, p. 104). Nos anos 50, após a enxurrada de mudanças, o uso da fotografia na revista se tornou equilibrado, texto e figuras passaram a ter diagramação harmônica, em uma proporção que ajudava e estruturava a narrativa das reportagens. Essa maturidade, junto à qualidade técnica, a visão mais complexa da fotografia e a união da fotografia com o texto de forma equilibrada são as grandes heranças que Manzon deixara na revista. Porém seu papel vai muito além da reestruturação de diagramação, também sendo fundamental para uma nova organização editorial dentro da redação de O Cruzeiro, em um modelo que valorizou a fotografia como linguagem e o fotógrafo como jornalista. Jean Manzon deixa a revista até 1952, quando vai para a Manchete, nova revista ilustrada brasileira. Seu tempo na Manchete foi curto e ele logo partiu para a produção cinematográfica, produzindo principalmente documentários comerciais e filmes institucionais (SILVA, 2004, p. 63). Porém seu papel inovador dentro de O Cruzeiro é que ficou na história do jornalismo e da fotografia no Brasil. Manzon deixara na publicação um fotojornalismo devidamente estruturado, sendo os anos subsequentes um período no qual vários trabalhos significativos são publicados, com grande destaque as reportagens de José Medeiros e Flávio Damm. Dessa maneira, essa aproximação que aqui trazemos com nossa pesquisa, indica que o fotojornalismo de O Cruzeiro teve na chagada de Jean Manzon um fator definitivo que a colocou em igualdade com o fotojornalismo produzido mundialmente. Referências BARTHES, Roland. O Óbvio e o Obtuso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. COSTA, Helouise; BURGI, Sérgio (Org.). As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2012. KAZ, Leonel. O olho da Rua: o Brasil nas fotos de José Medeiros. Rio de Janeiro: Aprazível, 2006. MAGALHÃES, Angela & PEREGRINO, Nadja Fonseca. Fotografia no Brasil – Um olhar das origens ao contemporâneo. Rio deJaneiro: FUNARTE, 2004.

Considerações Finais Na década de 1940 O Cruzeiro evoluiu muito a qualidade de suas fotorreportagens, as fotografias da revista deixaram de ser meramente ilustrativas e a profissão de fotógrafo ganhou dimensão e destaque, criando um novo universo de

NEWHALL, Beaumont. Historia de la Fotografía. 2 ed. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 2006.

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Pesquisa em Foco SILVA, Silvana Louzada. Fotojornalismo em Revista: O Fotojornalismo de O Cruzeiro e Manchete nos governos Juscelino Kubitschek e João Goulart. Niterói: PPGC/UFF, 2004.

PEREGRINO, Nadja. O Cruzeiro: a revolução da fotorreportagem. Rio de Janeiro: Danzibao, 1991.

SOUSA, Jorge Pedro. Introdução à Análise do Discurso Jornalístico Impresso. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.

VILCHES, Lorenzo. Teoria de la imagem periodística. Madri: Ediciones Paidós, 1987.

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Caderno de Experiências Carla Adelina Craveiro Silva Jornalismo/UFCA carla.a.craveiro@gmail.com

NORDESTE: A ARTE DO DESCOBRIMENTO NA FOTOGRAFIA DE THOMAZ FARKAS

Marcelo Eduardo Leite Professor/UFCA marceloeduardoleite@gmail.c om

1 Introdução

2 Trajetórias na análise da fotografia

No século XX, as inovações técnicas, iniciadas desde a segunda metade do século XIX, culminaram na expansão do acesso à fotografia não só como um objeto cuja posse era desejada, mas também como uma atividade que trazia uma possibilidade de expressão antes restrita a fotógrafos profissionais. Desde o seu surgimento, os estúdios de retratistas se destacaram, pois, para estes, o tamanho dos equipamentos e a complexidade no manejo não se fazia um empecilho que inviabilizasse o fazer fotográfico. Neles, as condições de luz e o espaço eram manipulados para que os resultados agradassem ao fotógrafo e aos clientes. Porém, fotografar em ambientes externos ainda era um desafio devido à dificuldade de transporte dos instrumentos e, principalmente, pelo longo período de exposição que o processo necessitava, o que impossibilitava o registro de elementos móveis. Nesse contexto, o aparecimento do filme de rolo da Kodak e a diminuição do tamanho das câmeras determinam a melhoria técnica que viabiliza que ambientes externos sejam retratados com maior nitidez. O que não significa que esses ambientes não fossem fotografados antes, porém, a partir desses avanços, a fotografia se apresenta sob novas possibilidades permeadas pela instantaneidade do ato fotográfico e pela maior facilidade de transporte das máquinas que se somam à discrição e ao improviso, então disponíveis ao fotógrafo. Consequentemente, o desenvolvimento da fotodocumentação se intensifica. Tal prática se assume como uma forma de registrar a realidade tendo por objetivo captar imagens de lugares distantes, paisagens exóticas e situações conflitantes, e enfatizando o envolvimento de seu realizador com o tema abordado. Produções que se inserem nessa perspectiva são destaques do trabalho de fotógrafos cuja atuação se deu principalmente no século XX. Entre elas encontrase a de Thomaz Farkas, húngaro-brasileiro que transitou por diferentes vertentes da produção imagética. Ao voltar seu olhar para o Nordeste do Brasil, Farkas produziu uma série de fotografias às quais estão direcionadas as reflexões deste trabalho, que tem por objetivo analisá-las e compreender a forma como ele construiu sua visão particular da região.

No processo de compreensão da mensagem fotográfica, além das questões técnicas que a envolvem, faz-se necessário que se considere a relação entre o fotógrafo e a situação fotografada. Ao propor uma análise das imagens fotográficas deve-se considerar a importância da compreensão do seu processo de criação, incluindo o conhecimento dos seus preceitos técnicos e culturais e da relação entre o fotógrafo e o meio que representa. Tais considerações são apontadas pelo pesquisador Boris Kossoy em suas obras e são assumidas neste trabalho como bases teóricas. Deter-se ao estudo relacionado à mídia é, também, buscar compreender como se constroem suas mensagens. Independentemente da temática, tais elementos são pistas que podem nos levar a entender as bases sobre as quais as expressões comunicacionais repercutem uma determinada situação na sociedade. Nos termos de Kossoy, a fotografia resulta da associação de seus elementos constitutivos e de suas coordenadas de situação. Os primeiros seriam os elementos que proporcionam a efetivação do ato fotográfico, são eles: a tecnologia, o assunto e o fotógrafo. Os segundos constituem os componentes inerentes a qualquer imagem fotográfica e que implicam a existência de um contexto histórico do qual a fotografia não se desprende, neste caso, trata-se do tempo e do espaço nos quais o ato ocorre (KOSSOY, 1999, p. 25). Kossoy defende que o fotógrafo faz da técnica um instrumento de articulação com seu repertório cultural constituindo assim uma representação da realidade, marcada pela direta interferência do fotógrafo e fruto de sucessivas escolhas que determinarão a mensagem construída na imagem fotográfica (1999, p.30). Nesta perspectiva, faz-se importante ao método de análise entrevistas, textos críticos e materiais por meio dos quais a obra foi publicada. Eles permitem que se conheçam características pessoais e do trabalho do fotógrafo, além de detalhes do processo de elaboração da série fotográfica Assim, pelo cruzamento dessas informações, pode-se realizar a análise das imagens.

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Pesquisa em Foco 3 Thomaz Farkas

como símbolo de progresso para o país e que, no entanto, é representado em suas fotografias de maneira a tensionar o contraste entre a exuberância das obras e as condições de vida dos operários das construtoras, Farkas é o personagem que registra a concepção da cidade sob perspectivas diversas, além de lançar um olhar crítico sobre as situações que encontra. O rompimento com o caráter mais artístico apresentado nas imagens fotoclubísticas e os seus posteriores trabalhos, desde as séries urbanas, que datam meados de década de 50, até a série sobre Brasília, realizado entre 1957 e 1960, inserem Farkas em um contexto de inquietação no cenário cultural brasileiro. Nesse sentido, ele se apresenta como um observador que tem a liberdade de transitar por vários territórios, fazendo do domínio da técnica e da sua inquietação intelectual um diferencial. Farkas teve contato direto com as vanguardas artísticas da época. Nesse período, aproximou-se da concepção de expressão artística ligada à finalidade social e preocupada em relatar um país que não seria reconhecido por sua própria população, ideal que ganhou vigor com movimentos como o Cinema Novo e a Tropicália. Seu trabalho vai, então, além do campo da fotografia. Ele passou a ter atuação de destaque na produção videográfica, na qual se vê sua inquietação sobre os temas brasileiros que, até então, não tinham sido relevados nas produções do país. O marcante domínio da técnica na sua formação, aliado à atividade empresarial e ao clima de movimentação político-cultural da década de 60, além da experiência com o cinema, geraram a idealização de documentários cujo intuito era mostrar a cultura brasileira em toda sua diversidade. A finalidade era abordar aspectos socioculturais de regiões cuja visibilidade era escassa e que demonstravam, apesar da aparente dimensão arcaica e desorganizada, construções de sentido diferenciadas e simultaneamente importantes para o conhecimento da cultura brasileira. Antes da ida a campo, os realizadores do projeto faziam pesquisas sobre o local que pretendiam filmar levantando dados sobre suas questões políticas, econômicas e culturais. Os documentários foram feitos entre 1965 e 1978, e, ao todo, são 51 filmes. (MACHADO; MASSI, 2006, p.140). Eles estão divididos em duas séries. A primeira foi feita em preto e branco, mas o contraste causado pelas imagens não agradou as emissoras de televisão. Segundo Farkas, as emissoras alegaram a presença de muita miséria nos documentários2. A segunda série foi realizada em cores com a finalidade de superar a dificuldade de veiculação enfrentada com os primeiros documentários. O projeto inicialmente chamado de “A Condição Brasileira” ficou conhecido como Caravana Farkas. Nele, atuaram cineastas como Paulo Gil Soares, Eduardo Escorel e

Thomaz Jorge Farkas nasceu na Hungria e foi naturalizado brasileiro, país para o qual veio aos seis anos de idade. Desde muito jovem estava em sintonia com os avanços técnicos, tanto por sua ligação com a empresa de materiais fotográficos de sua família, a Fotóptica1, como por seu contato com as novas propostas estéticas, por ser um dos mais atuantes membros do Foto Clube Bandeirante. Sobre os fotógrafos do movimento fotoclubista no Brasil, afirma Fernandes Júnior (2003, p. 142), “[…] concretizaram uma atitude diferenciada na produção fotográfica ao proporem a instauração de novos conceitos para a prática da fotografia e a busca de uma marca autoral em seus trabalhos.” Apesar de a sua iniciação no fazer fotográfico ter ocorrido nesse ambiente, os trabalhos de Farkas apresentam fases diversas nas quais o discurso fotográfico transgressor é marcante. Ele não é abandonado, embora os cenários e as propostas estéticas tenham mudado. O desenvolvimento de um discurso fotográfico próprio, por meio do uso da técnica como forma de expressão que engloba múltiplos temas e incomuns composições, fez de Thomaz Farkas um fotógrafo conhecido e premiado. Seus trabalhos foram expostos em salões nacionais e internacionais. Ele foi o primeiro a expor no Masp (Museu de Arte de São Paulo) em um espaço exclusivamente destinado à fotografia, em 1949. Porém, Farkas distanciou-se da lógica de produção do Fotoclube. “Artista inquieto, em pouco tempo Farkas abandonou o fotoclubismo para se dedicar ao cinema amador. Sua atividade como fotoclubista estendeu-se somente até o começo da década de 50.” (COSTA; SILVA, 2004, p. 43). A partir desse processo de mudança, a fotografia de Thomaz Farkas acentua uma característica que já estava presente nos seus trabalhos, para Fernandes Júnior, ele elaborou “[...] uma visão fotográfica moderna trazendo para sua fotografia novos e inusitados ângulos de tomada, cortes e aproximações geométricas de luz e sombra. (2003, p.146-147). São dessa fase as séries de Farkas sobre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, nas quais, além dos cenários urbanos, estão presentes fotografias de grupos de dança, especificamente de balé, que se apresentavam nos teatros paulistas e cariocas. Outro de seus trabalhos relevantes é sobre a construção e inauguração de Brasília. Se, nas séries urbanas, a fotografia se apresenta com o intuito de retratar a tensão causada pela dramaticidade do movimento e de salientar a construção experimental — onde se mistura o registro do cotidiano das pessoas com a ênfase nas obras arquitetônicas — nas imagens que retratam Brasília seu trabalho se aproxima de um viés documental. Nesta série, ao retratar um ambiente concebido 313


Caderno de Experiências Geraldo Sarno, entre outros profissionais. Os ambientes retratados vão desde a periferia carioca até o interior do Nordeste. Nas suas declarações sobre a Caravana ele se define quanto ao seu papel nas produções: “Nunca me entendi como mecenas. Era uma ambição política fazer aqueles filmes. E evidentemente era época para isso.”3 Esse projeto se mostra preocupado em retratar, nos documentários, pessoas, usos e costumes de um Brasil distante geográfica e socialmente dos centros urbanos instituídos como irradiadores culturais. Com relação à fotografia, pretende-se entender como tal inquietação gerou séries fotográficas que tenham o Nordeste como assunto; sejam elas contemporâneas à realização da Caravana ou posteriores. Nesse sentido, buscam-se vestígios, na sua produção fotográfica, do Brasil por ele “redescoberto” por meio do cinema documental, mesmo considerando que a produção dos filmes foi, para Farkas, uma nova fase da trajetória. A declaração de abandono da divulgação fotográfica para a dedicação ao cinema documentário não implica na inexistência de fotografias produzidas durante essa fase. Em 2006, veio à tona uma série de imagens do fotógrafo até então desconhecidas, publicadas no livro Notas de Viagem, onde consta uma série de fotografias feitas por ele nos anos 70 (FARKAS, 2006). Esta série abrange os ambientes do Norte e Nordeste brasileiros. Assim, este trabalho analisará algumas dessas imagens feitas no Nordeste, buscando compreender como ele interpretou fotograficamente esta região, fomentando uma aproximação que evidencie suas formas de representação na fotografia brasileira.

região” (2006, p. 101). Logo, a compreensão do Nordeste pauta-se nas suas múltiplas realidades culturais, econômicas e sociais, e não na divisão geográfica instituída, apesar de o fator físico ser explorado com ênfase nas suas representações. A seca e suas conseqüências, as paisagens litorâneas, as manifestações religiosas, os ritos, as danças e outras expressões culturais são temas recorrentes quando o Nordeste é abordado. O que não se constitui como um equívoco, exceto quando a postura diante dessa diversidade se instaura a partir de uma visão homogeneizada, marcada pela negação das diferenças e das contradições que essa região abarca. A respeito da produção fotográfica brasileira, Angela Magalhães e Nadja Peregrino indicam: o Nordeste, como referencial da obra de diversos fotógrafos contemporâneos, surge constantemente em diversas produções, que enfocam desde o emblemático ciclo das secas e dos retirantes nordestinos, até as tradições culturais e sociais que se inscrevem de forma arquetípica na representação fotográfica da experiência da vida nordestina (1998, p. 245).

Sua série colorida produzida na década de 70 por Farkas se diferencia dos seus trabalhos anteriores. Não só pela exploração das cores, contrapondo-se ao preto e branco predominante nos trabalhos fotoclubistas e nas séries urbanas, mas pelo caráter fotodocumental das imagens. Pelo olhar que, ao mesmo tempo em que promove um aprofundamento do que se sabe sobre uma determinada realidade/situação, ainda está descobrindo-a, pois as imagens relatam uma cultura até então desconhecida ou não explorada pelo fotógrafo.

4 O Nordeste na fotografia brasileira Ao colocar-se diante de uma determinada realidade o que o fotógrafo faz é expurgar suas impressões e intenções por meio do registro fotográfico. Tal registro se constitui, então, como produto das internalizações das especificidades culturais de uma situação vivida por ele, um produto que devido a essa relação não se desprende de quem a idealizou, do processo técnico que a viabilizou e de tudo aquilo que é nela representado. A fotografia é transgressora, pois através de uma construção extremamente individual pode-se tentar compreender os pressupostos dos discursos imagéticos e/ou textuais numa esfera mais ampla acerca do espaço e do período representado. Quando proposta a análise da representação da região Nordeste nas fotografias de Thomaz Farkas, entende-se o sentido da palavra região da forma como coloca Albuquerque Junior: “Cada região é esse conjunto de fragmentos imagéticos e enunciativos, que foram agrupados em torno de um espaço, de uma ideia inicialmente abstrata de

Trata-se, então, de reconhecer nesse processo, uma dialética que se estabelece entre o fotodocumentarismo e a cultura, reatualizada nas imagens que circulam como um traço da memória social. Conseqüentemente, a fotografia documental passa a ser, também, um reflexo das questões culturais (MAGALHÃES; PEREGRINO, 1998, p. 245)

Assim, pensar o Nordeste fotografado é, também, reconhecê-lo como um conjunto de manifestações, acontecimentos, ritos e falas, que, interpretadas pelos fotógrafos que neste universo mergulham, geram leituras desta mesma realidade. Se por um lado há pareceres pessoais nas fotografias, por 314


Pesquisa em Foco outro, delas emanam a força das realidades que deste contexto emergem.

segundo plano está desfocado e a imagem do sertanejo com um chapéu de couro próximo a um galho espinhoso de uma árvore assume relevância maior devido a isso. Do ponto de vista documental, mostra a habilidade do homem que lida cotidianamente com a situação de falta de água no ambiente no qual está inserido, o que surge como o foco da intencionalidade do fotógrafo.

5 O Nordeste descoberto por Thomaz Farkas O olhar de Thomaz Farkas neste trabalho fotográfico é antes de tudo, um exercício de partilha. Pois a forma como os elementos do campo do visível são organizados, remetem o conjunto de imagens ao reconhecimento de um fotógrafo ainda em processo de descoberta do espaço, mas que, no entanto, está ciente da necessidade de integração com as pessoas e situações a serem fotografadas, e assim o faz. As imagens desta série produzida nos anos 70 são, nesse sentido, o resultado da troca de experiência e da mútua valorização que se deu entre o fotógrafo, o meio e as pessoas que o constituíam. Segundo Fernandes Junior, as fotografias de Farkas feitas no Nordeste possuem características que dialogam com o trabalho de fotógrafos como Anna Mariani e Mario Cravo Neto, entre outros. Sobre a série colorida a qual pertencem as fotografias a seguir analisadas, o autor defende que:

Figura 2 – Detalhes da Cultura Sertaneja – Homem rodeado de couro

Fonte: FARKAS, 2006, s/ página.

Na figura 2, há um sertanejo sem camisa apoiado em uma corda na qual estão penduradas peças de couro para secagem. Ele usa um chapéu de palha e sua postura transmite a ideia de rigidez e cansaço ao mesmo tempo. Por ser um homem magro, seus ossos estão visíveis e se destacam em relação a sua expressão facial que está recoberta pela posição de seus braços. As peças de couro dão uma espécie de textura à fotografia, e, contrastam tanto com a vegetação no segundo plano quanto com o tecido jeans da calça que o homem está vestindo. Cada espaço configura uma relação diferente do indivíduo com o meio, nas imagens 1 e 2 Farkas representa tais diferenças. Tanto a secagem de couro quanto o conhecimento das plantas que acumulam água em seu interior são formas de lidar com a realidade na qual vivem. Sendo situações adversas ou não, essas representações de Farkas não são uma denúncia. Elas são a forma que ele encontra de desvendar o território nordestino.

Farkas consegue antecipar uma totalidade de possibilidades visuais, que décadas depois emergem por partes, e em diferentes trabalhos. Ele transita com fluência em várias alternativas visuais, demonstrando em seu olhar cultivado um especial potencial criativo que soube perceber e fotografar situações ainda em estado latente e que clamavam por visibilidade (FERNANDES JR, 2006, p. 16). Figura 1 – Detalhes da Cultura Sertaneja – Homem bebe água

Fonte: FARKAS, 2006, s/ página.

As figuras 1 e 2 mostram detalhes da cultura sertaneja, dando ênfase a peculiaridades da vida das pessoas na região. Na figura 1 se vê representado um homem que bebe água proveniente da parte interna de uma planta. O 315


Caderno de Experiências Figura 3 – Retrato de músico da região do Cariri

a partir de um processo de escolha que envolve uma trama complexa entre o fotógrafo e a realidade cultural que representa (KOSSOY, 1999, p. 27). Figura 4 – Vendedores ambulantes

Fonte: FARKAS, 2006, s/ página. Fonte: FARKAS, 2006, s/ página.

Desperta a atenção, na figura 5, o fato do primeiro plano estar desfocado. Tal opção dá ênfase aos elementos do segundo plano no qual estão três homens, apesar de haver outras pessoas na cena, nesta representação Farkas destaca uma situação que pode ser comum para os que se encontram no espaço representado, mas para o fotógrafo se apresenta como algo novo. Essa imagem apresenta uma característica desse trabalho de Farkas nesta série, a presença de interferências visuais, elementos que na hierarquia de valor são menores, mas que na situação do ato fotográfico não havia possibilidade de serem tirados e, então, são aproveitados por ele na composição. A vestimenta dos homens e a grande quantidade de pares de óculos que um deles segura, provavelmente por se tratar de um vendedor ambulante, trazem para a fotografia um teor inusitado. Esse registro feito no sul da Bahia traz a percepção de que Farkas, na produção dessa série fotográfica, não abandona sua preocupação estética e o seu conhecimento técnico. Porém, abre mão do geometrismo para ao invés de dialogar com as formas, articular gestos, corpos e expressões faciais. É a valorização humanística se sobrepondo aos pressupostos artísticos das fases de atuação anteriores do fotógrafo.

A figura 3 é um retrato de um músico da região do Cariri. Ele usa uma camisa de cor clara, chapéu de palha e segura um instrumento, uma espécie de tambor artesanal. O músico parece estar em um local mais elevado que as outras pessoas, algo como um tablado ou varanda. O segundo plano está desfocado, e a figura do músico está bastante nítida, há uma ênfase em relação a ela. Outras pessoas são representadas no momento, mas estas, que mostram rostos que denotam curiosidade, não estão totalmente nítidas. A representação do músico é o elemento visual que se destaca na imagem, ela ganha um significado próprio por meio da expressividade do personagem e da importância que lhe foi dada no registro. Apesar da existência de outros elementos, uma mão que segura outro tambor, as pessoas, a casa no segundo plano, o que desperta o olhar é a figura dele. Sua postura é a de quem reconhece a razão pela qual está sendo retratado, já a de Farkas é a de quem está prestes a descobri-la, ela só fará sentido dentro da trama que envolve a relação entre o relato fotográfico, a intencionalidade do fotógrafo e a realidade representada. Um detalhe chama a atenção, a palavra Crato escrita no tambor, indicativo de que pode ter sido feita nesta cidade do Ceará. Se a realização dos documentários trazia a necessidade de uma pré-produção que, como anteriormente citado, consistia numa pesquisa sobre o contexto do local que seria vídeodocumentado, a aproximação fotográfica de Farkas no mesmo ambiente se dá de forma despretensiosa, sem roteiros, tímida até. O Nordeste que é representado por Farkas não é o das grandes festas folclóricas vistas do seu clímax ou o Nordeste dos retirantes cercados pelo chão rachado, embora tais situações estejam presentes na cotidianidade da região. É aquele das cenas tiradas das situações rotineiras, banais, aparentemente inexpressivas, mas que se destacam

Figura 6 – Menino montado em jumento

Fonte: FARKAS, 2006, s/ página.

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Pesquisa em Foco Na figura 6, visualiza-se a representação de um menino que monta um jumento no sertão nordestino. Diferentemente de algumas fotos anteriores, o primeiro e o segundo plano estão nítidos. O animal de carga é um elemento bastante explorado nas representações acerca da região Nordeste. Tal elemento assume, então, um valor simbólico no âmbito das referências à região nordestina. Nesta imagem Farkas a explora de forma a valorizar não apenas o elemento tomado como símbolo, mas a relação que se estabelece entre o menino, o ambiente e o animal utilizado no auxílio de atividades ligadas ao cotidiano das pessoas, o transporte de água ou mantimentos, neste caso. Assim, as figuras que elege para fotografar se relacionam a situações que passam a ser acessíveis a sua percepção; a de alguém que pertence a outra realidade cultural, mas que por meio do olhar intimista e inquieto constrói uma narrativa fotográfica aprofundada e impactante.

pela valorização daquilo que surge e o assalta ao ponto de merecer um registro. Referências ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. - 3. ed - Recife:Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2006 COSTA, Helouise & SILVA, Renato Rodrigues da. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004. FERNANDES JUNIOR, Rubens. Labirintos e identidades – Panorama da Fotografia no Brasil 1946-98. São Paulo: Cosac Naify, 2003. FERNANDES JUNIOR, Rubens. “Farkas colorido. Viva!” In: FARKAS, Thomaz. Thomaz Farkas, Notas de Viagem. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 8 – 21.

Considerações finais FARKAS, Thomaz. Thomaz Farkas, Notas de Viagem. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

O que esse trabalho fotodocumental de Farkas deixa transparecer é a construção de uma visualidade da região pautada na postura de descobridor que o fotógrafo assume durante a realização dos documentários da Caravana. As faces desfocadas em detrimento de outras, as cenas cotidianas, a ênfase nas expressões faciais das pessoas representadas e a valorização da relação homem-ambiente revelam um fotógrafo antropologicamente envolvido organizando uma espécie de diário de bordo fotográfico. A atuação de Thomaz Farkas nesta produção é bastante peculiar, se comparada com seus trabalhos anteriores. O reposicionamento de Farkas nessa série reflete duas coisas: a necessidade de se expressar diferentemente quando inserido em um contexto também diferenciado, e, a estruturação de uma visualidade simples, sem extravagâncias estéticas e intencionalidades rígidas. O Nordeste em cores de Farkas é o Nordeste plural expresso de forma não totalizante, mas que, no entanto, ficou oculto durante três décadas. Apesar do longo período no qual ficaram publicamente inacessíveis, tais imagens delatam um indivíduo culturalmente imerso numa realidade da qual emergem representações fotográficas marcadas pelo olhar aguçado, pelo interesse humanístico e, sobretudo,

FARKAS, Thomaz. Otimista e delirante, mas nem tanto. Revista Fapesp 131. São Paulo, 2007. Entrevista concedida a Mauriluce Moura e Neldson Marcolin, p. 1-10. Disponível em: < http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3129&bd =1&pg=1&lg >. Acesso em: 28 de fevereiro de 2011. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999. MACHADO, Alvaro; MASSI, Augusto. “Entrevista e Cronologia” In: FARKAS, Thomaz. Thomaz Farkas, Notas de Viagem. São Paulo: Cosac Naify, 2006. MAGALHÃES, Angela; PEREGRINO, Nadja. O regionalismo nordestino e suas marcas na fotografia brasileira. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: IPHAN, n. 27. p. 242-268, 1998. Thomaz Farkas, brasileiro. Direção de Walter Lima Junior. Rio de Janeiro: Cine do Tempo e Urca Filmes, 2004, (15 min).

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Caderno de Experiências Priscila Luz Abraão Comunicação Social/UFCA priscila@ufca.edu.br

A RELAÇÃO COTIDIANA DA UFCA COM A MÍDIA: O ESTUDO DE CASO DA NEWSLETTER “UFCA NOTÍCIAS”

José Anderson Freire Sandes Professor/UFCA josesandes@cariri.ufc.br

1 Introdução

2 Fundamentação Teórica

A Coordenadoria de Comunicação da Universidade Federal do Cariri, criada em 05 de junho de 2013, convive com dois grandes desafios no campo da Comunicação Social. O primeiro se refere a um trabalho gradativo de construção da identidade, uma vez que se enfrenta o que Dehaene (2012) caracteriza por uma “reciclagem neuronal”: é preciso chegar ao público a informação de que não se trata mais da Universidade Federal do Ceará (UFC), mas Universidade Federal do Cariri (UFCA). Uma letra a mais na sigla, mas um esforço neurocultural para reaprender e familiarizar-se com a mudança. O segundo desafio da Coordenadoria consiste em estar à frente da dinâmica de implantação em relação aos demais órgãos da autarquia. A Universidade Federal do Cariri se encontra em fase de tutoria (cooperação técnica) sob a Universidade Federal do Ceará (Diário Oficial da União, 2013). A Coordenadoria de Comunicação, por sua vez, precisa desenvolver mecanismos de atendimento interno e externo visando à identidade, linha editorial, estrutura e profissionais próprios ao longo deste processo, ao mesmo tempo que também se encontra em implementação. O presente relato de experiências visa analisar estes dois desafios inerentes ao processo de construção da Coordenadoria de Comunicação da UFCA, observadas no objeto de pesquisa selecionado, qual seja o boletim de notícias ou a newsletter “Notícias UFCA”, publicação eletrônica semanal pioneira do órgão. A peça é desenvolvida sob a missão de consolidar o vínculo periódico entre a instituição de ensino e a mídia, ao passo em que leva a marca da UFCA para a população por meio do relacionamento com os meios de comunicação. Neste artigo, propomo-nos observar a relevância da peça na rotina e no rol de produtos da Coordenadoria de Comunicação da UFCA, analisar a estrutura jornalística da newsletter sob a perspectiva da rotina e verificar o alcance do boletim/newsletter nos meios de comunicação que o recebem. Tais objetivos foram suscitados no decorrer do primeiro mês de lotação na Coordenadoria de Comunicação em que, na rotina do órgão, autora servidora e orientador coordenador debateram e executaram ações em torno do objeto em análise.

O processo de desenvolvimento da newsletter “UFCA Notícias” no ambiente acadêmicos expressa significados históricos no campo do Jornalismo. Produzir tal peça infere o trabalho de uma das áreas mais recentes tanto para o mercado de trabalho e mais ainda para a universidade: a Coordenadoria de Comunicação. O órgão é uma demanda institucional da assessoria de imprensa, definida por “serviço prestado a instituições públicas e privadas, que se concentra no envio frequente de informações jornalísticas, dessas organizações, para os veículos de comunicação em geral” (FENAJ, 2007). Os primórdios da assessoria de imprensa são identificados no início do século XX nos Estados Unidos (TRAQUINA, 1991), mas chegam ao Brasil nas décadas de 1970 e 1980, com a difusão da comunicação empresarial, posteriormente denominada por comunicação organizacional (TORQUATO, 2010), na qual as “organizações, como microssociedades, fazem parte do sistema social global, achando-se sujeitas a todas as turbulências ambientais provocadas por uma sociedade envolvida, de forma crescente, no fenômeno da globalização, e que exigirão respostas cada vez mais rápidas no que se refere à comunicação” (KUNSCH, p.15). As Instituições de Ensino Superior (IESs) perceberam que, de formadoras passaram também a ser mercado de trabalho na área da comunicação social, pois “vista a partir da institucionalidade, a comunicação se converte em questão de meios, isto é, de produção de discursos públicos” (MARTÍNBARBERO, 2004, p. 18). São cientes de que “a melhor situação que uma IES pode ter com relação à sua comunicação, tanto interna quanto externa, é a situação onde ela possui uma grande visibilidade concatenada com uma imagem favorável, as outras situações deverão ser trabalhadas para uma modificação adequada e para, realmente, criar uma comunicação organizacional eficaz” (CLARO, 2014, p. 2). A Coordenadoria de Comunicação da Universidade Federal do Cariri estrutura-se para promover a mediação jornalística entre o que os meios demandam por assuntos ligados à universidade para integrá-la ao sistema democrático, ou o que TORQUATO (2010) sintetiza em “aproximar seus serviços da sociedade”, quando escreve sobre a 318


Pesquisa em Foco na própria tela e uma boa alternativa em relação às newsletters impressas, mais onerosas em sua produção e distribuição” (p. 68).

função da comunicação na administração pública. CHINEM (2003) atribui tal competência ao profissional de imprensa, “um intermediário entre as informações disponíveis em uma organização e os diversos públicos que ela atinge, realizando, dessa forma, tarefas tão importantes e complexas quanto a dos colegas jornalistas atuantes nos veículos de comunicação” (p.13). Do plano das metas para o campo diário das execuções, a Coordenadoria de Comunicação busca conciliar seus princípios com atividades direcionadas ao atendimento jornalístico interno e externo, este, em especial, à Região do Cariri, estendendo-se à Região Centro-Sul do Ceará, respeitando as conexões culturais com os estados contíguos: Pernambuco, Paraíba e Piauí. Trata-se, aproximadamente, de um raio de 300 km que demanda por informações regulares acerca da nova autarquia, localizada na região, em processo gradativo de significação. Soma-se ainda a necessidade de solidificar a imagem da Universidade Federal do Cariri no cenário brasileiro, assim como nas mediações internacionais, oferecendo “um trabalho continuado de Assessoria de Imprensa [que] permitirá à empresa criar um vínculo de confiança com os veículos de comunicação e sedimentar sua imagem de forma positiva na sociedade” (FENAJ, 2007). O boletim informativo ou a newsletter é uma das ferramentas da comunicação para que tal imagem se concretize, definido por CESCA sendo “cartas informativas, na tradução literal, e significam uma publicação da empresa destinada a seus públicos de interesse” (p.153). Soma à concepção da newsletter PENTEADO (1969) uma significativa característica do material: o status em relação aos demais produtos da comunicação nas empresas, ao projetar “a imagem de certo dinamismo, do seu espírito atualizado e da importância dos assuntos pelos quais se interessa, ao levá-los à informação pública (p.169). A Coordenadoria de Comunicação desenvolve um produto que alia atualidade tecnológica com clareza de informações: o boletim de notícias ou a newsletter, caracterizada por PINHO (2003):

Em tal peça, a universidade passa a enviar material jornalístico institucional regularmente, sem prejuízo de outras rotinas administrativas da coordenadoria, como o envio de sugestões de pauta ou a alimentação diária com notícias no site institucional, cujas finalidades se distinguem e podem ser esmiuçadas em trabalho oportuno. A linha de rotina adotada pela Coordenadoria de Comunicação se baseia no que Fidalgo (2014) considera “o mais comum no jornalismo puramente online, quando não está associado a uma versão impressa, é o de oferecer, regra geral, uma informação de agência, em que as notícias são dadas no momento em que chegam à redacção” (FIDALGO, 2014). Com a implementação da newsletter, objetiva-se que “caso algum veículo de comunicação se interesse pelo assunto divulgado pela assessoria de imprensa utilizará o texto para publicar notas ou agendar entrevistas. Tanto a publicação de notas, como o agendamento de entrevistas e a publicação posterior de informação, são gratuitas. Chamamos de mídia espontânea. Não se paga por essa publicação. Se paga para a assessoria trabalhar de forma a conseguir resultado” (FENAJ, 2007). Da citação, extraída do Manual de Assessoria de Comunicação e Assessoria de Imprensa elaborado pela Federação Nacional de Jornalistas, enfatiza-se o trabalho espontâneo, o que implica afirmar não existir a presença de relações comerciais entre veículo e IES que determine a presença da notícia institucional. Observa-se que a newsletter é o ponto de partida da rotina de comunicação externa da UFCA, ancorada sobre os pilares da comunicação pública, que, de acordo com BRANDÃO (2007) 'Trata-se de uma forma legítima de um governo prestar contas e levar ao conhecimento da opinião pública projetos, ações, atividades e políticas que realiza e são de interesse público' (FERREIRA apud BRANDÃO, 2007, p.5). Ao implementar o site da UFCA e, mais recentemente o boletim noticioso, os critérios de divulgação residem em informar à sociedade sobre quais iniciativas a produção, a pesquisa e o ensino têm contribuído com o desenvolvimento da região e – tanto quanto importante – como essas medidas são percebidas pelo cidadão distante do cotidiano da ciência: “...comunicação pública transcende o sentido de mensagem, incluindo a possibilidade de o cidadão ter pleno conhecimento da informação que lhe diz respeito, inclusive aquela que não procura por desconhecer sua existência” (FERREIRA, 2012).

a Newsletter em HTML é distribuída e lida por meio de programa de correio eletrônico em versões mais recentes. A sua aparência é a mesma de uma página da Web, com texto formatado em múltiplas colunas e incorporando cores, fotos, gráficos e outros elementos de design. Apontado por Kandler (2002) como o formato mais atrativo de newsletter via e-mail, ela é também ideal para pessoas que fazem a leitura da mensagem

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Caderno de Experiências Mais distantes da cobertura política do executivo, as universidades federais, em especial a UFCA, encontram-se em ligeira vantagem em termos de divulgação diante dos demais órgãos, uma vez que são centros de produção de conhecimento e abrigam valores afetivos, quando se trata sobre o destino profissional dos filhos das famílias brasileiras. Estreitar este vínculo ou reforçar o distanciamento, planejar ações comunicativas sensíveis ou não a este contexto são indicativos que podem ser determinantes na efetividade do trabalho da assessoria/coordenadoria pautada pela comunicação pública, materializada em suas produções.

do qual é possível enviar para milhares de e-mails a mesma edição do boletim, podendo ainda contabilizar o acesso e se, por exemplo, o receptor do boletim buscou mais informações no site da UFCA, ou ainda se a newsletter foi o ponto de partida para a produção de uma matéria jornalística. No entanto, a partir do segundo mês, o software geraria um custo anual de US $ 99 (noventa e nove dólares), o equivalente a R$ 252,76 (duzentos e cinquenta e dois reais e setenta e seis centavos). Preservando as características de envio e buscando menores custos de produção, a Coordenadoria de Comunicação obteve acesso a um novo software, o mail chimp, através do qual o envio do boletim para até 2 mil e-mails cadastrados mantém-se gratuito. Nesta plataforma já foram elaboradas três edições da newsletter, cujo ciclo tem início a partir da reunião para definir os assuntos que estarão presentes no boletim da semana, seguindo pela alimentação da plataforma, na qual se diagrama o arquivo conforme padrão do cabeçalho e rodapé. Postam-se no template as cinco notícias e a fotografia ou ilustração. São realizadas três revisões, de cunho gramatical e de conteúdo, seguindo para envio categorizado por grupos. Atualmente recebem o boletim UFCA Notícias veículos de comunicação, universidades e órgãos federais de educação, pró-reitores, gestores, servidores e professores da Universidade Federal do Cariri. A Coordenadoria acompanha ao longo da semana a repercussão do boletim, por questões estruturais, restrita à internet. Instituiu-se, portanto, a difusão do “UFCA Notícias”, uma produção eletrônica, contendo cinco notícias institucionais, enviada a partir do e-mail institucional da Coordenadoria de Comunicação (comunicacao@ufca.edu.br) para a rede de contato estabelecida com os jornais impressos, emissoras de rádio, televisão, sites e blogs da Região Metropolitana do Cariri e de Fortaleza, Pernambuco, Paraíba e Piauí. Às segundas-feiras, por volta das 9h30min, 117 e-mails integrantes da rede de contato da Coordenadoria de Comunicação recebem a newsletter. A data leva em conta o horário de movimentação das redações jornalísticas, onde as pautas estão em fase de produção-finalização: há um dia para os jornais impressos produzirem a matéria se for de interesse, é possível pautar a equipe de TV para os programas jornalísticos do meio-dia, além de preparar a pauta do dia seguinte dos jornais radiofônicos. A segunda-feira, por sua vez, provém de uma observação a partir do cotidiano da universidade, uma vez que a agenda de atividades da universidade na semana seguinte é visualizada pela Comunicação às sextas-feiras, tempo em que se é possível ordenar as notícias de divulgação, equipe, cobertura e atendimento hábil para com a imprensa.

3 Procedimentos Metodológicos Desde o surgimento da Coordenadoria de Comunicação em 2013, a produção do boletim/newsletter era prevista. Propunha-se com a peça estabelecer frequência o contato institucional com os meios de comunicação. No entanto, a demanda do setor distribuída para os dois servidores lotados (coordenador e secretário de redação) gerava sobrecarga de atividades no quesito tempo. A dupla revezou por quase dois anos o atendimento ao público interno (reitora, vicereitor, pró-reitores, professores, servidores técnicos, estudantes) e ao externo (meios de comunicação). As ações, no entanto, confluíam a ambos por meio do site da UFCA, com alimentação diária de notícias, bem como com a atualização de conteúdos dinâmicos e estáticos. Com a chegada de mais uma servidora ao órgão em meados de outubro de 2014, iniciou-se a execução intersetorial do produto boletim, contando com a colaboração do Departamento de Tecnologia da Informação (DTI) e com o Laboratório Multimídia da Universidade Federal do Cariri. Com mais uma integrante a Coordenadoria realizou uma pesquisa qualitativa sobre os boletins jornalísticos de outras universidades federais no Nordeste Brasileiro, com, pelo menos, uma representante de cada unidade federativa da região. Verificamos através dos sites institucionais se o produto boletim era produzido, qual o formato gráfico adotado, quantidade de notícias, periodicidade, linha editorial, design, recursos de convergência com o internauta e assinatura da assessoria institucional de comunicação. Levando em consideração tais itens, optamos em referenciar-nos pelo boletim semanal da Universidade Federal do Ceará. Feitas delimitação editorial e observação de experiências semelhantes de outras IEBs, buscouse por ferramentas tecnológicas que dessem suporte ao envio frequente de notícias institucionais. Em primeiro lugar, utilizou-se a plataforma digital mailer lite, um software através 320


Pesquisa em Foco Figura 2: Edição 02, publicada no dia 27 de outubro de 2014

O processo de seleção de notícias é orientado pelos valores notícia com destaque para amplitude, clareza e proximidade (TRAQUINA, 2012). Neste sentido, quanto mais uma informação revelar o alcance da UFCA na educação pública do país, maior a probabilidade de que liste entre as cinco notícias. Quanto mais claros forem os componentes da informação, mais possibilidades de conexão haverá entre os produtores de pauta “do outro lado do balcão” e os leitores. Quanto mais próxima a ação da universidade ao cotidiano da população, mais provável será a presença dela no boletim. Estes, no entanto, não são os únicos critérios de noticiabilidade. Em cada semana, há o cuidado discursivo em primar-se pelo diálogo entre a demanda dos públicos externo e interno, de modo que em cada edição perceba-se o equilíbrio de informações das pró-reitorias e demais setores da UFCA, bem como dos campi de Barbalha, Brejo Santo, Crato, Icó e Juazeiro do Norte. Em suas quatro edições, a unidade visual do boletim sofreu alterações entre primeira e segunda postagens em decorrência da mudança da identidade do site institucional, uma vez que são referenciadas pela unidade visual da UFCA. Até a realização deste artigo, o UFCA Notícias, em termos gráficos, é organizado em uma única página no tamanho A4 (aproximadamente uma folha de papel ofício), composto pela fonte Aller no cabeçalho, título e corpo da matéria, em tons esverdeados. Apresenta uma matéria de abertura acompanhada por ilustração ou fotografia de tamanho 300 pixels de largura por 225 pixels de altura, seguida por quatro matérias sem fotografias, distribuídas em duas colunas de texto, numa média semanal de 3.200 caracteres.

Figura 3: Edição 03, publicada no dia 03 de novembro de 2014

Figura 4: Edição 04, publicada no dia 10 novembro de 2014

Figura 1: Edição 01, publicada no dia 20 de outubro de 2014

4 Resultados e discussão A Coordenadoria de Comunicação publicou quatro edições do UFCA Notícias entre os dias 20 de outubro e 10 de novembro de 2014. Os resultados deste trabalho podem ser considerados a partir da 321


Caderno de Experiências rotina do órgão, do alcance interno e externo, bem como do fluxo de acesso contabilizado pelas plataformas digitais adotadas, o mailer lite e o mail chimp. Entre os integrantes da comunidade acadêmica, o retorno dado à Coordenadoria foi positivo, formalizado pela reitora e comentado por estudantes da UFCA, que o recebem através dos grupos de cada categoria: servidores, professores e gestores. No entanto, não nos é possível avaliar por meio de um estudo de recepção entre os diferentes públicos internos haja vista que se trata de uma peça em fase de descoberta e apropriação para a comunidade acadêmica, além de não ser o públicoalvo da peça, mas sim jornalistas e radialistas do raio de convivência com a universidade. Junto a este público, o boletim vem sendo recebido e publicado por meio de notas e/ou gerado pauta. No site Miséria, por exemplo, a primeira edição do UFCA Notícias, com a matéria destaque anunciando a Mostra UFCA, ganhou um espaço eletrônico exclusivo com a veiculação das cinco matérias sobre a universidade. Na quarta edição, por exemplo, a Rádio Tribuna Band News entrou em contato com a Coordenadoria de Comunicação com o objetivo de produzir uma reportagem a partir de uma sugestão de matéria na qual a universidadde contribuiu para que uma graduada em Administração pudesse abrir o próprio negócio a partir do conhecimento adquirido em sala de aula. Sob uma perspectiva mais quantitativa, o alcance das quatro edições ainda não atingiram 100% de leitura e encaminhamento do interesse do internauta para o site institucional, obviamente o plano ideal do campo das estratégias de comunicação. No entanto, os acessos alcançam uma marca aproximada de 70% de leitura das notícias no suporte do boletim e menos de 10% direcionadas para o site. Os responsáveis pelo alto índice de acesso são a comunidade acadêmica seguidos pelos meios de comunicação. Destes, as redações de telejornais, redações especializadas em cultura e/ou educação, portal de notícias lideram a “lógica” do consumo da newsletter: recebem a informação, selecionam o que se julga de interesse na redação, produzem notícia e acompanham periodicamente a peça. A Coordenadoria de Comunicação, por sua vez, monitora na Internet como as publicações foram aproveitadas ou não pela imprensa, através de busca em sites de emissoras de TV, portais e blogs dos municípios.

tanto na perspectiva de regularidade quanto sob a periodicidade. A peça fortalece o vínculo que o release inicia com pontualidade e exclusividade da informação no relacionamento externo e busca contribuir com o aumento do fluxo do site institucional. O boletim, porém, chama a atenção não somente pelo formato jornalístico da UFCA e suas interfaces com o marketing e relações públicas, mas também pela pluralidade de públicos que a newsletter permite alcançar, o que não tolhe a efetividade de outras produções em potencial. Neste setor é cedo aferir, embora se lance uma hipótese seja lançada para posteriores estudos acerca da rotina da Coordenadoria. É possível que o lançamento do produto “UFCA Notícias” tenha proporcionado um sentimento de reconhecimento da comunidade acadêmica a ponto de aumentar o envio de sugestões de notícias institucionais para o órgão. Em média, a publicação de notas/informes e matérias sob perspectivas mais humanizadas no site da UFCA passou de 3 para 5 por dia, o que, no que compete ao boletim, exige mais critérios de seleção de notícias a serem apresentadas para a imprensa. Se por um lado o boletim é considerado satisfatório no quesito rotina, por outro ele pode ser uma peça a ser usada com redefinição de estratégias, uma vez que não se trata de material exclusivo – o que desperta a atenção e cativa o universo jornalístico das redações. É necessário avaliar se a newsletter continuará a ser lida ou se tornará um e-mail a mais na caixa de entrada, sem que a regularidade não comprometa, por exemplo, a efetividade dos releases enviados. Para o contexto estrutural, a Coordenadoria de Comunicação apresenta mais uma produção jornalística de baixo custo, atual diante das novas tecnologias e prestes a integrar o circuito das redes sociais da instituição. Observando os dois grandes desafios de divulgar-se não mais Universidade Federal do Ceará, mas Universidade Federal do Cariri, bem como convidar a sociedade para acompanhar o processo de consolidação da UFCA, em termos administrativos, de pesquisa e ensino, a newsletter é mais uma ferramenta que agrega positivamente à imagem da Universidade Federal do Cariri. A Coordenadoria de Comunicação em sua essência de trabalho é um objeto de pesquisa para a própria universidade provocar reflexões acerca do jornalismo institucional contemporâneo. Sugerimos para os próximos trabalhos com recorte na newsletter que sejam analisados os discursos presentes nas notícias, ou ainda que se proponham estratégias que, a partir da ferramenta, novos fluxos de comunicação sejam alcançados. Por fim, acreditamos que a publicação da newsletter contribui com os dois grandes desafios lançados no início deste artigo: a peça vem contribuindo para fortalecer o nome da instituição

Considerações Finais A newsletter UFCA Notícias, peça recente no rol de atividades jornalísticas da Coordenadoria de Comunicação, deu início à relação cotidiana da universidade com os veículos de comunicação, 322


Pesquisa em Foco não apenas frente aos meios de comunicação, mas também para o público que tem acesso às informações. Contribui ainda para que a comunidade acadêmica se sinta registrada pela ótica do jornalismo institucional durante seu processo de implantação.

FIDALGO, António. Jornalismo online segundo o modelo de Otto Groth. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-grothjornalismo-online.pdf. Acesso em 10 de novembro de 2014.

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323


Caderno de Experiências

AGRAVOS À SAÚDE DECORRENTES DA EXPOSIÇÃO AO FORMOL UTILIZADO NAS AULAS PRÁTICAS DE ANATOMIA: UMA REVISÃO DE LITERATURA.

1 Introdução

Iago Mateus Rocha Leite Medicina/UFCA iago_mateus@hotmail.com

Yuri Ferreira Fernandes Medicina/UFCA yuriferreirafernandes@hotma il.com

Micah Barreto Ribeiro Doudement Almeida Medicina/UFCA micah.almeida@hotmail.com

Marco Felipe Macedo Alves Medicina/UFCA marcofma7@gmail.com

Victor Hugo Gonçalves Lopes Medicina/UFCA hugo.0707@hotmail.com

José Marcílio Nicodemos Da Cruz Professor/UFCA nicodemosmarcilio@hotmail. com

o peso excessivo, escurecimento e rigidez demasiada das peças após o preparo (KRUG et. al., 2011). Tornando assim difícil o manuseio das peças, além de não permitir que os alunos tenham contato com a real textura e consistência do organismo vivo, sendo esta uma desvantagem expressiva pois atrapalhará o reconhecimento das estruturas anatômicas reais. O formaldeído (CH2O) é um dos aldeídos mais simples, é encontrando normalmente sob condições ambiente na sua forma gasosa. É solúvel na água, incolor e apresenta um odor pungente e bastante característico sendo, na forma gasosa, inflamável e em contato com o ar ambiente pode formar misturas explosivas (VIEGAS, 2010). Foi comprovado, em 2006, o caráter carcinogênico do formaldeído graças a estudos realizados em animais pela IARC - Agência Internacional de Pesquisa do Câncer. A exposição por inalação, contato direto ou ingestão podem gerar dermatites de contato, irritação nos olhos, no trato respiratório e gastrointestinal e pode evoluir para formas neoplásicas, como o aumento no risco de leucemia identificado em patologistas e embalsamadores. (VIEIRA et al., 2013). Portanto o formaldeído é um uma substância com risco comprovado a saúde humana e o contato de estudantes de medicina com o formol inicia-se nos primeiros semestres da formação médica. Isto justifica a necessidade de um conhecimento mais abrangentes acerca dos agravos que esta substância pode trazer a saúde destes estudantes. Este trabalho trata-se de uma revisão não sistemática da literatura que visa expor os riscos e agravos a saúde oferecidos pela exposição ao formaldeído, utilizado na conservação de peças anatômicas e cadáveres, durante aulas práticas de anatomia humana em cursos de medicina.

Denomina-se anatomia a ciência que estuda a morfologia e o desenvolvimento macro e microscópicos dos seres vivos. Aristóteles foi o primeiro homem a utilizar palavra Anatomia, esta vem do grego anatome, sendo que “ana” quer dizer “através de” e “tome” significa “corte”. Os conhecimentos anatômicos são necessários para o profissional da área de saúde, pois este lidará por toda sua vida com o corpo humano o que torna de grande importância seu profundo e amplo conhecimento. Pode-se dizer que a Anatomia cada vez mais, ao longo da história do estudo médico, passou a ser vista como central, visto que é por ela que se aprende a constituição natural e comum, antes de lidar com os vários desvios da morfologia humana. O atual progresso da medicina acabou levando ao exagero da minúcia anatômica, quando o próprio médico, já formado e experiente, tem retornado aos laboratórios de Anatomia a fim de sanar dúvidas a respeito de pormenores anatômicos para sua melhor atuação profissional. (CALAZANS, 2013). O bom ensino da anatomia cursa com as aulas práticas em laboratórios de morfologia. Mesmo com a utilização de meios digitais para um melhor aprendizado, ainda hoje continua sendo de fundamental importância a utilização do cadáver e das peças anatômicas para um aprendizado conciso sobre a anatomia humana e suas nuances. Assim sendo, alunos da área da saúde continuam visitando frequentemente os laboratórios de anatomia durante a sua formação para sedimentarem seu conhecimento junto aos cadáveres e peças anatômicas. Hoje em dia, o método mais utilizado para a conservação de cadáveres e peças anatômicas utilizadas nas aulas práticas de anatomia é a formalização, a qual está baseada na utilização do formaldeído (formol) na concentração entre 5-20% como fixador e conservador das mesmas. A principal vantagem em utilizar o formaldeído encontra-se no seu baixo custo, entretanto, existem vários fatores negativos no seu emprego tais como:

2 Fundamentação Teórica A solução mais utilizada em todo o mundo para a fixação de peças orgânicas e sua conservação nos laboratórios de anatomia em todo o mundo é o 324


Pesquisa em Foco formaldeído. Essa solução é considerada tóxica e, inclusive, carcinogênica, e ao contato prolongado pode provocar sintomas e doenças. Peças anatômicas sem formalização, como modelos anatômicos de cera, de madeira, de papel maché, de gesso ou de resina, dentre outros materiais, são utilizadas para o ensino da anatomia deste o Egito Antigo, estes tornaram-se uma opção confortável para o estudo anatômico, visto que essas peças não se utilizam de formol, uma vez que não são compostos por tecido humano. Contudo, o seu uso para aprendizado especializado sempre foi controverso, visto que não traz os detalhes das estruturas e as variações anatômicas contempladas por peças verdadeiramente humanas, por mais bem feitos que esses modelos sejam ou possam parecer (CALAZANS, 2013). Atualmente conta-se também com o apoio das mídias digitais para um melhor ensino da anatomia, entretanto o contato com as peças humanas ainda é indispensável. O formaldeído é de grande importância para a fixação de tecidos, tanto para trabalhos e aulas de anatomia e patologia quanto para estudos tanatológicos. Ele impede a proliferação de microrganismos e, portanto, a putrefação, além de impedir o rompimento das paredes dos lisossomos, o que provocaria a autólise da célula pelas enzimas ali contidas (OLIVEIRA, ZAIAT, 2005) Está muito bem estabelecida pela comunidade científica a importância ambiental do formaldeído e seus derivados. Por se apresentar na fase líquida e gasosa, a sua alta reatividade que resultará na formação de poluentes secundários e seus efeitos tóxicos à saúde humana fez o interesse pelo seu estudo aumentar bastante. Mesmo sendo uma molécula com estrutura relativamente simples, sua degradação continua sendo alvo de muitas pesquisas. Inúmeros estudos já foram feitos sobre a exposição ao formaldeído, e estes verificaram que o risco de câncer de faringe, nasofaringe e cérebro em anatomistas e patologista é aumentando ao haver exposição a essa substância. Além de causar também dermatites e reações alérgicas. (CITTADIN-SOARES, 2010). O formaldeído é o aldeído mais simples do grupo e em condições ambientais normais é encontrado sob a forma gasosa. Possui apenas um carbono carbonílico ligado a dois hidrogênios - HCHO, sua obtenção é feita através da oxidação de um álcool primário, o metanol. O formol comercializado é uma solução aquosa com 30% a 56% de formaldeído, e pode variar quando feito nesta proporção em uma quantidade que varia de 6% a 15% de metanol, várias resinas do tipo fenólicas, ureicas, alguns poliacetato, hexaminas e uma mistura de outros compostos em menor quantidade, dentre eles metais pesados como chumbo e cádmio. O formaldeído é produzido normalmente pelo organismo, sem que este acarrete prejuízo algum, através do metabolismo de

aminoácidos como serina, glicina, metionina e colina, além de ser produzido através da desmetilação do N-, S- e O-metil compostos. O formaldeído é metabolizado a formiato, principalmente por meio da enzima formaldeídodesidrogenase. Nem o formiato, nem o formaldeído são estocados de forma expressiva por qualquer tecido do nosso organismo pois são componentes normais do metabolismo intermediário. O formaldeído pode ser incorporado a outras moléculas celulares ou oxidado a dióxido de carbono exalado, este pode ser excretado na urina principalmente como ácido fórmico (VIEIRA et al., 2013). É reconhecidamente um importante fator de risco aos agravos de saúde a exposição crônica ao formaldeído, especialmente pelo seu potencial carcinogênico. Não é sabido o mecanismo exato pelo qual o formaldeído causa os seus efeitos deletérios a saúde. É provável que a toxicidade sobrevenha quando a atividade da enzima formaldeído desidrogenase (ADH3) é saturada pelos níveis intracelulares elevados de formaldeído, excedendo assim, as capacidades naturais de proteção e conduzindo à livre presença de moléculas não metabolizadas. Os efeitos sistêmicos aparentam apresentar um papel menos importante comparativamente com os efeitos locais devido à sua reatividade e rápido metabolismo do formaldeído nas células dos pulmões, trato gastrointestinal e da pele. Da mesma forma, a localização das lesões corresponde principalmente às zonas do organismo expostas às doses mais elevadas, ou seja, o desenvolvimento dos efeitos tóxicos dependerá mais da intensidade da dose externa do que da duração da exposição. Os efeitos adversos para a saúde são mais prováveis de serem observados após a inalação do que quando o contato se concretiza por outra via (VIEGAS, 2010). Os efeitos danosos para a saúde decorrentes da exposição ao formaldeído parecem estar maioritariamente relacionados com a intensidade dos períodos de exposição a concentrações muito elevadas do que com as exposições longas a concentrações consideradas aceitáveis. Longas exposições com elevadas concentrações de formaldeído possuem um elevado potencial de dano generalizado do DNA. Estudos experimentais em animais demonstram efeitos genotóxicos locais após exposição ao formaldeído, originando ligações cruzadas DNA-proteina, aberrações cromossômicas estruturais e células aberrantes (LADEIRA, et al 2012). 3 Procedimentos Metodológicos Este trabalho trata-se de uma revisão não sistemática da literatura valendo-se de fontes diversas. Foram utilizados ensaios clínicos, revisões 325


Caderno de Experiências de literatura, teses de mestrado e doutorado e monografias. Na busca nos bancos de dados foram utilizados os descritores cadastrados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) criados pela Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), estes foram: Formaldeído, anatomia, toxicidade, saúde, exposição, cadáver. As bases de dados pesquisadas foram Scientific Electronic Library Online (SciELO), Google Scholar e BVS. Foram selecionados artigos entre o período de 2005 a 2014. A escolha dos artigos foi feita pela análise qualitativa de seus conteúdos a qual correlacionassem a exposição ao formaldeído com risco à saúde. Assim foram selecionados 9 artigos dentro da literatura especializada para composição deste trabalho.

4 Resultados e discussão Nesta pesquisa observou-se que o formaldeído é, de fato, o fixador e conservador mais utilizado em laboratórios de anatomia. Entretanto pode-se perceber que este é um composto associado com danos à saúde, tais agravos são decorrentes da exposição em altas concentrações da substância. Os efeitos deletérios podem ser basicamente de três tipos: irritação, sensibilização do sistema imunológico imediata e carcinogênese/mutagênese. A exposição dos estudantes de anatomia ao formaldeído se dá pela inalação do gás ou vapor liberado e ao contato direto da pele, em geral por meio acidental, durante a manipulação de peças anatômicas e cadáveres. Segundo Veronez (2006), existe uma escassez na literatura acerca dos malefícios acarretados pela exposição ao formaldeído, havendo poucos trabalhos analisando o potencial de risco para a saúde ocupacional de docentes, técnicos de anatomia e pesquisadores expostos ao formaldeído. O Quadro 1 expõe os principais agravos encontrados

Quadro 1. Relação entre um sistema orgânico ou órgão, concentração em PPM e os efeitos tóxico da exposição ao formaldeído Sistema orgânico ou órgão Sistema Respiratório

Olhos

Concentração em ppm Acima de 0,1 ppm

Efeitos: Exposições leve: tosse, irritação do trato respiratório, dispneia e espamos de laringe

Acima de 20 ppm

Exposições graves podem causar bronquite asmática, edema pulmonar e pneumonia

Acima de 50 ppm

Casos severos ocasionam apatia, perda de consciência, coma e óbito. Irritação da conjutiva ocular, lacrimejamento, dor imediata e inflamação, Borramento da visão, risco de reação alérgica e conjuntivite.

0,1 ppm a 2,0 ppm

Acima de 2,0 ppm Pele e anexos

Acima de 0,1 ppm

Sistema imunológico

Acima de 0,1 ppm

Todos os sistemas orgânicos

Convivência ocupacional

Casos severos: danos a córnea, íris e pálpebras com perda da visão. Agressão da retina e ao nervo óptico. Irritação e ressecamento da pele, aparecimento de fissuras, vermelhidão, alterações da tonalidade das unhas, dermatite por contato e necrose da epiderme podendo piorar com calor e suor. Hipersensibilidades, dermatites alérgicas e bronquite asmática. Potencial agente carcinogênico, tumorigênico e teratogênico.

Fonte: VERONEZ et. al., 2006.

O formaldeído (FA) é um composto genotóxico, existindo evidências da sua capacidade para alterar o DNA de diversos organismos. Os efeitos desta genotoxicidade têm sido seguidos muito de perto, desde a década de 80, pelas principais agências mundiais, como a International Agency for Research on Cancer (IARC), a Organização Mundial de Saúde (OMS), o National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) e a

Occupational Safety and Health Administration (OSHA). Estes têm-se centrado principalmente na frequência de aberrações cromossômicas (AC), micronúcleos linfocitários (MN), micronúcleos bucais (MNB), micronúcleos bucais com pontes citoplasmáticas e trocas entre cromatídes irmãs (SCE - Sister Chromatid Exchanges) de trabalhadores expostos ao formaldeído (CARVALHO, 2013). 326


Pesquisa em Foco Segundo Ladeira et al (2012), o dano cromossômico nos linfócitos pode ser justificado pela ultrapassagem do local do contato com formaldeído, como por exemplo na cavidade bucal, originando assim as alterações nucleares. Isto indica que os efeitos tóxicos do formaldeído podese dar pelo alcance de tecidos além do contato inicial. Estes verificaram que a frequência de micronúcleos linfocitários em linfócitos do sangue periférico é significativamente maior em pessoas que se expõem ao formaldeído em laboratório do que os que são expostos em fábricas de produção de formaldeído. Desta maneira o uso do formaldeído é necessário em diversas áreas, dentre elas nos laboratórios de anatomia, assim torna-se necessário a regulamentação de seu uso, normatização as concentrações utilizadas para aquelas onde haja uma boa conservação dos cadáveres e peças anatômicas e o menor dano a saúde dos indivíduos expostos. Além do mais esses devem estar protegidos com luva, máscara e jaleco, para que a proteção ao trabalhador seja tentada (VIEIRA et al., 2013).

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Considerações Finais Este trabalho teve por intuito demonstrar os efeitos danosos a exposição ao formaldeído em aulas práticas de anatomia. A literatura confirma que esta substância é carcinogênica, além de promover diversos agravos locais e sistêmicos ao organismo. As concentrações utilizadas na conservação das peças anatômicas e dos cadáveres promovem uma exposição ao formaldeído que atingem valores superiores até mesmo nas indústrias de fabricação da substância. Assim torna-se necessário estudos com novos métodos de conservação de cadáveres e peças que permitam um bom aprendizado, baixo custo e menos danos à saúde, além da normatização das concentrações utilizadas para que estas sejam as menores possíveis, garantido uma boa conservação e uma exposição a valores aceitáveis de formaldeído.

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Caderno de Experiências

ALTERAÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS EM IDOSOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Yuri Ferreira Fernandes Medicina/UFCA yuriferreirafernandes@hotm ail.com

Iago Mateus Rocha Leite Medicina/UFCA iago_mateus@hotmail.com

Micah Barreto Ribeiro Doudement Almeida Medicina/UFCA micah.almeida@hotmail.com

Marco Felipe Macedo Alves Medicina/UFCA marcofma7@gmail.com

Bárbara De Oliveira Brito Siebra Medicina/UFCA b.siebra@yahoo.com.br

José Marcílio Nicodemos Da Cruz Professor/UFCA nicodemosmarcilio@hotmail. com

1 Introdução

2 Fundamentação Teórica

O processo de envelhecimento é considerado um fenômeno comum a todos os seres humanos, independentemente, apesar de variar entre um indivíduo e outro. Este processo é dependente e influenciado por múltiplos fatores, dentre eles o biológico, psicológico, social e cultural, atribuindo a cada pessoa características particulares (SOUZA et al., 2007). A população de idosos vem crescendo consideravelmente nas últimas décadas, processo denominado como transição demográfica, que acontece nos países desenvolvidos de forma gradativa e nos países em desenvolvimento, como o Brasil, está ocorrendo de forma abrupta de modo que não se tem conseguido subsidiar mudanças econômicas e sociais que favoreçam a qualidade de vida ao idoso (SILVEIRA et al., 2002). O envelhecimento é acompanhado por diversas alterações que causam dano aos diferentes sistemas do organismo. Dentre os principais acometimentos que surgem com o avançar da idade, as alterações do sistema locomotor ocupam posição importante entre as diversas patologias dos idosos, já que, segundo Mascarenhas et al. (2008), durante o envelhecimento biológico, não somente o osso, mas todas as estruturas que fazem parte do aparelho locomotor são afetadas, havendo modificações na estrutura óssea, nos músculos, nas articulações e nos tendões nas diversas regiões do corpo humano. Outro sistema orgânico acometido é o sistema muscular. A função muscular, quando diminuída, afeta significativamente a qualidade de vida dos idosos, levando a que tenham dificuldades para a realização das atividades cotidianas e, muitas vezes, tornando-os dependentes do auxílio de outras pessoas (DESCHENES, 2004; DAVINI; NUNES, 2003; KAUFFMAN, 2001). Nesse sentido, o presente trabalho, caracterizado como revisão de literatura, tem como objetivo reconhecer as principais alterações do sistema musculoesquelético relacionadas ao processo de envelhecimento humano e suas consequências na qualidade de vida da população idosa.

A transição demográfica refere-se ao “processo gradual pelo qual uma sociedade passa de uma situação de altas taxas de fecundidade e mortalidade para uma situação de baixas taxas de tais indicadores”, ou seja, com a queda da taxa de mortalidade, com o aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de fecundidade, a população começa a envelhecer (PASCHOAL et al., 2007, p.39). O aumento da expectativa de vida, ou longevidade, pode ser atribuído aos grandes avanços científicos e tecnológicos, bem como ao processo de urbanização. Segundo Argimon e Stein (2005), a população passou a ter acesso a vacinas, antibióticos, serviços de saúde, saneamento básico e exames complementares que contribuíram para a adoção de medidas de prevenção e cura de muitas doenças até então fatais, promovendo assim uma melhoria da qualidade de vida e um crescente aumento da longevidade da população. Atualmente, dados censitários do IBGE (2011) relativos ao ano de 2010 evidenciam o aumento da população idosa demostrando que 10,8% dos brasileiros possuem 60 anos ou mais. Ainda de acordo com o mesmo instituto, será possível observar o incremento na esperança de vida das mulheres de 76,7 anos em 2008 para 84,5 anos em 2050; e dos homens de 69,1 anos para 78,2 anos, no mesmo período (IBGE, 2008). A despeito de o envelhecimento populacional trazer consigo os benefícios de uma maior longevidade, acarreta também um novo perfil de morbimortalidade, marcado por maior incidência de doenças crônico-degenerativas devido aos avanços tecnológicos e científicos assim como ao maior acesso aos serviços de saúde que propiciaram a redução das doenças infecto-contagiosas (FELICIANO et al., 2004; ARGIMON; STEIN, 2005). O envelhecimento traz consigo um declínio das funções de diversos sistemas orgânicos, resultando em modificações estruturais e funcionais no corpo humano. As alterações musculoesqueléticas estão relacionadas com perda ou diminuição funcional 328


Pesquisa em Foco que refletem no metabolismo basal, nas funções renais, cardíacas e pulmonares e na capacidade vital, o que potencialmente favorece o desenvolvimento de doenças como diabetes, hipertensão arterial, osteoporose e obesidade (UNICOVSKY, 2004). Dentre as alterações musculoesqueléticas mais comuns no idoso ressalta-se a perda da massa muscular, denominada sarcopenia. De acordo com Rossi e Sader (2002), esta perda contribui para outras alterações relacionadas com a idade, destacando-se a diminuição da densidade óssea, a menor sensibilidade à insulina, menor capacidade aeróbia, menor taxa de metabolismo basal, menor força muscular, menores níveis de atividades físicas diárias. As alterações da força muscular relacionadas com o avançar da idade são devido a uma diminuição lenta e progressiva da massa muscular, que é substituída, paulatinamente, por colágeno e tecido gorduroso. A perda da força e da potência muscular leva a uma restrição na capacidade de promover atividades que requerem força moderada como: elevar-se da cadeira, subir escadas e manter o equilíbrio ao evitar obstáculos. Isso, além de causar maior dependência do indivíduo, pode facilitar as quedas. A queda ou a lesão decorrente dela pode ter efeito devastador na independência do indivíduo e em sua qualidade de vida. (PEDRINELLI et al., 2009). Outra característica do processo de envelhecimento normal é a perda do tecido ósseo. O osso, apesar de sua rigidez, é caracterizado por ser um tecido dinâmico e complexo que passa por um processo de remodelação óssea, caracterizada por reabsorção e formação óssea. O pico de massa óssea é alcançado dos 30 aos 40 anos de idade, sendo 20% a 30% maior nos homens que nas mulheres. No entanto, alguns anos após a fase máxima de formação óssea ocorre a diminuição progressiva da massa óssea, independente da raça, hábitos alimentares, atividades físicas, condições geográficas ou poder econômico (BORELLI, 2000). Com o envelhecimento o equilíbrio entre reabsorção e formação óssea se desloca em uma direção negativa, favorecendo a maior reabsorção óssea e a menor formação de osso. Esta combinação de deficiência de massa óssea e redução da força finalmente resultam em osteoporose e fraturas (DEMONTIERO et al., 2012). A osteoporose caracteriza-se pela diminuição da massa óssea gerando um aumento da fragilidade do osso, trazendo consigo um aumento na incidência de fraturas associada à morbidade e mortalidade prematura, consequentemente provoca um impacto negativo na qualidade de vida da população acometida e um enorme custo para a sociedade (MERLIN et al., 2013).

3 Procedimentos Metodológicos O presente trabalho trata-se de uma revisão de literatura não sistemática do tipo exploratória e qualitativa. Foram utilizados como fonte de pesquisa os seguintes bancos de dados eletrônicos: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Scholar. A pesquisa foi delimitada no período de 2000 a 2014. Foram usados como critérios da busca os seguintes descritores: idoso, alterações musculoesqueléticas, envelhecimento, sarcopenia, osteoporose e fraturas. Os critérios de inclusão para os estudos encontrados foram aqueles que abordassem o processo de envelhecimento, as alterações dos principais sistemas, a funcionalidade do organismo com ênfase maior no sistema musculoesquelético. Para complementar o estudo com algumas informações substanciais, foram ainda inclusos livros como referência. 4 Resultados e discussão Os artigos analisados enfatizam que a população idosa vem aumentando substancialmente no decorrer das décadas devido ao grande avanço tecnológico e científico. O processo de envelhecer traz consigo várias alterações anatômicas e funcionais dos diferentes sistemas do organismo. Algumas são fisiológicas, características do envelhecimento, outras, no entanto, são patológicas e influenciam diretamente na capacidade funcional e independência do idoso. Dentre as alterações do sistema musculoesquelético decorrentes do envelhecimento destaca-se a perda da massa muscular. Segundo Rossi e Sader (2002) a massa muscular diminui aproximadamente 50% entre os vinte e os noventa anos e o número de fibras musculares no idoso é em torno de 20% menor que no adulto. Os mesmos autores afirmam ainda que, com o envelhecimento, o sistema musculoesquelético produz menos força e desenvolve suas funções mecânicas com mais lentidão. Para Cunha et al. (2009) e Monteiro (2007) as alterações no sistema musculoesquelético resultam em deficiências como: fraqueza muscular, redução da amplitude do movimento, déficit postural e de equilíbrio. Estas deficiências limitam a realização de atividades cotidianas dos idosos, tornando-os mais dependentes de outras pessoas. Gallahue e Ozmun (2005) afirmam que embora uma perda de massa muscular ou atrofia muscular pareça ocorrer com a idade, outro fator importante para essas alterações é a inatividade física. Para Hunter et al. (2004), o decréscimo da função 329


Caderno de Experiências muscular, com a consequente diminuição da funcionalidade, pode tornar-se um ciclo vicioso, visto que a diminuição da função muscular induz a uma baixa no nível de atividade física, que, por sua vez, causa um decréscimo ainda maior na função muscular. Muitos autores correlacionam as alterações musculoesqueléticas e suas consequências na qualidade de vida dos idosos. Nesse sentido, o prejuízo da função muscular e o subsequente comprometimento da função motora associados ao processo de envelhecimento afetam diretamente a qualidade de vida dos idosos, diminuindo suas habilidades em tarefas simples, como caminhar, e tornando difícil a realização de atividades cotidianas (LACOURT; MARINI, 2006). Além disso, Davini e Nunes (2003) afirmam que todas essas alterações contribuem para o aparecimento de afecções psicoemocionais, como baixa na autoestima e depressão. No que se refere ao envelhecimento ósseo e suas consequências, temos como o principal acometimento relatado nos artigos analisados, a osteoporose, causando fragilidade óssea e aumentando os riscos de fraturas. A perda da massa óssea é consequência inevitável do envelhecimento, mas no indivíduo com osteoporose a perda é tão importante que a massa óssea cai abaixo do limiar para fraturas (NAVAS; LYLES, 2002). A osteoporose é uma patologia de relevância crescente devido ao envelhecimento populacional e é considerada como um problema de saúde pública. De acordo com Rennó et al. (2001), estima-se que uma em cada duas mulheres e um em cada cinco homens acima de 65 anos de idade apresentarão pelo menos uma fratura relacionada à osteoporose em algum momento da vida. A osteoporose é uma doença inicialmente assintomática, as manifestações clínicas aparecem quando já há uma perda de massa óssea significativa e ocorrem fraturas aos mínimos traumas. As ocorrências mais comuns de fraturas nos idosos são aquelas ligadas ao desequilíbrio e às quedas, provocando fraturas no colo do fêmur, quadril ou vértebras lombares, geralmente levando o indivíduo a ficar imobilizado por muito tempo em leitos hospitalares ou ocasionando até mesmo óbito. (NETTO, 2004). As alterações esqueléticas que acompanham a osteoporose são devido às fraturas na coluna vertebral, se manifestando com o aumento do grau de cifose, retificação da coluna lombar e escoliose, além da perda progressiva da altura (SZEJNFELD, 2004). Outra consequência do envelhecimento no sistema musculoesquelético relatado é a alteração da postura corporal. O enfraquecimento do tônus muscular e da constituição óssea leva a mudanças na postura do tronco, acentuando ainda mais as

curvaturas da coluna torácica e lombar (NETTO, 2004). Segundo Pickles et al. (2002), as mudanças de postura corporal no idoso se manifestam após os 40 anos de idade, caracterizando-se por um aumento da curvatura da coluna torácica, um aumento ou diminuição da lordose lombar, o que contribui, assim, para a diminuição de estatura e para a posição inclinada, e pode acarretar desvios posturais, comprometendo, dessa forma, as atividades de vida diárias. Em relação à diminuição da estatura, Guccione (2002) relata que em homens e mulheres entre 60 e 80 anos, a taxa média de diminuição na altura é de cerca de dois centímetros por década, podendo atingir até 12 cm nos casos mais extremos de perda óssea; em homens e mulheres entre 60 e 80 anos, a taxa média de diminuição na altura é de cerca de dois centímetros por década, podendo atingir até 12 cm nos casos mais extremos de perda óssea. Muitos artigos analisados enfatizam a importância da atividade física no processo de envelhecimento. Kauffmann (2001) afirma que os exercícios físicos ajudam a manter a capacidade física, à medida que o tempo envelhece a todos, aumentando a qualidade de vida, diminuindo o risco de quedas e mantendo ou melhorando a funcionalidade. Acredita-se que o exercício físico atue como forma de prevenção e reabilitação da saúde do idoso. O nível de aptidão pode ser melhorado, mantido ou, pelo menos, sua taxa de declínio pode ser minimizada se for realizado algum tipo de exercício físico controlado. Dessa forma, a inclusão num programa de exercícios físicos regular pode ser efetiva para prevenção, ou mesmo, para a redução das perdas funcionais associadas ao envelhecimento (KURA et al., 2004). Considerações Finais O envelhecimento populacional é um relevante fenômeno mundial, com o avançar da idade surgem alterações anatômicas e funcionais nos diferentes sistemas do organismo, entre eles o sistema musculoesquelético. Os principais agravos que acometem o sistema musculoesquelético dos idosos são: perda da massa muscular, fraqueza muscular, perda de equilíbrio, déficit postural, perda da massa óssea, osteoporose e fraturas. Percebe-se que todas essas alterações contribuem para diminuir a qualidade de vida dos idosos, refletindo na capacidade funcional de realizar as atividades diárias e na sua independência em relação a outras pessoas. Diante disso está a importância da prevenção e reabilitação da saúde do idoso seja pelo hábito saudável de vida, uso de medicações, realização de exercícios físicos ou fisioterapia. Dessa forma, será possível garantir 330


Pesquisa em Foco uma maior autonomia e qualidade de vida dessa população que cada dia mais aumenta de número.

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SILVEIRA R, et al. Idosos que foram vítimas de acidentes de trânsito no município de Ribeirão

332


Pesquisa em Foco

ALTERAÇÕES NA SAÚDE DOS AGENTES SANITARISTAS QUE ATUAM NO PROGRAMA DE CONTROLE DE VETORES NA REGIÃO DO CARIRI - CE

1 Introdução

Renata Rocha Virgulino Medicina/UFCA renatarochavirgulino@hotma il.com

Clarice Estácio Trummer Leandro Costa Medicina/UFCA claricetrummer@gmail.com

Rafael Janoca Franca Medicina/UFCA rafael_student@hotmail.com

Estelita Pereira Lima Professora/UFCA estelitaplima@hotmail.com

Vários trabalhos realizados internacionalmente e no Brasil têm demonstrado os efeitos nocivos dos agrotóxicos para essa classe (SOBREIRA; ADISSI, 2003; CASTRO; CONFALONIERI, 2005; SILVEIRA et al, 2004; ARAÚJO et al, 2007). No entanto, os pesquisadores que investigam este problema travam uma luta contra o aparato científico e jurídico instalado junto às grandes corporações industriais do setor químico, que contestam a validade de provas científicas que possam prejudicar o mercado de seus produtos. Quanto à classe de agente sanitarista, a relação exposição a inseticida e efeitos na saúde é pouco investigada, ou pouco publicada. A literatura conta com um pequeno número de trabalhos, da década de 80 até hoje(FRANKLIN; PEIXOTO, 1986; CARVALHO et al, 1987; MINELLI; RIBEIRO, 1996; DORES et al, 2003; TEIXEIRA et al, 2003; LIMA et al, 2009). Um estudo realizado em 2006, com um grupo de agentes sanitaristas moradores na região do Cariri revelou vários casos de intoxicação aguda e crônica, que resultaram no afastamento definitivo das atividades com inseticidas, devido às alterações na saúde, especialmente, problemas neurológicos. Acredita-se que muitas patologias referidas podem ter sido geradas por um conjunto de fatores, desde a exposição aos inseticidas sem os devidos EPI, às condições de trabalho que contribuíram para fragilizar a saúde dos mesmos, tais como as condições nutricionais, a falta de assistência à saúde, o esforço físico continuado e o consumo de drogas lícitas (álcool e fumo), que podem ter facilitado a absorção dos inseticidas (LIMA et al., 2009).

A principal estratégia de controle dos vetores no Brasil ainda consiste na eliminação das espécies envolvidas, através da aplicação de inseticidas. Nesse contexto, os agentes sanitaristas representam a categoria mais exposta aos efeitos dos inseticidas nas campanhas antivetoriais, pois a exposição se dá desde o preparo da calda até a aplicação nas áreas intra ou peridomiciliares. Os servidores podem absorver esses produtos pelas vias dérmica e aérea, principalmente entre aqueles que realizam nebulização. Fatores como falta de equipamentos de proteção individual (EPI) ou desconhecimento da forma correta de manipulação de cada produto aumentam os riscos de intoxicação.Dependendo da espécie a ser controlada, várias formulações podem ser usadas durante a atividade laboral, aumentando a exposição a produtos com diferentes formas de ação no organismo. No Estado do Ceará, alguns agentes sanitaristas manipulam inseticidas há mais de 30 anos, durante o controle de todas as doenças transmitidas por vetores que ocorreram no estado, tendo sido expostos a diversas formulações em curto período de tempo. O objetivo geral deste trabalho foi analisar a história ocupacional de agentes sanitaristas sobre o controle dos vetores no estado do Ceará e sua repercussão na saúde desses trabalhadores. Os objetivos específicos foram: descrever a rotina de trabalho dos agentes para caracterizar os riscos, registrar as queixas de problemas de saúde adquiridos pelos agentes após a exposição e categorizar os efeitos na saúde em ergonômicos, toxicológicos e psicológicos.

3 Procedimentos Metodológicos 2 Fundamentação Teórica

O estudo foi realizado na região do Cariri, localizada no sul do estado e composta por 29 municípios. A área foi selecionada por ser o local de residência dos sujeitos envolvidos e por ser representativa do estado do Ceará, quanto à ocorrência de doenças transmitidas por vetores e controladas por meio de inseticidas. Foi empregado o método qualitativo História de Vida Tópica. A História de Vida tem como principal função retratar as experiências vivenciadas, bem

No estado do Ceará já ocorreram diversas epidemias de doenças transmitidas por vetores, provocando centenas de mortes, dentre elas: Febre amarela, Peste, Doença de Chagas, Filariose, Leishmaniose e Dengue, sendo essas duas últimas, endêmicas atualmente (LIMA et al., 2009). No Brasil, a relação exposição a inseticidas e efeitos na saúde é bastante investigada entre agricultores. 333


Caderno de Experiências como as definições fornecidas por pessoas, grupos ou organizações, como esta pessoa, esta organização ou este grupo interpretam sua experiência [...] e a História de Vida Tópica focaliza uma etapa ou um determinado setor da experiência em questão (CRUZ-NETO, 1994). Sua validade reside na possibilidade expressa na narrativa que dá forma ao vivido quando os homens elaboram e experimentam a história de sua vida (DELORYMOMBERGER, 2006). A escolha desse método deve-se ao objeto em estudo buscar compreender os significados individuais e coletivos do processo saúde-doença, vivenciados por agentes sanitaristas expostos a inseticidas, e porque os métodos qualitativos permitem interpretar os significados e representações dos fenômenos partilhados culturalmente pelos grupos sociais. Os atores deste estudo são agentes sanitaristas contratados de forma temporária ou contratados pelas prefeituras municipais de Crato, Juazeiro do Norte, Barbalha e Missão Velha, que foram ou ainda estão expostos a inseticidas, durante as suas atividades laborais. Além desses critérios, o agente deveria estar exercendo a função, no mínimo, há três anos, apresentar condição intelectual, emocional, médica e física para participar do estudo,e residir em um dos quatro municípios supracitados. Os agentes foram convidados a participar do estudo em seus pontos de apoio (PA), quando os mesmos foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa. Para o tamanho da amostra foi utilizado o critério da saturação das falas por recorrência das informações. O instrumento de coleta de dados foi a entrevista aberta mediante um roteiro. As entrevistas foram agendadas previamente,no local e horário desejados pelos entrevistados, realizadas individualmente e gravadas. Durante essas sessões, foram observadas também as expressões físicas e emocionais dos entrevistados, e anotadas em diário de campo. Foi estabelecido um ponto de corte temporal, partindo do início da admissão no setor de trabalho, até o momento das entrevistas. As falas foram transcritas preservando o anonimato dos informantes, pessoas e instituições citadas pelos mesmos. Para tanto, cada agente foi identificado pelo nome de um peixe. A análise dos dados procedeu ao ordenamento das informações coletadas. As entrevistas foram lidas e agrupadas, segundo as categorias de sentido, respeitando os objetivos propostos. Desse modo, constituem-se as categorias de análise:perfil dos agentes; controle de endemias; condições de trabalho e riscos à saúde; alterações na saúde. A análise da história de vida dos sujeitos foi realizada através da análise do discurso, que visou analisar não só a fala, mas também os sentimentos

e expressões demonstradas pelo relator durante a narrativa. 4 Resultados e discussão Perfil ocupacional dos agentes de endemias O grupo de trabalhadores entrevistados pertence a três municípios da região do Cariri: Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha. Todos são homens, com exceção de uma mulher. Foram admitidos por concurso ou seleção pública há, no mínimo, três anos e, no máximo, 26 anos. Atuaram em diferentes campanhas de combate a endemias, estando, portanto, expostos a diferentes inseticidas ao longo do tempo. A exposição se dá, para uns, de forma aérea e, para outros, por contato. Executam diferentes funções: alguns trabalham no combate a vetores, outros, em sorologia canina e vacinação animal. A carga horária é variável e depende da função ocupada dentro do serviço. Geralmente, o agente que atua no combate a vetores com visita domiciliar possui horário contínuo de 7 h às 13 h, visando diminuir a exposição ao sol. Aqueles que aplicam inseticidas através de bombas ou carros fumacês possuem horários diferenciados. Categorias de sentido Rotina de trabalho e riscos à saúde Os agentes relataram que antes de iniciarem suas atividades realizaram treinamento por período variável de uma semana a um mês. Segundo quase todos os relatos, o treinamento abordava apenas aspectos operacionais em relação à aplicação de inseticidas e abordagem de moradores. Sobre segurança no trabalho e riscos à saúde, pouco foi referido. De acordo com os depoimentos dos agentes, percebe-se que a maneira como o treinamento foi realizado e a forma de repasse da informação levouos a acreditaram que aquele trabalho, ou a exposição aos inseticidas não causavam riscos à saúde deles, justificando, portanto, a não adoção dos equipamentos de proteção individual (EPI). Nas falas, aqueles que referem uso de alguns EPIs são os que trabalham em atividades de dedetização ou preparo de caldas. Ainda percebe-se que muitos agentes desconhecem o que estão manipulando. Muitos agentes ignoram os produtos já usados e até os confundem com inseticidas atóxicos, aumentado os riscos de intoxicação. Embora alguns agentes acreditem não necessitarem de EPI em suas atividades, outras carências foram apontadas por quase todos, consideradas primordiais para a qualidade do serviço, e satisfação no trabalho. O trabalho dos agentes oferece riscos diversos, classificados em ergonômicos, psicológicos e 334


Pesquisa em Foco toxicológicos. As condições ideais de trabalho devem eliminar ou, pelo menos, minimizá-los. Há relatos de acidentes de trabalho nas três categorias, mas pela expressão do discurso dos agentes, eles não são percebidos, ou são banalizados.

Os relatos sobre a categoria de sentido Rotina de trabalho e riscos à saúde encontram-se resumidos no Quadro 1.

Quadro 1- Síntese das falas de agentes sanitaristas que atuam no programa de controle de vetores na região do Cariri –CE, sobre a rotina de trabalho e riscos à saúde. Rotina de trabalho e riscos à saúde Conteúdo das capacitações Falas “Era pra saber medir a caixa d'água e outras “...Aprender na prática como você chegar na casa. coisas.No meu caso, era saber passar o veneno”. A sequência que você tem que fazer na casa, como (Dourado) usar o remédio nas águas. ... eles passaram pra gente que ninguém vai chegar na casa chamando de veneno”. (Raia) “...Houve um treinamento, mais ou menos de um mês “Fizemos treinamento várias vezes já. Reciclagem... pra todos os concursados. ...durante o treinamento Toda a técnica de entrar nas casas, de abordar as ele explicou como manusear, como se proteger... Mas pessoas. ...Sobre segurança, como utilizar o só foi aquele curso básico mesmo, e depois iniciamos veneno...” (Jaú) o trabalho... Particularmente, eu acharia que deveria ter uma capacitação de tempo em tempo pra todos os agentes, pra que todos pudessem aprender mais sobre várias campanhas”. (Candiru) Equipamentos de proteção individual (EPI) ...Essa parte de segurança deixa a desejar muito... As “...Nunca eu usei nenhum tipo de proteção, tipo autoridades não ligam muito, não. Eles não tão nem luva, máscara. Nunca ninguém me deu não! Eles aí. Eles não sabem nem como é. Eles deviam, pelo não distribuem essas coisas não! ... muitas vezes menos, vir aqui visitar e saber como é o sistema que a caía no olho, né? Porque não tinha a proteção... o gente trabalha”. (Jaú) vento carregava, caía dentro da roupa da gente!” (Raia) “Usa máscara, luva, bota, macacão”. (Dourado) “Não tem como você não se expor...como eu não uso luva, então é impossível não se expor. Às vezes proporciona certa coceira, dependendo do tempo que você é exposto ao líquido” (Andirá) “Ninguém usa luva, que eu acho que deviam usar, “Tem uma máscara que cobre todo o rosto, tem um máscara... Só que eles alegam que se for usar, macacão também. Bota, capacete, a gente não tá chegando nas residências o pessoal vai recusar da usando mais não”. (Aruanã) gente colocar o produto, porque vê a gente se protegendo daquela forma e acham que não vão deixar ninguém colocar o produto”. (Raia) Banalização dos riscos “...Esse produto que a gente tá usando no momento, é “A gente usava máscara e luvas. (para diluição) um produto orgânico. Tá entendendo? Não há ...Na aplicação residencial, a gente não usa não. O necessidade. (Surubim) falando de diflubenzurom. contato é pouco. Não tem contato de inalação não”. (Barbado) “Ele é muito forte. Procuro sempre me manter distante. A gente não trabalha com luvas, porque dificulta o manuseio”. (Apaiari) Necessidades apontadas “...Transporte adequado, mais materiais, “Material de campo pro pessoal trabalhar com equipamentos e incentivo financeiro também”. todos os equipamentos, né? ...também falta recursos (Candiru) humanos... pra gente trabalhar em todas as campanhas do controle do vetor.” (Barbado) “Passa três anos sem dar fardamento. Pra você ver, “Eu acho que em primeiro lugar dar mais atenção as bolsas da gente são tudo quebradas e rasgadas. aos funcionários que tem, né? Porque nós temos 16 ...qualquer coisa que precisa aqui só se consegue anos... e tá um descaso danado... de primeiro, a através de justiça. (Lambari) gente fazia seis sítios. Hoje, mal tão fazendo dois sítios por falta de material. ...E os meninos tão se queixando aí de bolsa! As bolsas super imundas... um agente de saúde entrar numa casa de um médico, por exemplo, aí o cara olha de longe, vê aquele guarda de endemias com a farda horrível, suja, bolsa rasgada! Isso pega mal demais.” (Jaú) "Tem muita coisa que precisa melhorar. Um exemplo “Tá faltando fardamento... mais apoio... material

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Caderno de Experiências é a nossa proteção, que ninguém tem." (Raia)

de trabalho... Precisava de uma reciclagem, sabe? Pelo menos uma vez no ano, era muito bom. ...Porque a gente tava sempre bem atualizado.” (Apaiari) Acidentes de trabalho “Só fui atacado por cães”! (Lambari) “Eu mesmo já sofri dois acidentes. Não de grandes proporções, mas relativamente perigosos... eu estava subindo e o degrau da escada rompeu. Eu caí, mas graças a Deus, era de uma altura um pouco baixa e não aconteceu nada, mas já tiveram acidentes mais graves, caíram de locais mais altos.” (Candiru) “... Na campanha de anti-rábica eu me furei com uma “Ah! Se cair no olho, já viu né? Tem que procurar agulha. É porque tava pouca! Aí pra dar pra vacinar, correnteza d'água. Já aconteceu comigo... Arde essa mesma agulha foi usada em 7 a 10 cachorros... muito, certo? Eu não sei o que era que eu tava Aí era os dois últimos cachorros, por coincidência. fazendo. Me descuidei um pouco.” (Surubim) Quando eu furei um, eu furei o outro, aí me furei.” (Acará) “Já teve vez, por displicência mesmo, a gente fazer “Eu levei uma queda duma escada, que quase contato do inseticida com a pele, ou com o olho. ...já quebrei meu joelho. Eu subi a escada, tratei a caixa aconteceu de escada escorregar, quebrar aquelas d’água, e quando desci, aí o degrau tava comido traves e aí tem que rezar pra não acontecer um pelo cupim. Aí ele arriou, e quando arriou eu desci acidente mais grave. ... Só teve algumas escoriações lá de cima”. (Aruanã) na pele, não quebrei nada.” (Barbado)

Alterações na saúde As alterações percebidas na saúde após a admissão como agente de endemias foram classificadas em ergonômicas, toxicológicas e

psicológicas. No Quadro 2 estão sintetizados os relatos dos agentes sobre essa categoria.

Quadro 2- Síntese das falas de agentes sanitaristas que atuam no programa de controle de vetores na região do Cariri –CE, sobre a rotina de trabalho e riscos à saúde. Alterações na saúde Ergonômicas “Devido ao sol, que você trabalha diariamente, aí “Eu tive um tempo afastada do campo por motivos de constantemente você está com dor de cabeça”. problema decorrente do sol... Começou a criar umas (Candiru) manchas vermelhas, tipo em forma de borboleta no meu rosto. ...Passei seis anos afastada” (Raia) “O ruim é o peso. ...Hoje vivo com minha coluna que não aguento. Acho que é de carregar essa bolsa de lado”. (Raia) Toxicológicas “...Eu sinto um mal estar só quando a gente abre o “...Esse diflubezuron dá uma certa coceira na pele. produto. ... Tosse, tontura. Eu vejo meus amigos, Não tanto quanto o abate, mas se você se expor a ele meus colegas de trabalho, alguns reclamando. O muito, você tem irritação na pele”. (Andirá) novaluron, esse cheiro dele é muito desagradável. ...Tinha um produto, o diflubenzuron, que me dava coceira nas mãos”. (Apaiari) “Principalmente o alfa-cipermetrina, quando você “Esse alfa, ele nem fede nem cheira, mas ele queima! não se cobre bem, às vezes fica parte aqui exposto, a ...Ele também deixa uma secreção na garganta da parte do rosto, então ele dá uma certa irritação. Às pessoa. Assim como se fosse uma baba” (Tambaqui) vezes dá uma queimação terrível. Quando você tá trabalhando, tudo bem. Mas quando você pára, às vezes até 7, 8 horas da noite, você fica com o rosto queimando.” (Aruanã) “Esse sintoma que eu acabei de te citar... você tá no “Eu fui intoxicado pelo abate devido ao tempo de uso. campo, aí às vezes sua pressão sobe ou baixa, e você Aí tem alteração na colinesterase. ...Tinha tontura e o escurece a vista e pensa que vai até desmaiar. Só olho ficava lacrimejando”. (Lambari) que, como eu te disse, eu não fiz exame pra saber se realmente é através da utilização desses produtos. Mas esse sintoma começou depois que eu comecei a trabalhar realmente aqui.” (Candiru)

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Pesquisa em Foco Psicológicas “...Eu acho que eu me sinto mais ansioso, tá “A única coisa que a gente sente mais, é que ele mexe entendendo? Como eu posso dizer, uma ansiedade com o sistema nervoso da pessoa. ...você fica constante. Às vezes, aquela impaciência, sabe?”. agitado...porque esse tipo de inseticida, ele mata (Andirá) calado”.(Tambaqui)

Ao compararmos os dados colhidos nessa pesquisa com artigos publicados em pesquisas anteriores com agentes de endemias pertencentes à Fundação Nacional de Saúde, concluímos que quanto ao perfil ocupacional dos agentes de endemias, houve um aumento em relação à escolaridade dos profissionais. Antes, a maioria dos agentes não possuíam ensino médio completo (LIMA et al., 2009) e,hoje, a maioria possui ensino médio completo, alguns possuem vários cursos técnicos e até ensino superior completo. Entretanto, essa mudança no nível de escolaridade dos agentes não se refletiu no nível de conhecimento em relação aos riscos que correm durante sua jornada de trabalho. Outra mudança no perfil dos agentes é a presença da mulher no serviço, em 2009, eram exclusivamente homens trabalhando como agentes (LIMA et al., 2009). Em relação à jornada de trabalho, também houve mudanças. Há algum tempo atrás, os agentes passavam um mês no campo durante sua jornada (LIMA et al., 2009). Hoje, a jornada é diária, sendo principalmente das 7h às 13h, tal mudança diminui o tempo de exposição dos agentes ao sol, entretanto, podemos perceber que, quando perguntados sobre a distribuição dos protetores solares e bonés, a maioria dos agentes afirmou que essa distribuição é feita de modo irregular e esse material sempre está em falta. Essa falta de proteção à exposição solar se reflete no fato de alguns entrevistados se queixarem de manchas na pele e de termos relatado casos de afastamento do campo, por certo período de tempo, por problemas dermatológicos. Quanto ao tempo e qualidade do treinamento, concluímos que, apesar da maioria ter afirmado receber treinamento antes de começar a trabalhar como agente, nota-se uma falta de conhecimento em relação aos reais danos do inseticida à sua saúde. Essa falta de conhecimento se justifica ao comodismo em relação ao EPI, muitos até afirmaram que ele não era necessário, pois o contato com o inseticida era mínimo. O treinamento pelo qual passaram serviu-lhes mais como uma aula prática de como aplicar o inseticida em que mascaram os malefícios e apenas mostram o lado bom do veneno. Houve, inclusive, relatos de que o inseticida não fizesse mal à saúde. Em 2009, uma queixa comum era a falta de EPI e a qualidade dos mesmos. Nessa época, muitos agentes relatavam que a instituição raramente fornecia EPI e, quando o fazia, não era em quantidade suficiente, além do que dificilmente havia reposição dos mesmos (LIMA et al., 2009). A realidade, infelizmente, ainda é a mesma. Muitos

agentes relataram que não recebem EPI e os que recebem afirmam ser em quantidade insuficiente. A maioria dos acidentes relatados pelos agentes, como contato do inseticida com pele e mucosas e perfuração com agulha já usada em vários animais, poderiam ser prevenidos com o uso do EPI de qualidade e quantidade suficientes. Apesar disso, muitos agentes se queixaram da falta de fardamento em quantidades adequadas, a maioria afirmou não ter fardamentos em quantidade suficiente, já que a reposição quase nunca é feita e não se pode usar o uniforme da gestão passada. Houve também queixas em relação à reposição dos acessórios como bolsas e chapéus, chegando a ser relatado o caso de um agente que já deixou de ir para o campo, pois a bolsa em que levava os inseticidas rasgou. Muitos relataram que eles costumam remendar a bolsa enquanto a gestão não providencia outra. Vale lembrar que o fardamento e seus acessórios são de fundamental importância para a proteção do agente, além de que tais medidas interferem diretamente na forma de motivação e qualidade do serviço prestado pelos agentes. Quanto aos acidentes de trabalho houve uma mudança significativa no modo como são tratados. Em 2009, os agentes afirmavam que os acidentes e intoxicações eram constantes e que não havia assistência adequada, tendo os agentes que continuar o trabalho normalmente (LIMA et al., 2009). Hoje, ainda há muitos relatos de acidentes e intoxicações, entretanto, mostram-se de forma menos grave e os agentes recebem atendimento médico nos PSFs e hospitais da região. Apesar de afirmarem não receber atendimento preferencial, muitos disseram que sempre são bem tratados e mais respeitados quando estão fardados. Os acidentes são dos mais diversos tipos, desde mordida de animais e queda em fossa séptica, até lesão com agulha contaminada. Chama atenção o fato de que muitos agentes não sabiam que sintomas como tontura, queda da pressão arterial ou boca seca eram sinais de intoxicação e, portanto, afirmavam que nunca tinham se intoxicado, pois não ocorria nenhuma alteração no exame de colinesterase ao qual são submetidos periodicamente. Além disso, muitos agentes não relatavam como acidente a contaminação de pele, boca e olhos por inseticida, ou a inalação do mesmo, pois afirmavam que isso já era rotina na vida deles. As alterações notadas na saúde dos agentes se manifestam das mais diversas formas. Na categoria ergonômica temos principalmente cefaleias, manchas de pele e problemas osteomusculares 337


Caderno de Experiências decorrentes do tipo de serviço, do excesso de peso da bolsa em que carregam os inseticidas e da própria bomba costal. Dentre as alterações toxicológicas destacaram-se tosse, vertigem, prurido e ardência na pele, hipotensão arterial e olhos lacrimejando. Nas alterações psicológicas temos ansiedade, impaciência e agitação. Vale lembrar, que a maioria das patologias relatadas pelos agentes poderiam ser evitadas, se os mesmos recebessem dos seus superiores o suporte necessário para executar suas tarefas. Os inseticidas têm ação direta no sistema nervoso do ser humano devido ao fato de inibirem a enzima colinesterase. Essa é responsável pela hidrólise da acetilcolina que é um mediador do impulso nervoso (LIMA et al., 2009). Durante as entrevistas, notamos que os trabalhadores não sabiam exatamente com o que estavam trabalhando e os danos que aquele serviço poderia causar à sua saúde, a curto, ou longo prazo. Passou-nos a impressão de que os reais efeitos do inseticida na vida do trabalhador eram omitidos durante os treinamentos, quando havia, ou mascarados. Talvez a substituição do nome veneno por ''remédio'', tenha aí a sua origem, assim como a dispensa do uso de EPIs, e o conhecimento deturpado entre a classe de inseticidas tóxicos e atóxicos. Os agentes não têm assegurado o seu direito à proteção durante o trabalho, já que não recebem devidamente os EPI ou fardamentos necessários para a execução de suas atividades.Houve, inclusive, relatos de que o carro que faz o transporte dos agentes pra zona rural está em péssimas condições e de que o motorista do transporte não possui carteira de habilitação. Apesar das condições de trabalho dos agentes terem melhorado muito, ainda existem muitas falhas que colocam em risco a integridade física e psicológica dos agentes, portanto, é preciso criar outros métodos de controle vetorial que não exponham o trabalhador.

Sugerimos a aplicação das políticas de saúde e segurança do trabalhador, e que haja fiscalização e garantia de direitos trabalhistas. Isso pode começar pela promoção do conhecimento nas capacitações, sem omissões de informação, tornando-os conscientes dos riscos a que estão expostos. Referências ARAÚJO, Alberto José de et al. Exposição múltipla a agrotóxicos e efeitos à saúde: estudo transversal em amostra de 102 trabalhadores rurais. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 12, n. 1, p. 115-130,jan/mar,2007. CARVALHO, Wilson Andrade; BERBERT, Paulo Romeu;ROCHA,Nilmar. Serum levels of organochlorineinsecticides in: health workers exposed to DDT in public health campaigns at the State of Bahia, Brazil. 2nd International Environmental Chemistry Congress in Brazil, Salvador, Bahia, 1987. CASTRO, Jane S. Maia, CONFALONIERI, Ulisses. Uso de Agrotóxicos no Município de Cachoeiras de Macacu (RJ). Ciência & Saúde Coletiva, vol.10, n.2, p. 473-482, apr./ june, 2005. CRUZ NETO, Otávio. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: Minayo MSC, organizadora. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; p. 51-66, 1994. DELORY-MOMBERGER, Christine. Formação e socialização: os ateliês biográficos de projeto. Educação e Pesquisa, vol. 32, n.2 ,p. 359-371, mai/ago, 2006. DORES, Eliana Freire Gaspar de Carvalhoet al. Serum DDT in malaria vector control sprays in MatoGrosso State, Brazil. Caderno de Saúde Pública, vol.19, n. 2, p. 429-437, mar/apr, 2003.

Considerações Finais Com base nos depoimentos dos agentes, concluímos que a execução de suas atividades laborais oferece riscos à saúde, sendo que, para uma grande proporção os agravos já foram constatados. Entre estes, as queixas prevalentes foram as toxicológicas e, estas por sua vez, podem levar a desequilíbrios psicológicos. Estes agentes representam uma classe vulnerável, considerando a falta de conhecimento sobre os produtos usados, o não uso de EPIs, a crença de que eles não são necessários, e a banalização dos acidentes de trabalho. Isso ocorre porque as capacitações abordam apenas as atividades operacionais e negligenciam as informações de segurança no trabalho.

FRANKLIN,HeloizaMaria de Oliveira Horta; PEIXOTO, Tânia Mara Amâncio Guerra. Níveis sanguíneos de HCH em guardas da Sucamsob alto contato com o produto. In:X Encontro Nacional de Analistas de Resíduos de Pesticidas,Relatório, p. 111-115, São Paulo: Instituto Adolfo Lutz, 1986. LIMA, Estelita Pereira al. Exposição a pesticidas e repercussão na saúde de agentes sanitaristas no Estado do Ceará, Brasil. Ciência&SaúdeColetiva, vol.14,n.6, p. 21052112, 2009.

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SOBREIRA, Antônio Elísio Garcia, ADISSI, Paulo José. Agrotóxicos: falsas premissas e debates. Ciência & Saúde Coletiva, vol.8, n.4,p. 985990, 2003.

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Caderno de Experiências

ANATOMIA DOS GRANDES VASOS DA CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA: ARCO AÓRTICO E VARIAÇÃO DA RAMIFICAÇÃO

1 Introdução

Micah Barreto Ribeiro Doudement Almeida Medicina/UFCA micah.almeida@hotmail.com

Cinthia Alves Martins Medicina/UFCA thinta_martins@hotmail.com

Yuri Ferreira Fernandes Medicina/UFCA yuriferreirafernandes@hotm ail.com

Marco Felipe Macedo Alves Medicina/UFCA marcofma7@gmail.com

Iago Mateus Rocha Leite Medicina/UFCA iago_mateus@hotmail.com

José Marcílio Nicodemos da Cruz Professor/UFCA nicodemosmarcilio@hotmail. com

é composta de colágeno e contém o vasa vasorum e nervos. A camada média é composta de fibras elásticas e células de músculos lisos. O interior da camada íntima é composto de endotélio e uma membrana basal. A aorta torácica se estende a partir do nível da válvula aórtica até o nível do diafragma e pode ser dividida em 4 partes distintas: raiz da aorta, aorta ascendente, arco aórtico e aorta torácica descendente. A raiz aórtica compreende um segmento curto de aorta que surge a partir da base do coração e contém a valva aórtica, o anel e os seios de Valsalva. A aorta ascendente prolongase a partir da junção sinotubular até a origem da artéria braquiocefálica. O arco aórtico continua a partir da origem da braquiocefálica e se torna a aorta descendente ao nível do istmo, entre a origem da artéria subclávia esquerda e do ligamento arterior para continuar caudalmente ao hiato do diafragma. (STEIN et al, 2014) O arco da aorta, ou arco aórtico, a continuação curva da parte ascedente da aorta, inicia-se posteriormente à 2ª articulação esternocostal direita, no nível do ângulo do esterno. Curva-se em sentido superior, posterior, para a esquerda e, depois, inferior. O arco da aorta ascendente anteriormente à artéria pulmonar direita e à bifurcação da traquéia, atingindo seu ápice no lado esquerdo da traqueia e esôfago, quando passa sobre a raiz esquerda do pulmão, ao lado da vértebra T4, e termina formando a parte torácica, descendente, da aorta, posteriormente à 2ª articulação esternocostal esquerda. (MOORE et al, 2012) A parte superior do arco da aorta geralmente está cerca de 2,5 cm inferior à margem superior do manúbrio do esterno, mas pode estar mais superior ou inferior. Às vezes o arco da aorta curva-se sobre a raiz do pulmão direito e segue inferiormente no lado direito, formando um arco da aorta à direita. Em alguns casos, o arco anormal, após passar sobre a raiz do pulmão direito, pode seguir posteriormente ao esôfago, até alcançar sua posição habitual do lado esquerdo. Com menor frequência, um arco da aorta duplo forma um anel vascular ao redor do esôfago e da traqueia. Quando há compressão da traqueia a ponto de afetar a

No estudo anatômico dos órgãos e sistemas são descritos seus aspectos normais, ou seja, as características que ocorrem com alta frequência. Assim, quando um evento ocorre na maioria dos indivíduos de uma espécie, ele é considerado como padrão ou normal. Nesse contexto também são observadas as variações anatômicas, caracterizadas pela alteração no padrão comum. Em anatomia, define-se variação como sendo um pequeno desvio do aspecto morfológico normal de um órgão ou ainda o desvio do plano geral de organização de um indivíduo, podendo ser positivo, negativo ou indiferente para o funcionamento do mesmo. (DIDIO, 1998; ROSA, 2011) É bastante frequente, na anatomia, o achado de variações, seja em procedimentos cirúrgicos, exames de imagem ou dissecção de cadáveres. Desta forma, é necessário, tanto aos profissionais quanto aos estudantes, que se conheça a anatomia padrão, ou mais frequente, para que se reconheça os desvios de normalidade. O objetivo deste trabalho é contribuir com a produção científica de artigos de revisão com base em pesquisas quantitativas, cuja finalidade é atualização do conhecimento sobre o tema anatomia dos grandes vasos da circulação sanguínea: arco aórtico e variação da ramificação, dirigindo-se especialmente aos pesquisadores iniciantes. O estudo faz uso de alguns instrumentos teórico-metodológicos para produção de textos, prioriza os cuidados necessários quanto à leitura dos artigos consultados, visando enriquecer o conhecimento e a forma de reprodução desse conhecimento adquirido. Também alerta para os diversos aspectos que podem envolver a discussão sobre o tema escolhido, ressaltando e exemplificando a abrangência dos recursos metodológicos que precisam ser respeitados, mesmo em artigos de revisão de literatura. 2 Fundamentação Teórica A parede da aorta é composta por 3 camadas distintas. A adventícia é a camada mais externa; ela 340


Pesquisa em Foco respiração pode ser necessário realizar a divisão cirúrgica do anel vascular. (MOORE et al, 2012)

esquerda do tronco braquiocefálico. Ascende anteriormente à artéria subclávia esquerda e inicialmente situa-se anterior á traqueia e depois à sua esquerda. Entra no pescoço passando posteriormente à articulação esternocostal esquerda. (MOORE et al, 2012) A artéria subclávia esquerda, o terceiro ramo do arco, origina-se da parte posterior do arco da aorta, imediatamente posterior à artéria carótida comum esquerda. Ascende lateralmente à traqueia e à arteira carótida comum esquerda no mediastino superior; não emite ramos no mediastino. Quando sai do tórax e entra na raiz do pescoço, passa posteriormente à articulação esternocostal esquerda. (MOORE et al, 2012) O padrão habitual de ramos da aorta está presente em aproximadamente 65% das pessoas. Variações na origem dos ramos do arco da aorta são bastante comuns. Em aproximadamente 27% das pessoas, a artéria carótida comum esquerda origina-se do tronco braquiocefálico. O tronco braquiocefálico não se forma em cerca de 2,5% das pessoas; nesses casos, cada uma das quatro artérias, carótidas comuns e subclávias direitas e esquerdas, tem origem independente no arco da aorta (Fig. 2). A artéria vertebral esquerda origina-se do arco em cerca de 1,2% das pessoas (Fig. 3) (BERGMAN et al, 1988; MOORE et al, 2012)

Figura 1: Anatomia e ramificação padrão do arco aórtico

Figura 2.: Arco aórtico sem tronco braquiocefálico. As artérias carótidas (1 e 2), vertebral (3) e a subclávias (4 e 5) esquerda se originam diretamente do arco Fonte: SOBOTTA, 2012.

Três grandes ramos arteriais surgem classicamente do arco aórtico (Fig 1): o tronco braquiocefálico, a carótida comum esquerda e a subclávia esquerda. Várias anomalias do arco podem ser encontradas em imaginologia. Arco aórtico do lado direito, o arco aórtico duplo, coarctação da aorta, arco aórtico interrompido, e hipoplasia da aorta ascendente são alguns dos exemplos de anomalias congénitas do arco. A anormalidade mais comum é a ramificação combinada da origem da braquiocefálica e da artéria carótida comum esquerda, referido como um arco aórtico bovino. Outros padrões de ramificação anômalos incluem as subclávias direita e esquerda com origens aberrantes, bem como origem aberrante da artéria vertebral. (STEIN et al, 2014) O tronco braquiocefálico, primeiro e maior ramo do arco da aorta, origina-se posteriormente ao manúbrio do esterno, onde está anterior à traqueia e posterior à veia braquiocefálica esquerda. Ascende superolateralmente até alcançar o lado direito da traqueia e a articulação esternocostal direita, onde se divide nas artérias carótida comum direita e subclávia direita (MOORE et al, 2012) A artéria carótida comum esquerda, o segundo ramo do arco da aorta, origina-se posteriormente ao manúbrio do esterno ligeiramente posterior e à

Fonte: HERRERO et al, 2012.

Diversos artigos estimam em todos os casos que a variação anatômica mais comum foi a existência de uma origem comum entre o tronco braquiocefálico e a artéria carótida comum esquerda, comumente chamada de artéria bovina, (Fig.4). (Biasutto et al, 2012; De Garis et al, 1933; Faggioli et al, 2007; Herrera Ortiz et al, 2012; Jakanani e Adair, 2010; Jimenez et al, 2012; Karabulut et al, 2010;Katz et al, 2006; Kodama et al, 1989; Moskowitz e Topázio, 2003; Ballesteros Rojas Oviedo Acuña, 2009; Szpinda et al, 2005) 341


Caderno de Experiências Em sua pesquisa, Nayak et al(2014), obteve resultados semelhantes à prevalência global das anomalias: o arco aórtico normal de três ramificações foi detectado em 91,4%; as variações foram encontradas em 9,6%; 4,8% apresentavam origem comum das artérias carótidas; 1,6% tinham sequência binominada, e o mesmo espécime tinha a origem da artéria coronária esquerda diretamente no arco aórtico; 1,6% apresentavam a origem da artéria subclávia direita diretamente na aorta; 1,6% tinham como ramificação do arco aórtico uma artéria vertebral esquerda. As anomalias de ramos resultantes do arco aórtico são devidas a variações na extensão do processo de fusão e absorção de alguns dos arcos aórticos ao saco aórtico. Aumentar ou diminuir em número de ramos resultantes do arco depende de tal processo. (NAYAK et al, 2014)

tronco braquiocefálico vão depender de como arcos aórticos vão fundir. Figura 4: Origem anômala da artéria carótida comum esquerda diretamente do tronco braquiocefálico, comumente chamada de artéria bovina

Figura 3: À esquerda, a origem anômala da Artéria vertebral esquerda diretamente do arco aórtico. À direita, variação anatômica com origem de duplo tronco braquiocefálico Fonte: MOORE, 2012.

Algumas vezes, uma artéria subclavia direita retroesofágica origina-se como o último, à extrema esquerda, ramo do arco da aorta. A artéria cruza posteriormente ao esôfago para chegar ao membro superior direito e pode comprimir o esôfago, causando dificuldade à deglutição, disfagia. Uma artéria acessória para a glândula tireoide, a artéria tireóidea ima, pode originar-se do arco da aorta ou da artéria braquiocefálica. (MOORE et al, 2012) O arco aórtico direito (Fig 5 e 6)é um defeito congênito raro da aorta e está presente em cerca de 0,05% da população(3). Em uma série de autópsias, realizados por Faucz em sua pesquisa,, 50% dos casos foram associados com artéria subclávia esquerda aberrante(4), a qual pode estar localizada atrás do esôfago, 80%, entre a traqueia e o esôfago,15%, ou anteriormente à traquéia,5%. (HASTREITER et al, 1966; GOMEZ et al, 1968; SVENSSON et al, 1997; FAUCZ et al, 2005)

Fonte: MOORE, 2012.

Biasuto (2013) delibera em seu trabalho que perto do final da quinta semana de desenvolvimento embrionário do quarto arco aórtico à direita faz com que a porção proximal da artéria subclávia e do tronco braquiocefálico (Sadler e Langman, 2005; Savastano et al, 1992; Agreda Smith et ai,1992; Williams e Warwick, 1992). O tronco braquiocefálico, TBC, decorre da parcela arco aórtico horizontal e vai para o direito, passando em frente da traqueia e nervo recorrente direita e atrás da veia inominada. Aproximadamente ao nível da articulação esterno-clavicular, o TBC é dividido em seus dois ramos terminais das artérias carótida comum e subclávia direita (Latarjet e Ruiz Liard, 1997; Racic et al, 2005; Testut e Latarjet, 1973; Williams e Warwick, 1992). Todas as variações e anomalias na origem, curso e ramificações do

Figura 5: Visão Anterior, arco aórtico à direita

Fonte: FAUCZ et al, 2005.

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Pesquisa em Foco Figura 6: Visão posterior, arco aórtico à direita

se as publicações relativas às anomalias estruturais do arco aórtico. 4 Resultados e discussão Sabe-se que o padrão anatômico do arco da aorta, com três ramificações, é o mais encontrado no corpo de espécimes humanos. De acordo com a análise dos dados bibliográficos colhidos, a anatomia padrão do arco da aorta abrange de 65 a 90% de prevalência nas pesquisas. Verifica-se, também, a ocorrência da artéria carótida comum esquerda como ramo direto do tronco braquiocefálico, arco aórtico bovino, variando entre 2 e 27%, qualificando-se como uma das variações anatômicas mais significativas desse seguimento. As demais anomalias anatômicas, como a artéria vertebral esquerda derivada diretamente do arco aórtico, o arco aórtico duplo, o tronco braquiocefálico duplo, a inexistência de tronco braquiocefálico, com origem das quatro artérias direto do arco aórtico, origem da artéria subclávia direita diretamente na aorta, arco aórtico direito aberrante e subclávia esquerda e as demais citadas possuem menor probabilidade de ocorrência, respondendo por cerca de 1% das alterações. A maioria das anomalias anatômicas do arco aórtico são bastante comuns e são, geralmente, assintomáticas. Há a possibilidade, entretanto, de que sejam causados sintomas respiratórios, digestivos, patologias hemodinâmicas, além de acompanhar diversas síndromes e até mesmo ser incompatível com a vida. Embora as origens anômalas das ramificações do arco aórtico sejam meramente variações anatômicas, informações precisas sobre elas são essenciais para a cirurgia vascular na região do tórax, cabeça e pescoço. Portanto deve ser considerado o diagnóstico diferencial e o cirurgião deve estar preparado para uma descoberta intra-operatória. Nas operações cirúrgicas sobre a traqueia e esôfago, essas variações anatômicas também devem ser consideradas.

Fonte: FAUCZ et al, 2005.

No estudo feito por Shakeri (2013), foi encontrado que 68,8% dos indivíduos estudados possuíam a variação padrão, três ramos, 14,3% mostraram-se com a variação da artéria carótida esquerda se ramificando do tronco braquiocefálico, 11,9% possuíam dois troncos braquiocefáticos, que dão origem aos respectivos ramos subclávios e carótidas (Fig. 3), 3,2% apresentavam artéria vertebral esquerda originando-se diretamente do arco da aorta e 0,2% apresentaram origem comum das artérias carótidas direita e esquerda. O arco aórtico à direita frequentemente é assintomático, a menos que ocorra o desenvolvimento de um aneurisma. Isto, em geral, ocorre ao nível da origem da artéria subclávia esquerda e é conhecido como aneurisma de Kommerell ou divertículo de Kommerell. (FAUCZ et al, 2005) 3 Procedimentos Metodológicos Para conhecer o funcionamento e o processo das descobertas de fenômenos estudados na anatomia dos grandes vasos da circulação sanguínea: arco aórtico e variação da ramificação foi realizada revisão de literatura no período de outubro a novembro de 2014, nos idiomas inglês, português e espanhol, nas bases de dados do Portal de Periódicos da Capes, da Biblioteca Virtual em Saúde (LILACS, MEDLINE, SciELO, Cochrane Library) e na base de dados SCOPUS, bem como livros técnicos, abrangendo artigos publicados entre os anos de 2001 a 2014. Os descritores utilizados foram: arco aórtico, variação anatômica, aorta torácica, tronco braquiocefálico, artéria inominada, artéria subclávia, artéria carótida primitiva. Foram adicionados ao estudo os artigos originais de revisão bibliográfica, artigos de pesquisa, estudos de caso e relatos de experiência relacionados ao tema supracitado. Foram analisados artigos que se referiam à anomalia ou a variação anatômica das ramificações do arco aórtico, da distribuição de seus ramos. Excluíram-

Considerações Finais O objetivo primordial desse trabalho é contribuir com a produção científica de artigos de revisão com base em pesquisas quantitativas, cuja finalidade é atualização do conhecimento sobre o tema levantado, dirigindo-se especialmente aos pesquisadores iniciantes. A presente revisão, por conseguinte, apresentou a maior parte das variações anatômicas relativas ao arco aórtico, baseadas em achados relevantes na literatura atual. Procura-se que este trabalho possa ser de grande valia para a formação de futuras revisões e, ainda, 343


Caderno de Experiências estimular a pesquisa de outros temas relacionados às variações anatômicas. O conhecimento das variações do arco aórtico na anatomia faz-se necessário, pelos profissionais e estudantes da área da saúde, para se obter subsídios e, consequentemente, serem qualificados a discernir entre o padrão comum, as variações do comum e o patológico no que se refere à aorta, uma das principais artérias do corpo humano, de importância ímpar à vida, não só no âmbito acadêmico, como também no profissional, na aplicação diária da medicina. O tema, desta forma, possui importância na aplicação e ampliação do conhecimento em anatomia para estudantes e professores, tanto na teoria quanto na prática. Todas essas colocações estão representadas por meio desse artigo que faz uma síntese dos conhecimentos com a seleção minuciosa dos artigos e das fontes bibliográficas que complementaram e enriqueceram esse texto.

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Caderno de Experiências Hanna Emile Rodrigues Mota Nicolau Medicina/UFCA hanna.emile13@gmail.com

CARCINOMA EPIDERMÓIDE ORAL: SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO IMUNOHISTOQUÍMICA DE CITOPLASMA E DE MEMBRANA CITOPLASMÁTICA DA ECADERINA. 1 Introdução

Marcos Antonio Pereira de Lima Professor/UFCA marcosantonio@ufca.edu.br

GOTTARDI e GUMBINER, 2001). Estudos recentes vêm correlacionando a perda da expressão da Ecaderina nos CEC’s de cavidade oral a outros marcadores, como Sasaya et al. (2013) fizeram percebendo que a perda da expressão de alfa e beta cateninas está envolvida com a menor expressão de E-caderina e a uma maior progressão tumoral. O presente estudo teve como objetivos avaliar os padrões de marcação de positividade e intensidade de tal glicoproteína na membrana plasmática e no citoplasma das amostras obtidas e correlacionar esses achados com os dados clínicos e histopatológicos encontrados para, enfim, avaliar se a glicoproteína supracitada pode ser entendida como um potencial marcador tumoral.

O câncer de cavidade oral, incluindo o de lábio, é um importante problema de saúde mundial, sendo a décima primeira neoplasia mais incidente nos homens, ainda com altas taxas de mortalidade e um aumento importante na prevalência e mortalidade estimadas para os próximos cinco anos (GLOBOCAN, 2012). Tem como tipo histológico mais comum o carcinoma de células escamosas ou carcinoma espinocelular (CEC). Um diagnóstico precoce mostra-se indispensável quando observamos as taxas de sobrevida em diferentes áreas da cavidade oral comparadas ao estadiamento tumoral, com uma sobrevida esperada em cinco anos maior em lesões localizadas nas porções mais anteriores e em estágios mais iniciais (I e II). Por vezes os pacientes acometidos já são classificados no momento do diagnóstico com doença avançada, incluindo presença de metástase linfonodal, o que é muito comumente encontrado nesse tipo de câncer devido à alta drenagem linfática presente nessa área tornando necessário também um exame clínico do pescoço desse paciente. Porém, a presença de micrometástases ou metástases linfonodais ocultas pode passar despercebida ao exame clínico, o que acaba favorecendo as altas taxas de recorrência e, consequentemente, aumento da mortalidade encontrada nesse tipo de neoplasia maligna. O estudo da E-caderina, codificada pelo gene CDH1, localizado no cromossomo 16q22.1, surge nesse cenário visto o seu importante papel como glicoproteína transmembrana Ca+-dependente promovendo o estabelecimento e manutenção da adesão célula-célula, conhecida por junções adherens, como também a sua capacidade de se ligar ao citoesqueleto de actina através da alfa e beta cateninas acopladas no seu domínio citoplasmático (CD) (SUN et al., 2012; HUANG et al., 2005). Assim, como descrito em vários trabalhos, a E-caderina pode ser entendida como gene supressor tumoral inibindo a invasão e migração das células epiteliais tumorais e também atua suprimindo o fenômeno conhecido como transição epitélio-mesenquimal (EMT), que também está envolvido num pior prognóstico para esses pacientes (WONG e GUMBINER, 2003;

2 Fundamentação Teórica O presente estudo buscou fundamentação teórica a partir de resultados, que corroboraram nossas hipóteses, encontrados na literatura sobre o assunto em outros tipos tumorais. Mostaan et al. (2011) fala que a perda de expressão da E-caderina está relacionada com a promoção de invasão tumoral e metástase em vários tumores, incluindo os carcinomas de células escamosas de cabeça e pescoço (CCECP). Dentre outras atribuições (adesão célula-célula, por exemplo), a E-caderina é capaz de recrutar β-catenina para a região perimembranar e a disfunção deste complexo está diretamente envolvida na carcinogênese, favorecendo a regulação positiva da sinalização Wnt e a localização nuclear de β-catenina, que por sua vez, pode ativar diversos genes importantes (HUBER et al., 2011; SCHMALHOFER, BRABLETZ e BRABLETZ, 2009). Huber et al. (2011) chegam a comparar a E-caderina a um supressor tumoral. Não obstante, estudos têm revelado a presença desta proteína no citoplasma de células malignas sugerindo tratar-se de um estado inerte da Ecaderina com efeitos similares àqueles observados na perda de sua expressão. Porém, pouquíssimos trabalhos têm avaliado a imunomarcação citoplasmática independente da de membrana citoplasmática e o papel da localização citoplasmática de E-caderina no perfil clinico346


Pesquisa em Foco patológico dos carcinomas orais, o que caracteriza o objetivo principal deste estudo.

O presente projeto faz parte de outro estudo intitulado “Carcinoma de células escamosas oral: relevância do vírus Epstein-Barr (EBV) e do Papilomavírus Humano (HPV) na metilação e expressão dos genes CDKN2A, E-caderina, COX-2, MLH1”, cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa – COMEPE, da Universidade Federal do Ceará, sob o parecer nº 111/09. Foram analisadas separadamente as marcações citoplasmáticas e de membrana dos 83 casos de carcinoma escamoso oral através de contagem de células marcadas pela imuno-histoquímica para a glicoproteína E-caderina (clone NCH38, mouse monoclonal, diluição 1:80, Dako, Glostrup, Dinamarca). O índice de marcação (Labelling index – LI) foi determinado de acordo com Landberg e Ross (1993). Foi avaliada ainda a intensidade de marcação (H score – HS) pelo método descrito McCartyet al. (1985). Foram considerados positivos somente os casos que exibirem pelo menos 10% (índice de marcação mínimo, LI≥10%) das células tumorais marcadas. As variáveis foram analisadas através do programa estatístico SPSS® 17.0. Os testes estatísticos utilizados incluem o teste de Mann-Withney e o teste ANOVA. Foram considerados estatisticamente significantes valores de p<0,05.

3 Procedimentos Metodológicos Trata-se de um estudo observacional analítico desenvolvido durante os meses de agosto de 2013 a julho de 2014 a partir de um cronograma préestabelecido. Iniciado pelas coletas dos casos dos indivíduos que apresentaram carcinoma espinocelular oral e, sob conduta médica, nesse caso o cirurgião responsável, membro da equipe de Cirurgia Oncológica, submeteram-se a ressecção cirúrgica no Hospital e Maternidade São Vicente de Paulo - HMSVP. Também forão utilizados casos de carcinoma espinocelular oral obtidos na Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza-CE, que fazem parte do Projeto de Pesquisa “Banco de Amostras de Tumores de Pacientes do Estado do Ceará”, coordenado pela Profa. Dra. Silvia Helena Barem Rabenhorst, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, sob parecer nº 227/03 Of. Nº 518/03 (ANEXO). Pretendíamos totalizar pelo menos 100 (cem) casos para o estudo. Imediatamente após a ressecção cirúrgica do tumor, pequenos espécimes clínicos frescos foram obtidos por um dos membros da pesquisa e transportados em recipientes refrigerados para o Laboratório de Biologia Molecular – LABIM, do Curso de Medicina do Cariri, onde forão estocados em freezer a -80ºC até o processamento. Espécimes clínicos emblocados em parafina serão utilizados para realização do método de imunohistoquímica, sendo obtidos do arquivo de biopsias do referido hospital. Quanto aos casos do projeto “Banco de Amostras de Tumores de Pacientes do Estado do Ceará”, os espécimes já se encontravam arquivados no Laboratório de Genética Molecular – LABGEM, do Departamento de Patologia e Medicina Legal, Faculdade de Medicina, UFC. Foram incluídos no estudo somente os casos que atenderam aos seguintes critérios: a) sujeito da pesquisa manifestou anuência em participar do estudo assinando o termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE, após esclarecimento prévio acerca do estudo; b) o espécime obtido representava um carcinoma espinocelular oral; c) e que a coleta não prejudicou a análise pelo serviço de anatomia patológica do hospital. O não atendimento de um ou mais critérios acima, determinam a exclusão do caso. Quanto aos casos do projeto “Banco de Amostras de Tumores de Pacientes do Estado do Ceará”, tendo em vista que todos os aspectos éticos relacionados já foram contemplados, foram selecionados aqueles que apresentavam carcinoma de células escamosas oral nos arquivos de tumores do LABGEM (arquivos de blocos de biópsias).

4 Resultados e discussão Foram coletados 83 casos dos quais a maioria foi do sexo masculino (63,9%). A idade desses pacientes variou de quinze a noventa e seis anos, havendo uma razoável predominância (50,6%) da faixa etária de 65 anos ou mais em relação às demais. Quanto ao local de acometimento primário do tumor observou-se a língua como o mais acometido (26,5%), seguido do assoalho da cavidade oral (16,9%), lábio, assoalho e língua com 13,3% cada, palato duro (12%), mucosa jugal (8,4%), trígonoretromolar (6%) e rebordo alveolar (3,6%). Quase 80% apresentaram grau de diferenciação moderado de suas células tumorais, enquanto os de grau bem diferenciado foram 19,3% e os de grau pouco diferenciado representaram mínimos 3,6%. Foi possível conhecer o estadiamento da maioria dos casos (65,1%), segundo a classificação TNM, no qual 22 (40,7%) eram de estadiamento IVa, 12 (22,2%) de estadiamento III, 7 (13%) eram II e 13 (24,1%) de estadiamento I. Quanto à presença de linfonodo acometido por metástase (‘N’) também conseguimos esses dados de 54 casos das amostras, sendo que 28 (51,9%) eram classificados em N0 e 26 (48,1%) eram N1. Mais uma vez não foi possível o conhecimento de hábitos de vida da totalidade dos casos, mas dentre os casos analisados 96,4% foi tabagista e 62,5% era etilista. 347


Caderno de Experiências Avaliando a marcação das amostras, segundo o índice LI e adotando como critério para positividade LI>10%, nenhum caso foi negativo na análise de membrana plasmática, com média de 83,03% de células tumorais com suas membranas marcadas, e seis casos (7,2%) foram negativos na análise citoplasmática, com média de 66,94% de células tumorais com seus citoplasmas marcados. Para determinarmos a intensidade de marcação celular de E-caderina das amostras utilizamos o Hscore (HS), com intervalo de zero a 300,00. A média de HS na avaliação de membrana plasmática foi 142, 99, variando de 30,22 a 300 enquanto a média de HS de citoplasma foi de 90,60, variando de zero a 258, 82. Dentre o grupo o qual foi possível conhecer dados clínicos da sua patologia, comparamos o estadiamento, segundo a classificação TNM, com os parâmetros de marcação celular, ou seja, as médias de positividade (LI) e de intensidade (HS) de citoplasma e de membrana plasmática. A média de células tumorais com seu citoplasma marcado demonstrou resultados (LI=70,99%) equivalentes ao grupo com ausência de acometimento linfonodal (N0), a saber, LI=69,83% (teste de Mann-Whitney, p>0,05). Sobre a média de marcação de membrana citoplástica, encontramos novamente equivalência quando na ausência de acometimento linfonodal (LI=83,00%) em comparação ao grupo com linfonodo acometido (LI=82,51%), também sem significância estatística. A média de intensidade de marcação (HS) de membrana plasmática encontrada foi maior no grupo classificado em N0 (HS=142,56) que no grupo classificado em N1 (HS=125,75). Apesar de valores bem inferiores em relação à intensidade de marcação de membrana, um valor maior de intensidade de marcação do citoplasma das células também foi encontrado no grupo classificado em N0 (99,95) em comparação ao grupo classificado em N1 (89,75). Para uma melhor análise comparativa entre as marcações estudadas (LI e HS), consideramos dois grupos, quanto ao estadiamento tumoral TNM: aqueles com tumores iniciais (I ou II) e aqueles com tumores maiores e/ou invadindo estruturas adjacentes (III ou IV), como pode ser observado na tabela abaixo. Vê-se uma média do percentual de marcação (LI) de membrana maior no grupo com tumores avançados (83,85%) que nos tumores iniciais (80,91%). O contrário pode ser observado entre as médias do percentual de LI da análise citoplasmática: os pacientes com tumores iniciais obtiveram média pouco superior (71,30%), enquanto os pacientes com tumores avançados obtiveram 69,86% de células com seus citoplasmas marcados. Quanto à classificação HS, a média de intensidade de marcação de membrana plasmática encontrada foi maior nos tumores com

estadiamento I e II (143,16) que naqueles que apresentavam tumores com estadiamento III e IVa (129,35). Isso se repetiu na avaliação das médias de intensidade de marcação citoplasmática, onde o grupo com tumores iniciais apresentou 103,08 e o grupo com tumores avançados foi de 90,08. Tabela 1 Associação das médias de marcação de Ecaderina para membrana e citoplasma e o estadiamento do tumor Estadiame nto Inicial (I-II) Avançado (III-IV)

Marcação de Membrana LI HS 80,91 83,85

143,16 129,35

0,219

0,065

Marcação de Citoplasma LI HS 71,30 69,86

103,08

0,431

90,31

Valor de p1 0,407 1. Teste de Mann-Withey U

A respeito da comparação do sexo com esses parâmetros de marcação citoplasmática e de membrana (LI e HS), também encontramos resultados parecidos com os obtidos através desse confronto com os parâmetros clínicos de estadiamento acima descritos, ou seja, as médias tanto do percentual de positividade (LI) quanto da intensidade de marcação (HS) da análise de membrana plasmática foram maiores que as médias desses parâmetros de marcação (HS e LI) da análise citoplasmática em ambos os sexos. A saber, no sexo feminino a média de LI de membrana foi 85,80% enquanto a média de LI de citoplasma foi 68,67% e a média de HS de membrana foi 157,14 enquanto a média de HS de citoplasma foi 97,15. Já no sexo masculino a média de LI de membrana encontrada foi 81,47% enquanto a média de LI de citoplasma foi 65,97% e a média de HS de membrana foi 134,98 enquanto a média de HS de citoplasma foi 86,90. Observamos também que as médias de ambos os parâmetros de marcação nas avaliações de membrana e citoplasma foram menores no sexo masculino em relação ao sexo feminino. Observamos apenas uma tendência estatística quanto à média de HS de membrana, cujo valor foi mais elevado no sexo feminino (p=0,065). Não foi observada nenhuma significância estatística entre as comparações das características clínicas (estadiamentos, ‘N’ e o sexo) com as médias dos parâmetros de marcação LI e HS de membrana e citoplasma já descritos anteriormente, considerando o teste estatístico de Mann-Whitney com valores de p<0,05. Ao confrontarmos os dados obtidos acerca do grau de diferenciação do tumor e os parâmetros de marcação LI e HS, observamos que as médias obtidas em ambas as análises de membrana e 348


Pesquisa em Foco citoplasma dos dois parâmetros de marcação foram maiores naqueles tumores pouco diferenciados, com média de LI de membrana de 88,61% enquanto LI citoplasmático foi 78,34% e HS de membrana de 176,68 e HS de citoplasma de 108,48. As menores médias foram encontradas no grupo com tumores bem diferenciados: LI de membrana foi 79,93% enquanto LI de citoplasma foi 63,67% e HS de membrana foi 133,46 enquanto HS de citoplasma foi 87,55. Médias intermediárias foram vistas no grupo com tumores moderadamente diferenciados, com LI de membrana de 83,54% enquanto LI de citoplasma foi 67,23% e HS de membrana foi 143,79 e HS de citoplasma foi 90,53. Nota-se, com o descrito acima, que as médias para os parâmetros de marcação (HS e LI) na análise de membrana plasmática foram sempre superiores às médias desses parâmetros na análise de citoplasma nos três grupos acima discutidos, ou seja, independente do grau de diferenciação. Também não conseguimos significância estatística ao compararmos o grau de diferenciação do tumor com o percentual de células marcadas (LI) e a intensidade da marcação (HS) considerando o teste ANOVA, com valor de p<0,05. Infelizmente, não foi possível observar significância estatística em nenhuma de nossas análises indicadas anteriormente, o que corrobora alguns trabalhos publicados e confronta a outros. Trabalhamos na hipótese de que uma marcação maior e mais intensa da E-caderina no citoplasma que na membrana plasmática das células tumorais, local não habitual de tal proteína ser encontrada, pode estar relacionado a uma maior progressão e invasão tumoral e risco de metástase, configurando um pior prognóstico a esses pacientes. Apesar de um número de casos razoável da presente pesquisa (n=83), principalmente quando consideramos os critérios clínico-patológicos conseguidos (n=54), percebemos uma concordância nesse sentido na maioria das pesquisas publicadas. Essa concordância também foi vista em outros critérios como a faixa etária (acima de 65 anos com 50,6%), o sexo (masculino com 63,9%) e sítio primário do tumor (língua com 26,5%) mais acometido e também o grau de diferenciação mais encontrado (bem a moderadamente diferenciado com 96,4%) (HANEMANNET al., 2014; PECTASIDES et al., 2014; MOHTASHAM et al., 2014). Através do teste estatístico para significância de Mann-Whitney, considerando valores de p>0,05, não foi observada significância entre a presença ou não de acometimento linfonodal (N0 ou N1) e as médias de positividade e intensidade de marcação. Esse resultado se repetiu nas nossas outras análises com os outros parâmetros clínico-patológicos (estadiamento tumoral, sexo e grau de diferenciação). Hanemann et al. (2014) apesar de encontrar significância entre a taxa de recorrência

do tumor e a perda da expressão da E-caderina, também não observou significância entre os achados de acometimento linfonodal e a marcação de membrana dessa proteína. Huber et al. (2011), porém, observaram em pacientes com câncer de cavidade oral e orofaringe (n=110) em estágios iniciais que perda da expressão da E-caderina na membrana plasmática está relacionada a um maior risco de metástase, inclusive ressaltando o papel da imuno-histoquímica dessa proteína como aliado para as decisões terapêuticas adequadas a serem tomadas, desde a observação do paciente (“watch and wait”) a um esvaziamento cervical eletivo. Nas nossas análises, as médias das marcações tanto de percentual de positividade quanto de intensidade mostraram-se sempre superiores na membrana plasmática em relação ao citoplasma das células tumorais, apesar de serem um pouco inferiores quando na presença de acometimento linfonodal por metástase (N1) em relação ao grupo com ausência desse (N0). Esperava-se naquele grupo com metástase um aumento das médias dessas marcações do citoplasma em detrimento da marcação de membrana plasmática. Nos nossos resultados de comparação das marcações de membrana e citoplasma com o parâmetro clínico patológico de estadiamento tumoral, entendendo-se um grupo com tumores com estadiamento I e II e outro com tumores estadiados em III e IV, observamos concordância com os achados de Hashimoto et al. (2012), os quais também não obtiveram significância entre esses parâmetros. Mesmo em tumores avançados e maiores, inclusive invadindo estruturas adjacentes (‘T4’), as médias de membrana plasmática se mantiveram superiores as de citoplasma nesse e no trabalho acima citado. Nos trabalhos mais atuais podemos observar uma relação entre a expressão da E-caderina e prognóstico dos pacientes com CEC’s de cavidade oral. Mohtasham et al. (2014), por exemplo, ao analisarem a marcação dessa proteína na membrana plasmática das células da periferia do tumor e do fronte invasivo conseguiram provar que a marcação da E-caderina em margens cirúrgicas, previamente consideradas ‘livres’ de tumor pela histopatologia, pode ser usada como biomarcador útil para identificar indivíduos em risco de nova evolução neoplásica. Estranhamente, observamos um valor de p próximo do admitido para significância estatística (p=0,065), portanto uma tendência, quando do cruzamento do sexo com a média de intensidade de marcação da membrana plasmática, com média superior encontrada no sexo feminino. No trabalho de Pectasides et al. (2014) foi observada uma maior expressão de E-caderina no sexo feminino (p=0,038), apesar de não observarem nenhuma associação com a expressão de tal proteína e outras características clínico-patológicas, incluindo estágio e grau histológico. Novamente, nenhuma 349


Caderno de Experiências significância estatística foi encontrada com esse parâmetro clínico com o restante dos parâmetros de marcação (HS e LI de membrana e citoplasma). Utilizando o teste estatístico ANOVA para confrontarmos os dados sobre o grau de diferenciação tumoral e as médias de marcação LI e HS de membrana plasmática e citoplasma, mais uma vez, não encontramos significância estatística adotando valores de p<0,05. Contraditoriamente, observamos as maiores médias dos parâmetros de marcação tanto de membrana plasmática como de citoplasma no grupo com tumores poucos diferenciados, enquanto as menores médias foram encontradas no grupo com tumores bem diferenciados. Novamente, as médias da marcação tanto de intensidade como de percentual de positividade de membrana se mantiveram sempre superiores em relação à de citoplasma. Esses achados confrontam os encontrados por Hashimoto et al. (2012), que em um grupo de 63 pacientes com câncer de células escamosas, sendo a maioria destes de grau bem a moderadamente diferenciados (82,53%), observaram significância entre as marcações de membrana e citoplasma (p<0,001 e p=0,002, respectivamente), com médias maiores encontradas no grupo com tumores bem diferenciados, enquanto as menores foram encontradas no grupo com tumores pobremente diferenciados. Eles também observaram uma correlação do grau de invasão tumoral com a marcação de membrana plasmática (p<0,001), onde uma menor marcação de membrana da Ecaderina foi observada no grupo com tumores mais invasivos em relação ao grupo com tumores menos invasivos, que apresentou as maiores médias. Apesar de não conseguirmos provar nossa principal hipótese, a partir da qual todo esse projeto se desenvolveu, trabalhos continuam a mostrar a importância desse marcador tumoral, principalmente da sua marcação de membrana, o que nos obriga a afirmar que talvez a marcação de citoplasma dessa proteína não esteja envolvida na progressão e invasão tumoral, como também num maior risco de metástase, como já é tão bem documentada a sua marcação de membrana plasmática. Os trabalhos atuais que comprovam a relação da expressão da E-caderina com o prognóstico dos pacientes e associada a outros marcadores tumorais desse tipo tumor demonstram resultados promissores, como pode ser visto no estudo de Sasaya et al (2013). Talvez seja o caminho a seguir para se obter resultados significativos.

dos casos, seu processamento, a contagem e depois as análises dos resultados e a sua documentação. Com um total de 83 casos (inicialmente visamos 100 casos) coletados concluímos que nossa principal hipótese não foi confirmada. Apesar de na literatura atual existir correlação com a marcação elevada de E-caderina e o acometimento linfonodal ou mesmo o prognóstico desses pacientes, a escassez de trabalhos analisando a marcação de citoplasma e de membrana separadamente de tal glicoproteína ainda não nos permite concluir que a nossa linha de raciocínio está totalmente equivocada ou ultrapassada. Assim, ainda acreditamos no potencial da Ecaderina como marcador tumoral nos CCE’s da cavidade oral. Talvez um número maior de espécimes e a contagem das células marcadas feita por duas pessoas separadamente possa ajudar em trabalhos futuros semelhantes a este. Mais importante ainda seria procurar trabalhos na literatura com resultados concretos sobre o assunto e atuais para se guiar. No mais, acredito que esta pesquisa mostra, como também as outras atividades extensivas, que seja necessária durante o período acadêmico a execução de tais atividades para complementar a formação do aluno, tornandoo um professional melhor preparado para o competitivo mercado de trabalho. Referências INTERNATIONAL AGENCY FOR RESEARCH ON CANCER (IARC). Section of Cancer Information. GLOBOCAN 2012. Lyon, Disponível em <http://globocan.iarc.fr/Default.aspx>. Acesso em: 27 mai. 2014. SUN, Guo-yang, et al. Caveolin-1, E-cadherin and β-catenin in gastric carcinoma, precancerous tissues and chronic non-atrophic gastritis. Chinese Journal of Cancer Research, vol. 24, n. 1, p. 23–28, mar, 2012. HUANG, Mei-Fang, et al. Syndecan-1 and Ecadherin expression in differentiated type of early gastric cancer. World Journal of Gasteroenterology, vol. 11, n. 19, p. 2975– 298,mai, 2005. WONG, Alice ST; GUMBINER, Barry M. Adhesionindependent mechanism for suppression of tumor cell invasion by E-cadherin. The Journal of Cell Biology, vol. 161, p. 1191– 1203,jun, 2003.

Considerações Finais Durante os meses de agosto de 2013 a julho de 2014 este trabalho foi desenvolvido a partir de um cronograma pré-estabelecido. Iniciado pelas coletas

GOTTARDI, Cara J; GUMBINER, Barry M. Adhesion signaling: how beta-catenin interacts 350


Pesquisa em Foco with its partners. Current Biology, vol. 11, p. R792–R794, out, 2001.

HANEMANN,JA, et al. Expression of E-cadherin and beta-catenin in basaloid and conventional squamous cell carcinoma of the oral cavity: are potential prognostic markers? BioMed Central Cancer, vol. 14, p. 395-414, jun, 2014.

MOSTAAN, Leila Vazifeh, et al. Correlation between E-cadherin and CD44 adhesion molecules expression and cervical lymph node metastasis in oral tongue SCC: Predictive significance or not. Pathology - Research and Practice, vol. 207, ed. 7, p. 448-451, jul, 2011.

PECTASIDES, E, et al. Markers of Epithelial to Mesenchymal Transition in Association with Survival in Head and Neck Squamous Cell Carcinoma (HNSCC). Publish Library Of Science ONE, vol. 9, n. 4, p. e94273, abr, 2014.

HUBER, Gerhard F, et al. Down regulation of ECadherin (ECAD) – a predictor for occult metastatic disease in sentinel node biopsy of early squamous cell carcinomas of the oral cavity and oropharynx. BioMed Central Cancer, vol. 11, p. 217, jun, 2011.

MOHTASHAM, Nooshin, et al. Expression of Ecadherin and matrix metalloproteinase-9 in oral squamous cell carcinoma and histologically negative surgical margins and association with clinicopathological parameters. Romanian Journal of Morphology & Embryology, vol. 55, n. 1, p. 117–121, 2014.

SCHMALHOFER, Otto, et al. E-cadherin, βcatenin, and ZEB1 in malignant progression of cancer. Cancer and Metastasis Reviews, v. 28, n.1-2, p. 151–166, jan, 2009.

HASHIMOTO, Takashi, et al. Progression of Oral Squamous Cell Carcinoma Accompanied with Reduced E-Cadherin Expression but Not Cadherin Switch. Publish Library Of Science ONE, vol.7, n. 10, p. e47899, out, 2012.

LANDBERG, G; ROSS, G. Proliferating cell nuclear antigen and Ki-67 antigen expression in human haematopoietic cells during growth stimulation and differentiation. Cell Proliferation, vol. 26, p. 427-437, set, 1993.

SASAYA, Kazunobu, et al. Concomitant Loss of p120-Catenin and β-Catenin Membrane Expression and Oral Carcinoma Progression with E-Cadherin Reduction. Publish Library Of Science ONE, vol. 8, n. 8, p. e69777, ago, 2013.

MCCARTY, K S Jr., et al. Estrogen receptor analyses. Correlation of biochemical and immunehistochemical methods using monoclonal antireceptor antibodies. Archives of Pathology & Laboratory Medicine, vol. 109, ed. 8, p. 716-721, ago, 1985.

351


Caderno de Experiências Jardelina Brena Rocha Leite Medicina/UFCA brenaarochaa17@gmail.com

DANOS RESPIRATÓRIOS AOS MORADORES NAS PROXIMIDADES DO LIXÃO E DA FÁBRICA DE CIMENTO DOS BAIRROS BELA VISTA E CIROLÂNDIA, BARBALHA, CEARÁ

Marco Felipe Macêdo AlvesS Medicina/UFCA marcofma7@gmail.com

Sally de França Lacerda Pinheiro Professora/UFCA sallylacerda@hotmail.com

1 Introdução

dessa pesquisa para a comunidade urbana, pois objetiva-se evidenciar a situação de calamidade em que vivem essas pessoas e propor uma melhoria.

Os lixões e as fábricas de cimento constituem atividades poluidoras do meio ambiente que ocasionam agravos à saúde da população. A poluição atmosférica resultante dessas práticas repercute, principalmente, no aumento da incidência de problemas respiratórios entre os moradores das zonas próximas das fontes poluentes. O presente estudo buscou avaliar o impacto dessas atividades na saúde respiratória dos habitantes de bairros selecionados de um município no interior do Ceará. O local do estudo é a cidade de Barbalha, no interior sul do Ceará, nas imediações da Chapada do Araripe, na região do Cariri, a 503 km de Fortaleza, capital. O município é caracterizado por clima Tropical Semiárido e situa-se a 414 m de altitude. A área da unidade territorial é de 569,508 km2 e a população é estimada em 57.818 habitantes, sendo o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,683. A cidade constitui um tradicional polo agrícola da região do Cariri, com grande área de plantação de cana-deaçúcar, o que lhe confere o título de Terra dos Verdes Canaviais. O município é conhecido também por suas festividades religiosas em oração a Santo Antônio, o santo casamenteiro, padroeiro da cidade. Faz parte da Região Metropolitana do Cariri, onde forma uma conurbação com as cidades de Juazeiro do Norte e Crato. Em vários noticiários, jornais e blogs, em datas diferentes desde 2011 até hoje, há notícias de reclamações dos moradores da cidade referentes às queimadas que estão sendo realizadas no lixão, como visto, por exemplo, em reportagem do Diário do Nordeste em 19/01/2012: “Moradores reclamam de fumaça do lixão em Barbalha”. Há um consórcio para construção do Aterro Sanitário do Cariri, mas vários impasses retardam a realização da obra. Através desse estudo, procurou-se comparar os principais problemas de saúde que acometem quem vive nos arredores do lixão e da fábrica de cimento em relação a outras localidades desse centro urbano. Por não haver estudo científico sobre o tema, embora seja um problema claramente visível por toda a população, salienta-se a importância

2 Fundamentação Teórica Entre os métodos de descarte possíveis do lixo, o lixão é das alternativas, a mais barata, sendo, entretanto, a mais agressiva ao meio ambiente e à população. Esse discurso ganha força atualmente com a promulgação da Lei 12.305/2010, que estabelece a eliminação de todos os lixões municipais e substituição destes por aterros sanitários até o ano de 2014, método de descarte mais controlado e sustentável (BRASIL, 2010). No entanto, essa substituição não vem ocorrendo como o previsto. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, no Brasil, os principais destinos dos resíduos sólidos são lixões e aterros sanitários, mas nas regiões Norte e Nordeste há uma maior preferência pelo descarte de resíduos nos primeiros (mapa 1). Existem 2810 lixões em todo o Brasil que recebem diariamente um montante de 45710 toneladas de lixo (BRASIL, 2008). Mapa 1- Municípios, segundo a destinação final dos resíduos sólidos domiciliares e/ou públicos

352


Pesquisa em Foco 3 Procedimentos Metodológicos Foi realizado um estudo transversal observacional acerca da saúde respiratória dos moradores dos bairros Bela Vista e Cirolândia na cidade de Barbalha, a partir das produções das consultas médicas coletadas na Unidade Básica de Saúde (UBS) dos referidos bairros e comparação dessas com produções colhidas em UBSs de bairros da cidade a maior distância das fontes poluentes (bairros Malvinas e distrito de Arajara). O instrumento de coleta utilizado foram produções de atendimentos médicos realizados de julho a dezembro de 2013 nas Unidades Básicas de Saúde. Os dados das produções coletados foram idade, doença e mês do atendimento. Esses dados foram arquivados em um banco no programa Microsoft Access Database® e testados no programa Epi Info 7™. O mapa foi providenciado a partir de imagens de satélite do Google Earth® e editado no mesmo programa para delimitação das áreas estudadas.

Fonte: Brasil - 2008.

Por outro lado, com relação às indústrias de cimento, essas são classificadas pela Política Nacional de Meio Ambiente como uma atividade potencialmente poluidora que deve ser fiscalizada periodicamente para garantir controle da poluição³. A operação da fábrica, mesmo com catalisadores, polui a atmosfera com partículas de tamanho variável (MAURY e BLUMENSCHEIN, 2012). O funcionamento do trato respiratório está intimamente relacionado à qualidade do ar. Em pesquisa realizada em Cuiabá, evidenciou-se que um crescimento de 10 mg/m³ nos níveis de exposição ao PM2.5 (material particulado menor que 2,5 µm) esteve associado a aumentos de 9,1%, 9,2% e 12,1% , dois e cinco dias, respectivamente (SILVA et al, 2013). O estudo faz análise de quatro bairros da cidade, Bela Vista, Cirolândia, Malvinas e Distrito de Arajara, e faz uma avaliação do comprometimento da saúde respiratória dos moradores ocasionado pela poluição proveniente do lixão e da fábrica de cimento da cidade. O bairro Arajara fica a uma distância de 9,6 km das fontes poluidoras, enquanto o bairro Malvinas a 4,4 Km de distância. O bairro Cirolândia dista 1,5 km dessas fontes, e é vizinho ao bairro Bela Vista, que se localiza a um raio estimado de 1 a 1,5 km do lixão e fábrica de cimento da cidade. Essa curta distância traz danos pronunciados aos moradores dos bairros, em especial do bairro Bela Vista, cujos habitantes reclamam de sintomas comuns a doenças respiratórias, especialmente crianças, organismos mais vulneráveis à poluição (ABDO et al, 2012).

Mapa 2: fontes poluentes (em preto e branco) e distância aproximada dos bairros: Bela Vista, em azul (11,5 Km); Cirolândia, em amarelo (1,5 Km); Malvinas, em vermelho (4,4 Km); e Distrito de Arajara, em verde (9,6 Km). Escala de 1:100000.

Fonte: Imagens de satélite do Google Earth®.

O intervalo de tempo considerado foi de seis meses – de julho de 2013 a dezembro de 2013. Entretanto, é importante ressaltar que os atendimentos realizados num dado dia podem estar relacionados tanto à poluição do referido dia como também à poluição de dias anteriores. As idades da amostra variaram de um mês a 103 anos, sendo estratificada em faixas etárias. Os pacientes de zero a três anos foram classificados como infantes e de quatro a 14 anos como crianças. Os adolescentes compreendem a faixa etária entre 15 e 26 anos. As idades entre 27 e 40 anos foram 353


Caderno de Experiências contabilizadas como adultos jovens e os valores entre 41 e 64 como adultos, enquanto foram classificados como idosos os pacientes com idade a partir dos 65 anos. Os diagnósticos contabilizados foram rinite, sinusite aguda e crônica, faringite, laringite, tosse e tosse crônica, pneumonia, pneumopatia, pneumoconiose, neoplasia de pulmão, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Também foram levados em consideração os casos de encaminhamento ao pneumologista, visto que se refere à presença de sinais e sintomas que denotam maior especialização diagnóstica. Com o intuito de facilitar a análise e interpretação dos dados, as doenças foram classificadas em cinco grupos de acordo com o local anatômico do trato respiratório que acometem: Grupo 1- mucosa nasal: Rinite; grupo 2- seios paranasais: sinusite; grupo 3faringe/laringe: faringite, laringite e amigdalite; grupo 4- árvore traqueobrônquica: asma, bronquite, bronquiolite, broncoespasmo, dispneia, tosse e tosse crônica; grupo 5- pulmão: pneumonia, pneumopatia, pneumoconiose, neoplasia de pulmão e encaminhamento ao pneumologista. O acometimento do trato respiratório inferior (árvore traqueobrônquica e pulmão) denota maior gravidade da doença, principalmente em crianças (RÉQUIA e ABREU, 2011). Foram escolhidos esses locais por ter menor grau de variáveis como tráfego de automóveis e queimadas, além da maior distância das fontes de poluentes em relação aos bairros Bela Vista e Cirolândia. Devido ao curto período de tempo de análise dos dados, as variáveis temperatura e sazonalidade são irrelevantes, visto que elas se mantiveram aproximadamente constantes ao longo desse período. Não houve casos de disseminação exacerbada de pólen e, portanto, esse item também foi descartado nas variáveis. Apesar disso, a fuligem proveniente das atividades canavieiras é vista como um viés discreto. Os dados das UBSs se referem à demanda espontânea e não incluem pessoas que buscaram serviços particulares ou especializados. Igualmente, a população desses bairros é financeiramente equivalente, o que sugere que a principal porta de entrada ao serviço de saúde é a UBS onde os dados foram coletados. Sabe-se que, entre as pessoas analisadas, pode existir tabagistas, o que influi nos dados coletados, porém, não foi obtido acesso a essa contagem. Foram exclusas desse estudo as pessoas com sintomatologia não diretamente relacionada ao sistema respiratório ou ainda com infecções das vias aéreas superiores, vista a recorrência desse mal pela mutação do vírus em sua maioria, que não estabelece correlação segura com a poluição. As pessoas analisadas nesse estudo, devido ao intervalo de tempo, podem vir a ser contabilizadas duas ou mais vezes, com a mesma doença ou doenças diferentes. Isso sugere que os poluentes

agravaram o quadro a ponto de a pessoa retornar ao serviço de saúde. Foram comparados entre os bairros dados relativos à: 1) taxa de moradores que deram entrada na UBS com sintomas relacionados ao acometimento do sistema respiratório; 2) faixa etária dessas pessoas que deram entrada; 3) distância dos centros de poluição condizentes à pesquisa (lixão e fábrica de cimento), determinada pelo bairro pesquisado. Em alguns casos, quando há agravo ao trato respiratório já instalado, como um mal crônico, a poluição não é causa, mas agrava o quadro préexistente. Por isso, esses casos serão contabilizados nos dados da pesquisa. 4 Resultados e discussão Foram realizados cálculos de prevalência de acordo com o número de atendimentos relacionados a sintomas respiratórios pelo número total de atendimentos (tabela 1). Tabela 1- Prevalência de doenças respiratórias em cada bairro estudado, estratificada por mês analisado. Arajara Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

2,45% 3,21% 3,67% 3,49% 0,65% 0%

Bela Vista 7,10% 7,01% 5,03% 2,63% 4,22% 4,57%

Total

13,47%

30,56%

Cirolân dia 7,56% 6,09% 11,82% 6,69% 9,09% Dados Indispo níveis 41,25%

Malvin as 5,99% 2,48% 2,34% 4,21% 3,48% 3,40% 21,9%

A prevalência total, nos meses estudados, de doenças respiratórias em relação a outras doenças, foi de 41,25% no bairro Cirolândia e de 30,56% no bairro Bela Vista. No bairro Malvinas o valor encontrado foi 21,9% e no distrito Arajara constatou-se 13,47% de prevalência. As taxas de prevalência de doenças respiratórias, portanto, foram maiores nos bairros Bela Vista e Cirolândia, havendo maior diferença em relação aos outros bairros especialmente nos meses de agosto e setembro. Constatou-se, também, que a taxa de problemas respiratórios se manteve particularmente alta durante todos os meses no bairro Cirolândia, excetuando-se o mês de dezembro, cujos dados não estavam disponíveis na UBS. Nesse mesmo bairro, notou-se elevada prevalência de faringite, o que sugere irritação de mucosa pelos poluentes ou, ainda, um viés de subdiagnóstico. Entretanto, a diversidade de doenças se mostra maior no bairro Bela Vista, onde foram encontrados registros diagnósticos de pacientes desde faringite a pneumoconiose. 354


Pesquisa em Foco Tabela 2: Distribuição de doenças respiratórias por faixa etária Mucosa nasal

Seios paranasais

Faringe/laringe

Árvore traqueobrônquica

Pulmões

Infante

11,11%

1,59%

71,43%

4,76%

11,11%

Criança

8,74%

13,59%

62,14%

8,74%

6,80%

Adolescente

8,99%

26,97%

48,31%

13,48%

2,25%

Adulto

12,96%

29,63%

50%

5,56%

1,85%

Adulto

8,33%

18,75%

41,67%

16,67%

14,58%

Idoso

3,57%

10,71%

14,29%

32,14%

39,29%

jovem

A relação entre faixa etária e grupo de morbidades (tabela 2) indica que a população de menor idade, que compreende infante, criança, adolescente e adulto jovem, apresenta, em maior extensão, agravos respiratórios agudos, como faringites, laringites e rinites, provavelmente causados pela atividade irritativa e alergênica da exposição à poluição. Enquanto que os representantes de maior idade têm maior prevalência de problemas crônicos, como DPOC e pneumopatias, o que sugere uma deposição gradativa de poluentes no trato respiratório inferior, ocasionando doenças mais graves.

risco que afetem a qualidade do ar, água e solo e que interfiram no ambiente de trabalho e de moradia, cursando com efeito maléfico na saúde da população. Espera-se que, com isso, as pessoas desses bairros vivam com melhor qualidade de vida e um bem-estar consolidado. Referências ABDO A.M., et al. A poluição do ar e o sistema respiratório. Jornal Brasileiro de Pneumologia, vol. 38, n. 5, p. 643-655, Out 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_artt ext&pid=S180637132012000500015&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S180637132012000500015.

Considerações Finais Destarte, as constantes queimadas no lixão de Barbalha, aliadas à poluição emitida pela fábrica de cimento, estão provavelmente dificultando a saúde da população da cidade, especialmente a saúde respiratória dos moradores dos bairros próximos. Isso foi verificado ao coletar diagnósticos médicos de dois bairros próximos e dois bairros distantes. Foi notado que o bairro Bela Vista é o que abriga doenças crônicas (pneumoconiose, DPOC, asma, neoplasia de pulmão) enquanto o Cirolândia é afetado por agravos agudos (faringite, rinite, amigdalite), e que ambos têm maior prevalência de doenças respiratórias que podem advir da poluição que os outros bairros mais distantes. Portanto, percebe-se o quão importante se faz a proposição de planos de melhoria e a prática de medidas de intervenção que minimizem o impacto dos poluentes na saúde de moradores dos bairros Bela Vista e Cirolândia. Por isso, reforça-se o que já foi pedido pela população: intervir junto à Câmara Municipal para implementar uma legislação específica a fim de coibir as queimadas no lixão e agilizar o processo do consórcio para construção do Aterro Sanitário do Cariri. Quanto aos poluentes emitidos tanto pela fábrica de cimento quanto pela queimada do lixo, é de extrema necessidade ações de competência das vigilâncias ambiental e sanitária, a fim de controlar e prevenir fatores de

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l69 38.htm>. Acesso em: 6 dez 2013. BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20 07-2010/2010/lei/l12305.htm>. Acesso em: 6 dez 2013. BRASIL. Política Nacional de Saneamento Básico, 2008. Brasília: IBGE, 2008. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/condicaodevida/pnsb2008/PNSB_2 008.pdf>. Acesso em: 20 mai 2014. 355


Caderno de Experiências CARMO C.N., et al. Associação entre material particulado de queimadas e doenças respiratórias na região sul da Amazônia brasileira. Revista Panama Salud Publica. Vol. 27, n. 1, p. 6-10, 2010. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v27n1/02.pd f . Acesso em 6 dez 2013

RÉQUIA W.J.J., ABREU L.M.. Poluição Atmosférica e a saúde de crianças e idosos no Distrito Federal: utilização do método de correlação com time delay. Revista Brasileira de Geografia Médica e Saúde [internet]; vol. 7, n. 13, p. 94-107, 2011. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/hygeia/articl e/view/17072 Acesso 6 dez 2013

GUYTON, A.C.; HALL, J.E.. Tratado de Fisiologia Médica. 11ª ed. Rio de Janeiro, Elsevier Ed., 2006.

SILVA, A.M.C. da et al. Material particulado originário de queimadas e doenças respiratórias. Revista de Saúde Pública, vol. 47, n. 2, p. 345-352, Jun 2013. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/rsp/v47n2/0034 -8910-rsp-47-02-0345.pdf>. Acesso em 6 dez 2013.

MAURY M.B., BLUMENSCHEIN R.N.. Produção de cimento: impactos à saúde e ao meio ambiente. Sustentabilidade em Debate, vol. 3, n. 1, p. 75-96, Jun 2012. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/12 110/1/ARTIGO_ProducaoCimentoImpacto.pdf> . Acesso em 6 dez 2013

356


Pesquisa em Foco

EXPOSIÇÃO AÉREA INSETICIDAS E ESTADO SAÚDE DOS AGENTES ENDEMIAS QUE ATUAM CONTROLE DE VETORES REGIÃO DO CARIRI – CE

A DE DE NO NA

Clarice Estácio Trummer Leandro Costa Medicina/UFCA claricetrummer@gmail.com

Renata Rocha Virgulino Medicina/UFCA renatarochavirgulino@hotma il.com

Rafael Janoca Franca Medicina/UFCA rafael_student@hotmail.com

Antonia Máximo de Lima Bioquímica/LACEN-Crato dondoncrato@gmail.com

Estelita Pereira Lima Professora/UFCA estelitaplima@hotmail.com

1 Introdução

Um estudo realizado em 2006, com um grupo de agentes sanitaristas moradores na região do Cariri revelou vários casos de intoxicação aguda e crônica, que resultaram no afastamento definitivo das atividades com inseticidas, devido às alterações na saúde, especialmente, problemas neurológicos (LIMA et al, 2009). Os supracitados autores revelaram uma situação vivida por agentes do quadro permanente do serviço federal (em sua maioria), que apesar das condições de trabalho referidas, detêm direitos trabalhistas não previstos para o grupo de agentes temporários, que compõe a maior parte das equipes que atuam no controle de vetores. Assim, necessitase investigar a relação entre a exposição aos inseticidas e sua repercussão na saúde desses trabalhadores, visando conhecer outros aspectos da atividade laboral, potencialmente associados à saúde dos mesmos. Para a avaliação desta relação necessita-se conhecer o contexto de trabalho em que os agentes estavam ou ainda estão inseridos, através da recapitulação da história ocupacional do grupo, pois as alterações não são reflexos de uma relação simples entre o produto e a pessoa exposta, mas de vários fatores que participam da determinação das mesmas, dentre eles os relativos às características químicas e toxicológicas de cada produto usado, aos indivíduos expostos, às condições de exposição ou condições gerais de trabalho.

A principal estratégia de controle dos vetores no Brasil ainda consiste na eliminação das espécies envolvidas, através da aplicação de inseticidas. Nesse contexto, os agentes sanitaristas representam a categoria mais exposta aos efeitos dos inseticidas nas campanhas antivetoriais, pois a exposição se dá desde o preparo da calda até a aplicação nas áreas intra ou peridomiciliares. Os trabalhadores podem absorver esses produtos pelas vias dérmica e aérea, principalmente entre aqueles que realizam nebulização. Fatores como falta de equipamentos de proteção individual (EPI) ou desconhecimento da forma correta de manipulação de cada produto aumentam os riscos de intoxicação. Os inseticidas organofosforados estão entre os mais usados no controle de vetores. Populações ocupacionalmente expostas devem ser monitoradas com frequência regular, porque este grupo, assim como os carbamatos, inibem a enzima acetilcolinesterase (AchE), provocando alterações no sistema nervoso central (RIBEIRO; MELLA, 2007). O Ministério da Saúde recomenda que o grupo exposto seja submetido ao exame de dosagem da enzima periodicamente de acordo com a formulação do inseticida (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008). O objetivo desse estudo foi analisar a história ocupacional de agentes de endemias expostos a inseticidas organofosforados e carbamatos e sua repercussão na saúde desses trabalhadores.

3 Procedimentos Metodológicos Um Inquérito Transversal foi conduzido para descrever o estado de saúde de agentes de endemias que manipulavam inseticidas carbamatos ou organofosforados em dois municípios cearenses, nomeados neste estudo por A e B. Todos os agentes destes municípios que exerciam alguma atividade com os referidos inseticidas, e que realizaram exames para dosar a Ache no primeiro semestre de 2014 no Laboratório Central de Saúde Pública (LACEM) foram convidados a participar do estudo, totalizando 22 trabalhadores. Um questionário semi-estruturado foi aplicado aos agentes, contemplando informações sódio-

2 Fundamentação Teórica Os efeitos na saúde de trabalhadores expostos a inseticidas têm sido observados em diversos estudos, prioritariamente entre trabalhadores rurais, dentre eles os de Sena, Vargas e Oliveira, 2013; Freire e Koifman, 2013; Wesseling et al., 2014. Entretanto, pouco se conhece sobre esta condição entre os agentes de endemias, que lidam com inseticidas na rotina do controle de vetores (TEIXEIRA et al, 2003; PEREIRA, 2009; LIMA et al., 2009). 357


Caderno de Experiências Tabela 1- Frequência das características ocupacionais de agentes de endemias de dois municípios da região do Cariri, CE em 2014. Características ocupacionais N % Carga horária diária 2-4 H 3 13,64 4-6 H 3 13,64 >6 H 16 72,73 Realização de treinamento ao trocar inseticidas Sim 14 63,64 Não 8 36,36 Uso de EPI Sempre 19 86,36 Às vezes 3 13,64 Ocorrência de acidentes Sim 15 68,18 Não 7 31,82

demográficas, perfil profissional, alterações na saúde após o início das atividades laborais e dosagem de AchE. Essa etapa foi iniciada após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Cariri. Os dados foram analisados com o auxílio dos programas Epi-Info versão 7.0. e Bioestat 5.0, que permitiram determinar a prevalência de agravos à saúde nos trabalhadores, a prevalência de condições de trabalho insalubres e comparar os níveis médios de colinesterase em grupos independentes, através do teste T, considerando um nível de significância de 0,05. 4 Resultados e discussão

Os EPIs referidos estão listados na Figura 1. O uso de botas e luvas foi comum a 22 agentes. Apenas dois referiram o uso de roupas impermeáveis e três, máscaras faciais completas. Quase todo o grupo tinha como EPI, uma roupa permeável, uma máscara não facial, um par de óculos, um capacete sem gorro, botas e luvas. Aproximadamente 73% dos agentes revelaram que estes EPIs são trocados após anos de uso. A maioria revelou que passam até quatro anos para fazerem a troca. Uma parcela de 57% deles admitiu possuir apenas uma roupa para aplicação dos inseticidas. Consequentemente, para a maioria não teria como usar sempre uma roupa limpa no dia seguinte. Assim, 41% lavavam a mesma uma vez por semana. Geralmente, a lavagem era feita pelas esposas (60,8%). E houve relatos de reações desagradáveis como espirros, coceira nas mãos e ardor nos olhos (52,3%).

Foram entrevistados 22 agentes de endemias de dois municípios da região do Cariri. Todos os agentes eram do sexo masculino, com idade média de 39 anos (±9,6), variando de 24 a 59 anos. Cerca de 82% era casada. A maioria foi admitida através de seleção pública (68%) tendo na época o Ensino médio completo (72,73%). Apenas quatro destes agentes atuavam exclusivamente com borrifação, os outros, além de exercerem essa função, trabalhavam em outras atividades combatendo vetores na forma larval ou na preparação da calda de inseticidas. Os agentes trabalhavam, em média, há 14 anos (±8,4), variando de 5 a 33 anos. Porém, 50% deles atuavam com borrifação há mais de cinco anos, sendo que sete deles exerciam esta função há 10 anos ou mais. Apenas quatro dos agentes realizavam borrifação em ultra baixo volume (UBV) em carro, os outros utilizavam bombas costais ou pulverizadores à pressão. Todos referiam realizar treinamento ao serem admitidos. O tempo da capacitação foi acima de três dias para cerca de 86% dos agentes, e de dois a três dias para o restante do grupo. A carga horária de trabalho é variável, mas 72,7% admitiu trabalhar de quatro a seis H/dia. Uma proporção de 63.64% de agentes referiu sempre realizar treinamento a cada troca de inseticida, e sempre usar EPI (86,3%). Mesmo assim, cerca de 68% dos agentes sofreram acidentes durante as aplicações de inseticidas (Tabela 1).

Figura 1 - Frequência dos equipamentos de proteção individual (EPI) usados por agentes de endemias de dois municípios da região do Cariri, CE em 2014.

Os inseticidas aplicados pertenciam a várias classes, e quase todos os agentes foram expostos a todos eles, pois com exceção de quatro (os que atuam com carro fumacê), os outros trabalhavam no combate larval, se expondo também aos larvicidas adotados na rotina de combate aos vetores. Dentre os inseticidas citados, 358


Pesquisa em Foco Figura 2- Nível médio da colinesterase plasmática dos agentes de endemias de dois municípios da região do Cariri, CE em 2014.

encontravam-se os organofosforados e carbamatos, inibidores da AchE. A inibição desta enzima provoca um acúmulo do neurotransmissor acetilcolina nas células nervosas, podendo gerar vários sintomas pela estimulação de receptores muscarínicos e nicotínicos. Esses receptores se encontram em diversas partes do corpo humano, de modo que a estimulação deles pode causar miose, estímulo das glândulas nasais, lacrimais, salivares e muitas glândulas gastrointestinais, sudorese, aumento da peristalse, relaxamento dos esfíncteres, entre outros (GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. 2006). Alguns dos supracitados sintomas foram referidos por vários agentes (Tabela 2), mesmo o nível de colinesterase encontrando-se normal (Figura 2). Poderia ser um resultado contraditório, mas estudos com avaliações clínicas, neuropsiquiátricas e laboratoriais em fumicultores evidenciaram que a exposição crônica a baixos níveis de organofosforados pode produzir sintomas neuropsiquiátricos, mesmo em níveis normais de atividade da AchE. Assim, o estudo reforça a necessidade de outros parâmetros, além da determinação enzimática, para monitorar as consequências da exposição crônica a baixas concentrações de organofosforados (DIMAS et al., 2004). No presente estudo os agentes foram agrupados em município A e B porque em A, eles foram submetidos aos exames antes da exposição a carbamato. Os agentes do município B, já estavam aplicando o inseticida há cerca de um mês quando mediram a AchE. Estes agentes apresentaram uma taxa média de colinesterase de 6.941,6 U/L, um pouco abaixo da taxa média de colinesterase dos agentes do município A (7.460,8U/L). Apesar da exposição ao inseticida anterior ao exame justificar o nível de AchE mais baixo no grupo B, esta diferença não foi considerada estatisticamente significante (P=0,433). Ambas encontraram-se dentro dos limites de normalidade, que variam de 4.620 a 11.500 U/L no sexo masculino. Ressalta-se que a exposição no grupo B ocorria há cerca de um mês antes da realização do exame e, que embora o nível médio estivesse normal, alguns trabalhadores exibiram valores bem próximos ao limite inferior do intervalo de normalidade.

Estudo realizado com trabalhadores do estado de Pernambuco revelou que somente 2,9% usavam proteção auditiva durante a nebulização (Teixeira et al., 2003). Algumas alterações auditivas percebidas pelos agentes podem estar relacionadas à exposição a inseticidas, pois no sistema vestibulococlear o efeito de agentes ototóxicos pode manifestar-se em lesões de células ciliadas externas (CCE), lesões do VIII par craniano, alterações no sistema vestibular e alterações no sistema nervoso central (SNC) (KÖRBES et al., 2010). Dentre essas alterações, observou-se que 63,64% dos entrevistados relataram que escutam, mas frequentemente não entendem o que está sendo dito; outros 31,82% afirmaram ter problemas no ouvido; 27,27% alegaram escutar zumbidos; 13,4% referiram a sensação de estarem com os ouvidos tapados; e 9,09% admitiram que não escutavam bem (Tabela 2). Estas condições podem ser explicadas tanto pela exposição aos inseticidas, como pela falta de proteção auricular, já que ninguém relatou o uso de protetor. Em Teresópolis no Rio de Janeiro em 2008, a função auditiva de 18 trabalhadores rurais da cidade foi avaliada, e pôde-se observar que 38,8% dos sujeitos apresentaram alterações na audiometria tonal e 88,8% apresentaram alterações do tipo síndrome vestibular periférica irritativa (HOSBINO et al. 2008). A falta de EPIs adequados, como máscaras, luvas e roupas para o manuseio de inseticidas pode prejudicar a audição. Teixeira, et al e Manjabosco, Morata et al, em suas pesquisas, sugerem que os agrotóxicos induzem uma perda auditiva e se agrava com o uso de equipamentos que produzem ruído (HOSBINO et al. 2008). 359


Caderno de Experiências Em Nova Friburgo, RJ, foi observado que 72,5% dos agricultores estudados apresentaram sintomas muscarínicos de intoxicação (ARAÚJO et al., 2007). Entre os agentes da região do Cariri, constatou-se que uma grande proporção também apresentou esses sintomas, entre eles: hipotensão (9,09%), descontrole urinário (9,09%), corrimento nasal frequente (18,18%), dor no peito (45,45%), dor abdominal frequente (27,27%), diarreia frequente (9,09%), salivação excessiva (13,64%), lacrimejamento frequente (22,73%), transpiração em excesso (22,73%) e visão turva (31,82%). Uma proporção de 57,14% revelou já ter sido acometido por vertigem. Em uma pesquisa realizada com rizicultores em 2010 em Santa Catarina, observouse que 16,9% dos rizicultores se queixaram desse sintoma (SAVI et al., 2010). No Rio de Janeiro, 68,6% dos agricultores apresentaram sintomas nicotínicos de intoxicação (ARAÚJO et al., 2007). Entre os agentes do presente estudo esses sintomas foram revelados, como: tremores (45,45%), taquicardia (18,18%), hipertensão (13,64%), câimbras frequentes (40,91%) e dificuldade de movimentação (9,09%). Os resultados de um estudo transversal sobre a saúde mental dos agricultores da região da Serra Gaúcha, onde há elevada incidência de suicídio, mostraram a prevalência de morbidade psiquiátrica menor (MPM) em 37,5% dos agricultores. Um estudo de Stallones et al. teve por objetivo avaliar a associação entre praguicidas e sintomas depressivos entre a população exposta a substâncias químicas utilizadas na agricultura. Esses autores concluíram que a exposição aos organofosforados em elevadas concentrações suficientes para causar sintomas de intoxicação (relatados pelos próprios entrevistados) associavase a altos sintomas depressivos, independentemente de outros fatores de risco conhecidos quanto à depressão entre moradores do campo (DIMAS et al., 2004). Alguns sintomas relacionados à depressão foram observados entre os agentes entrevistados, entre eles: angústia (18,18%), desgosto (13,64%) e tristeza profunda em 13,64% deles (Tabela 2). Isso demonstra como a saúde mental desses trabalhadores é negligenciada e aponta para a necessidade de um acompanhamento constante por profissionais especialistas na área. A Tabela 2 ainda apresenta outras queixas dos agentes como: sonolência excessiva (22,73%), cansaço/fraqueza excessivos (27,27%), confusão mental (9,09%), dificuldade de concentração (45,45%), cefaleia frequente (22,73%) e pressão na cabeça (40,91%). Além dos inseticidas, capazes de provocar estes dois últimos efeitos, a exposição solar também contribui para a ocorrência dos mesmos. A cefaleia foi o principal sintoma relatado em pesquisa realizada com rizicultores no sul de

Santa Catarina, acometendo 40,7% do total dos produtores (SAVI et al., 2010). Tabela 2 - Frequência de agravos à saúde referidos por agentes de endemias de dois municípios da região do Cariri, CE em 2014.

360

Alterações na saúde

N (22)

%

Tontura anterior

12

57,14

Tontura atual

5

22,73

Zumbidos no ouvido

6

27,27

Ouvidos tapados

3

13,4

Não escuta bem

2

9,09

Escuta mas às vezes não entende Problemas no ouvido

14

63,64

7

31,82

Sonolência em excesso

5

22,73

6

27,27

2

9,09

10

45,45

5

22,73

Pressão na cabeça

9

40,91

Tremor

10

45,45

Insônia

9

40,91

Cianose

1

4,55

Coração acelerado

4

18,18

Hipertensão

3

13,64

Hipotensão

2

9,09

Ansiedade

13

59,09

Angústia

4

18,18

Desgosto

3

13,64

Tristeza profunda

3

13,64

Câimbras frequentes

9

40,91

Dificuldade de movimento

2

Descontrole urinário

2

9,09

Corrimento nasal frequente

4

18,18

Dor no peito

10

45,45

Crise de tosse frequente

1

4,55

Apneia

1

4,55

Vômito frequente

1

4,55

Dor abdominal frequente

6

27,27

Fraqueza/Cansaço excesso Confusão mental

em

Dificuldade concentração Cefaleia frequente

de

9,09


Pesquisa em Foco Diarreia frequente

2

9,09

Salivação excessiva

3

13,64

Lacrimeja frequentemente

5

22,73

Transpiração excessiva

5

22,73

Visão borrada

7

31,82

Departamento de Saúde Coletiva, NESC/CPqAM/FIOCRUZ/MS, Recife, 1998. GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. HOSBINO, Ana Cristina Hiromi et al. Estudo da ototoxicidade em trabalhadores expostos a organofosforados. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v.74, n.06, p. 912-8, Nov./Dez. 2008.

Considerações Finais Em estudo realizado na região do Cariri, foi relatado pelos agentes que seu treinamento era meramente operacional e de conduta, não enfatizando as medidas de segurança necessárias e os riscos aos quais estavam expostos (LIMA et al., 2009). Com o presente grupo a situação se repetiu, agravada pelo não reconhecimento das condições de risco, e pela ineficiência das políticas de saúde para essa categoria de trabalhadores. Concluiu-se que os agentes de endemias entrevistados representam uma classe de trabalhadores vulneráveis a diversos agravos, mas principalmente, toxicológicos, que podem contribuir para o desequilíbrio psicológico. Os sinais e sintomas percebidos por uma proporção deles são indicadores de Síndrome Colinérgica Aguda, e outros são caracterizados como sequelas de exposição a diversas classes de inseticidas. As condições de risco são reforçadas pela falta de conhecimento sobre os produtos usados, pelo não uso de EPIs ou uso inadequado destes, e pela banalização dos acidentes de trabalho. Sugere-se a aplicação das políticas de saúde e segurança do trabalhador, e que haja fiscalização e garantia de direitos trabalhistas. Isso pode começar pela promoção do conhecimento nas capacitações, sem omissões de informação, tornando-os conscientes dos riscos a que estão expostos.

KÖRBES, Daiane et al. Ototoxicidade por organofosforados: descrição dos aspectos ultraestruturais do sistema vestibulococlear de cobaias. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, v.76, n.02, p.238-244, Mar./Apr. 2010. LIMA, Estelita Pereira et al. Exposição a pesticidas e repercussão na saúde de agentes sanitaristas no Estado do Ceará, Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v.14, n.06, p. 2105-2112, 2009. PEREIRA, Maria Izabel Rocha et al. Risco ocupacional para trabalhadores expostos ao temefós no programa de controle do vetor da dengue no Distrito Federal. Brasília Médica, v.46, n.04, dez, 2009. RIBEIRO, Amanda Cavalari Cotrim; MELLA, Eliane Aparecida Campesatto. Intoxicação ocupacional por organofosforados: a importância da dosagem de colinesterase. CESUMAR, v.09, n.02, p.125-134, Jul./Dez, 2007. ROCHA JÚNIOR, Dimas S et al. Síndromes Neurológicas Induzidas por Praguicidas Organofosforados e a Relação com o Suicídio. Saúde em Revista, v.06, n.14, p. 53-60, 2004.

Referências

ROUQUAYROL, Maria Zélia; ALMEIDA FILHO, Naomar. Epidemiologia & Saúde. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

ARAÚJO, Alberto José de et al. Exposição múltipla a agrotóxicos e efeitos à saúde: estudo transversal em amostra de 102 trabalhadores rurais. Ciência & saúde coletiva, v.12, n.01, p. 115-130, Jan./Mar. 2007.

SAVI, Eduardo Pereira et al. Sintomas associados à exposição aos agrotóxicos entre rizicultores em uma cidade no sul de Santa Catarina. Arquivos Catarinenses de Medicina, v.39, n.01, p. 1723, 2010.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Norma Técnica n.165/2008 – CGLAB-CGPNCD/SVS/MS. Brasília, 2008.

TEIXEIRA, Cleide Fernandes et al. Saúde auditiva de trabalhadores expostos a ruído e inseticidas. Revista de Saúde Pública, v.37, n.04, p.417423, 2003.

GURGEL, Idê Gomes Dantas. Repercussão dos agrotóxicos na saúde dos Agentes de Saúde Pública em Pernambuco. 1998. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) -

361


Caderno de Experiências

LEISHMANIOSE VISCERAL: LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO NO ESTADO DO CEARÁ

Tereza Amália Gomes Marques De Sousa Medicina/UFCA gms.tereza@gmail.com

Victor Hugo Gonçalves Lopes Medicina/UFCA hugo.0707@hotmail.com

Germana Leal Coutinho Medicina/UFCA glealcoutinho@gmail.com

Maria Do Socorro Vieira Dos Santos Professor/UFCA svsmaria@yahoo.com.br

Figura 1: Situação epidemiológica da Leishmaniose visceral no mundo

1 Introdução Leishmaniose visceral americana (LV), mais conhecida como calazar, é uma infecção zoonótica causada pelo protozoário Leishmania chagasi. Sua transmissão se dá pela picada do mosquito do gênero Lutzomia e tem como sintomas principais surtos de febre irregular, perda de peso, hepatoesplenomegalia e anemia (NEVES, 2011). Segundo a World Health Organization (TDR/WHO, 2012), mais de 90% dos casos de leishmaniose visceral ocorrem em seis países: Bangladesh, Brasil, Etiópia, índia, Sudão do Sul e Sudão. Segundo o Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral, a doença já foi notificada em pelo menos 12 países da América Latina, mas 90% dos casos ocorrem no Brasil, em especial na região Nordeste. Causa alta morbidade e mortalidade nas comunidades afetadas, podendo chegar a mais de 90% de mortalidade quando não tratada (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). O presente estudo teve como objetivo fazer um levantamento de casos notificados de Leishmaniose visceral no Estado do Ceará, ocorridos no período de 2009 a 2013.

Fonte: WHO/NTD/IDM HIV/AIDS, Tuberculosis and Malaria (HTM) World Health Organization, October 2010

Quando se observa a evolução epidemiológica da LV no Brasil, verifica-se a gravidade da situação e a expansão da doença. De 1980 a 2008, foram notificados mais de 70 mil casos de LV no país, levando mais de 3.800 pessoas à morte. O número médio de casos registrados anualmente cresceu de 1.601 (1985-1989), para 3.630 (2000-2004), estabilizando-se a partir de então. Na década de 1990, apenas 10% dos casos ocorriam fora da Região Nordeste, mas em 2007, esta cifra chegou a 50% dos casos. Entre os anos de 2006 e 2008, a transmissão autóctone da LV foi registrada em mais de 1.200 municípios em 21 Unidades Federadas. (WERNECK, 2010, p.1).

2 Fundamentação Teórica Segundo estimativas da World Health Organization (2012), a Leishmaniose visceral é responsável por mais de 20.000 mortes, com aproximadamente 300.000 casos confirmados anualmente, e é uma das seis endemias de maior importância mundialmente. Os principais focos de infecção humana estão localizados no sudoeste asiático (300 mil casos em 2006), no oeste da África (trinta mil casos em 2006) e no continente americano (quatro mil casos em 2006) (GÓES et al., 2012, p. 2).

Historicamente conhecida como uma endemia rural, a partir de 1980 a Leishmaniose visceral sofreu um processo de urbanização, com início das epidemias em Teresina, Natal e São Luís e, a partir daí, para outras regiões do país (WERNECK, 2010). 362


Pesquisa em Foco Essa mudança no perfil da doença se deve a modificações socioambientais, como o desmatamento e o processo migratório descontrolado para as grandes cidades (BORGES et al., 2009). Associado ao processo de urbanização do calazar, há diversos fatores como mudanças ambientais e climáticas, redução de investimentos em saúde e educação, descontinuidade das ações de controle, adaptação do vetor aos ambientes modificados pelo homem, além de uma maior dificuldade de controle da doença em aglomerados urbanos (GONJITOL; MELO, 2004). Lobo et al. (2013) após realizar um estudo em escolas públicas no município de Caxias, Estado do Maranhão, verificou que há algum conhecimento dos estudantes acerca dos sintomas da Leishmaniose visceral, porém, a maioria desconhece as características do vetor. Após um trabalho educativo observou-se que houve um elevado número de acertos sobre o L. longipalpis, o que mostra a importância de pesquisas que disseminem informações sobre a endemia. O principal mecanismo de transmissão ocorre através da picada da fêmea de L. longipalpis, quando formas móveis são inoculadas durante o repasto sanguíneo. Porém, em condições especiais, outros mecanismos devem ser considerados, como o uso de drogas injetáveis e transfusão sanguínea. Há raros casos de transmissão congênita e por acidentes de laboratório (NEVES et al., 2011). Segundo Sangenis (2014), em áreas não endêmicas da doença seu diagnóstico é muito difícil. Deve-se sempre desconfiar da doença quando há febre prolongada e esplenomegalia, devendo-se fazer o diagnóstico diferencial para toxoplasmose, citomegalovírus e mononucleose infecciosa, na fase aguda da LV. Achados laboratoriais comuns da doença são pancitopenia, hipoalbuminemia e hiperglobulinemia (DUARTE; BADARÓ, 2010). Como os achados clínicos são muito inespecíficos, o diagnóstico preciso deve ser realizado através de sorologia por ELISA (Enzyme-linked immunosorbet assay) e o IDRM (Intradermorreação de Montenegro) (MOURA et al., 2012). Segundo o Manual de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006), o controle da doença tem sido realizado pela adoção de três medidas básicas: tratamento dos casos humanos, eutanásia de cães infectados e através da aplicação de inseticida em domicílios localizados em áreas endêmicas. Segundo Souza et al. (2008), a borrifação é o principal método capaz de produzir bons resultados no controle da doença, sendo, a partir de 2002, considerado o método de escolha pelo Programa Nacional de Controle de Leishmanioses, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

3 Procedimentos Metodológicos 3.1 Caracterização da área Definiu-se como área de estudo o Estado do Ceará (05º 11' S 39º 17' W), com área territorial de 148.920,472 quilômetros quadrados e uma população estimada, segundo o IBGE (2010), em torno de 8.452.381, sendo 6.346.557 (75%) residentes de áreas urbanas e 2.105.824 (25%) de áreas rurais. O Estado apresenta predomínio de clima semiárido no interior e tropical na região litorânea, caracterizado por baixos níveis pluviométricos durante todo o ano. As temperaturas se mantêm constantemente altas (média de 27ºC), com pouca variação sazonal. A vegetação é composta principalmente por caatinga no interior e restingas e salinas no litoral (FUNCEME, 2010). 3.2 Metodologia O estudo caracterizou-se pelo seu caráter quantitativo e descritivo sobre ocorrência de casos notificados de Leishmaniose visceral no Estado do Ceará. Realizou-se uma busca no site do Sistema de Informação de Agravos e de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde, disponível na internet. O período de estudo foi de 2009 a 2013 e foram selecionados todos os casos segundo o Estado de notificação. Para a tabulação dos dados e montagem das figuras e tabelas utilizou-se o programa Excel. 4 Resultados e discussão Com 2.749 casos notificados nos anos de 2009 a 2013, o Ceará é o estado que apresenta maior prevalência de infecção pelo Leishmania chagasi, segundo o Sistema de Informações de Agravos e Notificações – SINAN , correspondendo a 14,2% do total de infecções registradas em todo o país (Figura 2).

363


Caderno de Experiências Figura 2. Casos de Leishmaniose visceral notificados em todo território nacional no período de 2009 a 2013, segundo dados do SINAN

na faixa etária que engloba pessoas dos 20 aos 39 anos com 708 casos notificados (25,7%), seguida pela faixa etária de um a quatro anos com 541 notificações (19,6%) (Gráfico 3). Gráfico 3: Número de notificações de LV por faixa etária no Estado do Ceará no período de 2009 a 2013, segundo dados do SINAN

45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Li n ha Li n 1 ha Li n 2 ha Li n 3 ha 4

A maioria das notificações no Estado do Ceará foi realizada em 2009, com 677 notificações; seguido pelo ano de 2011, com 611 notificações; 2010 com 541 notificações; 2013 com 481; e por último, o ano de 2012 com 439 casos notificados. Apesar do alto valor, há uma estabilização da doença, com sinais de diminuição dos índices de infecção (Gráfico 2).

Góes e Jeraldo (2013), após um estudo realizado no Estado de Sergipe, afirmaram que a maior concentração de casos ocorreu em criança de um a quatro anos (31,2%), seguida pela faixa etária dos 20 aos 39 anos (24,2%). Eles atribuem esses dados a uma menor capacidade do sistema imunológico de crianças, assim como um maior contato com animais domésticos, reservatórios da infecção. Durante o período estudado, houve 156 mortes decorrentes da infecção pela LV, com um grau de letalidade de 5,6%. A letalidade entre idosos com mais de 80 anos alcançou 33,3%; seguida por 70 a 79 anos com 22,2%; 65 a 69 anos com 16,3%; 60 a 64 anos com 16,1%; 40 a 59 anos com 6,8%; lactentes menores de um ano 8,4%; 20 a 39 anos 5,6%, dos 15 aos 19 anos 2,5%; 1 a 4 anos 2,2%; 10 a 14 anos 1,6% e 5 aos 9 anos, 0,9% de letalidade. É possível observar que houve uma grande taxa de mortalidade entre idosos acima de 60 anos e em lactentes com menos de um ano (Gráfico 4).

0 Li n ha Li n 1 h Li n a 2 h Li n a 3 ha 4

10

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20

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40

0

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Gráfico 2: Número de notificações de Leishmaniose Visceral no Estado do Ceará por ano, no período de 2009 a 2013, segundo dados do SINAN

Segundo Botelho e Natal (2009), a situação é bem diferente em Campo Grande, Rio Grande do Sul, onde houveram 577 casos notificados no período de 2001 a 2006, sendo que houve 10 notificações em 2001; 22 em 2002; 97 em 2003; 130 em 2004; 157 em 2005 e 161 casos em 2006. Apesar do número inferior de notificações, houve uma ascensão da doença, com um aumento significativo de infecções entre 2001 e 2005 e uma tendência de estabilização entre 2005 e 2006. Observa-se no que todas as faixas etárias estão susceptíveis à infecção, porém há um predomínio 364


Pesquisa em Foco Gráfico 4: Relação de óbitos por faixa etária relacionados à LV no Estado do Ceará no período de 2009 a 2013, segundo dados do SINAN

12

00

15

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18

00

período acumulado foi: 78,1% dos casos em área urbana (2149 casos); 18,8% em área rural (519 casos); 0,7% em área periurbana (21 casos) e 2,1% em área desconhecida (60 casos) (Gráfico 6). O mesmo perfil epidemiológico foi observado em outros Estados, como apontaram Ponte et al. (2011) e Brazuna et al. (2012) em estudos realizados em Raposa, Maranhão e em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, respectivamente.

0

30

0

60

0

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0

Gráfico 6: Notificações de Leishmaniose visceral por zona de residência no Estado do Ceará no período de 2009 a 2013, segundo dados do SINAN

Linha 1

Linha 2

Linha 3

Linha 4 21 60

Diferentemente do que observou Góes et al.(2012), em um estudo em Aracaju/SE, em que se apontou para uma taxa de mortalidade de 8,9%, sendo esta mais acentuada em indivíduos com 60 a 69 anos com 60% de letalidade e entre 50 a 59 anos com 55,8%. A faixa etária dos 20 aos 29 também foi observada alta mortalidade, em torno de 20%. A maioria dos doentes no Estado do Ceará era do sexo masculino com 1825 casos notificados (66,3%), do sexo feminino foram 923 (33,5%) e um caso não foi registrado (Gráfico 5). Alvarenga et al.(2010) encontrou resultados semelhantes em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, onde 74,7% dos pacientes eram do sexo masculino e 25,3% do sexo feminino. Ele relaciona esses dados à maior exposição dos homens devido a implantação de projetos agropecuários, abertura de estradas e assentamento de trabalhadores rurais sem-terra, onde não há preocupação com infraestrutura sanitária.

519

Urbana Rural Periurbana Ing/Branco 2149

Considerações Finais Apesar de não ser considerada como uma doença prioritária tanto pelo setor público quanto privado, a Leishmaniose visceral tem gerado grande repercussão pelo aumento da propagação em especial nos grandes centros urbanos e, por esse fato, encontra-se classificada como problema de saúde pública. Fazem-se necessários esforços conjuntos em nível estadual, municipal e regional, além da própria sociedade, para buscar a otimização e efetividade das ações de vigilância e controle do calazar.

Gráfico 5: Número de notificações de Leishmaniose visceral por sexo no Estado do Ceará, no período de 2009 a 2013, segundo dados do SINAN

Referências ALVARENGA, D.D. et al. Leishmaniose visceral: estudo retrospectivo de fatores associados à letalidade. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 43, n. 2, mar./abr. 2010 BORGES, B.K.A. et al. Presença de animais associada ao risco de transmissão da leishmaniose visceral em humanos em Belo Horizonte, Minas Gerais. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., Belo Horizonte , v. 61, n. 5,Oct. 2009 .

A maioria dos infectados no Estado do Ceará residia em área urbana. A proporção de casos segundo zona de residência, considerando o 365


Caderno de Experiências BOTELHO, A.C.A; NATAL, D. Primeira descrição epidemiológica da leishmaniose visceral em Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul. Rev. Soc. Bras. Med. Trop., Uberaba , v. 42, n. 5, Oct. 2009 .

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MOURA, Germano Silva et al . Factors associated with asymptomatic infection in family members and neighbors of patients with visceral leishmaniasis. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 28, n. 12, Dec. 2012 .

DUARTE, MIS, Badaró RS. Leishmaniose Visceral (Calazar). In: Veronesi R, Focaccia R, editores. Tratado de infectologia. 4ª ed. São Paulo: Atheneu; 2010.

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Pesquisa em Foco

ÓBITO POR COMPLICAÇÕES DE PANCREATITE AGUDA EM PACIENTE JOVEM E ETILISTA – RELATO DE CASO

1 Introdução

Débora Valentim Monte Alto Medicina/UFCA dedealto@hotmail.com

Raul Rodrigues Barros Medicina/UFCA raulbarros4@gmail.com

Cláudio Gleidiston Lima e Silva Professor/UFCA claudiogleidiston@hotmail.co m

Sávio Samuel Feitosa Machado Medico/UFCA saviosamuel@hotmail.com

alcoólica, e numa breve revisão dos principais trabalhos da literatura sobre o tema, abordando as principais etiologias, patogenia, diagnóstico, exames de imagem, avaliação da gravidade, evolução e complicações.

A pancreatite aguda (PA) é uma doença que tem como substrato um processo inflamatório da glândula pancreática, decorrente da ação de enzimas inadequadamente ativadas, que se traduz por edema, hemorragia e até necrose pancreática e peripancreática, acompanhado de repercussão sistêmica que vai da hipovolemia ao comprometimento de múltiplos órgãos e sistemas como insuficiência renal aguda, hipocalcemia, hipoalbuminemia, retinopatia e, finalmente, ao óbito. A etiologia da PA permaneceu obscura por muito tempo. Em 1901, Opie relacionou a doença à obstrução litiásica da via biliar e, em 1917, Symmers atribui à gênese do processo o consumo de álcool (TRIVIÑO; LOPES; TORREZ, 2002; LIMA et al., 2010). Hoje se estima que a doença litiásica biliar e a ingestão de álcool concorrem com cerca de 80% dos casos, variando conforme a região que se estuda (REFINETTI et al.,2010). A PA é classificada de acordo com a sua morfologia em pancreatite edematosa e pancreatite necrosante. A pancreatite edematosa é responsável por 80-90% dos casos de PA e a sua remissão pode ser alcançada na maioria dos pacientes sem receber nenhum tratamento especial. A pancreatite necrosante ocupa 10-20% e a taxa de mortalidade é relatada como sendo de 14-25%, a taxa de mortalidade é particularmente elevada (34-40%) para a pancreatite necrosante infectada, na qual há uma infecção bacteriana no tecido necrótico do pâncreas (AMANO et al., 2010). A PA é a terceira principal causa de hospitalização por origem gastrointestinal nos Estados Unidos da América (GOMPERTZ et al., 2013). Seu curso clínico varia de leve a severo e, dentro das inúmeras formas de apresentação, seguramente aquela que representa o maior desafio terapêutico é a pancreatite aguda necro-hemorrágica (REFINETTI et al., 2010). Pela sua devastadora apresentação clínica e os frustrantes resultados terapêuticos - o que fazem dela uma das doenças mais estudadas nos dias atuais - o presente artigo pretende encorajar e orientar clínicos e cirurgiões para a suspeita diagnóstica e detecção precoce da forma grave, fundamentada no relato de uma autópsia clínica de uma paciente de 25 anos do sexo feminino, que foi a óbito em decorrência de complicações de uma pancreatite aguda necro-hemorrágica de etiologia

2 Procedimentos Metodológicos A produção científica será realizada a partir de dados oriundos de autópsia registrados na Declaração de Óbito e Laudo Cadavérico do Serviço de Verificação de Óbito (SVO) do município de Barbalha – CE. Para a seleção dos artigos analisados no preparo da revisão sobre o tema, recorreu-se à pesquisa nas bases de dados SciELO e SCOPUS. Foram utilizados os seguintes descritores: acute pancreatitis; necrotizing pancreatitis. A pesquisa inicial evidenciou cerca de 500 artigos, sendo avaliados os mais relevantes dos últimos 5 anos, em que os textos completos estivessem disponíveis para leitura, além de artigos mais antigos, considerados “clássicos” sobre o assunto e que, portanto, não poderiam deixar de serem citados. Registro no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP): devido ao limitado prazo para as modificações solicitadas pelo avaliador, o Projeto de Pesquisa foi enviado para avaliação do CEP (ver ANEXO I), no entanto, ainda não recebemos um retorno. ABORDAGEM DO CASO: Mulher parda de 25 anos de idade foi admitida no Serviço de Verificação de Óbito (SVO) do município de Barbalha - CE com história de etilismo crônico há cerca de 10 anos, fazendo uso diário de destilados. Sua genitora relata que teve história de dispneia súbita seguida de alteração do nível de consciência, referindo dor toraco-abdominal à esquerda nos dias que antecederam a piora, negando-se a ser levada para atendimento hospitalar. Ao exame externo o cadáver apresentava fácies de etilismo crônico, pupilas midriáticas, lesões pelagróides em membros superiores e inferiores e ausência de sinais de traumatismos. No que tange às medidas antropométricas da paciente, o peso do corpo foi estimado em 52 kg e a estatura em 1,60. O 367


Caderno de Experiências peso dos órgãos internos à autópsia pode ser observado na Tabela 1.

comum, sendo responsável por 15 a 30% dos casos nos EUA (LONGO et al., 2012). Embora muitas outras etiologias já estejam estabelecidas (trauma, drogas, infecciosas, vasculares e manuseio endoscópico), uma parcela não desprezível permanece com a etiologia ainda desconhecida, sendo denominada idiopática (TRIVIÑO; LOPES; TORREZ, 2002).

Tabela 1: Peso dos órgãos internos à autópsia

Quadro 1 – Causas de pancreatite aguda

Fonte: os autores (2014)

O exame anatomopatológico macroscópico apresentou edema moderado dos giros cerebrais, não exibindo peculiaridades externamente ao crânio. Na cavidade torácica havia derrame pleural bilateral, sendo de maior quantidade à esquerda e aderência pleural a direita. Ao corte, os pulmões apresentavam acentuada congestão, característico do pulmão de choque, e o coração tinha aspecto usual. Fígado com esteato-hepatite, vesícula biliar presente e repleta de cálculos de cor amarelada e multifacetados, contendo bile mucoide. Baço com áreas vinhosas subcapsulares. Pâncreas atrófico e difusamente acometido por extensa pancreatite aguda hemorrágica. Rins apresentavam cicatrizes corticais bilaterais sugestivas de sequelas de pielonefrite, exibindo aspecto de rim de choque ao corte. Exame de cavidade pélvica, órgãos genitais externos e ânus sem peculiaridades. Em vista do referido exame, chegou-se a conclusão que a paciente foi a óbito por choque distributivo devido a síndrome da resposta inflamatória sistêmica por pancreatite aguda necrohemorrágica de etiologia alcoólica. 3 Fundamentação teórica: Etiologia: Existem muitas causas de pancreatite aguda (Quadro 1), porém os mecanismos pelos quais essas condições desencadeiam a inflamação pancreática ainda não foram totalmente elucidados. Os cálculos biliares continuam sendo a principal causa de pancreatite aguda na maioria das apresentações (30 a 60%) e o álcool é a segunda causa mais 368


Pesquisa em Foco como resultado dessa cascata de efeitos locais e distantes (LONGO et al., 2012; STEVENSON; CARTER, 2013). Diagnóstico: O polimorfismo no quadro clínico da doença é o principal responsável pelo erro no seu diagnóstico (TRIVIÑO; LOPES; TORREZ, 2002). Classicamente a PA se apresenta com dor intensa e constante em abdome superior irradiando para as costas e o paciente afirma alívio ao se inclinar para frente. A dor frequentemente está associada a náuseas e vômitos. O paciente pode ter história prévia de litíase biliar, alcoolismo ou crises similares. Muitas vezes aparecem pálidos, suados, taquicárdicos e podem estar hipotensos. A maioria é normotérmico embora hipotermia não é incomum. Febre raramente é uma característica de PA no primeiro dia após o início e, se presente, deve alertar o clínico para a possibilidade de colangite. O abdome pode estar distendido e geralmente cursa com variados graus de defesa muscular. As descrições epônimas de Grey-Turner (equimoses em flancos) e Cullen (equimose periumbilical) estão em consonância com hemorragia retroperitoneal; estes sinais são raros e não-específicos e ocorrem após o segundo dia de início do quadro. Os diagnósticos diferenciais incluem condições cirúrgicas comuns, tais como cólica biliar e colecistite, úlcera péptica (e perfurada), obstrução intestinal, isquemia ou infarto intestinal e ruptura de aneurisma da aorta, bem como outros diagnósticos não-cirúrgicos como infarto do miocárdio, pneumonia de lobo inferior e emergência diabética (STEVENSON; CARTER, 2013). O diagnóstico de pancreatite aguda exige dois dos seguintes achados: dor abdominal típica, elevação de três vezes ou mais nos níveis séricos de amilase e/ou lipase e achados confirmatórios no exame de imagem do abdome em corte transversal (WU; BANKS, 2013). Embora não sejam necessários para o diagnóstico, os marcadores de gravidade incluem hemoconcentração (hematócrito > 44%), azotemia (ureia > 22 mg/dL) e sinais de falência orgânica (LONGO et al., 2012).

Fonte: LONGO et al. (2012).

Patogenia: Os mecanismos que dão origem a PA e suas complicações são complexos e não estão completamente conhecidos. Mas sabe-se que, independente da etiologia, a PA começa com um processo inflamatório estéril e a ativação prematura de zimogênios parece ser crucial na iniciação da lesão pancreática (STEVENSON; CARTER, 2013). Vários estudos recentes sugeriram que a pancreatite é uma doença que evolui em três fases. A fase inicial caracteriza-se pela ativação intrapancreática das enzimas digestivas mediada pelo cálcio e por lesão das células acinares, o que dá origem a dor abdominal e outros sintomas precoces. A segunda fase da pancreatite envolve a ativação, a quimioatração e o sequestro dos neutrófilos e macrófagos no pâncreas, resultando em reação inflamatória intrapancreática aumentada. Existem também evidências que apoiam o conceito de que a sequestração dos neutrófilos pode ativar o tripsinogênio. A terceira fase se dá pelos efeitos das enzimas proteolíticas ativadas e das citocinas liberadas pelo pâncreas inflamado sobre órgãos distantes, as quais digerem as membranas celulares e causam proteólise, edema, hemorragia intersticial, dano vascular, necrose por coagulação, necrose gordurosa e necrose das células parenquimais. A lesão celular e a morte resultam na liberação dos peptídios da bradicinina, das substâncias vasoativas e da histamina que podem produzir vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e edema com profundos efeitos sobre muitos órgãos, mais particularmente o pulmão. A síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e a síndrome da angústia respiratória do adulto (SARA), assim como a falência de múltiplos órgãos, podem ocorrer

Exames de Imagem: Exames de imagem são realizados por várias razões, incluindo: a detecção de cálculos biliares, a detecção de obstrução biliar, o diagnóstico de pancreatite quando a situação clínica não está clara, a identificação de pacientes com pancreatite de alto risco e a detecção de complicações da pancreatite (WU; BANKS, 2013). A radiografia simples de abdome é útil para excluir outras causas de abdome agudo que podem similar quadros de PA, pode-se detectar alça em sentinela (íleo localizado no intestino delgado), sinal da “amputação” na topografia do cólon (parada 369


Caderno de Experiências abrupta do gás no cólon descendente) e calcificações pancreáticas, comuns na pancreatite crônica agudizada (LONGO et al., 2012). A radiografia de tórax pode mostrar alteração em até um terço dos pacientes. Mais frequentemente, o derrame pleural na base esquerda, faixas de atelectasia, elevação de hemicúpula diafragmática, infiltrados pulmonares e, nos casos mais graves, padrão que possa sugerir SARA (LIMA et al, 2010). A ultrassonografia pode ser normal (o que não descarta PA) ou detectar aumento difuso, heterogeneidade do pâncreas, coleção pancreática ou peripancreática, pseudocisto, calcificação pancreática. O achado de litíase biliar com espessamento da parede da vesícula, lama biliar ou coledocolitíase, sugere etiologia biliar. Porém em até um terço dos casos da doença o pâncreas pode não ser visualizado, seja em decorrência de distensão gasosa intestinal ou por obesidade. A despeito dos seus limites na identificação de necrose pancreática, a ultrassonografia é um exame simples, barato e muito útil no acompanhamento dos pacientes com pseudocisto (LIMA et al, 2010). A tomografia computadorizada é o exame de imagem que tem a melhor acurácia no diagnóstico de PA. Apresenta elevada sensibilidade em detectar necrose pancreática, e em avaliar a extensão do processo inflamatório para órgãos vizinhos e é extremamente útil na avaliação de complicações intra-abdominais nas pancreatites graves. Mas em torno de 30% dos pacientes com PA intersticial o pâncreas tem aspecto tomográfico normal. O achado de gás em coleção intrapancreática ou peripancrática é muito sugestivo de infecção. A TC também deve ser realizada naqueles pacientes com PA cujos sinais de prognóstico apontem para a forma grave ou naqueles pacientes com piora do quadro clínico, ou quando existe dúvida quanto ao diagnóstico (LIMA et al, 2010).

APACHE II e por 3 ou mais fatores do Índice de Gravidade da Pancreatite Aguda à Cabeceira do Paciente (BISAP, Bedside Index of Severity in Acute Pancreatitis – Quadro 3) que incorpora cinco parâmetros clínicos e laboratoriais obtidos nas primeiras 24 horas de hospitalização: ureia > 25, comprometimento do estado mental, SIRS, idade > 60 anos, derrame pleural na radiografia (LONGO et al., 2012). Quadro 2 – Critérios prognósticos de Ranson na pancreatite aguda (1974)

Avaliação da gravidade e Evolução: A avaliação inicial da gravidade na pancreatite aguda é de importância crítica para a triagem e o manejo apropriados dos pacientes, uma vez que a mortalidade da PA não é determinada apenas pelo grau da lesão pancreática e intensidade da resposta inflamatória, mas também pelo diagnóstico correto e, principalmente, pela utilização de condutas terapêuticas adequadas (LONGO et al., 2012; MATEUS; MACHADO, 2008). Os critérios de gravidade na pancreatite aguda foram definidos como falência orgânica de pelo menos um sistema orgânico (definida por uma pressão arterial sistólica de < 90 mmHg, Pa02 de < 60 mmHg, creatinina de > 2,0 mg/dL após reidratação e sangramento gastrintestinal > 500 mL/24 horas) e presença de uma complicação local, como necrose, pseudocisto ou abscesso. Os preditores iniciais de gravidade dentro de 48 horas incluíram > 3 sinais de Ranson (Quadro 2), pontuação de > 8 de

Legenda: BUN (Blood Urea Nitrogen) = NUS – nitrogênio ureico sanguineo para converter em ureia, multiplica-se por 2,14

370


Pesquisa em Foco Fonte: LONGO et al. (2012).

desenvolvimento de um índice de gravidade na TC (Critérios de Balthazar) que é avaliada mais adequadamente dentro de cinco dias de hospitalização (LONGO et al., 2012). O escore de Balthazar (quadro 5) é obtido somando-se a pontuação obtida na avaliação morfotomográfica do parênquima pancreático que varia de 0 a 4 pontos e a pontuação obtida na análise da necrose pancreática que varia de 0 a 6 pontos. Aqueles pacientes com pontuação maior do que 5 apresentam maior gravidade, maior mortalidade, permanecem mais tempo internados e, frequentemente, necessitam de abordagem cirúrgica (LIMA et al., 2010).

Quadro 3 – Escore BISAP: avaliação precoce da

mortalidade na pancreatite aguda

Quadro 5 – Critérios de Balthazar modificados

Legenda: BUN (Blood Urea Nitrogen) = NUS – nitrogênio ureico sanguineo para converter em ureia, multiplica-se por 2,14 Fonte: LONGO et al. (2012).

Com a finalidade de uniformizar a avaliação e o tratamento da pancreatite aguda um simpósio internacional realizado em Atlanta, Georgia, em 1992, estabeleceu uma classificação de PA com base na clínica (Quadro 4). Em 2008 a revisão da classificação de Atlanta identificou duas fases da doença: precoce e tardia. A severidade é classificada como leve, moderada ou severa. PA leve, a forma mais comum, não tem falência de órgãos ou complicações locais ou sistêmicas e geralmente resolve na primeira semana. PA moderadamente severa é definida pela presença de falência orgânica transitória, complicações locais, ou exacerbação de comorbidades. PA severa é definida por uma persistente falência de órgãos que dura mais de 48 horas (DUPUIS et al., 2013; WU; BANKS, 2013). Quadro 4 – Critérios de gravidade na pancreatite aguda (ATLANTA, 1992) Fonte: LIMA et al. (2010).

Além dos índices de gravidade, existem fatores adicionais que podem ser utilizados para estimar a gravidade da pancreatite aguda. Esses fatores são mais bem divididos em fatores de risco para gravidade e marcadores de gravidade dentro de 24 horas após a admissão e durante a hospitalização. Os fatores de risco para pancreatite aguda grave na ocasião da admissão incluem: idade avançada (> 60 anos), obesidade (IMC > 30) e comorbidades. Há também evidências que sustentam um episódio inicial e o consumo de álcool como fatores de risco adicionais para gravidade (LONGO et al., 2012). Complicações: As complicações estão relacionadas à gravidade do episódio de PA e a comorbidades que o paciente seja acometido. As complicações podem ser sistêmicas ou locais. As complicações sistêmicas em geral ocorrem nos primeiros 7 a 10 dias e se não tratadas adequadamente respondem por mais de

A importância do reconhecimento da pancreatite aguda intersticial versus necrosante levou ao 371


Caderno de Experiências 50% dos óbitos na PA. Já as complicações locais geralmente ocorrem após a segunda semana de episódio de pancreatite aguda e devem ser diagnosticadas e tratadas adequadamente (WU; BANKS, 2013). Os quadros 6 e 7 abordam as complicações locais e sistêmicas, respectivamente:

Considerações Finais A forma grave da pancreatite aguda é responsável por elevadas taxas de morbimortalidade e a detecção precoce dos casos graves é fundamental para otimizar a estratégia terapêutica o mais precocemente possível, com o objetivo de prevenir complicações e a disfunção de múltiplos órgãos. Tradicionalmente tem sido determinada principalmente pelos critérios de Ranson e o APACHE II, pelos quais diversos parâmetros fisiológicos e biológicos quantificam a disfunção orgânica, mas não permitem a estimativa precoce da gravidade e os profissionais relatam muita dificuldade na sua compreensão e aplicação na rotina. Desta forma, reforçamos a relevância da monitorização diária da pancreatite aguda grave com exames de imagem (TC), e enfatizamos a importância de estudos visando a descoberta de novos marcadores e escalas que permitam a detecção precoce, que sejam acessíveis permitindo a ampla utilização, que sirvam de base para novas estratégias terapêuticas no bloqueio da reação inflamatória e minimizem as complicações. Ressaltamos também a importância da implementação de medidas de saúde pública a fim de dar combate aos danos causados pelo álcool, o qual vitima pessoas jovens em idade reprodutiva na Região do Cariri, não somente com patologias decorrentes do etilismo, mas também através da violência, uma vez que o seu uso está associado a problemas sociais.

Quadro 6 – Complicações locais na pancreatite aguda

Referências

Quadro 7 – Complicações pancreatite aguda

sistêmicas

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373


Caderno de Experiências Glenda Arielle Guimarães Herrera Medicina/UFCA arielle_herrera@hotmail.com

PERFIL E QUALIDADE DE VIDA: PACIENTES EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA PSIQUIÁTRICA EM CRATO-CE

Victor Hugo Gonçalves Lopes Medicina/UFCA hugo.0707@hotmail.com

Gislene Farias De Oliveira Professora/UFCA gislenefarias@gmail.com

1 Introdução

(QV) dos pacientes que estariam a cumprir alguma medida de segurança no hospital psiquiátrico do Crato-CE, Santa Tereza, e relacionar a QV com variáveis como sexo, idade, estado civil, doença atual, percurso penal, dentre outras, entre os sujeitos da amostra, além de comparar se há diferença entre os níveis de QV dos indivíduos.

A Reforma Psiquiátrica no Brasil trouxe uma série de mudanças na área da saúde mental, na perspectiva da regulamentação da desinstitucionalização, bem como dos instrumentos legais para a implementação de serviços alternativos em substituição aos existentes. A lei de 6 de abril de 2001 - Lei Nº 10.216/2001 (BRASIL, 2001), que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, passou a definir as novas exigências sobre a assistência prestada aos pacientes psiquiátricos, o que incluiu também uma série de adequações destas a uma melhor qualidade de atendimento. Embora se reconheça avanços significativos na nova legislação, com relação a medidas de segurança, esta não foi uma questão devidamente esclarecida e aprofundada na Reforma Psiquiátrica Brasileira. Os hospitais de custódia, em geral, não estão devidamente integrados à rede do SUS, salvo algumas exceções. A falta de uma rede de assistência básica eficiente tende a gerar situações críticas, e, quando há aumento da demanda, os hospitais psiquiátricos ficam superlotados. Esta situação não é diferente no Hospital Santa Tereza em Crato, Ceará, instituição onde se desenvolverá a presente pesquisa. Esta instituição atua tanto na área de defesa social como na de clínica psiquiátrica na região que atende. Tem-se prestado, em alguns casos, ao atendimento de pessoas portadoras de distúrbios mentais que, por determinação judicial, receberam alguma medida de segurança a cumprir. A ideia é a recuperação dos pacientes sob seus cuidados, numa tentativa de reintegrá-los posteriormente ao meio social. No entanto, muito pouco se sabe acerca de como estão vivendo os pacientes sob custódia nessa instituição, de como é o tratamento a que estão sujeitos e quais as perspectivas acerca de seu futuro. Dessa maneira, é importante conhecer a realidade dessas pessoas, a fim de propor políticas públicas mais adequadas a um modo de viver mais humano. Dessa forma, o presente trabalho teve como objetivo conhecer o perfil e a Qualidade de Vida

2 Fundamentação Teórica A expressão “Qualidade de Vida” é um construto moderno, mas, desde a antiguidade, consiste em um objeto de preocupação, pois já existia a percepção da necessidade de se viver com qualidade (FIEDLER, 2008). Exemplificando historicamente, Hipócrates (460370 a.C) e Galeno (132-200 d. C) sustentaram a ideia de que o equilíbrio mantinha um organismo saudável, e, portanto, o adoecer e o curar eram processos de desarmonia e harmonia os quais acompanhavam a vida (DINIZ, 2006). Ultimamente, valorizam-se, na composição da concepção da QV, aspectos como inserção social, oportunidade de lazer, bem como amor, liberdade e solidariedade (MINAYO, 2000). Não há consenso absoluto na literatura sobre a definição de Qualidade de Vida (PANZINI et al., 2007). De fato, existe uma variedade de significados relacionados ao seu conceito. Segundo Damineli (2000 apud DRUCK, 2002), esse tema é tão amplo que qualquer opinião a respeito é válida. O interesse na avaliação da Qualidade de Vida é partilhado por diversas áreas do conhecimento. Na área médica, a discussão da relação entre saúde e Qualidade de Vida na prática profissional existe desde o surgimento da medicina social nos séculos XVIII e XIX (MINAYO, 2000). Embora não haja unanimidade sobre a sua definição, existe certo consenso em considerar que a medida Qualidade de Vida é um construto de desfecho para a avaliação em saúde (TRENTINI, 2004). Cada vez mais, avaliações de Qualidade de Vida vêm sendo incluídas às práticas da área da saúde. Nas últimas décadas, o construto tem despontado como uma característica importante da investigação clínica e da formulação de políticas de saúde (PASCHOAL, 2000). Porém, apenas recentemente, o campo Qualidade de Vida tem 374


Pesquisa em Foco recebido maior atenção no âmbito das doenças psiquiátricas. Um dos motivos dessa mudança é a política pública de desinstitucionalização de pessoas portadoras de transtornos mentais com longo histórico de internação e a sua reintegração na comunidade (SOUZA; COUTINHO, 2006). Visando à proteção da pessoa com doença ou perturbação mental autora de delito, o chamado ‘louco-criminoso’, aprovou-se a Resolução nº. 05, de 4 de maio de 2004 pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a qual estabelece as diretivas para ajustar as medidas de seguranças (MS) às disposições da Lei nº. 10.216, de 6 de abril de 2001, reconhecendo, desta forma, a possibilidade de acesso deste sujeito aos seus direitos (CORREIA et al., 2007). Santana et al. (2009) esclarece que a MS é a ação, com prazo indeterminado, aplicável aos portadores de doença mental, averiguada por perícia médica, que cometeram algum crime e que, por serem incapazes de distinguir o caráter ilícito de suas condutas, não são considerados responsáveis criminalmente pelos próprios atos. Essas pessoas, então, são internadas em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) como medida detentiva, ou, na falta desses, em outro estabelecimento adequado, como Alas de Tratamento Psiquiátrico (ATP) localizadas em presídios comuns (SILVA, 2012). Nesse contexto, é relevante a realização de avaliação da QV dos pacientes em sofrimento psíquico que estão sob sanção penal. Tal avaliação é muito importante para o processo de estruturação e aperfeiçoamento das políticas e dos serviços que propõem oferecer assistência aos pacientes portadores de desequilíbrios psiquiátricos.

WHOQOL GROUP, 1995). Também reflete a subjetividade do construto inserida no contexto cultural, social e do meio ambiente (FLECK et al., 2000). Uma análise realizada pelo Grupo de Qualidade de Vida da OMS demonstrou que é possível desenvolver uma medida de Qualidade de Vida aplicável e válida para uso em diversas culturas e organizou um projeto colaborativo em 15 centros, cujo resultado foi a elaboração do World Health Organization Quality of Life-100 - WHOQOL-100 (THE WHOQOL GROUP, 1998). Devido à necessidade de instrumentos curtos e de rápida aplicação, foi, então, desenvolvida a versão abreviada do WHOQOL-100, o WHOQOL-bref, cuja versão final ficou composta por 26 questões (FLECK et al., 2000). A primeira questão refere-se à Qualidade de Vida de modo geral e a segunda, à satisfação com a própria saúde. As outras 24 estão divididas nos domínios físico, psicológico, das relações sociais e meio ambiente, sendo um instrumento que pode ser utilizado tanto para populações saudáveis como para populações acometidas por agravos e doenças crônicas (GONÇALVES; VILARTA, 2004; VILARTA; GONÇALVES, 2004). Além do caráter transcultural, os instrumentos WHOQOL valorizam a percepção individual da pessoa, podendo avaliar Qualidade de Vida em diversos grupos e situações. A versão em português foi realizada segundo metodologia preconizada pelo Centro WHOQOL para o Brasil e apresentou características psicométricas satisfatórias (FLECK et al., 2000). Esta versão é composta por vinte e seis itens que avaliam a Qualidade de Vida (por exemplo, como você avalia sua Qualidade de Vida; o quanto você aproveita a vida; em que medida você acha que sua vida tem sentido). Os participantes dão suas respostas em uma escala de 5 pontos, com os extremos 1 (muito ruim) e 5 (muito boa).

3 Procedimentos Metodológicos A pesquisa propôs-se a um estudo exploratório, quali-quantitativo, com uma amostra de pacientes que cumprem pena, em regime fechado, na Casa de Saúde Santa Tereza, em Crato-CE. Os instrumentos constaram da escala de Qualidade de Vida WHOQOL-BREF (FLECK, 2000) e de um questionário sócio-demográfico.

b) Informações sócio-demográficas Foi proposto um conjunto de perguntas visando caracterizar a amostra, a exemplo de idade, sexo, classe social estimada, escolaridade, profissão atual, responsável legal, estado civil e número de filhos, além de perguntas sobre as Representações Sociais de Custódia, na modalidade de Associação livre de palavras (por exemplo: Diga três palavras que lhe vêm à cabeça quando eu falo Doença mental / loucura?). O projeto foi aceito pela Universidade Federal do Cariri – UFCA e encaminhado ao Comitê de Ética, através da Plataforma Brasil, com o objetivo de se autorizar o trabalho de campo, para a aplicação dos questionários. Para o contato inicial com a instituição, de forma a se conseguir permissão para coletar dados gerais sobre o hospital, apresentou-se um ofício. Em

a) A Escala de Qualidade de Vida WHOQOLBREF A Qualidade de Vida é definida pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1997) como: "[...] a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Esta definição deixa implícita a ideia do conceito subjetivo, multidimensional e inclui elementos de avaliação tanto positivos como negativos (THE 375


Caderno de Experiências seguida, em outra visita, fez-se contato com os sujeitos e a família, explicando o propósito do estudo, com a finalidade de se obter o consentimento informado, de acordo com a resolução 196/96, que trata sobre experimentação com seres humanos. Os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS 15.0, onde foram feitas as análises descritivas relativamente Qualidade de Vida, considerando as variáveis implicadas. Os dados qualitativos foram analisados e interpretados de maneira descritiva, e analisados e categorizados seus conteúdos segundo Bardin (2001). Os dados irão permanecer sob a guarda do pesquisador, sendo garantido o seu sigilo e a confiabilidade das informações.

Para uma melhor visualização, a escolaridade dos participantes foi disposta no gráfico 1, a seguir:

4 Resultados e discussão Fizeram parte deste estudo todos os sete custodiados psiquiátricos do Hospital Santa Tereza em Crato. Foram feitos questionamentos sobre gênero, idade, escolaridade, profissão, estado civil, auto-visão sobre Qualidade de Vida, entre outros fatores para a sistematização e a construção do perfil e Qualidade de Vida dos entrevistados. A distribuição dos entrevistados quanto à classificação de gênero consiste em uma maioria masculina (71,4%). A distribuição das idades representou uma média de 41,1 anos (Dp= 18,986), com uma grande amplitude de idade. Esta variou entre 19 e 74 anos. A seguir, a distribuição dos sujeitos de acordo com o sexo e a idade:

No que diz respeito à profissão, quatro eram agricultores, uma era secretária do lar, um era jardineiro e um não possuía profissão. Observe o gráfico 2, a seguir:

Em relação à escolaridade, 14% não possuem instrução formal, enquanto 86% possuem o ensino fundamental incompleto. Os resultados estão dispostos na tabela 2, a seguir:

376


Pesquisa em Foco Percebe-se que os entrevistados, além de estarem numa situação de confinamento, exerciam funções de baixa remuneração associada à baixa escolaridade. Acredita-se serem estes determinantes importantes para uma diminuição na Qualidade de Vida dessas pessoas. Quando indagados sobre quem era o responsável por eles, 71,4% responderam que eram seus pais, 14,3% responderam que era outro parente e 14,3% responderam que era outra pessoa. Quanto ao estado civil, dos 7 entrevistados, 58,1% eram solteiros, 27,6% eram viúvos e 14,3% eram divorciados. Portanto, a totalidade dos entrevistados encontrava-se sem um relacionamento estável, o que, de acordo com Mascarenhas et al. (2013), implicaria em menor Qualidade de Vida para os pacientes. O tempo de custódia variou de três meses a um ano e oito meses de reclusão, sendo a média de oito meses. Nenhum dos detentos sabia por quanto tempo ainda permaneceria sob custódia. Quando indagados se esta era a primeira vez que cumpriam pena em regime de custódia psiquiátrica, 85,7% dos entrevistados responderam que estavam cumprindo pena pela primeira vez. Segue a tabela com os resultados:

Com relação aos domínios do WHOQOL abreviado, as respostas estão consolidadas na tabela, a seguir:

Com relação aos Domínios de Qualidade de Vida, os respondentes se perceberam como pessoas mais saudáveis no Domínio Ambiental (média 29,42) e menos saudáveis no Domínio Social e de Relações (média 11,28), no Domínio Físico (média 19,57) e no Domínio Psicológico (média 20,28) do WHOQOL. Em termos de Qualidade de Vida Global, a média foi de 80,57 com DP= 10,78. Com relação à Qualidade de Vida, medida de acordo com os parâmetros da Organização Mundial de Saúde, percebeu-se que em todos os domínios, os respondentes da amostra apresentaram médias inferiores às médias descritas e padronizadas como normais. Apesar da Qualidade de Vida Global demonstrar uma pontuação média superior a proposta pela OMS, que é de 64 pontos, as evidências nos Domínios Parciais indicaram o contrário. Tais resultados nos leva a crer que o confinamento, aliado a um comprometimento real da saúde no âmbito físico e no de relacionamentos, parece ser gerador de problemas reais como desinteresse, falta de significado de vida, falta de motivação pela insegurança gerada em não saber por quanto tempo permanecerá sob custódia, implicando em uma queda na QV. Concluímos que, quanto ao significado de estar confinado sob custódia psiquiátrica, embora atenda a necessidades básicas de alimentação e segurança, estas parecem não ser suficientes quando se estuda as dimensões separadamente. Porém, de uma forma Global, os respondentes parecem apresentar

Quanto aos tipos de delitos praticados, estes consistiram em ameaça, agressão, tentativa de estupro, agressão com troca de tiros, uso de drogas, extorsão, promoção de incêndio e estupro. Com relação à auto-avaliação da Qualidade de Vida, medida através da questão 1 do WOHQOL, 28,6% avaliaram como ruim, 14,3% como muito ruim e 57,1% com boa. Quanto ao nível de satisfação com a sua saúde (questão 2 do WOHQOL), de maneira geral, 28,6% se autodeclararam muito insatisfeitos, 14,3% se autodeclararam insatisfeitos, 14,3% se autodeclararam nem insatisfeito nem satisfeito e 42,9% se declararam satisfeitos. A saúde e o suporte social têm sido considerados, em diversos estudos, bons prognósticos da Qualidade de Vida (VISWERVARAN et al., 1999). No caso do presente estudo, percebe-se que, pelo menos, metade dos sujeitos afirmou estar insatisfeito ou muito insatisfeito com sua saúde atual. 377


Caderno de Experiências uma QV superior ao preconizado pela OMS. Este fato poderia ser mais bem explicado por conta de alguma medicação neuroléptica, comum em Hospitais Psiquiátricos, a qual pode ter provocado respostas mais positivas, em termos de bem-estar subjetivo. No que se refere às Representações Sociais de Doença mental, sobressaíram-se duas Categorias: uma Negativa e outra Positiva, embora as respostas estivessem, na sua quase totalidade, associadas a algo Negativo, sobressaindo-se duas subCategorias: a) Física – ‘tratamento’, ‘doença’, ‘adrenalina’, ‘sistema nervoso afetado’ (2), ‘loucura’, ‘ferida’, ‘pessoa louca’, ‘fragilidade de cabeça’, ‘coisa alterada de pressão’ (2), ‘zumbidos’, ‘ansiedade’ e b) Social – ‘não consegue se sustentar sozinho’, ‘pessoa fica mais ou menos’, ‘quebrando’, ‘batendo nos outros’, ‘espancando’, ‘quer ser liberta da agoniação’, ‘tumulto’, ‘roubar’, ‘matar’, ‘correr na pista’, ‘coisas que não deve’. Positiva – ‘normal’, ‘não é mal’, ‘quer ser liberta’. Diante dos dados apresentados, torna-se clara a necessidade de investimentos em estratégias para assistência, promoção e pesquisa sobre QV, tanto no âmbito jurídico como no dos serviços de saúde mental, em vista das necessidades dos portadores de transtorno mental em ação penal. Nessa perspectiva, políticas públicas que contemplem essas áreas necessitam ser incentivadas e colocadas em prática nas instituições de saúde mental, como a Casa de Saúde Santa Tereza. A interlocução entre o sistema prisional e o de saúde pública no Brasil tem sido apontada pela literatura como um importante meio para a evolução da saúde coletiva (RICH, 2007 apud SANTANA, 2009). O serviço prestado nas unidades de tratamento em saúde mental ligadas ao poder judiciário precisa ser avaliado e comparado ao serviço prestado nas unidades civis de atenção, a fim de que possa ser promovida uma maior interação entre os modelos de tratamento, bem como para que os princípios e as propostas da Reforma Psiquiátrica possam alcançar e beneficiar os pacientes em medida de segurança. Novos estudos necessitam ser realizados nas instituições brasileiras para que existam possibilidades de reformulação do paradigma em relação à periculosidade e à inimputabilidade dos portadores de transtorno psiquiátrico, contribuindo para a transformação do estigma da periculosidade e para a viabilização de políticas compatíveis com um tratamento mais digno e humanitário para tais pacientes. Por fim, o desenvolvimento do conhecimento empírico do constructo Qualidade de Vida é tarefa ainda a ser realizada pela ciência. Avanços conceituais e metodológicos possibilitarão aplicações das medidas de QV de forma que responda à sociedade, à política de saúde, ao grupo

de pacientes e ao paciente individual, e, assim, proporcionar avanços significativos na melhoria de vida das populações e, de forma mais direcionada, dos pacientes em custódia psiquiátrica, visto que os mesmos parecem necessitar de maior satisfação e Qualidade de Vida em relação ao que estão tendo durante a internação, fatores que contribuem significativamente para dar sentido às nossas vidas. Considerações Finais A preocupação com a Qualidade de Vida de custodiados psiquiátricos se apresenta como de extrema relevância, pois é preciso cuidar das pessoas com doença mental, como de qualquer outra enfermidade, de forma que possam reaprender sobre os valores humanos básicos, sobre o mundo e sobre a vida, numa perspectiva mais positiva, onde se discuta sobre valores humanos e ética, comprometimento e amor, tendo em vista que pessoas satisfeitas produzem mais, influenciam positivamente sua comunidade e ajudam na construção de uma sociedade melhor e mais justa. Diante disso, de modo a ajudar na construção de indicadores que conduzam à melhor estratégia terapêutica, é necessário que estudos comparativos sejam realizados em pacientes judiciários tanto em regime ambulatorial quanto em regime hospitalar. Além disso, ferramentas específicas que tenham em vista a avaliação do tratamento e da QV de pacientes em cumprimento de MS também precisam ser desenvolvidas e colocadas em prática. O estudo aponta também para a necessidade da desconstrução do conceito de loucura em relação aos pacientes judiciários, tendo em vista o resgate de sua cidadania, num processo de reavaliação de posturas, normas e direitos. Além disso, mostra que é preciso viabilização de estratégias para assistência e promoção da Qualidade de Vida para esses pacientes, muitos dos quais cumprem medida judicial em meio fechado, além de serem portadores de doenças psíquicas, fatores que afetam significativamente a QV de modo desfavorável, causando impacto na vida dessas pessoas e aumentando a vulnerabilidade às situações estressantes e problemáticas do dia-a-dia. Enfim, alcançar a possibilidade de transformações na prática junto a pessoas em sofrimento psíquico é discutir cidadania, ou seja, é reconhecer o paciente como detentor de direitos, os quais necessitam ser garantidos. Feitas essas ponderações, acredita-se que os objetivos do presente estudo tenham sido alcançados. As evidências empíricas aqui reunidas e apresentadas explicam diferenças e similaridades entre os correlatos demográficos e a Qualidade de 378


Pesquisa em Foco Vida das pessoas sob custódia psiquiátrica, mais especificamente na Região do Cariri.

conteúdo.

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Pesquisa em Foco

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO NA CIDADE DE JUAZEIRO DO NORTE

Lívia Parente de Alencar Alves Medicina/UFCA livia.medufc@gmail.com

Bárbara de Oliveira Brito Siebra1 Medicina/UFCA b.siebra@yahoo.com.br

Samyra Ferreira Dantas1 Medicina/UFCA samyra_dantas17@hotmail.c om

Antônio Aroldo Teixeira Júnior1 Medicina/UFCA aarolodojunior@gmail.com

João Ananias Machado Filho1 Professor/UFCA jananias@uol.com.br

1 Introdução

externas de morbidade e mortalidade (OLIVEIRA; MOTA; COSTA, 2008). A cidade de Juazeiro do Norte – CE apresenta números alarmantes em acidentes de trânsito. Levando em conta o total de acidentes no estado em 2013, o município ocupou o primeiro lugar no Cariri e o quinto lugar no estado, ficando atrás apenas de Fortaleza, Maracanaú, Caucaia e Sobral (BRASIL, 2013a). Tal fato resulta, a cada ano, no aumento significativo de internações, gerando altos custos hospitalares, previdenciários, perdas materiais e humanas. Justifica-se, assim, a relevância do estudo adequado a regionalidade a que se propõe. Nesta perspectiva, este artigo objetiva descrever o perfil epidemiológico dos acidentes de trânsito ocorridos no município de Juazeiro do Norte, localizado no estado do Ceará.

Uma grande preocupação no Brasil e no mundo está relacionada à repercussão que as causas externas têm exercido na organização dos sistemas de saúde. Os impactos da morbimortalidade procedentes por acidentes de trânsito são crescentes e, além de acometer a população de um modo geral, também influenciam no alto custo da assistência médica (MELIONE; MELLO-JORGE, 2008). Alguns fatores têm sido destacados na literatura médica como determinantes da origem e da gravidade dos acidentes de trânsito. São frequentemente citados a idade, o gênero, as condições socioeconômicas, o desrespeito à legislação de trânsito (especialmente o abuso de velocidade e o consumo de bebidas alcoólicas previamente à direção de veículos automotores), associados, em geral, a uma inadequada fiscalização do trânsito (HASSELBERG; LAFLAMME, 2009). A magnitude e as consequências dos acidentes de trânsito tendem a modificar-se ao longo do tempo. Por conseguinte, torna-se necessário conhecer essas modificações para subsidiar o planejamento e as ações de prevenção e controle dessas causas

2 Fundamentação Teórica O número de mortos em acidentes de trânsito no país cresceu 38,3% no período de 2002 a 2012. Considerando o aumento populacional no período, o crescimento foi de 24,5% (WAISELFISZ, 2014) (Quadro 1).

381


Caderno de Experiências Quadro 1: Número de óbitos por acidentes de transporte na População Total, por UF e Região. Brasil. 2002/2012

fonte: WAISELFISZ, 2014 {Adaptado}.

Nos acidentes de trânsito, a mortalidade continua sua espiral de crescimento praticamente incontrolável, tomando com base quase exclusiva a morte de motociclistas. O crescimento das mortes por acidentes de transporte no país em 2012 frente a 2011 foi de 2,5%. A taxa vem crescendo gradativamente desde o ano 2000. Destaques

negativos neste campo são Paraíba, Pará, Maranhão, Rondônia a Piauí, cujas taxas cresceram acima de 10% em 2012. No outro extremo, Amapá e Distrito Federal fizeram cair suas taxas também acima de 10% (WAISELFISZ, 2014) (Quadro 2).

382


Pesquisa em Foco Quadro 2: Taxas de óbitos (por 100 mil) em acidentes de transporte na População Total. UF e Região. Brasil. 2002/2012

fonte: Adaptado de WAISELFISZ, 2014.

O estado do Ceará, com um crescimento das taxas de óbitos no trânsito por 100 mil habitantes de 9,9% no período de 2011/2012, ficou bem acima do Brasil neste quesito, alcançando o sexto lugar entre os estados com maior taxa de crescimento neste período (Gráfico 1). Avaliando os dados específicos

do estado, verifica-se que o interior corresponde a 12,33% do total de acidentes no trânsito, porém representa mais da metade do total de vítimas (50,16%) neste tipo de acidentes (Quadro 3).

Quadro 3: Crescimento das taxas de transporte e População Total por UF de 2011/2012

383


Caderno de Experiências

fonte: Adaptado de WAISELFISZ, 2014.

A pesquisa em questão se propõe a caracterizar o perfil dos condutores de veículos (automóveis, motocicletas, caminhões, caminhonetes, entre outros), no tocante ao sexo do condutor, faixa etária, presença de vítimas envolvidas no acidente, período de ocorrência e tipo de veículos.

Nos anos de 2011 e 2012, foram registrados em Juazeiro do Norte 1.957 acidentes de trânsito, dentre eles, acidentes com vítimas fatais, com vítimas feridas e sem vítimas. Esses acidentes custaram para o município por volta de 32 milhões de reais, dinheiro este que foi gasto com perdas de produção para a sociedade, custos médicohospitalares, aposentadorias precoces e custos policiais e judiciários (MACÊDO, 2013). Em 2014, os custos tendem a ser muito maiores, visto que houve um grande aumento na frota de veículos do município (94.080), o qual ocupa a segunda posição neste quesito no estado, perdendo apenas para a capital com 947.293 (BRASIL, 2014).

4 Resultados e discussão Devido à existência apenas de dados gerais do número de acidentes no trânsito no período de janeiro a setembro de 2014, optou-se por analisar somente o mês de setembro de 2014, entendendose que, através deste, pode-se ter uma boa noção da realidade, em relação a essa temática, do município de Juazeiro do Norte neste ano, além da disposição detalhada de dados como sexo do condutor, faixa etária, presença de vítimas, período de ocorrência e tipo de veículo dos acidentes encontrados documentalmente apenas nesse período. No período de Janeiro a Setembro de 2014, no município de Juazeiro do Norte, houve 764 acidentes, destes, 34 vítimas foram a óbito e 352 ficaram feridas. Apenas no mês de Setembro, foram 89 acidentes, com 4 óbitos e 32 pessoas feridas (Tabela 1). De acordo com os dados da Tabela 2 o período vespertino de 12 às 18 horas foi o mais frequente dentre todos os meses analisados. Pereira e Lima (2006) registraram também maior periodicidade dos eventos no turno da tarde; entretanto Santos (2008) registrou maior ocorrência no período noturno quando comparado ao diurno.

3 Procedimentos Metodológicos Estudo documental, descritivo tendo como base o Relatório Mensal sobre acidentes de trânsito na cidade de Juazeiro do Norte-CE, referente ao mês de Setembro do ano de 2014, elaborado pelo Departamento Municipal de Trânsito (DEMUTRAN) desta cidade. Utilizou-se de estudos estatísticos do DETRAN-CE, DENATRAN, do Mapa da Violência 2014 e artigos disponíveis no banco de dados eletrônicos Google Scholar, através dos seguintes descritores: acidentes de trânsito (palavra-chave) e mortes por acidentes de trânsito (palavra-chave). O período da busca se deu entre 2008 e 2014, uma vez que os autores sentiram a necessidade de mapear as principais evidências concernentes aos diferentes aspectos epidemiológicos dos acidentes de trânsito ocorridos nos últimos seis anos. 384


Pesquisa em Foco Tabela 1: Distribuição do número de acidentes quanto a presença de vítima em Juazeiro do Norte -Setembro de 2014 Sem Vítima Feridos Óbitos Total Quantidade 149 32 4 185 % 80,54 17,30 2,16 100 fonte: DEMUTRAN-Juazeiro do Norte

Tabela 2: Distribuição do número de acidentes quanto ao horário em Juazeiro do Norte Setembro de 2014 00-06h 06-12h 12-18h 18-00h Total Quantidade 2 27 46 14 89 % 2,25 30,34 51,68 15,73 100 fonte: DEMUTRAN-Juazeiro do Norte

Em relação ao sexo dos condutores dos veículos, sobressaiu-se o sexo masculino (68,36%). No estudo de Souza foram estudados 175 indivíduos vítimas de acidentes de trânsito, e quase 90%

destes eram do sexo masculino. O sexo masculino predominou também no estudo de Magalhães et al. (Tabela 3).

Tabela 3 Distribuição do número de acidentes por sexo em Juazeiro do Norte - Setembro de 2014 Mascul Femini Não Total ino no informados Quantidade 121 35 21 177 % 68,36 19,77 11,8 100 fonte: DEMUTRAN-Juazeiro do Norte

Quanto à idade, a faixa etária predominante das vítimas foi de 26 a 35 anos (29,93%) (Tabela 4). Segundo Santos et al. (2008), nesta faixa etária há imaturidade, sentimento de onipotência, tendência

de superestimar suas capacidades, pouca experiência e habilidade para dirigir, e comportamentos de risco.

Tabela 4: Distribuição do número de acidentes por faixa etária em Juazeiro do Norte - Setembro de 2014 Até 18

19-25

26-35

36-45

46-55

56-65

> 66

Não informado

Total

Quantidade 3 25 65 % 1,7 14,20 36,94 fonte: DEMUTRAN-Juazeiro do Norte

32 18,19

12 6,82

8 4,55

6 3,40

25 14,20

176 100

Considerações Finais Diferente do encontrado por Andrade e Jorge, os automóveis constituíram o principal tipo de veículo envolvido em ocorrências (52,35%), seguido por motocicletas (25,29%) e caminhonete (15,88%) (Tabela 5).

Como limitação do presente estudo, podemos citar: a não existência de dados detalhados referentes aos meses de janeiro a agosto de 2014, além de sua subnotificação, uma vez que algumas ocorrências foram notificadas pela Polícia Federal ou Municipal, e não pelo Departamento Municipal de Trânsito, onde este estudo foi desenvolvido. Apesar disso, durante o período avaliado, o presente estudo evidenciou, assim como outros trabalhos, que o condutor masculino da faixa etária de 26 a 35 anos foi quem em termos percentuais mais se envolveu em ocorrências de acidentes de veículos automotores no município de Juazeiro do Norte (CE). Levando em conta a boa aprendizagem que esse grupo pode obter, fica evidente a importância em desenvolver e implementar programas de educação para o trânsito, visando atingir essa população de risco para diminuir o número de óbitos ou sequelas entre os mesmos, o que impactará também em uma redução significativa dos dispendiosos gastos da esfera pública para com esta realidade.

Tabela 5: Distribuição do número de acidentes por tipo de automóvel em Juazeiro do Norte - Setembro de 2014 Quantidade % Automóvel 89 52,35 Motocicleta/M 43 25,29 otoneta Caminhonete/ 27 15,88 Caminhoneta Ônibus/Micro 4 2,36 -ônibus Outros 7 4,12 Total 170 100 fonte: DEMUTRAN-Juazeiro do Norte

385


Caderno de Experiências Referências

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386


Pesquisa em Foco Arthur Rafhael Amorim Alves Esmeraldo Medicina/UFCA arthur_esmeraldo@hotmail.c om

REVISÃO SISTEMÁTICA: MÉTODOS EM CAMPO DE CONTROLE DE AEDES AEGYPTI

Diego Dias Machado Guimarães Medicina/UFCA diegodias8@hotmail.com

Estelita Pereira Lima1 Professora/UFCA estelitaplima@hotmail.com

1 Introdução

publicada sobre intervenções para redução do Aedes aegypti relacionado à transmissão da dengue.

A dengue é a doença viral transmitida por mosquitos que vem se espalhando mais rapidamente pelo mundo, sendo considerada em 2012 a mais importante doença deste tipo. Com a expansão geográfica para novos países, bem como acometimento de áreas urbanas além das rurais, calcula-se um aumento de 30 vezes na sua incidência, nos últimos 50 anos. (WHO, 2009; 2012). A urbanização acelerada sem melhorias de infraestrutura, a intensa utilização de materiais não biodegradáveis (o que culmina no aumento de possíveis locais de proliferação do mosquito), principalmente recipientes descartáveis de plástico e vidro, e as mudanças climáticas fizeram com que o mosquito transmissor da dengue encontrasse condições favoráveis no mundo moderno para sua proliferação (TALIBERTI; ZUCCHI, 2005). Segundo Tauil (2002), o mosquito Aedes aegypti é a principal espécie responsável pela transmissão da dengue (no sudeste asiático o Aedes albopictus se apresenta como outro transmissor). É um mosquito doméstico, que habita no ambiente domiciliar e peridomiciliar; antropofílico, com atividade hematofágica diurna e utiliza-se preferencialmente de depósitos artificiais de água limpa para colocar os seus ovos. Não há ainda uma forma de tratamento específica para a dengue, tais como vacina ou anti-virais. A prevenção se dá por meio do controle do principal vetor, o Aedes aegypti, por meio da redução do mosquito, seja por eliminação de criadouros de formas imaturas ou pela utilização de agentes adulticidas (PAHO, 1994 apud SANCHEZ et al, 20012). Na literatura, não há muitas publicações que visem a fazer uma revisão acerca dos métodos de controle e prevenção do Aedes aegypti, desta forma, este artigo tem como objetivo revisar a literatura

2 Fundamentação Teórica Práticas para controle de insetos são muito antigas. Há registro de seu uso na China há mais de 2.000 anos. Basicamente, eram práticas de controle biológico direcionadas ao enfrentamento das pragas agrícolas. (BRAGA; VALLE, 2007). O controle vetorial da dengue tem sido principalmente abordado por combate no foco: a eliminação de recipientes que são locais favoráveis para oviposição e desenvolvimento das fases aquáticas. (WHO, 2012). Dessa forma, busca-se agir antes mesmo que os mosquitos possam transmitir a doença. Esse tipo de tratamento pode ser conseguido por meio de campanhas comunitárias para eliminação de criadouros ou mesmo durante o trabalho dos agentes de endemias contra o vetor, ou com aplicação nos recipientes armazenadores de água de inseticidas que exercem a função de larvicidas. Essas são metodologias que atacam diretamente as formas imaturas do A. aegypti. O combate às formas adultas pode se dar de diferentes maneiras, tais como o uso de inseticidas químicos e biológicos, de telas tratadas ou não com adulticida. Segundo Devine et al (2009), a aplicação de adulticidas e o uso de redes/telas podem ser bastante impactantes no controle da abundancia de mosquitos e da transmissão da doença, pois o comportamento de repouso do vetor garante um potencial letal no contato com as superfícies tratadas. No mercado há diferentes tipos de inseticidas químicos e biológicos, que podem ser visualizados na Tabela 1.

Tabela 1: Principais inseticidas no mercado. Tipo de Inseticida Químico Organoclorados

Organofosforados

Principais Representantes

Principal Mecanismo de Ação

DDT Benzenohexacloro Clordano Toxafeno Malation

Atua sobre os canais de sódio Atua sobre os canais de sódio Inibição do receptor de GABA Inibição do receptor de GABA Inibição da Acetilcolinesterase

387


Caderno de Experiências

Carbamatos Piretróides

Biológicos Bactérias patógenas Reguladores de Crescimento

Fenitrotion Clorpirifos Temefós Carbaril Aletrina Tetrametrina Permetrina Cipermetrina Deltametrina

Inibição da Acetilcolinesterase Inibição da Acetilcolinesterase Inibição da Acetilcolinesterase Inibição da Acetilcolinesterase Atua sobre os canais de sódio Atua sobre os canais de sódio Atua sobre os canais de sódio Atua sobre os canais de sódio Atua sobre os canais de sódio

Bacillus sphaericus Bacillus thuringiensis israelensis BPU Análogos de Hormônio Juvenil

Produção de cristais Produção de cristais Inibição da síntese de quitina Inibição do sistema endócrino

Fonte: Baseado em Braga; Valle (2007).

randomizados controlados (EGRC) em que unidades foram agrupadas em bairros ou vilas e foram aleatoriamente designados para receber a condição possuindo controle. 2) Estudos sem grupo controle: série temporal interrompida (STI) em que não houve grupo controle, mas vários pontos de dados foram coletados antes e após a intervenção. Estudos de grupos randomizados (EGR) em que unidades foram agrupadas em bairros ou vilas e foram aleatoriamente designados para receber a condição sem grupo controle. Ao contrário dos critérios de seleção estabelecidos por Erlanger et al. (2008), estudos transversais não foram incluídos, nem houve restrições geográficas. Mais de 1000 artigos foram revisados e 24 preencheram os critérios de inclusão.

Novas ferramentas no controle vetorial são extremamente necessárias, segundo Morrison et al (2008). Alguns dos novos desenvolvimentos são: materiais tratados com inseticida, ovitrampas letais, mosquitos geneticamente modificados, e Aedes infectados com a bactéria Wolbachia, que bloqueia a atuação do vírus. (OMS, 2012). 3 Procedimentos Metodológicos Critérios de inclusão e de exclusão Foram realizadas pesquisas nas bases de dados Scielo, MEDLINE, LILACS e PAHO, no período de março a setembro de 2014, utilizando descritores como “Aedes aegypti controle”, “Aedes aegypti control”, “índice Breteau”, “Breteau índex”, “controle mosquito”, “mosquito control”, “aedes inseticida”, “insecticide aedes”, “insecticida aedes”, “vetor dengue controle”, “dengue vector control” para identificar potenciais publicações e lista de referências que foram utilizadas para encontrar outras fontes. Coletou-se artigos do período 1970 a 2013, em três línguas: português, inglês e espanhol, levando em consideração a disponibilidade gratuita das publicações. Como critérios de inclusão foram: publicações em que tenha sido realizado estudo intervencionista em campo/domicílios; estudos com ou sem grupo controle, com uso de dados de índices larvários ou de adultos pré e pós-tratamento. Os critérios de exclusão foram: estudos focados em outros mosquitos além do Aedes aegypti; abordagem de outras patologias que não apenas a dengue; trabalhos apenas laboratoriais ou em condições semicampo. Os desenhos de estudo foram organizados em: 1) Estudos com grupo controle: estudos randomizados controlados (ERC) em que unidades de intervenção e controle foram aleatoriamente designadas para receber a condição. Estudos controlados (EC) em que os grupos de intervenção e controle não foram atribuídos através de um processo aleatório. Estudos de grupos

Índices Entomológicos Os índices entomológicos utilizados foram: Índice Breteau (IB), Índice Ovitrampa (IO), Índice Casa (IC), Índice Recipiente (IR), Índice Densidade Larvária (IDL), Índice Pupas por Pessoa (IPP), Índice Densidade Adulto (IDA), Recipientes Positivos por Casa (R+/C). O IB foi definido como o número de recipientes positivos por 100 casas. O IC foi definido como o número de casas positivas por 100 casas (OMS, 1997). O ID foi definido como o número de recipientes com estágios imaturos por 100 recipientes com água. Variáveis complementares encontradas nas publicações utilizadas para medir populações de larvas foram o IDL (média do número de larvas por recipiente), o IO (número de armadilhas de mosquitos com ovos, dividido pelo número total de armadilhas multiplicado por 100), o IDA (número de mosquitos adultos por número de casas pesquisadas), e as IPP (número de pupas coletadas por população humana em um setor. (KROEGER et al, 2006). 4 Resultados e discussão Dentre as 24 publicações que preencheram os critérios de inclusão, algumas utilizaram mais de 388


Pesquisa em Foco um método durante a intervenção (p.e. biológico e químico). Das intervenções analisadas, cinco utilizaram meios biológicos envolvendo Mesocyclops, peixes Betta entre outros organismos predadores e derivados biológicos, como demonstrado na Tabela 2. Campanhas educacionais para mudança de comportamento visando à eliminação de criadouros do Aedes aegypti estavam presentes em sete estudos, visualizados na Tabela 3. Uma intervenção foi classificada como ‘mecânica’, pois fazia uso apenas de novas ovitrampas que prendiam ovos e larvas, impedindo seu desenvolvimento (Tabela 4).

12 artigos tratavam de controle do vetor apenas com a utilização de métodos químicos (Tabela 5). Desenho de estudo Um estudo era EGRC, dois EGR, enquanto 10 publicações se enquadravam em STI e 11 no tipo ERC. O Índice Breteau foi utilizado como parâmetro comparativo em 12 estudos, enquanto o Índice Casa foi praticado em quatro publicações. O IR e IDL foram reportados em dois artigos cada. E tanto o IO, quanto o IPP, o R+/C e o IDA fizeram parte da metodologia de um trabalho cada.

Tabela 2 – Índice de resultados de intervenções biológicas. Referência

Nam et al (2012)

Wu et (1987)

al

Ocampo et al (2009)

Tipo de Método Utilizado Biológico + Comportamental

Biológico

Químico

Biológico Misto Bio) Pamplona et al (2004) Tsunoda (2013)

(Quí

+

Biológico

Químico Biológico

+

Tratamento e controles

Índice

Mensuração Inicial

Mensuração Final

Duração

T: Campanha educacional (eliminação de criadouros) e Mesocyclops (crustáceo) C: Sem tratamento T: Clarias fuscus (Chinese cat fish) em depósitos de água T1: Armadilha letal de ovoposição (LO) com Deltametrina T2: Colocação de briquetes de Bti T3: Colocação de LO + Bti C1: Sem tratamento T: Colocação de 1 Peixe Betta/tanque T: Colocação de telas cobertoras de depósitos para armazenar água Olyset® Net 2% Permetrina + Regulador de Crescimento

IDL

Média de 117,7 + 87,8

2,2 + 2,4

6 anos

IDL

150

~60

6 anos

IB

47,3

10,9 (1 depois)

IC

10,00

mês

5 anos

2 anos

27,5 IC

1,00

IC

0,00

IC

5,26

IR

70,4

0,2

23 meses

IC

~95

78

5 meses

389


Caderno de Experiências (IGR) em vasos de plantas EcoBioBlock® Pyriproxyfen C: Sem IC ~79 ~90 tratamento IDL: Índice Dendidade Larvária; IB: Índice Breteau; IC: Índice Casa; IR: Índice Recipiente; T: teste; C: Controle.

Tabela 3 – Índice de resultados de intervenções comportamentais. Referência

EspinozaGómes; Hernández -Suárez; CollCárdenas (2002)

Tipo de Método Utilizado Comportamental

Químico Pulverização aérea (7 aplicações) UBV Comportamental + Químico

Gürtler; Garelli; Coto (2009)

Químico - focal (14 aplicações) UBV + Comportamental

Machaca et al (2002)

Comportamental

Nam et al (2012)

Biológico + Comportamental

Rizzo et al (2012)

Químico

Químico + Comportamental

Tratamento e controles

Índice

Mensuração Inicial

Mensuração Final

Duração

T1: Campanha educacional eliminação de criadouros (3 visitações)

R+/C

1,255

0,382

6 meses

T2: Aplicação de Malation 95%

R+/C

1,108

1,022

7 meses

T3: Campanha educacional + Aplicação de Malation C1: Sem tratamento T: Aplicação de Temefós 1% + Campanha educacional eliminação de criadouros T: Campanha educacional eliminação de criadouros (2 campanhas) T: Aplicação de Mesocyclops (crustáceo) + Campanha educacional eliminação de criadouros T1: Colocação de cortinas e cobertores de depósitos de 200L PermaNet - Deltametrina + Temefós 1% Nebulização Colocação de cortinas e cobertores de depósitos de 200L PermaNet - Deltametrina

R+/C

0,53

0,326

8 meses

R+/C

1,022

1,155

8 meses

IB

22,5

2,1

5 anos

IB

16,3

0,0

8 meses

IDL

Média de 117,7 + 87,8

Média de 2,2 + 2,4

6 anos

IPP

1173

1600

17 meses

IPP

~1600

1032

1 mês

390


Pesquisa em Foco + Temefós 1% Nebulização + Campanhas educacionais eliminação de criadouros C: Sem IPP 646 tratamento Rodríguez; Comportamental T: Campanha IB Média de Fernández; + Químico educacional 12,64 Ríos eliminação de (variação de (2009) criadouros + 1,6 – 27,5) Aplicação de Temefós (Abate®) + Nebulização focal de Deltametrina com Swing fog Sanchez et Comportamental T: Campanha IB ~1,0 al (2012) educacional eliminação de criadouros/ prevenção (3 campanhas) C: Sem IB ~0,3 tratamento R+/C: Recipientes Positivos por Casa; IDL: Índice Dendidade Larvária; IB: Índice Pessoa; T: teste; C: Controle.

3022

18 meses

Média de 7,84 (variação de 2,0 - 32,3)

4 meses

~0,2

1 ano

~0,3

1 ano

Breteau; IPP: Índice Pulpa por

Tabela 4 – Índice de resultados de intervenções “mecânicas”. Referência

Tipo de Método Utilizado

Tratamento e controles

Índice

Mensuração Inicial

Mensuração Final

Duração

Cheng et al (1982)

Mecânico

T: Colocação de Ovitrampas "autocida" (prende os ovos) C: Sem tratamento

IB

44,24

28,33

1 ano

IB

23,45

116,0

1 ano

IB: Índice Breteau; T: teste; C: Controle.

Tabela 5 – Índice de resultados de intervenções somente químicas. Referência

Tratamento e controles

Índice

Mensuração Inicial

Mensuração Final

Duração

Bang; Pant (1972)

T: Aplicação perifocal de Temefós (Abate®) 1% (4x)

IB

330

67,8 (6 meses após última aplicação)

2 anos

Castro; Quintana; Quiñones P. (2007)

T1: Aplicação de Highcispermetrina (DEPE®) (3x)

IDA

36

10

6 meses

T2: Aplicação de ßcipermetrina pote "fumígeno" (1x) C: Sem tratamento T: Aplicação focal de Temefós 1% (1x) C: Sem tratamento

IDA

25

1

6 meses

IDA IB

51 19

43 21

6 meses 6 meses

IB

23

38

6 meses

Chadee (2009)

391


Caderno de Experiências Dorta et al (2013)

T1: Nebulização focal e perifocal de Beta-cipermetrina (Sipertrin 5 SC) T2: Impregnação de cortinas com Beta-cipermetrina (Sipertrin 5 SC) T3: Nebulização focal e perifocal + impregnação de cortinas com Betacipermetrina (Sipertrin 5 SC) T1: Nebulização fria perifocal UBV de Permetrina 10% com água como solvente T2: Nebulização quente perifocal UBV de Permetrina 10% com água como solvente T3: Nebulização quente perifocal UBV de Permetrina 10% com diesel como solvente C: Sem tratamento T1: Aplicação focal de Temefós (Abate®)

IC

>1

0,05 (4° mês)

6 meses

IC

>1

0 (até 2° mês)

6 meses

IC

>1

0 (até 5° mês)

6 meses

IB

~108

~140

8 semanas

IB

~85

~140

8 semanas

IB

~118

~140

8 semanas

IB IC

~113 Média 12,83 (de 11,6 – 15,1)

~140 Média 0,16 (de 0,0 – 0,5)

8 semanas Desconhecida

T2: Aplicação perifocal de Fenitrotion (Sumition 40%)

IC

15,2

1,1

Desconhecida

T3: Aplicação perifocal (pneu) de mistura de Fenitrotion + Malation T4: Aplicação focal e perifocal de mistura de Temefós (Abate®) + Fenitrotion C: Sem tratamento

IC

7,8

4,2

Desconhecida

IC

Média 13,26 (de 7,7 – 17,3)

Média 0,3 (de 0,0 – 0,8)

Desconhecida

IC

Média 13,5 (de 7,7 – 16,9)

Média 10,85 (de 4 – 14)

Desconhecida

Lofgren et al (1970)

T: Pulverização aérea UBV de Malation 95% (2x)

IR

Palomino (2006)

T: Aplicação de Temefós

IDL

T1: Pulverização aérea UBV de Malation 96% (5x) T2: Pulverização aérea UBV de Malation 96% (5x) T: Aplicação focal UBV de Fenitrotion (2x) C: Sem tratamento T1: Colocação ambiente urbano de Cortinas e cobertores de depósitos PermaNet - Deltametrina T2: Colocação ambiente suburbano de Cortinas e cobertores de depósitos PermaNet - Deltametrina T: Aplicação de Temefós (Abate®) (7x)

Harburguer (2012)

et

al

Lima; Aragão (1987)

S. et al

Pant et al (1971)

Pant et al (1974)

Vanlerberghe et al (2011)

Vezzani; Velazquéz; Schweigmann (2004)

33,4

0,0

11 dias

IB

4 2 3 , 5 334,2

5 meses

348

14 dias

IB

557,9

363,9

14 dias

IB

226

39,5

18 meses

IB

188

267

18 meses

IB

8,5

3,8

1 ano

IB

42,4

15,8

1 ano

IO

17

2,9

21 meses

IB: Índice Breteau; IDA: Índice Densidade Adulto; IC: Índice Casa; IDL: Índice Dendidade Larvária; IR: Índice Recipiente; T: teste; C: Controle.

392


Pesquisa em Foco Durante a realização dessa revisão, pode-se perceber a fragilidade da evidência científica através de estudos com metodologias mal elaboradas, inconsistência de dados e índices, e em muitos casos a não utilização de grupos controle para avaliar a veracidade dos achados em testes. Essas e outras dificuldades excluíram muitas publicações que poderiam trazer fatos interessantes ao meio acadêmico, mas que, por isso, deixaram de dar sua contribuição. A grande maioria dos testes obteve redução dos índices entomológicos utilizados. No entanto, em muitos essa possível comprovação de efetividade é apenas ilusória, pois mesmo reduzindo as taxas, ainda mantinha taxas altas no período póstratamento, mostrando ineficácia de muitos tratamentos, quando o objetivo seria erradicar, ou tornar próximo disso, o A. aegypti localmente. Quase todas, senão todas, as áreas onde os estudos foram realizados haviam passado recentemente por epidemias de dengue e buscavam formas, muitas vezes, emergências para controlar a proliferação do mosquito. Nestas comunidades, um grande ponto comum foi o a irregularidade do abastecimento de água, fazendo com que as pessoas armazenem água em recipientes em suas casas por bastante tempo, propiciando criadouros para o Aedes aegypti.

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Considerações Finais Com isso, demonstra-se a efetividade de muitos tratamentos químicos ainda utilizados e reforça-se o impacto positivo que métodos biológicos e educacionais/comportamentais podem trazer ao controle do Aedes aegypti. Faz-se necessário que os dados obtidos com essa revisão sejam aproveitados para o aprofundamento das interpretações acerca das metodologias, bem como novos estudos na área merecem ser iniciados.

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394


Pesquisa em Foco

SINTOMAS DA AÇÃO INSETICIDA DE ORGANOFOSFORADOS NO SISTEMA NERVOSO HUMANO

Diego Dias Machado Guimarães Medicina/UFCA diegodias8@hotmail.com

Arthur Rafhael Amorim Alves Esmeraldo Medicina/UFCA arthur_esmeraldo@hotmail.c om

Juliana Santos Ferreira Medicina/UFCA juh.sanfer@gmail.com

Quesia Coriolano Macedo Medicina/UFCA quesiamacedo@hotmail.com

Estelita Pereira Lima Professora/UFCA estelitaplima@hotmail.com

1 Introdução

membros superiores e inferiores, seguida por hipertonia e anormalidades dos reflexos. Isso demonstra a gravidade destas ocorrências mesmo após um longo período da intoxicação (OLIVEIRA, 2009). Ainda segundo CITRS (1997), o tratamento específico para este tipo de ocorrência é feito com a pralidoxima, um agente que reativa a enzima colinesterase e protege aquela que ainda não foi inibida pelo inseticida anticolinesterásico, e pela atropina, um antagonista dos efeitos da acetilcolina. Segundo Rocha et al. (2004), os organofosforados foram utilizados a partir da década de 50, em substituição aos praguicidas organoclorados, altamente persistentes no meio ambiente. O primeiro organofosforado empregado comercialmente foi o TEPP (tetraetilpirofosfato), muito eficaz, porém estável no meio ambiente e excessivamente tóxico a todas as formas de vida. Posteriormente, o desenvolvimento de ésteres de organofosforados direcionou-se para aumentar a estabilidade e diminuir a persistência no ambiente, por exemplo, o paration-metil, em 1944, e, mais tarde, o seu análogo oxigenado paraoxon. Atualmente, existem mais de 200 tipos de organofosforados em milhares de produtos. Segundo Barth e Biazon (2010), os principais componentes ativos pertencentes ao grupo químico dos inseticidas organofosforados são: metilparation, metamidofos, acefato, fentoato, vamidotion, naled e fenitrotion. Tamaron®, Folidol®, Lorsban®, Folisuper®, Phosdrim®, Azodrin®, Stron®, Granutox®, Hosthion®, Nuvacron®, Carbax®, Rodhiatox®, Aldrim®, Ethion®, Hamidop®, e Elsan® são exemplos de nomes comerciais de inseticidas organofosforados altamente tóxicos. Malatol®, Dipterex®, Diazinon®, Ekatin®, Polytrin®, Kilval®, Ortho Naled®, e Sumithion®, são exemplos de organofosforados medianamente tóxicos. Orthene® é um exemplo de organofosforado pouco tóxico. Esta classificação toxicológica é baseada na dose letal 50 (DL50) de cada agrotóxico, que é a estimativa da menor dose de tóxico que, quando administrada em dose única, mata a metade da

Os inseticidas são as substâncias mais empregadas nas áreas agrícolas e em programas de saúde pública, para o controle de vetores que transmitem doenças. Atualmente, centenas de ingredientes ativos e milhares de formulações estão disponíveis no mercado mundial, onde existe uma fabricação de, aproximadamente, 115 milhões de toneladas de inseticidas anualmente (EDDLESTON, 2002) Devido à estrutura química destes produtos e sua atividade biológica na natureza, estes compostos têm apresentado risco potencial para humanos e para o meio ambiente. As intoxicações por inseticidas têm sido um problema de longa duração por toda África, Ásia, Europa e Américas (OLIVEIRA, 2009). Os organofosforados e carbamatos representam a principal classe de inseticidas envolvidos nos casos de intoxicação. Estes compostos inativam as enzimas acetilcolinesterase plasmática e eritrocitária, causando elevação nos níveis de acetilcolina, levando a uma síndrome colinérgica aguda, com o surgimento de sinais e sintomas muscarínicos, nicotínicos e no sistema nervoso central, sendo estas manifestações dependentes da dose e da via de exposição envolvidas na ocorrência (OLIVEIRA, 2009). As manifestações muscarínicas são percebidas nos sistemas respiratório, gastrointestinal, cardiovascular e urinário, através de efeitos nas glândulas exócrinas e sintomas oculares. Já as nicotínicas surgem com efeitos na musculatura estriada e nos gânglios simpáticos. As principais manifestações clínicas no sistema nervoso central são cefaleia, ansiedade, agitação, tremores, sonolência, dificuldade de fala, labilidade emocional, coma e convulsões (CITRS, 1997). Também são descritos na literatura sinais e sintomas tardios e intermediários, após intoxicação aguda por estes inseticidas, como a síndrome neurotóxica intermediária, caracterizada pela fraqueza muscular acentuada dos músculos da respiração e do pescoço, e a síndrome neurotóxica tardia, que se configura por uma polineuropatia tardia, assinalada por fraqueza muscular dos 395


Caderno de Experiências população em estudo, no caso, animais de laboratório, e está a cargo do Ministério da Saúde. Rocha et al. (2004) ainda afirma que, apesar de menos agressivos ao meio ambiente que os praguicidas organoclorados, os organofosforados se mostraram altamente tóxicos a animais e humanos, sendo rapidamente absorvidos pela pele e pelas mucosas do trato gastrointestinal e do trato respiratório. Estima-se que ocorram de 1 a 5 milhões de casos de intoxicação por inseticidas todos os anos, resultando em centenas de mortes, principalmente entre trabalhadores agrícolas. A maioria destas intoxicações ocorre em países em desenvolvimento, onde a falta de higiene, informação ou controle adequado têm criado perigosas condições de trabalho. Apesar destes países representarem somente 25% do consumo global de inseticidas, eles contam com aproximadamente 99% dos relatos de morte (OLIVEIRA, 2009). Os principais efeitos tóxicos dos organofosforados são causados pela inibição da enzima acetilcolinesterase. A função da acetilcolinesterase é hidrolisar a acetilcolina liberada na fenda sináptica do sistema nervoso autônomo, central e na junção neuromuscular. O efeito dessa inibição é o acúmulo de acetilcolina nas respectivas fendas sinápticas, gerando efeitos periféricos e centrais, decorrente da estimulação dos receptores muscarínicos e nicotínicos (ROCHA, 2004). O objetivo deste trabalho é estratificar os efeitos dos organofosforados encontrados na literatura, de maneira a quantifica-los de acordo com o sistema fisiológico afetado no corpo humano.

enfraquecimento sobre a estimulação tetânica, ausência de enfraquecimento a estímulos de baixa frequência e ausência de facilitação pós-tetânica, sugestivo de um efeito pós-sináptico. Esse efeito na junção neuromuscular explicaria a causa predominante dos sintomas de paralisia, com componentes neural e central contribuindo em vários graus. O maior efeito é a fraqueza muscular que pode acometer os músculos responsáveis pela respiração, durante esse período, com risco potencial de morte. Além disso, a intensa estimulação aguda na junção neuromuscular é capaz de levar à necrose da fibra muscular. Acredita-se que o mecanismo de ação da paralisia seja a despolarização e dessensibilização induzida por acetilcolina na junção neuromuscular. Tais efeitos colinérgicos podem desaparecer entre 40 e 72 horas, mas a recuperação total pode levar semanas (ROCHA, 2004). Segundo Echobichon (2001) e Singh (2000), o quadro de neuropatia tardia induzida por organofosforados, surge de uma a três semanas após a exposição a alguns compostos organofosforados capazes de inibir notavelmente uma esterase distinta chamada neuropathy target esterase (NTE), durante um período de tempo crítico. Enquanto todos os organofosforados inibem a acetilcolinesterase, apenas alguns (ésteres de fosfato, fosfonato e fosforamidatos) agem sobre a NTE. Essa síndrome caracteriza-se por fraqueza muscular dos braços e pernas, dando ao indivíduo um andar desajustado, substituído por espasmos clônicos, hipertonicidade, hiperreflexia e reflexos anormais, indicativos de dano aos tratos piramidais e síndrome permanente em motoneurônios superiores. Em muitos pacientes, a recuperação ficou limitada aos membros superiores e o dano às extremidades inferiores revelou-se permanente, sugerindo também prejuízos à medula espinhal (SINGH, 2000). Segundo Barth e Biazon (2010), a neuropatia tardia dos organofosforados é uma condição clínica incomum que ocorre após uma intoxicação aguda por organofosforados, seguindo-se a fase de hiperestimulação colinérgica. O quadro clínico é caracterizado principalmente por um déficit motor distal nos membros inferiores associado a sintomas sensitivos. Os casos de neuropatia tardia apresentam sintomatologia sugestiva, com sinais de polineuropatia periférica simétrica, tipo sensóriomotora, ascendente, atingindo na maioria das vezes, os membros inferiores e sendo acompanhada de sintomas de queimação, fraqueza e, em menor grau, por ataxia e acometimento dos membros superiores. O quadro clínico da neuropatia causada por organofosforados pode ser dividido em três etapas sequenciais: na primeira etapa, a estimulação

2 Fundamentação Teórica Uma única e elevada dose de organofosforado pode desencadear a síndrome aguda, caracterizada por uma crise colinérgica decorrente da inibição da acetilcolinesterase. Redução maior que 30-50% na atividade dessa enzima pode ser suficiente para produzir a crise colinérgica. A duração é de um a cinco dias (mas às vezes leva semanas, dependendo do tipo de organofosforado e da dose). Os sintomas são bem caracterizados e incluem cefaleia, irritação dos olhos, cansaço, sudorese, fasciculações, respiração curta, fraqueza, problemas de concentração e memória, ansiedade e depressão. Em casos severos, a hospitalização e o tratamento imediato devem ser instituídos para prevenir a morte. (ROCHA, 2004). A síndrome intermediária reversível foi primeiramente descrita como uma entidade clínica distinta, que se desenvolve após a crise colinérgica aguda (entre 24 a 96 horas) e antes da neuropatia tardia. Foi comprovada por estudos eletromiográficos que mostraram um 396


Pesquisa em Foco excessiva dos receptores muscarínicos é responsável por efeitos colinérgicos intensos, os quais aparecem dentro de um dia de exposição, muitas vezes em poucas horas. Os sintomas incluem taquicardia ou bradicardia, diarreia, vômito e aumento da sudorese, salivação e micção. A exposição excessiva ao organofosforado provoca irritabilidade emocional, nervosismo, cansaço, diminuição do estado de alerta, coma e convulsões. No tratamento de todos os casos, o uso de atropina é essencial, e em doses variáveis, dependendo do quadro clínico. A segunda etapa, conhecida como síndrome intermediária, ocorre após a crise colinérgica citada anteriormente e aparece em até 50% dos casos, dependendo da gravidade da intoxicação, duração da exposição, bem como o tipo de organofosforado ao qual se fez a exposição. Os sintomas mais frequentes incluem fraqueza muscular preferencialmente nos músculos proximais dos braços e flexores do pescoço. Os sintomas ocorrem usualmente entre 24 a 96 horas após a intoxicação por agentes organofosforados e tem duração de 5 a 18 dias. Na terceira etapa, muitos ésteres organofosforados podem causar uma axonopatia distal caracterizada por dores musculares nas pernas, parestesias e comprometimento motor, que se inicia de 10 dias a 3 meses após a exposição inicial. Ainda inclui fraqueza dos músculos intrínsecos e dos músculos flexores do joelho e quadril. O curso é subagudo e geralmente ocorre dentro de duas semanas após os primeiros sintomas. Pacientes com déficits severos geralmente não se recuperam completamente. Pode haver deformidade residual, atrofia persistente, bem como a espasticidade e ataxia. O acompanhamento destes pacientes deve ser feito durante, pelo menos, quatro semanas após a intoxicação aguda. Rocha et al. (2004) considera que a fosforilação da enzima NTE e o posterior envelhecimento (clivagem da cadeia lateral da enzima fosforilada) sejam responsáveis pelo desencadeamento da neuropatia tardia, cujo envelhecimento ocorreria no axônio, e não no corpo celular do neurônio. Essa enzima, presente no cérebro, na medula espinhal e no sistema nervoso periférico, e cuja função não foi esclarecida, parece estar envolvida no metabolismo de lipídios nos neurônios. A exposição a concentrações elevadas de organofosforados pode produzir efeitos que persistem por vários meses e incluem súbitas alterações das funções neurocomportamentais, cognitivas e neuromusculares. Isso foi descrito como uma desordem neuropsiquiátrica crônica induzida por organofosforados (ROCHA, 2004). Outros tipos de efeitos neurocomportamentais tardios têm sido relatados entre pessoas expostas a baixas doses de organofosforados por prolongados

períodos. Segundo Levin et al. (1976), encontrou-se alto nível de ansiedade em desinsetizadores, mas não em agricultores. Já Behan et al. observaram que a exposição crônica a baixas concentrações de organofosforados desencadeava uma síndrome psicológica semelhante à síndrome da fadiga crônica. Salvi et al. (2003) realizaram avaliações clínicas, neuropsiquiátricas e laboratoriais em fumicultores e evidenciaram que a exposição crônica a baixos níveis de organofosforados pode produzir sintomas neuropsiquiátricos, mesmo em níveis normais de atividade da enzima acetilcolinesterase. O estudo reforça a necessidade de outros parâmetros, que não a determinação enzimática, para monitorizar as consequências da exposição crônica a baixas concentrações de organofosforados. Segundo Barth e Biazon (2010), entre as patologias que afetam o sistema nervoso central, a doença de Parkinson apresenta importância especial, pois se inclui entre as mais frequentes enfermidades neurológicas, com prevalência na população ao redor de 100 a 150 casos a cada 100.000 habitantes. Trata-se de uma patologia crônica e progressiva que acomete principalmente o sistema motor, porém manifestações não motoras como distúrbios no Sistema Nervoso Autônomo, alterações do sono, de memória e depressão, também podem ocorrer. As manifestações clínicas iniciam-se aproximadamente aos 60 anos de idade, acometendo igualmente ambos os sexos de diferentes grupos étnicos. Os casos da doença que têm início antes dos 40 anos são denominados como parkinsonismo de início precoce. Sua etiologia não é bem esclarecida, mas está correlacionada com certos fatores genéticos, neurotoxinas ambientais, estresse oxidativo, anormalidades mitocondriais e excitotoxicidade. Dentre as neurotoxinas ambientais, destacam-se os pesticidas organofosforados no desenvolvimento da Doença de Parkinson. Karen et al. (2001) mostraram que a administração dos pesticidas organofosforados diclorvos em ratos reduziu o conteúdo de catecolaminas e a atividade motora nos animais. Bhatt et al. (1991) descreveram cinco casos de pacientes que desenvolveram parkinsonismo agudo e reversível após exposição aos compostos organofosforados e relataram que esta complicação rara ocorre eventualmente em indivíduos geneticamente susceptíveis a tal patologia. Todos os pacientes envolvidos no estudo exibiram os sinais cardinais do parkinsonismo (bradicinesia, instabilidade postural e tremor de repouso) em intensidades variáveis, sugerindo que um efeito dose-dependente possa existir. Estes resultados corroboram com os encontrados por Muller-Vahl e Dengler (1999) que atribuíram o parkinsonismo de um paciente exposto a um agente 397


Caderno de Experiências organofosforado a um efeito farmacológico transitório. Hoshino et al. (2009) observou, em trabalhadores que fazem uso de organofosforados, que 38 trabalhadores (76%) referiram ter apresentado pelo menos um episódio de tonteira em sua vida e destes, 29 (58%) trabalhadores referem que esses episódios ainda acontecem. No momento da pesquisa, foi referido zumbido por 27 (54%) e plenitude auricular por 23 (46%) dos entrevistados. Lima et al. (2009), em uma pesquisa com entrevistas de trabalhadores expostos a organofosforados, colheu relatos de sinais de intoxicação aguda como tonturas, vômitos, desmaios, cefaléia e espirros, e sinais de intoxicação crônica, como alergia respiratória, problemas de pele e alteração no sistema nervoso, tais como amnésia e insônia. Outros já se encontram aposentados devido a patologias mais graves, como atrofia cerebelar.

disponíveis, em endereços eletrônicos de associações registradas e de referência e em obras literárias impressas, buscando artigos e capítulos que abordassem o tema. Foram excluídos do estudo textos de caráter experimental e relatos de caso, sendo incluídos revisões de literatura, pesquisas de caráter epidemiológico e capítulos de livros. Realizou-se uma estratificação do material e uma tabela comparativa de resultados, com a finalidade de melhor agrupar as informações colhidas, sendo esta revisada por dois membros do estudo. 4 Resultados e discussão A neurotoxicidade dos inseticidas organofosforados é bem descrita na literatura científica encontrada. Observou-se que o efeito neurotóxico é, na maioria dos casos, consequência da inibição da enzima acetilcolinesterase, cujo substrato (acetilcolina) atua na transmissão de impulsos nervosos em nível de sistema nervoso central (gânglios e trato piramidal) e periféricos (placa motora). Os agravos encontrados nesta revisão de literatura estão agrupados de acordo com o sistema afetado e o mecanismo fisiopatológico mais comumente envolvidos na Tabela 1, abaixo.

3 Procedimentos Metodológicos A fim de buscar informações acerca dos temas acima propostos, realizou-se uma revisão de literatura narrativa com uma busca em bases de dados eletrônicas internacionais e nacionais

Tabela 1 – Quantidade de alterações sintomáticas, estratificadas por área

Tipo de alteração Cognitiva

Inespecífica Motora

Comportamental Respiratória

Alteração

Quantidade de alterações

Redução da concentração, redução da memória, cansaço, diminuição do estado de alerta, coma, convulsões, síndrome da fadiga crônica, Parkinson, amnésia, redução de sensibilidade, tontura, desmaio Cefaleia, cansaço, sudorese, taquicardia, bradicardia, diarreia, vômito, salivação, micção, irritação ocular Fasciculações, espasmos clônicos, hipertonicidade, hiperreflexia, déficit motor distal, Parkinson, fraqueza muscular, controle da musculatura respiratória Ansiedade, depressão, irritabilidade emocional, nervosismo, Parkinson, insônia Respiração curta, alergia respiratória

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Com a observação atenta da tabela 1, percebe-se que a maioria dos agravos apresentados refere-se a sintomas cognitivos (12), seguidos por sintomas inespecíficos (11), motores (8) e comportamentais (6). A alteração “respiração curta” foi estratificada como Respiratória, pois está relacionada com aspectos fisiológicos do processo de respiração; no entanto, a impossibilidade de respirar devido a falta de controle sobre os músculos respiratórios foi colocada como Motora devido ao componente muscular envolvido no processo de inspiração. Sintomas que se aplicavam a mais de um estrato foram incluídos em todos, como é o caso do agravo “doença de Parkinson”.

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6 2

Assim, evidencia-se que a exposição crônica a organofosforados tem, principalmente, comprometimentos cognitivos e inespecíficos, totalizando 22 dos 38 sintomas encontrados na revisão realizada. Considerações Finais A análise realizada apenas estratifica, simplificadamente, os sintomas atribuídos aos compostos organofosforados e evidencia a necessidade de estudos epidemiológicos amplos, com amostra maior, para determinação de medidas 398


Pesquisa em Foco estatísticas de maior valor analítico, como prevalência e incidência, e avaliação dos agravos em outras características, tais como cronicidade, reversibilidade e resposta ao tratamento. No entanto, pode-se observar com essa estratificação que as alterações da cognição, tão importantes ao convívio social, possuem maior destaque em relação às demais devido à quantidade de sintomas descritos.

KAREN, D. J. et al. Striatal dopaminergic pathways as a target for the insecticides permethrin and chlorpyrifos. Neuroimmunol, v. 851, n. 10, 2001. LEVIN, H. S.; RODNITZKY, R. L.; MICK, D. L. Anxiety associated with exposure to organophosphate compounds. Arch Gen Psychiatry, v. 2, n. 33, p. 225-280, 1976. LIMA, E. P. et al. Exposição a pesticidas e repercussão na saúde de agentes sanitaristas no Estado do Ceará, Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 6, Dez. 2009. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_artt ext&pid=S141381232009000600031&lng=en&nrm=iso >. Acesso em 1 Nov. 2014.

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Caderno de Experiências Viviane Brito Viana Mestrando PRODER/UFCA Viviane.brito.ce@gmail.com

ÁGUA: DIMENSÕES DA SUSTENTABILIDADE ENVOLVIDAS COM A FONTE BATATEIRAS 1 Introdução

Celme Torres Ferreira Da Costa Professora/UFCA celmetorres@gmail.com

Existe o consenso que o desenvolvimento sustentável está relacionado com a manutenção de propriedades e capacidades dos ecossistemas para sustentar a vida, com um uso da natureza em sistemas produtivos que não coloquem em risco essas capacidades e que também forneçam uma qualidade adequada para as pessoas nesse contexto, ou seja, a sustentabilidade envolve as dimensões ambiental, social, econômico, geográfico ou espaço-territorial, político e cultural. O modelo de desenvolvimento está diretamente vinculado as características de uma economia competitiva, ao qual está diretamente relacionada às desigualdades de poder, assim evidenciando manifestações relacionadas com o distanciamento social e econômico entre grupos sociais e a utilização de forma inadequada dos recursos naturais em todo o planeta. Perante as manifestações antropomórficas, a problemática sobre o meio ambiente ganha espaço, não apenas em uma leitura dos impactos ambientais e seus efeitos prejudiciais à vida, mas principalmente no âmbito das condições locais de existência e reprodução social, apontando para a importância de discussão sobre o conceito de sustentabilidade. Em meio a tudo isso, é necessário repensar as relações entre o homem e a natureza, pois, com a crise ambiental as quais comunidades enfrentam, gera-se um novo modelo de desenvolvimento e, para conseguir o tão ansiado desenvolvimento sustentável, torna-se primordial a conscientização ambiental da humanidade, principalmente em relação ao recurso mais importante para a humanidade, a água. O homem, com a sua conduta predatória sobre a natureza, está cada vez mais manipulando em larga escala os recursos hídricos como, por exemplo, a extração de água para o uso na agricultura, transposição dos rios, o represamento dos rios para construção de barragens etc. A Terra somente é habitável para os seres humanos porque possui um dos principais recursos essenciais para a vida, a água. Para pensar em desenvolvimento sustentável deve-se priorizar uma conscientização global de proteção da água doce em nosso planeta, onde, segundo Rebouças et al.(2002), a água doce é um elemento vital para a sobrevivência da humanidade na Terra, elemento

essencial ao abastecimento do consumo humano e ao desenvolvimento de suas atividades industriais e agrícolas e é de importância vital aos ecossistemas – tanto vegetal como animal – das terras emersas. Para que o desenvolvimento sustentável obtenha sucesso, não basta apenas a conscientização da sociedade em proteger o seu meio ambiente, mas é primordial a adoção de políticas públicas eficazes que comportem um desenvolvimento capaz de atender as necessidades das gerações presentes sem comprometer o futuro das próximas gerações. Contudo, diversos fatores colaboram para a redução da disponibilidade de água potável no Planeta, entre os quais destacam-se: o aumento da demanda em função do crescimento populacional e desenvolvimento industrial, poluição, desperdício e falta de políticas públicas voltadas para o uso sustentável dos recursos hídricos. Diante do exposto, o problema da escassez de água não está relacionado somente ao crescimento populacional. Ao contrário, constitui um problema decorrente da utilização sem critérios, desconsiderando a possibilidade real de que a água venha a faltar, apesar de sua aparente abundância. Em meio a isto, tanto o crescimento demográfico quanto o econômico multiplicam os usos das águas e assim crescendo a demanda pelo bem natural, assim, diante destes fatores não se pode encarar a água como um bem comum, pois a confrontação de sua disponibilidade com suas demandas tende a acarretar a escassez. Observando estes fatos, faz-se necessário reconhecer que a água é um bem econômico e um recurso estratégico essencial ao desenvolvimento econômico e social dos países. Perante este contexto, pode-se inferir que a Fonte Batateiras, localizada no interior do estado do Ceará, que dispõe de um recurso estratégico de valor econômico e social e, tendo como característica a sua vazão em relação a outras fontes da região do Cariri. No entanto, para que a região venha a usar e a defender, adequadamente estes recursos hídricos, mediante a sua disponibilidade, é preciso estabelecer e intensificar a regulação, o objetivo deste trabalho é entender as dimensões da sustentabilidade atreladas ao uso da água e assim compreender a importância histórica e cultural da Fonte Batateiras no contesto da gestão das águas e no desenvolvimento econômico e social na região do Cariri.

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Pesquisa em Foco 2 Fundamentação Teórica

demográfica, a globalização da economia e a crise ambiental. Além dos aspectos globais da crise ambiental, é possível definirmos referenciais empíricos concretos, historicamente definidos. Para tanto, identificamos a crise a problemas que só muito recentemente assumiram o estatuto de problemas sociais. Essa trajetória foi percorrida tanto a partir de condições objetivas, como a partir de condições subjetivas, como o reconhecimento de grupos sociais específicos. Tendo em vista o Relatório de Brundtland, da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), em 1987, o desenvolvimento sustentável passa a ser definido como: [...] aquele desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras atenderem as suas próprias. A definição de desenvolvimento sustentável, referese ao processo que melhora as condições de vida das comunidades humanas e, ao mesmo tempo, respeita os limites da capacidade de carga dos ecossistemas. Sachs (1993), com base nessa definição, apresenta cinco dimensões da sustentabilidade necessárias ao se planejar o desenvolvimento:  Sustentabilidade social – baseada na consolidação de outro tipo de desenvolvimento e orientado por uma outra visão do que á a boa sociedade. Objetiva-se construir uma civilização do ser, em que exista maior equidade da distribuição do ter.  Sustentabilidade econômica – possibilitada por uma gestão mais eficiente dos recursos e por um fluxo regular do investimento público e privado. A eficiência econômica deve ser avaliada por critérios macrossociais e não apenas em termos da lucratividade micro empresarial.  Sustentabilidade ecológica – que pode ser incrementada pelo uso de algumas alavancas: intensificação do uso dos recursos potenciais com um mínimo de dano aos sistemas de sustentação da vida; limitação do consumo de combustíveis fosseis e de outros produtos facilmente esgotáveis ou ambientalmente prejudiciais; redução de carga de poluição; autolimitação do consumo material pelos países ricos; intensificação das pesquisas tecnológicas limpas; definição de regras para uma adequada proteção ambiental.  Sustentabilidade espacial – voltada para um equilíbrio urbano-rural, com melhor distribuição territorial de assentamentos humanos e atividades econômicas.  Sustentabilidade cultura – traduz-se na busca do eco desenvolvimento em uma

2.1 A natureza e o desenvolvimento O progresso proporcionou a sociedade uma serie de benefícios e melhorias mas ao mesmo tempo trouxe consequências negativas. Se por um lado as inovações na tecnologia e medicina melhoraram as condições de vida, por outro, a fiel procura de desenvolvimento e riqueza levou a dissolução dos sistemas de apoio a vida no planeta. Assim, manifesta-se a nova consciência global e a transformação do nosso relacionamento com o planeta. Com a civilização global os problemas nascem em uma nova escala, sendo necessário lidar com a degradação dos recursos naturais e do meio ambiente e com a ampliação da população, mas agora a nível mundial (Rogers and Gumuchdjian, 2001). A ideia dicotomizada do desenvolvimento como sinônimo de progresso econômico e tecnológico ocasionou a noção de subdesenvolvimento. O atraso, das sociedades do Terceiro Mundo, representa, em grande parte, um percalço aos principais processos de construção da modernidade. Assim, os laços com o passado, com as tradições e com o senso comum foram aleatoriamente rompidos e substituídos pelas promessas de um futuro melhor. O desenvolvimento passou a ser considerado processo continuo, sinônimo de crescimento econômico e tecnológico. Construiu-se, assim, o mito da industrialização e do crescimento ilimitado. De acordo do Pires (1998), a urbanização generalizada e desordenada formadora dos grandes cidades, tem sido as consequências das infinitas promessas apontadas pelo padrão de desenvolvimento econômico e tecnológico, contingentes populacionais, cada vez maiores, migram, constantemente, em busca de emprego e de melhores condições de vida, expectativas que, na maioria das vezes, não são alcançadas nem mesmo nos países de Primeiro Mundo. Configura-se, dessa forma, o mito da igualdade socioeconômica e da possibilidade de sucesso nos grandes centros urbanos industrializados. Em síntese, a modernidade criou seus mitos e, com base nele, edificou suas utopias e frustações. No plano concreto da ação e da pratica, apontamos como principais consequências: a crise societal, a perda da identidade cultural e o desenraizamento progressivo dos modos de vida e das representações sociais locais e, principalmente, o estranhamento do homem com a natureza. De acordo com vários autores contemporâneos, de diferentes áreas do conhecimento, tem demonstrado a fragilidade da sociedade atual, indicando a crise do modelo de desenvolvimento e apontando algumas evidencias. Há um consenso sobre pelo menos três dessas evidencias: a explosão 401


Caderno de Experiências pluralidade de soluções particulares que respeitem as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura e de cada local.

2.2 A água e a importância no contexto social quanto ao uso De acordo com Martins (2003) três quartos da superfície da Terra são cobertos por água, correspondendo a 354.200 Km do planeta, formados por oceanos, rios, lagos, pântanos, manguezais, geleiras e as calotas polares. Dos 1.386 milhões de Km³ de água apenas 2,5% desse total são de água doce, sendo que 68,9% estão na forma de geleira, significando que apenas 0,3% de toda água da Terra está acessível e pode ser consumida direto da natureza. O uso indiscriminado da água causa a diminuição da disponibilidade efetiva de água doce para o consumo humano. Na opinião de Barros e Amin (2008), dentre as principais formas de mau uso, pode-se citar a retirada excessiva e seu consequente desperdício; a poluição e contaminação; o desmatamento; e a urbanização. É neste conjunto de fatores que determinam a escassez e fazem da água um dos problemas centrais para a continuidade do modo de produção da sociedade capitalista, assim gerando o aumento na demanda e conduzindo a custos mais elevados, pois torna-se cada vez mais difícil captar água doce na quantidade e qualidade necessária ao consumo humano. Direcionando o tema para o nordeste brasileiro, os impactos causados pela a falta de água no semiárido alcança o sentimento de perda e dor para as comunidades atingidas, isto porque a escarces de água repercute sobre economias frágeis e pessoas que não tem como resistir as dificuldades produzidas pela a seca. Vem de muitas décadas o interesse dos economistas pela água. Debruçados sobre as fontes de recursos naturais e riquezas, muitos cientistas econômicos se dedicaram a dimensionar a escassez e calcular o impacto da exploração descontrolada de reservas disponíveis na natureza (MARTINS, 2003). A mesma preocupação despertada na ciência e na educação, também se aplica aos governos, empresários, industriais, aos gestores econômicos e à sociedade em geral, na medida em que a água se torna produto de exportação, especialmente pelo Brasil, compondo de modo indireto os produtos comercializados (DETONI, 2007). Na opinião de Luna (2007), todas as atividades econômicas se desenvolvem com a presença de água, o que faz com que a água deixe de ser vista como recurso natural e passe à condição de mercadoria, sujeita à disponibilidade ou escassez. Os recursos hídricos atualmente guarda relação direta com o lucro, acrescenta Luna (2007), bem como a atração de investimentos, a produtividade; a água já possui preço definido de acordo com as regras da lei da oferta e da procura, obedecendo as regras de mercado: seu valor é maior onde as reservas são menores.

Estas cinco dimensões poderiam ser agrupadas em três esferas: econômica, sócio-política e biosfera. A principal questão, todavia, enfatizada pela a maioria dos autores que estudam o assunto, é a necessidade da integração entre essas dimensões no processo de desenvolvimento. Tem-se subjacente, por conseguinte, a ideia de planejamento. Assim, para se pensar o desenvolvimento sustentável é preciso considerar os aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais, éticos e ambientais de uma sociedade; é construir historicamente um tipo de vida baseado em novos valores, que devem ser analisadas sob a ótica local e global, para que se percebam as relações fundamentais dos seres humanos entre si, e com a natureza. Estas relações tem como objetivo harmonizar a convivência de diferentes etnias, promover a justiça social considerando as distinções dos seguimentos sociais; permitir o acesso de todos os seres humanos aos bens intelectuais, materiais e espirituais. Com base neste horizonte, surgem empresas e gerentes que se envolvem nas políticas e diretrizes de ambiente limpo que, lamentavelmente, não constitui a curto prazo, a produção dos resultados esperados na difusão das preocupações ambientais e nas práticas protecionistas (RATTER, 1999). Rattner (1999) já havia alertado que não se pode lidar com as dimensões econômicas como fenômenos isolados das variáveis sociais, mas é preciso vê-las como um conjunto ou sistema de forças interagindo reciprocamente, e incluir as condições culturais, crenças e valores que exercem forte impacto no comportamento econômico, com implicações nas políticas gerais e específicas. Para isso, a procura de um desenvolvimento sustentável abrange a interdependência dos fatores econômicos, técnicos, culturais, políticos e ambientais no processo e não basta somente a aplicação de boas tecnologias ambientais, mas compete cumprir as exigências em diferentes padrões de relacionamento social, organizações comunitárias coesas e solidárias, baseadas em forte motivação, identidade de grupo e valores e interesses comuns. A ressalva de Luna (2007), entretanto, é de que a rápida transformação dos recursos hídricos em mercadoria coloca o mundo diante de uma ameaça: as nações ricas consomem volumes imensos de água, muito acima da média de países pobres. Constata-se que a Europa, Estados Unidos e Canadá enfrentam o risco de esgotamento de seus mananciais nos próximos anos, tornando-se necessário buscar novas áreas de exploração. 402


Pesquisa em Foco De acordo com Denoti (2007), o Capítulo 18 da Agenda 21 na Rio 92, registra que a água é vital para a vida e a saúde do povo e ecossistemas e um requisito básico para o desenvolvimento dos países, entretanto em todo o mundo, mulheres , homens e crianças não têm acesso seguro e adequado à água para atender suas mais básicas necessidades. Recursos hídricos e os ecossistemas conexos que os fornecem e mantêm, estão sob ameaça de poluição, usos não sustentáveis, mudança de uso da terra, mudanças climáticas e muitas outras forças. A ligação entre essas ameaças e a pobreza é clara, por isto o pobre é o primeiro e mais duramente afetado. Assim, para que a promoção da gestão eficiente dos recursos hídricos, primeiramente é preciso entender que a água é considerado como um bem comum ao qual todos tem acesso, ou seja, de modo geral, é entendida como um patrimônio comum, um recurso ao qual toda Nação dispõe. No entanto, diante dos problemas causados aos recursos hídricos, por essa forma de abordagem, a cada dia torna-se mais evidente a necessidade de entender a água como um bem econômico, cuja gestão deverá orientar-se por princípios de eficiência econômica, satisfazendo a procura sob uma ótica de sustentabilidade.

Farias Brito; Barbalha, Juazeiro do Norte, Nova Olinda, Santana do Cariri e ao sul com o Estado de Pernambuco (IPECE, 2012). O Mercado de Águas da cidade do Crato no Cariri, localidade onde também se situa a Fonte Batateira, surgiu desde o início do século XIX. Tornou-se uma região próspera que de acordo com a tradição cultivava a cana-de-açúcar para a produção da rapadura. Brito (2001) registra que com o aumento da procura pela rapadura, as áreas de plantio de canade-açúcar foram sendo ampliadas, aumentando o consumo de água e iniciando-se então, os conflitos para utilização das águas das fontes naturais da Chapada do Araripe. A despeito da Fonte Batateira ser, a fonte de maior vazão, a água que jorrava desta era toda utilizada pelos plantadores de cana que se situavam mais próximos da nascente, assim passando a não mais chegar água nas propriedades que se encontravam distantes da mesma. Surgiram assim, conflitos entre os usuários da Fonte Batateira. Defronte do problema e buscando evitar contínuos conflitos sobre o uso da água, os agricultores daquela localidade recorreram para o presidente da província, solicitando uma solução para o caso. De acordo com Brito (2001), procurando resolver o conflito ali gerado, o presidente da província – Dr. Joaquim Villela de Castro Tavares – editou uma resolução provincial (Lei nº 645 de 17 de janeiro de 1854) sendo aprovados os artigos de posturas na Câmara Municipal do Crato, e no ano de 1855 o juiz de direito da Comarca do Crato, procedeu com o Auto de Partilha da Fonte da Batateira. A partir do ano de 1855 e nos termos do Auto de Partilha das Águas da Fonte Batateira, o direito de uso da água passou a ser partilhado entre os 14 sítios (Figura 1). A partir de então os proprietários têm-se considerado os donos do direito de uso da água, exercendo pacificamente durante cento e cinquenta anos, com exclusividade, o uso, a fruição, a disposição e a reivindicação sobre o direito de uso da água (HISSA, 2005). Brito (2001) lembra que com o decorrer dos anos e em face dos direitos hereditários, ocorreu uma subdivisão das terras em cada geração e os sítios menores passaram a retirar água dos sítios maiores. Entretanto, a gestão dos recursos hídricos na região do Cariri é bastante complexa. Na opinião de Hissa (2005), o Ceará, como um todo, encontram-se áreas densamente povoadas, sofrendo com a escassez de água e dependendo exclusivamente das águas das chuvas, que são irregulares, já no Cariri constata-se a abundância dos recursos hídricos aliada à cultura do desperdício. Por isso é fundamental estabelecer e fortalecer a gestão dos recursos hídricos numa perspectiva não apenas de gerenciar a oferta de água, mas fundamentalmente de medidas não estruturais de

3 Procedimentos Metodológicos Essa pesquisa pode ser classificada como bibliográfica. A pesquisa bibliográfica baseia-se em um conjunto de conhecimentos reunidos em obras de diversas qualificações e assuntos (FACHIN, 2006). De acordo com Michel (2005), a pesquisa bibliográfica pode ser considerada uma forma de pesquisa, na medida em que se caracteriza pela busca, recorrendo a documentos, de uma resposta a uma dúvida, uma lacuna de conhecimento. Esse tipo de pesquisa procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos, e procura-se não somente conhecer e analisar as contribuições científicas sobre determinados temas, como também comparar as abordagens de vários autores sobre o mesmo tema. Segundo Fachin (2006), a pesquisa bibliográfica conduz a uma reflexão crítica em busca do saber, de modo a relacionar o passado com o presente, assim como permite lançar-se ao futuro. 4 Resultados e discussão A região do Cariri, situada na porção sul do Estado do Ceará, compreende 33 municípios. “A sede do município do Crato localiza-se na referida região, com as seguintes coordenadas geográficas: Latitude (S): 7°14’03” e Longitude (W): 39°24’34”, ocupando uma área de 1.117,5 Km2. Limita-se com Caririaçu, 403


Caderno de Experiências políticas de incentivo de um uso sustentável da água, com a participação efetiva da sociedade no uso, controle e conservação da água (SOUSA et al., 2013).

Nestas propostas convivem a dicotomia de estimular as dimensões ambiental, social, cultural, política, psicológica e espacial em harmonia com o desenvolvimento econômico, que se manifesta de forma oposta às outras dimensões. Ao abordar as dimensões da sustentabilidade foi possível concluir que as dimensões da sustentabilidade estão extremamente interligadas. Na sociedade as dimensões ambiental, social, econômico, geográfico ou espaço-territorial e cultural são responsáveis pela mudança de comportamento dos indivíduos. Estas, por sua vez, são fortemente influenciadas pela dimensão política, caracterizada principalmente, pelos jogos de poder e pela dimensão econômica, tendo em vista o paradigma de consumo e trabalho imposto pela sociedade capitalista, os quais afetam a dimensão espacial. Por fim, sugere-se, como complementação ao estudo, a elaboração de pesquisas futuras a fim de verificar como a teoria apresentada se manifesta em casos reais, analisando o desenvolvimento sustentável e as dimensões abordadas diretamente a Fonte Batateiras e a região do Cariri como um todo.

Figura 1 – Esquema de distribuição das águas da Fonte Batateira.

Referências Fonte: Gonçalves (2001).

BARROS, F.; AMIN, M. Água: um bem econômico de valor para o Brasil e o mundo. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, vol.4, n.1, 2008. Disponível em:< http://www.rbgdr.net/012008/artigo4.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2014.

Diante disso, surge em 2002 por forma do Decreto 26.603 o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Salgado, onde este instituiu a Comissão Gestora da Fonte Batateira através da Deliberação nº 001/2009 com atribuições de propor critérios de uso racional dos sistemas hídricos e também promover a preservação ambiental e o uso sustentável da água junto aos usuários. Sousa et al. (2013) afirma que essa pratica contribuiu para adoção de uma nova percepção no que diz respeito aos recursos hídricos subterrâneos, já que muitos possuíam a visão de que este recurso era um bem inesgotável no município do Crato. Passou-se a discutir a melhor forma de utilização racional com parcimônia e adequando gradativamente aos instrumentos de gestão, em especial a outorga.

BRITO, F. O Mercado de Águas da Fonte Batateira no Cariri e a nova política de águas do Ceará: desafios da transição. 2001. Dissertação (Mestrado em Recursos Hídricos) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2001. CMMAD. Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. DETONI, T. A escassez da água: um olhar global sobre a sustentabilidade e a consciência acadêmica. In: ENEGEP, Edição XXVII, Foz do Iguaçu-PR. 09 a 11 de outubro de 2007. Disponível em: <http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP 2007_TR650479_9043.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2013.

Considerações Finais O atual modelo de acúmulo de capital que visa elevar a riqueza, não fundamentalmente proporciona uma melhoria no bem-estar social, não é compatibilizada com as reais necessidades da sociedade e com as dimensões da sustentabilidade. As questões socioculturais e econômicas, frente às necessidades humanas, influenciam na conformação das cidades, na ocupação dos espaços geográficos e na manutenção da biodiversidade.

FACHIN, O. Fundamentos de metodologia. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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Pesquisa em Foco HISSA, I. Análise da realidade da Fonte Batateira do Cariri-CE: aspectos econômicos e legais do mercado de água. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005.

RATTNER, H. Liderança para uma sociedade sustentável. São Paulo: Nobel, 1999. REBOUÇAS, A. Água Doce no Mundo e no Brasil. In: REBOUÇAS, A. et al. Águas Doces no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras Editora, 2002. P.1.

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ROGER, R.; GUMUCHDJIAN, P. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona: GG, 2001. SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. [Trad.] MAGDA L. São Paulo: Studio Nobel. 1993.

MARTINS, A. O planeta está sedento. Folha Universal. 16 nov. 2003. p.2. MICHEL, M. H. Metodologia e Pesquisa Científica em Ciências Sociais: um guia prático para acompanhamento da disciplina e elaboração de trabalhos monográficos. São Paulo: Atlas, 2005.

SOUSA, C. et al. Gestão participativa na Fonte da Batateira no município do Crato, Ceará, Brasil. In: Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Edição XX, Bento Gonçalves-RS. 17 a 22 de novembro de 2013. Disponível em: <https://www.abrh.org.br/sgcv3/UserFiles/Su marios/87ffd3a5f612be01f89b0802796fcd82_d 119cd2d0bb09fa9146f676493d28b75.pdf>. Acesso em: 9 fev. 2014.

PIRES, M. A trajetória do conceito de desenvolvimento sustentável na transição de paradigmas. In: DUARTE, L.; BRAGA, M. Tristes Cerrados: sociedade e biodiversidade. Brasília: Paralelo 15, 1998. p.65.

405


Caderno de Experiências

APICULTURA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ALTERNATIVA DE CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO NA COMUNIDADE DO IRAPUÁ MUNICÍPIO DE NOVA RUSSAS-CE NO SERTÃO DOS INHAMUNS\CRATEÚS

1 Introdução

Cícero Secifram da Silva Mestrando em Desenvolvimento Regional Sustentável/UFCA secifram1@yahoo.com.br

Francisca Dayanne de Oliveira Alcantara Mestrando em Desenvolvimento Regional Sustentável/UFCA annealcantara@alu.ufc.br

Celme Torres Ferreira da Costa Professora/UFCA celme@ufca.edu.br

Suely Salgueiro Chacon4, Professora/UFCA suelychacon@gmail.com

Claudia de Araujo Marco Professora/UFCA clmarko@yahoo.com.br

Silvério de Paiva Freitas Junior Professor/UFCA silveriojr@ufca.edu.br

apicultura junto às famílias da comunidade do Irapuá no município de Nova Russa- CE.

A exploração racional de abelhas é conhecida como apicultura, sendo esta uma atividade muito utilizada no Brasil, principalmente na região nordeste, executada, sobretudo por pequenos agricultores familiares. Essa atividade milenar, têm grande importância alimentar e terapêutica contribuindo à saúde humana, bem como na preservação da biodiversidade. As abelhas surgiram no Continente Asiático há aproximadamente 45 milhões de anos, e começaram a ser exploradas, racionalmente, pelo homem desde 2.400 a.C (GONZAGA, 1998). Souza (2002), considera a conservação do ecossistema como o resultado mais importante da implementação da apicultura na região Nordeste do Brasil, que por falta de alternativa para a sobrevivência do sertanejo tem sido degradado com a retirada de lenha, desmatamentos e queimadas. Neste sentido, a apicultura se destaca como sendo uma atividade de notável importância para a conservação da biodiversidade, bem como para a sustentabilidade e preservação ambiental. De acordo com Pereira (2003) a cadeia produtiva da apicultura propicia a geração de inúmeros postos de trabalho, empregos e fluxo de renda, principalmente no ambiente da agricultura familiar, sendo, dessa forma, determinante na melhoria da qualidade de vida e fixação do homem no meio rural Silva (2004), afirma que a maior importância da apicultura, entretanto, está na atividade polinizadora, onde o desenvolvimento de tal atividade contribui amplamente para o ser humano e para a agricultura. Ao fazer a polinização, as abelhas contribuem para melhoria da produtividade, bem como na perpetuação de espécies de plantas domesticadas e silvestres, contribuindo para manutenção da variabilidade genética, possibilitando a redução da erosão gênica . Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo avaliar os principais impactos da

2 Fundamentação Teórica 2.1 Surgimento da apicultura Gonzaga (1998), expõe a ocorrência de relatos da utilização do mel desde o tempo dos faraós no Egito, passando ainda pela Grécia antiga. Na Grécia fora atribuída a longevidade dos filósofos e estudiosos ao constante consumo do mel. Neste período Hipócrates, o pai da medicina, se destacou como um dos mais dedicado estudioso e apicultor, para ele o mel guardava as características medicinais das plantas de onde as abelhas coletavam o néctar. As abelhas surgiram a aproximadamente 45 milhões de anos no continente Asiático, sendo seu inicio de exploração racional pelo homem a partir de 2.400 a.C. (GONZAGA,1998). Os egípcios são considerados os primeiro a adotarem as técnicas de manejo das abelhas, colocando-as em potes de barros (GONZAGA,1998). Através das técnicas de manejo o homem fora aprendendo a proteger seus enxames, passando a instalar colmeias de forma a permitir um manejo mais racional proporcionando maiores produtividades sem ocasionar danos às abelhas. Foi a partir de então que surgiu a apicultura, a qual pode ser conceituada como a exploração racional das abelhas. Pereira et al.;(2003) destacam que por muito séculos, os enxames eram retirados de forma predatória e extrativista, causando dano ao ambiente, por causar a morte da colônia ou no mínimo ocasionando divisões de enxames de forma desordenada. Com a exploração racional, o homem deixou de ser um extrativista “ladrão de mel” passando a ser um produtor, ou seja ,um apicultor. Após este processo a apicultura se deslanchou mundo afora e vem se destacando como uma importante fonte de renda, bem como preservadora da flora. 406


Pesquisa em Foco Na idade média, surgiu a preocupação em buscar alternativas que evitassem ou pelo menos diminuíssem a morte das abelhas. Conforme destacam Camargo et al.;(2006), com o tempo, o homem foi aprendendo a proteger os enxames, instalá-los em colmeias racionais e manejando-os de forma que houvesse maior produção, sem danos para as abelhas. Segundo Kerr (1980), a atividade apícola foi introduzida no Brasil em 1839, com enxames trazidos pelos imigrantes europeus. Ainda segundo o mesmo autor, somente com a introdução de abelhas africanas, em meados de 1956, deu-se a revolução da apicultura no Brasil com o cruzamento dessas duas populações, produzindo um híbrido conhecido hoje de abelhas africanizadas. Atualmente a exploração econômica destas abelhas tem contribuído para a geração de emprego e incremento de renda de agricultores familiares produtores de mel. Há relatos de que em alguns lugares do Brasil, a prática da apicultura ainda se faz de forma predatória. Segundo Vieira et al.; (2008) muitos coletores, para retirar o mel, derrubam as árvores. Essa pratica errônea favorece a destruição de colmeias, bem como conduz ao espanto das abelhas, chegando ate a provocar perdas futuras de produção e pode contribuir à destruição e desequilíbrio ambiental. De acordo com Soares Sousa et al (2012), o Nordeste brasileiro possui um dos maiores potenciais apícolas do mundo. Esses mesmos autores afirmam que alguns estados além da produção de mel, têm também vocação para a produção de geléia real, própolis, pólen, cera e apitoxina, produtos estes que podem atingir preços superiores ao do próprio mel.

de pequeno e médio porte tais como: apicultura; aviculturas; caprinoovinocultura; bem como na produção vegetal de: hortaliças; milho; feijão; algodão herbáceo ; gergelim entre outras. Buscando o desenvolvimento local e a melhoria da qualidade de vida das famílias, a APAFI firmou parcerias,em 2006, com o Projeto Dom Helder Camara- PDHC e a Cáritas Diocesana de CrateúsCDC, os quais tem contribuído na assessoria técnica às unidades produtivas e empoderamento organizativo. Desde então, as famílias passaram a desenvolverem suas atividades de forma mais organizada e sistemática. Das atividades desenvolvidas, a apicultura se destaca como grande potencial de expansão e produção contribuindo para melhoria da qualidade de vida das famílias, proporcionando mudanças de hábitos de forma positiva nas questões ligadas a preservação ambiental e a sustentabilidade. 3 Procedimentos Metodológicos O estudo foi realizado na comunidade Irapuá município de Nova Russas -CE localizado na região do sertão dos Inhamuns/Crateús. A comunidade em estudo é acompanhada desde 2006 pelo Projeto Dom Helder Camara-PDHC, tendo a assessoria técnica permanente da Caritas Diocesana de Crateús-CDC, a qual faz o acompanhamento e monitoramento técnico permanente junto ao grupo. Através do monitoramento e por exigência do projeto, é gerado mensalmente e anualmente relatórios mostrando como as atividades estão sendo executadas e quais os impactos resultantes das atividades desenvolvidas, sejam na esfera social, ambiental, econômico e organizacional do grupo. Para o presente estudo foram analisados apenas os dados dos relatórios mensais do ano de 2012. De posse destes, foi realizada uma analise qualitativa dos resultados observados nos referidos relatório, procurando identificar os impactos gerados através da atividade na melhoria da qualidade de vida das famílias assistidas pelo referido projeto.

2.2 Contexto Histórico da Comunidade Irapuá A comunidade do Irapuá , está localizada a 15 km da sede do Município de Nova Russas- CE, na divisa com o município de Tamboril- CE, constituída por 100% de agricultores/as familiar. O nome Irapuá tem origem indígena, sendo descende de nações tupi-guaranis e significa “abelha sem mel”. Seu processo organizativo teve inicio com a composição das Comunidades Eclesiais de BaseCEB’s nos anos 70. Emanada pelo espírito organizativo de lutas e conquistas, foi fundada em 27 de agosto de 1989, a Associação dos Produtores na Agricultura Familiar de Irapuá – APAFI, a qual passou a responder legalmente pela busca e fortalecimento da melhoria da qualidade de vida comunitária. A partir de então, as famílias passaram a fortalecer cada vez mais a economia local, com o desenvolvimento de diversas atividades produtivas ligadas a agropecuária, tanto na criação de animais

4 Resultados e discussão Os relatórios mostraram que a atividade desempenha um importante papel na melhoria da qualidade de vida das 14 famílias do grupo de interesse, visto que a mesma possibilita geração de renda através da comercialização do mel e dos seus subprodutos. É observado ainda que a atividade está gerando uma maior autonomia organizacional por parte do grupo, pois o mesmo, com apoio do projeto e da assistência técnica obteve duas conquista 407


Caderno de Experiências importantes para a o desempenho da atividade, como por exemplo, a aquisição de uma unidade de uma casa do mel equipada para a extração e um entrepostos também equipado para o beneficiamento da produção. Essas conquistas têm possibilitado um melhor aproveitamento, bem como possibilita agregar valor à produção local. A mesma esta possibilitando que outras comunidades também possam fazer a extração e beneficiamento na comunidade do Irapuá, gerando além de rendimento econômicos, ganhos sociais, através das trocas de experiências por meio da integração com outras comunidades circunvizinhas. Conforme destaca Inaba e Pasin (1998), a apicultura tem demonstrado ser uma excelente alternativa para complementação de renda, pois sua atividade, normalmente, não compete em recursos de produção com outras já existentes. Na comunidade em estudo, também são verificados ganhos semelhantes aos destacados pelos autores acima, visto que a apicultura representa uma atividade auxiliar em complementação com agricultura de base familiar. É observado ainda, que houve uma redução no numero de colmeias povoadas por apiário, conforme observado no gráfico 1. Essa diminuição possivelmente é decorrente da situação edafoclimática existente na região, a qual enfrenta o terceiro ano consecutivo de seca. Por não haver a ocorrência de chuvas a vegetação local não floresce, desta forma não há a produção de alimentos para as abelhas. Esse motivo leva ao enfraquecimento dos enxames, provocando uma redução de suas atividades levando a ocorrência de migração destes, para locais onde exista disponibilidade de alimentos suficientes. Ainda conforme gráfico 1, é observado que a maioria dos apiários, 71% destes, se encontrão como no máximo 10 colmeias povoadas, enquanto 29% destes, têm entre 11 e 20 com colmeias povoadas e não há nenhum apiário com numero de colmeias povoadas superior a 20. Esses dados, nos permite inferir a necessidade de melhorias nos manejos junto aos apiários, principalmente no que tange ao manejo alimentar. Neste sentido é imprescindível que as famílias possam intensificar a oferta de alimentos, artificiais ou alternativo e águas de forma a evitar o despovoamento dos enxames. Desta maneira o enxames continuaram fortes e povoados, possibilitando que na ocorrência de condições naturais favoráveis, estes possam produzir satisfatoriamente, contribuindo assim com a melhoria das condições sociais e econômicas das famílias, bem como com a manutenção e perpetuação da flora por meio da polinização.

Figura 1. Numero de colmeias povoadas por apiários.

Conforme demonstra a figura 2, 100% dos agricultores familiares que desenvolvem a atividade apícola na comunidade do Irapuá, realizam o manejo utilizando os Equipamentos de Proteção Individual- EPIs, tais como: (macacão, máscara, luvas e botas, fumegador, vassoura de varrer abelhas, formão de apicultor ou sacador de quadros), estes são indispensáveis no manejo às abelhas de forma a evitar acidentes e/ou problemas nessa etapa ainda nos apiários. Figura 2: Utilização de EPIs no manejo aos apiários

Em relação à extração e beneficiamento do mel, percebe-se que 100% das famílias do grupo de apicultores utilizam os equipamentos adequados para extração ou coleta de mel (centrifuga, mesa desoperculadora, decantadores, garfo desoperculador e baldes inox), conforme observado na figura 3. Ressalta-se ainda que toda a extração do mel do grupo em estudo é realizada na casa do mel existente na própria comunidade.

408


Pesquisa em Foco Figura 3: Atendimento a legislação quando a extração do mel e a utilização de colmeias.

Agricultura Pecuária e Abastecimento –MAPA, quanto ao uso de colmeias, a extração e beneficiamento do mel. Faz-se necessário, que as famílias apicultoras da comunidade, possam intensificar a oferta de alimentos artificiais ou alternativo e água nos apiários, como forma de fortalecer os enxames e evitar ou reduzir o despovoamento destes. Referências BRASIL. Instrução Normativa n.11, de 20 de Outubro de 2000. Aprova o Regulamento técnico de identidade e qualidade do mel. Diário Oficial [da] União, Ministério da Agricultura e do Abastecimento, Brasília, DF, 23 out. 2000. Seção 1, p.16-17.

Nota-se ainda, que 100% das colmeias utilizadas nos apiários da comunidade, atendem as exigências estabelecidas pela Instrução Normativa Nº11, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA (BRASIL, 2000), quanto a construção/fabricação e cobertura das colmeias.

CAMARGO, R. C. R.; PEREIRA, F.M.; LOPES, M. T. R.; WOLFF, L. F. Mel: características e propriedades. 21 ed. Teresina: Embrapa MeioNorte, 2006.

Considerações Finais

GONZAGA, S. R. Cera de abelhas. In: Anais de XII Congresso Brasileiro de Apicultura: feira nacional apícola. Salvador Bahia. 1998.

Os relatórios analisados evidenciam que a atividade apícola se destaca como uma importante iniciativa para a melhoria da qualidade de vida, bem como para a preservação ambiental por evitar o desmatamento, além de possibilitar um empoderamento organizacional do grupo acompanhado, permitindo o envolvimento de toda a família na atividade. Vale lembrar que por ter uma economia essencialmente agrícola, a economia da comunidade gira em torno da agricultura familiar e da criação de animais de pequeno e médio porte, tendo a apicultura como atividade complementar. A apicultura propicia ainda, não só o aumento da renda destas famílias, como também contribui para uma maior interação entre as mesma, bem como maior integração da comunidade em geral, visto que a comunidade se destaca na região, sendo um espaço de referencia na troca de experiências através dos intercambio. Diante do exposto, pode-se concluir que a apicultura é uma alternativa viável para a comunidade em estudo, principalmente porque esta atividade interliga os aspectos: sociais, políticos, econômicos e ambientais, proporcionando à agricultura familiar, a utilização da mão de obra da família, fixação do homem ao campo, possibilitando mudança de consciência dos produtores sobre a conservação do meio ambiente. Soma-se a estes, a preservação da flora e fauna local, a geração de renda, bem como contribui para a segurança alimentar das famílias. Nota-se ainda, que os apicultores da comunidade do Irapuá, praticam a atividade apícola atendendo as normas técnicas estabelecidas pelo Ministério da

GUIMARAES, N. P. Apicultura, a ciência da longa vida. Ed. Itatiaia Ltda. Belo Horizonte, 1989. INABA, R. M; PASIN, L. E. V. Custo da produção de mel no município de Taubaté. (O) UNITAU São Paulo, 1998. KERR, Warwick Estevan. História Parcial da Ciência Apícola no Brasil. In: Anais do V Congresso Brasileiro de Apicultura. Confederação Brasileira de Apicultura, 1980. PEREIRA, F.M., et al. Produção de mel. Teresina, 2003. Disponível em: <http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br /FontesHTML/Mel/SPMel/index.htm>. PEREREIRA, F. M.; LOPES, M. T. R.; CAMARGO, R. C. R.; VILELA, S. L. O. Produção de mel. Sistema de produção. EMBRAPA meio norte, 2003. Acesso em: http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/ FontesHTML/Mel/SPMel/autores.htm Acesso em: 13/10/2014. RESENDE, R.;VIEIRA, A. Mel na merenda escolar aumenta consumo interno. Sebrae Agronegocios, n.3, p.38-39, 2006. SILVA. N. Rovena. Dissertação: Aspectos do perfil e do conhecimento de apicultores 409


Caderno de Experiências sobre manejo e sanidade da abelha africanizada em regiões de apicultura de santa Catarina. Florianópolis, SC, agosto de 2004. SOARES SOUSA, Luci Cleide Farias., et al. Cadeia produtiva da apicultura: cooapil – cooperativa da micro-região de catolé do rocha – pb intesa. Pombal – PB – Brasil v.5, n.1, p. 16 24 janeiro/dezembro de 2012 http://revista.gvaa.com.br.

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Pesquisa em Foco Eva Regina Do Nascimento Lopes Mestranda PRODER/UFCA evaregina.nascimento@gmail .com

A INTERFACE ENTRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A PARTIR DA GESTÃO DE ÁGUAS NO BRASIL. 1 Introdução

Suely Salgueiro Chacon Professora/UFCA suelychacon@gmail.com

desenvolvimento sustentável a partir da integração de diversos fatores ou dimensões. Dessa maneira, Chacon (2007) define as seguintes dimensões: - Dimensão Sociocultural: essa dimensão do desenvolvimento sustentável verifica o modo de vida das pessoas no local onde habitam e os valores culturais que elas possuem. - Dimensão Ambiental: dimensão que trata de informações sobre as condições do meio ambiente. - Dimensão Econômica: a que leva em consideração ao acesso das pessoas ao resultado do crescimento econômico. - Dimensão Institucional e Política: dimensão que analisa o quanto as instituições locais atuam na região estudada, além da atuação do governo no território. Essa dimensão leva em consideração, por exemplo: a participação social em elaboração e acompanhamento de políticas públicas, capacidade de organização das entidades civis e existência de conselhos municipais. Para Sachs (1964 apud Chacon 2007), o desenvolvimento sustentável abrange as seguintes dimensões que são complementares e inseparáveis: - Sustentabilidade Social: abrange a diminuição das diferenças entre as classes sociais, a fim de uma sociedade mais justa. - Sustentabilidade Econômica: visa uma alocação de recursos mais eficiente entre a sociedade, e não simplesmente entre empresas. - Sustentabilidade Ecológica: trata do uso dos recursos naturais de forma responsável, limitando o uso dos recursos não renováveis, diminuindo a poluição, descobrindo tecnologias limpas e instrumentos de proteção ao meio ambiente. - Sustentabilidade Espacial: cujo objetivo é equilibrar as atividades econômicas entre as áreas urbanas e rurais. - Sustentabilidade Cultural: que visa fortalecer o desenvolvimento local e levando em consideração os saberes e a cultura de cada região. A partir desses conceitos é possível entender que o desenvolvimento sustentável engloba uma série de fatores a fim de promover qualidade de vida do homem e do seu meio, possibilitando o respeito à natureza e à promoção de um modo de vida justo do ser humano e das suas relações sociais. A base do desenvolvimento sustentável é uma relação de equilíbrio entre as dimensões apresentadas anteriormente.

O Brasil é um país de democracia representativa, ou seja, a participação do cidadão ocorre por meio do voto no período de eleições. Entende-se por democracia “um arranjo institucional para construir decisões coletivas e para assegurar que a autorização para exercer o poder seja dada pelos cidadãos sobre os quais esse poder é exercido” (BORGES et al, 2011, p.2). Assim, a democracia representativa é um tipo de democracia “com base em eleições livres e universais” (BORGES et al, 2011, p.2). Entretanto, mesmo tendo esse arranjo institucional, o Brasil desenvolveu políticas públicas que propõem práticas de participação que vão além do simples direito ao voto, como é o caso da Política Nacional de Águas estabelecida através da Lei nº 9.443, de 08 de janeiro de 1997 que define a gestão de águas a partir da participação dos cidadãos em Comitês de Bacia Hidrográfica, que por lei devem ser compostos por gestores públicos federais, estaduais e municipais, usuários e sociedade civil. Assim, esse tipo de gestão descentralizada e participativa reconfigura a atuação da sociedade nas políticas públicas, pois a participação social implicará no acesso democrático à água, um bem essencial à vida. Por tanto, o objetivo desse artigo é discutir a interface entre o desenvolvimento sustentável e a participação social a partir das políticas de águas, enfatizando a participação como ponte de acesso ao recurso hídrico e um elemento de promoção do desenvolvimento sustentável. 2 Fundamentação Teórica 2.1 Conceituação de Desenvolvimento Sustentável Desde a década de 1970 que esse termo vem sendo discutido especialmente entre as nações em eventos internacionais, mas foi apenas no ano de 1987 que foi definido formalmente o primeiro conceito. Segundo Brundtland (1987 apud Oliveira 2008a), “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades”. Entretanto, alguns autores conceituam o 411


Caderno de Experiências Nesse sentido Sen (2010) relata que para haver desenvolvimento é necessário remover “as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos” (SEN, 2010, p.1617). É dessa forma que a inserção das pessoas em políticas públicas é uma forma de promover desenvolvimento sustentável. Como foi apresentado anteriormente, a participação das pessoas no acompanhamento de políticas públicas faz parte dimensão político-institucional do desenvolvimento sustentável. Assim, o seguinte item apresenta a política pública de águas adotada no Brasil que tem a participação como um de seus fundamentos.

urbano e para a geração de energia elétrica. As primeiras hidroelétricas e sistemas de abastecimento ocorreram a partir de iniciativas privadas. Ainda de acordo com Godoy (2007), a primeira medida pública de regulação da água ocorreu em 1907, mas foi só em 10 de julho de 1934 que foi aprovado o antigo Código de Águas (Decreto nº 24.643). Campos e Fracalanza (2010) relatam ainda que o ano de 1964 foi marcado por uma gestão de águas centralizada e preocupada exclusivamente com a geração de energia elétrica, e que somente na década de 1970, alguns estados brasileiros passaram a legislar diante a poluição industrial em rios. As propostas de gestão participativa de águas só começaram a surgir a partir da década de 1980 (MACHADO, 2003). É importante citar que essa preocupação com a gestão da água foi ainda mais enfatizada a partir de eventos internacionais, tais como a Eco 92 (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) que aconteceu no Rio de Janeiro, onde se discutiu a necessidade de estabelecimento de legislações específicas sobre a gestão da água tendo em vista à emergência da preservação do recurso por ser limitado (MACHADO, 2003a). Estabelecida a legislação Federal das águas no Brasil em 1997, e em continuidade à criação de políticas públicas de águas no país, o ano 2000 foi marcado pela criação da Agência Nacional de Águas (ANA), através da Lei nº 9.984, com o objetivo de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos e coordenar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (GODOY, 2007). A Lei Federal 9.433/97 é constituída por seis fundamentos estabelecidos no primeiro artigo da Política Nacional: o domínio da água é público; a água é um bem dotado de valor econômico (por ser um recurso natural escasso, a água possui um valor a fim de racionalizar o seu uso); os usos prioritários são o consumo humano e a dessedentação de animais, em situações de escassez; os usos múltiplos (a fim de maximixar os usos da água); a unidade territorial de gestão e da atuação da Política Nacional de Águas é a bacia hidrográfica; e a gestão descentralizada, contando com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Fica então, explícita na legislação, a participação das pessoas na gestão de águas. Como foi citado, a Lei Federal de Gestão de Águas determina também a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Esse sistema integra os seguintes órgãos (segundo o artigo 33° da Lei): I – Conselho Nacional de Recursos Hídricos; I – A – Agência Nacional de Águas (inciso inserido pela Lei n°9.984 em 17.07.2000);

2.2 Apresentação da Política Federal de águas Segundo Campos (2003, p.27), a política de recursos hídricos tem como objetivo “proporcionar meios para que a água, recurso essencial ao desenvolvimento econômico, seja usada de forma racional e justa para o conjunto da sociedade”. Pode-se, então, definir a gestão de águas como “uma atividade complexa que inclui os seguintes componentes: a política de águas; o plano de uso e controle e proteção das águas; o gerenciamento e o monitoramento dos usos da água” (CAMPOS; FRACALANZA, 2010, p.366). Ainda para Campos (2003), a gestão de águas é considerada um conjunto de procedimentos organizados cujo objetivo é resolver problemas relativos a uso e controle dos recursos hídricos, a fim de “atender, dentro das limitações econômicas e ambientais e respeitando os princípios da justiça social, à demanda de água pela sociedade com uma disponibilidade limitada” (CAMPOS, 2003, p. 45). Assim, a política brasileira para a gestão das águas no território se dá por meio da Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que estabelece a Política Nacional dos Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recurso Hídricos. É necessário citar que alguns estados como São Paulo e o Ceará foram os precursores nacionais da política de águas, tendo estabelecido suas políticas estaduais respectivamente nos anos de 1991 (Lei nº 7.663, de 30 de dezembro de 1991) e 1992 (Lei n º11.996 de 1992). Antes do estabelecimento da Lei Federal n° 9.433, o Brasil passou por uma série de medidas relativas aos usos da água, é importante observar que nenhuma delas prevê a participação das pessoas em relação às decisões sobre os recursos hídricos. Como apresenta Godoy (2007) até 1920 o uso da água era feito por meio de tecnologias de interesse local, e voltado especialmente para o abastecimento 412


Pesquisa em Foco II – Conselhos dos Recursos Hídricos dos estados e do Distrito Federal; III – Comitês de Bacia Hidrográfica; IV – os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos; V – Agências de Água. A partir desses órgãos responsáveis pelo gerenciamento de recursos hídricos do país, é possível observar que a gestão de águas no território brasileiro necessita de uma integração entres os gestores nos diversos níveis (federal, estaduais e municipais). Entretanto, observa-se que a instituição dos Comitês de Bacia reconfigura o cenário de gestão, tornando-a descentralizada e participativa. Descentralizada porque a hierarquia de decisão legalmente não se concentra apenas nas deliberações dos gestores públicos, e participativa por consequentemente envolver novos atores sociais, como usuários e a sociedade civil organizada. Assim, é possível notar que a política federal de águas propõe uma nova participação da sociedade, que como foi citado na introdução desse artigo, vai além da simples democracia participativa por meio do voto.

ao meio ambiente e a cultura de cada sociedade. Dessa forma, quando a gestão de águas regulada a partir da institucionalização de uma política Federal se preocupa em utilizar racionalmente o recurso, alocá-lo para haver acessibilidade de todos, e fazendo uma gestão participativa, a gestão da água acaba envolvendo as dimensões da sustentabilidade (sociocultural, ambiental, econômica e político-institucional) definidas por Chacon (2007). A própria Lei n° 9.433/97 quando define os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos em seu artigo 2° (BRASIL, 1997), traz aspectos da gestão de águas que remetem ao conceito de desenvolvimento sustentável, são eles: I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável; III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. Assim, é possível considerar que é a partir da legislação que se legitima institucionalmente o poder que o Estado tem de implementar políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável, nesse sentido, afirma Chacon (2007): “[...] de uma maneira geral, o Estado ocupa uma posição fundamental na implementação de políticas públicas que viabilizem o desenvolvimento sustentável. [...] é também [o Estado] o grande responsável pelo alcance ou não de uma melhor qualidade de vida” (CHACON, 2007, p. 129). É por isso que a gestão de águas é fundamental para o desenvolvimento, pois como afirma Godoy (2007, p.2), “o desenvolvimento econômico e social de qualquer país também está fundamentado na disponibilidade de água potável e na capacidade de conservação e proteção dos recursos hídricos”. É dessa forma que o acesso à água de qualidade é fundamental no desenvolvimento das pessoas em seus territórios. Entretanto, é importante citar que o Estado tem o poder de criar políticas (nesse caso, as políticas de águas) a fim de se ter um desenvolvimento sustentável, mas que a efetivação dessas políticas só é possível ser alcançada a partir da participação da sociedade. Como afirma Chacon (2007, p. 132):

3 Procedimentos Metodológicos Trata-se de um trabalho com abordagem qualitativa, ou seja, “visa buscar informações fidedignas para se explicar em profundidade o significado e as características de cada contexto em que encontra o objeto de pesquisa” (OLIVEIRA, 2008, p.60). O artigo tem caráter exploratório, pois visa conhecer amplamente o problema e aprimorar ideias (GIL, 2002). Quanto ao delineamento da coleta de dados, foi feita uma pesquisa bibliográfica, através de livros e artigos científicos para fundamentação teórica e discussão dos termos, em busca de relacionar a participação social na política Federal de Águas e o desenvolvimento sustentável. Assim, o item seguinte apresenta essa discussão de maneira mais aprofundada. 4 Resultados e discussão A Lei Federal de águas no Brasil traz uma série de elementos que rementem ao conceito de desenvolvimento sustentável. Como foi apresentado, segundo Chacon (2007), o desenvolvimento sustentável pressupõe ações conjuntas que se preocupam não apenas com a perspectiva econômica, mas também com o acesso conjunto de todo o resultado do progresso científico e tecnológico, assim como é fundamental o respeito

é importante enfatizar que qualquer política pública ou medida de regulamentação que vise fortalecer o desenvolvimento sustentável só será efetiva se contar com a legitimação da sociedade e esta só virá 413


Caderno de Experiências por meio de um processo amplo e profundo de conscientização e comprometimento do indivíduo com a coletividade. Para isso acontecer é necessário, além de uma mudança de base ideológica, que também os fazedores de política tenham claro para quem e para que estão planejando.

uma decisão superior o que pode ser solucionado em uma hierarquia inferior”. É dessa forma que os Comitês de Bacia tem autonomia de escolher quais as medidas adequadas de gestão de águas favorecem o desenvolvimento das pessoas em suas regiões específicas. Assim, eles são compostos por os seguintes representantes: da União; dos Estados e do Distrito Federal cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação; dos Municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; dos usuários de águas de sua área de atuação; e das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia (BRASIL, 1997). Segundo Ceará (2010), a legislação de águas no estado do Ceará, como exemplo, definiu a seguinte composição para os Comitês de Bacia em quatro setores: Usuários (30%); Sociedade Civil (30%); Poder Público Municipal (20%); e Poder Público Estadual/Federal (20%). É preciso definir, de acordo com Godoy (2007, p.7), quem são os usuários da água:

Assim, pode-se observar que a criação de Comitês de Bacia Hidrográfica determinada pela política brasileira de águas é um instrumento legítimo para engajar a sociedade no processo de implementação de políticas voltadas para a gestão dos recursos hídricos a fim de se promover o desenvolvimento sustentável. As pessoas, por meio de sua participação, são fundamentais para a efetivação desse desenvolvimento. De tal modo, é possível trazer a definição de Comitês de Bacias, de acordo com Ceará (2010, p.20): “são órgãos colegiados com atribuições consultivas e deliberativas, com atuação na Bacia ou Sub-bacia Hidrográfica de sua jurisdição”. São suas competências, de acordo com o artigo 38° da Lei n° 9.433/97: - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia; - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; - estabelecer mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir valores a serem cobrados; - estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo. É notável na lista acima de atribuições o quanto a participação nos Comitês de Bacia é fundamental para as decisões relativas aos usos das águas em suas respectivas bacias ou sub-bacias hidrográficas. O estabelecimento desses Comitês enfatiza ainda mais o fundamento da gestão descentralizada, já que segundo Campos (2003, p. 32), “o fundamento tem por base a premissa de que não se deve levar a

indivíduos, grupos, entidades públicas ou privadas que, em nome próprio ou no de terceiros, utilizam recursos hídricos como: a) insumo em processo produtivo; b) receptor de resíduos; c) meio de suporte de atividades de produção ou consumo. Por tanto, pode englobar pequeno empresário ou produtor e o grande industrial ou fazendeiro. Consequentemente, os usuários das águas são atores sociais distintos, com poderes econômicos e sociais e força de argumentação e conhecimentos diferentes.

Seguindo também a definição de sociedade civil. Segundo Borges et al (2011, p.3), a sociedade civil corresponde a grupos que “tornaram-se protagonistas da vida política na sociedade democrática”, assim como são “alternativas preferenciais na resolução de problemas locais”. Para Godoy (2007, p. 9): a sociedade civil é um novo componente fundamental no processo de gestão de recursos hídricos, pois ela nunca participou do processo anteriormente, salvo em alguns estados brasileiros pioneiros. Ela está representada no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, comitês de bacia e agências de

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Pesquisa em Foco bacia³ e em locais nos quais a legislação prevê.

afirma que as deliberações podem ser prejudicadas por conta da influência de políticos locais, prejudicando a participação, tornando-a monopolizada por grupos políticos que pouco se interessam pelas demandas das comunidades. Um exemplo disso pode ser citado por Campos (2012, p.282) onde o autor afirma que o Nordeste brasileiro é marcado por manipulações de participação, desde as antigas políticas públicas voltadas para a seca.

A Lei Federal de Águas ainda considera as organizações civis de recursos hídricos como (BRASIL, 1997): I – consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas; II – associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos; III – organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos hídricos; IV – organizações não-governamentais com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade; V – outras organizações reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos. Nesse sentido, e a partir das definições dos atores sociais que participam da gestão de águas, é possível observar que a legislação possibilita que uma variedade de pessoas se engaje em defesa dos recursos hídricos, a fim de construir conjuntamente com o Poder Público o desenvolvimento sustentável. São essas pessoas que tomarão as decisões mais importantes para a gestão de águas na sua região, em prol da proteção da água e do acesso democrático a ela de forma a proporcionar desenvolvimento econômico e social. Portanto, de acordo com Garjulli (2001), a legislação de águas preocupa-se com questões fundamentais, como exemplo: “o respeito às questões ambientais, a inserção da participação social no processo de gestão, o estabelecimento de regras, normas e procedimentos para o uso e preservação dos recursos hídricos” (GARJULLI, 2001, p. 14). Assim, nota-se que a participação social promovida através das políticas públicas de águas é um caminho relevante para o estabelecimento do desenvolvimento sustentável. Entretanto é necessário relatar que muitas críticas são feitas a essa participação. Garjulli (2001) afirma que existe uma grande lacuna na comunicação entre os órgãos do estado e a sociedade, pois falta uma melhor divulgação das ações na sociedade, o que acaba por a participação da população se tornar pouco sensibilizada. Além disso, a autora traz como exemplo a política estadual do Ceará, afirmando que o contexto da própria criação do Plano Estadual de 1992 não contou com ampla participação da sociedade, restringindo-se em sua maioria aos técnicos e pesquisadores acadêmicos. Godoy (2007) também faz críticas aos processos de gestão descentralizada, afirmando que a participação pode ocorrer em forma de imposição, assim como pode ocorrer o desrespeito à cultura das populações locais, o que pode inibir a população de participar. Godoy (2007) ainda

Nas políticas das secas, os atingidos pelo desastre, de tão fragilizados, não tinham condições de participar das decisões. As manifestações eram reivindicatórias por um direito básico de sobrevivência. Nas políticas atuais [...], a participação dos usuários vem sendo induzida pela instituição gestora.

Dessa maneira, é possível entender que o maior desafio na gestão de águas nos Comitês de Bacia é a superação desses interesses articulados que podem inviabilizar a participação social. Mesmo assim, diante desses impasses, cabe colocar que as pessoas são a chave para a implementação de políticas públicas que proporcionem o desenvolvimento sustentável. E se há uma ferramenta de participação legítima, como é o caso do Comitê de Bacia, é possível notar que arcabouço jurídico que permeia a política de águas torna-se fundamental para propor novos comportamentos da sociedade em função de uma gestão sustentável da água. Considerações Finais Finalmente, pode-se considerar que a legislação brasileira de águas, através da Lei n° 9.443/97 pôde modificar o sentido do que seja participação, pois como foi mostrado, a política de águas é pautada no envolvimento da sociedade como principal instrumento de acessibilidade e defesa dos recursos hídricos. Muitos são os desalinhos entre teoria e prática, arcabouço jurídico e sua implementação de fato. Entretanto é possível observar que a preocupação com a gestão de águas é grande, principalmente diante dos alarmes de escassez, e a legislação traz essa preocupação. Por isso que é muito importante que fale, mas que acima de tudo, que se divulgue e reflita sobre essa política pública, a fim de promover a sua devida efetivação. Nesse trabalho foi possível mostrar também que a efetividade dos Comitês de bacia são questionáveis por inúmeras razões, e a partir de uma análise da realidade dessas instituições pode-se questionar quem de fato são os participantes e para quem 415


Caderno de Experiências serve os Comitês de bacia. Tal resposta pode enfraquecer ou fortalecer a consolidação do conceito de desenvolvimento que foi apresentado neste artigo. Pode enfraquecer porque a participação social pode estar sendo inibida por uns, e suprimindo a liberdade de outras pessoas, deixando-as excluídas da participação em uma política que visa um processo de desenvolvimento sustentável. Ou, por fim, através de uma contínua consolidação de participação, pode fortalecer a interface da mesma com o desenvolvimento, fazendo com que as pessoas procurem mobilizar-se na proteção dos recursos hídricos, sentindo-se sujeitas dentro de um contexto político complexo e na busca de melhores condições de vida, nos âmbitos social, econômico e ambiental, como propõe o desenvolvimento sustentável.

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Caderno de Experiências

COMPOSIÇÃO QUÍMICA DE COMPOSTO ORGÂNICO A BASE DE USO DE RESÍDUO DE PEQUI (Cariocar coryaceum Wittm.).

1 Introdução

Tamires Coelho Matias Mestranda PRODER/UFCA tamires.coelho.matias@gmail .com

Francier Simião da Silva Junior Mestrando PRODER/UFCA eng.simiao@hotmail.com

Francisca Dayanne de Oliveira Alcantara Mestranda PRODER/UFCA annealcantara@alu.ufc.br

Môngolla Keyla Freita de Abreu Mestranda PRODER/UFCA abreumongolla@yahoo.com.b r

Celme Torres Ferreira da Costa Professora/UFCA celme@ufca.edu.br

Cláudia Araújo Marco Professora/UFCA clmarko@yahoo.com.br

momento da comercialização dos frutos in natura há geração de grande quantidade de resíduos oriundos principalmente das cascas dos frutos que são descartadas. Estes subprodutos poderiam ser beneficiados para contribuir com a renda da comunidade na entressafra, servindo de adubo orgânico e substrato para serem utilizados na preparação de mudas e produção de hortaliças em áreas de cultivos da agricultura familiar. Com tudo isso, objetivou-se com este trabalho ao avaliar o composto a base de casca de pequi.

A utilização de adubos orgânicos tem sido uma boa opção para reduzir os gastos com fertilizantes minerais, que permite obter, além do aumento na produtividade (Costa, 1994), um produto final de melhor qualidade, pois o uso desordenado de fertilizantes minerais pode prejudicar a saúde dos consumidores, além de onerar os custos de produção (SOUZA et al., 2005). Soma-se a isso o fato de que o uso de fertilizantes inorgânicos é pouco frequente, devido ao limitado poder aquisitivo dos produtores de baixa renda. Dentre as vantagens decorrentes do uso de adubos orgânicos, destaca-se o fornecimento de nutrientes de acordo com a exigência da planta, especialmente N, P, S e micronutrientes, sendo a única forma de armazenamento de N que não volatiliza. Responsável por 80% do P total encontrado no solo, é uma fonte de nutrientes mais completa e equilibrada para as plantas do que os adubos minerais, sem haver grandes perdas por lixiviação (PIRES E JUNQUEIRA, 2001; CARDOSO E OLIVEIRA, 2004). Na busca de um adubo orgânico que contribuísse na melhoria da qualidade das mudas e das plantas, o presente projeto trabalhou com cascas dos frutos do pequizeiro (Caryocar coriaceum Witt.), espécie que ocorre em uma vasta área do cerrado, abrangendo os estados da Bahia, Piauí, Ceará e Pernambuco e Maranhão (LORENZI, 1992). A Chapada do Araripe é uma região favorável à produção do pequi sendo que boa parte das famílias que residem nesse local mantém seu sustento através da atividade extrativista do pequi. Porém, após a sua safra, de dezembro a abril, a comunidade fica sem produção sendo que os homens vão para outros lugares em busca de emprego na agricultura convencional e as mulheres ficam em casa sem atividade produtiva geradora de renda. (OLIVEIRA et al., 2008) Uma alternativa promissora, ao qual se fundamenta este trabalho, seria a do aproveitamento dos resíduos orgânicos provenientes desta atividade, já que é observado no

2 Fundamentação Teórica A compostagem é conceituada por Mustin (1987) como a decomposição biológica da matéria orgânica sob condições controladas aeróbicas. Em contraste, a fermentação é a decomposição anaeróbica da matéria orgânica. Muitos fatores afetam o processo de compostagem e estão todos inter-relacionados nesse processo ecológico complexo. Em outra definição, IPT (2000) define compostagem como a decomposição aeróbica da matéria orgânica que ocorre por ação de agentes biológicos microbianos na presença de oxigênio e, portanto, precisa de condições físicas e químicas adequadas para levar à formação de um produto de boa qualidade. Com relação ao local de montagem das pilhas deve ser limpo e ligeiramente inclinado, para facilitar o escoamento de águas de chuva, próximo à fonte de água, das matérias-primas e das lavouras onde o composto será aplicado. Deve ter área suficiente para a construção das pilhas e espaço para seu revolvimento (SILVA, 2008). Segundo Silva (2008), para produção do composto o material deve ser disposto em camadas com cerca de 30 cm do material vegetal e em seguida outra de 5 (cinco) cm de restos animais, sempre alternando as camadas até a altura desejada. As leiras podem ser feitas com formato triangular ou trapezoidal e podendo ter um formato cônico. O formato mais 418


Pesquisa em Foco comum é o triangular, nesse caso a largura da leira estará associado à altura da leira. A leira deve estar sempre úmida, pois as bactérias necessitam de água para que tenham uma atividade potencializada. Essa umidade deve estar em torno de 30 a 70%, pois valores inferiores a esse, a fermentação é impedida e quando é maior, o ar do ambiente é expulso da leira. Pode-se verificar a quantidade de água apertando um pouco o material com a mão, se verter só um pouco de água estará bom. Essa deve ser a umidade do composto na leira para que os microorganismos, principalmente as bactérias, possa fazer uma degradação desejada para o composto orgânico final. Se a umidade não estiver dentro dos padrões, toda massa compostada pode ser perdida, portanto devemos ficar atentos para a disponibilidade de água na massa durante a compostagem (SILVA, 2008). No início, a compostagem está à temperatura ambiente e o meio é ligeiramente ácido, predominando os microrganismos mesofílicos capazes de viver e agir na faixa de temperatura de 25 a 45ºC. Esses microrganismos atacam as substâncias mais facilmente degradáveis, carboidratos simples e nitrogenados solúveis, gerando ácidos orgânicos simples, o que resulta numa diminuição do pH (SIQUEIRA, 2006). As reações de oxidação são exotérmicas, razão pela qual a temperatura da massa sobe, alcançando valores acima de 40ºC. A partir daí, passam a predominar os microrganismos termofílicos, provocando o aumento do pH, passando a alcalino. Quando a temperatura atinge os 55ºC, passam a atuar os microrganismos capazes de decompor as hemiceluloses, ceras e proteínas. A temperatura se eleva ainda mais, aproximadamente 65ºC, esterilizando ou matando sementes infestantes, esporos, ovos e quase todos os microrganismos patogênicos presentes na massa. A temperatura deve ser controlada para evitar que os microrganismos responsáveis pela estabilização do lixo sejam destruídos (SILVA et al., 2000). Segundo Kiehl (2002), à medida que se esgotam as substâncias de decomposição rápida, a intensidade das reações químicas diminui, assim como a temperatura da massa. A decomposição prossegue lentamente e a temperatura diminui até atingir temperatura ambiente. O pH também vai se aproximando do neutro. Está ultima etapa é chamada de maturação. O composto maturado apresenta coloração escura, amorfo, com aspecto de húmus e cheiro de terra. A relação de C/N do composto bioestabilizado situa-se por volta de 12/1 até 10/1, devido à perda de C, como fonte de energia pelos microrganismos, ser maior que a perda de N-amônio (BERNAL et al., 1998). Essa elevada perda de C faz com que a massa final do composto geralmente corresponda a cerca de 40 a 60% da sua massa inicial (LEAL, 2006).

De maneira geral, todos os restos orgânicos vegetais ou animais encontrados poluindo o meio ambiente nas propriedades agrícolas podem ser utilizados na fabricação de compostos. Atualmente, os materiais mais utilizados são: restolho de culturas; palhas e cascas (espiga de milho, arroz, palhada do feijão); vagem; bagaço de cana; palha de carnaúba; palha de café; serragem; sobra de cocheiras e camas de animais (SILVA 2008). O pequizeiro da espécie Caryocar coriaceum Wittm. é uma planta arbórea, pertencente à família Caryocaraceae, (FIGURA 2). Apresenta tronco grosso com até dois metros de circunferência e 12 a 15 metros de altura, revestido de casca escura, com galhos grossos, compridos e inclinados. Tem folhas opostas com folíolos ovais, verde-luzentes. As flores com coloração amarelo intenso e estames vermelhos são grandes e estão reunidas em cachos terminais. O fruto (pequi) é globoso, do tipo drupóide, formado por um epicarpo (casca) verdeamarelado, que recobre de um a quatro pirênios, conhecidos como caroços; o mesocarpo oleaginoso divide-se em externo (coriáceo carnoso) e interno (parte comestível amarelo-carnoso ou polpa), envolvendo o endocarpo lenhoso com espinhos delgados e agudos, sob o qual está a amêndoa branca ou semente, carnosa e também oleaginosa. O conjunto mesocarpo interno, endocarpo espinhoso e semente constituem o pirênio (SILVA; MEDEIROS-FILHO, 2006; MATOS, 2007). Figura 1. Fruto do Caryocar coriaceum Wittm.

Fonte: OLIVEIRA et al., 2008.

O pequizeiro exerce importante papel sócioeconômico na Chapada do Araripe e sertões vizinhos do Ceará, Pernambuco e Piauí. A polpa e amêndoa do pequi são altamente nutritivas e constitui-se em valioso recurso alimentar para a população dessas regiões. A principal utilização do fruto é o consumo direto do “caroço” em forma de “pequizada”, em cozidos de carne bovina e frango, no feijão e arroz. A polpa é utilizada na produção de geléias, doces e ração para animais. Da polpa fermentada, é produzido um tipo de licor bastante apreciado em algumas regiões do país (OLIVEIRA et al., 2008). A amêndoa é utilizada como ingrediente de farofas e paçocas, além de ser consumida salgada como petisco (DE LIMA et al., 419


Caderno de Experiências 2007). O óleo da amêndoa é utilizado na medicina popular, juntamente com mel de abelha, no tratamento de enfermidades como gripes, bronquites e infecções bronco-pulmonares, configurando assim um importante recurso na farmacologia popular (AGRA et al., 2007). No período da safra, que ocorre entre dezembro e abril, no Ceará, famílias inteiras da região do Cariri deixam suas casas e sobem à Chapada do Araripe para o trabalho de coleta dos frutos e extração, por fervura em água, do óleo de pequi, obtido da polpa do fruto, para comercialização ou para própria alimentação. O óleo é negociado nas feiras e casas de comércios da região, sendo adquirido geralmente para fins medicinais e culinários. Ao fim da safra, grande quantidade de amêndoas (sementes) é deixada no local ou também submetida à extração de óleo (MATOS, 2007). Não existe cultivo comercial de pequizeiro, e a sua exploração é, ainda, puramente extrativista. Sua madeira, de cor castanho-amarelada, também tem sido empregada para diversos usos, como berço de moendas, além de aplicações na construção civil e naval, em virtude de sua resistência. A casca, por meio de maceração, produz uma tintura castanhoescura, que é utilizada no tingimento artesanal (OLIVEIRA et al., 2008). A maioria das informações disponíveis na literatura refere-se à espécie C. brasiliensis, as quais auxiliam na compreensão das características e propriedades de C. coriaceum, em virtude da proximidade genética entre essas duas espécies (OLIVEIRA et al., 2008).A análise da composição química de C. brasiliensis revelou que a polpa apresenta alto teor de umidade (41,50%), além de lipídios (33,4%), carboidratos (11,45%), fibras (10,0%) e proteínas (3,0%). A amêndoa, por sua vez é rica em lipídios (51,51%), apresentando em sua composição proteínas (25,27%), carboidratos (8,33%), fibra alimentar (2,2%) e baixo teor de umidade (8,68%) e elevado teor elevado de minerais representado pelas cinzas (4,0%) (DE LIMA et al., 2007). A polpa e semente do pequi representam apenas 25% do fruto. Embora o epicarpo (casca) represente a maior parte do pequi (75%), há poucos estudos sobre esta parte do fruto, provavelmente por ser um resíduo rejeitado pela população (ROESLER et al., 2007).

O ensaio foi realizado no período entre novembro de 2012 a setembro de 2013. A Figura 2 mostra os locais em que foram desenvolvidos os experimentos. Figura 2 - Localização da área de estudo.

Fonte: Google Earth, 2013.

As coletas das cascas do pequi foram feitas através de visitas às feiras que comercializam os frutos existentes no município de Crato e Juazeiro do Norte, Ceará. As cascas foram postas para secar naturalmente a sombra, e em seguida armazenado em sacos de 40 Kg e levado para o campus de Agronomia onde tiveram seu tamanho reduzido com o auxílio de uma máquina forrageira, tesouras, facões etc., pois quanto maiores forem às partículas incorporadas na pilha, mais demorado será o processo da compostagem. Posteriormente esses resíduos foram levados para uma área previamente determinada para ser feita o processo de compostagem. Para enriquecimento do composto a ser formado e permitir uma equilibrada relação C/N (ao redor de 30), na mistura utilizou-se palhas oriundas de folhas e hastes de plantas infestantes presentes na área experimental além de esterco de gado bovino, conforme associações sugeridas por Costa (1994) sendo que as etapas da produção do composto orgânico foram realizadas conforme Silva (2008) (FIGURA 4). Figura 3 – Compostagem

3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi conduzido em uma área experimental da Universidade Federal do Cariri, distante aproximadamente 8 km da sede da cidade de Crato - CE, que se localiza no sopé da Chapada do Araripe no extremo-sul do estado e na Microrregião do Cariri Cearense. Com as coordenadas geográficas 7° 13´ 46´´ Sul, 39° 24´ 32´´ Oeste.

Fonte: Tamires Coelho, 2013.

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Pesquisa em Foco o Laboratório de Solos da Universidade Federal do Ceara – Campus do Pici, Fortaleza – CE.

Foi dado cuidado especial à umidade e temperatura do composto na leira para que os microorganismos pudessem fazer a degradação desejada para o composto orgânico final. Para isso foram executadas regas periódicas, tomando cuidado, para evitar o excesso de água que pode ser prejudicial. A constatação prática da temperatura desejável foi realizada mediante apalpamento, com as costas das mãos, em uma barra de ferro que se deixa fincada no material empilhado, a uma profundidade mínima de 50 cm. O revolvimento da leira foi feito periodicamente de acordo com a necessidade, sendo estabelecido o monitoramento, a cada dois dias, da temperatura e umidade. A maturação das medas ocorreu com 104 dias após a sua formação. Depois desse período o composto formado foi peneirado e reservado para ser utilizado nas etapas subsequentes. No final do processo da compostagem foi coletada uma amostra, para análise química é encaminhada para

4 Resultados e discussão No período de agosto a setembro de 2013, foi realizada à análise química do composto orgânico a base de resíduos de pequi, produzido entre novembro de 2012 e janeiro de 2013, segundo os métodos oficiais do Laboratório de Solo/Água da Universidade Federal do Ceará. Após o processo de compostagem o composto gerado foi analisado em relação aos teores de macro (g/Kg) e micronutrientes (mg/Kg) apresentados na Tabela 1. O nitrogênio (N) foi o elemento que mais se destacou entre os macronutrientes, seguido do cálcio (Ca). Em relação aos micronutrientes, o manganês (Mn) e o ferro (Fe) foram os que apresentaram maiores concentrações.

Tabela 1. Concentração de macro e micronutrientes no composto orgânico a base de resíduos de pequi, Crato-CE, 2013. Macronutrientes N P P2O5 K K2O Ca Mg S Na

Concentração (g/Kg) 13,2 2,4 5,4 7 8,5 10,3 6,1 0,4 2,0

Micronutrientes Fe Cu Mn Zn

Concentra ção (mg/Kg) 2083,9 24,2 221,9 76,7

Com base nos valores obtidos observou-se que o composto orgânico apresentou características químicas satisfatórias para uso na agricultura, com valores de 13,2 g/Kg de N; 5,4 g/Kg de P2O5 e 8,5 g/Kg de K2O. Cada tonelada de composto orgânico apresenta, em média, 27,1 kg de N+P2O5+K2O, 10,3 kg de Ca, 6,1 kg de Mg e 0,4 kg de S, além dos micronutrientes. Segundo Ribeiro et al. (1999) a fórmula de adubo químico usado para solos com baixa disponibilidade de nutrientes é a 150 kg/ha de N, 400 kg/ha de P2O5, 120 kg/ha de K2O, ou seja, 670 kg de NPK/tonelada de adubo químico, para um espaçamento de 30 x 30 cm em cova esses valores seriam 1,34g de N, 3,6g de P2O5 e 1,07g de K2O, ou 6,01g de NPK/Kg, esta mesma quantidade de N, P2O5 e K2O é encontrada respectivamente em 100, 700 e 200 g do composto orgânico analisado.

Considerações Finais

Journal of Pharmacognosy, v. 17, n. 1, p. 114-140, 2007.

Tais resultados asseguram o uso de composto orgânico à base de resíduos de pequi possuem características essenciais para cultivo e produção de mudas, contendo níveis satisfatórios de macronutrientes e micronutrientes indispensáveis para uma boa produção agrícola.

BERNAL, M.P.; PAREDES, C.; SANCHEZMONEDERO, M.A.; CEGARRA, J. Maturity and stability parameters of compost prepared a wide rage of organic waste. BioresourcesTechnology. v. 63, p. 191-199, 1998.

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AGRA, M.F.; FREITAS, P.F.; BARBOSA FILHO, J.M. Synopsis of the plants known as medicinal and poisonous in Northeast of Brazil. Brazilian 421


Caderno de Experiências COSTA, C.A. Crescimento e teor de metais pesados em alface (Lactuca sativa L.) e cenoura (Daucus carota L.) adubadas com composto orgânico de lixo urbano. Viçosa: MG, 1994. 95 p. Dissertação (Mestrado em Fitotecnia) – Universidade Federal de Viçosa, 1994.

MUSTIN, M. Le compost: Gestion de la matière organique. F. Dubusc. 1987. OLIVEIRA, M.E.B.; GUERRA, N.B.; BARROS, L.M.; ALVES, R.E. Aspectos agronômicos e de qualidade do pequi. Documentos, 113. Fortaleza: Embrapa Agroindústria Tropical, p. 32, 2008.

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RIBEIRO, A. C.; GUIMARÃES, P. T. G.; ALVAREZ V. V. H. Recomendações para o uso de corretivos e fertilizantes em Minas Gerais: 5ª aproximação. Viçosa, MG: Comissão de Fertilidade do solo do Estado de Minas Gerais, p.180, 1999.

KIEHL, E.J. Manual de Compostagem: maturação e qualidade do composto. 3. ed. Piracicaba, 2002. LEAL, M.A.A. Produção e eficiência agronômica de compostos obtidos com a palhadade gramíneos e leguminosos para o cultivo de hortaliças orgânicas. Tese de Doutorado,Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, Brasil, 2006.

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Pesquisa em Foco

CASA DE SEMENTES NA PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E RESGASTE DOS COSTUMES DO HOMEM DO CAMPO

1 Introdução

Francisca Dayanne de Oliveira Alcantara Mestranda PRODER/UFCA annealcantara@alu.ufc.br

Mikaelle Cavalcante de Brito Estudante de Especialização em Agroecologia, desenvolvimento rural sustentável e educação do campo/UFC mikaelly_jua@hotmail.com

Cícero Secifram da Silva Mestrando PRODER/UFCA secifram1@yahoo.com.br

Tamires Coelho Matias Mestranda PRODER/UFCA tamires.coelho.matias@gmail .com

Celme Torres F. da Costa Professora/UFCA celme@ufca.edu.br

Silvério de Paiva Freitas Junior Professor/UFCA silveriojr@ufca.edu.br

O objetivo desse trabalho foi avaliar o vigor e a viabilidade das sementes de milho crioulo coletadas nas casas de Sementes da Região do Cariri através do teste de germinação, verificando o tipo de armazenamento e a sua influência na viabilidade do material.

A cultura do milho (Zea mays) é extremamente rica em conhecimentos técnico-científicos, possuindo grande valor econômico e bom potencial para gerar renda a muitas famílias, principalmente a pequenos produtores. Em especial nas pequenas propriedades rurais do país, a cultura do milho é de grande importância, pois viabiliza o sistema produtivo pela agregação de valores ao produto e pela função do milho na alimentação humana e animal (MIRANDA, 2003). O Território da Cidadania do Cariri, correspondendo a uma área de 16.350,40 km² localizado na região sul do Estado do Ceará, zona semiárida, tendo como limites ao sul, o estado de Pernambuco; a oeste, o estado do Piauí; a leste, o estado da Paraíba e ao norte, os municípios de Aiuaba, Saboeiro, Jucás, Cariús, Cedro, Lavras da Mangabeira e Ipaumirim (BRASIL 2010). A Região é caracterizada pela prática da agricultura familiar, os agricultores possuem pequenas propriedades e a produção geralmente é para o próprio consumo e o excedente é comercializado em feiras agroecologicas. Algumas comunidades trabalham com o sistema de cooperativas e a maioria dos cooperados participa da revitalização da RIS (Rede de Intercâmbio de Sementes) que objetiva o fortalecimento das organizações comunitárias, o resgate de sementes crioulas importantes para a agricultura local, a segurança alimentar das famílias o que por fim torna o agricultor independente das sementes distribuídas pelo governo. Sementes crioulas são as sementes cuidadas e melhoradas sob o domínio das comunidades tradicionais. É fruto da evolução da natureza e do trabalho de diferentes povos (ALBARELLO et al, 2009). O resgate dessas sementes é importante para a manutenção da biodiversidade e por se tratar de materiais adaptados a condições locais adversas podem ser fonte de genes importantes para um programa de melhoramento.

2 Fundamentação Teórica 2.1 Fisiologia de germinação da semente As sementes são peculiares porque sua formação envolve três gerações do ciclo de vida das plantas, ou seja, a esporofítica, a gametofítica (formação dos gametas masculino e feminino) e a união dos gametas (fecundação) para a formação de um novo individuo, com a ativa participação de tecidos que se diferem em níveis de ploidia (MARCOS FILHO, 2005). A fecundação ocorre quando o grão de pólen alcança o estigma, aderem à sua superfície, graças às características da exina e das peculiaridades da superfície do estigma, que facilita a fixação do pólen. Em seguida, os grãos de pólen absorvem o líquido estigmático e “germina”, para formar tubos polínicos, que se desenvolve no interior do estilete até alcançar o ovário (CHASAN & WALBOT, 1993). Ao atingir o óvulo o tubo polínico se rompe liberando os dois núcleos espermáticos, sendo que um fecundará a oosfera, originando um zigoto e o outro se unirá aos dois núcleos polares, originando um tecido de reserva, o endosperma (3n), ocorrendo o processo conhecido como dupla fecundação e formaram a semente. Os elementos básicos da estrutura da semente são: tegumento, embrião e tecido de reserva. Do ponto de vista funcional, a semente é composta de uma cobertura protetora, um eixo embrionário e um tecido de reserva (POPININGIS,1985). O encerramento do período de repouso fisiológico é sucedido pelo início do processo de germinação, conceituado em maneiras diferentes, dependendo da forma de abordagem da questão. Entre os 423


Caderno de Experiências eventos temos a transformação do embrião em plântulas, ou a transformação de uma semente relativamente inerte em outra ativa e em crescimento, ou após a quiescência e com baixo teor de água há uma retomada nas atividades metabólicas, no crescimento e o início da formação da plântula. As atividades metabólicas da semente que culminam com a efetiva retomada de crescimento pelo eixo embrionário após absorver água pode ser representada pela Figura 1.

próprias. Hoje apenas agricultores familiares ainda mantêm essa tradição (WEID & DANTAS, 1998). A busca de incrementos de produtividade do milho, tanto pelos organismos oficiais tais como a EMBRAPA e as empresas de pesquisa estaduais, como também pelas empresas privadas como a Cargill, a Agroceres ou a Monsanto, esta orientada quase sempre para a produção de híbridos ou variedades melhoradas capazes de dar a máxima resposta aos adubos químicos que lhe são fornecidos. Para o agricultor se manter dentro do sistema da hoje denominada “agricultura moderna” é cada vez mais difícil, pois fazer parte tem que adquirir os pacotes tecnológicos, destinando altos investimentos na aquisição de novas tecnologias. As populações crioulas, também conhecidas como raças locais ou landraces, são materiais importantes para o melhoramento pelo elevado potencial de adaptação, que apresentam para condições ambientais específicas. Essas populações são importantes por constituírem fonte de variabilidade genética que podem ser exploradas na busca por genes tolerantes e/ou resistentes aos fatores bióticos e abióticos (ARAÚJO e NASS, 2002). É um material tradicionalmente cultivado pelas comunidades rurais, que hoje vêm passando por movimentos de resgate das práticas agrícolas, aliadas ao baixo custo de produção, via exploração da rusticidade dos materiais genéticos. Esse material tem sido trabalhado e difundido junto aos produtores rurais, principalmente em pequenas propriedades vinculadas à agricultura familiar e aos assentamentos rurais. A utilização das sementes crioulas vem sendo uma das saídas para o agricultor familiar, já que a sua produção não necessita de grandes investimentos, por se tratar de cultivares resistentes as adversidades e também o material estará disponíveis para quando caírem às primeiras chuvas serem semeadas. Na região do Cariri Cearense os agricultores vêm trabalhando junto com a instituição Cáritas Diocesana do Crato para revitalizar a RIS (Rede de Intercâmbio de Sementes) através da construção de Casas de Sementes e reorganização das já existentes com o objetivo de resgatar essas preciosidades para a agricultura. As casas de sementes ou Bancos de sementes são organizações comunitárias que tem como objetivo o armazenamento e abastecimento das sementes importante para agricultura local visando à autossuficiência. O surgimento no Brasil se deu na década de 70 por iniciativa da igreja Católica devido às fortes secas que maltratava os agricultores e pela repressão política que o povo sofria. O objetivo inicial era tornar o agricultor independente dos patrões. Além da possibilidade de autonomia, as

Figura 1. Padrão trifásico de captação de água pelas sementes durante a germinação

Fonte: Marcos Filho, 2005.

A Fase I é caracterizada pela rápida transferência de água do substrato para a semente, graças à diferença do potencial hídrico. Segundo Mac Donald et al. (1994), as sementes exalbuminosas podem atingir um teor de água entre 35 e 45%, enquanto as albuminosas podem variar de 25 a 35%. A Fase II do processo de embebição, o repouso pode ou não ocorrer. O efeito para o repouso pode ser devido à exaustão do substrato de reserva durante a Fase I pela respiração. Então, há uma necessidade de pausa para a formação e liberação de mais substratos para a síntese de enzimas (BEWLEY E BLACK, 1994). O início da Fase III torna-se visível a retomada de crescimento do embrião, é identificado pela protrusão da raiz primária, neste momento são formados o protoplasma e as paredes celulares, o que permite o crescimento e o desenvolvimento do eixo embrionário. Esta se trata de uma etapa alcançada somente em sementes vivas e não dormentes (CARVALHO E NAKAGAWA, 2000 e MARCOS FILHO, 2005). 3.4. Milho Crioulo Até a introdução das variedades melhoradas e híbridas, ocorridas de forma maciça a partir dos anos 70, todos os agricultores plantavam sementes 424


Pesquisa em Foco Casa de Sementes tornaram-se um importante espaço para realização de reuniões, conversas e debates sobre os problemas das comunidades. Para fazer parte os trabalhadores rurais têm que se associar e principalmente manter o compromisso com o trabalho coletivo. No Ceará a construção das Casas de sementes teve inicio em 1998 e era denominado como Rede de Intercâmbio de Sementes do Ceará (RIS Ceará). Com o passar dos anos os agricultores, por falta de

incentivos e organização acabaram abandonando, apenas alguns ainda resistiram e hoje estão ajudando a revitalizar essa rede que foi denominada de Rede de Intercambio de Sementes do Cariri – RIS Cariri. A tabela 1 mostra um levantamento das comunidades que faziam parte da RIS Ceará, detalhando o número de mulheres, homens, as casas ativas e desativadas.

Tabela 1: Levantamento das comunidades RIS Ceará Nº sócios/as Município

Crato

Várzea Alegre

Comunidade Batateira Jenipapo Vila São Francisco Riacho Fundo Eng. da Serra Ass. 10 de abril Chico Gomes Baixio das Palmeiras Triunfo Lagoa dos Faustinos São Vicente

Nova Olinda

Tabuleiro Fonte: Cáritas Diocesana do Crato - CE

Nome da casa Sr. dos Exércitos São José Padre Cícero Nova Produção N. S de Fátima Santa Inês P. Criação P. Criação N. S de Fátima Dona Joaninha

Situação atual das casas

Homens

Mulheres

Ativa

4 6 20 9 14 28 21 19 2 4 18

34 17

x x x

Desativada

x x x x x 34

x x x

Santa Inês

x

Atualmente as casas de sementes da comunidade Chico Gomes e Baixio das Palmeiras se encontram ativas, isso ocorreu através do trabalho de revitalização da RIS Cariri.

de umidade (figura 1- C e D) e colocadas no germinador tipo B.O. D sob temperatura de 25° C As avaliações foram realizadas aos quatro e sete dias contabilizando as plântulas normais (BRASIL, 2009). Os resultados foram expressos em porcentagem de plântulas normais. O cálculo do comprimento das plântulas foi obtido através da média de um total de 15 plantas de cada repetição.

3 Procedimentos Metodológicos O experimento foi conduzido no Laboratório de Biologia da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri localizada na cidade do Crato, teve inicio no dia 22 de março e término no dia 28 de maio de 2012. Para a realização do teste de germinação foram utilizadas sementes de milho crioulo das seguintes variedades Sabugo fino, Sabugo vermelho, Verdadeiro, Comum, Epamil, Ligeirinho e Antõe de Xande. Todas as variedades foram coletadas nas Casas de Sementes Senhor dos exércitos (Crato), Baixio das Palmeiras (Crato), Triunfo (Nova Olinda), Chico Gomes (Crato) localizadas na Região do Cariri. O teste de germinação foi realizado com 4 repetições de 50 sementes de cada lote, foram semeadas sobre duas folhas de papel toalha Germitest, umedecidas com água destilada em quantidade equivalente a 2,5 vezes a massa (g) do papel seco (figura 1- A e B). Depois de umedecidas foram enroladas e colocadas dentro de béquer ficando na posição vertical e cobertos com plásticos de polietileno transparente evitando a perca total

A

B

C

D

Os dados foram avaliados através do programa Genes (2009) e submetidos à análise de variância 425


Caderno de Experiências de acordo com o modelo estatístico Yij = μ + gi + bj + ij, onde é a média, bj é o efeito da j-ésimo bloco, gi é o efeito fixo do i-ésimo genótipo, ij é o erro experimental. As médias da taxa de germinação foram avaliadas pelo teste Tukey a 5% de probabilidade. Para a confecção dos gráficos foi utilizado o programa Microsoft Office Excel 2007. Para o armazenamento das sementes os agricultores utilizaram garrafas do tipo PET, e as mesmas ficavam dispostas em estantes no interior das Casas de Sementes.

4 Resultados e discussão Pode-se verificar na tabela 3, que houve diferenças significâncias a 1% de probabilidade pelo teste F na fonte de variação variedade para as características comprimento da parte aérea (CPA), comprimento de raiz (CR) e percentual de germinação (%GERM). Esses resultados indicam que as sete variedades de milho crioulo estudadas apresentaram comportamentos diferentes para todas as características.

Figura 4 – sementes armazenadas em garrafas PET

Tabela 3 – Quadrados médios, médias e coeficientes de variação experimental de quatro características avaliadas no laboratório em variedades crioulas coletadas em casas de sementes na região do Cariri Cearense

FV

QM/1 CR

%GERM

GL

CPA

Bloco

3

0,5362

0,2559

34,0952

Variedades

6

10,7532

21,3234**

522,1428**

18

0,4968

1,2665

46,2063

Média

7,10

13,20

86,42

CVe (%)

9,91

8,52

7,86

Resíduo

**

* = Significativo no nível de 5 % de probabilidade; ** = Significativo no nível de 1 % de probabilidade. CPA= Crescimento parte aérea; CR= Crescimento radícula.

27,63% para %CE, as duas características restantes tiveram CV(%) inferiores a 10%, indicando que o experimento teve boa condução. Os maiores valores do coeficiente de variação foram expressos para a característica %CE com magnitude percentual de 27,63%. As médias da porcentagem de germinação nos testes de germinação e primeira contagem, bem como do comprimento da raiz primária e da parte aérea das plântulas das variedades avaliadas encontram-se na tabela 4. As sementes da variedade Antõe de Xande apresentaram maior percentual de plântulas normais na primeira contagem do teste de germinação enquanto que a variedade Verdadeiro apresentou diferença significativa ao nível de 5% de probabilidade pelo teste de Tukey em relação às demais, esta obtendo menor percentual de germinação.

O coeficiente de variação experimental (CV) constituiu-se numa estimativa do erro experimental, em relação a média geral do ensaio, e é uma estatística muito utilizada como medida de avaliação da qualidade experimental. Considera-se que quanto menor for o coeficiente de variação experimental maior será a precisão do experimento, e quanto maior a precisão experimental, menores diferenças entre as estimativas serão significativas. Cargnelutti Filho e Storck (2007) avaliando estatísticas de precisão experimental, concluíram que o coeficiente de variação experimental e a diferença mínima significativa, pelo teste tukey expresso em porcentagem da média, estão associados à média e à variância residual e são estatísticas adequadas para a classificação de experimentos com médias semelhantes. Neste experimento, houve valores de coeficientes de variação oscilando de 7,86% para %GERM, a

426


Pesquisa em Foco

Tabela 4 - Teste Tukey a 5% de probabilidade para seis características avaliadas em sete variedades crioulas coletadas em casa de sementes na região do Cariri. Médias Características1

Tratamentos PA

PR

%GERM

Sabugo Fino

8,00

b

15,64

a

93.00

a

Comum

6,30

cd

14,38

ab

91.00

a

C. Sabugo Vermelho

6,80

bc

12,98

bc

92.50

a

Epamil

6,52

bcd

11,59

c

88.00

a

Verdadeiro

5,00

d

8,91

d

63.00

b

Ligueirinho

10,20

a

14,94

ab

81.00

a

Antôe de Xande

6,89

bc

13,98

abc

96.50

a

Em relação ao percentual de germinação houve diferença significativa pelo teste de Tukey ao nível de 5% da variedade Verdadeiro em relação às demais que não diferenciaram entre si. Dando destaque a variedade Antõe de Xande com valor de 96,5% de germinação sendo economicamente mais vigorosa. De acordo com os resultados obtidos à variedade Verdadeiro nesse lote de semente se mostrou serem inviáveis e de menor vigor. No que diz respeito ao comprimento da raiz primária, as sementes da variedade Verdadeiro foi a que obteve menor comprimento diferenciando das demais variedades. Nos níveis intermediários, as sementes da variedade Sabugo fino apresentaram maior comprimento da radícula, enquanto que não houve diferença significativa ao nível de 5% de probabilidade no comprimento radicular das plântulas entre as variedades Sabugo fino, Comum, Ligeirinho e Antõe de Xande. Em relação ao comprimento da parte aérea, as plântulas da variedade Ligeirinho apresentaram os maiores valores e as da variedade verdadeiro teve o menor valor. As variedades Sabugo fino e Ligeirinho apresentaram o melhor crescimento da parte aérea e da raiz, indicando que estas cultivares apresentaram crescimento e desenvolvimento iniciais mais rápidos do que as outras variedades sendo assim mais vigorosas. A variedade Verdadeiro mostrou resultado abaixo do ideal para as duas características avaliadas, o que não favorecerá o crescimento destas plantas em um ambiente com maior competição com plantas daninhas em busca de água e nutrientes, ou seja, as características de raiz e parte aérea não foram satisfatória sendo assim consideradas sementes de menor vigor.

Na figura 5 encontram-se o percentual total de germinação e de plântulas normais. Esta avaliação é realizada em conjunto com o teste padrão de germinação, registrando a porcentagem de plântulas normais, na data prescrita pelas Regras para Análise de Sementes (Brasil, 2009) para primeira contagem do teste de germinação. Observando os resultados da figura 5, mostram que as variedades obtiveram valores acima de 90% de germinação. Comparando com o percentual de plântulas normais deste total geminado verifica-se que as variedades Sabugo fino, Comum, Comum sabugo vermelho e Antõe de Xande se mantiveram com o percentual acima dos 90% enquanto que as variedades Epamil e Ligeirinho ficaram na faixa dos 80%. Todas essas variedades são consideradas materiais viáveis e com um ótimo percentual germinativo. A variedade Verdadeiro foi que obteve menor percentual germinativo de 91%, desse total quando contabilizados as plântulas normais o valor caiu para 69,23% havendo uma grande perda na viabilidade do material em estudo. Figura 5 - Percentual de germinação total e plântulas normais 120

Valores(%)

100 80 60 40 20 0 1

2

3

4

5

Tratamentos

427

6

7

Germinação total Plântula normal


Caderno de Experiências ARAÚJO, E.F.; BARBOSA, J.G. Influência da embalagem e do ambiente de armazenamento na conservação de sementes de palmeira (Phoenix loureiri Kunth). Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v.14, n.1, p.61-64, 1992.

O tipo de armazenamento não influenciou nos resultados do teste de germinação em vista que todas eram armazenadas da mesma maneira e 85,7% dos materiais avaliados se mantiveram com um alto nível de germinação. Em resultados obtidos por Oliveira et al (2009) as sementes acondicionadas em garrafa PET, independentemente da cultivar, mantém a umidade inicial das sementes durante todo o período de armazenamento, provavelmente devido a embalagem PET ser considerada impermeável. Resultados semelhantes foram encontrados por Alves & Lin (2003) Caneppele et al. (1993) Condé & Garcia (1995), Crochemore (1993), Araújo & Barbosa (1992) e Amaral & Baudet (1983), trabalhando com sementes de algodão, capim andropógon, tremoço azul, feijão, palmeira e soja, respectivamente. Esses resultados mostram que os agricultores estão armazenando o seu material de forma correta.

ARAÚJO, P.M; NASS, L.L. Caracterização e Avaliação de populações de milho crioulo. Scientia Agricola, v.59, n.3, p.589-593, jul./set. 2002. Disponível em: <http//:www.scielo.br/pdf/sa/v59n3/10595.pdf >. Acesso em 20 de abril 2012. BEWLEY, J.D.; BLACK, M. Seeds: Physiology of Development and Germination. New York: Plenum Press. 445p., 1994. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Glossário Ilustrado de morfologia. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Brasília: MAPA/ACS, 2009a, 406p.

Considerações Finais BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Regras para análises de sementes. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Brasília: MAPA/ACS, 2010b, 399p.

Concluí-se que das sete variedades avaliadas seis obtiveram um bom percentual de germinação mostrando que as sementes crioulas armazenadas pelos agricultores são materiais viáveis e vigorosos principalmente no parâmetro crescimento da raiz. As condições de armazenamento feitas pelos produtores da região do Cariri são adequadas por apresentarem baixo teor de umidade nas sementes.

CANEPPELE, M.A.B.; SILVA, R.F.; ALVARENGA, E.N.; CAMPELO JÚNIOR, J.H.; CAPPELLARO, C., BAUDET, L.M.; PESKE, S.T.; ZIMMER, G. Qualidade de sementes de feijão armazenadas em embalagens plásticas resistentes a trocas de umidade. Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v.15, n.2, p.233-239, 1993.

Referências A. Cargnelutti Filho.; L. Storck. Estatísticas de avaliação da precisão experimental em ensaios de cultivares de milho. Pesq. agropec. bras., Brasília, v.42, n.1, p.17-24, jan. 2007.

CARVALHO, N.M.; NAKAGAWA, J. Sementes: ciência, tecnologia e produção. 4ed. Joboticabal: Funep, 2000, 588p.

ALBARELLO, J. E.; SILVA, T. M. DA; GÖRGEN, S. CASA DE SEMENTES CRIOULAS Caminho para a Autonomia na Produção Camponesa. Instituto Cultural Padre Josimo. Porto Alegre, Setembro 2009.

CHASAN, R. & WALBOT, V. 1993. Mechanisms of plant reproduction: questions and approaches. The Plant Cell 5:1139-1146.

ALVES, A.C.; LIN, H.S. Tipo de embalagem, umidade inicial e período de armazenamento em sementes de feijão. Scientia Agraria, Piracicaba, v.4, n.1, p.21-26, 2003.

CONDÉ, A.R.; GARCIA, J. Efeito do tipo de embalagem sobre a conservação das sementes do capim andropógon (Andropogon gayanus). Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v.17, n.2, p.145-148, 1995.

AMARAL, A.; BAUDET, L.M. Efeito do teor de umidade da semente, tipo de embalagem e período de armazenamento, na qualidade de sementes de soja. Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v.5, n.3, p.27-36. 1983.

CROCHEMORE, M.L. Conservação de sementes de tremoço azul em diferentes embalagens. Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v.15, n.2, p.227-232, 1993. FEALQ, 2005. p. 495. 428


Pesquisa em Foco MARCOS FILHO, J. M. Fisiologia de sementes de plantas cultivadas. Piracicaba: 2005. MIRANDA, G.V. Melhoramento de milho nas Universidades. Anais do simpósio sobe melhoramento e Perspectivas do milho. Lavras, 2003.

SEMENTES, 4., 1985, Brasília. Fisiologia da semente... Brasília: AGIPLAN, 1985. p.157. 289p. WEID, J.M.; DANTAS,R. Impactos potenciais do programa de sementes de milho crioulo. In: SOARES,A.C. et al.(Orgs). Milho crioulo: conservação e uso da biodiversidade. Rio de Janeiro: AS-PTA,1998. Cap.1,p.13-18.

OLIVEIRA,M.T.R. de et al. Qualidade fisiológica e potencial de armazenamento de sementes de carambola. Revista Brasileira de Sementes, Londrina, v.31, n.2, p. 236-244, 2009. POPINIGIS, F. Controle de qualidade de sementes. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE

429


Caderno de Experiências

ASSISTÊNCIA TÉCNICA RURAL PARTICIPATIVA COMO PROPOSTA PARA AGRICULTURA FAMILIAR NO CARIRI CEARENSE

1 Introdução

Francier Simião da Silva Junior Mestrando PRODER/UFCA eng.simiao@hotmail.com

Tamires Coelho Matias Mestranda PRODER/UFCA tamires.coelho.matias@gmail .com

Mongolla Keyla Freitas de Abreu Mestranda PRODER/UFCA abreumongolla@yahoo.com. br

Francisca Dayanne de Oliveira Alcantara Mestranda PRODER/UFCA annealcantara@alu.ufc.br

Celme Torres Ferreira da Costa Professora/UFCA celmetorres@gmail.com

Cláudia Araújo Marco Professora/UFCA clmarko@yahoo.com.br

difícil pela linguagem utilizada e a forma em que ela é posta ao mesmo. Segundo O’Connor e Seymour (1995, p.33), “quando nos comunicamos com outra pessoa, percebemos sua reação e reagimos de acordo com nossos sentimentos e pensamentos. Nosso comportamento é gerado pelas reações internas àquilo que vemos e ouvimos”. Com isso, a forma dos técnicos e agricultores se comunicar, pode se desdobrar-se numa relação bidirecional, facilitando o ato comunicativo do/a técnico/a x agricultor/a, somando experiências construtivas no conhecimento de ambos. Tomando como base também, a proposta de Freire, que aborda a utilização do diálogo como meio da socialização de ideias capazes de gerar nos indivíduos uma mudança comportamental, ou seja, a ação. Este diálogo é uma comunicação bidirecional na qual todos os envolvidos têm direito a voz. Esse tipo de voz, é o queremos transmitir com esse trabalho, a partir de uma metodologia participativa, constituída por aqueles envolvidos dentro da construção da experiência, em que cada um/uma entra com a importante parcela dos resultados de sua produção no campo, ou seja, unindo teoria e prática com participação integral dos beneficiados, trazendo o fazer “conjunto”. Descartando a frase; “eu te ensino e tu tentas fazer”. E outras que ainda encontramos em uma assistência moldadas na voz opressora. Com tudo isso, o trabalho tem o objetivo de lançar a proposta de assistência técnica rural participativa, como alternativa de construção conjunta das experiências nas dinâmicas da agroecologia para comunidades rurais do Território do Cariri cearense.

Trataremos aqui a assistência técnica rural participativa, como uma alternativa de obter melhores crescimentos no diálogo com agricultores, e assim poderemos focar na agroecologia como uma proposta para a sustentabilidade no Cariri cearense. O desenvolvimento sustentável é uma nova perspectiva do conceito de desenvolvimento, discutida em 1987, durante a realização de assembleias da ONU na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e formalizado conforme (Relatório Brundtland, 1991, p.46). Este considera como sendo "aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”. Nessa perspectiva, é preciso ressaltar a participação da Agricultura Familiar (AF) - categoria social que tem como base de trabalho a família na execução de suas atividades econômicas, a qual está inserida nesse processo de sustentabilidade, com a adoção de sistemas de produção que se retroalimentam (poucos insumos externos) e por isso internalizam a produção. A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), oficial e institucionalmente consiste em serviços de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, cujo objetivo é a promoção de processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não-agropecuários da agricultura familiar, inclusive, das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais (Lei 12.188, 2010). Em relação à sua missão, a ATER mais do que simplesmente levar assistência técnica para ampliar a produção, caracterizar-se como uma agência de desenvolvimento capaz de contribuir para despertar o conjunto das energias capazes de fazer do meio rural um espaço propício na luta contra a exclusão social (ABRAMOVAY, 1998). Mas, uma das dificuldades nesse tipo de assistência hoje é o dialogo com o agricultor/a, que se torna ainda mais

2 Fundamentação Teórica O Território da Cidadania do Cariri, corresponde a uma área de 16.350,40 km², localizado na região sul do Estado do Ceará, zona semiárida, tendo como limites ao sul, o estado de Pernambuco; a oeste, o estado do Piauí; a leste, o estado da Paraíba 430


Pesquisa em Foco e ao norte, os municípios de Aiuaba, Saboeiro, Jucás, Cariús, Cedro, Lavras da Mangabeira e Ipaumirim. O território abrange 28 municípios, divididos – por sua vez – em três microterritórios, a saber: Micro – Território Cariri Central com uma área de – aproximadamente – 5.099,7 km², formado por Abaiara, Barbalha, Caririaçu, Crato, Farias Brito, Grangeiro, Jardim, Juazeiro do Norte, Missão Velha e Várzea Alegre.

Micro – Território Cariri Leste, que possui uma área de – aproximadamente – 4.656,1 km², com os municípios de Aurora, Barro, Brejo Santo, Jati, Mauriti, Milagres, Penaforte e Porteiras; Micro – Território Cariri Oeste, com uma área de – aproximadamente – 5.186,1 km² é formado pelos municípios de Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Campos Sales, Nova Olinda, Potengi, Salitre, Santana do Cariri e Tarrafas.

Tabela 1 - População no Território do Cariri. MUNICÍPIO Abaiara Altaneira Antonina do Norte Araripe Assaré Aurora Barbalha Barro Brejo Santo Campos Sales Caririaçu Crato Farias Brito Grangeiro Jati Jardim Juazeiro do Norte Mauriti Milagres Missão Velha Nova Olinda Penaforte Porteiras Potengi Salitre Santana do Cariri Tarrafas Várzea Alegre Cariri Ceará

POPULAÇÃO URBANA 4.138 4.485 4.657 12.851 10.117 10.873 34.133 12.006 24.346 18.309 11.797 92.884 8.091 1.312 2.224 15.617 230.831 21.277 11.508 14.617 7.750 5.517 5.093 3.968 5.818 8.955 2.203 21.997 607.375 6.388.499

POPULAÇÃO RURAL 6.089 1.932 2.104 8.363 11.499 13.607 16.253 8.667 15.267 7.244 14.528 18.314 11.153 3.619 5.046 10.193 11.308 20.402 15.847 19.073 5.224 2.198 9.699 5.702 9.980 8.619 6.531 15.743 284.203 1.969.877

POPULAÇÃO TOTAL 10.227 6.417 6.761 21.214 21.616 24.480 50.386 20.673 39.613 25.553 26.325 111.198 19.244 4.931 7.270 25.810 242.139 41.679 27.355 33.690 12.974 7.715 14.792 9.670 15.798 17.574 8.734 37.740 891.578 8.358.376

FONTE: IBGE (2007).

Participação da Agricultura Familiar

estabelecimentos são da agricultura familiar, correspondendo a uma área de 399.639 hectares. Já agricultura considerada não familiar apresenta 5.463 estabelecimentos, correspondendo a uma área total de 353.631 hectares.

O Território do Cariri apresenta, conforme Tabela 2, um total de 57.493 estabelecimentos da agricultura familiar. Deste total, 52.030

Tabela 2: Número de estabelecimentos e área das propriedades rurais dos agricultores familiares e agricultores individuais do Território do Cariri Cearense. AGRICULTUROR FAMILIAR MUNICÍPIO

AGRICULTOR INDIVUDUAL

Nº DE ESTABELECIMENTOS

ÁREA (ha)

Nº DE ESTABELECIMENTOS

ÁREA (ha)

ABAIARA

755

4.651

52

3.632

ALTANEIRA

501

2.747

9

521

431


Caderno de Experiências ANTONINA DO NORTE

487

7.149

68

7.078

ARARIPE

1.717

24.264

89

30.456

ASSARÉ

2.239

30.995

184

19.217

AURORA

2.984

31.754

260

28.727

BARBALHA

2.127

6.758

164

14.409

BARRO

2.069

22.843

161

16.788

BREJO SANTO

1.598

13.640

230

13.695

CAMPOS SALES

1.342

24.177

204

11.622

CARIRIAÇU

3.072

10.105

458

21.930

CRATO

3.003

10.579

321

21.195

FARIAS BRITO

2.156

13.267

70

9.015

GRANGEIRO

620

2.874

23

1.247

JATI

480

8.833

44

15.134

JARDIM

3.400

12.899

159

9.301

JUAZEIRO DO NORTE

1.699

4.119

428

8.377

MAURITI

3.113

26.165

288

14.900

MILAGRES

2.554

14.556

257

13.374

MISSÃO VELHA

3.469

13.622

780

23.419

NOVA OLINDA

853

6.111

66

2.934

PENAFORTE

491

5.576

76

4.008

PORTEIRAS

1.387

7.565

190

8.578

POTENGI

1.050

10.679

52

6.502

SALITRE

1.909

29.336

204

10.931

SANTANA DO CARIRI

1.544

17.234

136

14.693

TARRAFAS

1.589

12.365

95

6.158

VARZEA ALEGRE

3.822

24.776

395

15.790

TOTAL GERAL

52.030

399.639

5.463

353.631

FONTE: IBGE (2007).

Em relação à agricultura familiar, a Tabela 3 apresenta o número de agricultores familiares no Território. Com base nisso, o Território do Cariri apresenta um efetivo de 29.141 agricultores familiares, correspondendo a 8,53% do total de agricultores do Estado do Ceará, cujo total corresponde a 341.510 agricultores familiares.

Observa-se também que a maior concentração de agricultores encontra-se nos municípios de Várzea Alegre, com 3.822 agricultores; Missão Velha, com 3.469 agricultores; Jardim, com 3.400 agricultores e Mauriti, com 3.113 agricultores.

Tabela 3: Quantidade de agricultores familiares na região. MUNICIPIO

Nº DE AGRICULTORES FAMILIARES

ABAIARA ALTANEIRA ANTONINA DO NORTE ARARIPE

755 501 487 1.717

432


Pesquisa em Foco ASSARE AURORA BARBALHA BARRO CAMPOS SALES CARIRIACU CRATO FARIAS BRITO GRANJEIRO JARDIM JATI JUAZEIRO DO NORTE MAURITI MILAGRES MISSAO VELHA NOVA OLINDA PENAFORTE PORTEIRAS POTENGI SALITRE TARRAFAS VARZEA ALEGRE TOTAL Fonte: FNDE e SAF/MDA (2009)

2.239 2.984 2.069 1.342 3.072 2.156 620 3.400 480 1.699 3.113 2.554 3.469 853 1.387 1.050 1.909 1.589 3.822 48.888

O Território da Cidadania do Cariri apresenta-se rico em diversos espaços e formas de organização social e política da sociedade civil, retratado nos movimentos social-sindical e popular, fóruns temáticos ou de representação, ONGs, conselhos setoriais e municipais, comitês de mulheres e juventude e redes sociais de cooperação, entre outros. Outro elemento de diagnóstico refere-se à existência de uma esfera pública territorial, compreendida como “lócus” de visibilidade, interlocução e condução política com seus novos conteúdos de democratização social e de cultura política. A eficiência das estratégias de desenvolvimento territorial rural tem se tornado uma preocupação permanente dos atores sociais (políticos, técnicos, líderes sociais, beneficiários) no sentido do enfrentamento das múltiplas dificuldades e da insuficiência dos resultados que se observa na implantação das políticas públicas. Constata-se que a ausência de mecanismos de participação, sinergia, articulação e cooperação entre os atores públicos têm implicações, em maior ou menor grau, na coordenação da ação pública e na participação social, reduzindo à qualidade do gasto público, a credibilidade das instituições, a confiança dos atores sociais no Estado, a relação custo-benefício de programas e projetos, gerando dúvidas sobre as formas e instrumentos de controle social para a gestão de políticas públicas.

Território do Cariri Cearense; Crato, Novo Olinda, Santana do Cariri, Milagres e Potengi. Visando dentro de sua metodologia mediar à técnica somada com o conhecimento popular, na preservação do meio ambiente, no gerenciamento dos recursos hídricos, segurança alimentar e geração de renda através das produções agrícolas e não agrícolas. As comunidades que são beneficiadas com essa assistência nessas cinco cidades, têm como instituição proponente a Associação Cristã de Base – ACB, é uma Organização Não Governamental – ONG e pioneira nesse acompanhamento diferenciado na região. O Quadro 1 revela as comunidades e os municípios envolvidos. Quadro 1: Municípios e as respectivas comunidades onde residem as famílias beneficiadas com a assistência técnica rural participativa. MUNICÍPIO

CRATO

COMUNIDADE RIACHO FUNDO BREJINHO AREIA ASSENTAMENTO 10 DE ABRIL SÃO VICENTE COQUEIRO

SOZINHO CATOLÉ LAGOA DOS PATOS NOVA OLINDA TABULEIRO BARREIROS MAMÃOS

3 Procedimentos Metodológicos A assistência técnica rural participativa, no âmbito do trabalho, é aplicada em cinco municípios do

SANTANA DO CARIRI

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CAJUEIRO LÍRIO


Caderno de Experiências

MILAGRES

fala, e não para provocar reações meramente submissas ou impostas.

VALDEVINO CANTINHO CANEIRA/SERRARIA MANDACARU VILA PILAR MORORÓ SOL NASCENTE OITIS LUCIANO CATOLÉ

O enfoque se dá sobre a realidade das famílias de agricultores/as em cada comunidade ou espaço inserido, problematizando os fatos concretos vivenciados nas comunidades e ao seu redor. Dá-se um especial cuidado à abordagem participativa de temas trabalhados cujos resultados devem ser o crescimento horizontal dos agricultores/as, sempre buscando envolver nesse conjunto o público de mulheres e jovens, fortalecendo suas organizações sociais (associações, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, grupos de mulheres, de jovens, igrejas). Nessa metodologia, a ênfase maior é dada na prática constante do diálogo que facilita a animação, os processos coletivos de construção do conhecimento, a elevação da autoestima das famílias. Freire (1996) ressalta a importância do silêncio no espaço da comunicação, pois quem ouve como sujeito e não como objeto, a fala de quem comunica, deve procurar penetrar no que ele chama de movimento interno do seu pensamento, virando linguagem e de outra forma, torna possível a quem fala, escutar a indagação, a dúvida e a criação de quem escutou. Assim, para Freire o dialogo só é possível quando se dá espaço a resposta para construção das experiências. O trabalho que se apresenta a assistência técnica rural participativa é baseada nessa prática onde se adequa as diversas temáticas da agroecologia desde as noções básicas, trato e uso do solo, diversidades de cultivos, recuperação de solos, da vegetação ciliar e nativa, criação de pequenos animais; numa perspectiva de convivência e respeito com a natureza. Aliada a isso, a valorização, o resgate de valores sociais na família e na comunidade, a perspectiva de organização e fortalecimento do que já existe. O conhecimento da cultura local são aspectos bastante importantes e que trabalhando e sensibilizando os/as agricultores/as para a conservação desses valores. Essa metodologia teoria-prática, através do diálogo aberto entre os/as agricultores/as, jovens e mulheres, possibilitando a abordagem de temas agroecológicos, de gênero, e políticas públicas de que trata a proposta de convivência com o semiárido. Assim esse tipo de assistência vai de acordo com essa metodologia, utilizando dinâmicas participativas que facilitarão a sensibilização, o engajamento e o diálogo, aspectos necessários para a apreensão dos conhecimentos e das práticas por parte dos agricultores/as. A inteiração técnico/a x agricultor/a envolve temas do dia-a-dia de ambos, sequenciada que oportunizem a apreensão dos conhecimentos necessários para dinamizar, ampliar, facilitar e

4 MUNICÍPIOS 26 COMUNIDADES Fonte: SILVA JUNIOR (2014).

A interação entre técnico e agricultor, destaca-se a busca da produção agroecológica, da difusão de tecnologias sociais, da igualdade de gênero e da etnia. As informações sobre a eficácia dessa assistência se deteve de forma qualitativa, com depoimentos e observação visual das atividades individuais e coletivas. Destacando essa metodologia que proporcione ações nas perspectivas de convivência e novas oportunidades para esse semiárido rico em vida. A capacitação e formação de agricultores/as é foco nessa evolução da assistência, dinamizando uma proposta metodológica participativa que envolve técnicos de inteirações diretas e conjuntas com os agricultores. Essa prática metodológica participativa é de atuação junto a agricultores/as familiares das comunidades rurais, tem-se como fonte e embasamento teórico os escritos de Paulo Freire, pedagogo brasileiro, cuja ação pedagógica é conhecida mundialmente. Nessa perspectiva, tratase com especial atenção as relações de gênero, necessidade do equilíbrio e da igualdade nas famílias. Na perspectiva da participação conjunta e construção do conhecimento, se reflete em uma metodologia da teoria-prática valorizando os saberes dos agricultores/as em seu fazer cotidiano. O conhecimento da realidade é necessário a partir da visão dos atores envolvidos. Cada pessoa carrega consigo seu saber e este deve ser valorizado para que se sensibilize o ator inserido, a fim de que se estabeleça a comparação, a construção de experiência, a troca e o crescimento de cada ser. A nossa fala e a daqueles e daquelas que conosco dialogam deve ser instigante, ao invés de apassivadora. “[...] quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que, quem escuta diga, fale, responda” (FREIRE, 1996, p.117). É preciso que falemos para obter respostas pelo desafio expresso em nossa

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Pesquisa em Foco conseguir bons resultados em suas áreas produtivas. A partir das iniciativas dos agricultores /as e da capacidade dos técnicos ao abordar esses temas no desenvolvimento das atividades com apreensão de conhecimentos sequenciados que resultarão em benefícios reais para os agricultores/as possibilitando a melhoria da qualidade de vida, a segurança alimentar e nutricional, e a ascensão gradativa da cidadania.

toda a família. A Figura 2 mostra o envolvimento de todos/as nas capacitações teoria/prática contido nos moldes da assistência técnica rural participativa, através da implementação do Sistema de Produção Agroecológica Integrada Sustentável – PAIS.

4 Resultados e discussão Os resultados dessa assistência na região do Cariri são moldados por uma instituição que capacita seus técnicos e técnicas para esse tipo de assistência técnica. A ACB é umas das principais organizações da sociedade civil da região do Cariri. Nascida em 1982, auxilia trabalhadores/as rurais apresentando técnicas e criando tecnologias que ajudam os/as agricultores a terem melhor produção e convívio com o semiárido. A instituição, então passou a ser referência na difusão da técnica de agroflorestas, construindo junto com as famílias rurais, ações sustentáveis de combate à desertificação do solo no semiárido brasileiro. Atualmente, a ONG trabalha o Projeto Jovens Familiares Produzindo no Cariri, projeto pelo qual envolve capacitações, intercâmbios, oficinas e a implantação de tecnologias sociais de produção agroecológica, para jovens, mulheres e agricultores/as da zona rural dos 4 municípios citados no Quadro 1. Os técnicos/as foram capacitados nos moldes de uma assistência técnica diferenciada, voltada na construção do saber e experiências, trabalhando a linguagem e atitudes junto ao agricultor/a. A ACB mostra que é possível obter bons resultados dentro de uma assistência técnica diferenciada, e todos/as tem participação dentro da construção de opiniões e saberes. Envolvendo e valorizando jovens, mulheres e agricultores/as com as suas experiências. Na Figura 1 vemos resultados da inteiração de técnico x agricultor.

Figura 2: Agricultores/as e técnicos/as construção de galinheiro do Sistema PAIS.

na

Fonte: ACB Crato – CE, 2014.

As capacitações com a participação de técnicos/as envolvidos com essa dinâmica teoria/prática, entram na comunidade com o propósito de somar, sempre valorizando o conhecimento popular e unindo com o conhecimento científico. A instituição presta assistência técnica rural diferenciada para 170 jovens (com faixa etária entre 18 e 29 anos), 154 adultos (com faixa etária entre 30 e 59 anos) e 50 idosos (acima de 60 anos), totalizando 374 participantes diretos. A proposta é que essa assistência e apoio se estendam para todo o Território do Cariri cearense, na perspectiva da convivência com o semiárido. Considerações Finais Hoje, a assistência técnica diferenciada tem sido apontada como a principal necessidade dos agricultores familiares no Cariri cearense. Assim o empenho sistemático e conjunto dos técnicos/as e as famílias agricultoras podem ser a solução para alguns problemas e vem ao encontro dessa necessidade. Dessa forma técnicos/as que foquem no apoio a pesquisa em conjunto com o agricultor/a é exemplo de uma assistência técnica rural participativa, que tem como seu foco a preservação do meio ambiente em conjunto com a produção agrícola dos agricultores/as da região, em todas suas fazes. Aqui proposto tem como objetivo principal de promover

Figura 1 – Técnico, agricultor e mulher na construção do conhecimento agroecológico.

Fonte: ACB Crato – CE, 2014.

O envolvimento de jovens e mulheres é papel importante para os bons resultados nesse tipo de assistência. Valorizando o saber de cada um/a na construção da verdadeira agricultura que envolve 435


Caderno de Experiências a agroecologia dentro das comunidades visando o desenvolvimento da agricultura familiar no Cariri, fortalecendo a presença das mulheres e jovens, respeitando a natureza, valorizando os saberes com vistas ao crescimento sustentável das localidades e suas populações.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 27 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

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Pesquisa em Foco

O ASPECTO SOCIAL DO ENVELHECIMENTO E SUA RELAÇÃO COM A PROMOÇÃO DA SUSTENTABILIDADE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1 Introdução

Magnollya Moreno de Araújo Lelis Mestranda PRODER/UFCA magnollyamoreno@hotmail.c om

Ariadne Gomes Patrício Sampaio Mestranda PRODER/UFCA adnesampaio@gmail.com

Petrucya Frazão Lira Professora/URCA petrucyafrazao@hotmail.com

Môngolla Keyla Freitas de Abreu Mestranda PRODER /UFCA abreumongolla@yahoo.com.b r

Charles Lelis Soares Especialista em gestão da qualidade pela Faculdade Paraíso – FAP cslelis@outlook.com

Verônica Salgueiro do Nascimento Professora/UFCA vsalgueiro@gmail.com

estrutura etária, com crescimento mais lento do número de crianças e adolescentes e com um significativo aumento do número de idosos. Atualmente são 810 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo, o que representa 11,5% da população global, e a expectativa é de que esse número alcance um bilhão em menos de 10 anos e mais que duplique em 2050, alcançando dois bilhões de pessoas, ou seja, 22% da população global (Bodstein, Lima e Barros, 2014). No Brasil essa alteração na pirâmide etária não é diferente. É evidenciado uma redução proporcional da população jovem e um aumento na proporção e no número absoluto de idosos. Rizolli e Sudy (2010), afirmam que nas décadas de 1950 e 1960, as taxas de crescimento anual da população mantiveram-se altas, mas a partir da década de 1970, essa taxa mostrou sensível redução, acentuando-se na década de 80. Simultaneamente, a distribuição etária da população brasileira se alterou. Anderson (1998) e Papaleo (1996) acrescentam que no início do século, os idosos constituíam apenas 3,3% da população, percentual que foi aumentando gradativamente, atingindo 4,1% em 1940, 5,1% em 1970 e 6,1% em 1980. O censo de 1991 mostrou que os idosos brasileiros já são 7,4% da população nacional. O censo demográfico do IBGE (2010) aponta que entre os anos de 2000 a 2020 o mesmo duplica, ao passar de 13,9 para 28,3 milhões, elevando-se, em 2050, para 64 milhões. Em 2030, de acordo com as projeções, o número de idosos já supera o de crianças e adolescentes (menores de 15 anos de idade), em cerca de 4 milhões, diferença essa que aumenta para 35,8 milhões, em 2050 (64,1milhões contra 28,3 milhões, respectivamente). Nesse ano, os idosos representarão 28,8% contra 13,1% de crianças e adolescentes no total da população. A previsão é de que, no período de 1950 a 2025, o grupo de idosos no Brasil deverá ter aumentado em quinze vezes, enquanto a população total, em cinco. Se isso se confirmar, o país ocupará o sexto lugar quanto ao contingente de idosos, alcançando, em

A mudança na estrutura da faixa etária evidenciada no Brasil e no mundo com o aumento progressivo do número de idosos vem trazendo enorme visibilidade perante a sociedade e demandando esforços no desenvolvimento de políticas que visem à inserção do idoso no convívio social. Vários estudiosos enfatizam que o idoso que vive isoladamente, fora convívio social, tem maior probabilidade de desenvolver depressão, ansiedade, suicídio sendo tão prejudicial quanto a hipertensão arterial, o fumo, a obesidade e a ausência de atividade física. Assim a realização deste estudo justifica-se na importância de uma revisão bibliográfica sobre o tema em questão uma vez que a inserção do idoso nos grupos de convivência traz inúmeros benefícios ao ofertar, planejar e sistematizar ações de atenção ao idoso, de forma a elevar a qualidade de vida, promover a participação, a convivência social, a cidadania e a integração intergeracional. Espera-se que a inserção do idoso no grupo favoreça um envelhecimento bem sucedido onde o idoso adentra num cenário político, resgatando culturas e papéis sociais que foram perdidos, garantindo-lhes maior autonomia, realização pessoal que contribuem para a construção de uma nova mentalidade, além de possuir um efeito terapêutico garantindo assim uma melhor percepção de suas condições de vida. Diante destes fatos, objetiva-se com este estudo fazer um levantamento bibliográfico sobre a relação do aspecto social do envelhecimento e a promoção da sustentabilidade. 2 Fundamentação Teórica Nos últimos anos é notória uma nova configuração do padrão demográfico percebido pela redução da taxa de crescimento populacional e por transformações importantes na composição de sua 437


Caderno de Experiências humana e sua memória, e culturalmente descaracterizando a velhice, pelo processo de desprestigio, exclusão social e anulação, que este modelo impõe aos que não “servem”, aos que não possuem uma perspectiva de imediatamente útil, ou vigorosamente produtivo, conforme as necessidades lucrativas do capital, ou seja, aqueles que não se encontram diretamente nos meios de produção. (PAZ, 2001, p. 232)

2025, cerca de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade (Bodstein, Lima e Barros, 2014). É urgente a necessidade de discursões que envolvam essa mudança no perfil demográfico para que sejam planejadas ações e reformulação de políticas social, econômica e de saúde, compreendendo as especificidades e peculiaridades de cada de cada região, uma vez que iram refletir nas novas demandas. O envelhecimento (processo), a velhice (fase da vida) e o velho ou idoso (resultado final) constituem um conjunto cujos componentes estão intimamente relacionados (BODSTEIN, LIMA E BARROS, 2014). Minayo e Coimbra Jr. (2002) apontam quatro diferentes sentidos atribuídos ao envelhecimento que indicam heterogeneidade e polissemia:

Assim o idoso é caricaturado genericamente como aquele indivíduo fisicamente incapaz e mentalmente debilitado, tornando sua exclusão social uma contingência natural e irreversível, não sendo compreendido como uma questão biológica. Outra variável que confunde a caracterização de um indivíduo idoso é a autonomia, onde se percebe naturalmente uma maior dependência destes indivíduos em relação aos seus familiares ou até mesmo em relação ao Estado, devido à sua maior vulnerabilidade física e, é claro, econômica, como explica Saad:

(a) como híbrido biológicosocial, ou seja, a velhice vem sendo desnaturalizada, refletindo a percepção de que esta consiste em um fenômeno social e culturalmente construído; (b) como problema, ao passo que pode ser associado à sobrecarga dos cuidadores, à redução de capacidade laboral, ao aumento de despesa para o sistema previdenciário etc.; (c) como questão pública, dado que as pessoas idosas vêm se tornando um grupo social com crescente visibilidade, em número e em organização, atribuindo um novo significado ao que era percebido tradicionalmente como decadência física e inatividade, e (d) o idoso como “ator social”, individual e coletivo, que está redefinindo relações familiares, influenciando os rumos da política e criando uma nova imagem de si (MINAYO E COIMBRA JR. 2002, p. 15 ).

com freqüência, a pessoa é considerada idosa perante a sociedade a partir do momento em que encerra as suas atividades econômicas. Em outras ocasiões, é a saúde física e mental o fator de peso, sendo fundamental a questão da autonomia: o indivíduo passa a ser visto como idoso quando começa a depender de terceiros para o cumprimento de suas necessidades básicas ou tarefas rotineiras. (SAAD, 1990, p. 4)

Associada a velhice vem a ideia de incapacidade, doença, afastamento e dependência (NERI & FREIRE, 2000) A velhice ainda é encarada por muitos como algo feio e ruim, vista com preconceitos de inutilidade, dependência, e “conjunto de doenças” o que faz com que essa população se exclua e seja excluída encontrando dificuldades para interação social inclusive com seus familiares, sentindo-se na maioria das vezes sozinhos e abandonados. A exclusão social do idoso e seus efeitos Em uma sociedade que valoriza a juventude, a beleza, o "produtivo" e na qual a velhice é uma fase da vida vista com preconceitos de inutilidade, dependência e improdutiva, as pessoas idosas encontram dificuldades de inserir-se. Diante dessas limitações o idoso isola-se, mesmo que esteja residindo com sua família, muitas vezes, não possui poder de decisão, permanece sozinho em casa.

O envelhecimento ainda é algo que muitas pessoas têm medo de enfrentar, pois apesar de se constituir um estágio do desenvolvimento humano onde vivenciam-se um conjunto de perdas e ganhos, há deturpações com relação aos seus conceitos e entendimentos. Nos últimos séculos, principalmente após a Revolução industrial e desenvolvimento do capitalismo, a ideia de velhice tem sido atribuída à decadência, debilidade, fraqueza, classe improdutiva, sendo assim excluída e marginalizada, como enfatiza Paz: O acentuado desenvolvimento do capitalismo da era moderna vem desprezando a tradição

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Pesquisa em Foco A exclusão do idoso do convívio social desencadeia altos níveis de ansiedade e depressão comprometendo a qualidade de vida deste grupo etário (MINGHELLI ET AL, 2013, BORGES ET AL, 2013 e FRUTUOSO, 1999). Carneiro (2007) acrescenta afirmando que as deficiências em habilidades sociais parecem constituir um fator de vulnerabilidade para a baixa qualidade de vida e para a depressão em indivíduos da terceira idade. A pobreza de relações sociais tem sido considerada um fator de risco à saúde, tão danoso quanto o fumo, a pressão arterial elevada, a obesidade e a ausência de atividade física (BOWLING et. al. 2003). A inclusão social como estratégia de sustentabilidade. O mundo enfrenta agora a missão de se adaptar a esta nova dinâmica demográfica e de enfrentar os problemas dela decorrentes. È necessário planejar e desenvolver políticas que funcionem e melhorem a qualidade de vida dos idosos uma vez que a responsabilidade é de toda a sociedade. Encontra-se na sustentabilidade social, uma das principais dimensões da sustentabilidade defendida por Maia e Pires, (2011) e Sachs, (2002), a possibilidade de mudança através de ações que visem melhorar a qualidade de vida desta população. O termo sustentabilidade refletia anteriormente para conceitos econômicos e ecológicos. Hoje, vai mais além, reflete a necessidade das pessoas em manter-se sem comprometer a existência e a permanência de outras pessoas com ações que diminuam as desigualdades sociais, ampliem os direitos e garantam acesso aos serviços que possibilitem às pessoas o pleno direito à cidadania. Obedece a um dos princípios fundamentais para o desenvolvimento sustentável propostos no relatório Brundtland (ou nosso futuro comum, 1998), o da equidade social. Compreende o respeito à diversidade, empoderamento de grupos excluídos socialmente, incentivo à resolução pacífica de conflitos e convivência saudável com a família e sociedade. Como estratégia desta sustentabilidade social temse os grupos de convivência para idosos, uma alternativa para inseri-lo no convívio social, ocupando espaço e posição perante a sociedade e melhorando seu convívio familiar. Rizolli e Sudy (2010) definem grupo de convivência como espaços nos quais o convívio e a interação com e entre os idosos permitem a construção de laços simbólicos de identificação, e onde é possível partilhar e negociar os significados da velhice, construindo novos modelos, paradigmas de envelhecimento e construção de novas identidades sociais. Corrobora com essa idéia Campos (1994) ao afirmar que a participação dos idosos nos grupos de convivência leva a um aprendizado, uma vez que compartilham

idéias, experiências, e também ocorre reflexão sobre o cotidiano da vida destas pessoas. 3 Procedimentos Metodológicos Trata-se de um estudo bibliográfico com coleta de dados realizada a partir de pesquisa eletrônica realizada na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), onde foram levantados artigos científicos publicados nos últimos 10 anos. A pesquisa bibliográfica é uma das melhores formas de iniciar um estudo. Consiste no exame da literatura científica para o levantamento e análise do que já se produziu sobre a temática, buscando-se semelhanças e diferenças entre os artigos levantados nos documentos de referência (SOUZA, et al. 2010). Utilizou-se, como expressão de busca, o termo “grupo de convivência para idosos”, “ grupos da terceira idade”, “sustentabilidade” consultada no DeCS (Descritores em Ciência e Saúde), vocabulário estruturado para uso na indexação de artigos de revistas científicas, livros, anais de congressos e outros tipos de materiais. Os critérios de inclusão definidos para a seleção dos artigos foram: artigos publicados em português; artigos na íntegra que retratassem a temática referente ao grupo de convivência para idosos e sua relação com a sustentabilidade e artigos publicados e indexados nos referidos bancos de dados nos últimos dez anos que não se repetissem. Envolveu as atividades básicas de identificação, compilação, fichamento, análise e interpretação sugerida por Marconi e Lakatos (2008). 4 Resultados e discussão Durante a revisão das publicações alguns aspectos foram identificados como relevantes no processo de análise dos conteúdos. Para análise das informações foi realizada a organização do conteúdo encontrado quanto ao ano, base de dados e essência do conteúdo recomendações/conclusões dos autores. Foram encontrados 11 artigos listados pela base de dados referentes ao grupo de convivência para idosos 03 foram descartados por apresentarem-se repetidos. Quanto utilizou-se o descritor “ grupos da terceira idade, encontrou-se 18 artigos publicados e destes apenas 10 foram incluídos na pesquisa pois 4 se repetiam, 4 não tinham relação com o tema. Ao pesquisar o descritor sustentabilidade 86 estudos fora encontrados, sendo todos descartados por não obedecer aos critérios de inclusão devido a falta de relação direta com a temática. E como surpresa, quando buscou-se a união dos dois descritores nenhum trabalho foi encontrado. Assim, evidencia439


Caderno de Experiências se pouco interesse em desenvolver artigos que abordem o tema apesar do crescente envelhecimento populacional, o que é extremamente preocupante! O quantitativo de referências por ano encontrado mostra um percentual igual de 5,5% das publicações nos anos de 2006 e 2007. Em 2008 o percentual foi de 11,1% e em 2009 de 5,5%. No ano de 2010, as referências foram de 33,3%, já nos anos de 2011, 2012 2 2013 as publicações foram de 16,6%, 16,6% e 5,5% respectivamente. A base de dados em que todas foram encontradas foi LILACS. Não foram encontradas publicações no período de 2004 a 2006 bem como no ano de 2014. Percebe-se crescimento de publicações no ano de 2007 para 2008 com uma queda no ano de 2009. No ano de 2010 houve novamente um crescimento seguido de decréscimo nos anos seguintes, não averiguando nenhuma publicação em 2014 até a realização deste estudo. Com relação a essência do conteúdo estudado nas referências e as suas produções no conhecimento encontramos que 87,5% das referências investigam as relações sociais, de qualidade de vida e de saúde nos grupos de convivência; 12,5% das referências analisam os dados sociodemográficos dos idosos que frequentam o grupo. Verifica-se assim algo de suma importância nestes dados, o interesse pelos autores em destinar esforços em pesquisas que objetivem identificar os benefícios dos grupos de convivência para idosos nas relações sociais e de saúde com consequente melhoria na qualidade de vida como enfatizado por Benedetti (2008) e Almeida (2010) ao afirmarem que a participação nos grupos de convivência contribui para a melhor percepção do estado de saúde, menor ocorrência de depressão e melhoria na qualidade de vida para os idosos. Assim a formação de grupos de convivência para idosos deve ser estimulada e discutida como política de saúde pública para que contemplem suas necessidades, recomendação esta feitas por todos (100%) os autores encontrados nesta revisão sobre grupos de idosos. Lazarotto (2008) demonstrando a necessidade de programas de saúde pública para idosos. Veras (2008) acrescenta que política pública brasileira deveria priorizar a manutenção da capacidade funcional dos idosos, com monitoramento das condições de saúde, com ações preventivas e diferenciadas de saúde e de educação, com cuidados qualificados e atenção multidimensional e integral. A ausência de estudos abordando a relação dos grupos de convivência e grupos da terceira idade com a sustentabilidade é intrigante. A sustentabilidade na sua dimensão social enfatiza o desenvolvimento de ações que possibilitem melhorar a qualidade de vida das pessoas, redução das desigualdades sociais, garantir dos direitos e acesso à serviços que garantam o pleno direito à

cidadania. Não está ligada apenas a questões ambientais, ecológicas e econômicas como muitos indivíduos pensam, o que talvez justifique a carência de estudos na área. Considerações Finais Os resultados encontrados evidenciam a necessidade de mais estudos que abordem a relação de grupos de convivência para idosos como estratégia de sustentabilidade, uma vez que estamos diante de uma inversão demográfica e precisamos prevenir e enfrentar da melhor forma os problemas delas decorrentes. Precisa-se planejar e implementar políticas que melhorem a qualidade de vida dos idosos. Os grupos de idosos é uma estratégia imprescindível. É necessário ainda esclarecer à sociedade as dimensões da sustentabilidade para que aumentem os estudos na área como também para que viabilizem o desenvolvimento de atitudes e ações sustentáveis. Planejar e desenvolver políticas que funcionem e melhorem a qualidade de vida dos idosos é primordial uma vez que toda a sociedade está envelhecendo. Referências ALMEIDA, E. et al. Comparação da qualidade de vida entre idosos que participam e idosos que não participam de grupos de convivência na cidade de Itabira-MG. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., v.13, n. 3, p. 435-44, 2010. ANDERSON, M. I. P. Depressão. In : CALDAS C.P.A. Saúde do idoso: a arte de cuidar. Rio de Janeiro: UERJ; p. 64 a 72, 1998. ARAUJO, L. F. et al. Evidências da contribuição dos programas de assistência ao idoso na promoção do envelhecimento saudável no Brasil. Rev Panam Salud Public. v.30, n.1, p. 80-86, 2011. BENEDETTI, Tânia et al. Condições de saúde e nível de atividade física em idosos participantes e não participantes de grupos de convivência de Florianópolis. Rev. Ciência & Saúde Coletiva, v.17, n. 8, p. 2087-2093, 2012. BODSTEIN, A. L. et al. A vulnerabilidade do idoso em situações de desastres: Necessidade de uma política de resiliência eficaz. Rev. Ambiente & Sociedade, v. 17, n. 2 p. 157-174, abr.-jun. 2014.

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Pesquisa em Foco

DANÇA, MOVIMENTO E SUSTENTABILIDADE: NO PASSO DO FORRÓ, UM ENCONTRO DE IDOSOS COM A AUTONOMIA, AUTOESTIMA E SAÚDE.

1 Introdução

Maria da Penha Sousa Lima Mestranda PRODER/UFCA mpensou@hotmail.com

Ticiana Maria Gomes Guedes Especialista em Saúde Pública- Enfermagem/URCA ticianamaria2009@hotmail.c om

Magnóllya Moreno de Araújo Lelis Mestranda PRODER/UFCA

Joana Darque Ribeiro Ferreira Mestranda PRODER/UFCA joanadarquerf@hotmail.com

Suely Salgueiro Chacon Professora/UFCA suelychacon@ufca.edu.br

Verônica Salgueiro do Nascimento Professora/UFCA vesalgueiro@gmail.com

Motivadas por esse debate, assumimos o desafio de estudar uma temática ainda pouco explorada no meio acadêmico, porém de significação, no entendimento de um mundo sustentável, que valorize a vida e a sua continuidade, como elementos da sustentabilidade. Nesse sentido, o objetivo maior dessa pesquisa é analisar se a dança do forró promovido pelos idosos da Associação ProMelhoramento do Bairro Seminário, Crato/CE tem contribuído para a autonomia, autoestima, saúde e sustentabilidade dos mesmos. O principal esteio de abordagem do método da pesquisa se fundamenta na formação de um vínculo de amizade e confiança com os idosos participantes, resultante de um aprimoramento de quem deseja captar a própria vida manifestada no sujeito que escuta e no sujeito que fala. Assim, fomos sujeitos e objetos ao mesmo tempo. Sujeitos enquanto buscávamos e indagávamos saber. E, objetos, no papel de ouvintes e registradores das falas, memórias e vivências dos idosos. Portanto, nossa proposta não é somente trazer amostragem, quantificações, antes o intuito que nos levou a empreender a pesquisa foi o olhar observador e o registro da voz e, através dessas ferramentas, traduzir a vida e o sentimento de pessoas que têm muito a expressar.

Pesquisas recentes constatam o aumento da população idosa em escala mundial. No Brasil, estima-se que, em 2020, já seremos o sexto país do mundo em número de idosos. Essa população enfrenta situações de desvalorização social, preconceito e ainda convive com doenças crônicas e limitações funcionais próprias da idade. Alguns idosos, por esforços próprios, criam possibilidades e caminhos para estabelecer espaços na sociedade e, a dança, tem sido uma dessas oportunidades. Estudos comprovam que a sua prática mostra-se substancial para um envelhecimento saudável, pois desempenha o papel de desenvolver a pessoa holisticamente, previne e retarda o surgimento de doenças crônicas degenerativas como hipertensão, diabetes, osteoporose e Alzheimer. O mundo moderno caracteriza-se pela sociedade de consumo, incremento da tecnologia, aumento da produtividade e valorização do belo. Nessa sociedade, o envelhecimento torna-se descartável, como nos afirma Sousa et al (2010, p.10) “um produto do qual o prazo de validade expirou.” Portanto, além dos muitos problemas que a própria idade acarreta, seja em seus aspectos físicos, sociais e psicológicos, a pessoa idosa ainda convive com vários preconceitos e tende ao isolamento social e familiar. A Universidade Federal do Cariri – UFCA, através do Mestrado em Desenvolvimento Sustentável vem buscando empreender uma discussão mais ampla do conceito de desenvolvimento sustentável, considerando não só a dimensão ambiental e econômica, mas também, as questões sociais, políticas, culturais e humanas. O conceito de sustentabilidade aqui adotado se alinha com um pensar sistêmico, com a harmonia entre meio ambiente, as comunidades humanas, bem como toda a biosfera que dele depende para existir. O mesmo se vincula à possibilidade de encontrar caminhos, alternativas, planos e/ou soluções, a partir da busca por práticas sustentáveis na vida das pessoas e do meio ambiente como um todo.

2 Fundamentação Teórica É unânime entre os estudiosos que o envelhecimento, ainda que não seja igual para todos, é um fenômeno que atinge todas as pessoas independentemente. Reconhece-se também que é um processo dinâmico, progressivo e irreversível, e que está associado aos fatores biológicos, sociais e também psíquicos. Assim, não poderíamos deixar de iniciar as primeiras palavras desse diálogo, trazendo a concepção de sociedade contida no Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento (Madrid, 2002, parágrafo 19), no qual reconhece que:

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Caderno de Experiências uma sociedade para todas as idades possui metas para dar aos idosos a oportunidade de continuar contribuindo com a sociedade. Para trabalhar neste sentido é necessário remover tudo que representa exclusão e discriminação contra eles.

ambiental, deixando de fora as questões sociais, políticas, culturais e humanas. Então, nos vem uma grande pergunta: sustentabilidade para que e para quem? Entendemos que não tem como pensar um mundo sustentável, sem colocar no centro da discussão, a dimensão humana. Uma interessante pesquisa do Instituto Akatu, realizada, em 2012, intitulada “Rumo à sociedade do Bem-Estar”, revela alguns indicativos de que o brasileiro relaciona o bem-estar muito mais ao convívio social do que ao consumo. Outro dado revelado na pesquisa aponta que ser feliz para o brasileiro é poder está e se relacionar bem com a família e os amigos e, também, ter saúde. Não há como pensar em sustentabilidade para os idosos sem compreender que passa necessariamente pela valorização da pessoa humana, pela construção de espaços que permitam a integração entre esse grupo e a sociedade. Passa também pela compreensão de que o idoso, além de boa qualidade de vida, precisa de carinho, atenção, lazer, cuidados e, principalmente, contato social e autoestima. Essa possibilidade se torna muito difícil em países como o nosso, pois os espaços para essa parcela da população ainda é muito incipiente, principalmente para as classes menos favorecidas. A cidade de Crato/CE, não foge ao contexto nacional. No entanto, as adversidades nem sempre imobiliza, a prova disso é a existência da Associação ProMelhoramento do Bairro Seminário, que tem, entre outras, ações voltadas para os idosos, proporcionando atividades diversas de lazer e descontração, das quais se destaca “o forró dos idosos”, também conhecido como “Forró de D. Lourdes,” principal organizadora dos eventos. Aos 81 anos, D. Lourdes diz-se satisfeita em ver os outros idosos felizes. Afirma que a sua saúde se deve ao fato de está sempre envolvida.

A primeira década do século XXI traz o agravamento de uma série de problemáticas em nível mundial, sejam elas ambientais, ecológicas, como também culturais, sociais e políticas. Essa realidade nos impõe um novo pensar da sociedade, em que no lugar da exclusão, fome, destruição do meio ambiente, segregação social e do abandono, o ser humano assuma o papel de cuidar da vida em todas as suas dimensões. Não há como continuar ignorando todas estas questões que envolvem o idoso, pois segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), do período de 1975 até 2025, se reconhece como a “Era do Envelhecimento.” Sem dúvida, os avanços tecnológicos da ciência, sobretudo no campo da medicina, têm propiciado o prolongamento da vida, repercutindo no envelhecimento da população mundial. No Brasil, os estudos constatam um significativo aumento da população idosa. Veras (2007, P. 1) aponta que “o Brasil é um jovem país de cabelos brancos. Todo ano, cerca de 650 mil novos idosos são incorporados à população brasileira...” Não há dúvidas de que a sociedade industrial é maléfica para os idosos. A falta de assistência, principalmente no que diz respeito às atividades de lazer, a desvalorização social, e ainda convivem diariamente com o preconceito, é uma realidade que precisa ser mudada, do contrário apenas avançaremos no prolongamento da vida, mas não consolidaremos a promessa do direito de desfrutar uma melhor qualidade de vida. Souza et al (2010) observam que as sociedades capitalistas excluem alguns grupos do desfrute e convívio social e aponta que é perceptível nesse século XXI a exclusão do idoso. Essa realidade também tem provocado muitos debates na direção de um novo olhar que projete a possibilidade de relações sociais mais saudáveis entre os seres humanos e entre estes e o meio ambiente. No centro dessa discussão surge o conceito de desenvolvimento sustentável, com o Relatório de Brundtland (Nosso Futuro Comum). Em 1987, o tema ganha notabilidade e divulgação em escala mundial. O ponto norteador do documento centra-se na definição do conceito de desenvolvimento sustentável como: "o atendimento das necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades" (WCED, 1987). O tema desenvolvimento sustentável aparece, inicialmente, ligado à questão econômica e

Durante a velhice, deveríamos estar ainda engajados em causas que nos transcendem, que não envelhecem, e que dão significado a nossos gestos cotidianos. Talvez seja esse um remédio contra os danos do tempo. BOSSI (1984, p. 80).

Os estudos têm demonstrado que a dança exerce uma influência bastante positiva na vida das pessoas, além de ser uma atividade prazerosa e transcendente, tem ainda o poder de incentivar a prática da atividade física nos idosos sedentários, contribuindo na manutenção da força muscular, equilíbrio, sustentação e mudanças no estilo de vida. Uma das principais causas para as doenças crônicas degenerativas, dentre elas, a hipertensão, osteoporose, acidente vascular cerebral, doenças cardiovasculares, é o sedentarismo. A dança vista 444


Pesquisa em Foco como prática de atividade física, além de tornar o corpo mais ativo, debelando o sedentarismo, contribui também para a manutenção da aptidão funcional do organismo, melhorando o funcionamento geral do corpo. Souza et al (2010) De acordo com Sassaki (1999), o ato de dançar se apresenta como uma possibilidade de mudança, pois aumenta à autoestima, combate ao estresse, favorece a independência do idoso na comunidade e melhora sua imagem corporal, propiciando o aumento da força muscular, fatores essenciais na prevenção de quedas e fraturas em idosos. Estudos reforçam que a prática da dança tem forte característica de sociabilização e motivação. Corroborando com esta premissa, Mazo e Silva (2007), afirmam que dançar promove a integração social, melhora o estado emocional, contribui para a autoestima, autoconceito, além de ajudar no humor, positividade, autocontrole psicológico, ainda tira o idoso da inatividade e do isolamento. Para além do movimento, a dança influencia na autonomia, propicia uma sensação de liberdade e melhora “o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento.” Sen (2000, p. 33). Portanto, é no passo da dança, que se dá o encontro com a autonomia, autoestima, saúde e sustentabilidade.

no rol de entrevistas. As questões obedecem a perguntas abertas, permitindo aos entrevistados uma liberdade maior nas respostas. A intenção é ter uma conversa franca e aberta, onde os idosos ficassem mais a vontade para expressar seus sentimentos e emoções. As observações também assumem papel fundamental na coleta e construção de dados. Nos dois primeiros meses, participamos de uma reunião, um forró que acontece mensalmente e o dia do ancião – atividade que envolve o forró. Também fomos a um forró em que os idosos da Associação participaram no Distrito de D. Quintino, a 25 km do município de Crato. Os diários de campo, fotos e filmagens feitos nesses dias reúnem um material muito rico em informações e impressões. 4 Resultados e discussão A primeira década do século XXI nos traz uma alerta de que precisamos rever e mudar nossa mentalidade na maneira de ver e pensar o ser humano, em especial o idoso. A dança para os idosos pesquisados se mostrou ser uma atividade prazerosa, que possibilita uma melhora no desempenho das atividades de vida diária, preservação de suas capacidades funcionais, contribuindo para uma maior autonomia, autoestima, melhorias na saúde e mudanças no estilo de vida. De maneira geral, todos os idosos pesquisados evidenciaram a alegria e a felicidade, quando indagados sobre o que sentem ao dançar. Isso pode ser visto claramente nas falas:

3 Procedimentos Metodológicos A Pesquisa tem caráter qualitativo, de natureza descritiva. Optamos pelo método indutivo, por se adequar aos objetivos do estudo. A construção dos dados partiu da observação sistemática e entrevistas com os idosos. No tratamento dos dados, optou-se pela análise de discurso, por entendermos que a expressão da fala é antes de tudo uma prática social. (FOUCAULT, 2005). Assim as falas colhidas foram interpretadas para além das palavras, considerando o contexto vivido pelos idosos, além de possibilitar a interpretação simbólica da fala, suas influências sociais, políticas e ideológicas. O locus da pesquisa é o entorno, onde se localiza a Associação Pró-Melhoramento do Bairro Seminário, Crato/CE. Entidade fundada em 1982, somando oitenta associados. Na impossibilidade de entrevistar os 80 (oitenta) associados, elegemos alguns critérios de seleção dos sujeitos participantes, a saber: frequentar regularmente as reuniões da Associação, participar das atividades desenvolvidas que envolvem o forró, tais como: dia das mães, dos pais, dia do ancião, festas natalinas, juninas, passeios e ser associado (a) a mais de cinco anos. Nessas condições, totalizaram 30 idosos, sendo 25 mulheres e cinco homens dos quais, entrevistamos 5 idosas e 1 idoso. A pesquisa terá duração de cinco meses. Durante todo o período é intenção incluir 20 participantes

“Sinto muita alegria, sou muito feliz quando tou dançando (risos) (...) eu me sinto muito feliz, não só eu, mais todas as idosas.” [Idosa B]. “é só alegria né (...) a gente se diverte (...) me sinto muito bem.” [idosa D]. “me sinto muito feliz ... a gente gosta e acha bom mesmo ... dançar aquelas músicas boa da gente dançar ... eu mesmo me sinto muito bem quando eu tou dançando. (risos) [idosa C]

Um fato que nos chamou atenção, em todos (as) os idosos (as) diz respeito ao apoio da família, principalmente dos filhos, em gostarem de ver os pais fazendo alguma atividade física, além de fazer novos amigos e se divertirem. “... meus filhos faz é mandar eu ir (...) meu próprio marido quando tava doente (...) ele já mandava eu ir. (idosa D).

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Caderno de Experiências “ todo movimento de comunidade eles me apoia (...) porque eles gosta também, também não querem me desgostar, e eles também me ajuda." (idosa C) “... os filhos acha bom eu ir pro forró (idosa A)

“Danço com mulher, com o esposo [...] o importante é se mexer.” [Idoso C] “minha fia dançar é tão bom que danço mais mulher e mais homem, mas dançar com as mulheres é melhor [...] mais sozinha não, risos.” [Idoso F].

Muitos foram os aspectos mostrados nas falas que comprovam a contribuição da dança na autonomia dos idosos. Aqui é importante destacar que, praticamente, todas as atividades e/ou ações desenvolvidas na Associação são motivadas pelo forró, quais sejam: dia das mães, dia dos pais, dia do ancião, festas juninas, natal, dentre outras. Os entrevistados (as) confirmaram a liberdade, independência em sair de casa para dançar.

Ficou bastante evidente o quanto a dança traz de benefícios, sobretudo à saúde dos idosos. A pesquisa revela também que a participação em todas as atividades oferecidas pela Associação torna os entrevistados mais ativos, pensantes e úteis. As reuniões em que podem opinar, serem ouvidos e escutados, tornam-se um excelente exercício para a mente e para o corpo. “Me sinto disposta, saudável... Quando eu assim vou dançar, se for possível danço a noite todinha, quando chego em casa faço minhas coisas [..] a dor parece que se some... gosto de tudo lá (...), participar é bom pra mim [...] me sinto bem.”[Idosa B] “... graças a Deus, saúde até hoje eu tenho [...] melhora as dores [...] quando tem festa de dia, almoço lá, passo o dia todo, ajudo a organizar, me sinto filiz.”[Idosa C] “Os médicos mesmo diz, dançar faz bem à saúde” [Idosa C] Porque é bom para saúde né [...] eu posso tá doente [...] se eu der uma dançada minhas juntas já melhoram [Idosa B] Eu sentia dor na coluna, no joelho em todo canto, quando eu danço, eu me sinto saudável, me sinto bem [...] é uma física né que a gente faz... [Idosa B] “a dor faz é passar, [...] a gente num sente é nada.” [idosa E] “Dançar é uma diversão boa, é boa pras perna da gente, dançar é uma física boa, eu acho” [...] as vezes eu danço sozinha, dentro de casa pra ver se as minhas pernas melhoram, se amolece mais as pernas” (risos intensos) [idosa A] “as pernas ficam mais leve, mais maneira”... a gente vai fazendo movimento né... a gente fica alegre, fica mais disposta, as dores diminuem, pois quando eu me levanto da cadeira eu levanto toda dura, seu eu não me segurar eu caio, aí fazendo movimentos é

“ Eu vou só, sempre vou só, moro sozinha [...] tenho 81 anos, mas gosto de ir pro forró, de vez em quando levo uma amiga de frente comigo [...] mas quase sempre vou só.” [idosa A] “ ... vou mais minha irmã, amigas e os casais vizinhos.” [idosa D] “ ... moro sozinha, faço minhas coisas, vou pra rua [...] também pro forró sozinha e às vezes com a minha irmã que é viúva [...] risos. [idosa B]

Essas falas revelam a independência dos entrevistados em sair de casa para dançar. Poder decidir por sua própria vontade, inclusive determinar os horários de sair e retornar para casa, o que demonstra um grau elevado de liberdade. Mesmo com as limitações que a idade lhes impõe, não significa empecilhos para sua autonomia, talvez isso tenha relação com o fato de alguns morarem sozinhos, como bem é demostrado na fala: Não importa como ou com quem dancem, os idosos querem mesmo é se divertir e apreciar o que a dança tem de melhor. Isso pode ser verificado nas falas e nas observações de campo. Dos seis entrevistados (as), todos revelam esse sentimento: “Danço mais minha irmã [...] danço só [...] danço com as outras idosas. Só não gostava de dançar com homem não sei por quê... Quero mesmo é dançar.” [Idosa B] “Quando tem com quem eu dançar eu danço, quando não tem é sozinha mesmo [...] não é só com homens que eu danço, eu danço mais as idosas também” ... [Idosa D]

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Pesquisa em Foco melhor para as dores, aí melhora a pressão.” [idosa A]

“lá eu me encontro com pessoas, converso, é um lazer, uma terapia, lá é um lugar que tem muito respeito e alegria, me sinto realizada, completa.” [Idosa E]

Tanto nas observações, como nos relatos, os entrevistados deixam transparecer sentimentos positivos, sensação de bem-estar, e se não dançam sentem-se tristes. Fica claro o quanto dançando evitam a depressão, aliviam as preocupações e melhoram a autoestima. Nesse sentido, revelam:

Buber (1982) reforça a importância de que o homem só assume a condição humana pelo encontro e pela capacidade de se relacionar e estar junto ao outro. De fato, a dança torna os idosos mais felizes, mais ativos, com um grande prazer de viver e uma melhor saúde e maior qualidade de vida.

“Eu morava só né, então quando eu me sentia triste e ia dançar, bom demais, eu sentia alegria né, ali com minhas amigas, dançando, eu me sentia feliz, ai eu esquecia aquelas angustias que eu sentia né, a pessoa que mora só sempre tem um dia que é tristeza. [Idosa B] “É porque muitas [...] preocupações, quando a gente tá ali dançando vai simbora é tudo [Idosa C] “A pessoa que mora só, para ali, fica pensando em muita coisa boa que passou em sua vida ai vai pensar também em que de ruim também passou na vida [...] recordações [...] ai eu saiu, me divirto e pronto aquilo ali esqueço.” [Idosa B] “...muitas vezes a gente sai de casa com aquela tristeza e angústia por dentro, [...] por exemplo eu que fiquei viúva há dois anos saio lembrando meu esposo [...], quando chego lá que eu começo a pensar nele ai eu digo: vou é dançar e vou brincar e já vou esquecendo aquela passagem de tristeza e é só alegria.” [Idosa D]

Considerações Finais A participação nos forrós da Associação torna os idosos ativos, promove a autonomia, melhora a autoestima, contribui no empoderamento, além de ser transformadora da condição de vida e saúde dos mesmos. Os momentos da dança permitem o encontro consigo e com o outro, dando novos significados do ser idoso. De acordo com os resultados da pesquisa realizada com o grupo de pessoas idosas, ficou claro que a dança desempenha um papel importantíssimo na vida dos mesmos. Proporciona além do prazer físico e emocional, um caminho inicial para atividades físicas e despertar a sociedade a ter uma nova visão sobre o conceito de envelhecer. As inferências não são conclusivas, porém, em relação a esta pesquisa, podemos verificar que os entrevistados afirmaram ter melhorado a sua saúde. Revelaram também que a dança é uma atividade prazerosa, motivante e proporcionadora da felicidade. Alguns idosos afirmaram se sentirem sozinhos, e após frequentar a dança do “forró dos idosos” relataram mudanças significativas, sobretudo na questão da autoestima. Estes fatores contribuem substancialmente para a prevenção do surgimento das doenças crônicas degenerativas e ameniza os problemas decorrentes do envelhecimento. Consideramos este trabalho importante, por tratar da questão do idoso sem deixar de contemplar aspectos importantes que se apresentam no contexto cultural, social, político, econômico e humano. É relevante e desperta, além da consciência do trato com o idoso, o sentido que tem a dança na vida deles, como ferramenta socializante, motivadora, integradora e holística.

Ribeiro (1997) afirma que a socialização através da dança reconduz os idosos ao convívio social, na medida em que participam e reintegram-se. Portanto, é na relação com o outro e consigo que se dá o encontro com a felicidade, autoestima e saúde, isso é ser sustentável, do ponto de vista do desenvolvimento e da dimensão humana, características essenciais para a qualidade de vida. Os relatos demonstram muito bem isso: “... o idoso não pode se isolar porque prejudica né. Tem que se alegrar no forró dos idosos... [Idosa B] “quando chego no forró, encontro com as pessoas amigas, aí vai se divertir, vai conversar [...] para mim não tem terapia melhor.” [idosa D]

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Pesquisa em Foco

"NO DIA DE HOJE O JOVEM PODE FAZER A PAZ": UMA POSSIBILIDADE PARA A EFETIVAÇÃO DA PERSPECTIVA SOCIOCULTURAL DE SUSTENTABILIDADE.

Sheyla Graziela Crispim Lacerda Mestranda PRODER/UFCA sheylagraziela@gmail.com

Cristiane Magna Araújo Mestranda PRODER/UFCA cristiane.araujo@inss.gov.co m

José Márcio da Silva Alves Mestrando PRODER/UFCA marciodelfte@gmail.com

Maria da Penha Sousa Lima Mestranda PRODER/UFCA mpensou@hotmail.com

Verônica Salgueiro do Nascimento Professora/UFCA vesalgueiro@gmail.com

1 Introdução 2.2. Juventude e violência A discussão sobre sustentabilidade está presente em diversas áreas da sociedade, principalmente a partir da década de 70, com a expansão dos encontros realizados e documentos construídos em busca da definição de ações em prol de sua efetivação. Após inúmeros estudos e debates, a sustentabilidade ultrapassa as questões ambientais, envolvendo aspectos sociais, culturais, territoriais, econômicos e políticos. O meio acadêmico em especial a Universidade Federal do Cariri/UFCA, através do Mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável, vem estimulando seus alunos a expandir o olhar e a pesquisa em temáticas que envolvem a sustentabilidade, dentre elas, destacamos a cultura de paz e a prevenção da violência. Diógenes (1998) aponta que a origem da violência está ligada aos conflitos e ao funcionamento dos mecanismos sociais, deixando aparente apenas as violências mais visíveis. Nascimento apud Boff (2014), ao pensar cultura de paz como alternativa à violência, identifica-a como “equilíbrio do movimento” da sociedade. O mapa da violência divulgado em 2014, referente aos anos de 2008 a 2012, aponta que 274 jovens (com idade entre 15 e 29 anos) na cidade de Juazeiro do Norte/CE, foram vítimas de homicídio, além de outras formas de violências destacadas pelo documento. A preocupação com esse indicativo de aumento da violência, tornou-se a motivação para a escuta dos jovens dessa cidade, a fim de perceber como eles lidam com a violência no dia-a-dia e suas expectativas sobre a possibilidade de paz. Para isso, formamos um grupo focal, e vivenciamos duas rodas de conversa. Durante os encontros com os estudantes da primeira série do ensino médio de uma escola pública, buscamos: pontuar as situações consideradas pelos jovens como circunstâncias de violência; discutir os aspectos apresentados pelo mapa da violência 2014 e identificar alternativas apontadas pelos jovens às situações de violência.

O conceito de violência é amplo, heterogêneo e de muitos sentidos, não existindo um consenso quanto a sua definição e variando de acordo com o sujeito que fala, o qual se apropria das definições a partir das suas vivências. Assim, tornam-se aspecto fundamental, os sentidos e concepções valorativas que a violência recebe, a partir da experiência dos diversos agentes ou sujeitos sociais, dentre eles a juventude, reconhecendo e buscando apreender suas singularidades e diferenças (SILVA, 2007, p.37).

É válido destacar que para o presente trabalho, não se buscou limitar os conceitos trazidos pelos jovens durante a pesquisa, mas sim coletá-los de forma a valorizar suas experiências. Ainda assim, não se distanciou dos dados revelados pelo Mapa da violência, intitulado os “Jovens do Brasil”, o qual destaca três tipos de violências sofridos pelos jovens: homicídios, acidentes de transporte e suicídios. Aproxima-se dessa forma, do conceito da Organização Mundial da Saúde (OMS) que prioriza a violência física ou de poder em detrimento de outras existentes, como podemos perceber na definição abaixo: conceitua-se violência como o uso intencional da força física ou do poder em forma de ameaça contra si ou contra outra pessoa, grupo ou comunidade, o que ocasiona, ou tem grande probabilidade de ocasionar, lesão, morte, dano psíquico, alterações no desenvolvimento ou privações. (MACHADO e BORTOLLI apud OMS, 2011, p.3)

2 Fundamentação Teórica 449


Caderno de Experiências Nesse sentido, de acordo o Mapa da violência (2014), no ano de 2012 morreram 59 jovens vítimas de homicídio em Juazeiro do Norte, 20 na cidade do Crato e 14 em Barbalha. Já em relação aos suicídios, 4 jovens tiraram suas vidas em Juazeiro do Norte, 3 na cidade do Crato, sendo que em Barbalha, dentro do período trabalhado, só houve violência desse tipo no ano de 2008 e dois jovens tiraram suas vidas naquele ano. Já com relação a violência no trânsito 50 jovens perderam a vida na cidade de Barbalha, 22 em Juazeiro do Norte e 11 na cidade do Crato1. Portanto, ainda que o mapa restrinja suas análises a determinadas violências, fica evidenciado a forte relação dos jovens com a mesma, quer seja de forma ativa, protagonizando os atos coercitivos, quer seja de forma passiva como destacado no parágrafo anterior, vitimados pela cultura de violência estabelecida na sociedade. Mas qual seria a definição de juventude? É oportuno lembrar que segundo Waiselfisz (2014), o Brasil adota hoje uma faixa etária mais ampla para juventude, a qual vai dos 15 aos 29 anos. No entanto, o documento “Direito da população jovem: um marco para o desenvolvimento” elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas (2010) classifica como jovem as pessoas na faixa etária entre 15 e 24 anos, os quais segundo o documento chegarão a 1,4 bilhão dentro da população mundial. Fica evidente uma pequena divergência entre o Brasil e a ONU no que diz respeito a classificação de faixa-etária do ser jovem. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010) apontou que o Brasil possuía, no momento do censo, cerca de 34 milhões de jovens, mas com tendências de redução que podem ter como fatores além do amento da expectativa de vida e queda da taxa de natalidade, o aumento da violência envolvendo pessoas dessa faixa etária. O fator preocupante é que as cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha estão seguindo a mesma tendência do país, em especial pela relação entre a violência e a juventude como podemos perceber nos dados anteriormente expostos e pela análise realizada a partir da fala dos jovens ouvidos por esta pesquisa. É importante destacar que a pesquisa foi realizada em Juazeiro do Norte, conforme explicitado na metodologia.

comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem as próprias necessidades. Conceituação consagrada na Rio 92 e segue até hoje como importante referência. O documento estabelece ainda que "sustainable development requires meeting the basic needs of all and extending to all the opportunity to fulfil their aspirations for a better life" (Unesco,1987,p.15). Portanto, o termo conduz sobretudo à proposta de uma vida melhor para todos, considerando as diversas dimensões necessárias para tal fim. Conforme Gadotti (2012), esse termo continua sendo um "conceito em disputa", pois a palavra desenvolvimento está ligada ao pensamento capitalista, então, autores como ele percebem "uma incompatibilidade de princípios" entre sustentabilidade e tal sistema, e por isso preferem o termo sustentabilidade. Embora os conceitos possam divergir e tais escolhas carreguem em si um peso político, ambos propõem um novo estilo de vida, que considere o ser humano e a natureza de uma forma integral e integrada. Nessa perspectiva, compreendemos desenvolvimento, de acordo com Amartya Sem (2000), que resignifica o termo ao considerá-lo como um processo de expansão das liberdades humanas, que para se efetivar torna necessário eliminar as principais formas de privação da liberdade, tais como pobreza, tirania, carências de oportunidades, negligência dos serviços públicos, etc. Dessa forma, a palavra está totalmente relacionada à noção de sustentabilidade, inserindo nesse processo vários fatores implicados na realização do verdadeiro desenvolvimento, aquele que está muito além do simples crescimento do PIB. No documento intitulado "A década das Nações Unidas da Educação para o desenvolvimento sustentável" se estabelecem quinze perspectivas estratégicas classificadas como socioculturais, econômicas ou ambientais. Essas perspectivas estão interligadas e devem nortear o processo de educação para a sustentabilidade. A paz e a segurança humana aparecem enquadradas como sociocultural, incluindo-se também os direitos humanos, igualdade de gêneros, diversidade cultural e compreensão intercultural; saúde, HIV/Aids e governança. Segundo a Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a paz "para não falhar, precisa ser fundamentada na solidariedade intelectual e moral da humanidade". A partir desse entendimento surge a proposta de que uma educação com foco no desenvolvimento sustentável construa um conjunto de valores que facilite a inserção da paz na mente das pessoas e isso reverbere nas suas ações cotidianas. É necessário destacar que o conceito de paz que estamos falando não significa passividade ou

2.3. Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz O relatório Brundtland, intitulado "Nosso futuro Comum", elaborado em 1987 por uma comissão organizada pela ONU, com intenção de discutir a compatibilidade entre crescimento econômico e a conservação dos recursos naturais. Esse documento é responsável pelo significado da expressão "desenvolvimento sustentável", o qual compreende que devemos satisfazer nossas necessidades sem 450


Pesquisa em Foco mesmo ausência de conflito. A educação para paz de acordo com Jares (2002) apud Nascimento (2008), "é como uma encruzilhada de uma educação afetiva, uma educação sociopolítica e uma educação ambiental", sempre tendo em vista o respeito aos direitos humanos e enxergando o conflito na sua dimensão construtiva. Gadotti (2012) ressalta alguns saberes essenciais nesse tipo de educação: educar para pensar globalmente, educar os sentimentos, ensinar a identidade terrena, formar para a consciência planetária, formar para a compreensão, educar para a simplicidade voluntária e para a quietude. O autor lembra que sustentabilidade "tem a ver com a relação que mantemos com nós mesmos, com os outros e com a natureza".

música "Violência", da banda Titãs como instrumento motivador para reflexão. No encerramento do primeiro encontro foram mostrados os dados do Mapa da violência, destacando as informações relacionadas a cidade de Juazeiro do Norte. A segunda roda de conversa foi realizada no dia 24 de outubro e teve a duração de 50 minutos. Participaram apenas 13 estudantes, 11 desses estiveram no primeiro momento, 2 jovens pediram para se integrar ao grupo, em decorrência da boa repercussão do encontro anterior. Inicialmente, os estudantes foram convidados a relatar experiências vividas durante a semana como forma de retomar a discussão, numa perspectiva de construção da paz. Neste intuito, foi exibido o clipe “carinho de verdade”, como recurso audiovisual, da campanha de combate a violência sexual contra crianças e adolescentes, possibilitando sua identificação com agentes no processo da construção da paz. Como fechamento, foi lançada a proposta para a elaboração de atividades que ensejassem a cultura da paz entre os jovens a ser executada na escola. Tendo em vista o calendário escolar, será realizada até o final do semestre letivo, a qual será acompanhada pelos pesquisadores.

3 Procedimentos Metodológicos Considerando que foi a partir do relatório do Mapa da Violência, divulgado no corrente ano através da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, que despertou nosso interesse pela realização do presente trabalho, a pesquisa documental tem papel importante no seu desenvolvimento. Segundo Valles (2007) ao se fazer uso da pesquisa documental é necessário identificar sua autenticidade, credibilidade, representatividade enquanto quantitativo ou qualitativo, como também a interpretação do autor ao registrar os dados. A construção da pesquisa ao considerar a fala dos sujeitos como fonte de informação central, torna a análise do discurso outra ferramenta da pesquisa qualitativa imprescindível. Esta ação possibilita a interpretação simbólica da fala, devendo considerar suas influências sociais, as ideologias e posicionamentos políticos das partes. Utilizamos para a coleta de dados a técnica denominada grupo focal. De acordo com Sônia apud Morgan (2012), conceitua grupo focal como a técnica “que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico especial sugerido pelo pesquisador". O lócus da pesquisa foi a Escola de Ensino Fundamental e Médio Tiradentes na cidade de Juazeiro do Norte – CE e os sujeitos escolhidos foram 20 alunos do primeiro ano do ensino médio. Foram realizados dois encontros, o primeiro aconteceu no dia 16 de outubro, com duração 1 hora e 40 minutos, no turno da tarde. Nesse momento inicial de convivência, foi apresentada a proposta do trabalho, abrindo-se espaço para apresentação dos pesquisadores e alunos participantes como forma de fortalecimento dos vínculos entre os sujeitos. Após estabelecido o contrato de convivência, que permitia a todos a livre manifestação, iniciou-se a escuta da percepção dos jovens sobre a questão da violência, utilizando a

4 Resultados e discussão Para a organização dos resultados desta atividade, na busca de atender aos objetivos propostos, a fala dos participantes foi elemento central da nossa análise. A interação entre os jovens, suas percepções e perspectivas possibilitaram a reflexão sobre elementos presentes na relação juventude, violência e sustentabilidade. Algumas falas serão apresentadas, porém, não haverá nenhum tipo de identificação do autor. Os jovens integrantes da ação descrita são alunos do primeiro ano do segundo grau, na Escola Tiradentes, na cidade de Juazeiro do Norte, Município onde também residem, abrangendo os bairros Tiradentes, Limoeiro, Campo Alegre, Novo Juazeiro, Parque São Geraldo e João Cabral. Estão na faixa etária entre 15 e dezoito anos, não exercem atividade remunera, moram com familiares, porém, não necessariamente com os genitores. Referente às percepções dos jovens sobre situações que consideram como violência o assalto, roubo e morte foram as principais elencadas, mas também a discriminação/preconceito, situações de trânsito, estupro e suicídio também foram apontadas, surgindo esta última apenas após a apresentação do Mapa da Violência 2014. Quanto ao assalto, roubo e morte, referem que o jovem está envolvido nos dois lados, como ator e como vítima e, esta participação resulta na abordagem violenta do policial aos jovens de alguns bairros específicos da cidade. Importante destacar a 451


Caderno de Experiências imagem criada pelo jovem sobre o policial militar, havendo uma distinção entre sua postura, a depender se está ou não fardado: “Eles batem primeiro e perguntam depois”, “Já fui abordado muitas vezes, já levei tapa”, “Se violência gera violência, respeito também”. A discriminação aparece como situação de violência presente entre os jovens, não apenas nos espaços públicos, mas também no seu espaço de convivência, como a sala de aula. Ao haver a identificação do aluno com bairros considerados violentos houve reações negativas por parte de alguns membros, tendo como consequência o constrangimento do jovem lá residente em declarar sua moradia. O trânsito, os eventos festivos e até mesmo a escola surgem como espaço de manifestação da intolerância, nos quais os conflitos são gerados por motivos banais, tornando-se espaço de disputa de poder e agressividade, estimulado por outros jovens, situação identificada através quando um dos participantes afirma que “hoje em dia é como se fosse um show de humor. Vai ter uma briga, todo mundo corre para a porta da escola para olhar, é aquela parábola, ver o circo pegar fogo”. O mapa da violência aponta como situação de violência no transito o acidente automobilístico envolvendo motos, enquanto os sujeitos pesquisados destacam a dificuldade de convivência urbana. Na relação com a sociedade o jovem percebe-se sob pressão, tendo que seguir modelos para fazer parte de um grupo, de uma convenção, para ser aceito, para alcançar o trabalho e o estudo. No contexto das classes de menor potencial financeiro as barreiras são ainda maiores, vivenciam o preconceito quando a sociedade cultiva a ideia de que “Se você nasce pobre tem que morrer pobre, se você é negro tem que ser excluído”. Foi destacando o que os alunos chamaram de violência silenciosa, ao afirmar que “quanto você tá num grupo, aí eles excluem você, eles excluem você sem você nem perceber, exemplo na escola”. O Mapa da Violência no Brasil, divulgado em 2014 por Júlio Jacobo Waiselfiz, tendo por foco os jovens brasileiros, destaca que a mortalidade do jovem está vinculada aos homicídios os quais de 1980 a 2012 cresceram 194,2%, tendo como público jovem entre treze e vinte anos de idade; ao trânsito, principalmente aos acidentes com moto, passando de 1.421 em 1996 para 16.223 em 2012; ao suicídio o qual teria aumentado 62,5% entre os anos 1980 e 2012, apesar do Brasil não possuir histórico/cultura de suicídios como outros países. A aproximação dos participantes com as situações de suicídios praticadas por jovens surge após apresentação dos dados estatísticos acima, apontando-se como justificativas dívidas de drogas, doença mental e fatos ignorados. Inicialmente, o suicídio não foi percebido como uma situação de violência contra o jovem por esta não está

vinculada a ação de violência uma pessoa contra outra. Quem colabora com a violência? O que fazer diante do quadro apresentado? Foram perguntas a partir das quais os jovens foram chamados a refletir sobre as possibilidades de alternativas às situações de violência. Os participantes identificam-se como agentes no processo da violência, como também capazes de colaborar para o processo de paz ao afirmarem que: “Devemos respeitar os outros como nós queremos ser respeitados”; “Nós podemos fazer a paz”; “Não quero ser mais um, quero ser a diferença”. Considerações Finais Não chegamos ao final do caminho, ou a conclusão de um estudo, antes o começo de uma discussão que envolve uma imensa complexidade. Falar sobre a questão da violência, considerando a percepção dos jovens sobre a temática e suas vivências no cotidiano, são questões que tem muito “pano pras mangas”. No entanto, ousamos fazer aqui algumas inferências do que nos foi possível observar e perceber a partir das falas e impressões deixadas pelos jovens. É evidente que os jovens entrevistados, vivem e participam de uma sociedade moderna, de consumo, selvagem, que impõe valores e situações de vida e, por vezes, os impulsiona a determinadas atitudes e comportamentos sociais. Um exemplo é a prática da violência física entre eles, onde vigora a lei do mais forte, manifestada como sinal de liderança, poder, medo e controle do grupo. Vale ressaltar, não ser unânime essa percepção, muitos não concordam e até condenam essa visão estereotipada da violência. Outro ponto que nos chamou atenção foi à criminalização da pobreza e da periferia de determinados bairros, como sendo os únicos lugares e morada da violência urbana. Os jovens se mostraram preocupados com essa questão e denunciaram essa realidade vivida por eles, a partir da abordagem policial, por vezes truculenta, simplesmente por serem oriundos das camadas populares. Em muitos momentos da escuta, os mesmos deixaram transparecer a banalização da vida, da violência e da exaltação do poder do mais forte. Mas, ao mesmo tempo, muitos dos jovens se mostraram solidários, preocupados com o mundo em que vivem, acreditam que a construção da paz é um caminho, tanto que se dispuseram ao desafio de atividades elaboradas por eles no ambiente escolar, onde o lema seja trazer a possibilidade da cultura da paz. Referências 452


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MACHADO, Tássia Brenner; BOTTOLI, Cristiane. Como os professores percebem a violência

453


Caderno de Experiências

O PEQUIZEIRO NATIVO DA CHAPADA DO ARARIPE – CE: SUBSÍDIOS AO USO SUSTENTÁVEL NA AGROECOLOGIA FAMILIAR.

Adriana Rejane Vitorino de Menezes Mestranda PRODER/UFCA adriana-tec1@hotmail.com

Cicero Secifram Silva Mestrando PRODER /UFCA secifram1@yahoo.com.br

Joana Darque Ribeiro Ferreira Mestranda PRODER /UFCA joanadarquerf@hotmail.com

José André de Andrade Mestrando PRODER /UFCA

Celme Torres F da Costa Professora/UFCA celmetorres@gmail.com

1 Introdução

circunvizinhas onde são vendidos por preços bastante razoáveis. A coleta indiscriminada dos frutos, sem controle da quantidade coletada nem dos procedimentos adotados, pode afetar diretamente a produtividade e a diversidade natural da população de pequizeiros presentes em certa região, além de prejudicar a relação destas árvores com insetos, animais maiores, plantas, e outras formas de vida com as quais elas interagem diretamente, causando um desequilíbrio ambiental em maior escala. Assim, é fundamental que se faça a coleta do pequi tomando os devidos cuidados para garantir a sustentabilidade da atividade (CARRAZZA L etal, 2010). A qualidade pós-colheita fornece profundos conhecimentos no comportamento fisiológico do fruto, permitindo uma manipulação cada vez mais precisa, visando manutenção da qualidade do mesmo pelo maior período de tempo possível, além de contribuir para a diminuição das perdas após colheita tornando o produto mais barato e acessível, haja vista que é mais econômico diminuir as perdas que plantar mais árvores. Ante o exposto, este trabalho foi desenvolvido com base num estudo interdisciplinar, aproximando olhares da história, geografia, tecnologia de alimentos e da agronomia, e visa avaliar e determinar os aspectos histéricos e geográficos na dinâmica da cata do pequi e no ponto de maturação do pequi (Caryocar coriaceum Wittm) colhido e após queda natural, visando subsidiar medidas que possam contribuir para melhorar a qualidade da matéria-prima, diminuir as perdas, aprimorar o beneficiamento do fruto, garantindo a comercialização da matéria-prima e dos subprodutos para agroindústrias da agricultura familiar na FLONA.

Esta pesquisa tem como propósito contextualizar a problematização do extrativismo do pequi na Floresta Nacional do Araripe, com a finalidade de compreender as ações de exploração comercial do produto e os impactos ambientais causados no processo, nossa investigação busca compreender se essa atividade é desenvolvida de forma sustentável, trabalhando com o conceito de agroecologia e desenvolvimento sustentável. Buscamos entender as relações sociais e históricas, os fatores geográficos e as características particulares do pequi. O pequi (Caryocar Coreacium), conhecido popularmente como piqui, pequiá, amêndoa de espinho, grão de cavalo ou amêndoa do Brasil, prefere climas quentes e o desenvolvimento de mudas é lento fornecendo cada planta, em média, seis mil frutos ao ano (RIBEIRO, 2000). Com a chegada do pequi na região do cariri cearense, mais especificamente na FLONA (Floresta Nacional do Araripe), muito animais silvestres são beneficiados pela sua florada assim como o homem que se desloca com suas famílias para iniciar a "apanha" do pequi, logo mais, a fruta já pode ser encontrada por todo lado, nas pequenas vilas ou nas ruas centrais de cidades como: Crato, Juazeiro do Norte, Jardim, Santa Fé, Barbalha, entre outras, onde ambulantes vendem o pequi recém-colhido in natura ou como subprodutos das agroindústrias da agricultura familiar implantadas na Chapada do Araripe. De todos os produtos nativos é o pequi que mais avulta em importância na região. O valor dos frutos cresce bastante em todo Nordeste, principalmente nas épocas de calamidades climáticas e ao mesmo tempo a produção aumenta como por um milagre, servindo assim de último refrigério para a população sofredora. Na safra do pequi a Chapada do Araripe fica fervilhando de pessoas que se abrigam à sombra do próprio pequizeiro e improvisam barracas e ali ficam durante quase toda a safra, numa verdadeira animação, aguardando a queda espontânea dos frutos maduros que são colhidos e utilizados para fabricação de óleo e/ou conduzidos por caminhões para as cidades

2 Fundamentação Teórica 2.1 Chapada do araripe, localização do pequi e aspectos socioculturais e ambientais A Chapada do Araripe, onde está localizado o Caryocar Coreacium, o pequi, e onde abriga a 454


Pesquisa em Foco Floresta Nacional do Araripe, é sem dúvidas, a maior e mais bela paisagem do Cariri Cearense, ela faz com que essa região seja diferenciada da região do cariri paraibano, ou velho cariri. Geograficamente localiza-se nos limites entre os estados de Pernambuco, Ceará e Piauí, sob os paralelos de 7º e 8° de Latitude Sul e os meridianos de 39° e 41° de Longitude Oeste de Greenwich. É um planalto de rocha sedimentar, apresenta altitude em média de 800m e seu topo assume forma geomorfológica de relevo tabular. De acordo com PEREIRA (2012, p. 01):

se em consideração à preservação ambiental. Fica mais fácil quando entendemos que ela assume diversos preceitos e é empregada de forma ampla, assim não corremos o risco de tornar a sustentabilidade um conceito ou uma definição seca e esvaziada do seu conteúdo cultural, social, histórico, geográfico e antropológico. Diversas pesquisas realizadas em torno da Chapada do Araripe enfocam bastante a questão ambiental no uso das potencialidades naturais, chamadas erroneamente de “recursos naturais”, o pequi é uma delas, que desperta não somente o valor econômico, mas também sustentável.

apresenta considerável potencial natural de recursos hídricos, minerais e edafoclimáticos que favorecem tanto a agricultura diversificada, e de matériasprimas locais, com extensa biodiversidade, que poderia dar condições de sustentabilidade, tanto ambiental, como de subsistência ao homem com alternativas viáveis que poderiam garantir a qualidade de vida da população local. Vale salientar que as condições edafoclimáticas da região são das mais favoráveis no estado, tendo em vista a localização privilegiada, numa das áreas mais úmidas e férteis localizados no sopé da Chapada do Araripe.

O pequizeiro é uma planta perene, nativa, explorada de forma extrativista, típica da região do cerrado, pertencente ao gênero Caryocare família Caryocaraceae. Nessas regiões, apresenta-se uma árvore frondosa e engalhada, podendo alcançar até dez metros de altura. Seus frutos, de cheiro e sabor peculiares, são bastante apreciados pela população nas regiões de ocorrência. PEREIRA (2012, p. 02).

Ainda para PEREIRA (2012, p.03): o pequi apresenta uma gama de utilidades e é potencialmente agregador de valor econômico, uma vez que no período de coleta muitas famílias se deslocam de suas residências para a “serra” para catar pequi e se acomodam em casas construídas às margens da estrada para comercializarem o pequi, mudando a rotina em função da extração do fruto, como acontece, por exemplo, em alguns casos na comunidade de Cacimbas, localizada entre os municípios de Jardim e Barbalha.

Além dessas características apresenta basicamente dois tipos de solos predominantes, o Latossolo, bastante profundo e intemperizado e com problemas de fertilidade, e o Sedimentar, proveniente da rocha sedimentar. Sua vegetação diversifica-se na transição dos domínios de Cerradão, mais predominante, Caatinga e Cerrado. O Pequi é encontrado no Domínio do Cerrado na Chapada do Araripe, nos limítrofes entre o Ceará e Pernambuco, ali comunidades sertanejas sobrevivem da sua cultura e fazem dele não apenas uma opção a mais de cardápio na sua alimentação ou como também um fruto comerciável, mas uma prática que se refaz há anos, passada de geração a geração e que materializa-se no território da Chapada enredando a criação de espaços de acampamentos, de práticas comuns, de valorização da cultura popular local e não obstante, da preservação ambiental. As pessoas que se juntam em grupo para à colheita do Pequi acabam traçando ao longo dos anos uma teia de trocas recíprocas com esse espaço, com essa “segunda natureza”, SANTOS (1979). Daí a necessidade de compreendermos como essas pessoas conseguem conviver nesse espaço levando-

Podemos assim dizer que a Região do Cariri possui características privilegiadas por conta da Chapada do Araripe que além da sua grande riqueza fossilífera há uma diversidade na FLORA e na FAUNA e nos seus aquíferos, onde entram diversas discussões em torno da sua preservação. Nesse sentido o extrativismo do pequi produz redes de significados e cultura que dá características ao sertanejo que vive dele e que por isso também entra na questão da sustentabilidade, gera renda, gera cultura, gera crenças, gera simbologismo e atenta para a preservação e manutenção. 455


Caderno de Experiências É importante que ressaltemos sempre o valor da cata do pequi, porque produz territorialidades diversas que só se materializam a partir da tecituras de relações estabelecidas nelas. As cidades do CRAJUBAR, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, são pontos de ligamentos para as cidades circunvizinhas que recebem o pequi na época de colheita. Esse fenômeno anual faz com que elas sejam percebidas fortemente pelas suas ligações diretas a ele por estarem localizadas privilegiadamente em torno da chapada. Pensar o pequi e seus catadores é pensar em Desenvolvimento, na Chapada do Araripe em Desenvolvimento Regional Sustentável, visto que a tendência é expansão, portanto, fortalecimento dessas práticas na vida sertaneja. Os catadores sentem-se pertencentes deste lugar, constroem sua territorialidade em torno dos pequizeiros, materializam seu modo de vida, suas crenças, seus costumes, seus valores, suas práticas, portanto, são responsáveis na construção do seu espaço de luta, vida e trabalho. O cerrado brasileiro apresenta uma rica biodiversidade em alimentos de origem vegetal, principalmente frutos com elevado potencial para a alimentação humana, porém, poucos estudos relacionados ao processamento industrial têm sido realizados. Dentre as frutíferas nativas desta região destaca-se o pequi (Caryocar brasiliense Camb), fruto também conhecido como ouro do cerrado, por seu alto valor econômico e nutricional, Figueiredo, F. W; Maia; Figueiredo et al (1989). O pequi é encontrado em todo o cerrado brasileiro, com grandes plantações naturais nos Estados de Maranhão, Piauí, Pará, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Tocantins Ribeiro (2000). Durante a safra, de janeiro a março, o pequi representa uma importante fonte de renda para o agricultor local, envolvendo toda a família na tarefa de catação dos frutos que são vendidos in natura no mercado local e cidades circunvizinhas e, na entressafra, complementa a renda pela venda do óleo (polpa e amêndoa), que tem maior valor comercial. A estas atividades, de grande importância socioeconômica, por gerarem emprego e renda que contribuem com 54,7% da renda anual familiar do produtor Pozo (1997), soma-se a utilização dos frutos como alimento, Oliveira et al (2009). A utilização do fruto como alimento, é importante nas áreas de ocorrência devido ao valor nutricional e por apresentar teores consideráveis de vitaminas, carboidratos e minerais, bem como sua aplicação na manutenção da saúde e na prevenção de doenças Sano; Almeida, 1998; Lima; Mancini, Filho (2005). A polpa de cor amarela, devido ao sabor exótico e ao aroma forte e característico é muito apreciada e utilizada, pela população de vários Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, como

tempero no preparo de arroz, frango, carnes e na fabricação de licores Lima et al (2007). Estudos da caracterização química desse fruto evidenciam que tanto a polpa, quanto a amêndoa do pequi são ricas em lípides, (predominando os ácidos graxos oléico e palmítico), fibra alimentar (sobretudo a pectina), compostos antioxidantes (ácido ascórbico, vitamina E, carotenóides, licopeno, entre outros), sais minerais (ferro, cálcio, cobre, zinco, entre outros) e fenólicos totais. Esses compostos demonstram que esse alimento consumido de forma moderada poderá trazer amplos benefícios para a saúde humana Schneider, R. (2009). A qualidade dos frutos depende, além de outros fatores, do estádio de maturação por ocasião da colheita, o qual influencia muito na vida útil póscolheita. Colheitas realizadas antes que os frutos atinjam completa maturação fisiológica, prejudicam o processo de amadurecimento, afetando a sua qualidade. Por outro lado, colheita de frutos totalmente maduros reduz a vida útil, dificulta o manuseio e transporte, devido sua baixa resistência física, causando perdas quantitativas e qualitativas Chitarra e Chitarra (1990). Durante a fase final do desenvolvimento do fruto, sua respiração pode continuar sem alteração significativa, ou pode ocorrer, dependendo do fruto, um aumento dramático chamado climatérico. Utilizando como critério a variação da respiração durante a maturação, os frutos foram agrupados em dois grandes grupos: os frutos climatéricos e os não-climatéricos. Existem também aqueles que não se encaixam em nenhuma das categorias Costa (2008). A maturação ocorre na vida de um fruto, quando seu desenvolvimento completo é atingido, independentemente da planta mãe. Após a maturação, não há mais aumento no tamanho do fruto. Corresponde basicamente às mudanças nos fatores sensoriais, físicos e químicos Chitarra (1990). O pequizeiro é uma planta perene, que pode ser classificada como frutífera ou oleaginosa, em razão das suas características e formas de utilização. Conforme destaca Lorenzi, (2002), o pequizeiro é pertencente à Classe: Magnoliopsida; Ordem: Malpighiales; Família: Caryocaraceae; Gênero: Caryocar; Espécie: Caryocar brasiliense Camb. É uma árvore típica dos chapadões areníticos, com ocorrência em áreas de cerrado, assim como em zonas de transição destes para a floresta Amazônica, podendo ainda ser encontrado em área de transição para a caatinga e o pantanal. Como visto a cultura do pequi se encontra em muitas regiões diferentes do país, desta foram a mesma pode ocorrer com expressiva representatividade no cariri cearense. Possui galhos grossos e geralmente tortuosos, casca cinzenta com fissuras longitudinais; folhas compostas, trifolioladas, 456


Pesquisa em Foco opostas e flores, de até oito centímetros de diâmetro, são hermafroditas, possuindo cinco pétalas esbranquiçadas, livres entre si, com numerosos e longos estames Brandão e Rocha (2004); Beltrão e Oliveira (2007). A autofecundação é de baixa ocorrência pelo fato de que os gametas maturam em períodos diferentes, o que justifica a grande diversidade da espécie. Por ter uma baixa incidência de auto-fecundação, esta cultura precisa do auxilio de polinizador para perpetuação da espécie, bem como para a melhoria e sustentação da produtividade. Para essa finalidade a mesma tem como principal aliado e agente polinizador morcegos, estes retiram o néctar das flores e levam consigo o pólen para outras flores. Segundo Almeida (1998), tem preferência por climas quentes, sendo ideal nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Sua floração ocorre de agosto a novembro (chuvas), com pico em setembro, podendo ocasionalmente, ter ocorrência em outras épocas após as chuvas ou roçados. A frutificação acontece, geralmente, nos meses de janeiro a março, embora possam ser encontrados frutos em dezembro e abril. Segundo Barradas, (1972); Andersen e Andersen, (1989), não possui uma frutificação regular havendo sazonalidades em anos com baixa produção e anos com grande produção. O pequizeiro é capaz de desenvolver-se em ambientes pobres em nutrientes minerais e com elevado teor de alumínio, como latossolo vermelho, cambissolo, neossolo quartzarênico e neossolo litólico. E de acordo co Antunes et. Al.; (2006), essa capacidade de adaptação do pequi a solos com severas limitações de retenção de água e nutrientes, o torna como uma alternativa de melhoria das condições socioambientais em áreas com ocorrência de solos empobrecidos ou degradados. Souza e Salviano, (2002), ressaltam e recomendam seu plantio em sistemas agroflorestais, com outras espécies, com o objetivo de conciliar os interesses ecológicos e econômicos. A utilização do pequizeiro neste sistema citado possibilita melhorias nas condições dos solos, bem como contribui para sustentabilidade dos sistemas produtivos.

para a agroecologia e o desenvolvimento sustentável. O presente estudo está organizado metodologicamente com base em uma pesquisa descritiva, do tipo bibliográfico, portanto um artigo bibliográfico em que para o qual buscou-se livros , artigos, vídeos, e a reunião de diversos autores de variadas áreas para subsidiarem nas discussões. De acordo com Noronha e Ferreira (2000, p. 191), estudos que analisam a produção bibliográfica em determinada área temática dentro de um recorte de tempo, fornecerão uma visão geral de um relatório de estudo-da-arte sobre um tópico especifico, evidenciando novas ideias, métodos, subtemas que tem recebido maior ênfase na literatura selecionada. O referido estudo consta de análise Etnográfica de Vídeos sobre a Cata do Pequi e seus efeitos para as comunidades e para a Região do Cariri aos quais despertam no pesquisador maior curiosidade e compreensão da importância do processo de cata do pequi na territorialização e construção desses espaços articulados em rede no Cariri Cearense. 4 Resultados e discussão 4.1 Extrativismo e sustentabilidade Chegamos a resultados que demonstra que esse processo de extrativismo do pequi na chapada do Araripe é um processo cultural de base econômica das famílias do semiárido e que envolve toda uma cadeia que vai desde a colheita até a comercialização nas feiras e mercados da Região do Cariri. Todo esse processo acontece dentro de uma lógica de exploração do produto e que em muitos fatores são insustentáveis. Destacamos que para um extrativismo sustentável seria necessário mecanismo de acompanhamento da ação do ser humano no meio ambiente, pois a relação ser humano natureza ainda é apenas de exploração e na atualidade, numa visão mais sistêmica o ser humano é parte da natureza e para isso dever saber de forma sustentável utilizar seus recursos de forma que seja preservado e garantido para as gerações futuras a mesma oportunidade de utilização desses recursos. Dentro do contexto atual, a Geografia se estende para os caminhos que as leve diretamente para à sustentabilidade, não se trata de uma adesão a um novo modismo como fazem diversas áreas do conhecimento cientifico, mas de uma divida histórica em que a disciplina se fez nascer. Durante muito tempo a ciência geográfica demonstrou desprezo pelo meio ambiente, na medida em que desprezada a importância da sua preservação enquanto se preocupava em despertar no mundo o crescimento econômico em fator decorrente do crescimento industrial, vemos isso na geografia

3 Procedimentos Metodológicos 3.1 A interdisciplinaridade na ciência como possibilidade de produção de conhecimentos do sujeito/objeto na pesquisa Com um olhar interdisciplinar na bibliografia sobre o extrativismo do pequi, acompanhando os estudos realizados e fazendo um levantamento de artigos escritos no período de 2009 a 2013, construímos esse estudo que foca o extrativismo do pequi na Chapada do Araripe aproximando uma reflexão 457


Caderno de Experiências quantitativa e clássica. Essa nova Geografia, Crítica, se preocupa com homem e meio ambiente, não disjuntos, mas um em dependência do outro, sem determinismos geográficos, ambientais, ou sociais. Nessa relação entendemos que seu papel está consagrado com sustentabilidade, pois sem ela, qualquer disciplina, qualquer área giraria em torno de si própria apenas, portanto, não responderias aos problemas de que o mundo tem passado. De acordo com a Empresa Brasileiro de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA (2008), a espécie Caryocar coriaceum exerci um importante papel socioeconômico na parte mais setentrional do Nordeste brasileiro, especificamente na Chapada do Araripe e circunvizinhanças, nos Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Ainda segundo a EMBRAPA são encontradas poucas informações disponíveis na literatura especializada dedicada a essa espécie. Essa escassez de literatura poderá provoca reflexos negativos para a melhoria do sistema atual de exploração e, principalmente, para o surgimento de empreendimentos agroindustriais em bases racionais, com foco na agroecologia e ao respeito à sustentabilidade dos ecossistemas onde essa cultura esta inserida. A importância da cultura do pequi também está relacionada com sustentabilidade, por ser coletado na natureza de forma extrativista, permite sua disseminação por outras áreas. Ao fazer a coleta na mata às famílias procuram não derrubar, das arvores os frutos, coletando apenas os que caiem naturalmente essa é uma clara manifestação de sustentabilidade, pois não prejudica as plantas e o ambiente onde elas ocorrem, garante uma fonte de renda e conservação do sistema natural (mata nativa). A obtenção da polpa de pequi, quase sempre é obtida manualmente, e muitas vezes, sem os devidos cuidados de higiene na manipulação do alimento, sendo um árduo trabalho para quem o realiza. Avaliando a necessidade de processar uma grande quantidade de frutos, eles eram conduzidos e despolpados no Laboratório de Processamento II, do Curso Superior de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Tecnologia CENTEC - FATEC CARIRI, em uma despeliculadora elétrica de batatas. A despolpa consistia em utilizar os pequis (sem casca) previamente branqueados, até a aquisição de uma pasta homogênea, de boa qualidade, com alto aproveitamento industrial, sendo possível o seu uso como matéria-prima na elaboração de novos produtos. Diversas pesquisas são citadas na literatura com relação ao processamento do pequi para o desenvolvimento de produtos alimentícios, entre os quais pequi em pó Furtado et al (2010), conserva de polpa de pequi Ferreira e Junqueira (2009), tablete de pequi Barbosa et (2006), pequi minimamente processado Rodrigues et al., 2007; Damiani et al (2008), amêndoas torradas Rabêlo et al (2008),

óleo de pequi Barbosa et al (2009), iogurte de pequi Rocha et al (2008), biscoitos de pequi Soares Júnior et al (2009) e pasta de pequi A, Pinedo et al (2010). O desenvolvimento de margarina à base de óleo de pequi surge como alternativa para a utilização desse fruto, tendo em vista o alto consumo de margarina pela população e considerando a riqueza de nutrientes do óleo de pequi. Além disso, a elaboração de produto usando o óleo de pequi como fonte principal de gordura agregaria valor econômico ao fruto Oliveira E.N. A etal (2011). Considerações Finais Pensando no conceito de desenvolvimento sustentável, como o definido no Relatório “nosso futuro comum” de 1987 onde o desenvolvimento sustentável é definido como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” , faz com que nossas considerações finais, versem sobre a nossa rica floresta nacional do Araripe e todas essas relações de exploração e extrativismo, mesmo sob fiscalização dos órgãos competentes de preservação ambiental, mas falta à consciência do ser humano como parte da natureza, acreditamos que um trabalho de sensibilização das famílias que exploram no pequi, deve ser constante e continuo e que num futuro próximo possamos culturalmente perceber transformações positivas para a sustentabilidade na cadeia exploratória do pequi, onde as relações do ser humano com a natureza seja integrada e assim sustentável. A elaboração de novos produtos a partir do pequi ajuda a reduzir o excedente de produção do fruto no pico da safra, além de valorizar preservando a sua cultura, agregando valor econômico ao fruto, aprimorando o seu beneficiamento, garantindo a comercialização da matéria-prima e dos subprodutos para agroindústrias da agricultura familiar na FLONA. A prática do extrativismo de forma sustentável, sem prejudicar as plantas e o ambiente onde elas ocorrem, garante uma fonte de renda por muito tempo. Referências ALMEIDA, S.P. de. Frutas nativas do Cerrado: caracterização físico-química e fonte ANDERSEN, O.; ANDERSEN, V.U. As frutas silvestres brasileiras. 3. ed. São Paulo, ANTUNES, E.C.; ZUPPA NETO, T. O.; ANTONIOSI FILHO, N. R.; CASTRO, S.S.; Utilização do pequi (Caryocar brasiliense Camb) como espécie recuperadora de ambientes 458


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