N A E P O EUR DAY E C I T S U J OF 2016
e.book
Outubro 2016
ATUALIDADE E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
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ATUALIDADE E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
Direção-Geral da Política de Justiça TÍTULO
EUROPEAN DAY OF JUSTICE 2016 Atualidade e Tendências na cooperação judiciária civil e comercial AUTORIA, COORDENAÇÃO DO PROJETO, REVISÃO E EDIÇÃO
Unidade para a Justiça Civil, Cidadania e Contencioso Internacional, Gabinete de Relações Internacionais da DGPJ DESIGN E EXECUÇÃO GRÁFICA
IGFEJ, I.P. - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça FORMATO
Livro Eletrónico DISTRIBUIÇÃO
Edição Digital Lisboa, outubro, 2016 Este trabalho está protegido com uma Licença Creative Commons - Atribuição -NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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e.book - ATUALIDADE
E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
ÍNDICE NOTA DE ABERTURA Susana Antas Videira
pág. 4
Reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial («Judgments Project») Sónia Duarte Afonso
pág. 6
O Regulamento Bruxelas II bis e a celeridade das decisões de regresso João Gomes de Almeida
pág. 11
Regulamento Europeu das Sucessões — inovações e desafios Afonso Patrão
pág. 15
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade Renato Gonçalves Filipa de Figueiroa Quelhas
pág. 19
Brexit - Implicações na área da cooperação judiciária em matéria civil e comercial Sara Nunes de Almeida Jurisprudência, Tribunal de Justiça da União Europeia
pág. 29 pág. 34 3
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E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
NOTA DE ABERTURA Susana Antas Videira (Diretora-Geral da DGPJ)
O crescente movimento de pessoas e de relações familiares e comerciais tem colocado cada vez mais os cidadãos, as empresas e os atores da justiça perante situações com implicações transfronteiriças e com problemas e questões jurídicas regidas pelo direito internacional e pelo direito da União Europeia em particular. Nesta matéria, é sabido o fundamental papel desempenhado pelas normas de cooperação judiciária em matéria civil, alicerçadas numa presunção da igualdade de valor e bem assim no princípio da confiança mútua entre tribunais e ordenamentos jurídicos, a bem da promoção da segurança jurídica e da previsibilidade das situações jurídicas. Neste sentido, e porque se pretende dar visibilidade externa ao relevante trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no âmbito da construção de um Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça, este ano a 2.ª edição deste caderno dedica-se ao tema “Atualidade e tendências na cooperação judiciária civil e comercial”. Atentas as inovações e alterações mais recentes
e com maior impacto ocorridas ao nível da União Europeia, a presente publicação aborda essencialmente temas ligados ao direito da União, sendo complementada com um comentário dedicado ao ambicioso projeto da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado sobre reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial («Judgments Project»). Mais uma vez, deve destacar-se a abertura da publicação a colaborações externas, integrando o pensamento de estudiosos das faculdades de Direito, que têm vindo a dedicar muito do seu labor ao conhecimento das temáticas abordadas, e em particular da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a quem muito agradecemos. Assim, Pela mão da Mestre Sónia Duarte Afonso, é-nos dado a conhecer o estado de arte do projeto dedicado ao reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e 4
NOTA DE ABERTURA
comercial no âmbito da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado («Judgments Project»), que contribuirá para a criação de um quadro jurídico comum na referida matéria complementando o acervo existente ao nível da União Europeia.
Em quarto lugar, o enquadramento da insolvência na União Europeia deu o mote à elaboração do artigo da autoria da Dra. Filipa de Figueiroa Quelhas e do Dr. Renato Gonçalves, que nos expõe o status quo das regras de insolvência na União Europeia e quais os desafios e mudanças expectáveis com a apresentação pela Por seu turno, com o Mestre Afonso Patrão, Comissão Europeia do quadro complementar somos inteirados das inovações e dos desafios das aludidas regras. colocados pela entrada em vigor do Regulamento Europeu das Sucessões, aplicável às sucessões Finalmente, pela atualidade, pertinência e inocorridas após 17 de agosto de 2015, e que teresse, contamos com um comentário sobre o configura uma alteração de paradigma face às Brexit e as suas implicações na área da cooperegras de Direito Internacional Privado até en- ração judiciária em matéria civil e comercial, tão aplicáveis. com uma resenha sobre as especificidades da participação do Reino Unido no Espaço de Com a proposta de revisão do Regulamento Bru- Liberdade Segurança e de Justiça, da lavra da xelas II bis adotada pela Comissão Europeia no Mestre Sara Nunes de Almeida. passado dia 30 de junho de 2016 e a tónica colocada no reforço da proteção das crianças, Fechamos a nossa publicação com um como Mestre João Gomes de Almeida oferece-nos, pêndio da jurisprudência mais recente do por sua vez, uma visão do impacto das novas Tribunal de Justiça da União Europeia no âmpropostas em especial sobre a desejada cele- bito da cooperação judiciária em matéria civil ridade das decisões de regresso nos casos de e comercial, gentilmente recolhida por Diogo rapto internacional de crianças, ponto-chave de Almeida Antunes, aluno da Faculdade de da jurisprudência do Tribunal de Justiça da Direito da Universidade de Lisboa, no âmbito União Europeia. do estágio que frequentou nesta casa. A todos, muito obrigada!
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E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
Reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial («Judgments Project») Sónia Duarte Afonso (Mestre em Direito. Técnica Superior da Unidade de Justiça Civil, Cidadania e Contencioso Internacional da DGPJ/MJ)
“Se homens de diversas províncias, que têm diversos costumes litigarem perante um mesmo juiz, qual deve seguir o juiz encarregado de julgar? Respondo que é aquele que parecer melhor e mais útil. Deve portanto julgar segundo aquilo que se lhe afigure melhor.” Magister Aldricus, glosador italiano, séc.XII
Introdução Desde a década de 1990 que têm sido desenvolvidos, no seio da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, doravante Conferência da Haia, trabalhos conducentes à adoção de uma eventual convenção multilateral relativa à jurisdição e ao reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras, iniciativa designada por «Judgments Project». Em 1992, o Secretariado Permanente da Conferência da Haia recebeu uma proposta dos E.U.A., baseada num projeto elaborado pelo Prof. Arthur von Mehren, da Faculdade de Direito de Harvard, sobre o esboço de uma convenção relativa àquela matéria, no qual se propugnava a promoção de um instrumento que contemplasse tanto normas uniformes concernentes à jurisdição e competência internacional, como normas de reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras. A trajetória dos trabalhos sobre o «Judgments Project» conheceu três fases distintas. A primeira, de conceção, iniciada no ano da proposta formulada pelos E.U.A. e que se estende até a Conferência Diplomática de 2001. A segunda, entre 2002 e 2005, resultou na adoção da Convenção sobre os Acordos de Eleição do Foro1, instrumento derivado do processo negociador com mandato reduzido na Conferência da Haia para questões relativas a pactos atributivos de jurisdição em matéria civil ou comercial. A terceira, iniciada com a retoma das discussões em 2010 e presentemente em curso.
o Evolução e ponto de situação do «Judgments Project» Seria fastidioso percorrer exaustivamente obstante, sempre se dirá que no primeiro esnesta sede os avanços e os impasses que este tádio, os trabalhados basearam-se no conceito processo conheceu ao longo dos tempos. Não de uma convenção dupla, do tipo da Conven1
De 30 de junho de 2005.
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Reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial («Judgments Project»)
ção de Bruxelas de 19682, por oposição a uma convenção simples3, e que incluiria uma lista de competências jurisdicionais obrigatórias, acompanhada eventualmente por uma lista das competências proibidas. Porém, a partir de 1999, os trabalhos seriam orientados no sentido de uma convenção dita “mista”, logo mais flexível, que integrava: a) Uma lista de competências jurisdicionais aceitáveis (lista branca), i.e., aquelas em que a apresentação do caso ao tribunal de origem implica o reconhecimento e a execução da sentença proferida noutro Estado contratante; b) Uma lista de competências proibidas ou foros exorbitantes, ou seja, desprovidos de vínculos suficientes com o litígio, acompanhada de uma enumeração de exemplos não exaustiva (lista negra), em virtude das quais não será possível atribuir competência aos tribunais de um Estado contratante, quaisquer que sejam as circunstâncias; c) Uma lista de competências que estariam disponíveis nos termos das diferentes legislações nacionais (a chamada zona cinzenta) sem que, no entanto, as decisões proferidas nesta base sejam reconhecidas de acordo com a convenção, podendo sê-lo ao abrigo do direito comum do exequatur dos Estados contratantes. Um anteprojeto de Convenção foi adotado nesta base por uma comissão especial que, no entanto, não viria a ser aprovado na Conferência Diplomática de 2001, em virtude das dificuldades em torno da competência baseada na atividade comercial, propriedade intelectual,
direitos do consumidor e dos trabalhadores e o impacto do comércio eletrónico. O desbloqueio seria alcançado, numa primeira fase, por via da limitação do âmbito do instrumento jurídico, circunscrevendo-o aos pactos atributivos de jurisdição, de que a Convenção sobre os Acordos de Eleição do Foro é a sua materialização, e que de resto, o presente projeto se inspirou em grande parte. O desbloqueio prosseguiu com a adoção da presente versão do «Judgments Project»4 que foi submetido à consideração da comissão especial realizada entre os dias 1 e 9 de junho de 2016 na Conferência da Haia. Trata-se de um projeto de convenção com 15 artigos, mas ainda incompleto, pois carece de cláusulas finais, designadamente, as clássicas em qualquer tratado internacional, como de cláusulas relativas à relação com outros instrumentos jurídicos relevantes sobre a mesma matéria, de que são exemplo a Convenção de Lugano5 ou o Regulamento de Bruxelas I (Reformulação, doravante Regulamento)6 e uma cláusula relativa às REIO7 . No curso da segunda comissão especial, que terá lugar entre 16 e 24 de fevereiro de 2017, serão analisadas estas matérias, assim como as questões que ficaram em aberto na primeira comissão. Ponto assente é que da futura convenção ficarão de fora as matérias relativas à competência direta (incluindo competências exorbitantes, litispendência e situações em que um tribunal decline a sua competência), as quais serão objeto de estudo e tratamento no quadro dos trabalhos de um grupo de peritos, com vista à preparação de um instrumento adicional.
Convenção relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial. Uma convenção dupla aborda simultaneamente a competência direta dos tribunais e o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras, restringindo-se a convenção simples a esta última matéria. Aquela opção teria a vantagem de oferecer informação e previsibilidade às partes ao fixar critérios para a definição da jurisdição competente e evitaria os perigos associados à convenção simples que, estabelecendo bases indiretas para a jurisdição (como fundamentos para o não reconhecimento) pode conduzir a interpretações equívocas. 4 O texto poderá ser descarregado aqui: https://assets.hcch.net/docs/06811e9c-dddf-4619-81af-71e8836c8d3e.pdf 5 Data de 30 de outubro de 2007. Assinada entre (à época) a Comunidade, a Dinamarca, a Islândia, a Noruega e a Suíça. 6 Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial. 7 Acrónimo de Regional Economic Integration Organisation. 2
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Reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial («Judgments Project»)
Bosquejo do articulado do «Judgments Project» Em conjunto, os artigos 1.º e 2.º delimitam positiva e negativamente o âmbito de aplicação da convenção. Assim, a convenção aplicar-se-á ao reconhecimento e execução de sentenças em matéria civil e comercial, mas não se aplicará, a título ilustrativo, ao estado e capacidade das pessoas, às obrigações alimentares, a outras matérias de direito da família, incluindo os regimes matrimoniais e outros direitos ou obrigações derivados do casamento ou de relações similares, aos testamentos e sucessões, à validade das inscrições em registos públicos e à difamação. Das definições constantes do artigo 3.º, juntamente com o previsto no n.º 1 do artigo 1.º, resulta que a convenção só será aplicável a decisões proferidas por instâncias jurisdicionais, sendo daquelas descartadas as relativas a medidas cautelares. Excluídas ficam, pois, as decisões de autoridades “parajudiciais” ou administrativas e de entidades de resolução alternativa de litígios. A revisão da sentença baseada no mérito é vedada (artigo 4.º), sendo a sentença só reconhecida se produzir efeitos no Estado de origem e só executada se for executória no Estado de origem. O sistema de reconhecimento e execução assenta nas regras contidas no artigo 5.º, que consagra um sistema de competência internacional indireta, ou seja, a principal condição de reconhecimento da decisão judicial estrangeira é a existência de uma conexão adequada com o Estado de origem dessa decisão ou a verificação de circunstâncias especiais que a permitam dispensar. Desde logo, é proposto o critério da residência habitual do requerido que este tinha no Estado de origem à época em que se tornou parte na ação. Quanto aos demais critérios de competência, são propostos os seguintes critérios: a) o demandado no reconhecimento ou execução foi quem intentou a ação que deu ori-
gem à sentença que se pretende reconhecer ou executar; b) o réu mantinha uma filial, sucursal ou outro estabelecimento sem personalidade jurídica no Estado de origem na altura em que se tornou parte na ação e a causa de pedir está relacionada com a atividade dessa filial, sucursal ou outro estabelecimento; c) o réu expressamente aceitou a competência do tribunal de origem no curso da ação que correu neste tribunal; d) a sentença versa sobre obrigação contratual e foi proferida no Estado no qual o cumprimento da obrigação teve lugar ou teria lugar de acordo com o convencionado pelas partes ou segundo a lei aplicável ao contrato, exceto se as atividades do réu relativamente ao negócio não apresentem uma conexão significativa e substancial a esse Estado; e) a sentença respeite a obrigação extracontratual decorrente de morte, lesão corporal, dano ou perda de bem corpóreo e o ato ou omissão diretamente causador desse dano tiver ocorrido no Estado de origem, independentemente do local onde se produziu o dano; f) a sentença dizer respeito a violação de patente, marca, desenhos ou outros direitos análogos sujeito a registo ou depósito e proferida pelo tribunal do Estado do registo ou depósito; g) a sentença respeitar à validade ou violação de direito de autor ou de direito conexo surgido ao abrigo da lei do Estado de origem; h) a sentença reportar-se a trust; i) a sentença ter decidido sobre pedido reconvencional; j) o tribunal de origem seria o competente de acordo com as regras de competência do Estado requerido. Relativamente a este último critério, é de frisar que ele consubstancia uma remissão subsidiária para os critérios de competência in8
Reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial («Judgments Project»)
direta contidos noutros regimes vigentes no Estado de reconhecimento permitindo, pois, a relevância e aplicação de outros critérios que não estejam especificados no artigo 5.º, o que também facilita a recetividade internacional da futura convenção. O artigo 5.º contém, ainda, regras específicas no caso do reconhecimento ou a execução ser requerido contra um consumidor ou trabalhador, determinando que o seu consentimento na competência do tribunal de origem durante o processo só releva se tiver sido prestado perante o tribunal, o que é de aplaudir considerando que aqueles se apresentam na demanda numa posição mais frágil. Embora o objetivo geral da futura convenção seja facilitar o reconhecimento ou a execução a nível mundial, é necessário, porém, estabelecer um conjunto de motivos que permitam recusar esse reconhecimento ou execução com vista a assegurar a devida proteção dos direitos de defesa, a imparcialidade e a equidade do processo, assim como garantir a conformidade do processo no tribunal de origem com princípios fundamentais. Destarte, os artigos 7.º e 9.º elencam os fundamentos de recusa do reconhecimento ou da execução, sendo este último especialmente dedicado ao reconhecimento e execução de sentenças que concedam indemnizações, incluindo as de caráter exemplar ou punitivo. O processo de reconhecimento e execução é regulado pela lei interna do Estado requerido (artigo 12.º), salvo disposição em contrário da lei daquele Estado. Este aspeto não é de somenos importância, uma vez que tem um impacto direto na eficiência (em termos de tempo e
custos) do sistema de reconhecimento. Ainda segundo este artigo, é proibido o recurso ao forum non conveniens como fundamento de recusa do reconhecimento ou execução, impedindo, assim, que o Estado requerido considere que os tribunais de outro Estado se encontram melhor colocados para apreciar o pedido de reconhecimento ou execução. Esta norma reflete a preocupação de o recurso ao forum non conveniens ser frequente nos tribunais de Estados como os E.U.A., constituindo aquela proibição uma forma de garantir o acesso à justiça e promover o reconhecimento e execução ao abrigo da futura convenção, contribuindo, assim, para o seu sucesso. Uma sentença reconhecida ou declarada executória nos termos da futura convenção terá o mesmo efeito que possua no Estado de origem (artigo 13.º). Por último, é de assinalar que sem prejuízo das situações competência exclusiva previstas no artigo 6.º, ao abrigo do artigo 15.º não é impedido o reconhecimento ou a execução da sentença nos termos da lei nacional. Significa isto que os Estados conservam a liberdade de manterem os seus sistemas de reconhecimento e execução (que podem até ser mais flexíveis do que o previsto na convenção), sendo apenas estabelecida única exceção: aos Estados contratantes não é permitido o reconhecimento ou a execução de sentença que viole as situações de competência exclusiva previstas no artigo 6.º, ainda que o reconhecimento ou a execução sejam permitidos ao abrigo da lei nacional. Evita-se, assim, o contorno das regras previstas neste último artigo, cuja importância e coerência são, assim, reforçadas.
Relevância do «Judgments Project» O presente projeto de convenção constitui o reflexo de um longo e maturado trabalho que globalmente merece nota positiva ao seguir uma matriz muito próxima da Convenção sobre os Acordos de Eleição do Foro e ao ter
em conta as soluções jurídicas constantes do Regulamento. A futura convenção permitirá complementar o quadro jurídico sobre o reconhecimento e a execução já existente derivado da Convenção de Lugano e do Regulamento, 9
Reconhecimento e execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial («Judgments Project»)
ambos de abrangência geográfica inferior, tendo em vista uma unificação de regras sobre esta matéria à escala universal. O reconhecimento de decisões judiciais estrangeiras fundamenta-se na tutela da confiança depositada na definição da relação controvertida por via judicial, na continuidade e estabilidade das situações jurídicas consolidadas ou constituídas pela sentença, na harmonia internacional de soluções, na facilitação
do comércio internacional e na promoção da eficácia prática das sentenças. Por conseguinte, a unificação das regras aplicáveis ao reconhecimento e à execução em que se traduz o “Judgements Project” contribui para a certeza e previsibilidade jurídicas quanto à eficácia das decisões jurisdicionais noutros Estados e, simultaneamente, facilita o conhecimento pelos interessados do regime aplicável ao reconhecimento e à execução.
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As opiniões expressas neste artigo vinculam apenas a sua autora e não são necessariamente coincidentes com a posição da DGPJ.
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e.book - ATUALIDADE
E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
O Regulamento Bruxelas II bis e a celeridade das decisões de regresso João Gomes de Almeida
(Mestre em Direito. Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa. Membro do Centro de Investigação de Direito Privado da Faculdade de Direito de Lisboa)
O Regulamento Bruxelas II bis1 é um regulamento duplo, no sentido tradicional, pois uniformiza regras sobre competência internacional e regras sobre reconhecimento de decisões. Atualmente é o principal instrumento de cooperação judiciária na área de direito da família na União Europeia2.
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Nas bases de dados jurisprudenciais portuguesas3 encontra-se hoje um número assinalável de acórdãos publicados que aplicaram o Regulamento Bruxelas II bis4. De entre estes, verifica-se que um número significativo (cerca de 20%) respeita à matéria do rapto internacional de crianças5, especificamente à obtenção de uma decisão de regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida. Tal justifica, pensa-se, a opção de focar este breve texto na problemática das decisões de regresso. Nesta matéria estabeleceu-se uma relação de complementaridade entre o Regulamento Bruxelas II bis e a Convenção da Haia de 19806,
ou seja, o Regulamento não afasta ou substitui a Convenção, antes “completa e precisa, nomeadamente no seu artigo 11.°, as referidas regras convencionais”, pelo que as disposições destes dois instrumentos “constituem assim um conjunto normativo indivisível, aplicável aos procedimentos de regresso de crianças ilicitamente deslocadas dentro da União”7. As normas do Regulamento Bruxelas II bis encontram-se ordenadas à ideia de favorecimento de uma decisão célere de regresso da criança deslocada ou retida ilicitamente8. Corolário desta ideia é a transformação do prazo meramente indicativo de 6 semanas da Convenção 11
O Regulamento Bruxelas II bis e a celeridade das decisões de regresso
da Haia de 19809 em prazo vinculativo, estabelecendo-se que o tribunal deve “pronunciar-se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem”10. A exequibilidade deste prazo é controvertida, como a prática tem vindo a demonstrar11, e a sua consagração normativa tem suscitado dúvidas, que podem ser ilustradas através da situação dirimida pelo Acórdão do TRC de 22 de junho de 2010, proc. 786/09.7T2OBRA.C112. O pedido de regresso da criança foi apresentado em 4 de março de 2010. A decisão em 1.ª instância foi proferida em 26 de março de 2010. Interposto recurso, o mesmo foi julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida em 22 de junho de 2010. O prazo de 6 semanas foi cumprido? A resposta varia consoante se considere que o prazo respeita: (i) à decisão de 1.ª instância; (ii) à decisão final; (iii) à decisão que tenha força executória no Estado-Membro de origem; ou (iv) à decisão de cada uma das instâncias, sendo o prazo das instâncias de recurso contado a partir da interposição do mesmo. Na Proposta de reformulação do Regulamento Bruxelas II bis13, a Comissão Europeia focou os seus esforços nas matérias de responsabilidade parental e rapto internacional de crianças. Assinala-se, em primeiro lugar, que a matéria do rapto internacional de crianças deixa de estar regulada no artigo 11.º, inserido na secção 2 do capítulo II, para ser regulada ao longo de seis preceitos, inseridos no (novo) capítulo III14. Esta autonomização15 e divisão das normas por um conjunto de preceitos é benéfica, pensa-se, não só por destacar a relevância desta matéria, mas também por facilitar a sua cognoscibilidade. A proposta acentua o foco numa decisão célere. Clarifica-se que cada uma das instâncias deve proferir a sua decisão no prazo de 6 semanas a partir da data de apresentação do pedido ou da interposição do recurso16. Propõe-se uma limitação em sede de recorribilidade: estabe-
lece-se, obrigatória e independentemente do que disponha o Direito interno de cada um dos Estados-Membros: (i) o direito de o tribunal declarar provisoriamente executória uma decisão que ordena o regresso da criança17; e (ii) o direito de recorrer, uma única vez, da decisão que ordene ou recuse o regresso da criança do direito de recurso18. A possibilidade de decretar executórias provisoriamente as decisões que ordenam o regresso da criança pode potenciar a celeridade na execução da decisão. Mas a solução suscita-nos dúvidas. Respeitará a mesma o princípio da subsidiariedade, uma vez que, apesar de não se uniformizar o processo de regresso da criança, se estabelece, independentemente do que disponha o Direito de cada Estado-Membro19, a faculdade de o tribunal definir se a interposição do recurso tem ou não efeitos suspensivos? Será a consagração desta faculdade necessária (princípio da proporcionalidade), tendo em consideração a limitação do número de recursos e a clarificação do prazo? Sendo uma faculdade, será a mesma adotada, na prática, pelos tribunais, em especial aqueles que pertençam a Estados-Membros que não consagravam já esta possibilidade, tendo em conta que a executoriedade provisória implicará, pensa-se, a saída da criança do território do Estado-Membro onde corre termos o recurso? E, por fim, a declaração de executoriedade provisória é efetuada pelo tribunal a quo ou pelo tribunal ad quem? Caso esta solução venha a ser adotada, a clarificação afigura-se-nos relevante, particularmente para os tribunais dos Estados-Membros que não contemplem esta possibilidade. A vantagem da redução do número de recursos admissíveis para o objetivo da celeridade é inequívoca, particularmente agora que se propõe clarificar que o prazo de 6 semanas é para cada uma das instâncias. Aliás – conjugadas estas duas propostas com a proposta de fixação para um prazo (também ele de 6 semanas) para a conclusão do processo a cargo da autoridade central, quando ela intenta ou 12
O Regulamento Bruxelas II bis e a celeridade das decisões de regresso
ajuda a intentar o processo judicial com vista a obter uma decisão de regresso da criança ilicitamente deslocada ou retida20 – verifica-se que a Comissão Europeia avança um novo prazo limite de cerca de 18 semanas para a conclusão de todas as fases do processo destinado a obter uma decisão de regresso de criança21. Este novo prazo limite é, pensa-se, exequível, revelando ainda o desiderato de celeridade, uma vez que, na análise estatística publicada, o prazo médio de conclusão é superior a 23 semanas22. Questiona-se, porém, se a proposta de limitação dos recursos será ou não conforme com o princípio da subsidiariedade. Propõe-se também que os Estados-Membros garantam, nas respetivas jurisdições, que o processo de regresso da criança seja julgado “num número limitado de tribunais”23. Os processos
de regresso da criança são complexos, pela necessidade de conjugar instrumentos normativos supranacionais, mas sobretudo pelos interesses em presença; adicionalmente, devem ser decididos no mais breve prazo possível, pois quanto maior for o tempo despendido para proferir a decisão, maior o risco de enfraquecimento dos laços entre a criança e o progenitor que não cometeu a deslocação ou retenção ilícita24. A concentração (e consequente especialização) dos tribunais permitirá dar boa resposta a estas características, normalmente antagónicas, dos processos de regresso da criança. E, independentemente de a proposta vir a ser ou não adotada, entende-se que cada Estado-Membro pode e deve ponderar a concentração destes processos num número reduzido de tribunais25.
esignação abreviada do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconheD cimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000. Doravante, os artigos mencionados sem indicação de fonte legal pertencem a este Regulamento, salvo se do contexto resultar outra coisa.
1
A Comissão Europeia considera-o a pedra angular nesta área (cf. Proposta de Regulamento do Conselho relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e ao rapto internacional de crianças, COM(2016) 411 final (doravante Proposta de reformulação do Regulamento Bruxelas II bis ou Proposta), p. 2).
2
Disponíveis em www.dgsi.pt.
3
Encontraram-se, sem pretensão de efetuar uma pesquisa exaustiva, 51 acórdãos publicados: 6 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ); 11 do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC); 2 do Tribunal da Relação de Évora (TRE); 6 do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG); 18 do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL); e 8 do Tribunal da Relação do Porto (TRP).
4
Sobre a matéria do rapto internacional de crianças, cf., na doutrina portuguesa, entre outros, LUÍS DE LIMA PINHEIRO, “Deslocação e retenção internacional ilícita de crianças”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 74, vol. III/IV, jul./dez. 2014, pp. 679-693, ANABELA SUSANA DE SOUSA GONÇALVES, “A deslocação ou retenção ilícitas de crianças no Regulamento n.º 2201/2003 (Bruxelas II bis)”, in Cuadernos de Derecho Transnacional, vol. 6, n.º 1, março 2014, pp. 147-160 (disponível em http://e-revistas.uc3m.es/index.php/CDT/index e consultado em 19 de setembro de 2016), GERALDO ROCHA RIBEIRO, “Rapto internacional: o problema internacional e instrumentos de resolução”, in O Direito Internacional da Família, tomo I, 2014, ebook do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), pp. 142-158 (disponível em www.cej.mj.pt e consultado em 21 de setembro de 2016), CARLOS MELO MARINHO, “Violação do direito de visita, retenção e deslocação ilícitas de crianças – o Regulamento (CE) n.º 2201/03 (Bruxelas II BIS), a Convenção da Haia de 19/10/1996 e a Convenção da Haia de 25/10/1980”, O Direito Internacional da Família, tomo I, 2014, ebook do CEJ, pp. 166-177 (disponível em www.cej.mj.pt e consultado em 21 de setembro de 2016) e Textos de Cooperação Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial, Coimbra, Coimbra Editoria, 2008, pp. 64 e ss. e HELENA GOMES DE MELO et al., Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2.ª ed., Lisboa, Quid Juris, pp. 180 e ss..
5
Designação abreviada utilizada da Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída na Haia em 25/10/1980, pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado.
6
Parecer 1/13 do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de Outubro de 2014, considerandos n.ºs 77 e 78, disponível em http://curia. europa.eu/ e consultado em 18 de setembro de 2016. Itálicos aditados.
7
Cf. considerando 17 do Regulamento Bruxelas II bis.
8
Cf. o Relatório Explicativo da Convenção da Haia de 1980, p. 458, disponível em https://assets.hcch.net/upload/expl28.pdf e consultado em 8 de setembro de 2016.
9
13
O Regulamento Bruxelas II bis e a celeridade das decisões de regresso
Cf. art. 11.º/3; itálicos aditados.
10
Segundo o estudo estatístico dos pedidos apresentados no ano de 2008, apenas 15% dos processos foram concluídos dentro do prazo de 6 semanas, sendo que a conclusão de um processo demorou, em média, 165 dias, ou seja, mais de 23 semanas (cf. Prel. Doc. No 8 B of May 2011 - A statistical analysis of applications made in 2008 under the Hague Convention of 25 October 1980 on the Civil Aspects of International Child Abduction. Part II - Regional Report, p. 10-12, disponível em https://www.hcch.net/en/publications-and-studies/details4/?pid=5421&dtid=32 e consultado em 19 de setembro de 2016). No Study on the assessment of Regulation (EC) No 2201/2003 and the policy options for its amendment relata-se que “For example, according to the Portuguese expert, the Portuguese authorities have been unable to meet the suggested six week term, especially because national law does not set a deadline for the decision, other than to say that it should be delivered urgently, does not limit the number of appeals that can be brought against a return order and does not prevent a suspensive effect on appeal” (cf. Analytical annexes, p. 80, disponíveis em http://ec.europa. eu/justice/civil/document/index_en.htm) e consultados em 18 de setembro de 2016).
11
12
Disponível em www.dgsi.pt. Cf. supra nota de rodapé n.º 2.
13
Artigo 21.º a 26.º da Proposta.
14
Refletida também na designação da proposta (cf. supra nota de rodapé n.º 2).
15
Cf. art. 23.º/1 da Proposta.
16
Cf. art. 25.º/3 da Proposta.
17
Cf. art. 25.º/4 da Proposta. No ordenamento jurídico português é possível o recurso até ao STJ. Sobre a jurisprudência recente do STJ e dos Tribunais da relação nesta matéria, cf. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, “Jurisprudência sobre rapto internacional de crianças”, in Julgar, n.º 24 (setembro-dezembro 2014), pp. 67-87.
18
Portugal consagra, no artigo 32.º/4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, solução semelhante, mas de ordem inversa, estabelecendo-se que “Os recursos têm efeito meramente devolutivo, exceto se o tribunal lhes fixar outro efeito”.
19
Cf. art. 63.º/1/g) da Proposta.
20
Dizemos cerca e não prazo máximo de 18 semanas (como afirma a Comissão Europeia na p. 14 da exposição de motivos da sua Proposta) porque é mister não esquecer que o prazo de 6 semanas de que beneficia a instância de recurso conta-se a partir da data de interposição do mesmo. Há por isso que aditar o prazo concedido pelo Direito interno de cada um dos Estados-Membros para a interposição do recurso.
21
Cf. supra nota de rodapé n.º 9.
22
Cf. art. 22.º da Proposta.
23
Cf., neste sentido, o Acórdão de 26 de junho de 2003 do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, caso Maire c. Portugal (Queixa n.º 48206/99), n.º 74, disponível em http://hudoc.echr.coe.int/ e consultado em 21 de setembro de 2016.
24
Sugere-se que, para encontrar o nível adequado de concentração, se procure analisar o número de pedidos de regresso intentados, anualmente, perante as autoridades portuguesas. JOÃO D’OLIVEIRA CÓIAS, “O papel da Autoridade Central na Convenção da Haia de 1980”, in Julgar online, janeiro de 2016 (disponível em http://julgar.pt/o-papel-da-autoridade-central-na-convencao-da-haia-de-1980-2/ e consultado em 7 de setembro de 2016) informa que a Autoridade Central portuguesa recebeu em 2014 e até outubro de 2015, respetivamente, 55 e 46 pedidos de regresso provenientes de Estados-Membros e Estados Contratantes da Convenção da Haia de 1980.
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o
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e.book - ATUALIDADE
E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
Regulamento Europeu das Sucessões — inovações e desafios Afonso Patrão
(Mestre, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Membro da Direcção do CENoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra)
Regulamento Europeu das Sucessões é o nome por que é vulgarmente designado o Regulamento (UE) n.º 650/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução de decisões, à aceitação e execução dos actos autênticos em matéria de sucessões, e à criação de um Certificado Sucessório Europeu.
o 1. O REGULAMENTO (UE) N.º 650/2012 Ao invés do que podia antever-se por aquela designação mais simplista, o acto europeu não opera qualquer harmonização ou unificação do direito material sucessório. Pelo contrário, trata-se de uma uniformização transversal do direito internacional privado das sucessões. Isto é, o acto comunitário vem estabelecer regras comuns, para os Estados-Membros a ele vinculados1, nos vários domínios do direito in-
ternacional privado: os conflitos de leis (isto é, a determinação da lei aplicável às sucessões internacionais), o conflito de jurisdições (a competência judiciária internacional para as sucessões), o reconhecimento de sentenças em matéria sucessória e a aceitação internacional de documentos autênticos nacionais. Ademais, utilizando agora a técnica do direito internacional privado material, o legislador 15
Regulamento Europeu das Sucessões — inovações e desafios
comunitário veio criar um documento verdadeiramente europeu (o Certificado Sucessório Europeu) destinado a assegurar que a organização sucessória realizada em certo país europeu não é posta em causa noutro EstadoMembro. Esta primeira asseveração (de que se trata de um instrumento transversal de direito internacional privado) constitui, aliás, uma das suas características mais marcantes: ao regular simultaneamente a determinação do órgão jurisdicional internacionalmente competente e a fixação da lei aplicável, foi possível criar as condições para ampliar os casos de coincidência forum -ius; isto é, das situações em que a autoridade jurisdicional competente por força do Regulamento aplicará a sua própria lei, reduzindo-se em boa parte as situações de aplicação de lei sucessória estrangeira.
2. AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES Quando se pretende elencar o que de mais inovador há no direito internacional privado das sucessões de fonte europeia, face ao regime anterior de fonte interna, três aspectos sobressaem. Por um lado, uma primazia generalizada do ordenamento jurídico da residência habitual do autor da sucessão; por outro, a introdução de autonomia conflitual — isto é, da possibilidade de escolha da lei aplicável — no domínio das sucessões; por fim, a criação de um documento organicamente europeu para facilitar a prova do estatuto de uma sucessão conectada com vários Estados vinculados pelo Regulamento.
2.1. A primazia do ordenamento jurídico da residência habitual do autor da sucessão Para muitos dos Estados-Membros vinculados pelo Regulamento, uma das principais suas novidades é a consagração do sistema da suces-
são unitária; isto é, o facto de uma única autoridade jurisdicional ser competente para regular toda a sucessão (mesmo quanto aos bens situados no estrangeiro) e aplicando uma única lei, independentemente da localização dos bens da herança2. Entre nós, o modelo da sucessão unitária (a designação de uma só lei para regular toda a sucessão) não constitui novidade, porquanto era já esse o sistema consagrado no art. 62.º do Código Civil. Já o critério conflitual primário para designação da lei aplicável deixa de ser a nacionalidade (eleita pela regra de conflitos de fonte interna) para passar a ser a residência habitual do de cujus ao tempo da morte3. A nova opção conflitual justifica-se desde logo na promoção da integração europeia, pois a aplicação da lei da residência estimula a integração no país de destino, realizando a liberdade de circulação de pessoas. Ademais, o legislador comunitário considerou que, quando o país da residência seja diferente do da nacionalidade, o critério residência habitual espelhará melhor o centro de vida do de cujus, pois será o local onde estarão concentrados a maioria dos interesses pessoais e patrimoniais do autor da sucessão, bem como a maior parte dos seus credores. Ademais, promove-se a coincidência forum-ius, já que a competência jurisdicional é primordialmente orientada por tal critério (arts. 4.ºss). 2.2. A autonomia conflitual limitada Outra das importantes inovações do Regulamento é, na linha do que vem sendo tónica constante dos instrumentos europeus em matéria de direito internacional privado, a instauração de autonomia conflitual. Isto é, se a lei reguladora da sucessão das pessoas que cuja morte haja ocorrido depois de 17 de Agosto de 2015 é, em princípio, a lei da sua residência habitual, essa conexão vinga apenas no caso de o autor da sucessão não ter designado a lei da sua nacionalidade. Isto é, admite-se que, numa 16
Regulamento Europeu das Sucessões — inovações e desafios
declaração que revista a forma de uma declaração por morte, o interessado escolha submeter a sucessão à lex patriae. Para além de esta viabilidade realizar de modo mais certeiro a indicação da lei mais fortemente ligada ao autor da sucessão (quem melhor do que ele para determinar qual a legislação que lhe está mais próxima?), retira-se daqui um propósito jurídico-material — o favor a uma maior liberdade de testar, já que o interessado poderá optar pela lei que lhe conferir mais ampla capacidade de disposição4.
2.3. O Certificado Sucessório Europeu A terceira grande inovação do Regulamento radica na criação de um documento geneticamente comunitário: o Certificado Sucessório Europeu. Este documento destina-se, nas sucessões com contactos com mais do que um Estado-Membro, a facilitar a prova da qualidade de interessados na sucessão (herdeiro, legatário, administrador da herança) e ao exercício dos direitos que a lex successionis lhes atribui, produzindo os seus efeitos em todos os EstadosMembros. Trata-se, assim, de um documento que não substitui os similares previstos pelo direito interno (como, entre nós, a habilitação de herdeiros) — que, aliás, passam a gozar de um regime mais favorável de aceitação internacional5 — mas que, facultativamente, pode ser utilizado pelos interessados na sucessão. A sua principal vantagem é a geração de uma presunção da qualidade e dos direitos das pessoas que surjam identificadas no Certificado, por efeito directo das normas do Regulamento. A emissão do Certificado está sujeita às regras de competência internacional do Regulamento — pelo que apenas pode ser produzido pelas autoridades do país cujos órgãos jurisdicionais sejam competentes para a sucessão (arts. 64.º e 4.º a 11.º) —, cabendo a cada Estado-Membro indicar, do ponto de vista interno, a autoridade competente para o fazer.
3. ALGUNS DESAFIOS DO REGULAMENTO EUROPEU DAS SUCESSÕES Se o novo instrumento europeu soluciona muitos dos problemas que até se colocavam perante uma sucessão internacional6, as suas soluções constituem também um desafio para as autoridades competentes em matéria sucessória. Um deles decorre da concretização do novo critério conflitual principal — a residência habitual. Com efeito, não está em causa o conceito jurídico de domicílio mas sim a materialização do conceito de facto da residência habitual. Nessa medida, obrigará à utilização de meios de prova para sua determinação, o que não era necessário por muitas entidades com competência sucessória — pense-se na habilitação de herdeiros, onde era razoavelmente simples demonstrar ao oficial público qual a nacionalidade do de cujus. Ora, a residência habitual (que constitui o critério principal quer para a competência jurisdicional [art. 4.º] quer para a lei aplicável [art. 21.º]) pode envolver maior dificuldade, pois são conjecturáveis situações onde não é clara a localização do centro de vida do interessado. Pense-se em alguém que trabalha no Estado A mas deixou cônjuge e filhos no Estado B, onde vai todos os fins de semana e férias; nos casos em que o interessado passa metade do ano num país e oura metade noutro. Justamente por isso, o Regulamento (Considerandos n.os 23 e 24) sugere critérios e ferramentas para determinação da residência habitual, pelo que não será estranho se for necessário ao notário — chamado a exarar uma escritura de habilitação — indagar onde o autor da sucessão cortava o cabelo, ia ao médico ou tinha os animais domésticos. Até porque disso pode depender quer a lei aplicável à sucessão, quer a competência internacional jurisdicional e para emissão do Certificado Sucessório Europeu. 17
Regulamento Europeu das Sucessões — inovações e desafios
Outro problema conjecturável é o da convivência do facultativo Certificado Sucessório Europeu com os similares documentos de fonte interna — que, aliás, passam a ser aceites nos demais Estados-Membros com a mesma força probatória que revestem no país de origem (art. 59.º). Na verdade, se a utilização do Certificado é opcional e se este não substitui
os documentos de fonte interna, é crível virem a surgir documentos públicos nacionais com conteúdo diferente (ou até contraditório) com o de um Certificado Sucessório Europeu. Este problema, que não é solucionado pelo Regulamento, pode vir a reclamar uma interpretação do Tribunal de Justiça da União Europeia.
1
Deve recordar-se que o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca não estão vinculados a este Regulamento. Cfr. Considerandos n.º 82 e 83.
2
sta opção (que constitui aliás uma tendência constante desde a segunda metade do século XX) visa evitar as dificuldades próprias do E sistema do fraccionamento (que atribui a sucessão dos móveis à lei pessoal do de cujus e dos imóveis às leis dos Estados onde estes existirem), designadamente os problemas da repartição do passivo hereditário, do cálculo da legítima, das injustiças relativas entre sucessíveis por força das diferentes leis aplicáveis, da eventualidade de apreciação divergente da validade dos testamentos em países diferentes e da nem sempre óbvia distinção entre móveis e imóveis. Todavia, o Regulamento faz algumas concessões a este sistema unitário. Por um lado, no domínio da competência judiciária internacional, admite-se que a autoridade competente para julgar a sucessão possa excluir da sua jurisdição os bens situados em Estados terceiros (não vinculados ao Regulamento) quando não seja crível que uma decisão judicial venha a ser reconhecida nesses Estados. Por outro, a escolha de uma única lei para a totalidade da sucessão pode ceder em algumas situações: a aceitação do reenvio (art. 34.º) quando a lei da residência do de cujus adopte o sistema do fraccionamento da sucessão pode redundar na mobilização de diferentes legislações (i); a sujeição da admissibilidade e validade das disposições testamentárias e contratuais à lei da sucessão virtual (arts. 24.º e 25.º) pode ter de se compatibilizar com uma lex successionis diferente (art. 21.º) (ii); a existência de normas especiais para a sucessão de determinados bens na lei da situação da coisa comporta a eventualidade da sua mobilização e compatibilização com a lex successionis (art. 30.º) (iii).
3
omo melhor veremos, admite-se porém que o de cujus haja escolhido subordiná-la à lei de qualquer das suas nacionalidades (ao tempo da C escolha ou ao tempo da morte), nos termos do art. 22.º. Por outro lado, deve sublinhar-se que a regra de conflitos é flexível, mercê da introdução de uma cláusula de excepção no n.º 2 do art. 21.º, que permite ao julgador afastar a lei da residência habitual quando conclua haver outra lei com uma ligação manifestamente mais estreita com o falecido. Esta cláusula de excepção, no entanto, não deve ser entendida como uma conexão subsidiária para os casos em que seja difícil apurar qual é o país da residência habitual. Ao invés, trata-se da viabilidade de derrogação do critério conflitual, que depende por isso da prévia determinação do lugar da residência do falecido (cfr. Considerando n.º 25).
4
ste propósito (a promoção da liberdade de disposição do autor da sucessão) é aliás visível em outras regras do Regulamento. Pense-se na E apreciação da admissibilidade dos pactos sucessórios pela lei da sucessão virtual (a lei que regularia a sucessão caso o interessado falecesse no dia do pacto — art. 25.º), que salvaguarda a sua validade mesmo que o de cujus mude de residência para um país cuja lei que os não aceite.
5
Cfr. art. 59.º do Regulamento.
6
esde logo porque, por via da unificação das regras de conflitos em matéria sucessória entre a maioria dos Estados-Membros da União D Europeia, desaparecerão muitos dos conflitos de sistemas de direito internacional privado, que geravam habitualmente problemas de reenvio e/ou de reconhecimento de negócios jurídicos constituídos no estrangeiro ao abrigo de lei diferente da que era indicada como competente pela norma de conflitos portuguesa.
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E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade Renato Gonçalves
(Subdiretor-geral da DGPJ)
Filipa de Figueiroa Quelhas (Consultora da DGPJ)
CONTEXTO A reformulação do Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000 (daqui em diante, “regulamento original”) foi definida como uma prioridade pelo Conselho da União e estrategicamente reiterada pelo Conselho Europeu. Pretendia-se não só assegurar uma maior eficácia e eficiência aos processos de insolvência que produzem efeitos transfronteiriços no seio da União Europeia – abrangidos, desde finais de maio de 2002, pelo referido regulamento –, mas também contribuir para uma cultura de segunda oportunidade dos devedores viáveis, para a melhoria do funcionamento e da resiliência do mercado interno perante as crises económicas e para relançar o espírito empresarial na Europa, tal como propugnado na Estratégia Europa 2020 e no Plano de Ação Empreendedorismo 2020. Assim, no culminar de um complexo procedimento legislativo iniciado em 2012, veio a ser aprovado o Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (daqui em diante, “regulamento reformulado”)1. Porém, a aplicação do regulamento reformulado apenas ocorrerá a partir do dia 26 de junho de 20172. Por conseguinte, apesar de o regulamento original ter sido revogado pelo regulamento reformulado3, aquele continuará a desempenhar uma função importante nos processos iniciados anteriormente4. À semelhança do que sucedia com o regulamento original, o regulamento reformulado é aplicável pelos tribunais dos Estados-membros da União Europeia, com exceção da Dinamarca5, pelo que, nessa parte, inexistiu alteração do âmbito territorial de aplicação do regulamento. O mesmo não pode dizer-se do âmbito material de aplicação que sofreu profundas alterações e consubstancia uma das principais novidades operadas pela reformulação, como veremos em seguida. 19
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
1. Súmula dos principais aspetos inovatórios do regulamento reformulado O alargamento do âmbito de aplicação material do regulamento reformulado, acompanhado da Recomendação da Comissão, de 12 de março de 2014, sobre uma nova abordagem em matéria de falência e de insolvência das empresas6, reconhece que a União propugna uma cultura de segunda oportunidade e de recuperação e revitalização de empresas viáveis7. Com efeito, em virtude da reformulação, passaram a estar cobertos pelo regulamento da União um leque de processos nacionais de índole recuperatória (taxativamente listados no anexo A do regulamento reformulado8), que, de outro modo, não beneficiariam do sistema automático de reconhecimento e execução de processos que lhe é conferido pelo regulamento. Nesta conformidade, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 1.º, densificado nos relevantíssimos considerandos 9 a 20, são abrangidos pelo regulamento reformulado os processos coletivos9 públicos10 de insolvência, incluindo os processos provisórios11, com fundamento em lei no domínio da insolvência12 e nos quais, para efeitos de recuperação, ajustamento da dívida, reorganização ou liquidação: a) O devedor é total ou parcialmente privado dos seus bens e é nomeado um administrador da insolvência13; b) Os bens e negócios do devedor ficam submetidos ao controlo ou à fiscalização por um órgão jurisdicional14; ou c) Uma suspensão temporária de ações executivas singulares é ordenada por um órgão jurisdicional ou por força da lei, a fim de permitir a realização de negociações entre o devedor e os seus credores, desde que o processo no qual é ordenada a suspensão preveja medidas adequadas para proteger o interesse coletivo dos credores e, caso não seja obtido acordo, seja preliminar relativamente a um dos processos a que se referem as alíneas a) ou b)15.
Nos casos em que estes processos possam ser iniciados em situações em que existe apenas uma probabilidade de insolvência, a sua finalidade deve ser a de evitar a insolvência do devedor ou a cessação das suas atividades16. Na senda do que sucedia no regulamento original, os processos de insolvência referentes a empresas de seguros, instituições de crédito, empresas de investimento e outras empresas ou instituições abrangidas pela Diretiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e organismos de investimento coletivo estão excluídos do âmbito de aplicação do regulamento reformulado, uma vez que estão sujeitos a um regime específico e as autoridades nacionais de supervisão dispõem de extensos poderes de intervenção Outro dos aspetos em que o regulamento reformulado aduz novidade face ao anterior é no reforço do quadro legal de cooperação e comunicação entre tribunais, entre estes e os administradores da insolvência e destes entre si17, tornando-o mais claro e dotado de maior certeza jurídica. Desenvolve-se ainda a publicidade da insolvência, com vista a melhorar a prestação de informação relevante e oportuna para credores e tribunais, bem como impedir a abertura de processos de insolvência paralelos, pelo que o regulamento reformulado prevê que os Estados-membros criem registos eletrónicos relativos aos processos de insolvência, com informação disponível on-line e interligada ao Portal Europeu da Justiça (artigos 24.º a 28.º). Com o mesmo objetivo de eficiência do processo, de eficácia na gestão da massa insolvente e de promoção da recuperação do devedor, o regulamento reformulado confere primazia à concentração de esforços no processo principal, sendo possível o juiz recusar ou adiar a abertura de processo secundário18 quando esta coloque em causa a eficiência do processo principal (cf. artigo 38.º) ou o administrador de insolvência do processo principal obter a dispensa de abertura de processo(s) secundá20
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
rio(s) se, nos termos do disposto no artigo 36.º, der, a respeito dos bens situados no Estado-membro em que o processo secundário de insolvência possa ser aberto, uma garantia unilateral («a garantia») de que, ao distribuir os bens ou as receitas provenientes da sua liquidação, respeitará os direitos de distribuição e os privilégios creditórios consignados na lei nacional que assistiriam aos credores se o processo secundário de insolvência fosse aberto nesse Estado-membro. A garantia para evitar a abertura de um processo secundário é dada por escrito e tem de ser aprovada pelos credores locais conhecidos (n.ºs 4 e 5 do artigo 36.º do regulamento reformulado). Com esta revisão passou ainda a incorporar-se em letra de Lei a mais relevante jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que foi sendo proferida quanto ao regulamento original, sobretudo, quanto à definição de centro de interesses principais (COMI, no acrónimo em língua inglesa). Contudo, foi-se mais longe do que tal jurisprudência e, previuse um “período de suspeita” para a alteração de COMI, consoante o devedor seja pessoa coletiva, pessoa singular profissional ou com atividade independente ou pessoa singular não profissional, durante o qual a presunção do COMI atual é, destarte, afastada19. Com o regulamento reformulado melhora-se igualmente a coordenação entre processos de insolvência abertos quanto ao mesmo devedor e, de modo inovatório, regulam-se os processos de insolvência de membros de um grupo de sociedades20 (artigos 56.º a 77.º do regulamento reformulado). Com efeito, essa é uma das principais mais-valias do regulamento reformulado e que seria merecedora, por si só, de um artigo analítico. É, pois, em particular nesta parte que caberá aos envolvidos (magistrados, partes, advogados e administradores de insolvência) testar as virtualidades da coordenação dos processos de insolvência relativos a membros de grupo de sociedades ou do processo de coordenação de grupo.
Em jeito de conclusão, atenta a exiguidade destas linhas, pode dizer-se, muito em síntese, que o regulamento reformulado: (a) alarga o âmbito de aplicação do regulamento aos processos que promovem a recuperação e revitalização do devedor, (b) fortalece o quadro legal de cooperação e comunicação entre tribunais, entre estes e os administradores da insolvência e destes entre si, tornando-o mais claro e dotado de maior certeza jurídica, (c) melhora igualmente a coordenação entre processos de insolvência abertos quanto ao mesmo devedor e em caso de processos de insolvência respeitantes a membros de um grupo de sociedades (sendo o processo de coordenação de grupo uma das principais novidades do regulamento), (d) confere primazia à concentração de esforços no processo principal, sendo possível obter a dispensa pelo juiz da abertura de processos secundários se ficar demonstrado estar assegurado o respeito dos direitos dos credores locais (aplicando-se a sua lei para efeitos de privilégios creditórios e na graduação de créditos, como se o processo secundário tivesse sido aberto) e (e) amplifica a publicidade da insolvência através de registos da insolvência pelos Estados-membros e respetiva interligação ao Portal Europeu da Justiça. 2. Convergência do Direito português da insolvência face à cultura de segunda oportunidade Se percorrermos a história do Direito e dos institutos ligados à incapacidade das pessoas e empresas pagarem as suas dívidas de forma generalizada, é possível notar-se a flutuação cíclica entre duas visões que se têm confrontado no panorama da regulação social desta problemática. 21
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
Momentos houve em que se privilegiou a liquidação do património do devedor, para que com base nos frutos provindos daquela, se pudesse pagar aos credores segundo as forças daquele património. Noutras épocas deu-se maior relevância à possibilidade de dotar o devedor de ferramentas que lhe permitissem, verificadas que fossem certas circunstâncias, fazer face, de forma paulatina, às suas dívidas, procurando-se preservar o tecido económico e a confiança, valor inquestionável para a salvaguarda do comércio jurídico e, numa palavra, das relações humanas e comerciais. É desta visão que nasce a cultura de segunda oportunidade que como veremos hodiernamente enforma o espírito da União e o espírito nacional em matéria de processos insolvenciais. Acresce que é do diálogo destas duas visões que se foi estabelecendo, ao longo do tempo, um quadro regulatório do regime insolvencial que, em Portugal e na Europa, passou a prever mecanismos que, se para casos limite, define o modo como se deve processar a liquidação do património dos devedores que não demonstram capacidade para satisfazer as suas obrigações, prevê também, e quiçá com primazia, um conjunto de regras que se dirigem a facilitar a recuperação daqueles devedores que, encontrando-se em dificuldades económicas, ainda têm possibilidade de se manter no mercado, sejam tais devedores empresas ou não. Com efeito, não é preciso recuarmos muito no desenho dos institutos previstos no Direito falimentar português para nos apercebermos deste “diálogo tenso” entre estas duas visões. Na verdade, basta retrocedermos a princípios da década de 90 do século passado para nos depararmos com um regime adjetivo do direito falimentar que procurava oferecer às empresas um processo facilitador da sua recuperação, regulado no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falências, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23
de abril, diploma este de inspiração francesa, que, mau grado ter tido uma vigência de cerca de uma década, nunca logrou resultados significativos, porquanto atribuía ao juiz um vasto conjunto de tarefas de valoração económica que em muito dificultavam a marcha processual, sendo campo farto para expedientes dilatórios que se impunha atalhar. Em 2004, como reação às inúmeras dificuldades suscitadas pela aplicação dos processos regulados no aludido Código, e dando cumprimento ao seu Programa de Governo, o XV Governo Constitucional aprovou, através do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, no uso de autorização legislativa que lhe havia sido concedida pela Lei n.º 39/2003, de 23 de agosto, um Código da insolvência e da Recuperação de Empresas que teve por matriz a consagração de um único processo, destinado, tanto a responder a situações em que se deve proceder à liquidação do património do devedor para, na medida do possível, serem pagos os credores por meio do produto dessa liquidação, como, também, a apresentação de planos de recuperação, mas no contexto do processo de insolvência. Inspirou-se, desta feita, o legislador, no ordenamento jurídico alemão, em que o Direito da insolvência tem por grande finalidade o pagamento das dívidas aos credores, colocando-os no centro da equação, o que, aliás, tem reflexo claro no feixe de poderes que a lei lhes reconhece. Pode afirmar-se, sem receio, que a reforma do regime da insolvência de 2004 operada em Portugal levou a que passassem a ser os credores a determinar o destino patrimonial do devedor que não se encontrasse em condições de satisfazer as suas dívidas. Aliás, o papel atribuído aos credores não era distinto pelo facto de ser o devedor a ter a iniciativa de se apresentar à insolvência, ou de ser um credor a requerer a declaração de insolvência daquele. Acrescia a esta predominância do papel do 22
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
credor a clara preferência pela liquidação do património do devedor, por se ter entendido que tal possibilitaria um pagamento aos credores mais célere que a recuperação do devedor para que pudesse ser este a pagar as suas dívidas. Aliás, o legislador assumiu, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, que o regime supletivo seria o da liquidação do património do devedor insolvente, o que aliás, se materializava claramente logo no artigo 1.º do referido Código, preceito que marcadamente atribuía à liquidação a qualidade de regime regra aplicável a quem fosse declarado insolvente, caso não fosse apresentado um plano de insolvência conducente à sua recuperação. Sucede que o devir económico e a crise mundial dos mercados ocorrida após o Verão de 2007 trouxe a lume a necessidade imperiosa de se preservarem todos os agentes económicos que fosse possível salvar, desígnio este que foi sentido, não só, em Portugal, como, em toda a Europa, posto que a erosão dos operadores económicos mais fragilizados e o seu desaparecimento não dá lugar a uma substituição direta por novos operadores. A título de exemplo, se uma fábrica de torneiras fica insolvente e, portanto, é liquidada, não é óbvio que seja diretamente substituída por uma nova fábrica de torneiras, ainda que os produtos produzidos por ambas sejam absolutamente equiparáveis. Para este efeito de dificuldade de substituição do velho pelo novo concorrem, como nos ensina a teoria económica, fatores como a confiança e a clientela, conceito este, aliás, bastante discutido, designadamente, pela doutrina italiana e que tem feito correr muita tinta. Porém, e sem embargo de quaisquer discussões teóricas que possam ser levadas a cabo tendo em vista defender ou criticar a opção de muitos dos legisladores pela Europa fora e, acima de tudo, pela União Europeia, certo é que tem vindo a ganhar cada vez maior terreno a ideia de que se impõe dar uma segunda opor-
tunidade, tanto a empresários, como a particulares, para que, quando confrontados com uma situação de insolvência, caso cumpram o que se comprometeram, mediante certas condições que acautelem a sua responsabilização perante os credores e a satisfação, na medida do possível, dos interesses destes, lhes seja facultada uma segunda oportunidade, havendo um conjunto de recomendações a sustentar esta necessidade. Com efeito, a Recomendação da Comissão, de 12 de março de 2014, sobre uma nova abordagem em matéria de falência e de insolvência das empresas, coloca o enfoque na: (a) Possibilidade de recuperação/reestruturação de empresas em dificuldades financeiras mediante procedimentos pré-insolvenciais rápidos e de intervenção precoce, por forma a evitar os custos da abertura de procedimentos formais de insolvência e minimizar as hipóteses de liquidação da empresa; (b) Admissibilidade de o devedor requerer uma moratória de quatro meses (renovável, mas limitada ao período total máximo de 12 meses), com vista à adoção de um plano de recuperação, com a garantia de que durante aquele período os credores estarão impedidos de executar o devedor ou pedir a respetiva insolvência; (c) Promoção de procedimentos favoráveis à aprovação de planos de recuperação; (d) Redução do período necessário para a exoneração do passivo (perdão de dívidas) ao máximo de três anos. A tomada de medidas destinadas a assegurar o crescimento sustentável e a prosperidade constitui há muito uma grande prioridade política da União. O crescimento económico está colocado no cerne da agenda da Comissão em matéria de justiça e, ainda, em conformidade com a estratégia de crescimento para a Europa. A mencionada Recomendação, na verdade, encontra-se também alinhada com o pensa23
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
mento norte-americano sobre esta temática em que o “fresh start” é amplamente aceite e reconhecido, não havendo qualquer estigma adveniente de certa pessoa ter carecido de “começar de novo”21. Reconhecendo as vantagens deste posicionamento, as Instituições europeias vieram recomendar aos Estados-membros da União, como já vimos, que adotassem medidas que potenciem precisamente a possibilidade de se facultar uma segunda oportunidade a quem dela careça, quer se trate de empresa ou de outro devedor, pois reconheceu-se a miríade de vantagens resultantes de não retirar do giro económico e comercial todos quantos possam permanecer em atividade, contribuindo para a robustez e a confiança no mercado e para a promoção do emprego, cuja criação e crescimento dependem de haver iniciativa e crescimento económicos. Em Portugal, logo em 2004, houve a perceção de que aos devedores que sejam pessoas singulares haveria que possibilitar, mediante o respeito de um conjunto de regras de segurança e de responsabilização perante os credores, uma segunda oportunidade, tendo-se disciplinado o instituto da exoneração do passivo restante nos artigos 236.º e seguintes do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas. Contudo, as empresas, à luz do primitivo regime insolvencial contido no Código em apreço encontravam-se bastante desprotegidas, porque qualquer plano de recuperação teria de ser apresentado no contexto de um processo de insolvência para que pudesse vir a vincular todos os credores, não havendo verdadeiros mecanismos de recuperação prévia, que não exigissem a declaração da insolvência do visado e, certo é, que à declaração da insolvência de certa pessoa sempre esteve associado um estigma que não foi afastado pelo facto de o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas regular, na sua primaz versão, a um só tempo, a insolvência e a recuperação de devedores.
Foi assim que logo em 2011, momento que se constituiu como o epicentro da crise económica e financeira que Portugal atravessou, foram introduzidas profundas adaptações ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ao clarificar-se que a recuperação dos devedores tem primazia face à sua liquidação (cf. a este respeito a alteração dos artigos 1.º e 193.º do referido Código), designadamente, com a criação de um processo especial, concebido para permitir a qualquer devedor em situação económica difícil mas ainda não insolvente, encontrar com os respetivos credores, um plano para a sua recuperação. Tratou-se do processo especial de revitalização22, regulado nos artigos 17.º-A a 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na versão resultante da Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, diploma que entrou em vigor em 20 de maio do mesmo ano, tendo alterado o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas em diversos outros aspetos, mormente, com o fito de agilizar o processo. Na mesma ocasião aproveitou-se para clarificar que os anteriormente designados planos de insolvência que fossem aprovados no sentido da recuperação do devedor, ainda que no decurso de um processo de insolvência, deveriam passar a assumir a designação de plano de recuperação, tendo em vista pôr cobro ao já aludido estigma ligado à insolvência. A experiência desde então recolhida com a prática de mais de quatro anos de aplicação deste regime e os dados quantitativos disponíveis nas estatísticas oficiais da Justiça permitem-nos concluir que, de um lado, o processo especial de revitalização possibilitou a um vasto conjunto de devedores, sejam estes empresas ou não, manterem-se em atividade, fator que certamente deu o seu contributo para algum relançamento da economia a que, ainda que paulatinamente, temos vindo a assistir. Acresce, por seu lado, referir, que, a existência de um processo com uma componente extrajudicial de tramitação para a obtenção de 24
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
acordo entre o devedor e os seus credores (cfr. o disposto no artigo 17.º-D do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas, bem como o estatuído no seu artigo 17.º-I), pontifica no sentido de haver um amplo alinhamento da ordem jurídica interna com as recomendações de natureza exortatória emitidas pela União Europeia no sentido de se privilegiar a recuperação e a segunda oportunidade, em lugar de se levar a generalidade dos devedores para liquidação dos respetivos patrimónios, sempre que se encontrem em situação de insolvência23. Tendo constatado que o Direito nacional, em linha com o Direito da União, privilegia a recuperação em detrimento da liquidação de devedores, importa lançar luz sobre os fundamentais motivos que justificam tal opção. Na verdade, certo é que a experiência e a história vêm demonstrando que, se a liquidação de ativos pode resultar em momentos de alguma prosperidade como forma de obtenção do produto necessário para a satisfação dos direitos dos credores, seguro é também afirmar-se que em tempos de maiores constrangimentos financeiros e de falta de capacidade de recurso a financiamento externo para a obtenção de capital alheio, não é fácil colocar bens no mercado e obter de tal colocação produto que possa satisfazer os interesses mais do que legítimos dos credores que se pretendem ver pagos através dessa operação.
Assim, e sem embargo de pequenos ajustamentos que a prática jurídica e a aplicação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas reclama, bem como a necessidade de se introduzirem algumas calibrações de regime que poderiam contribuir para limitar o uso do processo especial de revitalização a situações de verdadeira necessidade e não como expediente dilatório – o que por vezes se verifica e se impõe limitar tanto quanto possível –, não temos grandes dúvidas em afirmar que o futuro do regime insolvencial há-de manter-se no mesmo prumo que o tem arrimado desde 2012, o que, na verdade, permite o total alinhamento da matriz portuguesa neste domínio com a matriz europeia retora das insolvências. Em linha com esta orientação encontra-se atualmente em curso uma análise do regime insolvencial português, efetuada por uma comissão especificamente criada para o efeito. Tal estrutura tem como missão propor a adoção de medidas de recapitalização das empresas, que propugna a manutenção, em grandes linhas, do atual sistema insolvencial, baseado na recuperação de empresas, mas que avança com um conjunto de medidas que, na sua globalidade, poderão contribuir para a recuperação da economia e das empresas que a compõem, maioritariamente, empresas estas de micro, pequeno e média dimensão24.
O regulamento reformulado foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia no dia 5 de junho de 2015 e entrou em vigor no vigésimo dia seguinte, no dia 26 de junho de 2015, cf. artigo 92.º. A publicação está disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/ PDF/?uri=OJ:JOL_2015_141_R_0002&from=PT~
1
Com exceção da obrigação de disponibilização pelos Estados-membros de informação sobre as suas leis da insolvência (26 de junho de 2016) e da criação de registos da insolvência e respetiva interligação ao Portal Europeu da Justiça (respetivamente, 26 de junho de 2018 e 26 de junho de 2019),
2
Cf. artigo 84.º do regulamento reformulado «o Regulamento (CE) n.º 1346/2000 continua a aplicar-se a processos de insolvência abrangidos pelo âmbito de aplicação do referido regulamento que tenham sido abertos antes de 26 de junho de 2017». O anexo D do regulamento reformulado contém uma útil tabela de correspondência entre as disposições do regulamento revogado e as novas disposições.
3
De modo a incluir os processos de insolvência entrados em juízo no próprio dia 26 de junho de 2017 e evitar um eventual vazio legal, a Comissão Europeia estará a promover uma corrigenda ao n.º 1 do artigo 84.º, com vista a substituir a expressão “after” pela expressão “as from” ou “as of”. (em língua portuguesa, deverá passar a ler-se “a partir de”). O blog Conflict of Laws chama a atenção para este problema em http://conflictoflaws.net/2016/oops-they-did-it-again-remarks-on-the-intertemporal-application-of-the-recast-insolvency-regulation/#respond
4
25
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade Nos termos do artigo 3.º do Protocolo n.º 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, estes países manifestaram o seu desejo de participar na aprovação e aplicação (opt-in) deste instrumento. Ao invés, a Dinamarca não o fez, pelo que, nos termos do disposto nos artigos 1.º e 2.º do Protocolo n.º 22 relativo à posição daquele país, não participou na adoção do Regulamento e não está a ele vinculada nem sujeita à sua aplicação.
5
http://ec.europa.eu/justice/civil/files/c_2014_1500_pt.pdf
6
Voltaremos a este tema na perspetiva da convergência do direito nacional perante tais desideratos, na segunda parte deste artigo.
7
Caso o processo nacional não esteja listado no Anexo A, o regulamento não lhes é aplicável. Não é possível sequer invocar o preenchimento das características enunciadas no artigo 1.º. Não é igualmente possível o inverso, ou seja, defender a exclusão de um processo do âmbito de aplicação do regulamento que esteja listado no seu anexo A, ainda que com fundamento em que as condições exigidas pelo n.º 1 do artigo 1.º não se encontram preenchidas. O artigo 1.º serve, assim, essencialmente, como orientador dos Estados-membros na aferição do dever de procederem à comunicação à Comissão Europeia para efeitos da inclusão, ou não, dos processos nacionais no anexo A do regulamento, mediante procedimento legislativo ordinário de alteração ao regulamento, pese embora circunscrito às alterações do anexo.
8
A definição de processo coletivo consta do n.º 1 do artigo 2.º e é também conformada pelo considerando 14.
9
Vide considerandos 12 e 13.
10 11
Vide considerando 15.
12
Vide considerando 16.
13
Quanto à noção de administrador de insolvência, vide considerando 21, n.º 5 do artigo 2.º e anexo B do regulamento.
14
Vide considerando 20 e n.º 6 do artigo 2.º.
15
Vide considerandos 9 a 11.
16
Vide também o considerando 17.
17
Cf. artigos 41.º a 44.º, 56.º a 59.º e 61.º a 75.º. À luz do regulamento reformulado e ao contrário do que sucedia no regulamento original, o processo secundário deixou de estar limitado aos processos de liquidação, pelo que pode ter diferentes finalidades, para além da proteção dos credores locais (considerandos 40 e 41), pese embora continue a estar limitado à condição de existência de estabelecimento do devedor no território do Estado-membro de abertura do processo secundário (n.º 2 do artigo 3.º). A noção de estabelecimento prevista no regulamento reformulado (n.º 10 do artigo 2.º) é particularmente relevante (e não é inteiramente coincidente com a que vinha sendo gizada pelo Tribunal de Justiça).
18
Partindo-se da premissa de que os órgãos jurisdicionais do Estado-membro em cujo território está situado o COMI do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência («processo principal de insolvência»), tal COMI é o local em que o devedor exerce habitualmente a administração dos seus interesses de forma habitual e cognoscível por terceiros. Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do regulamento reformulado, no caso de sociedades e de outras pessoas coletivas, presume-se, até prova em contrário, que o COMI é o local da respetiva sede estatutária, mas esta presunção só é aplicável se a sede estatutária não tiver sido transferida para outro Estado-membro nos três meses anteriores ao pedido de abertura do processo de insolvência. No caso de pessoa singular que exerça uma atividade comercial ou profissional independente, presume-se, até prova em contrário, que o COMI é o local onde exerce a atividade principal, porém esta presunção só é aplicável se o local de atividade principal da pessoa singular não tiver sido transferido para outro Estado-membro nos três meses anteriores ao pedido de abertura do processo de insolvência. Por sua vez, no caso de qualquer outra pessoa singular, presume-se, até prova em contrário, que o COMI é o lugar de residência habitual, sendo que esta presunção só é aplicável se a residência habitual não tiver sido transferida para outro Estado-membro nos seis meses anteriores ao pedido de abertura do processo de insolvência.
19
20
A noção de grupo de sociedades e de empresa-mãe relevante para este efeito consta dos n.ºs 13 e 14 do artigo 2.º do regulamento reformulado.
Nos termos desta Recomendação, os Estados-membros foram convidados a incorporar nos respetivos ordenamentos jurídicos os princípios estabelecidos na recomendação e a recolher estatísticas anuais fiáveis sobre o número de processos de reestruturação preventiva abertos, a duração dos processos e informações sobre a dimensão dos devedores envolvidos e o resultado dos procedimentos abertos e comunicar essas informações anualmente à Comissão, a partir de 14 de março de 2015. A Comissão procedeu à avaliação da aplicação da recomendação nos Estados-Membros (http://ec.europa.eu/justice/civil/files/insolvency/02_evaluation_insolvency_recommendation_en.pdf) e concluiu pela necessidade de preparar uma proposta legislativa tendente à harmonização de certos aspetos do direito da insolvência, cuja avaliação preliminar de impacto pode ser consultada em: http://ec.europa.eu/justice/civil/files/insolvency/impact_assessment_en.pdf Paralelamente, a Comissão Europeia encomendou um estudo de direito comparado sobre os sistemas insolvenciais e de segunda oportunidade vigentes nos Estados-membros, disponível em: http://ec.europa.eu/justice/civil/files/insolvency/insolvency_study_2016_final_en.pdf
21
Procede-se, em anexo ao presente artigo, à esquematização do PER redigida em língua inglesa porquanto nos foi dado a conhecer que seria uma importante ferramenta auxiliar da cooperação e comunicação entre tribunais e administradores de insolvência no contexto transfronteiriço, para efeitos de melhor compreensão do regime português.
22
Fazemos notar, aliás, que o claro alinhamento da legislação nacional em matéria insolvencial com o pensamento e os normativos da União Europeia, granjeou a Portugal inúmeras menções de apreço nos mais diversos fora, sobretudo, de modo público e notório, pela anterior Comissária europeia para a Justiça, Viviane Reding.
23
Cf. Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/2016, de 18 de agosto, que aprova o Programa Capitalizar.
24
o As opiniões expressas neste artigo vinculam apenas os seus autores e não são necessariamente coincidentes com a posição da DGPJ
26
Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
ANEXOS
Special Revitalisation Procedure
Debtor Recovery Plan – Judicial procedure
Debtor Recovery Plan – Judicial procedure with agreement
Os anexos são da autoria de Renato Gonçalves e Bruna Costa (Técnica Superior da DGPJ) e apenas vinculam os seus autores.
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Insolvências com efeitos transfronteiriços na União Europeia: o Regulamento (UE) n.º 2015/848 e a cultura de segunda oportunidade
Debtor Recovery Plan – Judicial procedure without agreement
Debtor Recovery Plan – Extrajudicial procedure
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e.book - ATUALIDADE
E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
Brexit - Implicações na área da cooperação judiciária em matéria civil e comercial Sara Nunes de Almeida
(Mestre em Gestão Pública.Chefe de Divisão da Unidade de Justiça Civil, Cidadania e Contencioso Internacional DGPJ/MJ)
Em 23 de junho de 2016, os cidadãos do Reino Unido votaram em referendo a saída da União Europeia. Apesar de esta escolha ter cabido exclusivamente ao povo britânico, os resultados desta decisão terão impacto não apenas naquele Estado-membro, mas em toda a União Europeia nas mais diversas e variadas áreas. A decisão é recente e a incerteza sobre qual a forma que irá assumir a saída do Reino Unido ainda é grande, mas ainda assim, considera-se que será válido tecer um breve balanço da participação do Reino Unido na área da cooperação judiciária em matéria civil e comercial, que comporta algumas especificidades, desde logo no que respeita aos termos da participação daquele Estado-membro.
o A cooperação judiciária em matéria civil e comercial A cooperação judiciária em matéria civil e comercial baseia-se no princípio do reconhecimento mútuo fundamentado na confiança mútua entre os países da União. Foi com o Tratado de Amsterdão, que entrou em vigor em 1 de maio de 1999, que a construção de um Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça ficou inscrita como um dos objetivos da União Europeia e que foram atribuídas competências à União para legislar no âmbito do direito internacional privado. Presentemente o Tratado de Lisboa, no artigo 81.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), reforça as bases jurídicas desta cooperação ao estabelecer uma lista abrangente de atividades que podem ser objeto de legislação e ao clarificar que a cooperação judiciária em matéria civil pode incluir ainda a aprovação de medidas de aproximação das leis e regulamentos dos Estados-membros.
Com exceção das medidas na área do direito da família, toda a legislação nesta matéria é aprovada ao abrigo do processo legislativo ordinário, nos termos do qual a legislação da União Europeia é adotada conjuntamente pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, como colegisladores. As medidas de direito da família são aprovadas de acordo com um regime especial através do qual o Conselho delibera por unanimidade após consulta ao Parlamento. Desde o Tratado de Amesterdão já foi percorrido um longo caminho. A União Europeia dispõe hoje de um largo número de instrumentos na área de cooperação judiciária civil e comercial, essenciais no domínio do direito europeu civil e comercial, que fazem já parte da prática quotidiana dos tribunais e das profissões jurídicas. 29
Brexit - Implicações na área da cooperação judiciária em matéria civil e comercial
A participação do Reino Unido no Espaço de Segurança, Liberdade e Justiça A título preliminar e como apontamento de carácter geral, cabe notar que o Reino Unido não é o único país no qual a aplicação da legislação da União Europeia é feita de forma seletiva, porém é sem dúvida o Estado-membro com o maior número de opt outs. Desde logo, o Reino Unido não é membro do Euro e tal como a Dinamarca não participa na União Económica e Monetária. O Reino Unido não participa do Espaço Schengen. O Reino Unido também não é signatário da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia No domínio da justiça civil, tanto a Dinamarca, como a Irlanda e o Reino Unido beneficiam de acordos especiais ao abrigo do Tratado de Lisboa. A Dinamarca não participa na aprovação de quaisquer instrumentos neste domínio e não se encontra vinculada a nenhum deles. Ainda assim, a aplicação de um conjunto de instrumentos foi alargada à Dinamarca através de um acordo bilateral com a União. A participação do Reino Unido na legislação da União Europeia na área da Justiça e Assuntos Internos (JAI) é regulada pelos Protocolos 19 (acervo de Schengen) e 21 (Espaço de Segurança, Liberdade e Justiça) ao Tratado da União Europeia (TUE) e ao TFUE. O Protocolo 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (em seguida, “Protocolo 21”) estabelece que estes Estadosmembros não participam na adoção pelo Conselho das medidas propostas em aplicação do Título V, da Parte III do TFUE. De acordo com o artigo 3.º do aludido Protocolo, o Reino Unido pode no prazo de 3 meses depois de apresentação de uma proposta, notificar por escrito o Presidente do Conselho de que deseja participar na adoção e na aplica-
ção da medida proposta. Se fizer essa notificação não pode posteriormente exercer o opt out. Porém, mesmo que não exerça o opt in nesse período de 3 meses, pode participar nas negociações sem voto. Pode também, após a adoção da medida, indicar a sua vontade de participar na mesma. Neste último caso, a Comissão tem de aprovar essa participação e pode impor condições, juntamente com o Conselho. Como se pode constatar da tabela em anexo, das 23 medidas legislativas aí elencadas, apenas 5 delas não contam com o opt in do Reino Unido, o que mostra que este Estado-membro tem exercido esta possibilidade de forma cirúrgica, avaliando em concreto a sua posição relativamente a cada iniciativa legislativa. Curiosamente, no âmbito da revisão que se encontra atualmente em curso do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e responsabilidade parental, o Reino Unido indicou a sua intenção de exercer o opt in no passado dia 10 de outubro.
O Brexit A saída do Reino Unido da União passa pelo recurso ao artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Esta norma dispõe que qualquer Estado-membro pode decidir, em conformidade com as respetivas normas constitucionais, retirar-se da União. Nesse caso, o Estado-membro deve notificar a sua intenção ao Conselho Europeu e em função das orientações desse Conselho, a União deve negociar e celebrar com esse Estado um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União. Mais dispõe o artigo que os Tratados deixam 30
Brexit - Implicações na área da cooperação judiciária em matéria civil e comercial
de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação, a menos que o Conselho Europeu com o acordo do Estado-membro em causa decida, por unanimidade, prorrogar esse prazo. De acordo com o referido pela Primeira-ministra britânica, não se prevê que o Reino Unido dê início ao processo previsto no referido artigo 50.º antes do final de 2016, o que significa que só no próximo ano poderemos ter uma ideia dos termos do acordo que será negociado no futuro. Na área ora analisada, o Brexit poderá implicar a desvinculação ao acervo e a negociação de acordos internacionais bilaterais entre o Reino Unido e a União, como acontece já relativamente a outros Estados terceiros, nomeadamente com os Estados Lugano1 (membros da União Europeia e da Associação Europeia de Comércio Livre, atualmente a Suíça, o Liechtenstein, a Noruega e a Islândia). Assim, será previsível a negociação de um “pacote de saída” que inclua um conjunto de instrumentos nesta área. Certo é que com a sua saída, o Reino Unido deixará de estar sujeito à jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo que a aplicação de eventual acordo bilateral (ou acordos) terá de se socorrer de outras normas de controlo judicial. Por outro lado, com a saída da União, o Reino Unido deixará (eventualmente) de ser membro da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial2. Esta Rede foi criada pelo Conselho com a missão de facilitar a cooperação entre os Estados-membros nestes domínios e é um auxiliar fundamental na aplicação dos instrumentos aqui em causa, pelo que será
um elemento a considerar na solução que for encontrada no futuro. Apesar das dificuldades, não se considera expectável a saída dos atuais instrumentos existentes no domínio da cooperação judiciária civil dos quais o Reino Unido faz parte, sem serem encontradas alternativas e outras vias de cooperação. Não apenas pela constatação da importância e necessidade destes instrumentos numa Europa em que as pessoas se deslocam cada vez mais, seja para comprar produtos ou serviços, para trabalhar, estudar, casar ou passar a sua reforma, mas também pelo facto de, em virtude do Protocolo 21, o Reino Unido apenas participar naqueles instrumentos que considera particularmente úteis e relevantes. Pela sua natureza, trata-se de uma área com um impacto muito significativo no dia-a-dia dos cidadãos e das empresas europeias e que tem evoluído no sentido de uma cada vez maior redução dos trâmites necessários, por exemplo, para o reconhecimento de uma decisão seja do foro comercial ou de consumidores, ou de sentenças no domínio do direito da família (cobrança de alimentos e direitos de visita) com inegáveis vantagens para todos os Estados-membros. Por essa razão, crê-se que perante a saída do Reino Unido destes instrumentos, será indispensável procurar outras soluções. Concluindo, tendo em conta o nível de integração existente e a importância de alguns dos instrumentos vigentes na área da cooperação judiciária, acredita-se que será encontrada uma via alternativa para dar resposta às necessidades do Reino Unido e dos Estados-membros na área da cooperação judiciária.
Estados parte da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, celebrada em Lugano em 16 de setembro de 1988. 2 Decisão n.º 568/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009, que altera a Decisão 2001/470/CE do Conselho que cria uma Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial. A Rede é responsável por facilitar a cooperação judiciária entre os Estados-Membros em matéria civil e comercial, nomeadamente através da conceção, da criação progressiva e da atualização de um sistema de informação destinado aos membros da rede; bem como por facilitar o acesso efetivo à justiça, através de ações de informação sobre o funcionamento dos instrumentos comunitários e internacionais relativos à cooperação judiciária em matéria civil e comercial. 1
31
Brexit - Implicações na área da cooperação judiciária em matéria civil e comercial
Apesar das incertezas que se apresentam, seja uma maratona burocrática que se desenrolará quanto às soluções a propor ou quanto ao ca- nos próximos anos. minho a seguir, certo é que estamos perante
o ANEXO I O acervo da União Europeia em matéria civil e comercial e a posição do Reino Unido Lista de instrumentos
Opt in/out
1
Regulamento (CE) N.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
In
2
Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
In
3
Regulamento (UE) N.º 542/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que altera o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, no que diz respeito às normas a aplicar em relação ao Tribunal Unificado de Patentes e ao Tribunal de Justiça do Benelux.
In
4
Regulamento (CE) n.º 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados.
In
5
Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006 , que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento.
In
6
Regulamento (CE) n.º 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007, que estabelece um processo europeu para ações de pequeno montante.
In
7
Regulamento (UE) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial.
Out
8
Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência.
In
9
Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência.
In
10
Regulamento (CE) n. º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008 , sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).
In
11
Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»).
In
12
Regulamento (UE) n.º 1259/2010 do Conselho, de 20 de dezembro de 2010, que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial.
Out
13
Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000.
In
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Brexit - Implicações na área da cooperação judiciária em matéria civil e comercial 14
Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008,relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares.
In
15
Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu.
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16
Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos) e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1348/2000 do Conselho.
In
17
Regulamento (CE) n.º 1206/2001 do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial.
In
18
Regulamento (UE) n.º 606/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de junho de 2013, relativo ao reconhecimento mútuo de medidas de proteção em matéria civil.
In
19
Regulamento (UE) 2016/1103 do Conselho, de 24 de junho de 2016 que implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais.
Out
20
Regulamento (UE) 2016/1104 do Conselho, de 24 de junho de 2016 que implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de efeitos patrimoniais das parcerias registadas.
Out
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Diretiva 2002/8/CE do Conselho, de 27 de janeiro de 2003, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, através do estabelecimento de normas mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.
In
22
Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa a certos aspetos da mediação em matéria civil e comercial.
In
23
Decisão n.º 568/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2009, que altera a Decisão 2001/470/CE do Conselho que cria uma Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial.
In
* Atos adotados ao abrigo do artigo 81.º do TFUE ou correspondente artigo 61.ºe 67.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia.
As opiniões expressas neste artigo vinculam apenas a sua autora e não são necessariamente coincidentes com a posição da DGPJ.
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Jurisprudência, Tribunal de Justiça da União Europeia 2013 - 2016
o Coligida por Diogo de Almeida Antunes
Estudante da Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa
- Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial
pág. 35
- Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000
pág. 45
- Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (“Roma I”) pág.48 - Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Julho de 2007 Relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (“Roma II”)
pág. 49
- Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento
pág. 49
- Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares
pág. 50
- Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência
pág. 51
- Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros pág. 53 - Regulamento (CE) n.º 805/2004, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados
pág. 54
- Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Convenção de Roma)
pág. 55
e.book - ATUALIDADE
E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
Regulamento nº 44/2001 - Competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial
1. Processo C-230/15 14 de julho de 2016 “O artigo 71.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, lido à luz do artigo 350.° TFUE, não se opõe a que a regra de competência judiciária para os litígios relativos às marcas, desenhos e modelos Benelux, enunciada no artigo 4.6 da Convenção Benelux em matéria de propriedade intelectual (marcas e desenhos ou modelos), de 25 de fevereiro de 2005, assinada em Haia pelo Reino da Bélgica, pelo Grão Ducado do Luxemburgo e pelo Reino dos Países Baixos, seja aplicada a esses litígios.”
o
2. Processo C-222/15 7 de julho de 2016 “O artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula atributiva de jurisdição, como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, está estipulada nas cláusulas contratuais gerais do comitente, mencionadas nos instrumentos que constituem os contratos entre as partes e que foram comunicadas quando da sua celebração, e, por outro, designa como órgãos jurisdicionais competentes os tribunais de uma cidade de um Estado Membro, cumpre os requisitos desta disposição relativos ao consentimento das partes e à precisão do conteúdo dessa cláusula.”
o 3. Processo C-45/13 16 de janeiro de 2014 “O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, quando for posta em causa a responsabilidade de um fabricante por um produto defeituoso, o lugar do evento causal que deu origem ao dano é o lugar em que o produto em questão foi fabricado.”
o 4. Processo C-1/13 27 de fevereiro de 2014 “O artigo 27.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado neste sentido que, sob reserva dos casos em que o tribunal em que a ação foi proposta em segundo lugar tenha competência exclusiva nos termos deste regulamento, a competência do tribunal em que a ação foi proposta em primeiro lugar deve considerar‑se estabelecida, na aceção desta disposição, desde que este tribunal não tenha declarado oficiosamente a sua incompetência e que nenhuma das partes a tenha suscitado antes ou até ao momento da tomada de posição que o respetivo direito processual nacional considere ser a primeira defesa quanto ao mérito deduzida nesse tribunal.”
o 5. Processo C-548/12 13 de março de 2014 “As ações de responsabilidade civil, como as que estão em causa no processo principal, de natureza extracontratual nos termos do direito nacional, devem, no entanto, ser consideradas abrangidas pela «matéria contratual», na aceção do artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões
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em matéria civil e comercial, se o comportamento censurado puder ser considerado um incumprimento das obrigações contratuais, tal como podem ser determinadas tendo em conta o objeto do contrato.”
o 6. Processo C-438/12 3 de abril de 2014 “O artigo 22.°, ponto 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pela categoria de litígios «em matéria de direitos reais sobre imóveis» prevista nesta disposição uma ação como a intentada no caso vertente perante o órgão jurisdicional de um outro Estado‑Membro, destinada a obter a declaração de invalidade do exercício de um direito de preferência que onera esse imóvel e que produz efeitos em relação a todos. O artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, antes de suspender a instância em aplicação desta disposição, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se em segundo lugar deve apreciar se, em razão da inobservância da competência exclusiva prevista no artigo 22.°, ponto 1, deste regulamento, uma eventual decisão de mérito do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se em primeiro lugar não será reconhecida nos outros Estados‑Membros, em conformidade com o disposto no artigo 35.°, n.° 1, do referido regulamento.”
o 7. Processo C-387/12 3 de abril de 2014 “O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, em caso de pluralidade de presumíveis autores de um alegado dano aos direitos patrimoniais de autor protegidos no Estado-Membro do tribunal chamado a decidir, esta disposição não permite determinar a competência, a título do lugar do evento causal do dano, de um tribunal em cuja área de jurisdição o autor que, de entre os vários autores presumíveis, é demandado não agiu, mas permite determinar a competência do mesmo tribunal a título do lugar de materialização do alegado dano, sempre que este se possa materializar na área de jurisdição do tribunal chamado a decidir. Nesta última hipótese, este tribunal só é competente para conhecer do dano causado no território do Estado‑Membro em que se encontra.”
o
8. Processo C-360/12 5 de junho de 2014 “O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, caso seja alegada publicidade comparativa ilícita ou imitação desleal de um sinal protegido por uma marca comunitária, proibidas pela Lei contra a concorrência desleal (Gesetz gegen den unlauteren Wettbewerb) do Estado-Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, essa disposição não permite determinar, com base no lugar do evento causal de um dano resultante da violação dessa lei, a competência de um órgão jurisdicional do referido Estado-Membro desde que um dos presumidos autores, aí demandado, não tenha atuado, por si só. Em contrapartida, nesse caso, a referida disposição permite determinar, com base no lugar da materialização do dano, a competência jurisdicional para conhecer de uma ação de responsabilidade com base na referida lei nacional, intentada contra uma pessoa estabelecida noutro Estado-Membro e que alegadamente cometeu, neste último Estado, um ato que provocou ou possa vir a provocar um dano na área de jurisdição do órgão jurisdicional chamado a decidir.”
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9. Processo C‑196/15 14 de julho de 2016 “O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação indemnizatória com fundamento numa rutura abrupta de relações comerciais estáveis, como a que está em causa no processo principal, não tem natureza extracontratual, na aceção desta disposição, se existia uma relação contratual tácita entre as partes, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. A prova da existência dessa relação contratual tácita deve basear‑se num conjunto de elementos concordantes, entre os quais podem figurar, designadamente, a existência de relações comerciais estáveis, a boa‑fé entre as partes, a regularidade das transações e a sua evolução no tempo expressa em quantidade e em valor, os eventuais acordos sobre os preços faturados e/ ou sobre os descontos acordados, bem como a correspondência trocada. O artigo 5.°, ponto 1, alínea b), do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que relações comerciais estáveis como as que estão em causa no processo principal devem ser qualificadas de «contrato de venda de bens», se a obrigação característica do contrato em causa for a entrega de um bem, ou de «contrato de prestação de serviços», se essa obrigação for a prestação de serviços, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.”
o 10. Processo C-175/15 17 de março de 2016 Os artigos 23.°, n.° 5, e 24.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito de um litígio relativo ao incumprimento de uma obrigação contratual, em que o demandante intentou uma ação nos tribunais do Estado‑Membro em cujo território o demandado tem a sua sede social, a competência desses tribunais é suscetível de decorrer do artigo 24.° desse regulamento quando o demandado não conteste a sua competência, mesmo que o contrato entre essas duas partes contenha uma cláusula atributiva de competência a favor dos tribunais de um Estado terceiro. O artigo 24.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se opõe, no âmbito de um litígio entre as partes num contrato que comporta uma cláusula atributiva de competência a favor dos tribunais de um Estado terceiro, a que o tribunal do Estado‑Membro em cujo território o demandado tem a sua sede social, onde foi intentada a ação, se declare oficiosamente incompetente, mesmo que o demandado não conteste a sua competência.
o 11. Processo C-102/15 28 de julho de 2016 “Uma ação de repetição do indevido fundada no enriquecimento sem causa, como a que está em causa no processo principal, que tem origem no reembolso de uma coima imposta no âmbito de um procedimento de direito da concorrência, não está abrangida pela «matéria civil e comercial» na aceção do artigo 1.° do Regulamento n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.”
o 12. Processo C‑70/15 7 de julho de 2016 O conceito de «recurso», que figura no artigo 34.°, ponto 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que inclui também o pedido de relevação do efeito perentório do prazo de recurso, quando o prazo para interposição de recurso ordinário já terminou.
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13. Processo C-12/15 16 de junho de 2016
O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, na falta de outros elementos de conexão, não se pode considerar que o «lugar onde ocorreu o facto danoso» é o lugar, situado num Estado‑Membro, onde ocorreu o prejuízo, quando esse prejuízo é exclusivamente constituído por uma perda financeira que se materializa diretamente na conta bancária do demandante e que é consequência direta de um ato ilícito ocorrido noutro Estado‑Membro. No âmbito da verificação da competência no termos do Regulamento n.° 44/2001, o órgão jurisdicional chamado a conhecer de um litígio deve apreciar todos os elementos de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as objeções apresentadas pelo demandado.
o 14. Processo C‑605/14 17 de dezembro de 2015 O artigo 22.°, ponto 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que cabe na categoria dos litígios «em matéria de direitos reais sobre imóveis», na aceção desta disposição, uma ação de dissolução, através de uma venda cuja realização é confiada a um administrador, da compropriedade indivisa sobre um bem imóvel.
o 15. Processo C-572/14 21 de abril de 2016 O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que um pedido destinado a obter o pagamento de uma remuneração devida por força de uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que aplica o regime de «compensação equitativa» previsto no artigo 5.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, faz parte da «matéria extracontratual», na aceção do artigo 5.°, ponto 3, desse regulamento.
o 16. Processo C-559/14
25 de maio de 2016
O artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, lido à luz do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o reconhecimento e a execução de uma decisão de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, proferida sem que um terceiro cujos direitos podem ser afetados por essa decisão tenha sido ouvido, não podem ser considerados como sendo manifestamente contrários à ordem pública do Estado‑Membro requerido e ao direito a um processo equitativo na aceção dessas disposições, na medida em que lhe seja possível invocar os seus direitos perante esse órgão jurisdicional.
o 17. Processo C-523/14 22 de outubro de 2015 O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma queixa com constituição de parte civil apresentada num tribunal de
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instrução está abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento na medida em que tenha por objeto a indemnização pecuniária do prejuízo alegado pelo queixoso. O artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que uma ação é submetida, na aceção desta disposição, quando é apresentada uma queixa com constituição de parte civil num tribunal de instrução e a fase da instrução ainda não está concluída. O artigo 30.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma pessoa apresenta uma queixa com constituição de parte civil num tribunal de instrução mediante a apresentação de um ato que, segundo o direito nacional aplicável, não deve ser notificado antes dessa apresentação, a data em que se deve considerar que a ação foi submetida à apreciação desse tribunal é a data em que a queixa foi apresentada.
o
18. Processo C-521/14 21 de janeiro de 2016 O artigo 6.°, ponto 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que o seu âmbito de aplicação abrange uma ação proposta por um terceiro, em conformidade com as disposições nacionais, contra o requerido no processo originário e tendo por objeto um pedido estreitamente conexo com essa ação originária, destinada a obter o reembolso de indemnizações pagas por esse terceiro ao requerente no referido processo originário, na condição de esta ação não ter sido proposta apenas com o intuito de subtrair o dito requerido à jurisdição que seria competente nesse caso.
o 19. Processo C‑322/14 21 de maio de 2015 O artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 de Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a técnica de aceitação por «clic» das condições gerais de um contrato de compra e venda, como o que está em causa no processo principal, celebrado por via eletrónica, que contêm um pacto atributivo de jurisdição, constitui uma comunicação par via eletrónica que permite um registo duradouro desse pacto, na aceção desta disposição, quando esta técnica torna possível imprimir e gravar o texto dessas condições gerais antes da celebração do contrato.
o 20. Processo C-297/14 23 de dezembro de 2015 O artigo 15.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na parte em que se refere ao contrato celebrado no âmbito de uma atividade comercial ou profissional «dirigida» por um profissional «ao» Estado‑Membro do domicílio do consumidor, em conjugação com o artigo 16.°, n.° 1, deste regulamento, deve ser interpretado no sentido que pode ser aplicado a um contrato celebrado entre um consumidor e um profissional, que não se enquadra, enquanto tal, no domínio da atividade comercial ou profissional «dirigida» por esse profissional «ao» Estado‑Membro do domicílio do consumidor, mas que apresenta um vínculo estreito com um contrato celebrado anteriormente entre as mesmas partes no âmbito dessa atividade. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se estão reunidos os elementos constitutivos deste vínculo, designadamente a identidade, de direito ou de facto, das partes nos dois contratos, a identidade do fim económico prosseguido através desses contratos que têm o mesmo objeto concreto e a complementaridade do segundo contrato ao primeiro, na medida em que visa permitir alcançar o fim económico prosseguido através deste último contrato.
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21. Processo C-352/13 21 de maio de 2015 O artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a regra de concentração de competências, em caso de pluralidade de demandados, que esta disposição prevê pode ser aplicada no âmbito de uma ação de condenação solidária ao pagamento de uma indemnização e, no âmbito da mesma, à prestação de informações intentada contra empresas que participaram de forma diferente, nos planos geográfico e temporal, numa infração única e continuada à proibição de cartéis prevista pelo direito da União, declarada por uma decisão da Comissão Europeia, ainda que o demandante tenha entretanto desistido do pedido relativamente ao único dos codemandados que está domiciliado no Estado‑Membro onde está situado o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se, a menos que se demonstre a existência de um conluio entre o demandante e o referido codemandado com o objetivo de criar ou manter, de forma artificial, as condições de aplicação da referida disposição no momento da propositura da ação. O artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, no caso de uma ação de indemnização ser intentada contra demandados estabelecidos em vários Estados‑Membros, por terem participado numa infração única e continuada, em vários Estados‑Membros e em locais e em épocas diferentes, tendo essa infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, sido declarada pela Comissão Europeia, o facto danoso teve lugar relativamente a cada alegada vítima individualmente considerada, podendo cada uma delas, por força do referido artigo 5.°, n.° 3, optar por intentar a sua ação quer no tribunal do lugar onde foi definitivamente celebrado o acordo em questão, ou eventualmente do lugar onde foi celebrado um acordo específico e identificável como sendo, por si só, o evento causal do dano alegado, quer no tribunal do lugar da sua própria sede social. O artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que permite, em caso de pedido de indemnização em razão de uma infração ao artigo 101.° TFUE e ao artigo 53.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992, ter em conta cláusulas atributivas de jurisdição contidas em contratos de fornecimento, mesmo que isso implique a derrogação das regras de competência internacional previstas nos artigos 5.°, n.° 3, e/ou 6.°, n.° 1, do referido regulamento, desde que essas cláusulas se reportem aos litígios relativos à responsabilidade decorrente de uma infração ao direito da concorrência.
o 22. Processo C‑366/13 20 de abril de 2016 O artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que: –o requisito de forma escrita imposto pelo artigo 23.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001, só fica preenchido, no caso de inserção de uma cláusula atributiva de jurisdição no prospeto de emissão de títulos obrigacionistas, se o contrato assinado pelas partes no momento da emissão dos títulos no mercado primário mencionar a aceitação dessa cláusula ou contiver uma remissão expressa para esse prospeto; –uma cláusula atributiva de jurisdição contida num prospeto de emissão de títulos obrigacionistas, redigido pelo emitente dos títulos em questão, pode ser oponível ao terceiro que adquiriu esses títulos junto de um intermediário financeiro se se demonstrar, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em primeiro lugar, que essa cláusula é válida na relação entre esse emitente e o intermediário financeiro, por outro lado, que o referido terceiro, ao subscrever os títulos em questão no mercado secundário, sucedeu ao dito intermediário nos direitos e nas obrigações associados a esses títulos nos termos do direito nacional aplicável e, por último, que o terceiro em causa teve a possibilidade de tomar conhecimento do prospeto onde se inclui a referida cláusula; e –a inserção de uma cláusula atributiva de jurisdição num prospeto de emissão de títulos obrigacionistas pode ser encarada como uma forma admitida por um uso do comércio internacional, na aceção do artigo 23.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 44/2001, que permite presumir o consentimento daquele a quem se opõe, desde que se demonstre, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar, designadamente,
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por um lado, que esse comportamento é geral e regularmente seguido pelos operadores no ramo considerado no momento da celebração de contratos desse tipo e, por outro, que as partes tinham anteriormente estabelecido relações comerciais entre si ou com outras partes que operam no setor em questão, ou que o comportamento em causa é suficientemente conhecido para poder ser considerado uma prática consolidada. O artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que as ações destinadas a obter a declaração de nulidade de um contrato e a restituição das quantias pagas indevidamente com fundamento no referido contrato estão abrangidas pela «matéria contratual», na aceção dessa disposição. O artigo 6.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de duas ações intentadas contra vários requeridos, tendo um objeto e um fundamento diferentes e não estando ligadas entre si por um nexo de subsidiariedade ou de incompatibilidade, não basta que a eventual procedência de uma delas seja potencialmente idónea a refletir‑se na extensão do interesse cuja proteção é pedida no caso da outra para que se verifique um risco de decisões inconciliáveis na aceção dessa disposição.
o 23. Processo C‑375/13 28 de janeiro de 2015 O artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, um demandante que, na qualidade de consumidor, adquiriu uma obrigação ao portador através de um terceiro profissional, sem que tenha sido celebrado um contrato entre o referido consumidor e o emitente dessa obrigação o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, não pode invocar a competência prevista nesta disposição para efeitos da ação intentada contra o referido emitente e fundada nas condições de empréstimo, na violação dos deveres de informação e de controlo e na responsabilidade relativa ao prospeto. O artigo 5.°, ponto 1, alínea a), do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, um demandante que adquiriu uma obrigação ao portador através de um terceiro, sem que o respetivo emitente tenha livremente assumido uma obrigação para com esse demandante, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, não pode invocar a competência prevista nesta disposição para efeitos da ação intentada contra o referido emitente e fundada nas condições de empréstimo, na violação dos deveres de informação e de controlo e na responsabilidade relativa ao prospeto. O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma ação destinada a pôr em causa a responsabilidade do emitente de um certificado, devido ao respetivo prospeto e à violação de outros deveres legais de informação que incumbem a esse emitente, desde que essa responsabilidade não se insira no âmbito da matéria contratual na aceção do artigo 5.°, ponto 1, do referido regulamento. Nos termos do ponto 3 do mesmo artigo 5.°, os órgãos jurisdicionais do domicílio do demandante são competentes, a título da materialização do dano, para conhecer de uma ação desse tipo, nomeadamente, quando o dano alegado se produz diretamente numa conta bancária do demandante, num banco estabelecido na área de competência territorial desses órgãos jurisdicionais. No âmbito da verificação da competência nos termos do Regulamento n.° 44/2001, não há que proceder a uma produção de prova abrangente em relação a factos controvertidos que são pertinentes quer para a questão da competência quer para o exame da existência do direito invocado. Todavia, o órgão jurisdicional onde foi intentada a ação poderá apreciar a sua competência internacional à luz de todas as informações de que dispõe, incluindo, se for caso disso, as contestações apresentadas pelo demandado.
o 24. Processo C‑441/13 22 de janeiro de 2015 O artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,
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deve ser interpretado no sentido de que, no caso uma violação alegada dos direitos de autor e dos direitos conexos com o direito de autor garantidos pelo Estado‑Membro do órgão jurisdicional chamado a decidir, este é competente, a título do lugar da materialização do dano, para conhecer de uma ação fundada em responsabilidade por violação desses direitos em virtude da colocação em linha de fotografias protegidas num sítio Internet acessível na sua jurisdição. Esse órgão jurisdicional só é competente para conhecer do dano causado no território do Estado‑Membro em que se encontra.
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25. Processo C‑536/13 13 de maio de 2015 O Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro reconheça e execute, ou recuse reconhecer e executar, uma sentença arbitral que proíbe uma parte de apresentar certos pedidos num órgão jurisdicional desse Estado‑Membro, na medida em que esse regulamento não rege o reconhecimento e a execução, num Estado‑Membro, de uma sentença arbitral proferida por um tribunal arbitral noutro Estado‑Membro.
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26. Processo C‑681/13 16 de julho de 2015 O artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que o facto de uma decisão proferida num Estado‑Membro ser contrária ao direito da União não justifica que essa decisão não seja reconhecida noutro Estado‑Membro com o fundamento de que viola a ordem pública deste Estado, quando o erro de direito invocado não constitua uma violação manifesta de uma regra jurídica considerada essencial na ordem jurídica da União e, por conseguinte, na do Estado‑Membro requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nestas ordens jurídicas. Tal não é o caso de um erro que afete a aplicação de uma disposição como o artigo 5.°, n.° 3, da Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, conforme alterada pelo Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992. O juiz do Estado requerido, ao verificar a eventual existência de uma violação manifesta da ordem pública desse Estado, deve ter em conta o facto de que, salvo no caso de existirem circunstâncias especiais que tornem demasiado difícil ou impossível o exercício das vias de recurso no Estado‑Membro de origem, os particulares devem utilizar neste Estado‑Membro todas as vias de recurso disponíveis para evitar, a montante, tal violação. O artigo 14.° da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável às custas judiciais efetuadas pelas partes no âmbito de uma ação de indemnização, intentada num Estado‑Membro, destinada a reparar o prejuízo causado por um arresto efetuado noutro Estado‑Membro, cujo objetivo era prevenir a violação de um direito de propriedade intelectual, quando, no quadro dessa ação de indemnização, se coloque a questão do reconhecimento de uma decisão proferida nesse outro Estado‑Membro que declarou o caráter injustificado desse arresto.
o 27. Processo C‑4/14 9 de setembro de 2015 O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que este regulamento não se aplica à execução num Estado‑Membro de uma sanção pecuniária compulsória ordenada por uma decisão proferida noutro Estado‑Membro relativa ao direito de guarda e ao direito de visita para garantir o respeito deste direito de visita pelo titular do direito de guarda.
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A cobrança de uma sanção pecuniária compulsória ordenada pelo juiz do Estado‑Membro de origem que decidiu quanto ao mérito em matéria de direito de visita para garantir a efetividade deste direito integra o mesmo regime de execução que a decisão sobre o direito de visita garantido pela referida sanção pecuniária compulsória e esta última deve, a este título, ser declarada executória segundo as regras definidas pelo Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000. No âmbito do Regulamento n.° 2201/2003, as decisões estrangeiras que condenem em sanções pecuniárias compulsórias só são executórias no Estado‑Membro requerido se o respetivo montante tiver sido definitivamente fixado pelos tribunais do Estado‑Membro de origem.
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28. Processo C‑47/14 10 de setembro de 2015 As disposições do capítulo II, secção 5 (artigos 18.° a 21.°) e do artigo 60.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, devem ser interpretadas no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que uma sociedade demanda alguém que exerceu funções de administrador e de gerente dessa sociedade para obter a sua condenação pelas irregularidades cometidas no exercício das suas funções e ser indemnizada por isso, obstam à aplicação do artigo 5.°, pontos 1 e 3 do referido regulamento, desde que essa pessoa tenha, na sua qualidade de administrador e de gerente, realizado durante um certo tempo, a favor da referida sociedade e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebia uma remuneração, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. O artigo 5.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que a ação de uma sociedade contra o seu antigo gerente com fundamento num pretenso incumprimento das obrigações que lhe incumbiam por força do direito das sociedades está abrangida pelo conceito de «matéria contratual». Na falta de qualquer esclarecimento derrogatório nos estatutos da sociedade ou em qualquer outro documento, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o lugar em que o gerente desempenhou efetivamente, de forma preponderante, as suas atividades de execução do contrato, desde que a prestação de serviços no lugar considerado não seja contrária à vontade das partes, como esta resulta do que foi acordado entre elas. Em circunstâncias como as do processo principal, nas quais uma sociedade demanda o seu antigo gerente em razão de um pretenso comportamento ilícito, o artigo 5.°, ponto 3, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que essa ação diz respeito à matéria extracontratual quando o comportamento censurado não puder ser considerado um incumprimento das obrigações que competem ao gerente das sociedades, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Compete a este identificar, com base nas circunstâncias factuais do processo, o elemento de conexão mais estreito com o lugar do evento causal que deu origem ao dano e com o lugar da materialização do mesmo.
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29. Processo C‑94/14 10 de março de 2016 O direito da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias em que um órgão jurisdicional seja chamado a decidir de uma ação, como a do processo principal, relativa à designação de um tribunal territorialmente competente do Estado‑Membro de origem da injunção de pagamento europeia, e examine, nessas circunstâncias, a competência internacional dos tribunais desse Estado‑Membro para conhecer do processo contencioso relativo ao crédito que deu origem a essa injunção de pagamento, contra a qual o requerido deduziu oposição no prazo previsto para o efeito: – uma vez que o Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, não fornece indicações sobre os poderes e as obrigações desse órgão jurisdicional, essas questões processuais continuam, em aplicação do artigo 26.° deste regulamento, a ser reguladas pelo direito nacional do referido Estado‑Membro; – o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, exige que a questão da
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competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro de origem da injunção de pagamento europeia seja decidida em aplicação das regras processuais que permitem garantir o efeito útil das disposições deste regulamento e os direitos de defesa, quer seja o órgão jurisdicional de reenvio quer um tribunal por ele designado como tribunal territorial e materialmente competente para conhecer de um crédito como o que está em causa no processo principal, a título do processo civil comum, a pronunciar‑se sobre esta questão; – na hipótese de um tribunal como o órgão jurisdicional de reenvio se pronunciar sobre a competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro de origem da injunção de pagamento europeia e concluir pela existência de tal competência à luz dos critérios enunciados no Regulamento n.° 44/2001, este regulamento e o Regulamento n.° 1896/2006 obrigam esse órgão jurisdicional a interpretar o direito nacional no sentido de que este último lhe permite identificar ou designar um tribunal territorial e materialmente competente para conhecer desse processo; e, – a hipótese de um tribunal como o órgão jurisdicional de reenvio concluir pela inexistência de tal competência internacional, esse órgão jurisdicional não está obrigado a reapreciar oficiosamente, por analogia com o artigo 20.° do Regulamento n.° 1896/2006, essa injunção de pagamento.
o 30. Processo C‑302/13 23 de outubro de 2014 O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que uma ação, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto a reparação do prejuízo resultante de alegadas violações do direito da concorrência da União é abrangida pelo conceito de «matéria civil e comercial», na aceção desta disposição, e, por conseguinte, entra no âmbito de aplicação desse regulamento. O artigo 22.°, ponto 2, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que uma ação, como a que está em causa no processo principal, que tem por objeto a reparação do prejuízo resultante de alegadas violações do direito da concorrência da União não constitui um processo que tem por objeto a validade das decisões dos órgãos de sociedades na aceção desta disposição. O artigo 34.°, ponto 1, do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que nem as modalidades de determinação do montante das quantias sobre as quais incidem as medidas provisórias e cautelares decretadas numa decisão cujo reconhecimento e execução são requeridos, quando seja possível seguir a lógica do raciocínio subjacente à determinação do montante das referidas quantias, mesmo quando existiam e foram utilizados os meios processuais de impugnação de tais modalidades de cálculo, nem a mera invocação de consequências económicas graves constituem motivos determinantes da violação da ordem pública do Estado‑Membro requerido que permitem recusar o reconhecimento e a execução, nesse Estado‑Membro, de uma tal decisão proferida noutro Estado‑Membro.
o 31. Processo C-157/13 4 de setembro de 2014 O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se integra no conceito de «matéria civil e comercial», na aceção desta disposição, a ação para pagamento de uma dívida decorrente de uma prestação de serviços de transporte, proposta pelo administrador da insolvência, designado no âmbito de um processo de insolvência de uma empresa, instaurado num Estado‑Membro e dirigido contra o beneficiário destes serviços, estabelecido num outro Estado‑Membro. O artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese em que um litígio se integre no âmbito de aplicação tanto deste regulamento como da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, um Estado‑Membro pode, em conformidade com o artigo 71.°, n.° 1, do referido regulamento, aplicar as regras de competência judiciária previstas pelo artigo 31.°, n.° 1, desta convenção.
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32. Processo C-112/13 11 de setembro de 2014 O direito da União, nomeadamente o artigo 267.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal segundo a qual os tribunais comuns que decidem em sede de recurso ou em última instância devem, quando considerarem que uma lei nacional viola o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, submeter ao Tribunal Constitucional, no decurso da instância, um pedido de revogação da lei com força obrigatória geral em vez de se limitarem a não a aplicar ao caso concreto, desde que o caráter prioritário desse procedimento tenha como consequência impedir, quer antes da apresentação desse pedido ao órgão jurisdicional nacional competente para exercer a fiscalização da constitucionalidade das leis quer, sendo caso disso, depois da decisão desse órgão jurisdicional sobre o referido pedido, esses tribunais comuns de exercerem a sua faculdade ou cumprirem a obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais. Em contrapartida, o direito da União, nomeadamente o artigo 267.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a essa legislação nacional, desde que os referidos tribunais comuns possam: –‹ em qualquer momento do processo que considerem adequado, mesmo depois de concluído o procedimento incidental de fiscalização geral das leis, submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão prejudicial que entendam ser necessária; – adotar qualquer medida necessária a fim de assegurar a tutela jurisdicional provisória dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União; e – não aplicar, concluído esse procedimento incidental, a disposição legislativa nacional em causa se a considerarem contrária ao direito da União. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a legislação nacional pode ser interpretada em conformidade com estas exigências do direito da União. O artigo 24.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, interpretado à luz do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que, quando um órgão jurisdicional nacional nomeia um curador de ausentes para um requerido que não foi notificado da petição inicial por falta de residência conhecida, em conformidade com a legislação nacional, a comparência desse curador não equivale à comparência em juízo desse requerido na aceção do artigo 24.° desse regulamento que determina a competência internacional desse órgão jurisdicional.
o Regulamento (CE) n.° 2201/2003 – Competência, reconhecimento e execução das decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental
1. Processo C-455/15 PPU 19 de novembro de 2015 “O artigo 23.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que, não se verificando uma violação manifesta, tendo em conta o superior interesse da criança, de uma regra jurídica considerada essencial na ordem jurídica de um Estado Membro ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica, esta disposição não permite que o tribunal desse Estado Membro, que se considera competente para se pronunciar sobre a guarda de uma criança, recuse reconhecer a decisão de um tribunal de outro Estado Membro que se pronunciou sobre a guarda dessa criança. “
o 2. Processo C‑215/15 21 de outubro de 2015 “A ação pela qual um dos progenitores pede ao juiz que supra a falta de consentimento do outro progenitor para o seu filho viajar para fora do Estado‑Membro da sua residência e para a emissão de um passaporte em nome desse filho é abrangida pelo âmbito de aplicação material do Regulamento (CE) n.° 2201/2003
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do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, e isto, mesmo que a decisão proferida no fim dessa ação deva ser tomada em consideração pelas autoridades do Estado‑Membro da nacionalidade da referida criança, no âmbito do processo administrativo relativo à emissão desse passaporte. O artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que a competência dos tribunais onde foi apresentado um pedido em matéria de responsabilidade parental tenha sido «aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo», na aceção desta disposição, pela simples razão de o mandatário ad litem que representa o demandado, designado oficiosamente por esses tribunais devido à impossibilidade de notificar a este último o requerimento introdutório da instância, não ter suscitado a incompetência dos referidos tribunais.”
o 3. Processo C-489/14 06 de outubro de 2015 Em caso de processos de separação judicial e de divórcio instaurados entre as mesmas partes em tribunais de dois Estados‑Membros, o artigo 19.°, n.os 1 e 3, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa no processo principal, em que o processo no tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar no primeiro Estado‑Membro se extinguiu após ter sido intentada uma ação no segundo tribunal no segundo Estado‑Membro, os critérios da litispendência deixaram de estar preenchidos e, por conseguinte, a competência do tribunal em que a ação foi intentada em primeiro lugar não deve ser considerada estabelecida.
o 4. Processo C-498/14 PPU 9 de janeiro de 2015 O artigo 11.°, n.os 7 e 8, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe, em princípio, a que um Estado‑Membro atribua a um tribunal especializado competência para examinar as questões do regresso ou da guarda da criança no âmbito do processo previsto nessas disposições, mesmo quando um órgão jurisdicional já tiver sido chamado a pronunciar‑se sobre a responsabilidade parental em relação à criança.
o 5. Processo C-376/14 PPU 9 de outubro de 2014 Os artigos 2.°, ponto 11, e 11.° do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, devem ser interpretados no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revogada por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, o órgão jurisdicional do Estado‑Membro para onde a criança foi deslocada, chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de regresso da criança, deve verificar, ao proceder à avaliação de todas as circunstâncias específicas do caso, se a criança ainda tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem imediatamente antes da retenção ilícita alegada. No âmbito desta avaliação, há que ter em conta o facto de a decisão judicial que autorizava a deslocação poder ser executada provisoriamente e ter sido objeto de recurso. O Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que, quando a deslocação da criança ocorreu em conformidade com uma decisão judicial executória provisoriamente que foi em seguida revoga-
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da por uma decisão judicial que fixava a residência da criança no domicílio do progenitor que permanece no Estado‑Membro de origem, a retenção da criança noutro Estado‑Membro na sequência dessa segunda decisão é ilícita e o artigo 11.° desse regulamento é aplicável se se considerar que a criança ainda tinha a sua residência habitual no referido Estado‑Membro imediatamente antes dessa retenção. Se, pelo contrário, se considerar que nesse momento a criança já não tinha a sua residência habitual no Estado‑Membro de origem, a decisão que julga improcedente o pedido de regresso baseado nessa disposição é adotada sem prejuízo da aplicação das regras relativas ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas num Estado‑Membro previstas no capítulo III do mesmo regulamento.
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6. Processo C-4/14
9 de setembro de 2015
O artigo 1.° do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que este regulamento não se aplica à execução num Estado‑Membro de uma sanção pecuniária compulsória ordenada por uma decisão proferida noutro Estado‑Membro relativa ao direito de guarda e ao direito de visita para garantir o respeito deste direito de visita pelo titular do direito de guarda. A cobrança de uma sanção pecuniária compulsória ordenada pelo juiz do Estado‑Membro de origem que decidiu quanto ao mérito em matéria de direito de visita para garantir a efetividade deste direito integra o mesmo regime de execução que a decisão sobre o direito de visita garantido pela referida sanção pecuniária compulsória e esta última deve, a este título, ser declarada executória segundo as regras definidas pelo Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000. No âmbito do Regulamento n.° 2201/2003, as decisões estrangeiras que condenem em sanções pecuniárias compulsórias só são executórias no Estado‑Membro requerido se o respetivo montante tiver sido definitivamente fixado pelos tribunais do Estado‑Membro de origem.
o 7. Processo C-656/13 12 de novembro de 2014 O artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos de um processo em matéria de responsabilidade parental, permite estabelecer a competência de um tribunal de um Estado‑Membro que não é o da residência habitual da criança, ainda que não exista outro processo pendente no tribunal escolhido. O artigo 12.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2201/2003 deve ser interpretado no sentido de que não se pode considerar que a competência do tribunal no qual uma parte instaurou um processo em matéria de responsabilidade parental foi «aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo», na aceção desta disposição, quando a parte demandada no primeiro processo instaura, posteriormente, um segundo processo no mesmo tribunal e suscita, no âmbito do primeiro ato que lhe incumbe no primeiro processo, a incompetência desse tribunal.
o
8. Processo C-436/13 1 de outubro de 2014 A competência em matéria de responsabilidade parental, objeto de extensão nos termos do artigo 12.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1347/2000, a favor de um tribunal de um Estado‑Membro a que os titulares da responsabilidade parental, de comum acordo, submeteram um litígio, cessa com o trânsito em julgado de uma decisão proferida no âmbito desse processo.
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JURISPRUDÊNCIA TJUE 2013-2016
Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais
1. Processo C-191/15 28 de julho de 2016 O Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) e o Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), devem ser interpretados no sentido de que, sem prejuízo do disposto no artigo 1.°, n.° 3, de cada um destes regulamentos, a lei aplicável a uma ação inibitória, na aceção da Diretiva 2009/22 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa às ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores, destinada a fazer cessar a utilização de cláusulas contratuais pretensamente ilícitas por uma empresa estabelecida num Estado‑Membro que celebra contratos, no âmbito do comércio eletrónico, com consumidores que residem noutros Estados‑Membros, nomeadamente no Estado do foro, deve ser determinada em conformidade com o disposto no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 864/2007, ao passo que a lei aplicável à apreciação de uma dada cláusula contratual deve ser sempre determinada em aplicação do Regulamento n.° 593/2008, quer esse apreciação seja efetuada no âmbito de uma ação individual ou de uma ação coletiva. O artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 93/13/CE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que uma cláusula constante das condições gerais de venda de um profissional, que não foi objeto de negociação individual, nos termos da qual o contrato celebrado com um consumidor no âmbito do comércio eletrónico é regido pela lei do Estado‑Membro da sede desse profissional é abusiva na medida em que induza esse consumidor em erro, dando‑lhe a impressão de que só a lei desse Estado‑Membro é aplicável ao contrato, sem o informar de que beneficia igualmente, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 593/2008, da proteção que lhe proporcionam as disposições imperativas do direito que seria aplicável na falta dessa cláusula, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar à luz de todas as circunstâncias pertinentes. O artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que o tratamento de dados pessoais efetuado por uma empresa de comércio eletrónico é regido pelo direito do Estado‑Membro a que se destinam as atividades dessa empresa, se se constatar que essa empresa procede ao tratamento dos dados em questão no contexto das atividades de um estabelecimento situado nesse Estado‑Membro. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se é esse o caso.
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2. Processo C‑359/14 e C‑475/14 6 de outubro de 2015 Os Regulamentos (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), e (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II), devem ser interpretados no sentido de que a lei aplicável a uma ação de regresso intentada pela seguradora de um veículo trator, que indemnizou as vítimas de um acidente causado pelo condutor do referido veículo, contra a seguradora do reboque que estava acoplado no momento desse acidente é determinada em aplicação do artigo 7.° do Regulamento n.° 593/2008, se as regras da responsabilidade extracontratual aplicáveis a esse acidente nos termos dos artigos 4.° e seguintes do Regulamento n.° 864/2007 estabelecerem uma repartição da obrigação de reparação do dano.
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Regulamento (CE) n.° 864/2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais
1. Processo C-350/14 10/12/2015 O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), deve ser interpretado, para efeitos da determinação da lei aplicável a uma obrigação extracontratual decorrente de um acidente de viação, no sentido de que os danos associados à morte de uma pessoa num acidente dessa natureza ocorrido no Estado Membro do foro e sofridos pelos familiares dessa pessoa que residem noutro Estado Membro devem ser qualificados de «consequências indiretas» deste acidente, na aceção desta disposição.
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2. Processo C-240/14 09/09/2015 O artigo 18.° do Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»), deve ser interpretado no sentido de que permite, numa situação como a que está em causa no processo principal, que uma pessoa lesada proponha uma ação direta contra o segurador do responsável pela reparação, nas situações em que tal ação se encontrar prevista na lei aplicável às obrigações extracontratuais, independentemente do que se encontre previsto na lei aplicável ao contrato de seguro que foi escolhida pelos contraentes.
o Regulamento (CE) n.° 805/2004 que cria o título executivo europeu para créditos não contestados.
1. Processo C-300/14 17 de dezembro de 2015 O artigo 19.° do Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados, lido à luz do artigo 288.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não impõe aos Estados‑Membros que instituam no direito nacional um procedimento de revisão como o previsto no referido artigo 19.°. O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que, para proceder à certificação como título executivo europeu de uma decisão proferida à revelia, o juiz que conhece do pedido deve assegurar‑se de que o seu direito nacional permite, efetivamente e sem exceção, a revisão completa, de direito e de facto, dessa decisão, nos dois casos previstos nessa disposição, e permite prorrogar os prazos de recurso de uma decisão sobre um crédito não contestado, não só em caso de força maior mas também quando outras circunstâncias extraordinárias, alheias à vontade do devedor, tiverem impedido o devedor de contestar o crédito em causa. O artigo 6.° do Regulamento n.° 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que a certificação de uma decisão como título executivo europeu, que pode ser pedida a qualquer momento, deve ser reservada ao juiz.
o Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento
1. Processo C-245/14 22 de outubro de 2015 O artigo 20.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.° 936/2012 da Comissão, de 4 de outubro de 2012, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, se opõe a que um requerido que, em conformidade com este regulamento, foi notificado de uma injunção de pagamento europeia possa validamente pedir a reapreciação dessa injunção, alegando que o tribunal de origem se declarou competente, indevidamente, com base em informações pretensamente falsas, prestadas pelo requerente no formulário de requerimento dessa injunção de pagamento.
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2. Processo C-94/14 10 de março de 2016 O direito da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias em que um órgão jurisdicional seja chamado a decidir de uma ação, como a do processo principal, relativa à designação de um tribunal territorialmente competente do Estado‑Membro de origem da injunção de pagamento europeia, e examine, nessas circunstâncias, a competência internacional dos tribunais desse Estado‑Membro para conhecer do processo contencioso relativo ao crédito que deu origem a essa injunção de pagamento, contra a qual o requerido deduziu oposição no prazo previsto para o efeito: – uma vez que o Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, não fornece indicações sobre os poderes e as obrigações desse órgão jurisdicional, essas questões processuais continuam, em aplicação do artigo 26.° deste regulamento, a ser reguladas pelo direito nacional do referido Estado‑Membro; – o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, exige que a questão da competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro de origem da injunção de pagamento europeia seja decidida em aplicação das regras processuais que permitem garantir o efeito útil das disposições deste regulamento e os direitos de defesa, quer seja o órgão jurisdicional de reenvio quer um tribunal por ele designado como tribunal territorial e materialmente competente para conhecer de um crédito como o que está em causa no processo principal, a título do processo civil comum, a pronunciar‑se sobre esta questão; –na hipótese de um tribunal como o órgão jurisdicional de reenvio se pronunciar sobre a competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro de origem da injunção de pagamento europeia e concluir pela existência de tal competência à luz dos critérios enunciados no Regulamento n.° 44/2001, este regulamento e o Regulamento n.° 1896/2006 obrigam esse órgão jurisdicional a interpretar o direito nacional no sentido de que este último lhe permite identificar ou designar um tribunal territorial e materialmente competente para conhecer desse processo; e, –na hipótese de um tribunal como o órgão jurisdicional de reenvio concluir pela inexistência de tal competência internacional, esse órgão jurisdicional não está obrigado a reapreciar oficiosamente, por analogia com o artigo 20.° do Regulamento n.° 1896/2006, essa injunção de pagamento.
o 3. Processos apensos C-119/13 e C 120/13 4 de setembro de 2014 O Regulamento (CE) n.° 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, deve ser interpretado no sentido de que os procedimentos previstos nos artigos 16.° a 20.° deste regulamento não são aplicáveis quando se verifique que uma injunção de pagamento europeia não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos nos artigos 13.° a 15.° do referido regulamento. Quando essa irregularidade só se revelar após a declaração de força executória de uma injunção de pagamento europeia, o requerido deve ter a possibilidade de a denunciar, devendo a mesma, caso seja devidamente provada, implicar a invalidade da referida declaração de força executória.
o Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares
1. Processo C-184/14 16 de julho de 2015 O artigo 3.°, alíneas c) e d), do Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, deve ser interpretado no sentido de que, quando forem intentadas uma ação de separação ou rutura da relação conjugal entre os progenitores de um filho menor num órgão jurisdicional de um Estado‑Membro e uma ação de responsabilidade parental relativamente a esse mesmo filho num órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro, um pedido relativo a uma obrigação de alimentos para com esse filho é unicamente acessório da ação relativa à responsabilidade parental, na aceção do artigo 3.°, alínea d), desse regulamento.
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2. Processos apensos C‑400/13 e C‑408/13 18 de dezembro de 2014 O artigo 3.°, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa nos processos principais, que institui uma concentração de competências jurisdicionais em matéria de obrigações alimentares transfronteiriças num órgão jurisdicional de primeira instância competente da circunscrição do órgão jurisdicional de recurso, salvo se essa regra contribuir para realizar o objetivo de uma boa administração da justiça e proteger o interesse dos credores de alimentos ao mesmo tempo que favorece a cobrança efetiva dessas prestações, o que incumbe, contudo, aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar.
o Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência
1. Processo C‑295/13 4 de dezembro de 2014 O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi instaurado o processo de insolvência relativo ao património de uma sociedade são competentes, com fundamento nesta disposição, para apreciar uma ação como a que está em causa no processo principal, intentada pelo administrador da insolvência desta sociedade contra o gerente da referida sociedade para obter o reembolso de pagamentos efetuados após a superveniência da incapacidade de pagamento da mesma sociedade ou a verificação do seu sobre‑endividamento. O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi instaurado o processo de insolvência relativo ao património de uma sociedade são competentes para apreciar uma ação como a que está em causa no processo principal, intentada pelo administrador da insolvência desta sociedade contra o gerente da referida sociedade para obter o reembolso de pagamentos efetuados após a superveniência da incapacidade de pagamento da mesma sociedade ou a verificação do seu sobre‑endividamento, quando o gerente não tem residência noutro Estado‑Membro, mas, como acontece no processo principal, num Estado parte na Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em 30 de outubro de 2007, cuja celebração foi aprovada em nome da Comunidade pela Decisão 2009/430/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2008.
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2. Processo C-594/14 10 de dezembro de 2015 O artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma ação contra um gestor de uma sociedade de direito inglês ou galês, em processo de insolvência aberto na Alemanha, intentada num tribunal alemão pelo administrador da insolvência dessa sociedade e que visa, com base numa disposição como o § 64, n.° 2, primeiro período, da Lei das Sociedades por Quotas, o reembolso de pagamentos efetuados por esse gestor antes da abertura do processo de insolvência, mas depois da data em que foi fixada a insolvência dessa sociedade. Os artigos 49.° TFUE e 54.° TFUE não se opõem à aplicação de uma disposição nacional, como o § 64, n.° 2, primeiro período, da Lei das Sociedades por Quotas, ao gestor de uma sociedade de direito inglês ou galês objeto de um processo de insolvência aberto na Alemanha.
o 3. Processo C-310/14
15 de outubro de 2015
O artigo 13.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que a sua aplicação está sujeita à condição de o ato em causa não poder ser impugnado com fundamento na lei aplicável a esse ato (lex causae), atentas todas as
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circunstâncias do caso em apreço. Para efeitos de aplicação do artigo 13.° do Regulamento n.° 1346/2000 e na hipótese de o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato invocar uma disposição da lei aplicável a esse ato (lex causae) segundo a qual esse ato só é impugnável nas circunstâncias previstas por essa disposição, incumbe a esse demandado invocar a não verificação dessas circunstâncias e fazer a respetiva prova. O artigo 13.° do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a expressão «não permite a impugnação do ato por nenhum meio» visa, além das disposições da lei aplicável a esse ato (lex causae) em matéria de insolvência, também as disposições e os princípios gerais desta lei. O artigo 13.° do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o demandado numa ação de nulidade, de anulação ou de impugnação de um ato deve demonstrar que a lei aplicável a esse ato (lex causae), globalmente considerada, não permite impugnar o referido ato. O órgão jurisdicional nacional que conhece dessa ação apenas pode considerar que cabe ao demandante fazer a prova da existência de uma disposição ou de um princípio da referida lei por força dos quais esse ato pode ser impugnado quando esse órgão jurisdicional considerar que o demandado, num primeiro momento, demonstrou efetivamente, à luz das regras habitualmente aplicáveis do seu direito processual nacional, que o ato em causa, por força da mesma lei, não pode ser impugnado.
o 4. Processo C‑649/13 11 de junho de 2015 Os artigos 3.°, n.° 2, e 27.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, devem ser interpretados no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da abertura de um processo de insolvência secundário são competentes, alternativamente com os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro da abertura do processo principal, para se pronunciarem sobre a determinação dos bens do devedor que fazem parte da esfera dos efeitos deste processo secundário. A determinação dos bens do devedor que fazem parte da esfera dos efeitos de um processo de insolvência secundário deve ser realizada de acordo com as disposições do artigo 2.°, alínea g), do Regulamento n.° 1346/2000.
o 5. Processo C‑557/13 16 de abril de 2015 O artigo 13.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável a uma situação em que o pagamento, impugnado por um administrador da insolvência, de um montante penhorado anteriormente à abertura do processo de insolvência tenha sido efetuado após a abertura desse processo. O artigo 13.° do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que o regime de exceção que estabelece abrange igualmente os prazos de prescrição, de anulabilidade e de caducidade previstos pela lei a que está subordinado o ato impugnado pelo administrador da insolvência. As regras de forma a cumprir no exercício de uma ação de anulação são determinadas, para efeitos da aplicação do artigo 13.° do Regulamento n.° 1346/2000, segundo a lei a que está subordinado o ato impugnado pelo administrador da insolvência.
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6. Processo C-327/13 4 de setembro de 2014 O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito do processo de insolvência de uma sociedade num Estado‑Membro diferente daquele em que tem a sua sede social, essa sociedade pode também ser objeto de um processo de insolvência secundário no outro Estado‑Membro em que tem a sua sede social e onde tem personalidade jurídica. O artigo 29.°, alínea b), do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que a questão de saber que pessoas ou autoridades podem requerer a abertura de um processo de insolvência secundário deve ser apreciada com base no direito nacional do Estado‑Membro em cujo território foi requerida a
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abertura desse processo. O direito de requerer a abertura de um processo de insolvência secundário não pode, todavia, ser reconhecido apenas aos credores com domicílio ou sede social no Estado‑Membro em cujo território se situa o estabelecimento em causa ou apenas aos credores cujo crédito tem origem na exploração desse estabelecimento. O Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que, quando o processo de insolvência principal é um processo de liquidação, a tomada em consideração de critérios de oportunidade pelo órgão jurisdicional que conhece do pedido de abertura de um processo de insolvência secundário insere‑se no âmbito do direito nacional do Estado‑Membro em cujo território é requerida a abertura desse processo. Todavia, quando fixam os requisitos para a abertura de um processo desse tipo, os Estados‑Membros devem respeitar o direito da União e, nomeadamente, os seus princípios gerais, bem como as disposições do Regulamento n.° 1346/2000.
o 7. Processo C-157/13 4 de setembro de 2014 O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que se integra no conceito de «matéria civil e comercial», na aceção desta disposição, a ação para pagamento de uma dívida decorrente de uma prestação de serviços de transporte, proposta pelo administrador da insolvência, designado no âmbito de um processo de insolvência de uma empresa, instaurado num Estado‑Membro e dirigido contra o beneficiário destes serviços, estabelecido num outro Estado‑Membro. O artigo 71.° do Regulamento n.° 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese em que um litígio se integre no âmbito de aplicação tanto deste regulamento como da Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo assinado em Genebra, em 5 de julho de 1978, um Estado‑Membro pode, em conformidade com o artigo 71.°, n.° 1, do referido regulamento, aplicar as regras de competência judiciária previstas pelo artigo 31.°, n.° 1, desta convenção.
o 8. Processo C-328/12 16 de janeiro de 2014 O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território foi instaurado o processo de insolvência têm competência para conhecer de uma ação resolutória no âmbito da insolvência contra um demandado cujo domicílio não se situa no território de um Estado‑Membro.
o Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros
1. Processo C‑226/13, C‑245/13, C‑247/13 e C‑578/13, 11 de junho de 2015 O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que as ações judiciais de indemnização por perturbação da posse e da propriedade, de execução contratual e de indemnização pelos prejuízos sofridos, como as que estão em causa nos processos principais, intentadas por particulares, titulares de obrigações do Estado, contra o Estado emitente, são abrangidas pelo âmbito de aplicação do referido regulamento, na medida em que não se afigure que não se enquadram manifestamente na matéria civil ou comercial.
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2. Processo C-519/13
16 de setembro de 2015
O Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que: a entidade requerida está obrigada, em qualquer circunstância e sem margem de apreciação a este respeito, a informar o destinatário do ato do seu direito de recusar a receção do mesmo, utilizando sistematicamente para o efeito o formulário tipo constante do Anexo II do referido regulamento; e a circunstância de a entidade requerida, quando procede à notificação de um ato ao seu destinatário, não ter juntado o formulário tipo constante do Anexo II do Regulamento n.° 1393/2007 não constitui um fundamento de nulidade do processo, mas uma omissão que deve ser regularizada em conformidade com o disposto no referido regulamento.
o 3. Processo C-223/14 11 de novembro de 2015 O artigo 16.° do Regulamento (CE) n.° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros («citação e notificação de atos») e que revoga o Regulamento (CE) n.° 1348/2000 do Conselho, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «ato extrajudicial», visado nesse artigo, compreende não só os documentos elaborados ou certificados por uma autoridade pública ou um funcionário público não judicial como os documentos particulares cuja transmissão formal ao seu destinatário residente no estrangeiro seja necessária para o exercício, a prova ou a salvaguarda de um direito ou de uma pretensão jurídica em matéria civil ou comercial. O Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que a citação ou a notificação de um ato extrajudicial através das modalidades estabelecidas por este regulamento é admissível mesmo quando uma primeira citação ou uma primeira notificação desse ato tenha já sido efetuada através de um meio de transmissão não previsto no referido regulamento ou através de um dos outros meios de transmissão estabelecidos por este. O artigo 16.° do Regulamento n.° 1393/2007 deve ser interpretado no sentido de que, estando preenchidos os requisitos de aplicação desta disposição, não há que verificar caso a caso se a citação ou a notificação de um ato extrajudicial tem efeitos transfronteiriços e é necessária ao bom funcionamento do mercado interno.
o Regulamento (CE) n.° 805/2004 – Título executivo europeu para créditos não contestados
1. Processo C-300/14 17 de dezembro de 2015 O artigo 19.° do Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados, lido à luz do artigo 288.° TFUE, deve ser interpretado no sentido de que não impõe aos Estados‑Membros que instituam no direito nacional um procedimento de revisão como o previsto no referido artigo 19.° O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que, para proceder à certificação como título executivo europeu de uma decisão proferida à revelia, o juiz que conhece do pedido deve assegurar‑se de que o seu direito nacional permite, efetivamente e sem exceção, a revisão completa, de direito e de facto, dessa decisão, nos dois casos previstos nessa disposição, e permite prorrogar os prazos de recurso de uma decisão sobre um crédito não contestado, não só em caso de força maior mas também quando outras circunstâncias extraordinárias, alheias à vontade do devedor, tiverem impedido o devedor de contestar o crédito em causa. O artigo 6.° do Regulamento n.° 805/2004 deve ser interpretado no sentido de que a certificação de uma decisão como título executivo europeu, que pode ser pedida a qualquer momento, deve ser reservada ao juiz.
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2. Processo C-511/14 16 de junho de 2016 As condições segundo as quais, em caso de sentença à revelia, um crédito é considerado «não contestado», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que cria o título executivo europeu para créditos não contestados, devem ser determinadas de maneira autónoma, apenas nos termos deste regulamento.
o Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais
1. Processo C-305/13 23 de outubro de 2014 O artigo 4.°, n.° 4, último período, da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma, em 19 de junho de 1980, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a um contrato de comissão de transporte unicamente quando o objeto principal do contrato consista no transporte propriamente dito da mercadoria em causa, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. O artigo 4.°, n.° 4, da referida Convenção deve ser interpretado no sentido de que, não podendo ser determinada nos termos do segundo período dessa disposição, a lei aplicável a um contrato de transporte de mercadorias deve ser determinada em função da regra geral prevista no n.° 1 desse artigo, ou seja, a lei que regula esse contrato é a do país com o qual este apresente uma conexão mais estreita. O artigo 4.°, n.° 2, da mesma Convenção deve ser interpretado no sentido de que, na hipótese de se alegar que um contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente daquele cuja lei é designada pela presunção que consta do referido número, o órgão jurisdicional nacional deve comparar as conexões existentes entre esse contrato e, por um lado, o país cuja lei é designada pela presunção e, por outro, o outro país em causa. A este título, o órgão jurisdicional deve ter em conta todas as circunstâncias, incluindo a existência de outros contratos relacionados com o contrato em causa.
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E TENDÊNCIAS NA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA CIVIL E COMERCIAL
EUROPEAN DAY OF JUSTICE 2016
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