Metazine

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ME TA ZI NE


EDITORIAL

Metazine surge como uma publicação com o intuito de homenagear a história do zine (ou fanzine, para aqueles que não são íntimos) no estado de Sergipe. Contar a história de uma plataforma com uma estética tão própria, apesar de diversa, não poderia ser feita de outra forma a não ser agregando ao texto imagens, ícones e detalhes que remetem a linguagem do zine. Assim, o intuito do Metazine é levar aos leitores referências necessárias para entender a dimensão estética de um zine e sua evolução ao longo do tempo, levando um conhecimento supratextual. Por conta disso, ao longo deste zine foram postas capas de publicações que, de algum modo, marcaram história do estado desde a década de 1980 até os anos 2010: Buracaju, de Silvio Campos; Escarro Napalm, de Adelvan Kenobi; Linhas Tortas, de Aquino Neto; Ouija, de Márcio Thiago e Circular Cidade, do Coletivo Sarau Debaixo. Foi ainda adicionada a capa do primeiro zine da história, o The Comet, e a capa, páginas de editoral e contracapa foi feita sobre uma colagem para simbolizar trabalhos manuais comuns aos zines. O desejo de diagramar este projeto não vem de hoje. O Metazine é resultado de anos de práticas, consumo e conversas sobre zines numa pesquisa empírica sobre esta plataforma de publicação que possibilita que escritores, artistas visuais, jornalistas e tantos outros possam disseminar pensamentos de forma barata e sem necessidade de passar por um conglomerado midiático. A vontade de falar sobre estes assuntos não caberia em outra plataforma que não fosse o próprio zine, uma metalinguagem que fez surgir o nome Metazine. Por conta do zine ser uma publicação tão efêmera, muitas vezes com poucas cópias e em tiragem limitada, o registro do zine é escaço e a sua história acaba


Para realizar a diagramação desta peça, o texto foi um guia das etapas da contrução da identidade visual. Isto se deu por cada página seguir uma referência e a parte escrita ter que conversas diretamente com o visual, tornando tudo coerente. A partir do momento que era sabido qual seria a capa de referência, cujo conceito seria replicado na página ao lado, foram observados os pormenores da referência para que pudesse ser replicado. O trabalho utilizou diversas técnicas desde procurar fundos semelhantes para replicar sob o texto até colagem de ícones presentes nas capas em questão. A diagramação digital é fundamental para otimização do trabalho jornalístico contemporâneo, dando diversas possibilidades que a diagramação manual dos zines tradicionais não davam. Se fosse realizado à mão, o Metazine não teria tal resultado. Aracaju/SE, fevereiro a agosto de 2020

Kaippe Reis Estudante de Jornalismo DCOS/UFS

EDITORIAL

sendo passada verbalmente, bem como a partir das revistas que sobreviveram ao tempo nas mãos de colecionadores e zinetecas. Registrar formal e em certo nível academicamente o zine é dar espaço para que esta plataforma também esteja presente na historiografia da mídia sergipana, sobretudo a impressa.


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O zine completa 90 anos em 2020 e, nesse tempo, já esteve disposto em diversos formatos, tamanhos, temáticas e, mais recentemente, plataformas. Zine é um tipo de publicação alternativa similar às revistas tradicionais, inclusive tendo angulação editorial, público alvo e temática. Se existe Rolling Stone ou NME falando sobre música, por exemplo, existem inúmeros zines se dedicando ao mesmo tema. Porém, os zines são pulverizados e autopublicados sem o jabá das gravadoras em um espaço que os sujeitos da ação são aqueles que antes, muitas vezes, eram recepitores e agora viraram emissores apesar da pequena tiragem que zines costumam ter. Diversos nichos já tiveram produção de zines: fanáticos por ficção científica, histórias em quadrinho, música, literatura. Mas o zine também serve para expor ideias originais de seus autores como crônicas, poesias, colagens, fotografias e histórias em quadrinho. Este último é o conteúdo do que foi considerado por alguns como o primeiro zine da história, em 1929, feito por Jerry Seigel, um dos criadores do Superman.

No entanto, a pedra fundamental da publicação, segundo zineiro e pesquisador Márcio Sno foi “The Comet” (1930) em Chicago (EUA), feito por Raymond Palmer e Walter Dennis, membros da Science Correspondence Club. A publicação era destinada a repassar informações para outros fãs de ficção científica durando até 1933 por 13 edições. Já o termo “Fanzine” surgiu apenas em 1941, também nos Estados Unidos, quando Lewis Russel Chauvenet disse no seu “Detours” que o que ele estava fazendo ali era um fanzine. O neologismo vinha da aglutinação das palavras da língua inglesa “Fanatic” (fã) e “Magazine” (revista), ou seja, uma revista de fã. No entanto, esse tempo vem sendo desconstruído, principalmente fora do país, deixando para trás “Fan”, e a pejoratividade que possa conter alí, e mantendo apenas o “Zine”, principalmente nas publicações de conteúdos originais e que não pautam fenômenos culturais anteriores.

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O Zine aqui Do lado de baixo do Atlântico, o zine desembarcou no Brasil em 1965. Segundo Márcio Sno, o precursor foi o Ficção, chamado de boletim quando lançado em outubro daquele ano. Esta publicação era dedicada aos fãs de histórias em quadrinho confeccionada por Edson Rontani, em Piracicaba/SP. Já o pesquisador Henrique Magalhães, atribui o posto de pioneiro a “O Cobra, Órgão Interno da 1.ª Convenção Brasileira de Ficção Científica” que em setembro daquele mesmo ano era lançado na cidade de São Paulo. O fato é que nos anos seguintes o formato se proliferou e ganhou mais e mais títulos, mesmo num momento de ditadura e censura vigente no país. Quando chegou a década de 1980, o país vivia o auge de zines de quadrinhos, segundo Magalhães. O fenômeno de proliferação de zines era observado pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI), que em 1989 fez um relatório sobre chamado “Realização de Manifestações Anarquistas”. Este, mostrando a proximidade que o fanzine tinha com o movimento punk e com a ideologia anarquista, informando à Agência Central que as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Aracaju estavam na ponta de lança desta produção. Aracaju aparece no documento como tendo sido influenciada pela cena baiana, onde

acontecia no ano da produção do relatório uma feira voltada a fanzines. Na capital sergipana, um dos mais expressivos nomes é Silvio Campos, membro da banda Karne Krua, que produzia o “Arakarock” no princípio dos anos 1980 e em meados da década fazia o “Buracaju”. Segundo Adelvan Kenobi, em sua matéria Fanzines Sergipanos, para a Revista Cumbica, de janeiro de 2018, Buracaju - que se dedicava à divulgar bandas e o movimento anarquista - furou a cena local com circulação nacional através dos Correios e levou o nome do rock sergipano a ter visibilidade nacional dentro do nicho. Segundo Kenobi, também eram publicados outros títulos nesta época como “Seduções Ecológicas”, da bióloga Ana Luna, “Clube do Ódio”, do músico Helder Podre, “Boca Quente”, de Roberto Aquino e “Centauro sem cabeça”, dos capoeiristas Nagir Macaô e Gilson Reis. Nos anos 1990, segundo Sno, a primeira metade da década teria sido a época que mais se produziu zine impresso no país. Para Adelvan Kenobi, aqui não foi diferente e elege as escadarias da Catedral como um espaço de confluência de tribos que trocavam ideias e dali rendiam novas publicações.



Kenobi publicou “Escarro Napalm” nos anos 1990, assim com Silvio Campos que cria outros títulos como “Microfonia”, “Ultralibido, este erótico, e o “A Bomba”, informativo de apenas uma página. Outros zines punks também surgiram neste período foram “Brigada de resgate”, de Jall Chaves e “Zoada”, de Cícero Mago, este último também lançou o “Muda Expressão” que era um zine de colagens. Já “Cabrunco” nasce também nos anos 1990 e é um grande nome da zinagem brasileira, sendo inclusive citado por Sno em sua obra. Este, segundo Kenobi, era algo mais profissional tendo tido as suas primeiras 6 edições xerocadas e as sétima e oitiva impressas em gráfica. Ele tinha espaços para anúncio e uma tiragem maior que o habitual para zines. Em entrevista para o Metazine, o zineiro Aquino Neto cita a tríade Silvio Campos, Adelvan Kenobi e Adolfo Sá como figuras chaves para a história do zine sergipano. Os três foram tema de diversos trabalhos sobre zinagem a nível nacional; dentro e fora da academia. Aquino tem Silvio como referência por ele ter sido responsável por apresentar-lhe este tipo de

publicação ainda no ensino médio, entre 2000 e 2002. Aquino Neto ia até a loja Freedom para conhecer mais sobre música e passava a tarde lendo na zineteca de Silvio, que naquela época já avisava ao jovem que em Aracaju estava se produzindo muito pouco daquele material em comparação com o passado. Porém, nem tudo foram flores no rolê zineiro. Márcio Sno acusa o boom da internet pela diminuição da produção, com um êxodo dos zineiros para blogs, já a partir do final dos anos 1990. Em Aracaju, um zine a ter repercussão na cidade no período da virada de século foi o “Cartão Postal”, feito por Duardo Costa e Carolina Lima, que realmente tinha formato de postal e tinha distribuição gratuita em eventos e locadoras de discos. Esta publicação é a referência mais antiga na mente de o professor de inglês e zineiro Márcio Thiago. Mas os anos 2000 é importante para Márcio Thiago e Aquino Neto, tendo os dois tido experiências com zines naquela década. Em 2003, inspirado pelo Cartão-Postal, Márcio confeccionou o zine “Devaneios de Eulália” juntamente de outras pessoas que tomavam contato através de uma rede de blogs. O zine tinha um cunho artístico com desenhos, fotografias, crônicas e reflexões, no entanto, a matriz se perdeu e ele não chegou nem a ser copiado para o público. No ano seguinte, Aquino Neto lança o Guerrilha, sob influência dos zines políticos que via, com conteúdo panfletário falando sobre causas como o veganismo, por exemplo. Ele durou até 2006 e teve 8 edições no formato meio A4.



Zines em Aracaju no A semente plantada em Aquino e Márcio nos anos 2000 voltou a germinar nos anos 2010. Aquino Neto foi um dos organizadores da ocupação cultural de cunho punk Clandestino cuja mais recente fase teve início em 2012. O evento o proporcionou estar próximo de um intercâmbio de bandas de fora e neste seio surge o Linhas Tortas, no começo de 2014. Aquino faziam entrevista com as bandas e buscava colaborações de conhecidos para colagens e ilustrações, quase que revivendo o estilo comum entre as décadas de 1980 e 1990.

construir o Linhas Tortas. O pedido foi atendido mostrando que a mesma internet que deixou o formato em ostracismo anteriormente, agora poderia ser uma importante aliada.

O Linhas Tortas tinha uma tiragem menor do que o Guerrilha, até por ser um produto diferente e esteticamente mais maduro. A cada edição, havia experimentação de materiais tendo uma delas a capa de papel vegetal e costuma manual.

A Café com Veneno foi um projeto que surgiu a partir do Linhas Tortas em que ele, seguindo a dinâmica de anos atrás, mandava material para outros produtores que retribuiam com seus zines. Mas Aquino queria que outras pessoas de Aracaju tivessem acesso ao material que estava sendo feito fora da cidade, então, ao invés de trocar apenas um zine, o número começou a ampliar entre cinco e dez. Assim, ele colocava os exemplares de fora juntos do dele em sua banquinha e as pessoas tinham acesso àquele universo de pos-

O Linhas Tortas teve 5 edições sendo uma delas feita apenas com material de mulheres. Para este, Aquino abriu uma chamada - em um grupo do Facebook voltado à zine - pedindo para que mulheres artistas mandassem material para

Aquino parou com o Linhas Tortas em 2016. Para ele, todos os seus materiais são aperiódicos por se tratar de um ócio criativo, que vai de acordo com a vontade própria e não sob pressão. Mas a sua importância não estava apenas na produção, estava também na distribuição com a Café com Veneno.


os anos 2010 sibilidades. Era uma rede justa de troca. Aquino mandava um número de zines dele equivalente ao que a pessoa mandava, em quantidade ou em valor no mercado. Os valores eram variados, alguns tinham um valor pré-estabelecido (ou ao menos um valor mínimo para ser vendido). Apesar de a Café com Veneno ter uma banca para comercialização de zines, Aquino nunca viu isso como uma renda de fato. O que leva Aquino a se envolver com zines é o gostar de zine, é o pegar o zine, senti-lo, assim como ele fazia na Freedom. Está na ligação entre produtor e consumidor, no contato que há com a pessoa que faz o texto com a que quer ler aquilo. Caso contrário o zine seria apenas um panfleto que poderia estar sendo dado no Centro da cidade e que a pessoa pega aquilo e não troca uma ideia com o autor. Apenas leva para casa. Em fevereiro de 2018, Aquino fez seu último zine apenas com colagens que criou a partir de jornais que uma amiga trouxe do Japão e da Ucrânia e que ele se utiliza da parte gráfica para comunicar.


Além de ter movimentado a cena produzindo e distribuindo, Aquino foi ainda incentivador de novas publicações, tendo sido fundamental para Márcio Thiago produzir o “Ouija” em 2014. Márcio conta que o amigo sempre dizia para ele apenas fazer as publicações, sem pensar em como vender, onde divulgar, apenas fazer. Com essa pressão amiga, Márcio Thiago começou a procurar desenhos e textos que já tinha feito e passou também a pensar em produções especificamente para a nova publicação. O nome “Ouija” vem do tabuleiro homônimo usado para falar com pessoas mortas, fazendo referência tanto ao gosto do zineiro por filmes de terror quanto a possibilidade do, a época, novo zine conectá-lo com o passado. O intuito de Ouija foi ser um zine sem tema fixo, contando com colaboradores para formar a tríplice: desenhos (feitos por Márcio Thiago), fotografias (que vinha de colaborações) e textos (que partiam de ambos). As colaborações aconteceram a partir de conhecidos que ele sabe que já produzem fotos e

textos mas também tiveram pessoas que entraram em contato para tal. Na oitava edição, um fotógrafo ucraniano pediu para fazer parte da publicação após contato que começou através da página que o zine tem no Facebook. Todas as contribuições eram retribuídas com uma quantidade de zines que seria referente a parte que quem estivesse colaborando teria direito. Isso fez com que o Ouija viajasse pelo país - e também para a Ucrânia. Fora isso, ele circulava mais na cidade de Aracaju quando Márcio Thiago ia a eventos como o Maré Maré e o Clandestino e os vendia a dois reais - além do escambo que também era fator recorrente. Como Ouija era xerocado em preto e branco, logo veio a vontade de criar algo em colorido e Márcio Thiago saiu do analógico e partiu para o virtual com Macaulay, em 2015. Este era totalmente autoral, sem contribuições externas. O último Ouija saiu em 2016, já o Macaulay em 2017, mas são títulos em aberto e ele podem ter novas edições lançadas quando menos se esperar.



Uma importante plataforma de disseminação de zines nos anos 2010 foram as ocupações culturais que aconteciam em Aracaju nesta década. Além de viabilizar um local para troca e venda, algumas delas possuíam publicações próprias: “Circular Poesia”, do Sarau Debaixo, e “Cajuzine”, do Ensaio Aberto. Além disso, o espaço dos eventos era propício para a circulação de zines, que naquele momento tomavam formato cada vez mais artísticos e menos informativos.

espaço passando chapéu e oferecendo as publicações. Com o tempo, a estética da publicação foi se aprimorando, “ficando menos quadrada”, segundo Noronha. Ao completar um ano, foi lançado um Circular Poesia especial, diagramado digitalmente, contendo ilustrações do artista visual Cirulo e com um trabalho mais sofisticado que os zines anteriores. A capa desta edição, por exemplo, foi impressa em papel couchê amarelo tendo a característica imagem do ônibus sintetizada por uma catraca em chamas.

O “Circular Poesia” nasceu junto ao Sarau Debaixo, em setembro de 2013, sob o Viaduto do DIA envolvendo poesia e música. Desde a primeira edição, o Circular esteve presente no evento e contava com produção artística de membros do coletivo: poesias, colagens, desenhos. Todavia, com o desenrolar do evento, começou a haver contribuição de artistas locais. Segundo Clara Noronha, uma das responsáveis pela publicação, a própria ocupação cultural ia fornecendo material pro zine com as participações externas no Palco Aberto e no Concurso da PM (Poesia Marginal). As temáticas eram escolhidas dentro do Coletivo que fazia a sua autopublicação.

Em 2015, a ocupação cultural Ensaio Aberto iniciava as atividades e logo surgia o Cajuzine, cujo nome faz referência ao Parque dos Cajueiros, local onde ocorria o evento. Segundo Thainá Carline, diagramadora do zine, a publicação foi importante por ajudar a pagar alguns gastos do evento mas também por ter sido uma maneira de registrar o que estava sendo produzido naquele período. A publicação tinha como foco divulgar artistas locais com letras e cifras de música, desenhos, colagens, fotografia, poesias e outras contribuições que chegavam ao coletivo. Carline conta que conheceu artistas a partir do que chegava por email como forma de contribuição para a publicação. O Cajuzine foi uma plataforma importante por ter sido a primeira vez que alguns artistas foram divulgados para além das suas redes sociais como Medevi e Mobuh, ambos ilustradores.

A venda do Circular Poesia era uma das formas de custear o evento. O zine era xerocado e montado em tamanho A6, sendo vendido por membros do coletivo que circulavam pelo


Bem como no Circular Poesia, havia no Cajuzine uma retroalimentação entre quem consumia e quem produzia, o evento pautava o zine que ajudava a propagar e registrar o que acontecia, bem como financiar a ocupação. “É massa demais saber que isso marcou muita gente pois me marcou muito também”, completa Thainá Carline. Em 2017, um grupo de mulheres se juntou para trazer a Sergipe o grupo paulista Rap Plus Size para tocar gratuitamente na ocupação cultural Casinha, no bairro Rosa Elze, em São Cristóvão, cidade da Grande Aracaju. Mais de um mês antes do evento, saiu o zine Mulheres no Rap que era vendido em diversos espaços pelas envolvidas na empreitada com o intuito de financiar a apresentação. Para Clara Noronha, uma das organizadoras do evento, o zine foi visto como um espaço importante não só para financiar o evento mas também para divulgar as mulheres que fazem rap no Brasil e no Mundo.


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